// Revista da Faculdade de Direito // número 4 // segundo semestre de 2017
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A PROVA A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE TRANSPORTE DECOISAS À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILCristiano Padial Fogaça Pereira*
*Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, especialista em Proces-so Civil pelo COGEAE/PUCSP e sócio do escritório de advocacia Fogaça, Moreti & Advogados Associados, e-mail: [email protected]
SUMÁRIOINTRODUÇÃO. 1. CONCEITO DE CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. 1.1. As partes do contrato. 1.2.
Transporte de coisas. 1.3. Responsabilidade civil objetiva. 2. HIPÓTESES DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL.
2.1 – Acidente com a transportadora e o fato de terceiro. 2.2.- Roubo de carga como fato de terceiro 3. A PROVA
NO CPC/2015. 3.1. A presunção. 3.2. Ônus da prova. 4. QUESTÕES ESPECÍFICAS DA ANÁLISE DA RESPON-
SABILIDADE CIVIL DOS TRANSPORTADORES E SUJEITOS AFINS. 4.1. Sobrestadia (demurrage) no afretamento.
4.2. Transporte Multimodal e a importância do ato de vistoria da carga. CONCLUSÃO
ResumoO escopo do presente artigo é analisar, à luz do NCPC, o contrato de transporte de coisas e perquirir como a
prova da responsabilidade civil relaciona-se com essa modalidade contratual, tendo como foco: (i) os fortuitos
externos, analisando-se o fato de terceiro decorrente de acidente com a transportadora em rodovia e o roubo de
carga; (ii) a indenização pré-fixada e a necessidade ou não de prova de culpa no atraso na restituição de contêiner
ou de embarcação objeto de afretamento, bem como; (iii) o transporte multimodal e a importância da verificação
e inspeção da carga.
Palavras-Chave: Contrato de transporte de coisas. Prova. Responsabilidade civil. NCPC.
AbstractThis is an analysis about cargo transport contract and how civil liability evidences should be faced, according
to the new Civil Procedural Brazilian Code, focusing on: (i) external fortuitous cases; (ii) predefined amount for
damages compensation and the need, or not, to establish fault in case of delay on container restitution; and (iii)
the multimodal transport and the relevance of committing cargo inspection.
Keywords: Cargo transport contract. Evidences. Civil liability. New civil procedural brazilian code.
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INTRODUÇÃO
O contrato de transporte dispõe de diversas facetas,
na medida em que pode referir-se ao deslocamen-
to de pessoas ou de coisas, bem como este pode
dar-se por diferentes modos de transporte, como rodoviá-
rio, ferroviário, aquaviário e aéreo.
Há um verdadeiro manancial legislativo acerca do tema, for-
mado por normas legais específicas que tratam da matéria,
desde o Decreto 2.681/1912 que versa sobre ferrovias, o Có-
digo Brasileiro de Aeronáutica, perpassando pelo Código de
Defesa do Consumidor, Código Civil até os Tratados e as Con-
venções Internacionais como a Convenção de Varsóvia, por
exemplo. Como se não bastasse, tudo isso vem acompanha-
do de normas editadas por agências reguladoras, sejam elas
a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, ANTT – Agência
Nacional de Transportes Terrestres, ANTAQ – Agência Nacio-
nal de Transportes Aquaviários, dentre outras.
O escopo do presente estudo é tratar do transporte de coisas
somente (e não do transporte de pessoas) e depurar como
a responsabilidade civil relaciona-se com essa modalidade
contratual, examinando em especial: (i) os fortuitos externos,
analisando-se o fato de terceiro decorrente de acidente com a
transportadora em rodovia e o roubo de carga; (ii) a indeniza-
ção pré-fixada e a necessidade ou não de prova de culpa no
atraso na restituição de contêiner ou de embarcação objeto de
afretamento; e (iii) o transporte multimodal, o qual pode asso-
ciar diversos modos de transporte, como aquaviário, terrestre
e aéreo, por exemplo, em uma única entrega de mercadoria e
a importância da verificação e inspeção da carga.
A par disso, temos por objetivo perquirir como o ônus da
prova e o convencimento motivado do Juiz foram tratados
pelo CPC/2015 e de que maneiras tais conceitos refletem
na responsabilidade civil do transportador de carga.
O estudo da responsabilidade civil do transportador de coi-
sas à luz do CPC/2015, portanto, será realizado neste artigo
por meio da verificação de algumas situações concretas,
de sorte a mirar os desdobramentos da responsabilidade
objetiva, que sabidamente incide sobre o contrato em tela.
Da mesma forma, quanto ao direito material, a intenção é
investigar a responsabilidade civil objetiva do transportador,
à luz principalmente do Código Civil e não mediante análise
pormenorizada da legislação extravagante.
1. CONCEITO DE CONTRATO DE TRANSPORTE
Sem a pretensão de tecer um histórico detalhado do con-
trato em análise, convém somente apontar de modo sucinto
a origem desse negócio jurídico.
Os historiadores norte-americanos Edwin Hunt e James
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Murray1 ensinam que, na Europa durante a Idade Média,
empresas transportadoras abriram milhares de postos de
trabalho a operários de inúmeras formações, quando sina-
lizaram com a oportunidade que o ramo dos transportes
poderia oferecer. A evolução dos transportes, nessa épo-
ca, foi de vital importância à expansão do comércio entre
as nações da Europa, registram os referidos historiadores.
(HUNT et MURRAY. 2000. p. 78-79)
Desde essa época, como destaca Ricardo Negrão, havia duas
modalidades ligadas ao transporte de mercadorias, o serviço
de transporte propriamente dito e o afretamento, segundo o
qual o possuidor de uma embarcação a cede para utilização
por outro transportador2. (NEGRÃO. 2011. p. 411-412)
O contrato de transporte, sempre extremamente relevante
ao desenvolvimento econômico das nações, revela grande
importância no atual mundo globalizado, no qual um sem
número de companhias comunicam-se pela internet ou por
telefone e, assim, celebram contratos empresariais, mesmo
situando-se em diferentes continentes, muitas vezes. As-
sim, as mercadorias devem ser entregues com a rapidez
que o mercantilismo exige, vinculando, portanto, o trans-
portador a rígidas obrigações.
Feita essa brevíssima reflexão histórica, devemos caminhar
em direção à noção conceitual de contrato de transporte,
conceito este claramente cunhado pelo Código Civil que,
em seu artigo 730, estabelece: “pelo contrato de transpor-
te, alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de
um lugar para outro, pessoas ou coisas”.
Maria Helena Diniz3 aduz que a empresa de transporte, pes-
soa física ou jurídica, oferece a prestação de serviços de
deslocamento de pessoas ou mercadorias pela via terres-
tre, aquaviária (marítima, lacustre ou fluvial), ferroviária ou
aérea, revestindo-se o contrato de forma empresarial, em
nome individual ou coletivo, assumindo o transportador os
riscos do empreendimento. (DINIZ. 2013. p. 476)
A assunção dos riscos do empreendimento do serviço
prestado pelo transportador é uma noção que se encontra
insculpida no Decreto 2.681/1912, que trata das ferrovias.
Nesse diploma legal, já há a atribuição de responsabilidade
independentemente de culpa pelo legislador, previsão esta
que, até os dias atuais, é invocada como embrião da res-
ponsabilidade objetiva nos contratos de transportes.
Porte ou frete é o nome dado ao preço cobrado pelo trans-
portador para realizar o serviço. Silvio de Salvo Venosa4
salienta que, acaso o contrato estabeleça que o frete será
pago ao final, ou seja, no destino, o transportador pode-
rá invocar a exceção ao contrato não cumprido e reter os
bens, caso o destinatário não efetue o pagamento do porte.
(VENOSA. 2003. p. 487)
1.1. AS PARTES DO CONTRATO
São partes do contrato de transporte, em especial no trans-
porte de cargas que é o objeto deste estudo, o remetente
ou expedidor, que é quem contrata o serviço; e o transpor-
tador ou condutor, que é quem transporta a mercadoria. O
destinatário ou consignatário não é parte do contrato, pois
este é quem recebe o bem deslocado.
Logicamente, acaso remetente e consignatário da mercadoria
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se confundam em razão de uma específica situação de fato,
este último poderá ser parte no contrato, mas essa não é a
regra. Exemplo dessa confusão ocorre na hipótese em que
alguém contrata uma transportadora para realizar a mudança
de residência, haja vista que, neste caso, a parte contratante
(remetente) é o próprio destinatário5. (DINIZ. 2013. p. 479)
Consoante explica Silvio de Salvo Venosa6, existe também
a figura do comissário de transportes que é quem se obri-
ga por transportar a mercadoria, conquanto não realize o
transporte pessoalmente, é o que se chama de empresa de
expedição ou agente de transporte. O comissário assume
diretamente a responsabilidade pelo transporte perante o
remetente, não podendo atribui-la a seu contratado a fim de
escusar-se ante seu contratante. (VENOSA. 2003. p. 485)
Como bem pontua o conceito dado pelo Código Civil, aci-
ma delineado, o transportador age mediante retribuição.
Assim, os transportes feitos por mera cortesia, como o
transporte de móveis de uma residência feito por um amigo
ou uma carona, não constituem contrato de transporte e
submetem-se à responsabilidade subjetiva7. Exige-se, pois,
o elemento “retribuição financeira”.
Importa salientar que mesmo que a retribuição financeira não
seja em pecúnia, estará caracterizado o contrato em tela.
Exemplo disso ocorre no serviço prestado por hotéis que ofe-
recem traslado ao aeroporto ou até pontos turísticos da locali-
dade em que estão inseridos. Mesmo que não haja cobrança
pelo serviço em especial, o hotel agrega valor ao serviço de
hotelaria, qual seja, o valor representado pela comodidade de
levar e trazer os hóspedes, elemento que o diferencia de ou-
tros concorrentes e costuma lhe redundar em novos clientes.
Nesse caso, a sociedade que gerencia o hotel assemelha-se
ao transportador e assim responde se houver algum dano
causado a hóspedes transportados pelo estabelecimento.
O mesmo não ocorre com o fornecedor de mercadorias que
as vende e entrega pessoalmente ao comprador. A entrega
da mercadoria feita diretamente pelo fornecedor é absorvi-
da pelo negócio jurídico de venda e compra e passa a fazer
parte desse contrato principal. O fornecedor não é, portan-
to, transportador.
1.2. TRANSPORTE DE COISAS
O artigo 749 do Código Civil define que, no contrato de
transporte de coisas, o transportador obriga-se por deslo-
car determinada mercadoria ao local de destino, tomando
as cautelas necessárias para mantê-las em bom estado e a
fim de entregá-las no prazo ajustado.
Silvio Salvo Venosa8 novamente faz relevante observação, que
acolhemos como pertinente. Para o autor, o transporte de coi-
sas abrange desde a remessa por motoqueiros em grandes
cidades (os chamados motoboys) até o deslocamento de uma
usina inteira por via marítima. (VENOSA. 2003. p. 495)
Por haver diferenças brutais entre o porte de um contra-
to de transportes e outro, estabelecer-se, no pacto, limi-
tes para a responsabilidade do transportador, em caso de
perda ou avaria, é uma questão fundamental. Para tanto,
importante discorrermos sobre o documento denominado
“conhecimento de transporte”.
