UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DA PAZ – GOIÁS
CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA
ANDREOLY NOGUEIRA MONÇÃO
PARA ALÉM DA FUGA DA REALIDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSUMO
DE PSILOCIBINA E A RELAÇÃO COM A DIMENSÃO RELIGIOSA DA PSIQUE.
GOIÂNIA, 2017
ANDREOLY NOGUEIRA MONÇÃO
PARA ALÉM DA FUGA: CONSIDERAÇÕES SOB O CONSUMO DE PSILOCIBINA E A
RELAÇÃO COM A DIMENSÃO RELIGIOSA DA PSIQUE.
Trabalho de conclusão de curso para a obtenção de certificado de Formação em
Psicologia Analítica, curso realizado pela Universidade Internacional da Paz –
Goiás, em parceria com o Instituto Olhos da Alma Sã, sob a orientação do Prof
Ms. Ronaldo Celestino.
Goiânia, 2017
Sumário
1 - INTRODUÇÃO.....................................................................................................................4
1.1 Um pouco da história da Psilocibina.................................................................................6
1.2 Espiritualidade e religião.................................................................................................12
2. A pesquisa de Roland Griffths com o uso de psilocibina.....................................................14
2.1 Jung, a psilocibina e a dimensão religiosa da psique......................................................18
3 - Considerações Finais:..........................................................................................................40
4 - Referências bibliográficas das Obras Completas de C.G Jung...........................................43
5 - Referências bibliográficas secundárias:...............................................................................44
4
1 - INTRODUÇÃOPor milhares de anos se torna evidente que o consumo de substâncias psicoativas por
parte de seres humanos prossegue em que principalmente povos primitivos usavam para
estabelecer contato com outras dimensões em completo estado alterado de consciência,
estando por diversas vezes em contraponto com o estado do ego. Por outro lado, culturas
regionais, arte e beleza, foram influenciadas por elementos desse manancial, devendo-se
assim consideração e estudos minuciosos advindos de diversos teoremas, além de ter
influenciado a atual cultura ocidental e oriental. A religião sempre esteve em foco nos espaços
amplos e discutíveis das ciências gerais, e para tal, seus objetos de estudo sempre foram
variados: o discurso, o espaço, a temporalidade, da onde fala o tempo, etc. Tudo isso pode ser
compreendido ou ao menos provável através da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.
Jung desde sua relação estreita com Sigmund Freud questionou-o acerca da visão da religião
propagada pelo pai da psicanálise. A psicologia junguiana, no entanto, tem sido ignorada
muitas vezes pelos círculos acadêmico-científicos sendo acusada de anticientífica por não
possuir fundamentação empírica. Não somente isso. O discurso equivocado surge de
pressupostos preconceituosos, sendo a religião considerada para Jung um fenômeno da alma
humana intrínseca à sua natureza e condição humanas.
Essa condição da psicologia analítica cedeu espaço legítimo para Jung estudar a
religião sobre um ponto de vista imprescindível, demonstrando maior interesse, assumindo
segundo ele uma posição de primazia. Seu interesse pela religião fundamentado em sua
biografia parece estar vivo também durante os primeiros anos da faculdade de medicina na
Basileia, e lá se expressa como tema de seus primeiros escritos.
Jung debruça-se sobre o espírito da religião, da metafísica e de outros princípios
filosóficos como alternativas ao penoso sistema materialista-cartesiano vigente e que para ele
era inverossímil para a alma humana, pois esta concorre à totalidade diante de acontecimentos
misteriosos e que em suma, ninguém sabe o que será dela.
O presente trabalho para a obtenção do diploma de formação em Psicologia Analítica
vai além da mera necessidade desta. O tema surge como assunto que ainda é taxado por
polêmico e considerado tabus em muitos círculos acadêmicos, além de verificar incipientes
pesquisas no meio junguiano, sendo necessários os devidos levantamentos entre pesquisas
5
qualitativas e quantitativas acerca do tema numa desconstrução e deslegitimização dos
discursos oriundos do senso comum.
A partir do interesse pelo que se denomina de substâncias psicoativas me propus a
estudar sobre os compêndios existentes de psicodelia, assim como bibliografias especializadas
tendo como coerência a metodologia de pesquisa analítica por se tratar de uma reflexão a
partir de elementos junguianos nas pesquisas feitas por R.R. GRIFFTHS e outros.
É importante ressaltar que as publicações sobre efeitos das substâncias psicoativas,
há muito pouco para o Psilocibinum em si. No próximo tópico será dado um breve resumo
histórico sobre essa substância. Igualmente, igualando-se a pouquíssimas publicações a
respeito no que concerne às publicações de cunho junguiano o caráter adoecedor e nosológico
é reforçado, principalmente pelo autor e analista italiano Luigi Zoja em seu livro “Nascer não
basta”, onde o mesmo associa a periculosidade da droga às manifestações banais referentes ao
consumo de alucinógenos, baseando-se em Elidade quando comenta sobre as diferenças de
uso do mundo arcaico para o mundo contemporâneo onde o profano e o sagrado se misturam,
não sobrando espaço para o uso sacro das substâncias psicoativas como meta contemplativa
do estado alterado de consciência. Zoja (1992) é considerado na literatura junguiana como
ícone na temática sobre o consumo de psicoativos e traz importantes contribuições como, por
exemplo, o que subjaz no consumo indiscriminado sem nenhuma cautela. Porém, suas
discussões acerca do consumo gera contestações. Diferentemente de Zoja, atualmente existem
profissionais em saúde mental cada vez mais ligados às pesquisas científicas e manejo das
substâncias psicoativas configurando uma nova abordagem de compreensão de tais,
contrariando a visão retrógrada do proibicionismo e da aturdida guerra às drogas, que em
suma significa guerra contra o consumidor recreativo ou propriamente adicto. O que Zoja
concebe será discutido posteriormente no item dois.
Partindo de tais considerações, resta dizer que o interesse pela formação desse
trabalho coincide com o interesse do autor pela redução de danos, conjunto de medidas
proativas que valoriza a autonomia do usuário de drogas e que promove ações visando
diminuir o impacto negativo dos efeitos alucinógenos causados pelas assim denominadas bad
trips, conscientizando o consumidor e garantindo melhor qualidade de vida ao uso. E com isso
procuro observar se há cuidado e conhecimento em relação ao uso e suas intenções. Ressalto
que isto não significa apologia às drogas, mas tão somente um chamamento à emergência de
uma nova consciência para os novos tempos.
Nas palavras de Dartiu Xavier (Xavier apud Beserra Fernando, 2006, p.4):
6
“O consumo de substâncias psicoativas constitui fenômeno
relativamente frequente, sobretudo entre os jovens. Um grande
contingente de pessoas experimenta tais substâncias. Destes, uma
parcela considerável passa a fazer uso de forma ocasional, na maior
parte das vezes sem consequências danosas. Uma pequena parte destes
usuários ocasionais passa para padrões de uso de risco, e, alguns deles,
vêm a se tornar dependentes. ”
Na segunda parte será descrita a pesquisa em que o médico Griffths e colaboradores
submeteram pacientes com câncer em estado terminal a dosagens de psilocibina e avaliações
sobre os quadros, mostrando que a psilocibina presente em cogumelos alucinógenos pode
gerar resultados ainda melhores do que a medicina atual no tratamento contra os transtornos
psicológicos que mais atingem essas pessoas: depressão e ansiedade patológica por alterar a
senso percepção do sistema nervoso central.
