Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1
A representação de Santa Teresa D’Ávila como símbolo de devoção e poder
das Ordens Terceiras do Carmo no Brasil
Roberta Bacellar ORAZEM
Universidade Federal de Sergipe
Resumo:
Santa Teresa D‟Ávila (1515-1582) é uma das mais importantes figuras femininas do
período contrarreformista da Igreja Católica, não somente em países europeus como Espanha
e Portugal, como também na América, África e Ásia. Teresa esteve à frente da reforma
espiritual e política da Igreja e teve apoio de políticos e religiosos influentes de sua época.
Esta atitude repercutiu de tal maneira que, logo após sua morte, sua fama se espalhou
rapidamente, não só entre os religiosos e leigos carmelitas descalços da Espanha, mas entre os
fieis de vários locais e devotos de distintas ordens religiosas do mundo católico. As pesquisas
revelam que a devoção à Santa de Castela ocorreu em meio aos nobres, religiosos e políticos,
mas também entre a população mais humilde na Península Ibérica e além-mar. No Brasil, a
devoção a Santa Teresa D‟Ávila surgiu a partir do século XVII, proveniente de Portugal,
através dos religiosos carmelitas descalços e dos fieis abastados que faziam parte das
irmandades de leigos carmelitas. Estas, por sua vez, eram chamadas de Venerável Ordem
Terceira do Carmo, e foram implantadas em quase todo o litoral do Brasil, anexas às igrejas
dos carmelitas calçados. Essas instituições congregavam obrigatoriamente pessoas brancas,
abastadas e de pureza de sangue, formando uma elite local. Nas igrejas da Ordem Terceira do
Carmo no Brasil colonial, a representação de Santa Teresa D‟Ávila foi divulgada através da
arte sacra. Esta, patrocinada pelos leigos carmelitas, teve como referência as gravuras da
Santa produzidas na Europa, que foram adquiridas por intermédio dos comerciantes locais. O
repertório artístico, produzido nos interiores daquelas igrejas, não foi somente um forte
símbolo de devoção laica, mas também representava o poder dessas elites locais.
Palavras-chave: Santa Teresa D‟Ávila; Ordem Terceira do Carmo; arte sacra; elites
locais.
Roberta Bacellar Orazem
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Abstract:
Saint Teresa D‟Ávila is one of the most important female figures of the Catholic
Church´s counter reformist period, not only in European countries such as Spain and Portugal
but also in other conquered continents, such as America, Africa and Asia. Teresa led the
spiritual and political reformation of the Church, gaining support from politicians and influent
religious men of her time. Her attitude has so strong repercussion that, just after her death, her
fame spread rapidly, not only among the religious community and the Shoeless Carmelites but
also among the devoted people from several religious Orders belonging to the Catholic world.
Researches show that the devotion towards the Saint of Castell occurred mainly among the
nobility, religious communities and politicians, as well as among the humblest people from
the Iberian peninsula and overseas. In Brazil, devotion towards Saint Teresa D‟Ávila
appeared from the XVII century on, coming from Portugal, through the Shoeless Carmelites
and also through the wealthy believers who took part in the fraternities of Carmelite laymen.
Those fraternities were named Venerable Third Orders of Carmo and were formed along
almost all the Brazilian coast, nearby the Carmelite Churches. Those institutions mandatorily
gathered white, wealthy and royal blood people, creating a local elite. During the colonial era
in Brazil, the representation of Saint Teresa D‟Ávila in the churches of the Third Order of
Carmo was propagated through the sacred art. This art was sponsored by the Carmelite
laymen, having as a reference the Saint‟s engravings produced in Europe, acquired by the
local traders. The artistic repertoire, produced in those churches interiors, was not only a
massive symbol of laic devotion, but represented the local elites power as well.
Keywords: Saint Teresa D´Ávila; Third Order of Carmo; sacred art; local elite.
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1. A influência de Santa Teresa D’Ávila na Idade Moderna
Santa Teresa D‟Ávila ou de Jesus1 é uma das mais importantes figuras femininas do
período contrarreformista da Igreja Católica, sua fama foi disseminada não somente pela
Espanha, mas em Portugal, e demais territórios como América, África e Ásia. Na Idade
Moderna, a imagem de Teresa formou-se a partir de um forte modelo de santidade moldado
por ela e pelas pessoas que com ela conviveram, sendo apropriado pela Igreja e pelos fieis ao
longo dos anos. Logo após a sua morte, sua imagem se espalha rapidamente, não só entre os
religiosos e leigos da Espanha, mas entre os devotos de vários locais do mundo católico.
Segundo Borges (2005), essa influência da Santa, que vai surgir até mesmo além-mar,
não é mero acaso, já que foi uma atitude da época enfatizar e divulgar o modelo de santidade
como exemplo, sendo priorizado no governo de Felipe II2 em Espanha e Portugal. “Não foi
por coincidência que surgiram tantas figuras vistas como Santas num mesmo período, São
Pedro de Alcântara,3
Teresa D‟Ávila, São João da Cruz,4 também elas influenciadas pela
geração anterior, onde pontificaram nomes como São João de Ávila,5 São Francisco Xavier,
6
Santo Ignácio de Loyola7 e Santo Tomás de Villanueva
8.” (BORGES, 2005, p.2).