Ricardo Negrão9 destaca que o conhecimento de trans-
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porte é título de crédito, porém despido de executividade
por ser causal, indicativo da coisa transportada. Entende-
-se, portanto, que se trata de título de crédito impróprio, ou
seja, título que representa uma mercadoria e não um direito
a crédito. (NEGRÃO. 2011. p. 430)
Acerca de se tratar de título impróprio, Fábio Ulhoa Coelho10
também defende ideia similar. (COELHO. 2007. p. 472)
Conhecimento de transporte é documento que faz prova
da existência do contrato de transporte, contrato este que
não exige forma escrita. É de suma importância, pois, ano-
tar-se no comprovante de transporte o valor da mercadoria,
suas especificações, como peso, qualidade e quantidade,
conforme se infere do art. 743 do Código Civil.
O valor da mercadoria constante do conhecimento de
transporte é que limitará a dimensão econômica da respon-
sabilidade do transportador.
A razão pela qual exige-se a indicação da natureza do produ-
to em conhecimento de transportes decorre do fato de que o
transportador deve ter ciência daquilo que irá transportar, a fim
de que possa tomar as cautelas necessárias à conservação
adequada do bem, bem como a fim de evitar risco de danos
às outras mercadorias transportadas concomitantemente.
A especificação feita em conhecimento de transportes, por-
tanto, viabiliza que o transportador possa entregar a coisa em
bom estado, o que interessa ao próprio remetente, bem como
assegura que o veículo de transporte e os demais bens deslo-
cados estejam em segurança, o que importa ao transportador.
Não pode, sob pena de responsabilidade civil, o remetente
de produtos inflamáveis, por exemplo, deixar de comunicar
tal natureza da mercadoria ao transportador. Isso porque o
transporte inadvertido acarretaria risco à coletividade.
Acaso o remetente preste informações inadequadas ao
transportador, quando da elaboração do conhecimento de
transporte e tal omissão cause danos ao transportador, este
último disporá de 120 (cento e vinte) dias para mover ação
indenizatória contra o contratante, nos termos do art. 745
do Código Civil.11
Especificamente no transporte marítimo, o conhecimento de
transporte é o título que constitui a prova escrita do contra-
to de transporte internacional de mercadorias. O capitão do
navio deve sempre portar o conhecimento de transporte (bill
of lading), porquanto este constitui o principal documento no
transporte marítimo de coisas, juntamente com o documento
de trânsito aduaneiro.12 (MARTINS. 2008. p. 101-120)
A emissão do conhecimento de transporte pode ser nomi-
nativa à ordem, com possibilidade de endosso; não à or-
dem; ou ao portador.13 (VENOSA. 2003. p. 498)
O afretamento pode ser considerado uma modalidade de
contrato de transporte, que contempla não somente o des-
locamento de uma mercadoria de um ponto ao outro, como
também a cessão do uso de um veículo ou de equipamento
próprio, a ser utilizado no transporte. Essa modalidade é
bem conhecida no transporte marítimo.
Ricardo Negrão14 preleciona que o afretamento (de veículo
e não de equipamentos) pressupõe a necessidade de ocu-
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pação de um espaço no interior da embarcação por parte
do expedidor, o qual será operado por armadores, isto é,
empresas de navegação que cuidam da logística dos trans-
portes. (NEGRÃO. 2011. p. 443)
O afretamento pode se referir também a compartimentos
que são colocados dentro dos veículos, como é o caso do
afretamento de contêineres.
O documento que faz prova do afretamento de embarca-
ções ou de contêineres não é o conhecimento de transpor-
te, mas sim a carta-partida.
Segundo o contrato sob enfoque, o fretador é aquele que
dá a embarcação a frete, em geral, é o proprietário do veí-
culo. De outro lado, o afretador é aquele que recebe a em-
barcação e realiza o serviço de transporte ao remetente.
É o afretador, com efeito, quem se responsabiliza ante o
remetente da mercadoria.
Em geral, os contratos de afretamento preveem um perío-
do durante o qual o afretador poderá utilizar o veículo para
transporte, após o qual, caso a embarcação ou o contêiner
não seja devolvido, incidirá valor da sobrestadia, como será
mais bem explorado a seguir, em tópico próprio.
1.3.- DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Estabelece o art. 927 do Código Civil15, em seu parágrafo
único que a responsabilidade civil objetiva, ou seja, que in-
depende da análise de culpa, incidirá sobre determinada
atividade, desde que haja previsão legal específica ou caso
esta atividade tenha, em sua natureza, o risco.
O art. 734 do Código Civil16 preconiza claramente que o trans-
portador responde pelos danos causados às pessoas trans-
portadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo
nula cláusula de exclusão de responsabilidade17. Ou seja, é
clara a imputação de responsabilidade objetiva ao transporta-
dor, eis que não se depende de verificação de dolo ou culpa.
O Decreto nº. 2.681 de 191218, que versa a responsabilida-
de das estradas de ferro, em seu artigo 1º. aduz claramente
que a companhia que explora a estrada de ferro sempre
responderá por danos causados, independentemente de
prova de culpa, pois esta, é presumida.
O mesmo dispositivo legal elenca possíveis exceções como
caso fortuito ou força maior, erro no acondicionamento ou no
carregamento feitos pelo próprio remetente da mercadoria,
afretamento de vagão pelo próprio remetente, entre outras.
Obviamente essas hipóteses constituem rol exemplificativo e
denotam que a responsabilidade civil do transportador seria
excluída em hipóteses de rompimento de nexo causal.
Afora tais exceções, o transportador responderá por danos ou
avarias perante o remetente da carga. Tal lógica inscrita no De-
creto 2.681/1912 aplica-se às demais modalidades de trans-
porte, em especial, no caso de transporte de mercadorias.
Havendo previsão legal expressa para a responsabilidade
objetiva, aplica-se a primeira parte do parágrafo único do
art. 927, do Código Civil, portanto, de modo que fica des-
necessária a análise acerca de ser ou não a atividade do
transportador uma atividade de risco.
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Pontes de Miranda19 discorreu a respeito do tema, dando
sua peculiar visão a respeito e comparando o serviço de
transporte com a empreitada: (MIRANDA. 1984. p. 160)
“O que importa é o resultado, o que bem mostra que, se
se pagou a locatio, permaneceu o que, na língua portugue-
sa, se denomina “empreitada”. A pessoa transportada, ou o
possuidor do bem ou dos bens transportados, quer o ciclo
elaborativo do resultado.”
Segundo essa análise, além de a responsabilidade objetiva
no contrato de transporte contar com especificação legal,
Pontes de Miranda vai ao cerne da obrigação do transporta-
dor para encontrar uma explicação, para a própria intenção
da lei. Defende, pois, que se trata de obrigação de resultado.
De fato, a obrigação do transportador é de resultado e não de
meio. Obriga-se, com efeito, a deslocar mercadorias ou pes-
soas de um ponto ao outro, cumprindo necessariamente horá-
rio e itinerário, além de dever levá-los com segurança e diligên-
cia. Tal obrigação está prevista pelo art. 749 do Código Civil.20
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz21 destaca que se trata de
obrigação de resultado, o que somente permite excetuar como
causa de responsabilidade do transportador, a força maior, caso
fortuito e o vício intrínseco da coisa. (DINIZ. 2013. p. 487)
Como dito em tópico anterior, o conhecimento de transpor-
te limita a responsabilidade civil do transportador, a qual
é objetiva. Novamente Maria Helena Diniz22 salienta impor-
tante ponto nessa seara ao mencionar que o remetente e
o transportador podem fixar um limite máximo para a res-
ponsabilidade (jamais podem convencionar que esta será
excluída), nos casos de perda ou avaria, desde que isso
reflita em redução no valor do frete contratado.
A exceção que trata de força maior e caso fortuito é aquela
capaz de romper o nexo de causalidade entre o ato perpe-
trado e o dano experimentado, o que será tratado detalha-
damente a seguir.
A par dessa exceção, incluem-se também o fato de terceiro
e a culpa exclusiva da vítima.
2.– HIPÓTESES DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL
Agostinho Alvim23 preconizou que é indenizável o dano que
se filia a uma causa necessária, por não existir outra que
explique o mesmo dano. (ALVIM. 1955. p. 161-169)
Assim, prestigiando a teoria da causalidade, a responsabi-
lidade civil objetiva deve decorrer da conjugação dos ele-
mentos, ato, dano e nexo causal. Como se sabe, para a
verificação da responsabilidade subjetiva, exige-se ainda o
elemento culpa ou dolo.
O art. 403 do Código Civil estabelece que, nesse sentido,
que a indenização somente deve incluir os lucros cessantes
e o prejuízo provocado diretamente pelo ato danoso, não
servindo decorrências indiretas, sob pena de prestigiar-se o
que chamamos de regressão ao infinito, ou seja, o parado-
xal “efeito sem causa”.
Um evento danoso que não possa ser vinculado, por rela-
ção lógica de causalidade ao ato em questão – por haver
outros elementos impactantes, como culpa exclusiva da ví-
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tima, o fato de terceiro, caso fortuito ou a força maior – não
pode levar à responsabilização de seu agente. São as cau-
sas excludentes de responsabilidade civil.
Em síntese, a culpa exclusiva da vítima ocorre nas hipó-
teses e que a vítima é quem deu causa ao dano, sendo o
agente mero instrumento para o acidente ocorrer por ato
culposo praticado do próprio prejudicado. Exemplo clássi-
co é a vítima que caminha bêbada sobre os trilhos de um
trem e acaba por ser atingida pela locomotiva.
O fato de terceiro traduz-se na situação em que o um terceiro
que não tem qualquer relação com o contrato ou com a reali-
zação de um serviço, intervém de forma deletéria na consecu-
ção do mesmo, causando danos a alguém. Estando o agente
submetido a determinada responsabilidade civil pela realiza-
ção de dada atividade, deverá provar que o fato foi causado
pelo terceiro, a fim de eximir-se de responsabilidade.
Já o caso fortuito consiste na situação por meio da qual um
fato que não poderia ser evitado ou previsto pelo agente faz
com que a prestação do serviço deste torne-se falha ou não
realizada. Exemplo disso são as greves do serviço bancário ou
as quedas de energia em toda uma região do país (conhecidas
em 2001 e 2002 como “crise dos apagões”) que impeçam que
alguém venha a realizar serviço para o qual foi contratado.
A força maior, por sua vez, consubstancia-se em episódios
causados pela força da natureza, como tempestades, de-
sastres naturais, raios que provocam incêndios etc.
2.1 – ACIDENTE COM A TRANSPORTADORA E O FATO
DE TERCEIRO
Como visto anteriormente, define-se fato de terceiro pela
realização de ato praticado por pessoa estranha à relação
contratual que, agindo com culpa, afeta a realização do ser-
viço por parte do contratado. Tal fato, em geral, exclui a
responsabilidade do prestador de serviço.