Na terceira parte será feita uma análise pormenorizada sobre os conceitos junguianos
suscitando reflexões importantes quanto ao aspecto terapêutico e visando também
desconstruir as estruturas ilógicas do preconceito contra o consumo de substâncias
psicoativas, mostrando que há possibilidades de sermos auxiliados caso seja obedecido um
criterioso processo, e que é cada vez mais urgente sair deste estado comum para um estado de
crítica reflexiva e relevância social.
1.1 Um pouco da história da Psilocibina
Rica história ancestral. Assim pode-se definir o surgimento da psilocibina para
muitas culturas sendo representada como a divindade capaz de expandir a consciência através
de realidades sagradas e no que Grof (2000) denomina de estados não comuns de consciência
ou holotrópico. Este estado se diferencia do estado comum da consciência, que ainda segundo
Grof (2000), “identificamo-nos com apenas uma pequena fração de quem somos. ” Portanto,
em miúdos, estes estados permitem a transcendência para um estado total.
Inúmeros registros demonstram o consumo de substâncias psicoativas para muitos
fins, entre eles principalmente, espirituais e místicos, transições para o Além ou iniciações de
homens e mulheres nas tribos indígenas em perfeita sintonia com os caracteres não comuns da
consciência e psique, que segundo GROF (2000) “permitiam para os nativos, um direto
7
contato experiencial com as dimensões arquetípicas da realidade – divindades, reinos
mitológicos e forças numinosas da natureza”.
A psilocibina cuja principal substância psicoativa (aqui denominaremos SPA) é
encontrada em variedades de cogumelos principalmente dos gêneros Psilocybe, Conocybe.
Durante milênios foi utilizada por diferentes povos e culturas para fins sobrenaturais,
psicodinâmicos e de fenômenos interiores em que se podia entrar em contato com um
princípio vital maior do que a mera realidade podia estabelecer (GRIFFITHS, 2011). Cito
aqui, por exemplo, os Maias, Astecas e Maztecas no México. Pinturas antigas de cogumelos
com humanóides que datam de 5000 a.C., foram encontradas em cavernas do planalto de
Tassili, no norte da Argélia. Os povos da América do Sul e Central construíam templos aos
deuses cogumelos, esculpindo “pedras cogumelos”. Trata-se ainda de um alucinógeno com
semelhanças a outros tais como LSD, DMT e a mescalina. Tratam-se de fungos que nascem
naturalmente em esterco de gado.
O princípio ativo desta substância psicoativa foi descoberto e isolado em 1953 por um
pesquisador russo, Gordon Wasson. Os estudos de Wasson demonstram uma vida marcada
por amor aos fungos. Suas publicações incluem: "Mushrooms, Russia, & History"; "The
Wondrous Mushroom; Mycolatry in Mesoamerica"; "Maria Sabina and her Mazatec
Mushroom Velada"; e "Persephone's Quest: Entheogens and the Origins of Religion".
Trata-se de um psicodélico novo para a ciência, sendo o isolamento de seu princípio
ativo descoberto após outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes, e do LSD, anterior
em uma década. Cinco anos após a identificação pelo pesquisador russo Wasson, Albert
Hoffman, o descobridor do LSD, foi o primeiro cientista a isolar o princípio ativo e a
descrever sua estrutura: o alcalóide de cor azul – isto significa que após a retirada, abaixo de
seu chapéu e caule formam uma coloração azul –, na verdade eram dois deles e foram
batizados de Psilocibina e Psilocina,Psilocybe. Ambas se convertem em um processo
biológico dentro do próprio corpo humano denominado fosfolarização, mas os dois
compostos são naturalmente encontrados nos cogumelos, sendo o primeiro deles verificado
em maior porcentagem.
Na literatura podemos acompanhar citações de experimentos visionários com outras
substâncias similares à psilocibina, desafiando as razões materialistas de até então, sendo uma
alternativa para a apreensão dos processos biológicos, psíquicos e sociais; desafiando o
movimento da contracultura e problematizando assim os esquemas do paradigma positivista.
Como principal exemplo, cito aqui Aldous Huxley autor do livro – As portas da percepção e o
8
céu e o inferno – relatando as visões e impressões que teve logo após servir de cobaia num
experimento com mescalina, substância psicoativa achada em determinada espécie de cacto, o
peiote. O mesmo é considerado o grande iniciante e explorador de práticas psicodélicas no
mundo da literatura.
A psilocibina surge no meio científico de forma similar às descobertas de outros
alucinógenos no intuito de suscitar uma emergencial linha de pesquisa médica. A psilocibina
entrou decisivamente para a família daqueles estranhos e misteriosos alcaloides que vinham
desafiando a percepção sobre a natureza da mente humana. Em 1959, a psilocibina já se
tornava a protagonista de uma série de estudos científicos, principalmente relativos à prática
psicoterápica auxiliada por psicodélicos. Uma pesquisa francesa do médico Jean Delay,
intitulada Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas, administrou a
psilocibina em 13 pacientes saudáveis e em 30 pacientes diagnosticados com transtornos
mentais e concluiu que a substância, menos alucinógena que a mescalina e menos intensa que
o LSD, possuía um significativo potencial enquanto ferramenta terapêutica. No mesmo ano,
Delay, pioneiro na pesquisa sistemática da psilocibina nos domínios psiquiátricos, deu
continuidade à investigação, publicando o artigo (Primeiros Ensaios da Psilocibina na
Psiquiatria), onde conclui que a substância, enquanto auxiliar psiquiátrico, é capaz de
provocar melhor acessibilidade aos conteúdos do paciente, assim como desencadear efeito
psicolítico, ou seja, liberar estes conteúdos na forma de revivências (geralmente da infância),
estímulos da memória afetiva e eventos traumáticos. Neste sentido, a psilocibina
“desempenha o papel de intermediário entre elementos conscientes e elementos perdidos que
se tornaram inconscientes”. (ZOJA, 1992).
No mesmo ano, o psiquiatra alemão F. Gnirss desenvolveu uma pesquisa intitulada
Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana, através da qual,
ao administrar a substância em um grupo de 18 pacientes saudáveis, conclui que é um
psicotrópico de eficaz potencial terapêutico.
Em 1960, outra pesquisa francesa, desenvolvida pelo psiquiatra A. M. Quétin
resultou em conclusões similares ao administrar em um grupo de 32 pacientes saudáveis e 68
pacientes diagnosticados com quadros psicóticos. No mesmo ano, o psiquiatra R. Volmat,
também francês e que já vinha desenvolvendo pesquisas sobre a estética produzida por
pacientes que sofriam de transtornos psíquicos, investigou a prática artística influenciada pela
adição da psilocibina em 21 pintores amadores e profissionais. As conclusões mostraram que
os artistas experienciaram “revelações” e novas propostas estéticas, através das quais a
9
substância permitia ao pintor o “reconhecimento de um mundo visionário e colorido”. Ainda
aqui podemos citar as contribuições sobre o estado das cores e das visões a partir da leitura do
livro de Aldous Huxley, já citado.