Para termos uma noção da importância de Santa Teresa de Jesus, cabe ilustrarmos
alguns acontecimentos que marcaram a sua trajetória de vida e após sua morte. Teresa nasceu
no ano de 1515, na região de Ávila, na Espanha. A família de Teresa era abastada, com título
1 Teresa de Cepeda e Ahumada nasceu na cidade de Gotarrendura, região da província de Ávila, Espanha, em 28
de março de 1515; e morreu na cidade de Alba de Tormes, região da província de Salamanca, Espanha, em 4 de
outubro de 1582. 2 Nascimento em Valladolid, Espanha, em 21 de maio de 1527; e morte em Madrid, Espanha, em 13 de setembro
de 1598. Felipe II da Espanha (também conhecido como Felipe I de Portugal a partir da União Ibérica em 1580)
foi um dos reis mais católicos e influentes da época, que manteve muitos territórios com a política absolutista e
as ideias contrarreformistas, com o objetivo de conter a expansão do protestantismo. 3 Nascimento na cidade de Alcántara, região de Extremadura, Espanha, em 1499; e morte em Arenas de San
Pedro, região de Castela e León, Espanha, em 18 de outubro de 1562. 4 João de Yepes nasceu na região de Fontiveros, região da província de Ávila, Espanha, em 24 de junho de 1542;
e morreu na cidade de Úbeda, região da província de Jaén, Espanha, em 14 de dezembro de 1591. Carmelita
seguidor que defendeu a Contrarreforma no século XVII. Companheiro de Teresa D‟Ávila junto a reforma
ocorrida no mesmo período dentro da Ordem do Carmo, que impulsionou a divisão entre os carmelitas da Antiga
Observância e a nova ordem dos carmelitas descalços. O Frade João da Cruz foi responsável pela fundação dos
conventos dos carmelitas descalços masculinos no reino católico ibérico. 5 Nascimento na cidade de Almodóvar del Campo, região de Cidade Real, Espanha, no ano 6 de janeiro de 1500;
e morte na cidade de Montilla, Espanha, em 10 de maio de 1569. Sacerdote espanhol e participante da
Contrarreforma, teve contato com os jesuítas e com Felipe II da Espanha. 6 Nascimento na cidade de Xavier, Espanha, em 7 de abril de 1506; e morte na ilha de Shangchuan, China, em 3
de dezembro de 1552. Jesuíta militante da contrarreforma. 7 Nascimento na cidade de Azpeitia, Espanha, no ano 31 de maio de 1491; e morte em Roma, Itália, em 31 de
julho de 1556. Fundador da Companhia de Jesus, um dos nomes mais influentes dentro da Igreja
contrarreformista. 8 Nascimento na cidade de Fuenllana, região de Cidade Real, Espanha, em 1488; e morte na cidade de Valência,
Espanha, em 9 de setembro de 1555. Frei Agostiniano, influente no reino espanhol, foi confessor do rei Carlos I,
rei que foi antecessor de Felipe II.
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de nobreza, sendo assim, teve uma educação privilegiada em relação às mulheres da época,
além de poder ter contato com as pessoas mais influentes da Espanha.
Aos vinte e um anos de idade, Teresa entrou para o convento das carmelitas da
Encarnação da cidade de Ávila e por vinte e sete anos viveu como freira nesse local.
Teresa teve muitos mentores espirituais e a maioria não era carmelita, além de um
padre dominicano, que foi o confessor de seu pai por muitos anos, existiram outros religiosos
presentes na vida da religiosa. A freira aproximou-se, principalmente, dos padres jesuítas, mas
também dos franciscanos, agostinianos, entre outros. O franciscano São Pedro de Alcântara
foi um dos seus mais estimados confessores e incentivadores na reforma do Carmo.9 Em vida,
esses religiosos aconselharam Teresa e, com a sua morte, alguns deles revelaram e
defenderam a sua santidade. Os religiosos ajudaram Teresa a se aprofundar mais nos estudos
da mística10
, a se aproximar e praticar as ideias contrarreformistas e a realizar mudanças
dentro da Ordem do Carmo.
Durante a sua vida como religiosa, Teresa teve uma vasta produção literária, pois foi
letrada e educadora de religiosas, uma figura importante no contexto de sua época. Teresa de
Jesus escreveu quatro grandes obras que, em ordem cronológica e com seus títulos traduzidos
para o português, são: “„Livro da Vida‟ (1562, primeira redação; 1565, segunda redação),
„Caminho de Perfeição‟ (1566, duas redações: manuscritos do Escorial e de Valladolid. Ainda
existem cópias manuscritas em Madri, em Salamanca e em Toledo), „Castelo Interior ou
Moradas‟ (1577) e o „Livro das Fundações‟ (escrito desde 1573 até 1582, pouco antes de sua
morte). Também são de sua autoria: „Relações Espirituais‟, „Conceitos do Amor de Deus‟,
„Exclamações da Alma a Deus‟, „Constituições‟, „Modo de Visitar os Conventos‟, „Certame‟,
„Resposta a um Desafio Espiritual‟.” (SANTOS, 2006, p.20).
Na época, Teresa foi perseguida pela Inquisição, em decorrência principalmente da
divulgação das cópias dos manuscritos de seus livros. Sobre as acusações inquisitoriais,
alguns religiosos de diversas ordens religiosas tomaram a sua defesa.