No entanto, em vista da responsabilidade objetiva do trans-
portador, o fato de terceiro somente terá o condão de ex-
clui-lo de responsabilidade, caso seja praticado em situa-
ção alheia à atividade do transportador. Há, nesse sentido
jurisprudência remansosa24. (DINIZ. 2013. p. 116)
Suponha-se a situação em que o transportador esteja des-
locando a carga em seu caminhão, dirigindo-o pela rodovia
e seja injustificada e inevitavelmente “fechado” por outro
veículo na estrada, de modo que seu caminhão tombe e o
carregamento de frágeis kiwis fique inutilizado. Surge, então,
a questão: estaríamos diante de fato de terceiro, a isentar
o transportador de responsabilidade perante o contratante?
Entendemos que não há que se falar em isenção de res-
ponsabilidade do transportador, o qual deverá indenizar o
remetente que lhe contratou, podendo, após, mover ação
de regresso contra o terceiro.
O artigo 735 do Código Civil é explícito nesse sentido:
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador
por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de
terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
A justificativa, para tanto, reside no fato de que transportar
a carga em rodovia é ínsito ao contrato celebrado. Assim,
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erros causados por outros motoristas são frequentes e o
transportador deve estar atento a isso, não havendo que se
falar em fato inesperado. Mesmo que o transportador te-
nha agido com plena cautela e diligência, esses fatos fazem
parte do risco do transporte e devem ser contingenciados
por quem se habilita a prestar tal serviço.
Por analogia, pode-se afirmar que Maria Helena Diniz25 lecio-
na no mesmo diapasão ao explicitar que, nos contratos de
transportes de pessoas, a responsabilidade do transportador
por acidente sofrido por passageiro não é ilidida por culpa de
terceiro, cujo carro veio, por imperícia, colidir com o ônibus,
mas contra o qual tem ação regressiva. (DINIZ. 2013. p. 510)
Ou seja, sempre que o fato praticado por um terceiro im-
pactar em ato conexo ao risco da atividade do transporte,
não haverá que se falar em fato de terceiro propriamente
dito, porquanto não se rompe o nexo causal.
Convém refletirmos a respeito de caso concreto julgado
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo26 em situação similar,
ainda mais evidente, na qual a transportadora alegou fato
de terceiro, argumentando que o erro deu-se por falha do
motorista por ela contratado.
Ora, evidente que não se trata de fato de terceiro, pois a
responsabilidade por contratar e fiscalizar motoristas é da
própria atividade da transportadora. Trata-se de fortuito in-
terno, que deve ser absorvido pela transportadora, não ser-
vindo de excludente de responsabilidade.
De outro giro, haveria hipóteses em que o fato de terceiro
poderia isentar o transportador de responsabilidade peran-
te seu contratante, rompendo o nexo de causalidade? A
resposta é afirmativa, desde que o fato seja inesperado e
completamente desconexo à atividade da transportadora.
É justamente o que se encontra no tópico seguinte.
2.2.- ROUBO DE CARGA COMO FATO DE TERCEIRO
Conforme já dito, embora a responsabilidade civil do transpor-
tador seja objetiva, há hipóteses em que o nexo de causali-
dade se rompe, de modo a não se falar em responsabilidade.
A responsabilidade civil do transportador no caso de rou-
bo de carga, ou seja, quando da subtração da mercadoria
mediante violência ou grave ameaça, é algo muito debatido.
Poder-se-ia defender que a transportadora tem obrigação de
evitar o roubo, eis que este não seria um fato imprevisível e
inevitável, em vista da violência que ronda nosso país, em
especial, em determinadas estradas sabidamente perigosas.
Todavia, considerar que o assalto à mão armada de carga
transportada por via rodoviária, por exemplo, é um fato que
cabe ao transportador evitar seria um equívoco.
Por mais que saibamos que esse fato pode ocorrer e não
raras vezes ocorre, não é de se impor ao transportador o
dever de coibir esses atos, utilizando-se de segurança par-
ticular, por exemplo.
Cabe ao transportador cumprir itinerário e horários contra-
tados, deslocar as mercadorias com diligência e cautela, no
entanto, há fatos que são alheios à atividade do transpor-
tador. A violência somente poderia ser evitada e, mesmo
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assim, sem certeza de êxito total, acaso o transportador
contratasse segurança particular para acompanhá-lo, lan-
çando mão de escolta armada.
É uma questão de alocação de risco. Impor esse ônus à trans-
portadora - o de manter uma escolta armada – como forma de
excluir a responsabilidade civil desta em casos de roubos de
carga, seria compeli-la à assunção de um gravoso encargo.
Certamente acaso as transportadoras fossem tratadas
como responsáveis por roubos de carga teriam que passar
a arcar com esse alto encargo, o que fatalmente encarece-
ria muito o frete nesse ramo ou desestimularia as transpor-
tadoras a realizar o serviço.
Essa curiosa situação remete à questão descrita por Ivo Wais-
berg27 a respeito de ação judicial movida pelo Ministério Públi-
co com o fim de obrigar supermercados a etiquetar individual-
mente cada produto exposto. Os supermercados reagiram
alegando que já há preços afixados nas gôndolas e, havendo
dúvidas, o consumidor poderia utilizar os terminais de códigos
de barras ou checar nos caixas. (WAISBERG. 2005. p. 656)
O Ministério Público insistiu argumentando que a falta de eti-
quetas individuais nos produtos pode levar o consumidor a
erro. A decisão judicial acabou por acolher o pleito do Minis-
tério Público, entendendo que segundo o Código de Defesa
do Consumidor, a informação deve ser a mais clara possível.
Questiona Ivo Waisberg se a obrigatoriedade de colocar-
-se preço nos produtos individualmente e não somente em
gôndolas irá beneficiar ou prejudicar o consumidor, de uma
forma geral. Conclui o citado autor que a decisão prejudica
o consumidor, na medida em que, embora a probabilidade
de erro fosse pequena, os supermercados terão de investir
na colocação de preços individualmente em cada produto
e repassar esse custo no próprio preço das mercadorias,
onerando a todos os consumidores. É o que ele chama de
“efeito bumerangue do populismo jurídico”.
De fato, decisões por vezes “simpáticas” a uma parcela pe-
quena da coletividade podem, ao final, acabar por prejudi-
car uma parcela bem mais expressiva, com o aumento do
preço do serviço ou produto.
Por esse mesmo motivo, não nos parece que exigir que as
transportadoras contratem segurança privada para coibir
sobremaneira os roubos, elevando assim de forma expres-
siva o preço do frete, seria algo que iria ao encontro dos
interesses da coletividade. Ao contrário, por encarecer o
frete, iria de encontro a esse interesse.
Interessante decisão neste diapasão foi proferida pelo Su-
perior Tribunal de Justiça28, ao entender que não existe nor-
ma legal ou contratual que exija da transportadora dever de
manter segurança privada, de sorte que, se não houve prova
de facilitação de preposto da transportadora na prática do
delito, esta não irá responder, pois rompe-se o nexo causal.
Importante tecer um parênteses neste particular para regis-
trar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
a exemplo do citado acórdão, tem feito distinção entre o
fortuito interno e o externo. Propomos aqui uma outra de-
nominação, a saber, fato de terceiro atrelado à atividade e
fato de terceiro não atrelado. O fato de terceiro atrelado à
atividade ocorre durante o processo de execução do ser-
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viço, não eximindo a responsabilidade civil do fornecedor,
pois trata-se de ato ínsito à sua atividade. Já o fato de ter-
ceiro não vinculado é alheio ao processo de execução do
serviço, excluindo a responsabilidade civil do agente.29 (GA-
GLIANO. 2004. p. 76)
Reconhecemos que se trata de análise econômica do di-
reito, ciência esta que busca examinar o direito, com base
também em fundamentos econômicos. O fundamento, por
trás da resistência em permitir que se exija de transportado-
ra a alocação de novos recursos (investimentos) no serviço
prestado é que tal investimento não seria benéfico para a
maior parte da coletividade. Ao passo que a situação como
está atualmente é menos gravosa.
Leciona Ivo Gico Júnior30 ao versar sobre Law & Economics,
que o ideal é o equilíbrio – ou chegar o mais próximo deste
– entre os agentes econômicos, em um exercício inspirado
no Ótimo de Pareto. Segundo o autor, uma situação “Pareto
ineficiente” será sempre injusta, porquanto alguém poderia
melhorar sua situação sem prejudicar ninguém, mas não o
faz. (GICO JÚNIOR. p. 25)
Nesse sentido, entendemos que a contratação de um seguro
contra roubo, por parte da transportadora é uma medida in-
teressante que pode servir como um valor agregado ao ser-
viço de transporte de carga, sobretudo rodoviária. O seguro
não promete evitar a subtração da mercadoria logicamente,
pois esta pode ser inevitável de fato, mas dá uma solução ao
mal causado à vítima, protegendo o transportador.
A transportadora pode expor, aos clientes, que exerce uma
atividade diferenciada das demais, na medida em que, em
havendo roubo de carga, uma seguradora poderá ressarcir
o prejuízo. Obviamente, o frete de transportadoras que con-
tratam seguros é mais alto do que o frete das demais.
No entanto, isso não obriga todas as transportadoras a
contratarem seguro contra roubo. O importante é que tal
fato fique claro ao remetente, no momento da contratação,
ou seja, se as mercadorias estarão ou não seguradas, bem
como se o remetente pagará algo a mais pelo seguro.
3.- A PROVA NO CPC/2015
Não são muitas ou evidentes as inovações do CPC/2015
com relação ao CPC/1973, no que se refere às provas no
processo civil. No entanto, não deixam de ser relevantes.
Conforme destaca Lenio Luiz Streck31, acerca da inovação
do novo CPC quanto às provas “a parte efetivamente inova-
dora está em um silêncio legislativo e não e um enunciado
explícito”. (STRECK. 2016. p. 110)
Isso porque observa o autor que o livre convencimento foi
extinto pelo NCPC.
De fato, o art. 369 do CPC/2015 preceitua que: “O Juiz
apreciará a prova constante dos autos, independentemente
do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as
razões da formação de seu convencimento”.
Ao contrário, o art. 131 do CPC/1973 estabelecia que o
“Juiz apreciará livremente a prova”. A subtração da expres-
são “livremente” tem enorme significado para o direito pro-
cessual e não é mero detalhe.
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Como realça Lenio Luiz Streck, a rigor, com o advento do
citado art. 369, os Magistrados não poderão mais afirmar
que a decisão foi unicamente proferida calcada em seu livre
convencimento e, por consequência, não poderão funda-
mentar decisões com base em sua “consciência”. Realmen-
te, o NCPC buscou extinguir com o livre convencimento.
