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A PRTICA CORAL NA ATUALIDADE: SONORIDADE, INTERPRETAO E TCNICA VOCAL - Todays Choral Practice:sonority, interpretation and vocal technique

Angelo Jos Fernandes (Unicamp)[email protected] Adriana Giarola Kayama (Unicamp)[email protected] Eduardo Augusto stergren (Unicamp) [email protected]

Resumo: Este trabalho uma reflexo sobre a figura do regente coral em suas funes de criador sonoro, intrprete e preparador vocal. O artigo discute a importncia da sonoridade na performance coral, bem como sua adequao aos diversos estilos de msica coral atravs de um trabalho de explorao e variao de aspectos estilsticos. Aponta-se o preparo vocal como principal ferramenta para a construo da sonoridade coral bem como para o desenvolvimento da variao sonora, e propem-se caminhos para o trabalho com os vrios aspectos tcnicos da sonoridade de um coro: produo vocal, dico, registrao vocal, timbre, vibrato, homogeneidade, equilbrio, afinao e preciso rtmica. Palavras-chave: Msica Coral; Regncia Coral; Sonoridade Coral; Interpretao Musical; Tcnica Vocal. Abstract: This work is a reflection on the figure of the choral conductor in his tasks as sound builder, interpreter, and vocal coach. The article discusses the relevance of sonority in the choral performance and its adaptation to the various styles of choral music through the exploration and variation of stylistic aspects. Attention is called to the aspect of vocal preparation as the principal tool for the construction of choral tone as well as for the development of sound nuances pointing ways for the working of the various technical aspects of a choir sound: vocal production, diction, vocal registration, timbre, vibrato, blend, balance, intonation, rhythmic precision.

Keywords: Choral Music; Choral Conducting; Choral sonority; Music Interpretation; Vocal Technique. 1. O regente e a performance da msica coral No se pode ignorar o fato de que as notas escritas por um compositor no existem em um vcuo; elas foram concebidas com uma certa sonoridade em mente, e essa sonoridade seria, naturalmente, aquela com a qual ele se familiarizava (NEWTON, 1984, p. 3). Um compositor do passado concebia suas obras em termos de sonoridades musicais da sua poca, como faz um compositor do sculo XX (DART, 2000, p. 27). Assim como as formas e os estilos musicais, as sonoridades1 tambm mudaram ao longo da histria. A prtica da msica coral sofreu influncias temporais, geogrficas e prprias da individualidade dos vrios compositores. Essas influncias se refletem em uma srie de aspectos que merecem ser investigados no processo interpretativo de uma obra: a) em que circunstncias e para que tipo de pblico a obra foi escrita; b) as possveis condies acsticas das salas de concerto, bem como o tipo e o tamanho dos grupos vocais e instrumentais para os quais a obra foi composta; c) o sistema e o padro local de afinao; d) a cor sonora das vozes e dos instrumentos; e) as variaes de mtrica, fraseado, articulao e dinmica; f) o significado do texto e as formas regionais de pronncia deste texto. Direta ou indiretamente, todos esses aspectos exercem alguma influncia sobre o resultado sonoro de uma obra na performance. Assim, a fim de desenvolver um trabalho coerente com questes estilsticas atravs da sonoridade, o regente precisa dar ateno forma, no sentido de verificar como esta se relaciona com cada um dos citados elementos. Contudo, o msico que se dedica questo da sonoridade e lhe concede um papel importante no contexto da interpretao v surgir automaticamente problemas referentes aos critrios histricos (HARNONCOURT, 1998, p. 86). Provar com absoluta certeza qualquer coisa sobre sonoridades e prticas interpretativas, antes da inveno das gravaes, algo evidentemente difcil. H, entretanto,

grande quantidade de indicaes e evidncias que podem orientar o regente a respeito da prtica vocal em sculos passados. A respeito de tais evidncias Newton diz que:Elas podem ser encontradas nos vrios livros de instruo escritos pelos grandes professores de canto. Elas podem tambm ser encontradas nas descries do canto de perspicazes comentadores como Berlioz e Chorley no sculo XIX e Burney no sculo XVIII. Outras evidncias importantes podem ser encontradas no estudo dos instrumentos usados na prtica musical, particularmente aqueles que acompanhavam a voz. Eles prosperariam ou ento cairiam em desuso, ou eles seriam modificados para satisfazer as mudanas de gosto. Especialmente nos tempos mais antigos, um dos objetivos declarados da criao de instrumentos, seja de sopro ou de cordas, era imitar a voz humana. (NEWTON, 1984, p. 9)

No que tange a questionamentos envolvendo a performance coral em pocas e culturas diversas, a busca de respostas calcadas em evidncias uma atitude que pode dar grande dimenso ao processo interpretativo. Por isso, antes de reger uma obra, os regentes deveriam conduzir um processo investigativo a respeito da obra, em que circunstncias foi composta, buscando, se possvel, fontes de pesquisa atualizadas. Embora um regente coral no deva exigir de seu grupo uma sonoridade pr-concebida ideal que seja incompatvel com as habilidades tcnicas de tal grupo, preciso abordar cada composio com um conhecimento de seu estilo musical e da tcnica vocal mais eficiente para sua execuo. Por questes de transparncia e clareza de articulao, um moteto renascentista ou um madrigal, assim como as obras do perodo Barroco, requerem uma produo vocal que resulte em um som mais leve, claro, brilhante, com um vibrato naturalmente reduzido. J o repertrio coral composto desde Schubert at o presente requer uma produo vocal capaz de produzir um amplo espectro de cores e sons do mais leve e brilhante ao mais vigoroso,