Ainda em 1960, os psicólogos americanos Timothy Leary e Richard Alpert
encabeçaram um projeto na Universidade de Harvard sob o nome de Harvard Psilocybin
Research, do qual fizeram parte também Aldous Huxley, o Presidente da Associação
Psiquiátrica Americana. Durante o programa, que durou de 60 a 62, uma série de
experimentos foi desenvolvida para investigar as implicações da psilocibina sobre a natureza
dos distúrbios psicóticos, tratamento de desordens de personalidade e psicoterapia auxiliada
pelo seu consumo.
Até o momento drástico em que os psicodélicos escaparam dos laboratórios e
tornaram-se os protagonistas de uma batalha política e, em função da política norte-americana
da Guerra às Drogas, foram terminantemente proibidos, inclusive no universo científico, a
psilocibina foi o centro de diversas investigações. Até o final dos anos 60 e início dos 70,
quando os Estados Unidos responderam violentamente a Contracultura, movimento do qual
fazia parte expressiva a utilização destas drogas, os principais estudos concentravam-se em
traçar paralelos entre as três principais substâncias do grupo – LSD, mescalina e psilocibina –
e em examinar a potencialidade psicoterapêutica e possível relação entre os estados alterados
de consciência provocados pelo consumo destes. Com a medida que pôs fim às pesquisas, e
através da qual o governo norte-americano arbitrariamente cancelou toda e qualquer qualidade
científica dos psicodélicos, a psilocibina foi, assim como os demais, silenciada, apenas
voltando aos laboratórios após quase trinta anos.
Assim como a mescalina, apesar de uma recente e conturbada história ocidental e de
representar uma novidade científica, a psilocibina nos remonta a eras antiquíssimas e possui
uma complexa carga histórica.
“A utilização cerimonial de várias substâncias psicodélicas também
tem uma longa história na América Central. Plantas que alteram a
mente com muita eficácia eram bastante conhecidas em várias culturas
indígenas pré-hispânicas – entre os maias, astecas e toltecas. As mais
famosas entre elas são o cacto mexicano peiote, o cogumelo sagrado
[...]” (GROF, 2000)
A ingestão representava uma união entre o princípio de realidade e as fantasias
pertinentes aos efeitos psicodélicos. Uma relação através da qual se faziam adivinhações,
10
premonições e curas, e através da qual se podia comunicar-se com os espíritos superiores,
induzindo a diversos estados de espírito. Percebemos na utilização destas substâncias um
aspecto antropológico e de cunho coletivo para a criação e manutenção de uma comunidade.
O consumo da psilocibina e outros foram rapidamente caracterizados pelo poder
religioso vigente como culto ao demônio ou a espíritos maus governados por Satanás, que o
estado de “embriaguez” era provocado pelas forças do mal, e em que as previsões, visões
coloridas, adivinhações e revelações eram concebidas pelo próprio Diabo. Tal costume
identificado como idolatria deveria ser “curada” pelos pastores protestantes ou missionários
católicos, foi intensamente combatida pelos missionários que contavam, inclusive, com
estratégias de catequização a fim de acabar com esse conjunto complexo de comportamentos,
atendendo aos pedidos da Inquisição.
A partir deste momento e até os dias de hoje, a psilocibina tornou-se novamente o
centro de diversos estudos. Em 2004, o psiquiatra norte-americano Charles Grob, da
Universidade da Califórnia, desenvolveu uma pesquisa que investigou o químico enquanto
fator terapêutico em pacientes com câncer em estado terminal em 12 pacientes. O estudo, que
procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade
de vida dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização clínica da
substância. (GROB, 2007, p. 205-216).
Em 2006, o psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, iniciou uma
pesquisa sobre o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com distúrbio
obsessivo-compulsivo que resistiram a outros tipos de tratamento, assim como para fins de
teste de segurança do alcalóide no organismo. As conclusões reportaram que todos os
pacientes, da amostra de 9, experienciaram melhorias nos quadros obsessivos compulsivos
durante o período da experiência. Apesar uma pequena pesquisa, com uma amostra e um
alcance não tão significativos, Moreno reportou seu ânimo diante da potencialidade da
substância: “O que vimos foi uma drástica diminuição dos sintomas durante um período de
tempo. As pessoas diziam que não se sentiam tão bem há anos”.
Em outro estudo, do mesmo ano, liderado pelo neurocientista americano Roland
Griffiths, (que nós iremos nos ater durante a análise junguiana) da Faculdade de Medicina da
Faculdade Johns Hopkins, foram administradas doses de mescalina a 36 pacientes saudáveis a
fim de se investigar os mecanismos da experiência psicodélica que afetam a percepção e
cognição. Cerca de dois terços dos voluntários relataram haver vivenciado uma completa
experiência mística, caracterizada por uma sensação de unidade com todo o universo.
11
Quatorze meses após a administração das doses, Griffiths os entrevistou novamente: os
pacientes ainda atribuíam à experiência altos níveis de satisfação transcendental e a
associaram ao crescente bem-estar que sentiam desde então, inclusive relatado pelos
familiares e pessoas próximas.
“A maioria dos voluntários conseguia se lembrar de suas
experiências 14 meses depois e as classificavam como uma das cinco
experiências espirituais mais significativas já vividas, comparando-as
com o nascimento de um filho ou a morte do pai ou da mãe. É
fantástico passar por uma experiência assim tão marcante. Mais
fantástico ainda é ela ainda ser significativa 14 meses depois.
Experiências como essas são inesquecíveis”, afirma Griffiths.
Ainda em 2006, temos a pesquisa do psiquiatra norte-americano John Halpern, da
Universidade de Harvard, que investigou os efeitos terapêuticos da psilocibina e do LSD em
pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa conhecida como enxaqueca em salvas.
22 dos 26 pacientes em que foi administrada psilocibina e 25 dos 48 em que foi administrado
LSD reportaram diminuição dos ataques e alguns até mesmo a remissão por períodos
extensos.
Nas primeiras etapas da experiência o mais comum é a ocorrência da intensificação
das sensações. Todas as áreas sensoriais assumem intensidade até então desconhecidas. É o
deslumbramento do mundo psicodélico. Mas, para muitos indivíduos, tudo isso é apenas a
introdução a várias vivências mais profundas que, atravessando etapas diferentes, alcançam
finalmente a qualidade de experiências religiosas ou místicas.
Os efeitos da ingestão da psilocibina iniciam-se aproximadamente entre 30 a 60
minutos após a ingestão. A dose ativa da substância é de aproximadamente 20 miligramas e
dura, geralmente, de 4 a 8 horas, tendo o seu pico aproximado cerca de 1 ou 2 horas após o
consumo.