A apreciação da prova produzida nos autos deve ser reali-
zada pelo Juiz, de modo racional e lógico. Obviamente não
há como impedir que o Magistrado deixe eivar, de algum
modo, a decisão com suas impressões pessoais, políticas
e ideológicas, pois isso seria impossível, como verificado
por diversos autores pós-Kelsen, na teoria geral do Direito.
Por analogia, seria o mesmo que o físico pesquisador que,
ao analisar a velocidade dos neutrinos a fim de tentar verifi-
car se estes alcançam a velocidade da luz, lança luz sobre o
sistema analisado. Não há como evitar que a mão humana,
que aponta o feixe de luz, interfira no experimento. O sujeito
interfere no objeto, em alguma medida.
Todavia, não há como se admitir que Magistrados prolatem
decisões, sem fundamento lógico, em desrespeito à prova
objetivamente carreada aos autos e de forma a interpretar o
Direito por uma ótica subjetiva e pouco cartesiana.
Sob nossa ótica, o fim do livre convencimento narrado pelo
citado autor, somado à obrigatoriedade de que as decisões
judiciais sejam claramente fundamentadas, não se admitin-
do fundamentos vagos que caberiam a qualquer decisão
(art. 489, §1º, II e III NCPC) elevam o ônus argumentativo
dos Magistrados, o que é extremamente salutar ao Direito
e à jurisprudência.
Essa noção de que o “dizer o Direito” deve ser um ato cal-
cado em lógica, racionalidade e competente argumentação
caminha na direção do conceito filosófico desenvolvido por
Jürgen Habermas32 de que – em outras palavras, a verdade
não se descobre, mas se constrói, através da argumenta-
ção. Ou seja, tem forte relação com a teoria da ação comu-
nicativa. (HABERMAS. 1984. p. 392)
No entanto, a verdade não deve ser um mero resultado de
um procedimento formal. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Cruz Arenhart destacam que o conhecimento se trava na
interferência intersubjetiva, ou seja, relação sujeito-sujeito33.
(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 53-54)
Os citados autores defendem que, diante dessa percepção
aristotélica, o processo deixa de ser instrumento para a re-
construção dos fatos para ser palco de argumentação, de
modo que concluem que “a verdade é aquilo que o consen-
so do grupo diz que é, embasado esse em posições de ve-
rossimilhança e no diálogo argumentativo”34. (ARENHART
et MARINONI. 2015. p. 54)
Nesse diapasão, lecionou Piero Calamandrei35, afirmando
que ao analisar as provas para julgar, deverá o Juiz con-
siderar o que ocorre na normalidade dos casos, diante do
resultado da argumentação formulada. No entanto, é sabi-
do que o Magistrado não forma seu convencimento sobre
os fatos totalmente livre de pré-conceitos ou de vontade
anterior. (CALAMANDREI. 1955. p. 169-170)
3.1. A PRESUNÇÃO
O conceito de presunção parte da premissa de que o co-
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nhecimento de certo fato pode ser induzido pela verificação
comprovada da existência de outro. Ou seja, considera-se
que, sendo certo que comumente um determinado fato (A)
decorre logicamente de outro (B), portanto, por lógica, se
“B” é verdadeiro então “A” existe.
Ensina Cândido Rangel Dinamarco que presunção: “é um pro-
cesso racional do intelecto, pelo qual do conhecimento de um
fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro
ou o estado de uma pessoa ou coisa”.36 (DINAMARCO. p. 113)
Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni descrevem que
as presunções são sobremaneira importantes nas hipóte-
ses de “redução de módulo de prova”, ou seja, técnica juris-
dicional de diminuição das exigências legais para a solidez
da prova. Tal ocorre quando o Juiz nota que a prova de
um certo fato é extremamente difícil ou sacrificante que se
serve da ideia de presunção, a fim de construir um raciocí-
nio capaz de conduzir à conclusão da ocorrência do fato.37
(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 158)
Sendo certo que a presunção de um fato depende da pro-
va de outro fato a ele correlato, conclui-se que presunção
depende de prova (do fato A), bem como presunção é meio
de prova (do fato B).
O art. 443, II do CPC/2015 preconiza que não se admite a
prova testemunhal sobre fatos que só por documento ou
por exame pericial puderem ser provados.
Os autores acima aludidos38 explicam que “a lógica do CPC
pressupõe que, se um fato apenas pode ser provado por
meio de documento ou de perícia, ele não pode ser demons-
trado por meio de outras provas, aí incluída, certamente, a
presunção”. (ARENHART et MARINONI. 2015. p. 54)
Significa dizer que o NCPC traça limites à utilização da
presunção como instrumento a guiar o Juiz a seu racional
convencimento.
O art. 445 do CPC/2015 flexibiliza um pouco o mandamen-
to dado pelo art. 443, II, na medida em que admite a prova
testemunhal, quando aquele a quem incumbe provar o fato
não dispuser de condições de obter a prova escrita da obri-
gação, em casos de parentesco; de depósito necessário ou
de hospedagem em hotel ou em razão das práticas comer-
ciais do local onde contraída a obrigação.
O dispositivo tem o intuito de orientar a respeito das justas
possibilidades de se utilizar a prova oral no processo civil.
A preocupação justifica-se porquanto o Magistrado constrói as
presunções a partir de indícios e, por meio de seu raciocínio ló-
gico, pode atingir um fato probando a partir de uma presunção.
Entretanto, a presunção interpretada pelo Juiz pode condu-
zi-lo eventualmente a um juízo de verossimilhança apenas,
o qual será ponderado em conjunto com os fatos proban-
dos, a fim de se tecer a análise de mérito. Ou será utilizado
unicamente para o ato de decidir.
Como é sabido, a presunção pode ser legal ou judicial, con-
forme decorra da lei ou de ato do homem/Estado-Juiz. Por
sua vez, a presunção legal pode ser relativa ou absoluta. A
presunção relativa (iuris tantum) admite prova em sentido
contrário, todavia, a absoluta (iuris et de iures), não.
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Clássica é a análise feita por Francesco Carnelutti39 no
sentido de que a presunção relativa apenas propicia uma
facilitação da prova, isto é, o ônus da prova é daquele be-
neficiado pela presunção, de modo que a existência desta
torna menos gravosa seu encargo de produzir prova acerca
do fato. (CARNELUTTI. 1944. p. 547)
Assim sendo, o fato de existir uma presunção relativa de
certo fato em um determinado processo cível não faz de-
correr necessariamente que o fato será considerado verda-
deiro pelo Juiz. Os indícios apresentados para sustentar tal
presunção podem ser frágeis e não virem acompanhados
de provas de outros fatos.
Da mesma forma, a presunção relativa pode ser descon-
truída pela produção de prova da parte contrária a quem a
presunção beneficiaria.
Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni asseveram que a
presunção relativa não tem o condão de inverter o ônus da
prova, ou seja, o fato de o Juiz reconhecer a existência de
um presunção relativa não faz com que a parte beneficiada
pela presunção deixe de possuir o encargo de provar tal
fato, transferindo-o à parte contrária.
Os referidos autores explicam que a presunção relativa não
inverte o ônus da prova, mas fixa as consequências jurí-
dicas da prova contrária ao fato presumido. Concordamos
com esse entendimento, na medida em que a presunção
relativa não beneficiará necessariamente a parte que detém
o ônus da prova, mas supostamente tornará sua prova mais
fácil de ser produzida.
Na mesma linha, defendendo que ocorre mera facilitação da
prova, professa Pedro Batista Martins40. (MARTINS. 1960. p.73)
A fim de ilustrarmos, suponhamos que o autor da ação, quem
em geral detém o ônus da prova mais substancial, alega e
demonstra fatos, em sua inicial, que lhe garantem uma pre-
sunção relativa. Tal situação não causará automaticamente
a inversão do ônus da prova, ou seja, não desincumbirão o
autor de produzir provas, deslocando o ônus ao réu. Apenas
e tão somente tornarão a prova do autor mais fácil, eis que
o conjunto probatório poderá apoiar-se no fato presumido,
desde que o réu não produza prova em sentido contrário.
A posse pelo devedor do título de crédito sacado contra si
é uma presunção relativa de que o pagamento foi realizado.
No entanto, se o credor puder produzir prova em sentido
contrário, demonstrando que houve o desapossamento da
cártula, a presunção relativa irá desfalecer. Da mesma for-
ma, constitui em presunção relativa a boa-fé do possuidor a
justo título de bem imóvel.
Por outro lado, a presunção absoluta foi defendida por par-
te da doutrina como uma presunção imprópria. Isso porque
autores como Pedro Batista Martins41 (MARTINS. 1960. p.
72) e Carlo Lessona42 (LESSONA. p. 179), a presunção ab-
soluta é, na verdade, um fato definido por lei e não propria-
mente uma presunção.
Exemplo disso é a previsão legal que trata da maioridade
civil aos dezoito anos. Não admite prova em contrário o
fato de que aos dezessete anos, não emancipado, o in-
divíduo não é um sujeito plenamente capaz de direitos e
obrigações. Trata-se de presunção absoluta de incapaci-
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dade, sendo certo que a prova a respeito de uma eventual
emancipação não seria prova em contrário, mas a des-
constituição do fato. Outro exemplo reside na exigência
legal de que a venda e compra definitiva de bem imóvel
seja realizada por documento escrito e público. Não há
prova em sentido contrário capaz de demonstrar a vali-
dade de um negócio jurídico de venda e compra realizado
verbalmente.
Baseado em presunções e mesmo em provas produzidas, o
Magistrado pode tecer juízo de verossimilhança sobre o méri-
to, a tal ponto que não se poderia afirmar que atingiu certeza
sobre os fatos. No entanto, a convicção acerca da verossimi-
lhança não é o mesmo que estar em dúvida sobre o mérito.
3.2.- DO ÔNUS DA PROVA
Importante inicialmente definir-se “ônus”. Parte da doutrina
já se perguntou bastante se seria ônus uma obrigação?
O descumprimento de uma obrigação gera um ilícito. Por
outro lado, o não atendimento a um ônus não o enseja.
Francesco Carnelutti lança mão dessa didática diferença
para distinguir os dois conceitos, o que se afigura bastante
acertado. (CARNELUTTI. 1944. p. 222)
Não sendo uma obrigação, pode-se questionar se “ônus”
é um direito. Também não é correto equiparar ônus a um
direito, pois direitos subjetivos conferem a seu titular uma
faculdade de agir ou deixar de agir, sem que o não agir lhe
provoque uma consequência negativa. Por outro lado, se o
sujeito deixa de se desincumbir de um ônus, sabe que po-
derá sobre ele se abater uma consequência negativa.
Note-se que utilizamos o termo “poderá”, ao tratar da conse-
quência negativa. Isso porque, no caso do ônus da prova, por
exemplo, é bem sabido que mesmo que a parte a quem cabe
o ônus não produza prova, o Juiz poderá julgar a ação a seu
favor, de modo que não necessariamente ela será prejudicada.
Conforme alertam Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Mari-
noni44, o fato de o onerado pela produção de prova, não
precisar necessariamente produzi-la para sair-se vitorioso
da demanda, “não retira a importância de que as partes sai-
bam, se forma prévia, a quem incumbe o ônus da prova”.