pesado, ou at mesmo escuro muitas vezes utilizados na performance de uma mesma pea. A execuo de uma obra coral depende, entre outros aspectos, da realizao correta da afinao, da articulao inteligvel do texto, alm de outras qualidades tcnico-vocais do coro moldadas pelo regente que, assumindo sua funo de intrprete, deve conceber sua prpria viso da obra, expressando-a atravs da sonoridade resultante deste processo. Assim, re-gentes atentos ao refinamento histricoestilstico de uma obra devem tambm se preocupar com a importncia de se ter um conhecimento tcnicovocal que viabilize os resultados buscados. Conhecendo a pedagogia vocal, regentes podem trabalhar efetivamente para desenvolver nos cantores uma maior habilidade vocal, facilitando a tarefa de interpretao de repertrios diversificados. Com uma tcnica vocal eficaz e saudvel, o cantor pode aprender a variar a sonoridade da voz em todos os registros, atingindo grande quantidade de cores sonoras, desenvolvendo um amplo espectro de dinmicas e, ainda, adquirindo a habilidade de executar passagens melismticas com grande agilidade e leveza. Newton (1984, p. 5) diz que existe um amplo espectro de sons que podem ser produzidos pelas pregas vocais para realizar os mais diferentes tipos de msica, considerando-se o mundo inteiro e sua variedade cultural. Como a prtica coral atual tende a abranger grande diversidade de estilos de msica erudita e popular, preciso se formar coros conscientes e capazes de produzir sonoridades variadas. Certamente, as opinies iro variar de regente pra regente, no que diz respeito importncia de se trabalhar em favor da adequao da sonoridade s exigncias estilsticas. Contudo, embora seja rduo, o trabalho de variao sonora possvel, sendo de grande importncia para a performance de repertrios diversos. evidente que reproduzir exatamente as condies sonoras originais de uma composio coral uma tarefa um tanto pretensiosa. Entretanto, qualquer coro pode variar seu som at certo grau, freqentemente em uma escala surpreendente. [...] O fator determinante a tcnica vocal de cada cantor individualmente, [por isso], os regentes devem trabalhar para uma flexibilidade de produo (HEFFERNAN, 1982, p. 82). O autor ainda afirma que:

At que os membros do coro estejam seguros em suademonstrao de postura, respirao e apoio, e at que eles possam cantar sem tenso com a ressonncia adequada, pouco pode ser feito para produzir variaes na sonoridade. Por isso que muitos coros destreinados ou inexperientes so tediosos de ouvir; deficientes de tcnica vocal, eles podem produzir pouqussima variao em seu som. O regente deve ter em mente, constantemente, a necessidade de uma boa produo vocal. (loc. cit.)

Ao regente cabe, portanto, a responsabilidade de conduzir o processo interpretativo, no qual ele deve exercer seu papel de preparador vocal. O regente influencia na tcnica vocal, formao voclica, tipo de ataque e terminao, aspectos do legato e da articulao, e outros fatores que possibilitam que o som seja moldado de acordo com suas intenes. (SMITH; SATALOFF, 2000, p. 138). Uma estimativa aproximada revelou que, no ano de 1992, havia 15.000.000 de cantores corais em todo o mundo, e pelo menos 95% desses cantores (14.250.000, na poca) no estudavam canto individualmente, de onde se conclui que seu preparo vocal estava nas mos de seus regentes (Brandvik, 1993). O regente , em geral, o primeiro e nico professor de canto dos cantores de seu grupo. Por isso preciso assumir a responsabilidade de instru-los tecnicamente. Heffernan observa que: Regentes de coros que aspiram a um alto nvel deexcelncia artstica devem, portanto, se verem no apenas como lderes de organizaes mas tambm como professores de tcnica vocal. Embora [alguns] membros do coro possam estudar canto privadamente, eles ficam sob a instruo do regente durante um perodo muito maior por semana. A influncia do regente, vocalmente falando, pode ser extensiva, e ele ou ela devem assumir a responsabilidade desta posio de liderana. (HEFFERNAN, 1982, p. 20)

Como j refletimos anteriormente, fato que, para o exerccio da sua funo de intrprete, o regente precisa

moldar o coro para que responda s exigncias estilsticas das obras. Entretanto, constata-se que, mesmo tendo conscincia da sonoridade pretendida, nem sempre o regente est apto para alcanar o resultado esperado. Preparar vocalmente um grupo de cantores, especialmente aquele formado por amadores, uma tarefa rdua que exige do regente horas a fio de estudo e prtica com o universo da tcnica vocal, seja individualmente ou em grupo. Seu relacionamento com a tcnica vocal deve ser to ntimo quanto sua familiaridade com a tcnica de regncia e com o seu conhecimento geral de msica. Smith e Sataloff afirmam que:

"O regente deve reunir um arsenal de ferramentas pedaggicas, inspirao potica, conhecimento histrico e habilidades pessoais para acompanhar os passos da natureza de constantes mudanas do coro. essencial que os regentes corais aprendam a usar bem suas prprias vozes, e por meio disso formem uma estrutura pessoal de referncia para assuntos vocais. Postura, qualidade e som da voz, uso da linguagem e gestual de regncia deveriam, cada qual, exemplificar e encorajar bons hbitos vocais. (SMITH; SATALOFF, 2000, p. 9)

Miller ainda ressalta que:Um som coral completo s pode ser alcanado quando os cantores dentro do grupo usarem suas vozes eficientemente. dever do regente coral ensinar os coristas como se tornar cantores eficientes, de forma que as exigncias musicais a eles impostas os beneficiem e no os prejudiquem, e assim, a qualidade do som do conjunto seja da mais alta condio possvel. Aceitandose a premissa de que msica coral msica vocal, as qualificaes exigidas de um regente coral devem ser direcionadas. suficiente ser um bom musicista, ter qualidades de liderana, possuir habilidades como um organista ou pianista, ou ser musicologicamente bem informado? No necessrio ser um cantor profissional para ser um bom professor de canto, mas necessrio que se alcance um bom nvel de proficincia tcnica com

o seu prprio instrumento. Da mesma forma, no necessrio ao regente coral ser um cantor, mas ele ou ela deveria estar apto a conduzir os coristas a uma proficincia vocal. (MILLER, 1996, p. 58)

No entanto, regentes ainda esto divididos em seus posicionamentos quanto ao trabalho tcnico-vocal. Alguns possuem pouca ou nenhuma experincia em canto e, por isso, se sentem desconfortveis com a responsabilidade de lidar com tais questes. Para outros, a tcnica vocal se limita a simples exerccios de aquecimento, que produzem pouco ou nenhum benefcio ao desenvolvimento vocal a longo prazo. H os que se prendem ao emprego de determinados exerccios ou mtodos aprendidos em alguma escola de canto, sem discernir se esses contribuiro efetivamente para o desenvolvimento das vozes. Existem aqueles que, por no planejarem adequadamente seus ensaios e por inabilidade na aplicao da tcnica vocal na preparao do repertrio utilizam-se de um nmero exagerado de vocalises recolhidos em diversos cursos, aulas e masterclasses, acreditando que, destarte, conseguiro bons resultados. Observa-se, ainda, regentes que buscam uma sonoridade nica em seu trabalho. Por acreditarem que os vrios estilos devem to somente se adequar a seus grupos, executam qualquer pea com um mesmo perfil sonoro. Tal sonoridade normalmente uma marca do coro e de seu regente e, para eles, no deve mudar nunca. As divergncias de opinies e atitudes em relao ao trabalho sistemtico de tcnica vocal aplicado ao coro no param por a. Regentes tendem a concordar que um som vocal eficaz e bonito precisa ser saudvel, sem vazamento de ar, confortavelmente sustentado, cantado na afinao correta, bem articulado e capaz de variar amplamente em intensidade. Existem, entretanto, diferentes posicionamentos a respeito do uso do vibrato, da importncia de se trabalhar os registros vocais e a produo do som das vogais, da diferena entre a voz do cantor lrico solista e do cantor coral, entre outros. Muitas destas controvrsias ocorrem em funo da diversidade de escolas de canto, todas cobrindo um amplo espectro de metodologias para se desenvolver uma tcnica vocal eficaz. importante que o regente, em se dedicando ao estudo do canto, determine suas prioridades e trabalhe para