Os efeitos psíquicos, assim como para os demais psicodélicos, variam de acordo com
o ambiente (condição externa) e o estado de espírito e personalidade (condição interna) do
usuário e as experiências ruins e potencialmente danosas são mais frequentemente observadas
entre os usuários recreativos. Os efeitos, apesar de menos intensos que os provocados pelos
outros dois alcalóides do grupo – LSD e mescalina – são similares aos dos pertencentes à
família dos psicodélicos: alterações na percepção visual que podem incluir visões
caleidoscópicas e mandalas; maior sensibilidade; experiências de despersonalização onde o
12
indivíduo perde a identidade com seu próprio corpo e com os limites de espaço do próprio
corpo; alteração da noção temporal e espacial; sensação de plenitude, de união com o universo
(cosmovisão); sensações tanto de paz quanto de intenso terror que pode levar a quadros de
pânico (a tão famosa bad trip); pensamento confuso e desordenado; perda do controle
emocional etc.
Apesar de podermos delinear um certo conjunto de efeitos, a definição dos mesmos
torna-se essencialmente difícil devido à natureza subjetiva e idiossincrática da experiência
psicodélica. Já os efeitos fisiológicos incluem alterações variáveis como o aumento da pressão
sanguínea, taquicardia, dilatação da pupila e vômitos constantes. O grande problema
encontrado no uso das substâncias psicodélicas não recai em seus mecanismos fisiológicos,
mas sim nos efeitos imprevisíveis que esta adição pode causar no indivíduo psiquicamente
(principalmente quando utilizada com fins recreativos). As tais “viagens sem volta”, em fato,
são baseadas em desencadeamentos de crises psicóticas severas e prolongadas em pessoas que
já possuem históricos ou propensão genética a este tipo de comportamento, e sob a utilização
de qualquer psicodélico. Grof (2000, p. 146) sugere que como medida de segurança “um pré-
requisito necessário para tal avaliação é um bom exame médico que elimine condições de
natureza orgânica que necessitem de tratamento biológico. ” Em seguida, Grof sugere que a
orientação importante é a fenomenologia do estado não comum de consciência em questão. E
complementa afirmando que é importante atentar-se à maneira pela qual os pacientes falam
sobre suas experiências. E para tanto, o estilo de comunicação é um grande aliado, um
importante e decisivo indicador que pode orientar na análise descritiva, não importando se os
conteúdos são estranhos e quixotescos.
1.2 Espiritualidade e religião
A espiritualidade e a religião têm sido forças extremamente importantes na história da
humanidade e da civilização. O impulso religioso tem sido uma das mais abrangentes forças a
guiar a história e a cultura humana. Na história da sociedade, as visões de mundo sempre
marcaram presença ensejando suas características quer seja no campo social quanto no campo
político, histórico e econômico. A visão de mundo cartesiana, portanto, materialista, herdada a
partir do surgimento do Iluminismo no século XVII está totalmente oposta à visão de um
novo paradigma onde a realidade não é apreendida como fragmentada, mas integrada. A visão
de mundo antes a era pós-moderna, ou seja, pré-industrial, assumia um caráter mais
abrangente para as existências de dimensões fora da realidade. A lua assumia características
13
para a observação das marés, melhor temporada para plantio e colheita, por exemplo. Para
estes, a vida baseava-se não só a partir dos sentidos, mas do que vinham dessas dimensões. E
por herança, a ciência assumiu o paradigma oposto, onde as dimensões sagradas da realidade
não acham espaço já que a matéria é o que existe realmente e sendo característico a
patologização da espiritualidade. Vale ressaltar aqui uma clara distinção entre espiritualidade
e religião. Grof (2000, p. 204-5), comenta:
“(…) A espiritualidade baseia-se em experiências diretas com
aspectos e dimensões não-comuns da realidade e não requer um lugar especial ou uma pessoa
oficialmente apontada para mediar o contato com o divino. Os místicos não precisam de
igrejas ou templos. O contexto em que experienciam as dimensões sagradas da realidade,
incluindo sua própria divindade, são seus corpos e naturezas (…) A espiritualidade envolve
um tipo especial de relação entre o indivíduo e o cosmo e é, em sua essência, um caso pessoal
e particular. Comparativamente, a religião organizada é uma atividade grupal
institucionalizada que se dá em um local designado, um templo ou igreja, e envolve um
sistema de funcionários nomeados que podem ou não ter vivenciado experiências pessoais das
realidades espirituais. Quando uma religião é organizada, ela costuma perder completamente a
conexão com sua fonte espiritual e torna-se uma instituição secularizada que explora as
necessidades espirituais humanas sem satisfazê-las”.
Assim, uma crítica reflexiva a respeito da abordagem da espiritualidade pela ciência,
principalmente a psicologia, é de extrema importância. Com certeza há um discurso
patologizante acerca das experiências espirituais sem sombras de dúvidas. Nesta pós-
modernidade, as pessoas que têm experiências místicas-religiosas podem ser tidas na maioria
dos casos como portadores de algum distúrbio psíquico. E quando provenientes de estados
provocados por uso de substância psicoativa, o discurso agrega ainda tons de preconceito em
favor da filosofia materialista na qual a psicologia e a psiquiatria se organizam. A psicologia
não consegue diferenciar entre uma experiência mística e uma experiência psicótica e as vê
como produtos da doença mental em completo detrimento de assumir uma atitude científica
que possa valorizar a compreensão correta e confiável da existência sem estar detida aos
valores burgueses e à seletividade na qual ainda é relegada.
14
2. A pesquisa de Roland Griffths com o uso de psilocibina.
Em 2001 iniciou-se um estudo do neurologista Griffths da Universidade John
Hopkins nos EUA com psilocibina, e só publicada finalmente em 2006 e num relatório que
foi publicado em nível nacional dois anos depois. Este experimentou utilizou-se de uma
amostra de 36 pacientes com câncer em estado terminal. Todos foram submetidos após termos
de concordâncias, ao procedimento que era em suma, simples. Preenchimento de
questionários, conversas com os dois monitores que estariam com eles durante as 8 horas e
ajeitaram-se confortavelmente ao local no intuito de relaxar. Resumidamente, no ambiente em
que eram recolocados, os voluntários faziam uso de tapa olhos e fones de ouvido que
reproduziam músicas especialmente selecionadas.
Assim comenta Griffhts para a reportagem da Scientifican American:
“Quando o primeiro trabalho apareceu no periódico
Psychopharmacology, muitos membros da comunidade científica
saudaram a ressurreição de uma área de pesquisas que estava
dormente havia um bom tempo. Os estudos com a psilocibina na
universidade continuam por dois caminhos: um explora os efeitos
psicoespirituais da droga em voluntários saudáveis. O outro estuda se
os estados de consciência alterada induzidos por alucinógenos – e, em
particular, experiências místicas – poderiam mitigar os efeitos de
vários problemas psiquiátricos e comportamentais, incluindo alguns
para os quais as terapias atuais não chegam a ser efetivas.”
Biologicamente a psilocibina assim como os alucinógenos de classe tais como DMT,
mescalina etc., tem um correspondente cerebral significativo, agindo nos receptores de
serotonina, sendo como já citado no tópico anterior, processado por um processo químico e
regulador do organismo.