Em sua produção literária, é percebida uma linguagem simples, que os pesquisadores
consideram atingir as camadas mais populares da sociedade. Além disso, sua linguagem
9 A partir da segunda metade do século XVII, Teresa reformou a ordem religiosa dos carmelitas, formando uma
nova vertente para a Ordem, os carmelitas descalços, fundando conventos, junto a São João da Cruz, no reino
católico ibérico. 10
“Os místicos são os que atestam que Deus é visível já agora pela fé ou em visão. Ver Deus é dar-se conta de
que ele existe e de que, como no caso de Agostinho, é inútil procurá-lo fora de si, porque ele está no íntimo do
homem mais do que o próprio homem. Por isso a história da mística, isto é, daquela experiência que se faz no
plano sobrenatural e nas profundezas misteriosas do encontro homem-Deus, só pode ser a tentativa de apreender
a experiência que, ao longo dos séculos, o homem fez dessa presença misteriosa e, no entanto, clara, secreta, mas
também luminosa.” (BORRIELLO, 2003, p.706).
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tratava de assuntos relacionados à mística, tema de grande interesse entre os devotos católicos
durante a contrarreforma. Esses foram alguns dos motivos de suas obras terem sido tão
rapidamente difundidas na época, além de permanecerem tão famosas até hoje.
Em Alba de Tormes, Espanha, morreu Santa Teresa de Jesus no dia 4 de outubro de
1582. Como tradição religiosa da época, realizada em pessoas importantes, o seu corpo foi
mutilado e dividido em partes que foram entregues como relíquias e preservadas em
conventos e castelos do reino espanhol e português.
Após sua morte, alguns religiosos e influentes nobres da sociedade espanhola
apelaram para a sua beatificação (concedida em 1614) e canonização (concedida em 1622)
pela Igreja Católica.
Vale ressaltar que a sua santidade foi rapidamente aceita pela Igreja, fato curioso por
se tratar de uma mulher11
e uma vez que foi canonizada no mesmo processo de figuras de
destaque para a época como Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier, além de São
Isidro Labrador12
e São Felipe Neri.13
Seus livros foram publicados na Europa e divulgados por todos os locais onde
dominava o pensamento católico. Alguns carmelitas descalços também trataram de
disseminar a sua santidade, além de fundar rapidamente conventos em diversos locais dentro
ou fora do reino espanhol, como em Portugal e Países Baixos.
Logo após sua morte, existiram pelo menos quatro biógrafos, religiosos de variadas
ordens religiosas da Espanha, que exaltaram a santidade de Teresa em biografias completas,
principalmente para impulsionar o seu processo de beatificação, são eles: Padre Francisco de
11
A mentalidade da época tratava as mulheres como fracas e enganadoras. Em seu trabalho, Cammarata (1992)
demonstra a restrita condição da mulher na época moderna, onde o autor diz que, dentre vários casos, a mulher
era relegada aos serviços domésticos, e, em outro caso, aquelas que quisessem exercer o sacerdócio, mas que
possuíssem uma postura fraca, mandava-se que fossem excluídas junto aos “hermafroditas, monstros e
dementes”. O autor demonstra que o discurso místico foi bem apropriado por Teresa, já que, na época, foi o
único onde uma mulher atuou e falou de uma maneira pública. Assim, a monja utilizou de estratégias de
submissão e uso de linguagem íntima que elevou seu exemplo de santidade: “Os argumentos intelectuais dos
eruditos sobre a deficiência natural feminina justificam a exclusão da mulher da hierarquia eclesiástica e da
educação teológica. [...] Ao escrever a partir de uma posição de exclusão cultural, Santa Teresa de Ávila (1515-
82) tem que adaptar o discurso tradicionalmente masculino à articulação do desejo feminino para poder definir
sua totalidade de prazer ou êxtase [...].” (CAMMARATA, 1992, p.58). [“Los argumentos intelectuales de los
eruditos sobre la deficiencia natural femenina justifican la exclusión de la mujer de la jerarquía eclesiástica y de
la educación teológica. [...] Al escribir desde una posición de exclusión cultural, Santa Teresa de Ávila (1515-82)
tiene que adaptar el discurso tradicionalmente masculino a la articulación del deseo femenino para poder definir
su totalidad de placer o éxtasis [...].” (CAMMARATA, 1992, p.58).]. 12
Nascimento em Madrid, Espanha, no ano de 1080; e morte no dia 30 de novembro de 1172. Conhecido santo
espanhol da Idade Média, que viveu como lavrador e teve muitas visões místicas. 13
Nascimento em Florença, Itália, no dia 22 de julho de 1515; e morte no dia 26 de maio de 1595. Considerado
Apóstolo de Roma e fundador da Congregação do Oratório.
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Ribera, da Companhia de Jesus; Frei Diego de Yepes, da ordem de São Jerônimo; Frei Luis
de León, da ordem de São Agostinho; e Julian de Ávila, dos carmelitas descalços.
Nesse contexto, o que também colaborou para a rápida divulgação de sua santidade,
no mundo católico contrarreformista, foi, principalmente, a disseminação de gravuras que
contavam as narrativas de sua vida através de imagens. Essa prática de divulgar a história de
santos em estampas e, posteriormente, adaptar essas imagens para outro suporte artístico
como a pintura, é uma tradição medieval que foi reforçada com o Concílio de Trento,14
fazendo com que o religioso e o fiel utilizassem a arte como ferramenta didática para
transmitir, enfatizar ou impor a doutrina católica. As gravuras foram um material de grande
acessibilidade na época, facilitando a divulgação de seu modelo de santidade e a reprodução
de obras de artes pelos artistas da Idade Moderna até os dias atuais.