alcan-las, procurando conhecer sua prpria voz e adquirindo o hbito de utilizar-se de uma terminologia adequada no treinamento de seus canto-res. Edwin observa que:Ns no deveramos aceitar o estado atual no tocante ao vocabulrio e tcnica. Todos ns [regentes e professores de canto] precisamos examinar [melhor] a terminologia a respeito de apoio, foco, colocao, voz de cabea e de peito, considerando informaes pedaggicas e pesquisas cientficas fornecidas por autoridades como Richard Miller, Johan Sundberg, Thomas Cleveland e Robert Thayer Sataloff. A administrao pessoal da respirao, a fonao e as tcnicas de ressonncia devem ser comparadas com essas [encontradas] na literatura de uso comum. Quando as comparaes revelarem procedimentos contraditrios, deve-se estar disposto a experimentar, no estdio ou na sala de aula, as tcnicas opostas para determinar se uma mais eficaz que a outra e, se necessrio for, abandonar aquelas que so familiares e confortveis por aquelas que so mensuravelmente melhores. (EDWIN, 2001, p. 54)

Finalizando, conclumos que a tarefa do regente coral de interpretar uma obra e traduzi-la para seu pblico depende, entre outros aspectos, de seu conhecimento vocal e de sua capacidade de atuar como um professor de canto dos cantores de seu grupo coral. O som de um coro precisa ser construdo de forma saudvel, produtiva e responsvel, e em geral, os cantores corais no possuem, individualmente, o conhecimento necessrio para tal. preciso que se entenda que ser um regente coral como ser, ao mesmo tempo, organista e construtor de rgos o regente deve construir o instrumento coral como ele o toca (BRANDVIK 1993, p. 148).

2. Aspectos formadores da sonoridade de um coro

Dos vrios elementos presentes na performance coral, o som do coro um dos que mais chama a ateno dos apreciadores de tal arte. Heffernan observa que:A primeira coisa com a qual um pblico reage num concerto coral, com exceo dos aspectos visuais, o som produzido pelo coro. A ateno dos ouvintes imediatamente atrada qualidade do som que est sendo externado sua riqueza, maturidade, plenitude e clareza tambm, em muitos casos falta de alguma dessas caractersticas. (HEFFERNAN, 1982, p. 80)

A construo de um som coral tecnicamente eficiente e esteticamente equilibrado depende de escolhas feitas pelo prprio regente que, assim, poder demonstrar sua habilidade como preparador vocal: O som do seu coro ser uma exposio da sua habilidade emtransmitir seu conhecimento, em aumentar e refinar suas tcnicas pedaggicas, em estimular e manter nos seus cantores a dedicao s normas vocais e musicais, em dar forma s nuances silbicas e meldicas, em expandir o conhecimento e proficincia tcnica de seu coro e em conduzir o grupo performance artstica. (PFAUSTCH, 1988, p. 91)

Uma vez que a sonoridade coral depende das escolhas do regente, que aspectos so relevantes e devem ser trabalhados pelo regente para se atingir a sonoridade pretendida? O que faz a cor sonora de um coro ser diferente daquela de outro coro? Existem vrios fatores que, embora no participando diretamente da formao sonora do coro, influenciam no seu resultado: o tipo de grupo coral (se profissional ou amador); a faixa etria, sade geral e maturidade musical dos cantores; a realidade scio-cultural do coro; o ambiente acstico em que se realizam ensaios e performances; a freqncia semanal de ensaios; e o tempo dedicado a cada ensaio. Uma vez que esses fatores so variantes, no temos a inteno de abordlos separadamente.

Em sua abordagem sobre prioridades no treinamento de coros de todos os nveis, Carrington aconselha ao regente, em sua funo de preparador vocal, que:Independente do nvel inicial do coro, decida sobre um som coral ideal e trabalhe para desenvolv-lo. Por exemplo, um som limpo, saudvel, alto, com uma variedade de cores, do brilhante ao escuro, do frio ao caloroso, do forte ao suave. Um som flexvel, mas com intensidade constante, e um vibrato controlado, que pode variar sem esforo e rapidamente desde nenhum at um vibrato moderado assim como o vibrato de um excelente instrumentista de corda. (CARRINGTON, 2003. p. 29)

O autor ainda aponta como ingredientes vitais para a prtica coral, a construo de um som bsico para o qual o coro possa sempre retornar, a explorao de um espectro sonoro abrangente baseado em timbres orquestrais e uma ampla variao de dinmica. A partir deste som padro, o coro poder variar sua sonoridade e adquirir uma flexibilidade vocal que possibilite a execuo adequada de repertrios diversos. HEFFERNAN (1982, p. 82) afirma que o som coral influenciado por algumas reas claramente definidas: produo vocal, altura, dinmica e vogais. Para Swan, no existem dois coros que produzam um som idntico, dependendo a sonoridade de um coro no somente das escolhas tcnicas e musicais feitas pelo regente, mas tambm de sua capacidade de aplic-las no trabalho frente do coro. O autor afirma que:O tipo ou qualidade de som produzido por um grupo coral influenciado primeiramente pelos pensamentos e aes do seu regente no que diz respeito: 1. Aos processos bsicos do canto: fonao, suporte sonoro, ressonncia e extenso vocal; 2. Ao grau de nfase dado a uma ou mais das variadas tcnicas corais fundamentais, preciso rtmica, fraseado, equilbrio, dinmica e articulao; 3. s exigncias interpretativas e estilsticas da partitura musical; 4. Aos recursos pessoais e tcnicos do regente

que ele usa para se comunicar com o coro nos ensaios e apresentaes. (SWAN, 1988, p. 8)