A New York University e a Universidade John Hopkins coordenam estudos que
testam a ação dessa substância sobre o cérebro das pessoas que sofrem de determinados
transtornos psicológicos ocasionados pelo diagnóstico de câncer terminal, e ambas as
instituições têm apresentado ótimos resultados. Griffths explica que os efeitos da psilocibina
são os mesmos em todo indivíduo que a ingere, mas em pessoas com distúrbios psicológicos
esses efeitos podem provocar benefícios ao cérebro. Pontua Griffths:
15
“As reações variam um pouco de indivíduo para indivíduo, que
na prática significa sudação, alucinações, alteração da frequência
cardíaca, dilatação e contração da pupila e alteração no metabolismo
celular. Mas no cérebro, as conexões interneuronais são alteradas e
otimizadas, aumentando o fluxo eletroquímico entre as células do
SNC. Por causa dessa alteração funcional do cérebro que provoca os
chamados efeitos colaterais supracitados”.
Os estudos dessas duas universidades são até o presente momento os primeiros estudos
maiores de seu tipo. Os resultados que demonstraram encorajam os pesquisadores a quererem
a aprovação de órgãos regulamentadores oficiais para que a substância psicoativa passe para
um próximo estágio, ou seja, de fabricação ao alcance do consumo humano.
Curiosamente, esses estudos são um “retorno” à década de 60, meados de 70, que
despontam como pesquisas promissoras já que nessas respectivas décadas as publicações de
artigos científicos e outros foram suplantados pela mídia ignorante e a política proibicionista e
de guerra às drogas, congelando publicações e arquivando pesquisas por mais de trinta anos.
As pesquisas de Griffhts e colaboradores iniciaram-se em meados dos anos 2000, chocando
comitês e comissões por estes considerarem uma perigosa ferramenta, mas sem as mesmas
observarem que o mal que pode ocorrer se trata mais de uma questão de uso contextual da
substância psicoativa do que os efeitos da substância per si. Curiosamente Griffths começara
a convencer seus voluntários para a pesquisa sendo que a priori um critério básico seria o de
não haver tido contato com alguma SPA na vida, o que foi bastante complicado. Muitos deles
já haviam experimentado psicodélicos algumas vezes. Depois que os pesquisadores
começaram a estudar os efeitos da psilocibina sobre a amostra composta por indivíduos
saudáveis, certos fatos científicos sobre estes ficaram mais evidentes. Num contexto
terapêutico, eles não encontraram efeitos adversos graves e duradouros da SPA. No entanto,
isso não significa que ele é totalmente livre de risco.
Griffhts também é pesquisador que descreve em sua recente pesquisa publicada no
Journal of Psychopharmacology que entrevistou pessoas que fizeram uso de psicodélicos fora
de um ambiente clínico sobre suas piores experiências. Algumas pessoas disseram que
passaram por experiências difíceis ou perigosas, algumas inclusive levaram a buscar
tratamento psicológico mais tarde. (Essa é uma pequena porcentagem de casos de uso
psicodélico, e muitas dessas mesmas pessoas ainda dizem que suas experiências foram
importantes e significativas, mas vale a pena estar ciente).
16
Ainda citando Griffths (2011) em sua pesquisa:
“Pesquisadores da Johns Hopkins usaram questionários originalmente
desenvolvidos para avaliar experiências místicas que ocorriam sem
drogas. Eles também analisaram os estados psicológicos gerais dos
participantes entre dois e 14 meses após a sessão com psilocibina. Os
dados mostraram que os participantes experimentaram um aumento na
autoconfiança, maior sensação de contentamento interior, melhor
capacidade de tolerar frustrações, diminuição do nervosismo e
aumento no bem-estar geral. Um comentário típico de um
participante: “A sensação de que tudo é Um, que eu experimentei a
essência do Universo e o saber que Deus não nos pede nada, exceto
receber amor. Não estou sozinho. Não temo a morte. Sou mais
paciente comigo mesmo”. Outra participante ficou tão inspirada que
escreveu um livro sobre as experiências. ”
A política proibicionista contra pesquisas realizadas em seres humanos a partir da
administração de doses medicamentosas feitas pelos alucinógenos contribuiu e muito para a
inabilidade da ciência em poder encarar com melhor instrumentalização certos tipos de
transtornos e adicções e outras doenças, por exemplo. Comenta Grob:
“No câncer, os pacientes frequentemente se confrontam com
ansiedade severa e depressão, e antidepressivos e drogas redutoras de
ansiedade podem ter uma atuação limitada para amenizar esses casos.
Nos anos 60 e início dos 70, mais de 200 pacientes de câncer
receberam alucinógenos clássicos em uma série de estudos clínicos.
Em 1964, Eric Kast, da Chicago Medical School, que administrou
LSD a pacientes terminais com dores severas, relatou que os pacientes
desenvolveram um “desprezo peculiar pela gravidade de sua situação
e conversavam livremente sobre sua morte iminente com uma
característica considerada não usual pelos costumes ocidentais, mas
muito benéfica aos seus estados mentais. Estudos posteriores,
produzidos por Stanislav Grof (...) mostraram diminuição na
depressão, ansiedade e medo da morte. E pacientes com experiências
17
místicas mostram as melhoras mais significativas na medição
psicológica de bem-estar. ”
Jung descreve esse todo como a identidade arcaica do objeto e do sujeito (OC 6 §
783), ou também segundo o pesquisador francês Levy Bruhl definiu como “participation
mistyque”
“Uma das implicações interessantes deste tipo de trabalho é que nós
somos biologicamente programados para ter este tipo de experiência.
Não é uma exclusividade de místicos que passam anos em meditação
em uma caverna. É parte da biologia humana ter estes tipos de
experiências integradoras que podem realmente preparar o cenário e a
plataforma para uma mudança pessoal notável” (Griffths, 2011)
A pesquisa de Griffhts envolvendo a exploração das experiências místico-religiosas
desses pacientes permitiu que os pesquisadores pudessem observar uma boa maneira de tratar
a ansiedade existencial e depressão que é proeminente em pacientes com câncer, e não
respondem bem ao tratamento tradicional. Uma única dose de psilocibina já apareceu útil, de
maneira profunda. Os pesquisadores deram aos pacientes uma dose de cerca de 20 miligramas
para uma pessoa pesando 70 quilos. Os trabalhos anteriores de Griffhts mostraram que as
pessoas que têm “bads trips” frequentemente tomam mais – uma média de 30 miligramas.
Demora cerca de 20 a 40 minutos para que as pessoas comecem a sentir os efeitos. Os
pacientes ouviram uma playlist incluindo música clássica, canto indiano e New Age. Os
efeitos da psilocibina desapareceram após cerca de quatro horas – razão pela qual os
pesquisadores aderiram pelo fato de ser prática, em vez de LSD que pode durar até 12 horas.
Os pacientes então escreveram e conversaram sobre o que passaram.
Mesmo seis meses após a experiência, 80% dos 51 participantes no estudo da
Universidade John Hopkins mostraram diminuições significativas na depressão e ansiedade.