(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 201)
Nesse sentido, o art. 357, III do NCPC estabelece que, na
decisão saneadora, o Juiz deve definir o ônus da prova.
Além disso, o art. 373, §1º apregoa que a inversão do ônus
da prova deverá dar à parte a oportunidade de se desin-
cumbir do ônus. Tais dispositivos têm o intuito de afastar
definitivamente a odiosa situação na qual o Magistrado in-
verte o ônus da prova no ato da sentença, ou seja, quando
já está a julgar o mérito e não há mais o que as partes pos-
sam fazer para mudar seu convencimento.
O art. 9º do NCPC também milita no sentido de vedar a inver-
são do ônus da prova na sentença, na medida em que proíbe
as chamadas decisões-surpresa, isto é, que o Magistrado pro-
late decisões, sem dar antes às partes a devida oportunidade
de se manifestar a respeito e prevenir responsabilidades.
Importante ainda notar que o art. 373, §1º não se refere so-
mente à inversão do ônus da prova, mas sim à possibilidade
de distribuição dinâmica de tal ônus. Ou seja, havendo difi-
culdade extrema a uma das partes em produzir determinada
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prova, o Juiz, na decisão saneadora, poderá atribuir o ônus da
prova em questão à outra parte, a quem é mais fácil obtê-la.
O fato de restar reconhecido que o réu, em ação inde-
nizatória, possui responsabilidade objetiva não resultará
necessariamente na inversão do ônus da prova. Tal dis-
tribuição do ônus deve constar claramente da decisão
saneadora. Responder independentemente de culpa não
é sinônimo de receber o ônus da prova de fato substan-
cial a ser provado.
Em geral, cabe ao autor o ônus da prova acerca do fato
constitutivo de seu direito e ao réu, o ônus de provar fatos
modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor.
Pode ocorrer, no entanto, que a prova produzida pelo autor,
na verdade, aproveite ao réu, pois ao invés de provar o di-
reito veiculado na inicial, acaba por demonstrar justamente
um fato impeditivo desse direito.
Todavia, o Magistrado pode distribuir de forma dinâmica
o ônus da prova, inclusive de molde a definir que o autor
receberá o ônus das provas de certos fatos o e réu terá o
ônus da prova com relação a outros fatos, conforme a maior
facilidade em produzir-se cada prova.
Concluem Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni45 que
a regra do ônus da prova se destina a nortear o Juiz que
chega ao final do processo sem se convencer sobre os fa-
tos narrados. Assim, a regra do ônus da prova presta-se a
que o juiz livre-se do estado de dúvida, de sorte que se a
dúvida pairava sobre o fato constitutivo, o autor poderá ser
prejudicado, com a improcedência da ação. (ARENHART et
MARINONI. 2015. p. 194)
Ou seja, o Juiz não está em dúvida, no momento em que pro-
lata a sentença. Ele pôde experimentar dúvidas quanto a cer-
tos fatos ao compulsar os autos, mas o ato de julgar pressu-
põe que o Magistrado já tenha deliberado pela procedência
ou não do pedido, podendo utilizar a obscuridade de certa
prova, como razão de decidir. Quando assim ocorrer, o Juiz
poderá asseverar que determinada parte não de desincum-
biu adequadamente de seu ônus e, portanto, foi prejudicada.
Daí a importância de se estabelecer a distribuição do ônus
da prova em decisão saneadora.
O Juiz poderá, ainda, julgar o mérito com base em convic-
ção que construiu fundada em verossimilhança somente.
Trata-se da teoria da verossimilhança preponderante.
Com o intuito de ilustrarmos tal teoria, imaginemos um
transportador que estivesse conduzindo um caminhão baú
contendo mercadorias empilhadas e o veículo viesse a
tombar. Suponha-se que o transportador alegasse, em sua
defesa, que a culpa deve ser atribuída ao contratante que
dispôs pessoalmente as mercadorias em seu caminhão, eis
que a forma como foram dispostas causou o tombamento
do veículo, por força do desequilíbrio causado pela força
centrípeta da curva.
O contratante do transporte (remetente) alega que o moto-
rista estava em velocidade excessiva e que, por essa razão,
perdeu o controle do veículo e tombou.
O Magistrado, diante dos fatos alegados, provavelmente
não terá certeza se as mercadorias foram inadequadamen-
te postas no caminhão, nem mesmo se esse fato causou o
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tombamento. De igual modo, o Juiz poderá não dispor de
elementos para precisar, se o caminhão estava em veloci-
dade incompatível com a segurança.
Assim, não havendo certeza, o Magistrado dispõe de veros-
similhança, bem como de suas regras de experiência.
Estando convicto e ciente da boa argumentação a respeito
do caso, o Juiz poderá julgar o mérito com base em juízo
de verossimilhança. Rememore-se que essa técnica de-
pende do raciocínio lógico e da análise fria das alegações
e fatos propostos, não podendo fundar-se nos pré-concei-
tos puros do Magistrado.
Como regra de experiência, o Juiz pode levar em consi-
deração o fato de que a fotografia da rodovia indica que a
curva em questão é de fato bastante acentuada, de forma
que a versão acerca do tombamento do veículo por conta
da força centrípeta é verossímil. No entanto, não há prova
de que o motorista estivesse em alta velocidade.
De todo modo, o Juiz pode considerar que a responsabili-
dade por verificar a distribuição da carga no caminhão é do
transportador, independentemente de quem a disponha na
carroceria. Além disso, que representam caso fortuito atre-
lado à atividade do transportador as vicissitudes encontra-
das nos traçados das rodovias (tais como curvas, buracos
etc.), devendo o motorista estar preparado para contorná-
-las, de modo a estar presente a convicção acerca do nexo
causal entre a conduta do transportador e o dano causado.
O Magistrado poderá, ainda, ter fixado em decisão sanea-
dora na direção de que o ônus da prova compete ao réu/
transportador por ser objetiva a responsabilidade do mesmo.
Em outras palavras, independentemente de o Magistrado
verificar provas cabais que comprovem a velocidade exa-
ta do caminhão no momento do acidente ou a distribuição
efetiva das mercadorias na carroceria, fato é que o trans-
portador assume, em última análise, a responsabilidade
pelo correto e seguro acondicionamento da carga em seu
veículo. Se ele próprio alega que esse fato causou o aciden-
te, está a confessar sua responsabilidade.
Sendo indiscutível pelo saneador que o ônus da prova con-
cernente ao estado da carga no caminhão, bem como so-
bre como o veículo era conduzido cabe ao transportador, se
este não se desincumbiu do encargo, o Juiz poderá julgar a
ação procedente.
Ou seja, havia um estado de dúvida, no entanto, fundado
em verossimilhança e na regra do ônus da prova, o Juiz
sanou-a, julgando com convicção.
4. QUESTÕES ESPECÍFICAS ACERCA DA RESPONSA-
BILIDADE CIVIL DOS TRANSPORTADORES E AFINS
4.1.SOBRESTADIA (DEMURRAGE) NO AFRETAMENTO
Após breve análise acerca das provas no CPC/2015, im-
portante retomarmos a análise do contrato de transporte,
agora à luz das alterações do NCPC.
Como já exposto acima, o afretamento, muito usual no trans-
porte marítimo, pode ser considerado uma modalidade de
contrato de transporte, segundo a qual o afretador utiliza veí-
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culo ou contêiner do fretador, que em geral é o proprietário
da embarcação ou do equipamento de transporte.
No mais das vezes, o contrato de afretamento marítimo
- que é a modalidade que nos interessa neste capítulo –
estabelece cláusula por meio da qual o afretador poderá
utilizar a embarcação ou o contêiner em determinado pe-
ríodo (laytime) mediante remuneração fixa, de modo que
acaso ultrapasse o aludido prazo, pagará retribuição diária
pela sobrestadia.
Para ilustrar, suponhamos que, em determinado contrato
de afretamento, o afretador e fretador convencionem que
aquele poderá utilizar contêineres deste último, por vin-
te dias e, em contrapartida, deve pagar R$ 6.000,00 (seis
mil reais). Na hipótese de sobrestadia, também conhecida
internacionalmente por demurrage, o afretador pagaria R$
1.200,00 (mil e duzentos reais) por dia. Ou seja, a ideia é de
que para um “pacote” fechado de vinte dias, o valor uni-
tário da diária seja bem inferior do que o valor da “diária
extraordinária” em demurrage, pois esta seria uma retenção
indevida do equipamento.
Trata-se de desestímulo à extrapolação do prazo e um estí-
mulo ao cumprimento exato do laytime.
O que se discute, e faz bastante sentido para o desenvol-
vimento do presente estudo, é: há que se apurar culpa do
afretador para a caracterização do demurrage?
Em outras palavras: trata-se de responsabilidade civil previa-
mente assumida e com indenização pré-fixada ou trata-se de
cláusula penal que força o cumprimento da obrigação?
Com o intuito de distinguir-se os institutos, antes de tudo, é
fundamental definir “cláusula penal”.
A leitura do art. 408 do Código Civil56 denota que incorre
automaticamente na cláusula penal aquele que descumprir
culposamente uma obrigação contratual. Ou seja, o credor
pode exigir o pagamento da cláusula penal, mas não se fur-
ta da discussão acerca de culpa e da conduta do devedor.
Importa destacar que há duas formas de cláusula penal:
i) Cláusula penal moratória: a mais conhecida dos
operadores de direito, que consiste na medida de
coerção ao adimplemento da obrigação assumida,
como, por exemplo, a multa que força o devedor a
cumprir a obrigação de fazer ou deixar de fazer algo,
funcionando como desestímulo à mora. Caso o deve-
dor se atrase no cumprimento da obrigação, o credor
exigirá deste o pagamento da obrigação principal e
da cláusula moratória, que costuma ser um percentual
sobre o valor do contrato. É o preço da demora; e
ii) Cláusula penal compensatória: a cláusula penal que se
consubstancia em uma obrigação alternativa, isto é, caso
o devedor não cumpra a obrigação, o credor poderá exi-
gir o cumprimento dessa obrigação principal ou da obri-
gação alternativa, escolhendo a seu critério. Por exemplo,
promitente comprador que deixa de pagar parcelas do
compromisso de venda e compra, deixando a critério do
vendedor exigir o valor avençado ou rescindir o contrato e
cobrar do comprador uma multa estipulada em contrato
pela frustração do negócio. (vide art. 410 do Código Ci-
vil57). É o preço do descumprimento da obrigação.
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A cláusula penal moratória ou compensatória depende da
análise de culpa do agente, de modo que cabe ao mesmo o
ônus de provar que descumpriu a obrigação, por motivo fun-
dado. Outra cláusula contratual bastante usual, mas que não
se confunde com a cláusula penal, é a indenização pré-fixada.