Acreditamos, pois, que a formao do som padro de um coro depende de uma srie de elementos de ordem tcnica e pessoal. Na performance, este som ainda sofre a influncia de fatores e escolhas de ordem estilstica. Entre os aspectos tcnicos, h os que esto relacionados individualidade das vozes que formam o coro, devendo ser trabalhados a partir de tcnicas especficas para a otimizao da produo e registrao vocais, da dico, do timbre e do vibrato. Outros se relacionam diretamente com o canto coletivo e dependem de tcnicas voltadas para a busca de homogeneidade, equilbrio, melhoramento da entonao (individualmente e em grupo) e preciso rtmica. Uma vez construda a sonoridade padro, o regente poder trabalhar sua variao atravs dos chamados aspectos estilsticos: cor sonora, fraseado, articulao (musical), emprego de dinmica e aggica.

2.1 Aspectos tcnicos individuais: Para que um coro aprimore suas habilidades coletivas essencial que cada cantor desenvolva individualmente uma boa tcnica vocal. O desenvolvimento da qualidade sonora de um grupo coral comea por um processo de conscientizao do cantor a respeito das ferramentas bsicas para uma produo vocal adequada. Partindo do princpio de que o regente esteja apto para preparar vocalmente seus cantores considerando o fato de que no teria tempo para lecionar canto individualmente a todos surge a necessidade de se desenvolver um programa de trabalho sistemtico nos ensaios, para que os cantores aprendam a lidar com as questes tcnicas e aplic-las ao repertrio. Contrastes de dinmica, homogeneidade e equilbrio apropriados, afinao e entonao precisas, e fraseado eficaz so todos dependentes de uma produo vocal correta (GARRETSON, 1988, p. 67). No mbito do estudo vocal, a compreenso ainda que rudimentar dos aspectos fisiolgicos da produo sonora de grande valia no domnio da emisso e no controle da voz. Evidentemente a fisiologia vocal bastante complexa, mas pode-se dizer que existem, essencialmente, trs reas da

produo vocal, claramente distinguveis, que devem ser estudadas e constantemente trabalhadas: 1) a administrao da respirao; 2) a funo larngea (coordenao eficiente da respirao com a produo do som) aliada busca do relaxamento do pescoo, mandbula e msculos faciais; 3) e o desenvolvimento e explorao da ressonncia vocal. Neste processo o regente deve, ainda, considerar fatores como a postura apropriada para o canto, o aquecimento corporal e vocal, e a funo e o valor dos vocalises, buscando meios de trabalhar a registrao, a extenso, os timbres e a flexibilidade vocal. No temos a inteno de abordar extensivamente os vrios aspectos envolvidos na produo vocal humana. Para maiores esclarecimentos a respeito deste assunto sugerimos a leitura dos trabalhos de Costa (1998) e Miller (1986).

2.1.1 Registrao vocal e msica coral Saber lidar com a questo da registrao vocal fator de grande relevncia para regente e cantores. Para Costa e Silva (1998), o termo registro tem o cunho didtico e procura descrever os intervalos de freqncia que tm, entre si, uma determinada conjugao de atividades musculares e respiratrias. Os autores observam que os registros so chamados de peito, misto e de cabea, numa tentativa de estabelecer uma relao entre os sons produzidos e o local onde ocorre a maior sensibilidade sonora durante sua emisso (Costa; Silva, 1998, p. 84). De fato, segundo a terminologia utilizada pelas escolas de canto, a voz humana possui os trs citados registros: a voz de peito (registro grave), a voz mista (registro mdio) e a voz de cabea (registro agudo). Cada registro vocal tem sua prpria cor sonora, seu peso e suas caractersticas. Para que o cantor possa executar expressivamente repertrios diversos, as qualidades de cada registro precisam ser trabalhadas. Alm disso, o desenvolvimento da extenso vocal, do grave ao agudo, s possvel atravs do domnio dos registros. A transio da voz de peito para a voz mista chamada de primo passagio2 e a transio da voz mista para a voz de cabea chamada de secondo passag3. Costa e Silva explicam que as chamadas passagens que existem entre um

registro e outro so zonas de adaptao nova configurao gltica, e, portanto, sujeitas a dificuldades de acoplamento entre a laringe e o trato vocal. A difcil tarefa do regente a de orientar seus cantores a respeito de cada um, para que desenvolvam a habilidade de transitar de um registro para outro, sem perda da qualidade sonora, evitando eventuais desconfortos vocais e quebras na igualdade do som. O bom cantor deve aprender a lidar com a passagem de modo a que ela se torne imperceptvel, como se, ao passar de um registro para o outro, tivssemos a impresso que fosse um registro nico (loc. cit). Em muitos grupos corais, especialmente no naipe de contraltos, existe uma grande quantidade de cantoras que desconhecem seu registro de cabea, tendendo a cantar tudo no registro de peito, o que pode causar srios danos sade vocal, prejudicar a afinao e gerar uma sonoridade no mnimo desagradvel. Em muitos casos, tais coralistas cantam no naipe de contraltos apenas devido a sua habilidade em utilizar a voz de peito, quando, na verdade, so sopranos que no aprenderam a lidar com a regio aguda. Este caso, muito comum nos coros amadores, pode ser trabalhado pelo regente se este est consciente do problema e conhece ferramentas tcnicas que possam auxiliar suas cantoras na utilizao do registro de cabea. Outra questo importante referente registrao vocal o uso do falsete pelos cantores do naipe de tenores. Nem sempre os coros possuem tenores agudos. Muitas vezes os naipes de tenores so formados por bartonos agudos que no possuem a extenso exigida pelas obras do repertrio, nem tampouco a sonoridade clara e brilhante pertinente a este naipe. Com a orientao do regente, podem desenvolver a habilidade de utilizar o falsete de forma eficiente e adequada a vrios estilos de msica coral. Ao contrrio do que muitos defendem, a utilizao do falsete uma prtica saudvel e muito apropriada para obras de todos os perodos, bem como em arranjos de msica popular. 2.1.2 Dico Na msica vocal, seja ela coral ou no, o trabalho para se alcanar uma boa dico fundamental. Regentes e