Griffhts aponta para a mudança na função cerebral sendo como a administração de uma única
dose já pode suscitar efeitos transformadores e duradouros da experiência significativa. É
necessário ressaltar que mesmo com o processo de pesquisa andando e que centenas de
pessoas já receberam com segurança doses de psilocibina, ela ainda é considerada uma droga,
o que legalmente é proibido e com pouquíssima aceitação médica. Para que se possa dizer que
a psilocibina é um medicamente seguro e eficaz, ela precisa passar pelos processos de
aprovação necessários.
18
A compreensão de como as experiências místicas pode levar a atitudes benevolentes
em relação a si mesmo e aos outros deve ajudar a explicar o bem documentado papel de
proteção da espiritualidade no bem-estar e na saúde psicológica. As experiências místicas
podem originar um senso profundo e duradouro da interconexão entre pessoas e coisas –
perspectiva que está por trás dos ensinamentos das tradições religiosas e espirituais. E é a
partir deste ponto que iniciaremos uma análise discursiva a respeito da relação entre o
consumo da SPA psilocibina e a dimensão religiosa da psique. A análise discursiva baseia-se
na percepção de que esses estados não são manifestações de um processo patológico
desconhecido, mas sim resultado de um movimento espontâneo da psique, dotado de
potenciais de cura e transformação.
2.1 Jung, a psilocibina e a dimensão religiosa da psique.Como Jung entende a religião? Jung se destaca na história da psicologia como um
intenso estudioso da dimensão religiosa. Na história da psicologia analítica percebemos a
importância da observação por parte de Jung à rotina dos pacientes esquizofrênicos e suas
reproduções artísticas nos estados de alucinação. Muito se fundiam com elementos religiosos.
“Devido ao desamparo espiritual de meus pacientes vi-me obrigado a fazer uma séria tentativa
de compreender pelo menos alguns dos símbolos produzidos pelo inconsciente”. (JUNG OC
11/2, 1979a
§106)
“Poderíamos, portanto, dizer que o termo “religião” designa a atitude particular de
uma consciência transformada pela experiência do numinoso” (JUNG, 11/1, 1987, § 9)
Jung preferia chamar a libido como força da vida da qual a sexualidade era apenas um
modo de expressão. A ingestão de SPAS e respectivas experiências psicodélicas por parte do
psiquismo do indivíduo configura-se como produções criativas em inúmeros casos, assim
como outros fenômenos psicológicos expressos em rituais de diversas religiões pelo mundo,
pinturas, desenhos e conteúdos de transmissão oral. A existência do inconsciente coletivo foi
confirmada enquanto Jung estudava os delírios e alucinações de pacientes esquizofrênicos,
quando descobriu que essas manifestações continham símbolos e imagens primordiais,
portanto, universais, onde a libido poderia surgir. Estas características podem ser vistas a
partir das fronteiras entre imaginário e psicose, ou seja, o imaginário e a psicose se
aproximam até determinado ponto, com características contundentes e até mesmo parecidas,
sendo de grande importância da parte do analista ser flexível observar e ter um manejo que
19
garanta o ensejo à realidade, num retorno à conexão com o mundo externo: “(…) Todos os
fenômenos psicológicos, como todos os fenômenos físicos, argumentava Jung, são
manifestações de energia, e isso confere aos símbolos seu poder dinâmico transformador.”
(Stevens, p. 36).
Os livros de sua lavra que mais se destacam por dar total atenção aos processos da
psique e a movimentação religiosa nela presentes são Psicologia e Religião e Psicologia e
Alquimia. Em sua carreira como médico psiquiatra e psicoterapeuta, Jung estudou
profundamente os sonhos de seus pacientes, de maneira não-redutiva, sendo as mesmas
expressões reais da natureza interna do paciente. Para Jung, a psique é extremamente religiosa
e ancorada no inconsciente e constantemente produz símbolos religiosos podendo ser
verificados a partir da análise de sonhos.
Das raízes da palavra religião, Jung refuta claramente “religare” no sentido de religar
ou ligar com o passado que ele compreende como “levar em consideração”. Portanto, religião
é para Jung uma “consideração e observação cuidadosa de determinados fatores dinâmicos
que são compreendidos como ‘poderes’: espíritos, demônios, leis, deuses, ideias, ideais [...]”
(JUNG, 1940a, p. 4; JUNG, 1947, p.253). Por isso Jung ressalta:
“Religião é uma relação com o valor mais alto ou mais forte, seja ele
positivo ou negativo. A relação é tanto voluntária quanto involuntária,
a pessoa pode estar possessa por um ‘valor’, por um fator psíquico
com carga energética, também inconscientemente, ou ela pode aceitá-
lo conscientemente. Aquele fato psicológico que possui o maior poder
dentro de um ser humano age como um ‘deus’, pois é sempre o fator
psíquico mais poderoso que é chamado de ‘deus’. Assim que um deus
deixa de ser um fator poderoso, ele se transforma em mero nome. Sua
essência está morta, e seu poder não existe mais”. (JUNG, 1940ª, p. 6)
“Jung se declarava cristão, e a maioria de suas obras, as mais
importantes, tratam dos problemas religiosos do homem cristão. Ele
os interpretava do ponto de vista da psicologia, limitando
conscientemente a fronteiras com as perspectivas teológicas”
(Memórias, Sonhos, Reflexões, 2016, p. 22)
Para Jung religião não é uma confissão de fé onde alguém assume conscientemente e
obrigatoriamente um rito dogmático. Trata-se de uma postura interior correspondente por
meio do qual o indivíduo se abre para o poder que o dominou, Ele o observa e o percebe
20
dentro de si de forma concreta as consequências por ele causadas, por exemplo no que
ocorreu na pesquisa, numa mudança de consciência, um novo sistema de valores e modo de
vivenciar a vida praticamente diferente. Portanto, no centro da religião está:
“uma existência ou um efeito dinâmico, que não é causado por um ato
de arbitrariedade. Pelo contrário, o efeito toma posse e domina o
sujeito humano, que sempre é mais sua vítima do que seu criador. O
numinoso – qualquer que possa ser sua causa – é uma condição do
sujeito que independe de sua vontade, [...] O numinoso é ou a
característica de um objeto visível ou a influência de uma presença
invisível, que causa uma mudança especial na consciência (JUNG,
1940a, p. 3)
Em nossa análise sobre elementos junguianos e os efeitos da substância psicoativa na
consciência coletiva, devemos compreender que a psique não é apenas objeto da experiência
mística-religiosa, mas também sujeito de sua observação e que Jung concentra suas reflexões
preponderantemente nas transformações individuais do sujeito ao invés do fenômeno coletivo.
Desta forma, cumpre-se invariavelmente comentarmos sobre o histórico de Jung com as
drogas, se é que possuiu. As investigações de Jung fornecem hipóteses seguindo sua base
teórica, portanto analítica, para este estudo. Ao romper com Freud no ano de 1912 após
publicar o livro Símbolos de Transformação, Jung apresenta um entendimento para a libido a
partir da conotação de energia psíquica, não mais limitada apenas e exclusivamente para as
manifestações sexuais, mas abrangendo expressões culturais para fins criativos. Jung introduz
o fundo histórico para as transformações pessoais numa nítida diferença aos postulados das
ciências naturais e evidentemente psicanalítica.