A própria Teresa de Jesus vivenciou essa cultura visual, com a prática de culto e uso
das imagens em seu cotidiano. No trabalho de Gutiérrez (2006), são analisados os conceitos
de devoção e imagem de culto nos templos da contrarreforma a partir de exemplos na vida de
Santa Teresa de Jesus, demonstrando a forte intimidade dos católicos, leigos e religiosos com
o universo das imagens.
Após sua morte, o modelo de santidade teresiano também é divulgado no mundo
católico através de gravuras, nesse caso, as suas imagens foram feitas a partir de seus escritos,
refletindo, principalmente, as suas cenas de êxtase ou visões místicas.15
Uma das hagiografias oficiais de Santa Teresa D‟Ávila mais divulgada foi realizada
em 1613 por dois gravadores dos Países Baixos, Cornelius Galle (1576-1650) e Adrian
Collaert (1560-1618), renomados artistas flamengos. De acordo com Sebastián (1989, p.244),
a encomenda da série foi solicitada pela carmelita descalça Ana de Jesus.
A questão é reforçada tendo em vista que sua imagem e fama percorreram entre
nobres, religiosos, políticos e população mais humilde. Existem alguns exemplos, do início do
século XVII, expostos no trabalho de Martín (2008) sobre “Santidade, devoção e arte através
de quatro referências a estampas de Santa Teresa de Jesus, anos 1609-1615”.16
O autor
explica como a imagem de um santo, neste caso Santa Teresa, constitui-se em um meio
fundamental de devoção presente em todos os âmbitos da sociedade espanhola e localizados
14
O Concílio de Trento aconteceu entre 1545-1563, sendo o 19º concílio ecumênico da Igreja Católica, onde o
principal objetivo foi criar estratégias que controlassem o avanço da Reforma Protestante. É um dos três
concílios fundamentais da Igreja, onde foram geradas as leis tridentinas, ou leis contrarreformistas, aplicadas por
muitos anos, do século XVI até o início do século XX. 15
Berbara (2009, p.8) afirma que são citados cerca de quinhentos milagres em seu processo de canonização e a
maioria está representada em sua hagiografia. 16
“Santidad, devoción y arte a través de cuatro referencias a estampas de Santa Teresa de Jesús, años 1609-
1615”.
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em diferentes tipos de documentos do início do século XVII. O autor destaca a produção de
gravuras da monja carmelita, tanto populares, de fácil acesso aos devotos menos abastados,
quanto oficiais, de circulação entre a classe mais abastada e entre os religiosos.
Sendo assim, a imagem popular da Santa mística se disseminou por toda a Espanha e
Portugal a partir do século XVII. Nesse mesmo período, com a chegada das ordens religiosas
ao Brasil, os ideais de Santa Teresa D‟Ávila chegaram às Américas, através dos conventos de
carmelitas descalços e de associações de leigos devotos à Santa.
Dentro do universo feminino religioso, ou seja, nos conventos femininos carmelitas e
de outras ordens religiosas, algumas historiadoras como Borges (2007, 2005, 2004), Algranti
(1993 e 2004) e Gonçalves (2005) retratam a influência de Santa Teresa de Jesus em Portugal,
no Brasil e nas Índias. As autoras registram que, até o século XIX, Teresa foi um exemplo de
santidade para muitas religiosas que leram seu Livro da Vida, chegando até ao ponto de ter
atitudes e comportamentos idênticos aos da Santa, como o misticismo na prática das visões e
êxtases.
Durante todo o período colonial no Brasil, o seu exemplo de vida repercutiu em meio à
sua devoção entre os leigos carmelitas, onde é notável a representação imagética da Santa em
todas as igrejas da Ordem Terceira do Carmo no Brasil. Além da divulgação da religiosa nas
duas igrejas masculinas do Carmelo descalço no Brasil nas regiões de Salvador/Bahia e
Olinda/Pernambuco.
2. As igrejas da Ordem Terceira do Carmo no Brasil: locais de culto e de poder
As associações de leigos, obedientes e que não, necessariamente, precisassem seguir
os votos de castidade foi confirmada pela bula Dum Tenta de Sixto IV,17
promulgada em
1476. A importância das associações laicas para as ordens religiosas foi a fidelidade da
doação e manutenção e divulgação das atividades da Igreja. Por sua vez, os leigos obtinham
uma ascensão social e maior participação em assuntos diretos relacionados ao estado.
As instituições religiosas de leigos foram fortes expressões de organizações sociais,
símbolos de identidade e de prestígio para os diversos grupos no período colonial no Brasil,
sejam eles de brancos, pretos, pardos, artífices, comerciantes, marinheiros, entre outros.
A ordem terceira veio com as ordens religiosas e se fixou por volta do século XVII no
Brasil. Em Portugal, a fundação da Ordem Terceira do Carmo ocorreu em 1629, na cidade de
17
211º Papa – período de seu pontificado de 1471 a 1484.
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Lisboa, logo, no Brasil, foi instalada a primeira associação de terceiros carmelitas na cidade
de Salvador em 19 de outubro de 1636.
No Brasil, onde se erguiam igrejas da ordem primeira dos religiosos carmelitas
calçados, concomitantemente, edificava-se uma igreja da Ordem Terceira. No início, as
ordens terceiras do Carmo foram instaladas dentro das igrejas conventuais, porém, por
diversos motivos, os leigos construíram igrejas próprias, em grande maioria, anexas àquelas.