cantores so unnimes ao afirmar que o trabalho de dico essencial para o sucesso de um grupo coral. Isto porque a dico permite: uma enunciao clara, capaz de proporcionar um melhor entendimento do texto; uniformidade sonora das vogais, essencial para uma afinao refinada e para a maior homogeneidade sonora; uniformidade de articulao consonantal, essencial para o equilbrio rtmico; e flexibilidade dos lbios, da lngua e da garganta, permitindo uma produo vocal eficiente e saudvel. A fim de que o pblico entenda bem a sonoridade caracterstica e o significado do texto seja em que idioma for necessrio, primeiramente, que se trabalhe a pureza dos sons voclicos e a clareza das consoantes. Entretanto, um simples trabalho de enunciao no o suficiente, sendo necessrio combin-la com a prtica insistente de se cantar as palavras com a acentuao adequada e dar sentido ao contedo potico de cada verso, ajustando-o ao contedo musical da obra. Assim, os textos ganham em expressividade e seu significado melhor comunicado. Moore ressalta que: O ponto de refinamento da qualidade vocal e de unificaosonora do canto grupal est na formao das vogais. Ela determina a qualidade e a maturidade do som e constitui o fator primrio na preciso e controle da afinao, alm de abrir o caminho para que um grande nmero de cantores possa cantar como uma s voz. [...] Ser necessrio que o coro identifique e conhea a formao das vogais bsicas. (MOORE, 1999, p. 51)

Para Miller, muitos dos problemas de afinao nos grupos corais so conseqncia da inabilidade dos cantores em diferenciar claramente as vogais. Depois de explicar a formao dos vrios sons voclicos, o autor incentiva o regente a aplicar exerccios de diferenciao das vogais para que seus cantores adquiram maior domnio sobre sua produo: Um pequeno nmero de exerccios de diferenciao dasvogais, executados individualmente ou em grupos, primeiro lentamente e depois rapidamente, traz uma conscientizao sobre como as vogais podem ser

mudadas sem perda da consistncia necessria para se produzir um timbre vocal rico em ressonncia. Essa consistncia do timbre pode ser mantida somente se o trato ressoador permitido a assumir formas que rastreiem a vogal gerada na laringe. essa habilidade de mudar os contornos do trato ressoador que permitem que o timbre vocal permanea constante quando as vogais so diferenciadas. (MILLER, 1996, p. 61)

Uma ferramenta vital para regentes e cantores, auxiliando-os na prtica da msica vocal, o International Phonetic Alphabet IPA4, no qual os princpios da dico so abordados pelo vis cientfico e tcnico da fontica. Planejado e organizado por volta de 1886 por uma associao internacional que se dedicava ao estudo da fontica, o Alfabeto Fontico Internacional sempre teve como objetivo estipular para cada som das vrias lnguas um smbolo que permanea constante de uma lngua a outra. Um smbolo do IPA representa um som que constante, ainda que sua ortografia mude de uma lngua para outra, ou at na mesma lngua. Em portugus, por exemplo, o smbolo [S] utilizado para representar foneticamente o som do x em xadrez e do ch em ch. Este mesmo smbolo utilizado para o sh de shore (ingls), o sc de vscera (latim) ou de scena (italiano), o ch de chose (em francs), o sch de Schubert (alemo) ou de Khrushchev (russo), e assim por diante. Os smbolos so normalmente colocados entre colchetes para serem distinguidos das demais letras, principalmente porque vrios smbolos fonticos so as prprias letras do alfabeto romano. Por se tratar de um alfabeto universal, as vrias publicaes sobre dico para o canto (solo ou coral) tm adotado o IPA como referencial terico.

2.1.3 Timbre Dos vrios aspectos que formam a sonoridade de uma voz e, conseqentemente, de um coro, o timbre dos mais determinantes. Para um trabalho de flexibilidade da sonoridade, a variao timbrstica de grande relevncia. A fim de buscar maiores esclarecimentos sobre o timbre vocal, de grande importncia recorrer ao tratado de

canto de Manuel P. R. Garcia5. Neste tratado, publicado em meados do sc. XIX, o autor descreveu de maneira cientfica, pela primeira vez na histria, aspectos da produo sonora e do estudo do canto que, at ento, pertenciam ao terreno do empirismo. GARCIA define timbre como as caractersticas prprias e infinitamente variveis que podem tomar cada registro e cada som, sem considerar a intensidade (1985, p. 8), abordando a existncia de diferentes timbres vocais, ressaltando que a variedade dos timbres resulta, inicialmente, dos diferentes sistemas de vibrao da laringe e, em seguida, das modificaes que a faringe imprime a esses sons produzidos (loc.cit.). Para ele, as modificaes de timbre se produzem todas por dois meios opostos, podendo, em ltima anlise, se reduzir a dois principais: o timbre claro e o timbre escuro (Ibid, p. 9). Segundo Pacheco (2004, p. 94), ao tratar de tal tema, o autor no toma partido de um tipo especfico de timbre, explicando e aconselhando o uso de ambos. Garcia ainda define e descreve os efeitos dos timbres nos registros vocais e tambm os explica de forma fisiolgica: Observemos que a modificao mais sutil no timbre traznecessaria-mente uma mudana na posio da laringe. Algum pode se convencer disto experimentando passar sobre todos os sons alternadamente, desde o timbre mais aberto at o mais escuro, e ver a laringe tomar posies progressivamente mais altas ou mais baixas, em razo da clareza ou da escurido do timbre. Observemos ainda que, nestes dois timbres que nos ocupam, os diferentes graus de intensidade adicionados aos sons no trazem nenhuma modificao sensvel nos movimentos dos rgos da faringe. O efeito contrrio se manifesta desde que o cantor experimente alterar, pouco que seja, a nuance do timbre: no mesmo instante o vu palatino se abaixa para o timbre claro, ao passo que o timbre escuro produz a elevao do vu palatino e a ampliao da faringe. Esta ampliao se torna sensvel, sobretudo quando o cantor d a sua voz todo o volume que ela pode comportar, se bem que, por outro lado, os sons saiam desta forma muito fracos; o que merece ser constatado.