Ele nunca se ateve a um estudo minucioso sobre os princípios das substâncias
psicoativas. Como já citado neste trabalho, a maioria das drogas não-sintéticas foram
descobertas nos anos 60. Von Franz em seu livro Psicoterapia comenta que Jung teve
conhecimento breve da mescalina a partir da leitura do livro de Aldous Huxley, mas que
momentaneamente não quis se ater tendo atendo à epistemologia do movimento natural da
libido em estado inconsciente de fazer emergir conteúdos manifestos, expressos em sonhos,
sintomas ou fantasias. Segundo Von Franz
“[...] só estava familiarizado com os efeitos da mescalina
(especialmente através da descrição de Aldous Huxley) e sabia apenas
que esses produtos farmacêuticos estavam começando a chamar a
21
atenção na psicoterapia. Ele admitiu em uma carta escrita em abril de
1954 que não estava suficientemente familiarizado com o valor
psicoterapêutico dessas drogas, no caso de pacientes neuróticos e
psicóticos, para ser capaz de formar um julgamento conclusivo”.
(VON FRANZ, Psicoterapia)
Marie Louise-Von Franz em seu livro Psicoterapia, no capítulo “As drogas na visão de
C. G. Jung”, mostra através de um exemplo clínico como o inconsciente reage às experiências
psicodélicas. Ela mostra em seus três exemplos, de um jovem traficante de heroina e que
utilizava LSD, um médico que tomava LSD e um rapaz que enfrentava uma situação familiar
crítica e que consumia LSD. Apesar de suas contribuições mostrarem diversas reações do
inconsciente, demonstrando que apenas o médico não mantinha uso irresponsável com o LSD,
Von Franz cai, como Beserra (2011, p.50) comenta “(…) em um terrível etnocentrismo e
numa ausência de relativização sócio-cultural, psicológica e química em seu comentário”. E
Von Franz termina com seu comentário:
“A humanidade tem frequentemente avançado em direção a novas
realizações passando através de erros. Parece-me bastante
compreensível, e mais do que perdoável, que muitas pessoas da
geração mais jovem sejam incapazes de suportar o vazio intelectual e
a desumanização da nossa incultura tecnológica, e recorram às drogas.
Mas então, para cada indivíduo, chega a hora na qual precisa decidir
se quer mergulhar para sempre nessa inexpressividade ou passar
através dela, como se através de um portão, e avançar em direção à
grande obra do autoconhecimento objetivo.” (Franz, 1999, p.330).
Ainda no meio junguiano, Luigi Zoja é conhecido por ser referência no que condiz os
seus estudos sobre consumo de SPA . (Beserra apud Zoja, 2011, p. 55) comenta que “em seu
livro, já nas primeiras linhas, estabelece sua posição baseada em Eliade para quem uma das
grandes diferenças entre o mundo arcaico e o mundo moderno está justamente no
desaparecimento da iniciação” (1992, p.1). O psicólogo junguiano Luigi Zoja de forma
equivocada elabora uma linha de raciocínio caracterizando o consumo da droga como
necessidade de preencher um vazio de maneira ansiosa e desrespeitosa “onde a visão, se ainda
é procurada perde importância, sacralidade e significação coletiva”, por outro lado dá uma
contribuição significativa ao comentar sobre a força coletiva que o consumo desta substância
tem quando utilizado em condições favoráveis. Beserra (2011, p. 57) afirma que
22
Na procura de uma identidade diferenciada o dependente de SPA se
associaria a um “mundo da droga”, com a imagem “sou um drogado”,
que o levaria a uma posição de “herói negativo”, ou seja, um heroísmo
subversivo e destrutivo (que Zoja chama de herói destruidor). Para
Zoja (1992, p.32), em nossa cultura “o sentimento heróico é reprimido
pela maioria, que, acumulando um rancor inconsciente pela perda, cai
na insipidez de uma previsibilidade anti-heróica”, neste caso, o
sentimento heróico vira monopólio “de indivíduos que se contrapõem
à norma coletiva, quer através de seu caráter anti-social, quer através
da sua irracionalidade” (op.cit). A associação ai seria do arquétipo do
herói com a sombra, com o mal, destrutividade, e com o grande
recalcado ocidental, a morte. Entretanto, se pensarmos de forma
acurada, perguntaremos se não é possível: A) uma associação com a
sombra que seja benéfica. Isto é, a integração de conteúdos
subversivos e reprimidos que, porventura, sejam necessários a uma
nova sociedade (p.ex, compensação da racionalidade unilateral) e se
B) Isso acontece em relação aos dependentes de SPA ou a qualquer
usuário. Ao optar pelo privilégio da norma sobre a subversão, Zoja
pode acabar reforçando a unilateralidade e fixação da atual política
capitalista, comumente neoliberal e hiperstaseando o consumo
ignorando os apelos por mudanças nas políticas econômicas, sociais,
etc, que poderia reduzir a opressão do homem pelo homem e, além
disso, a destruição planetária.
Como já citado anteriormente no trabalho, as dimensões das experiências psicodélicas
e místicas-religiosas se confundem por ocorrências diversas e que nos remetem às regiões do
inconsciente coletivo e encontros com imagens arquetípicas oriundas do inconsciente
coletivo, com caráter numinoso e exprimíveis através das emoções que suscitam. A natureza
genérica das imagens levou Jung a chamá-las de imagens típicas. (FIERZ, 1991). Os métodos
puramente científicos de pensamento são insuficientes para a compreensão de temas como as
viagens psicodélicas e conseguintemente os seus temas correlatos.
“As imagens do mundo arquetípico são simbólicas, entretanto, uma vez que nós, como
indivíduos, não as fabricamos, mas as encontramos “lá fora” no inconsciente coletivo, elas
23
são responsáveis pelo menos algumas das características da realidade dada [...]” (HUXLEY,
p. 74-5)
Jung em sua carreira de médico psiquiatra ao observar os fenômenos recorrentes de
seus pacientes, principalmente neuróticos e psicóticos, conseguiu clarificar certos aspectos
intrínsecos ao homem em seu sentido pessoal e impessoal, codificando o conceito de sombra,
persona, arquétipo e inconsciente coletivo a partir destas observações. Para ele o sofrimento
psíquico era um sofrimento espiritual, provinda de uma alma que ainda não descobriu o seu
significado. Definindo a neurose nesses termos, a natureza religiosa do problema torna-se
aparente. (JUNG, 1980). Beserra (2011) comenta que:
“Quando Jung fala da alma, fala basicamente da relação existente
entre realidade psíquica e realidade física, abandonando tanto um
psicologismo ingênuo como o materialismo que entendia a realidade
psíquica como mero epifenômeno da realidade física”
Se falarmos de experiências, falamos de imagens e Jung se ateve às imagens.