Raros são os casos onde a associação de leigos carmelitas não construiu a sua própria igreja,
já que a Ordem Terceira do Carmo foi formada por pessoas de destaque social, brancas e
abastadas no período colonial.
Dentro da hierarquia das irmandades de leigos, as Ordens Terceiras foram as mais
importantes, junto com a Ordem Terceira de São Francisco e de São Domingos. A Ordem
Terceira do Carmo foi uma instituição que atuou principalmente como uma organização
social de brancos e de pureza de sangue,18
símbolos de poder no período colonial. Portanto, a
Ordem Terceira do Carmo foi uma irmandade onde se associavam as pessoas mais
importantes da região, ou seja, funcionários públicos, donos de engenho, comerciantes, entre
outros. Alguns pesquisadores como Russel-Wood (1970) afirmam que a profissão da maioria
dos irmãos da Ordem Terceira foi de negociantes, latifundiários que trocavam seus produtos
por mercadorias.19
As cifras apresentadas, que provam a existência de lucros consideráveis e riquezas nas diversas
instâncias da economia colonial, como a agricultura açucareira, o tabaco, ouro, comércio de
escravos, e outras formas econômicas, é uma realidade incontestável. Os meios que propiciaram
a produção daqueles bens, como em toda a parte, estiveram sempre nas mãos da minoria:
senhores de terras, comerciantes, o alto clero (bem remunerado e também proprietário), altos
funcionários da Coroa, minoria detentora de inúmeros privilégios, desde os primeiros anos do
descobrimento – os portugueses de origem pequeno-fidalga e de raça branca. Senhores que
agregavam socialmente na Santa Casa de Misericórdia, Ordem Terceira do Carmo, São
Domingos e São Francisco de Assis, preferencialmente. (CASIMIRO, 1996, p.38).
No Estatuto da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira de 1915, localizado no
Arquivo do Carmo de Belo Horizonte, constata-se que a tradição colonial de organização de
18
Esse termo era comum no período colonial representando pessoas que tinham um histórico familiar impecável
para as exigências da época, ou seja, que não tivessem descendência moura, judaica, negra ou indígena, qualquer
„raça infecta‟. 19
“Enquanto a Ordem Terceira de São Francisco podia contar entre os sócios os intelectuais e a flor da nata da
sociedade baiana, a Ordem Terceira do Carmo exercia maior atração para os negociantes.” (RUSSEL-WOOD,
1970, p.193).
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leigos se manteve por muito tempo, um exemplo disso aparece registrado no primeiro artigo,
onde diz:
A Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, fundada nesta cidade em
1691, continua a ser a corporação religiosa de fiéis catholicos de um e outro sexo, que, para
melhor promover a salvação eterna de sua alma, colocam-se sob a poderosa proteção de Nossa
Senhora do Carmo, abraçando e praticando a regra da preclara Ordem Carmelitana adaptada às
pessoas seculares, para norma dos superiores hierarchicos autorizados pela Santa Sé Apostólica.
(ACBH, ESTATUTO..., 1915, p.1).
Mais adiante, no capítulo dois, são percebidas as exigências para ser irmão de uma
Ordem Terceira do Carmo, onde se trata dos irmãos, suas admissões, profissão e obrigações,
no artigo quarto, os incisos primeiro ao sétimo relatam que:
Para ser irmão é preciso: professar a Religião Catholica Romana; ser maior de quatorze annos de
edade e de cor branca; Ser de reconhecida conducta moral e religiosa e viver honestamente de
algum emprego, officio, industria ou renda; não ter sido condemnado por delicto infamante nem
expulso de alguma corporação religiosa de seculares, salvo provando sua reabilitação; ser
aprovado pela mesa, mediante requerimento, proposta e rigorosa syndicancia e com voto
decisivo do rvmo. Padre comissário sob fé religiosa e costumes do apresentado; pagar a joia que
fôr estabelecida no Regulamento, e si não puder pagar, só gosará dos benefícios espirituaes, não
podendo nunca gosar das regalias temporaes sem que preceda nova aprovação da mesa; receber
o hábito com as formalidades do Ritual Carmelitano. (ACBH, ESTATUTO..., 1915, p.1).
Dentro da Ordem Terceira do Carmo, a organização era feita por uma Mesa onde
existiam as funções de cada irmão, com cargos eleitos anualmente. Aos membros da Mesa,
eram atribuídas todas as decisões, todos que entravam na irmandade pagavam joias (um valor
pré-estabelecido) para exercer os cargos, cabia aos homens tomarem as mais importantes
decisões de voto. A entrada de leigos nessas instituições tinha um preço alto financeiramente
e lhes proporcionava status social.
Na sociedade colonial, as irmandades laicas serviram como um sistema integrador da
política de Portugal, junto a um controle da igreja para com os associados, e muitas vezes
foram instituições que conseguiram grande autonomia econômica e política. As ordens
terceiras foram responsáveis até pela organização de festas religiosas e pomposas, e pela
encomenda da alma dos fiéis, construção e manutenção dos mais importantes cemitérios da
época e da celebração de missas anuais para a alma dos mortos.