Este ato de exagerar do volume s pode ter lugar nas condies do timbre escuro e com esforos violentos. (GARCIA, 1985, 1 parte, p. 10)

Na descrio dos efeitos dos timbres nos registros vocais o autor afirma que o timbre claro comunica ao registro de peito muito metal e brilho e adverte que neste registro, este timbre levado ao exagero torna a voz gritada e esganiada. Ao contrrio, explica o autor, o timbre escuro, d a esse registro o mordente e a redondeza do som [embora, se] levado ao exagero, encobre os sons, sufoca-os, torna-os surdos e roucos (Ibid, p. 9). No tocante ao registro de cabea, Garcia observa que o timbre escuro o modifica de maneira mais marcante [e] torna esse registro puro e lmpido, como os sons de uma harmnica (loc.cit.). Quanto ao falsete, o autor diz que neste registro, o efeito dos timbres, ainda que verdadeiro, , todavia, menos marcante que no registro precedente (loc.cit.). O tratadista tambm explica didaticamente como um cantor pode obter os diversos timbres por meio dos movimentos da laringe e da faringe. Sobre o timbre claro ele diz que: Quando se desejar produzir o timbre claro, precisoprimeiramente que a laringe suba proporcionalmente elevao dos sons e tambm que o vu palatino seja abaixado e, enfim, que o istmo da garganta se diminua. Assim, ainda que a abertura posterior das fossas nasais se apresente livre, a coluna sonora, devido direo inclinada que ele recebe da laringe, encontra-se encaminhada em direo parte ssea e anterior do palato, e a voz, sem tocar as fossas nasais, sai brilhante e pura. necessrio, neste momento, deixar a boca numa forma um pouco horizontal. As vogais a, e, o, abertas italiana, so modificaes do timbre claro que traz esta conformao do rgo [vocal]. O timbre claro facilitado pela inclinao da cabea para traz, inclinao que deixa a coluna de ar se direcionar para a sada mais diretamente. (Ibid, p. 15)

E, a respeito do timbre escuro ele observa que: O timbre se torna escuro se o cantor fixa a laringe numaposio baixa e levanta horizontalmente o vu do palato. Neste caso, a faringe representa uma abbada alongada e a coluna de ar que se eleva verticalmente bate contra a arcada palatina sem entrar na abertura basilar, que permanece fechada. O som torna-se mordente, pleno e coberto. o que se chama de voz mista, escura. [...] A vogal u d essa disposio ao rgo. Notem que para produzir os timbres escuros, abaixa-se a base da lngua. (loc. cit.)

Para GARCIA o timbre claro e o escuro devem ser considerados como os dois principais, mas alm deles existem muitos outros que emprestam do timbre claro ou do escuro o que h de essencial no seu mecanismo (apud PACHECO, 2004, p. 99). No tocante sonoridade coral, observa-se que o timbre claro d muito brilho s vozes e ao som do coro como um todo; tem grande poder de alcance; objetivo e excelente para a afinao. Por outro lado, dificulta a homogeneidade e pode tornar o som spero em algumas circunstncias. O timbre escuro, por sua vez, facilita a homogeneidade e proporciona um som sensvel e pessoal, entretanto, dificulta a afinao e a transparncia das vrias linhas vocais. No h certo ou errado; o som resultante da somatria dos vrios timbres dos cantores de um coro uma das vrias escolhas interpretativas do regente. Entretanto, importante que o regente esteja atento sade vocal de seus cantores e s exigncias estilsticas das obras.

2.1.4 O uso do vibrato na msica coral: permitir ou no permitir? No se pode deixar de abordar neste trabalho, um dos mais polmicos aspectos referentes sonoridade coral: o uso do vibrato. Embora no se deva generalizar, h uma tendncia atual entre regentes de se usar o mnimo de vibrato possvel. O que se alega muitas vezes que o vibrato tira a pureza das vozes e dificulta a obteno da homogeneidade.

Tal posio deveria, entretanto, ser tomada com base na fisiologia da voz e no estudo histrico-estilstico. Miller acredita que a unificao voclica garante a homogeneidade do coro e que vozes com vibrato podem, sim, ser equilibradas pelo regente. Ressaltando a diferena entre o vibrato natural e outras oscilaes, o autor expe sua opinio afirmando que:Um vibrato uniforme, resultado da funo relaxada da laringe, uma caracterstica inerente do som vocal livremente produzido. No deveria ser solicitado aos cantores corais retirar a vibrao de suas vozes na expectativa de torn-las homogneas com vozes sem vibrato. Preferencialmente, o regente deveria auxiliar os amadores sem vibrato, por meio de exerccios de ataque e agilidade a acrescentar a vibrao natural do canto ajustado. Vozes com vibrato produzidas apropriadamente podem ser equilibradas mais facilmente do que vozes sem vibrato. Naturalmente, se as vozes de um grupo sofrem de oscilao (variao de afinao muito ampla e muito lenta), ou de um trmolo, [tais] vozes no equilibraro. Um trabalho tcnico adicional particular com tais cantores pode ser necessrio. (MILLER, 1996, p. 63)

preciso enfatizar que o vibrato um fenmeno natural da voz. Segundo BRANDVIK, quando uma pessoa canta livremente com todos os pequenos e grandes msculos do corpo trabalhando juntos para produzir um som musical saudvel, enrgico e livre, a voz vai produzir uma pulsao leve e regular chamada vibrato (1993, p. 167). A habilidade de controle do vibrato uma parte integral de qualquer boa e saudvel linha de tcnica vocal. Assim, pode-se dizer que um cantor sem a habilidade de controlar o vibrato se excessivo ou inexistente provavelmente ainda no desenvolveu uma tcnica saudvel. O cuidado que precisa ser tomado em relao ao vibrato que este no interfira de forma desequilibrada na frase musical, uma vez que esta deve ser bem direcionada e conduzida de forma clara. Entretanto, o vibrato deve ser desenvolvido pelos cantores e usado como uma importante

ferramenta de expresso. Tal aplicao varivel, e o regente deve decidir e orientar seus cantores sobre quando e o quanto o vibrato apropriado. Brandvik oferece consideraes interessantes que podem orientar estudiosos do assunto:

"1. O vibrato deve variar com as dinmicas: quanto maior o volume, maior o vibrato; de modo inverso, quando menos volume, menos vibrato; 2. O vibrato deve variar com a textura da msica: quanto mais densa a textura menos vibrato (para possibilitar que a harmonia seja ouvida mais claramente); opostamente, quanto menos densa a textura, mais generoso o vibrato; 3. O vibrato deve ser relacionado ao perodo ou estilo da msica que estiver sendo cantada. A msica renascentista com suas linhas claras, texturas esparsas e harmonias abertas requer um controle criterioso do vibrato. A msica romntica com harmonias vibrantes e expresses sonoras cheias geralmente permite um vibrato rico e encorpado. (loc. cit.).