É relevante diferenciar a indenização pré-fixada da cláusula
penal moratória. Esta última, consoante já dito, impõe uma
precificação pela demora no cumprimento da obrigação, que
ousamos denominar de “preço da mora”. Exemplo de cláu-
sula penal moratória seria a cobrança de 10% sobre o valor
de aluguel pago com atraso pelo locatário. Em tese, cabe
discutir-se se houve ou não culpa, embora a justificativa te-
nha um espectro bastante restrito e a habitualidade e boa-fé
no decorrer da execução contratual devam ser observadas.
Por outro lado, a indenização pré-fixada, como o nome su-
gere, representa o ressarcimento por um prejuízo causado.
Ou seja, essa cláusula pretende deixar bem claro, desde a
celebração do contrato, que a hipótese de atraso no adim-
plemento provocará um dano ao credor, que precisa ser in-
denizado, não cabendo discussão sobre culpa.
De outro giro, a cláusula penal compensatória, a nosso en-
tender, não tem em seu cerne uma grande preocupação com
o ligeiro atraso de um ou dois dias, por exemplo, mas sim
quer garantir o adimplemento da obrigação principal em si,
de sorte que, neste caso, discute-se culpa com maior mar-
gem de análise. Exemplo disso reside no fato de que os com-
promissos de venda e compra costumam recomendar, por
força do Decreto-Lei 745/1969, que o vendedor notifique o
comprador para purgar a mora dentro do prazo de quinze
dias, sob pena de rescisão, não havendo a rescisão de plano,
antes de decorrido o prazo assinalado pela notificação.
No exemplo acima, caso o compromissário comprador re-
solva purgar a mora e evitar a rescisão, pagará a obrigação
principal acrescida de uma cláusula penal moratória (em
geral, 10% sobre o saldo devedor), situação em que a dis-
cussão acerca de culpa será bem mais estreita, conforme
já demonstrado. Caso não pague, ficará a critério do pro-
mitente vendedor cobrar do devedor a obrigação principal
com multa moratória ou a cláusula penal compensatória,
que representa “preço” pelo descumprimento da obrigação.
A cláusula de indenização pré-fixada, portanto, não se con-
funde com cláusula penal moratória, nem com cláusula
penal compensatória, não dependendo de discussão so-
bre culpa. Alinhamo-nos ao entendimento de Álvaro Villaça
Azevedo58, que defende que tal indenização independe de
prova de culpa, pois é verdadeiro estabelecimento prévio
de prejuízos: (AZEVEDO. 2004. p. 258)
“Como tal, ela impõe-se para garantir o cumprimento da
obrigação assumida, assegurando à parte inocente, inde-
pendentemente da prova de culpabilidade da outra, em
caso de atraso ou de inadimplemento, o recebimento da
multa, cujo conteúdo econômico reflete-se como verdadei-
ro e prévio estabelecimento de prejuízos”.
A sobrestadia, destarte, caracteriza-se como indenização
pré-fixada, de molde que o afretador tem pleno conheci-
mento de que deve restituir a embarcação ou o equipamen-
to de transporte dentro do prazo contratado, sob pena de
ter de pagar (caro) pelos dias extravagantes, sem poder ale-
gar que não agiu com culpa. Trata-se de uso consolidado
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na prática, sobretudo marítima.
Não há como equiparar a cláusula de demurrage a uma
cláusula penal compensatória, porquanto o pagamento
dela não substitui a devolução dos bens. Também não se
pode classificar demurrage como cláusula penal moratória,
porquanto não representa uma leve multa pelo atraso na
obrigação, mas sim uma verdadeira indenização pelos dias
em que permanecer com o bem indevidamente, além do
prazo contratado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido da
mesma forma, enfocando demurrage como indenização
pré-estabelecida:
“A demurrage tem natureza jurídica de indenização pré-fixa-
da em razão da retenção indevida do contêiner pelo devedor,
por prazo excedente ao determinado no instrumento contra-
tual, independentemente de culpa. Logo, sua cobrança não
se enquadra nas hipóteses previstas de cláusula penal.49”
(...) Mesmo que se entendesse possuir a cláusula de paga-
mento do aluguel caráter de cláusula penal, inquestionável
sua natureza moratória, independentemente da prova da cul-
pa. Decorrido o prazo certo para devolução e não sendo resti-
tuído o container, incorrerá de pleno direito na cláusula penal”.
A cobrança da sobrestadia, portanto, não depende de aná-
lise de culpa do afretador, passando a incidir a cobrança
pelo simples fato de a devolução do bem não ocorrer a tem-
po, caracterizando retenção indevida.
A conclusão de que demurrage não depende de prova de
culpa vai ao encontro do entendimento de que ao trans-
portador incide responsabilidade objetiva, mesmo que o
afretador responda pela sobrestadia junto ao fretador e não
perante o remetente da carga.
Importante rememorar que a responsabilidade objetiva não
induz necessariamente a inversão do ônus da prova, embo-
ra as duas situações em muito se assemelhem, pois aque-
le que responder sem necessidade de prova de culpa terá
sua linha de defesa bastante estreitada, restando-lhe provar
ruptura do nexo causal ou demonstrar que a prova do autor
acerca do fato constitutivo foi insuficiente.
Sendo assim, a nosso ver, nas ações judiciais em que hou-
ver responsabilidade objetiva de uma das partes é funda-
mental que o Magistrado, na decisão saneadora, realize a
clara distribuição do ônus da prova, a fim de evitar a in-
versão do ônus da prova na sentença. Tal cautela proces-
sual mostra-se sobremaneira relevante nas ações em que a
transportadora for ré e esteja litigando contra o fretador, por
exemplo, e não em face do remetente.
4.2. TRANSPORTE MULTIMODAL E A IMPORTÂNCIA DO
ATO DE VISTORIA DA CARGA
O transporte multimodal de cargas é disciplinado pela Lei
9.611/98 . Trata-se de um contrato único, por meio do que
há o deslocamento de mercadoria de um ponto a outro, me-
diante mais de um meio de transporte no mesmo trajeto
e com atuação e execução de um operador de transporte
multimodal (OTM), que é sempre uma pessoa jurídica.
Firmado o contrato e assinado o conhecimento de trans-
porte multimodal, o OTM assume responsabilidade perante
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o contratante. Destaque-se que o operador nem sempre é
transportador.
Exemplo de contrato de transporte multimodal pode ser feito
por um expedidor de mercadorias que pretende transportar
soja de Goiânia até a China. O expedidor contrata um opera-
dor de transporte multimodal que gerencia todo o transporte.
A viagem inicia-se por um trajeto rodoviário a partir da cidade
Goiânia até Pederneiras no Estado de São Paulo, por exem-
plo, ponto em que a mercadoria é transposta em um trem até
o porto de Santos. De lá, vai de navio até a China.
O operador de transporte multimodal, como já dito, não ne-
cessariamente é transportador e cabe a ele subcontratar
transportadores e, até mesmo, serviços de armazenagem,
de inutização (reunir cargas em único volume) e de logística
da carga, bem como consolidação documental da carga.51
(NEGRÃO. 2011. p. 451-452)
Além do termo inutização, há outros termos específicos a
este tipo de contrato, os quais devem ser esclarecidos, tais
como transbordo, que é a baldeação da carga de um meio de
transporte a outro e o handling, que consiste no manuseio da
carga, mesmo que dentro do mesmo meio de transporte52.
Ricardo Negrão53 indica ainda que a responsabilidade civil pelo
transporte, perante o remetente, é primariamente do operador
multimodal, podendo este cobrar, mediante ação de regresso,
dos transportadores e demais subcontratados eventuais pre-
juízos causados por estes. (NEGRÃO. 2011. p. 452)
A nosso sentir, há uma exceção a essa responsabilização pri-
mária do operador multimodal, qual seja, a hipótese em que
determinado transportador responsável por certo trecho seja
cabalmente identificado como o causador do dano ao reme-
tente. Nesse caso, o contratante poderá exigir o ressarcimento
do operador multimodal e do transportador ligado ao fato.
Mesmo na hipótese acima, o operador multimodal, acaso ve-
nha a arcar com prejuízos causados pelo transportador em
questão, aquele terá direito de regresso contra este último.
Exemplo de fato passível de atribuição de responsabilidade a
um dos transportadores envolvidos é a queda de contêiner no
mar, em trecho de transporte marítimo, que venha a causar o
extravio ou dano da mercadoria trasladada, desde que fique
comprovado que o equipamento extraviou-se naquele trecho.
Para tanto, é muito importante que, ao final de cada trecho
do transporte multimodal, a carga seja conferida por pre-
posto do OTM, de sorte a confirmar-se se esta se encontra
em bom estado de conservação e, mesmo, se não foi obje-
to de furto, avaria ou extravio, conforme o caso.
Há um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, como
exporemos a seguir, que revela que a falta de diligência em
verificar o estado da carga no momento do transbordo (bal-
deação), pode fazer com que o remetente perca eventual
direito à indenização pelo furto da mercadoria, como se fos-
se rompido o nexo causal.
No caso concreto, as mercadorias simplesmente desapa-
receram dos contêineres, não havendo sinais de violência
ou grave ameaça, de modo que, em tese, poderia haver
participação de prepostos dos transportadores envolvi-
dos. Sendo a responsabilidade solidária e objetiva entre os
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transportadores multimodais, poder-se-ia impor a eles a
responsabilidade civil neste caso?
Entendemos que não. Isso se justifica uma vez que, de fato,
há norma legal que recomenda a verificação da carga, a sa-
ber, o art. 754 do Código Civil, que será abaixo explorado.
Ademais, o dispositivo trata também do registro de avarias
ou extravio no momento do desembarque.
O caso concreto a ser analisado consiste em Importadora que
adquire telefones sem fio da Ásia para revender a uma empre-
sa de Ilhéus - Bahia. Contrata transportadora marítima para
trazer contêineres da Ásia para Santos e para fazer o transbor-
do para Salvador. Em Salvador, outra transportadora conduz a
carga via terrestre até a cidade de Ilhéus, retirando o contêiner
do navio e colocando-o em caminhão. Ao chegar em Ilhéus, a
empresa compradora nota estar vazio o contêiner.
A importadora acionou a seguradora contratada para esse
tipo de sinistro, que a indenizou regularmente. Após, a se-
guradora moveu ação contra as transportadoras marítimas,
a fim de obter o reembolso do prêmio pago. Entretanto, o
Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu por bem que,
como não foi demonstrado nos autos em que trecho teria
ocorrido o furto, pois a remetente não vistoriou a carga ao
final de cada “perna”, teria havido de negligência desta. Es-
pécie de culpa exclusiva da vítima.
“No caso em exame, observa-se que o Juízo a quo analisou
detidamente os elementos constantes dos autos, correta-
mente concluindo que as rés não podem ser responsabi-
lizadas pelo extravio das mercadorias, pois infere-se dos
autos que, em momento algum, a carga foi conferida ou
vistoriada logo após o seu desembarque em Santos ou em
Salvador. Ademais, não há termo de avaria apontando si-
nais de danos no contêiner, que estava com seu lacre em
ordem quando chegou em Ilhéus.” (grifou-se)54
Note-se que o julgado aponta, ainda, que não houve termo
de avaria do contêiner, sendo que este chegou com seu lacre
incólume na Cidade de Ilhéus, de modo que também faltou
com sua diligência a remetente/importadora, e o eventual
operador multimodal, ao deixaram de registrar avarias como
é exigido para tais casos, ex vi do art. 754 do Código Civil.55
Obviamente causa espécie o fato de os lacres dos con-
têineres estarem intactos e a mercadoria ter sido furtada.