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Além de todas as atividades citadas, foi papel das Ordens Terceiras, já que cada uma
delas erguia sua própria igreja, a construção e decoração dos seus templos. Aos leigos filiados
a uma irmandade, através da Mesa, cabiam as decisões de contratar os profissionais, ou seja,
os oficiais mecânicos20
para a elaboração de um plano arquitetônico, fazendo parte deste a
fachada da igreja, a planta, os altares, as pinturas, entre outras obras artísticas.
Os irmãos leigos impunham ao artesão seguir um plano arquitetônico ou iconográfico
específico, baseados nas leis da Igreja, nos gostos pessoais de cada irmandade e de acordo
com o que estilo artístico vigente, tanto para a escolha dos temas religiosos como dos manuais
de arquiteturas e artes que seriam seguidos.
A grande maioria das obras, mesmo religiosas, era executada dentro de um programa imposto
aos artistas pelas organizações religiosas que as encomendavam, ainda que os contratos não
fizessem menção a programa a ser considerado pelo pintor. Assim também acontecia na Europa:
as autoridades eclesiásticas é que definiam o programa a ser executado. É possível que uma vez
ou outra um artista tenha escolhido livremente o tema e a forma de sua obra, sobretudo quando
se tratava de doação de artista em cumprimento de promessa [...]. (D‟ARAÚJO, 2000, p.98).
A respeito dessa conduta laica que repercutiu no Brasil, baseada em uma mentalidade
contrarreformista europeia católica, Pifano (2007, p.514) explica:
[...] orientados por um claro desejo de utilizar a arte com fim propagandístico, moralizador e
didático para o quê se tornava indispensável favorecer um estilo (embora não uniforme) que
fosse de fácil compreensão e acessível ao maior número de crentes. Daí as palavras-chave das
recomendações se tornem „clareza‟, „simplicidade‟ e „inteligibilidade‟. Como diz Gilio da
Fabriano: „Uma coisa é bela na medida em que for clara e evidente‟. Nos Atos do Concílio lê-se:
„Não será erguida nenhuma imagem que sugira falsa doutrina ou que possa propiciar uma
ocasião de erro perigoso ao ignorante‟.
Ao se expor as funções de uma irmandade de leigos, percebemos o significativo papel
de destaque que as ordens terceiras exerceram na sociedade colonial. Foi principalmente essa
sociedade laica abastada, detentora de poder, que, essencialmente, manteve o sistema colonial
20
Nome dado ao profissional no período colonial no Brasil, que realizava serviços de oficina, sendo essas
ligadas à tradição medieval de grupos de ofícios, onde os profissionais se uniam e se dividiam em categorias de
acordo com a função. Cabe ressaltar que essas atividades no Brasil eram consideradas inferiores e eram
geralmente realizadas por pessoas de cor, pardos ou negros, pois a mentalidade colonial repugnava o trabalho ou
o esforço físico. “[...] Verificava-se que a aspiração de todos, segundo os viajantes, era transformar-se em
militares, sacerdotes, profissionais liberais, como médicos e advogados, além de funcionários públicos, tendo em
conta que, para a mentalidade de então, era considerado degradante exercer algum ofício no qual fosse
necessário empregar esforço físico.” (CAMPOS, 2003, p.101).
A representação de Santa Teresa D‟Ávila como símbolo de devoção e poder das Ordens Terceiras do Carmo no Brasil
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e colaborou com a ligação entre a Igreja e o Estado Português, para maior controle no Brasil
colônia.
3. A representação à Santa Teresa D’Ávila como símbolo de devoção e poder
As Ordens Terceiras do Carmo no Brasil seguiam a adoração do Escapulário da
Virgem do Carmo; dos Passos da Paixão de Cristo, com exaltação ao Nosso Senhor dos
Passos; e simpatizavam com a temática da reforma descalça teresiana, com devoção à Santa
Teresa D‟Ávila e, em alguns casos, devoção a São João da Cruz.
É forte a devoção à Santa Teresa de Jesus nas igrejas da Ordem Terceira do Carmo do
Brasil. Isto pode ser comprovado em um documento do século XVIII da Ordem Terceira do
Carmo de Recife sobre a festa dedicada à Santa Teresa, onde os fiéis a denominam matriarca:
“Termo em que se assentou e Meza de 8 de outubro de 1797 aseitar a graça [...] ao
Reverendíssimo Padre Monsenhor Provincial Frei Félix de Santa Anna de transferir a festa
[...] deste presente dia para domingo seguinte dia em que esta ordem soleniza a festa de nossa
Matriarcha [...].”21
O nome de algumas igrejas da Ordem Terceira do Carmo era atribuído diretamente à
Santa Teresa D‟Ávila, fato encontrado em alguns documentos das irmandades de leigos
carmelitas no século XVIII e XIX, como é o caso da igreja da Ordem Terceira do Carmo de
Recife/Pernambuco e João Pessoa/Paraíba.
No Brasil, todas as ordens terceiras do Carmo tomaram como devoção principal Nossa
Senhora do Carmo, uma vez que a maioria dos Estatutos das irmandades revela essa
informação. A devoção mariana também seguiu as leis tridentinas, onde, hierarquicamente, as
igrejas deveriam colocar em primeiro lugar Jesus Cristo e, posteriormente, Nossa Senhora.22
O período contrarreformista também enfatizou a temática da Virgem Maria, além disso, a
ordem dos carmelitas prioriza o culto mariano.