2.2 Tcnicas corais 2.2.1 Homogeneidade e equilbrio: misturando as vozes A homogeneidade um dos mais importantes aspectos coletivos da sonoridade coral e, por isso, precisa ser trabalhada incansavelmente. A busca por alcan-la internamente nos naipes entre si e no coro como um todo uma constante no trabalho do regente. Swan chega a afirmar que a homogeneidade possivelmente a tcnica coral mais necessria e importante; no d para imaginar um belo grupo vocal sem homogeneidade (SWAN, 1998, p. 60). Provavelmente, uma das diferenas mais significativas entre o som de dois coros distintos o nvel de homogeneidade adquirido por cada um. Um som coral absolutamente homogneo humanamente impossvel de ser atingido, embora existam, em todo o mundo, grupos corais, acadmicos e profissionais, que atingiram um alto grau de excelncia neste quesito tcnico. Entretanto, nos coros

amadores h uma grande heterogeneidade entre as caractersticas vocais de seus cantores, dificultando enormemente a obteno da igualdade sonora. Por isso, o regente deve aprender a lidar com essa matria prima e mold-la segundo suas intenes e possibilidades. PFAUSTCH diz que:

"[No coro leigo] algumas vozes so fortes enquanto outras so leves; algumas tm uma qualidade agradvel enquanto outras so estridentes; algumas so flexveis enquanto outras so indceis; algumas so bem moduladas enquanto outras so speras e roucas; algumas tm um grande alcance enquanto outras tem alcance limitado, umas so musicais enquanto outras no so. (1988, p. 103)

A heterogeneidade enfrentada por muitos regentes ainda est relacionada diversidade tnica, cultura, intelectual, musical e etria dos vrios membros do coro. A tarefa do regente buscar, em seus conhecimentos vocais, elementos que lhe proporcionem uma mistura sonora mais homognea. PFAUSTCH (1998, p. 103) acredita que a homogeneidade de um coro ser alcanada primordialmente como resultado de uma produo vocal refinada. Para o autor, na medida em que os cantores aprendem a produzir os sons voclicos corretamente, eles apresentaro um som mais homogneo em cada naipe (loc.cit.). O autor ainda ressalta que as exigncias de alcance e tessitura tambm so fatores que ajudam ou atrapalham a homogeneidade. O regente deve trabalhar os cantores tambm nas extremidades de suas extenses, evitando que forcem sua produo, permitindo que aprendam os ajustes que so necessrios para manter a homogeneidade em passagens distantes do centro vocal. Para Brandvik (1993), regentes e cantores devem estar constantemente atentos a quatro elementos: a altura (afinao), a cor sonora de cada vogal, a potncia e o volume das vozes e a preciso rtmica do todo. Segundo o autor, trata-se de um processo contnuo que no pode ser limitado ao planejamento de ensaio da primeira semana e

depois esquecido. uma habilidade de escuta, disciplina que deve ser praticada consistentemente. De fato, ser impossvel ao regente conseguir um som homogneo sem uma afinao refinada. preciso que os cantores sejam treinados para cantar as freqncias o mais similares possvel. Da mesma forma, preciso afinar as vogais. Os cantores no devem somente enunciar as vogais como esto escritas no texto, mas tentar obter o mximo em igualdade timbrstica, com o mesmo som voclico. No tocante ao volume das vozes, Brandvik (Ibid) aconselha que uma voz forte deve exercitar o controle, e uma voz menor deve cantar o mais forte possvel com uma produo vocal saudvel. O autor ainda chama a ateno do regente para que seja cuidadoso ao posicionar cantores. Ele acredita que posicionar uma voz com pouco volume prxima de uma voz maior pode no ser saudvel para o cantor de voz pequena e causar frustrao para o cantor que possui uma voz com mais volume. Apesar dos resultados claros alcanados com o trabalho de homogeneidade timbrstica e voclica do coro, Miller defende que, uma vez que cada voz tem suas prprias caractersticas, muito mais proveitoso investir num trabalho de equilbrio dinmico-musical das vozes do que tentar mistur-las de forma homognea: Cadainstrumento vocal possui suas caractersticas

timbrsticas nicas. [...] to incoerente para o regente coral exigir de todas as categorias de vozes uma qualidade vocal nica, quanto para o regente de orquestra solicitar que todos os instrumentos tenham o mesmo timbre. Equilibrar as vozes uma tcnica coral muito melhor do que a irrealizvel meta de tentar tornlas homogneas. (MILLER, 1996, p. 58)

Na verdade, intimamente ligado busca pela homogeneidade sonora de um grupo coral, est o trabalho de equilbrio sonoro do coro. Para se alcanar uma sonoridade equilibrada nas vrias obras de seu repertrio, o regente dever considerar uma srie de fatores. De incio, pode-se afirmar que a citada heterogeneidade das vozes do

coro um fator complicador, assim como as tambm mencionadas exigncias de alcance e tessitura. Mesmo assim, o regente dever aprender a exigir dos cantores o que deve ser feito para se produzir uma relao balanceada dos naipes, a partir de mudanas de gradaes de intensidade e dinmica. Faz-se necessrio um bom conhecimento de harmonia e contraponto para lidar com possveis complicaes de equilbrio das partes, conscientizando os cantores de que, hierarquicamente, a importncia das linhas vocais varivel. O coralista deve aprender a se escutar, a escutar seu naipe, os outros naipes e o acompanhamento instrumental, se houver. Neste trabalho de equilbrio independente do nvel tcnico do grupo ser necessrio sempre que se faam ajustes na dinmica para permitir que as linhas mais importantes dominem.