Esclarece-se que é possível - e alguns grupos criminosos
assim agem desde 2004 - retirar os ferrolhos que fecham
as portas dos contêineres e, após, recolocá-los, sem deixar
sinais de arrombamento.
O fato é que o destinatário, ao receber, a carga entregue,
deve verificar se esta encontra-se em perfeita ordem, bem
como se as especificações anotadas estão de fato atendi-
das no produto. Acaso haja divergências ou avarias, o des-
tinatário deve registrar, no ato, apostando no conhecimento
de transporte sua reclamação, portanto.
Caso os defeitos não sejam perceptíveis no ato, o parágrafo
único do art. 754 do Código Civil permite que o destinatário
faça sua reclamação junto ao transportador ou ao remeten-
te em dez dias, contados da retirada da carga.
Na hipótese de avaria ou perda de mercadoria que seria
visível no ato da verificação, acaso o destinatário não faça
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reclamação alguma e retire a mercadoria, sofrerá com a de-
cadência de seu direito. Tal fato aplica-se a toda modalida-
de de transporte, não apenas à multimodal.
Todavia, no caso em espécie, que trata de transporte mul-
timodal, a questão ganha contornos ainda mais graves,
porquanto o destinatário, o remetente o ou o operador mul-
timodal devem checar o estado da carga ao final de cada
trecho de transporte, a fim de identificar eventual problema
de deslocamento ou avaria, a tempo, sem que lhes seja im-
putado posteriormente o peso do descuido. Devem ainda
documentar eventuais desconformidades.
Maria Helena Diniz56 destaca a situação em que, deixan-
do o remetente de registrar a ocorrência no conhecimento
de transporte (avaria ou perda), poderá ainda reclamar do
transportador, no entanto, o ônus da prova passa a pender
sobre o remetente, que terá de comprovar o dolo (ou culpa
grave) daquele. (DINIZ. 2010. p. 490)
Conforme já dito, embora a responsabilidade civil do trans-
portador seja objetiva, nem sempre haverá a inversão do
ônus da prova no processo, quando o transportador for réu.
Daí a importância de uma decisão saneadora que observe o
art. 373, §§ 1º e 2º do NCPC, de forma clara e fundamentada.
Na hipótese de ação movida pelo destinatário contra o
transportador, a apresentação de eventual “nota de ins-
peção” feita pelo destinatário, indicando avarias na mer-
cadoria, terá considerável força probante e poderá ser
recepcionada pelo Magistrado como uma presunção re-
lativa acerca da falha do transportador, admitindo prova
em contrário.
Outra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo57 a respeito de transporte multimodal envolve ainda o
serviço de armazenagem em terminais marítimos. Também
se revela a importância da verificação da carga de que trata
o art. 754 do Código Civil.
No caso sob enfoque, uma companhia exportadora de café
do interior do país contratou transporte multimodal, para
transportar sacas de café até o porto de Santos, por meio de
caminhões, utilizando-se dois contêineres, e, após, despachá-
-las, dentro dos referidos contêineres, via marítima à Itália.
Como é usual em casos similares, a exportadora contratou
com duas empresas que atuam como Terminais de Carga
no Porto de Santos, em São Paulo. Assim, estas empresas
deveriam armazenar a carga em galpões até a remessa em
navio que iria a Trieste, Itália. O transporte contratado era de
modalidade house to house, ou seja, deveria ser entregue
no estabelecimento empresarial da comprador na Itália.
Entretanto, ao chegarem na cidade italiana de Trieste, no
estabelecimento da compradora, notou-se que dentro das
sacas havia areia e não café. Examinada a areia, soube-se
que sua procedência era das praias de Santos/SP.
A companhia seguradora, que havia sido contratada pela
exportadora, assumiu o sinistro e pagou o prêmio contra-
tado. Após, moveu ação contra as duas Companhias de
Terminais do Porto de Santos, alegando que a troca de café
por areia ocorrera quando os contêineres estavam armaze-
nados nos ditos galpões.
O Tribunal de Justiça de São Paulo observou que, quando
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os contêineres foram recebidos pela empresa que realizou
o transporte pela via terrestre, esta não realizou qualquer
protesto ou ressalva quanto à existência ou não de avarias
nos contêineres, para comprovar que nada de irregular teria
ocorrido dentro do estabelecimento da exportadora.
Salientou a decisão do Tribunal ainda que, quando uma das
Companhias de Terminais de Carga recebeu os contêine-
res no Porto de Santos, fez ressalva quanto à existência de
avarias nos mesmos. Após, a transportadora que recebeu a
carga em seu navio, não fez qualquer ressalva, como tam-
bém não o fez protesto algum o armador que descarregou
os contêineres na Itália.
Assim, sendo certo que a única parte que registrou algum
protesto quanto a avarias nos contêineres, foram as Com-
panhias de Terminal de Carga, estas foram consideradas im-
passíveis de responsabilização. Isso porque os sujeitos que
receberam a carga depois de esta ter passado pelos Termi-
nais do porto brasileiro não registraram nenhuma avaria.
Importante notar da análise do julgado acima que o ato de
vistoriar a carga não deve ser feito somente pelo operador
multimodal ou pelo remetente e seus prepostos, mas tam-
bém pelas transportadoras e companhias terminais, que ar-
mazenam a mercadoria.
Os julgados sob foco não fazem menção à fórmula da respon-
sabilidade civil objetiva, a saber, existência de fato, nexo causal
e dano. Limitam-se a investigar os fatos que deram origem à
demanda, no entanto, sem fundamentar tecnicamente a razão
pela qual não incide responsabilidade civil aos entes contratuais
em questão, o que já não seria bem aceito à luz do CPC/2015.
O ato de vistoria denota diligência do sujeito contratante
que compõe o transporte multimodal, de sorte que, embora
o Juiz possa inverter o ônus da prova para que o transpor-
tador prove não ter cometido falha, acaso o remetente não
cuide (por si ou por meio de um operador multimodal) de
perquirir se a carga está em perfeito estado, a cada trecho
que é realizado, poderá deixar de verter luz sobre o nexo
causal que revelaria a responsabilidade civil de um dos su-
jeitos contratuais. Sem esse fato desvelador, rompe-se o
nexo causal e não há responsabilidade civil.
CONCLUSÃO
Por meio da análise de casos concretos, sobretudo a juris-
prudência do Tribunal de Justiça de São Paulo colaciona-
dos neste artigo, foi possível verificar que, conquanto a res-
ponsabilidade civil dos transportadores seja objetiva, isso
não significa dizer que não existam casos peculiares que
exijam meditação a respeito do tema.
A responsabilidade objetiva do transportador decorre da lei,
tanto do art. 1º do Decreto 2.681 de 1912, quanto do art.
734 do Código Civil, que demonstram não ser necessária
a verificação de culpa do contratado para que este esteja
obrigado a indenizar o contratante, por prejuízos causados.
Há, no entanto, situações que rompem o nexo causal e tor-
nam não indenizáveis determinados atos do transportador.
Vimos que o roubo de carga rompe o nexo causal, eis que
não está conexo ao risco natural da atividade do transpor-
tador, de sorte a não compelir o transportador ao ressarci-
mento do prejuízo causado ao contratante.
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Fica claro que obrigar o transportador a assumir o risco pela
insegurança de nossas rodovias seria impor a ele um pesa-
do e injustificado ônus, o que acabaria por elevar o valor do
frete no país, na medida em que o transportador, a fim de
evitar o mal maior, teria de contratar segurança privada. Ou
simplesmente deixaria de atuar na área.
De outro lado, o acidente automobilístico em que o motorista
transportador vier a se envolver, mesmo que por culpa exclu-
siva de outro motorista, não isenta o transportador de res-
sarcir o remetente da carga, tendo, porém, ação de regresso
contra o terceiro. O risco, neste caso, é ínsito à atividade.
Na análise de situações mais específicas, investigamos a
responsabilidade civil que emerge da cláusula de sobresta-
dia e nos contratos de transporte multimodais.
No caso da sobrestadia ou demurrage, evento típico do
contrato de afretamento - que é considerado um desdobra-
mento do contrato de transporte – conclui-se que se trata
de cláusula que estabelece prévia indenização, de modo
que não se depende de análise de culpa, diferentemente da
cláusula penal compensatória ou moratória.
Por fim, encontra-se o contrato de transporte multimodal,
que é aquele em que o remetente contrata, em geral, por
meio de um operador de transporte o deslocamento da
mercadoria mediante diversos meios de transporte.
O transporte multimodal e suas peculiaridades revelaram a
importância de se realizar de forma proba a vistoria a res-
peito do estado da carga, ao final de cada trecho de trans-
porte, seja rodoviário, marítimo, ferroviário ou aéreo, de
sorte a registrar-se formalmente a existência de eventuais
avarias ou danos causados aos bens transportados.
A ausência de registro de protestos no conhecimento de
transporte, por parte do remetente ou destinatário poderá
fazer esmaecer o direito à indenização por danos causa-
dos à mercadoria.
Todas as nuances narradas no presente artigo demonstram a
necessidade de o juiz definir claramente a distribuição do ônus
da prova a cada parte, em vez de simplesmente supor que o
transportador, em razão da responsabilidade objetiva, será
sempre onerado com o encargo de produzir provas. Restou cla-
ro, ainda, que a inversão do ônus da prova na sentença é con-
duta que o CPC/2015 busca coibir, por força dos arts. 9º e 373.
Forçoso compreender, portanto, que a responsabilidade ob-
jetiva a incidir sobre o transportador não necessariamente
compelirá a este o dever de indenizar, sendo de fundamental
importância a análise dos vários desdobramentos que com-
põem o quadro fático em que o contrato está contextualizado.
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NEGRÃO, Ricardo. Direito Comercial e de Empresa – Tí-tulos de Crédito e Contratos Empresariais. 2ª. Edição.
São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito dos Transportes. São Paulo: Editora Saraiva, 1984.
STRECK, Lenio Luiz. Grandes Temas do NCPC, v.5 – Di-
reito Probatório. Coordenadores do volume: Marco Felix
Jobim e William Santos Ferreira. Coordenação Geral: Fredir
Diddier Jr. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Es-pécie. São Paulo: 2003, Ed. Atlas. 3ª. Edição.
WAISBERG, Ivo. Direito e Economia – O efeito bumerangue
do populismo jurídico in A empresa no Terceiro Milênio.
Coordenação de Arnold Wald e Rodrigo Garcia da Fonseca.
São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005. D
Notas
1. HUNT, Edwin S. e MURRAY, James M. Uma História do Comércio na Europa Medieval. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, p. 78-79.