Todavia, atribuíram à Santa Teresa D‟Ávila um papel secundário e de destaque dentro
do templo. Na maioria das igrejas, a imagem da Santa pode ser contemplada em pontos
estratégicos do espaço arquitetônico. Em muitos casos, Santa Teresa tem um papel singular
21
Terceiro livro de termos de Mesa – Arquivo da Ordem Terceira do Carmo – Recife, p.75. (CANHA, 2008).
22
Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, versão das leis tridentinas utilizada no período
colonial no Brasil: “E no que toca á preferencia dos lugares, que entre si devem ter nos Altares, declaramos: que
sempre as Imagens de Christo nosso Senhor devem preceder a todas, e estar no melhor lugar; e logo as da
Virgem nossa Senhora; e depois de S. Pedro Principe dos Apostolos: e que a do Patrão, e Titular da Igreja terá o
primeiro, e melhor lugar, quando no mesmo Altar não estiverem Imagens de Christo nosso Senhor, ou da
Virgem Nossa Senhora.” (VIDE, 2007, p.256).
Roberta Bacellar Orazem
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diante dos demais santos de devoção da ordem do Carmo. Em outros momentos, a Santa é
representada junto a outros santos importantes como o Profeta Elias, fundador da Ordem do
Carmo, e São Simão Stock, aquele que organizou a regra da ordem do Carmo no século XIII e
que teve a visão da Virgem do Carmo e que dela recebeu o escapulário. Hierarquicamente,
podemos trabalhar a importância dentro da Ordem Terceira do Carmo no Brasil da seguinte
forma: 1º lugar - Nossa Senhora e Jesus Cristo; 2º lugar - Profeta Elias, Santa Teresa D‟Ávila
e São Simão Stock (às vezes, São João da Cruz e Santa Madalena de Pazzi também são
inseridos nesse grupo); 3º lugar – demais santos carmelitas.
Normalmente, encontramos pinturas de teto em caixotões que narram a vida da Santa,
que foram colocadas estrategicamente no teto da nave principal dessas igrejas. Nesse caso,
podem ser mencionadas as pinturas da igreja da Ordem Terceira do Carmo de
Recife/Pernambuco, que possui a maior série da vida de Santa Teresa retratada em um
conjunto pictórico no Brasil, e da igreja da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira/Bahia,
onde, além da imagem da Santa, também existe a representação da vida de São João da Cruz.
Imagem 1: Panorama das pinturas sobre a vida de Santa Teresa de Jesus no teto da nave central da Igreja da
Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira/Bahia.
Fonte: Roberta Bacellar Orazem, 2008.
A vida da Santa também aparece representada em painéis pictóricos laterais da nave
central da igreja, ao lado dos altares laterais, locais de importância secundária na igreja, mas
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de destaque, pois são próximas aos retábulos onde, habitualmente, encontramos os Passos da
Paixão que contém esculturas de Jesus Cristo. Dois exemplos são as pinturas da igreja da
Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro/Rio de Janeiro e de Recife/Pernambuco.
Imagem 2: Representação da vida de Santa Teresa de Jesus na parede lateral da nave central da Igreja da Ordem
Terceira do Carmo do Rio de Janeiro/Rio de Janeiro.
Fonte: Jadilson Pimentel, 2010.
Em outras situações, essa série de pinturas é encontrada no teto da sacristia ou do
consistório, lugares dentro da igreja de grande importância para a irmandade, como é o caso,
respectivamente, da igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Cristóvão/Sergipe e de
Itu/São Paulo.
Roberta Bacellar Orazem
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Imagem 3: Panorama das pinturas sobre a vida de Santa Teresa de Jesus no teto da sacristia da Igreja da Ordem
Terceira do Carmo de São Cristóvão/Sergipe.
Fonte: Márcio Garcez, 2009.
Em outras representações pictóricas, a figura de Santa Teresa D‟Ávila pode ser
encontrada no centro do teto da nave central de algumas igrejas da Ordem Terceira do Carmo.
Nesse caso, a iconografia geralmente é a de Santa Teresa de Jesus recebendo de Nossa
Senhora do Carmo o escapulário, símbolo de proteção e aceitação divina, ou no lugar de São
Simão Stock, ou junto a este santo e demais santos carmelitas. Nessa situação, destacamos
quatro exemplos, o primeiro caso é o da pintura central da igreja da Ordem Terceira do Carmo
de Salvador/Bahia, localizamos a Santa e São Simão Stock recebendo o escapulário da
Virgem do Carmo; e a igreja de Itu/São Paulo, onde há a temática do Decoro Carmelitano,
sendo vários santos carmelitas, inclusive Santa Teresa que está em posição submissa de
adoração, recebendo o escapulário da Virgem; e de Ouro Preto/Minas Gerais, onde Santa
Teresa e São Simão Stock recebem o escapulário da Virgem e, abaixo desses dois santos,
estão mais quatro santos carmelitas, inclusive o Profeta Elias; e a igreja de Mariana/Minas
Gerais, onde Santa Teresa e São Simão Stock recebem o escapulário da Virgem em meio a
anjinhos.
A representação de Santa Teresa D‟Ávila como símbolo de devoção e poder das Ordens Terceiras do Carmo no Brasil
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Imagem 4: Pintura do teto da nave central da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Itu/São Paulo.
Fonte: Tirapelli (2005, p.107).