2.2.2 A entonao em conjunto: afinando as vozes Apesar da importncia da homogeneidade e do equilbrio na sonoridade coral, para muitos regentes, a preocupao mais constante a afinao. Segundo Marvin:

"De todos os desafios associados arte de cantar em coro, o de conseguir uma boa afinao provavelmente o mais fugaz. Enquanto outros objetivos importantes do canto em grupo podem ser atingidos por meios bem diretos e de uma forma relativamente consistente, geralmente difcil fazer com que um grupo coral cante afinado. (MARVIN, 2001, p. 26)

Sendo a msica uma arte temporal, a afinao precisa ser recriada a cada execuo e, uma vez que os coros atinjam um padro de afinao satisfatrio [em um dado momento], no h garantias de que o faro nova-mente (loc.cit.). A busca por uma constante boa afinao um trabalho contnuo que deve acontecer no dia-a-dia do coro. Esse processo exige do regente uma melhor preparao dos ensaios, pois o peso da responsabilidade re-cai primeiro

sobre o regente no sentido de motivar e ensinar o coro a cantar afinado (SILANTIEN, 1999, p. 91). Muitos so os fatores musicais e no-musicais que levam um coro desafinao, seja no ensaio ou na performance: o nvel de percepo auditiva do regente e dos cantores, o grau de preparao do repertrio, capacitao tcnica varivel das vozes, condies climticas da sala, o ambiente acstico, estado emocional do regente e dos cantores, etc. Silantien (loc.cit.) afirma que alguns problemas de afinao esto mais ligados a questes de conjunto que a questes vocais individuais; por exemplo, o equilbrio de acordes, a uniformidade voclica e a colocao temporal de consoantes sonoras e ditongos. Para MARVIN (2001, p. 26) tom e timbre, juntos, definem a entonao. O autor ressalta que:

"Cantar afinado significa unificar o tom ou seja, levar as vozes a cantar com freqncias similares e timbres compatveis. No canto coral, isto significa que um som unificado est associado a uma emisso unificada das vogais. Um timbre vocal dentro de cada naipe unificado por uma emisso voclica concorde d lugar a um continuum sonoro integrado, que serve de base para a boa afinao coral. Portanto, tanto as vogais como as notas devem estar afinadas. (loc. cit.)

Moore observa que problemas referentes a respirao, produo voclica e afinao precisam ser previstos pelo regente e resolvidos de forma eficaz nos ensaios corais. No que diz respeito afinao, ele acredita que:

"A soluo que os cantores aprendam as partes vocais to precisamente e ouam to cuidadosa e criticamente que a acuidade na entonao v alm daquela oferecida pelo piano ou pelo diapaso. Essa habilidade, combinada com um alto nvel de produo vocal e edificada sobre hbitos apropriados de respirao e ateno detalhada aos sons voclicos, pode resultar na aquisio de um som desejado e uma sonoridade que

produza uma excepcional qualidade de conjunto. (MOORE, 1999, p. 52)

2.2.3 Preciso Rtmica Assim como a homogeneidade timbrstica e voclica caminha lado a lado com equilbrio dinmico-musical, o trabalho por uma afinao eficiente, deve estar aliado busca da preciso rtmica. As idias musicais de uma obra so construdas dentro de uma organizao temporal. H um movimento seqencial de tais idias sonoras, que ordenadas pelo compositor, precisam ser percebidas e controladas pelo regente. Oakley afirma que:O regente deve auxiliar o coro a desenvolver um senso comum de ritmo interno que propicie uma organizao estrutural ao som do coral. Isto no to comum quanto se imagina. Na verdade, um pequeno percentual de conjuntos corais consegue de fato obter um senso de completa unidade rtmica. Infelizmente, isso causado com mais freqncia pelo fato de que pouqussimos regentes, e eu ressalto pou-qussimos, possuem um domnio pessoal de ritmo interno, segurana quanto ao tempo e sensibilidade rtmica. (OAKLEY, 1999, p. 112)

Para este autor, talvez a melhor maneira de o regente desenvolver seu prprio senso rtmico seja auxiliando o coro a desenvolv-lo (Ibid, p. 114). Ele observa que:Muitas vezes, erros rtmicos no so pecados ligados ao, mas sim de omisso, j que a maioria dos coros perde a estabilidade do andamento a cada ponto de respirao ou de mudana de frase. O grande mandamento da execuo rtmica : assim como o som medido, o silncio tambm deve ser medido. Cada ponto da frase e cada respirao devem ter uma atribuio rtmica. Muitos coros chegam ao fim de uma frase, respiram em conjunto e cantam a prxima entrada atrasados em relao pulsao, obliterando, assim, o andamento. Isto no rubato, isto falta de disciplina. (, p. 117)

PFAUSTCH (1998, p. 103) acredita que a homogeneidade de um coro ser alcanada primordialmente como resultado de uma produo vocal refinada. Para o autor, na medida em que os cantores aprendem a produzir os sons voclicos corretamente, eles apresentaro um som mais homogneo em cada naipe (loc.cit.). O autor ainda ressalta que as exigncias de alcance e tessitura tambm so fatores que ajudam ou atrapalham a homogeneidade. O regente deve trabalhar os cantores tambm nas extremidades de suas extenses, evitando que forcem sua produo, permitindo que aprendam os ajustes que so necessrios para manter a homogeneidade em passagens distantes do centro vocal. Portanto, na eterna busca pela excelncia na performance coral, essa mistura sonora unificada pode ser alcanada a partir de uma proposta timbrstica unificada, baseada num trabalho uniforme dos vrios aspectos tcnicos individuais, na produo adequada dos sons voclicos, no equilbrio dinmico-musical das vozes e na busca de uma afinao refinada, por meio da qual, os cantores devem cantar nas freqncias mais similares dentro da maior preciso rtmica possvel.

Notas Considerando a abrangncia de significados e implicaes da palavra sonoridade importante esclarecermos que todo este trabalho dedicado ao que chamamos, no mbito da musica coral, de cor sonora. No se trata apenas de questes timbrsticas, embora o timbre tenha grande relevncia neste contexto. Pretendemos abordar atravs da referida expresso, o som coral resultante da somatria de elementos tcnico-vocais, tcnico-corais e estilsticos. Portanto, tanto a expresso cor sonora quanto as expresses qualidade sonora e som coral ou simplesmente a palavra sonoridade podem, ao longo deste trabalho, ser empregadas com tal conotao. 2 Lit: primeira passagem. 3 Lit: segunda passagem. 4 Lit.: Alfabeto Fontico Internacional. 5 GARCIA, M. Trait complet sur lart du chant. Parte I, 1841; Parte II, 1847. Paris: Minkoff, 1985. REFERNCIAS

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Graduao em Msica da UNICAMP; atualmente, presidente da ANPPOM - Associao Nacional de Pesquisa e PsGraduao em Msica. Eduardo Augusto stergren Maestro e professor do Departamento de Msica do Instituto de Artes da Unicamp. Responsvel pelo curso de regncia coral e orquestral, atua tambm como docente nas disciplinas de histria da msica medieval e de introduo pesquisa musical. Foi docente das Universidades da Carolina do Norte, em Raleigh, de Indiana e de Purdue, ambas no estado de Indiana. Participou de seminrios sobre Regncia Coral e Orquestral em diversas universidades brasileiras e americanas, e foi membro de jri em vrios concursos internacionais.


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