2. NEGRÃO, Ricardo. Direito Comercial e de Empresa – Títulos de Crédito e Contratos Empresariais. 2ª. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. pp. 411-412.
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3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 3. 26ª. Edição. São Paulo: 2013, Ed. Saraiva. p. 476.
4. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. 3ª. Edição. São Paulo: 2003, Ed. Atlas. p. 487.
5. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 479.
6. VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 485.
7. Súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportador quando incorrer em dolo ou culpa grave”.
8. VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit., p. 495.
9. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 430.
10.“Por isso, pode-se afirmar que o título de crédito é o documento representativo de obrigação pecuniária sujeito a regime informado por tais princí-pios. Por outro lado, há alguns instrumentos jurídicos sujeitos a disciplina legal que aproveitam, em parte, os elementos do regime jurídico-cambial. Tais instrumentos não podem ser considerados títulos de crédito exatamente porque a eles não se aplicam, na totalidade, os princípios e normas de direito cambiário. Esses instrumentos são normalmente referidos como “títulos de créditos impróprios”. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p. 472.
11. Art. 745 – Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente (conhecimento de transporte), será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.
12. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. “Curso de direito marítimo – Vol. 2. Barueri: 2008, Ed. Manole”, p. 101-120.
13. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 498.
14. NEGRÃO, Ricardo. Op. Cit. p. 443.
15. Art. 927, § único - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
16. Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qual-quer cláusula excludente da responsabilidade.
17. Súmula 161 STF - Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar. (26/10/2015)
18. Decreto 2.681/1912 - Art. 1º - As estradas de ferro serão responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar. Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas:
1ª - caso fortuito ou força maior;2ª - que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza;
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3ª - tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi consequência de risco que tal espécie de transporte faz naturalmente correr;4ª - que a perda ou avaria foi devida ao mal acondicionamento da mercadoria ou a ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada ou protegida por qualquer outra espécie de envoltório;5ª - que foi devido a ter sido transportada em vagões descobertos, em consequência de ajuste ou expressa determinação do regulamento;6ª - que o carregamento e descarregamento foram feitos pelo remetente ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e disto proveio a perda ou avaria;7ª - que a mercadoria foi transportada em vagão ou plataforma especialmente fretada pelo remetente, sob a sua custódia e vigilância, e que a perda ou avaria foi consequência do risco que essa vigilância devia remover.
19. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito dos Transportes. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 160.
20. Art. 749 - O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto.
21. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 487.
22. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 489: “Mas o remetente e o transportador podem fixar um limite máximo para o valor da indenização nos casos de perda ou avaria, desde que tal fixação corresponda a uma diminuição no valor da tarifa (Dec. nº. 2.681/12, art. 12)”.
23. Conf. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Ed. Saraiva, 1955, p. 161-169.
24. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 7. 26ª. Edição. São Paulo: 2013, Ed. Saraiva. p. 116: Súmula 187 do TJSP: “A RESPON-SABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR, PELO ACIDENTE COM O PASSAGEIRO, NÃO É ELIDIDA POR CULPA DE TERCEIRO, CONTRA O QUAL TEM AÇÃO REGRESSIVA.”
25. DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 510.
26. TJSP, Apelação nº 0169316- 27.2008.8.26.0100, 15ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Araldo Telles, j. 14/05/2013: “Desse modo, a responsabilidade contra-tual do transportador não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual, apenas, tem ação regressiva. No caso presente, a ré tenta se esquivar da obriga-ção de indenizar amparada na culpa do motorista que ela mesma contratou. Ainda que o condutor do caminhão tenha agido com culpa, a responsabilida-de não se afasta porque se trata de caso fortuito interno, isto é, a escolha dos motoristas que contrata é inerente ao risco da atividade que desenvolve.”
27. “Mas será que obrigar o supermercado a colocar preços individualmente vai beneficiar aos consumidores em geral no prazo mais longo, ou somente beneficiaria uma parcela pequena deles em detrimento de uma parcela extremamente superior que arcará com o custo desta etiquetagem?”WAISBERG, Ivo. Direito e Economia – O efeito bumerangue do populismo jurídico in A empresa no Terceiro Milênio - Coordenação de Arnold Wald e Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005, p. 656.
28. “O roubo de carga constitui força maior e exclui a responsabilidade da transportadora perante a seguradora do proprietário da mercadoria transpor-tada, quando adotadas as cautelas necessárias para o transporte seguro da carga. (...)O Tribunal de origem manteve a sentença que concluiu pelo afastamento da excludente de responsabilidade pela existência de força maior, pois con-siderou que o roubo não pode ser considerado como motivo que permite o afastamento da responsabilidade objetiva ante a obrigação da empresa de transporte de prevenir de forma efetiva a ocorrência deste crime.O entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, não havendo norma contratual que estabeleça a necessidade de a carga ser protegida por segurança privada, não demonstrada a participação de algum preposto da transportadora na prática do crime nem eventual culpa, não há como pretender indenização da sociedade empresária pela perda da carga”.
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STJ, AgReg. em Recurso Especial 1580824-SP, Min. Rel. Humberto Martins, j. 17/03/2016. 29. GAGLIANO, Pablo Stolze. Responsabilidade Civil – vol. 3. 2ª. edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p.76.
30. GICO JÚNIOR, Ivo T. O que é Análise Econômica do Direito – Um Introdução. Belo Horizonte: Ed. Fórum, p. 25.
31. STRECK, Lenio Luiz. Grandes Temas do NCPC, v.5 – Direito Probatório. Coordenadores do volume: Marco Felix Jobim e William Santos Ferreira. Coordenação Geral: Fredir Diddier Jr. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 110.
32. “(...) não é a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo que pode ser representado e manipulado mas a relação intersubjetiva, que sujeitos que falam e atuam, assumem quando buscam o entendimento entre si, sobre algo. Ao fazer isto, os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se de interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente em um mundo objetivo, em seu mundo social comum e em seu próprio mundo subjetivo”. HABERMAS, Jürgen. The theory of communicative action. Vol 1. Reason and the rationalizalion of society. Boston: Beacon Press, 1984, p. 392.
33. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Prova e Convicção de acordo com o CPC de 2015. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 53/54.
34. _________________________________p. 54.
35. CALAMANDREI, Piero. Veritá e verosimiglianza nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale, 1955, p. 169-170.
36. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III, 2ª Edição. p. 113.
37. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 158.
38. _______________________________. p. 161.
39. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de derecho processual civil. Buenos Aires, 1944, t. III, p. 547.
40. MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1960, vol. III, p. 73.
41. MARTINS, Pedro Batista. Op. cit. p. 72.
42. LESSONA, Carlo. Trattato delle Prove in Materia Civile, 3ª ed., vol. 59 p. 179.
43. CARNELUTTI, Francesco. Op. cit. p. 222.
44. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 201.
45. _______________________________ p. 194.
46. Art. 408 - Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
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47. Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
48. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações - 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 258.
49. TJSP, Apelação nº 0003980- 29.2012.8.26.0003, 13ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Francisco Giaquinto, 16 de maio de 2013: “Desse modo, não tendo a demurrage natureza jurídica de cláusula penal e considerando que o vínculo existente entre as partes é contratual, perfeitamente cabível a indenização decorrente do descumprimento contratual pela demora na devolução do equipamento além do prazo livre pactuado, independentemente de culpa do devedor pelo atraso, bastando sua ocorrência.” Precedentes: Apelação nº 990.09.328661-0, 20ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Re-bello Pinho, julgamento: 12/04/2010; Apelação n° 7.229.968-0, 24ª Câmara de Direito Privado – Des. Rel. Roberto Mac Cracken - Data de julgamento: 29/05/2008.
50. . Art. 2º - Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal.
51. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 451-452.
52. Art. 3º O Transporte Multimodal de Cargas compreende, além do transporte em si, os serviços de coleta, unitização desunitização, movimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas.
53. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 452
54. TJSP, Apel. 0093627-49.2009.8.26.0000, 11ª. Câmara de Dir. Priv. Des. Rel Marino Neto, j. 21/12/13.
55. Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.
Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.
56. DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 490: “No caso de transportador sucessivo ou de transportador de fato, o protesto será encaminhado a todos os res-ponsáveis, transportador contratual e transportador de fato. O dano ou avaria e o extravio de carga importada ou em trânsito aduaneiro serão apurados de acordo com a legislação específica (Portaria GM 5 nº. 957/89, art. 47).”
57. TJSP, Apelação nº. 9140602-10.2008.8.26.0000, 12ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Sandra Esteves, j. em 30 de janeiro de 2013: “A autora alega na inicial que contratou com COMPANHIA IMPORTADORA E EXPORTADORA COIMEX uma apólice de seguro que a obrigava ao pagamento do capital segurado em caso de sinistro da mercadoria transportada (sacas de café). Aduz que a mercadoria foi acondicionada em dois contêineres. A segurada, então, con-tratou as rés para depósito de sua mercadoria até seu embarque em navio. Ocorre que, enquanto a mercadoria permaneceu sob custódia das rés, houve a substituição do conteúdo dos cofres por sacos de areia. Segundo a autora, o evento danoso ocorreu em razão da negligência das rés em seu dever de cuidar do bem depositado. Afirma, ainda, que a areia inserida nos cofres tem origem geológica na região da Baixada Santista. Assim, por haver pagado à sua segurada o capital segurado contratado na apólice, pretende receber indenização, na qualidade de sub-rogada. (...)
Como bem ressaltado pelo nobre magistrado a quo, a análise dos autos permite concluir que se trata de contrato de transporte house to house. Nessa modalidade, a mercadoria é retirada do estabelecimento empresarial do exportador e entregue no estabelecimento do importador. A estufagem do con-
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têiner se dá no estabelecimento daquele, e a desova no deste. Após a estufagem, o cofre é selado e lacrado, e sua abertura ocorre apenas no momento da chegada ao estabelecimento do importador. Durante o transporte e a armazenagem, nem o transportador, nem o depositário têm acesso ao conteúdo.
Consta dos autos que os contêineres foram transportados por via terrestre desde as instalações da segurada até o porto de Santos. O transporte ter-restre foi prestado pela sociedade empresária TRANSPORTE E COMÉRCIO FASSINA LTDA. Essa transportadora não fez qualquer ressalva quanto à selagem e lacração dos cofres. Chegando ao porto de Santos, os contêineres foram entregues aos cuidados das rés, que se responsabilizaram por seu armazenamento até o momento do embarque em navio. Ao recebê-los, a corré LIBRA TERMINAIS S/A 3fez ressalva quanto à vedação de um cofres, por apresentar avaria (fl. 87). Cinco dias depois, os cofres foram embarcados no navio. O comandante da embarcação não fez qualquer ressalva quanto à vedação e lacração dos contêineres. Não há notícia de que, na chegada dos cofres ao porto de Trieste (Itália), tenha sido feita qualquer ressalva a respeito de seu fechamento. Apenas no estabelecimento empresarial do importador constatou-se que a mercadoria entregue não eram sacas de café, mas de areia”. (grifou-se)
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