Na igreja da Ordem Terceira de Mogi das Cruzes/São Paulo, há uma representação da
Santa em destaque, na pintura central da nave central, onde Santa Teresa encontra-se em cima
Roberta Bacellar Orazem
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de nuvens ascendendo ao céu junto a anjinhos, e, ao seu redor e em um plano mais afastado,
outros santos carmelitas contemplam a cena.
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Imagem 5: Representação da vida de Santa Teresa de Jesus no teto da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo de Mogi das Cruzes/São Paulo.
Fonte: Tirapelli (2005, p.111).
Roberta Bacellar Orazem
18 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
A representação de Santa Teresa D‟Ávila também é localizada nas igrejas da Ordem
Terceira do Carmo do Brasil em azulejos monocromáticos nas paredes laterais da nave central
ou do altar-mor, contendo cenas próprias da hagiografia da Santa ou junto a Nossa Senhora do
Carmo e outros santos carmelitas, como é o caso da Ordem Terceira do Carmo de João
Pessoa/Paraíba e Cachoeira/Bahia.
Imagem 6: Azulejo da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de João Pessoa/Paraíba.
Fonte: Honor (2009, p.112).
O primeiro local de destaque dentro de um templo católico é o altar-mor, onde se
encontra o Nosso Senhor e Nossa Senhora, e os secundários são os altares laterais, onde eram
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inseridos os santos mais importantes de devoção da igreja ou Jesus Cristo. Nesse sentido, na
maioria das igrejas da Ordem Terceira do Carmo do Brasil, a escultura de Santa Teresa foi
inserida nos altares laterais próximos ao altar-mor, e, no altar lateral oposto, geralmente estão
as imagens de São Simão Stock, Profeta Elias ou São João da Cruz.
Outra questão a ser discutida é o conteúdo iconográfico dessas imagens, em se
tratando das pinturas de Santa Teresa D‟Ávila nas igrejas da Ordem Terceira do Carmo no
Brasil, nota-se que a elite colonial de leigos carmelitas teve acesso ao conteúdo mais erudito e
oficial sobre a Santa - tanto imagético, quanto bibliográfico - que transitava pela Europa
católica. Pois, ao compararmos as principais gravuras hagiográficas da Santa produzidas por
renomados gravadores europeus do período contrarreformista na Europa e os seus livros
autobiográficos e biográficos, é evidente a relação direta desse conteúdo com as imagens
produzidas da Santa dentro das igrejas da Ordem Terceira do Carmo no Brasil.
Para exemplificar, temos dois casos, o primeiro, a pintura do teto central da igreja da
Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira/Bahia, onde a Santa está representada em uma
iconografia ao lado do Profeta Elias, ambos reverenciando Nossa Senhora e o menino Jesus.
Encontramos uma imagem semelhante na gravura de Herman Pannels, que serviu de
ilustração para a primeira página do livro do carmelita descalço Frei Francisco de Santa
Maria, com o título de Reforma de los descalços de N. S. del Carmen de la primitiva
observancia,23
publicado em Madri no ano de 1651.
23
Reforma dos carmelitas descalços de Nossa Senhora do Carmo da primitiva observância.
Roberta Bacellar Orazem
20 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Imagem 7: Painel do teto em caixotões da igreja da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira/Bahia.
Fonte: Eduardo Vasconcelos Santos, 2009.
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Imagem 8: Frontispício do livro Reforma de los carmelitas descalzos... - de Frei Francisco de Santa Maria –
publicado em Madri (1651) - gravura de Herman Pannels.
Fonte: Sebastián (1989, p.245).
Roberta Bacellar Orazem
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O segundo caso é da pintura da sacristia da igreja da Ordem Terceira do Carmo de São
Cristóvão/Sergipe, onde encontramos semelhanças de algumas pinturas da igreja com as
gravuras oficiais da Santa produzidas por Cornelius Galle e Adrian Collaert no início do
século XVII.
Imagem 9: Pintura sobre a vida de Santa Teresa de Jesus no teto da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo de São Cristóvão/Sergipe.
Fonte: Márcio Garcez, 2009.
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Imagem 9: Gravura da Série de Adrian Collaert e Cornelius Galle produzidas no início do século XVII.
Fonte: Rueda (2005).
Diante do exposto, podemos afirmar que é predominante a representação de Santa
Teresa nas igrejas do Carmo do Brasil como um dos ícones principais de devoção dos leigos
carmelitas. Essa predileção em representar a Santa nas imagens artísticas das igrejas aqui
estudadas foi uma escolha das irmandades laicas carmelitas, pois eram essas instituições que
encomendavam as obras e escolhiam os temas a serem retratados. A decisão em destacar uma
Santa carmelita famosa no período contrarreformista, apresentando sua vida e enfatizando
seus atributos não foi mero acaso. A escolha das fontes imagéticas e bibliográficas da Santa
para produzir as imagens também mostra que as irmandades tinham acesso ao material em
circulação na Europa. Na época, para se adquirir esse tipo de mercadoria no Brasil era
necessário ter condições financeiras, e os irmãos da Ordem Terceira do Carmo tiveram esse
poder econômico.
A forte representação de Santa Teresa D‟Ávila nas igrejas da Ordem Terceira do
Carmo não foi somente uma atitude contrarreformista dos leigos de obediência às leis
tridentinas, mas, principalmente, foi um forte símbolo de poder das elites locais no Brasil
colonial, pois, ser devoto a uma das Santas de mais fama e prestígio para a época
contrarreformista, certamente atribuiu-lhes destaque social e religioso.
Roberta Bacellar Orazem
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