Conforme Stevens (2012, p.43) comenta ao mencionar as fantasias de Jung após o momento
de ruptura com Freud e o movimento psicanalítico. Jung começa a produzir suas fantasias, a ir
para as profundezas de seu inconsciente, passando por breves momentos em episódios
semelhantes às dinâmicas da psicose: “Suas conversas com essas figuras lhe proporcionaram
o insight fundamental de que as coisas que acontecem na psique não são produzidas pela
intenção consciente: elas têm vida própria”. O psiquismo comporta disposições inconscientes
que tornam possível a existência humana e a organizam e permitem que o indivíduo lide com
o juízo de valor de sua experiência religiosa, neste caso se é bom ou mal. Em termos
religiosos, o paciente pode descrever a experiência como uma orientação de Deus; em
linguagem psicoterapêutica, pode ser descrita como o despertar do psiquismo para a sua
própria atividade espontânea. Jung afirma que cada afirmativa sobre Deus, por exemplo, é
uma afirmativa humana, psicológica, que deve ser distinguida de Deus como um ser
metafísico (JUNG, 1952, P.256). É claro que Jung em sua atividade científica não diz que
Deus ou alguma ideia religiosa com seu conceito seja experimentado de forma completamente
inconsciente. Está falando sobre a importância da religião para o ser humano que se encontra
no interior e no inconsciente (JUNG, 1921, p. 266). Dessa forma, os arquétipos são deduções
generalizadas, um quadro que disponibiliza imagens arquetípicas, na qual o indivíduo
experimenta, se envolve. Se os arquétipos estão para o inconsciente coletivo, o inconsciente
24
coletivo se diferencia dele dessa forma. O conteúdo do inconsciente coletivo nunca esteve na
consciência certa feita para ser reprimido, sendo o conteúdo reprimido alguns dos conteúdos
do inconsciente pessoal. Jung acha que os processos do inconsciente são tão continuamente
ativos quanto os da mente consciente, e os sonhos são manifestações desta cadeia de eventos
que pode ser vivenciada no consciente assim como também através da imaginação ativa. E
assim a ideia de inconsciente para Jung antecede a consciência. Isso indica as possibilidades
futuras para a psique, deixando de fundamentalizar as experiências no passado e mantê-las
fixadas neste ponto. Conclui-se que a cura envolve uma experiência verdadeira e primordial
da alma. “O problema da cura é um problema religioso” (JUNG OC 11/6, § 523)
“Oponho-me ao equívoco segundo o qual os arquétipos seriam uma
espécie de representações inconscientes. Portanto, devo mais uma vez
ressaltar que eles não são determinados do ponto de vista do conteúdo,
mas apenas no que concerne à forma, e mesmo assim em medida
bastante limitada”. (JUNG, OC 9/1, 2011)
“Ao escutar as imaginações espontâneas e os sonhos de seus pacientes, chamou-lhe a
atenção encontrar figuras, situações e cenas que não só se repetem em vários sonhadores, mas
também são encontradas nos contos de fadas, mitos e narrativas pertencentes a diferentes
culturas” (HUMBERT, 1985). Tudo indica que atrás das imagens existe algo a mais em
funcionamento, criando imagens correspondentes. Assim, quando Jung procurou alcançar um
entendimento através das imagens e comparações, estava tentando compreender o conteúdo
dramático e poético dos fenômenos psíquicos.
“Ninguém pode rejeitar essas coisas numinosas por motivos
puramente racionais. São partes importantes de nossa estrutura mental
e não podem ser erradicadas sem uma grande perda, pois participam
como fatores vitais na construção da sociedade humana, e isto desde
tempos imemoriais” (JUNG, 18/1 p. 580)
Consonante às manifestações arquetípicas da psique, observando Jung que os danos
psíquicos são minimizados a partir da confrontação do consciente e inconsciente, e para tanto,
para fins terapêuticos, ele fez-se valer das imagens para evitar preconceitos psicológicos na
vida do sujeito, o que significa maior credibilidade à polissemia natural do símbolo, discutida
a seguir.
25
As experiências com psilocibina e os efeitos no indivíduo nos fazem voltar à própria
psique e à noção da consciência e processos inconscientes, mas principalmente ao conceito
psicodinâmico de complexo evidenciado por Jung. “O que tenho a dizer acerca da natureza da
alma está baseado em primeiro lugar em observações feitas sobre o homem” (OC 12, p 2)
Através dos testes de associação de palavras, ele estabeleceu o conceito de complexo que
significa grupos de representações emocionalmente acentuados. Neste caso da pesquisa do
doutor Griffths e colaboradores, a hipótese de que as imagens suscitadas pelo consumo da
SPA psilocibina pode então ser consteladas, e os conteúdos dos complexos constelados na
consciência são extremamente variados, mas constantemente deparamos com temas
específicos que se repetem em casos diferentes, não é errônea. C.G Jung recomenda que o
trabalho psicoterapêutico discuta o conteúdo dessas imagens variantes do complexo
constelado e lhe forneça o apoio necessário para a assimilação do conteúdo. (JUNG, OC 3,
p.575). Em seu trabalho com associação de palavras, Jung e seus colaboradores perceberam
que esses grupos sofrem a interferências de fatores no curso do desenvolvimento psíquico.
Lidar de foma intelectual e racional com os complexos não renderá bons frutos, caso a
intenção seja integrar os elementos ocultos do inconsciente à consciência, rendendo aí
potencialidades futuras para o indivíduo. Conforme Jacobi (2016, p. 18)
“Segundo a definição de Jung, cada complexo consiste primariamente
em um ‘elemento central’, um portador de significado, que,
subtraindo-se à vontade consciente, é inconsciente e incontrolável, e,
secundariamente, em uma série de associações a ele ligadas, que se
originam, em parte, da disposição pessoal original e em parte das
vivências do indivíduo condicionadas pelo ambiente”
Estes complexos podem assumir caráter autônomo caso não conscientizados e
envolvidos a partir das expressões emocionais refletidos após, em mudanças significativas de
atitude. Apenas a concepção intelectual não valida a ‘dissolução’ do complexo.
“Uma vez constelados e assim atualizados, os complexos podem
resistir abertamente às intenções da consciência do eu, romper sua
unidade, separar-se e comportar-se como um estranho (…) Por isso
Jung diz: Hoje todo mundo sabe que temos complexos, mas poucos
sabem que os complexos nos têm”. (JACOBI, 2016, p.18)
“Estes complexos conhecidos apenas intelectualmente devem ser
estritamente distinguidos daqueles que foram realmente
26
‘compreendidos’, isto é, que se tornaram conscientes de uma forma
pela qual realmente deixam de exercer um efeito pertubador. Porque,
nestes casos, não se trata mais de complexos, mas apenas de
conteúdos da consciência assimilados (…) Também se deve salientar
que um complexo, tão logo nos tornamos conscientes deles, tem uma
chance melhor de ser ‘compreendido’, e corrigido, isto é, podemos
fazê-lo desaparecer (…) Pois, enquanto estiver completamente
inconsciente e não atrair a atenção da consciência (…), ele
permanecerá inteiramente inacessível. (JACOBI, 2016, p.20)
Jung sugere que se mantidos inconscientes, os complexos podem e dever ser
enriquecidos com associações. Mas eles apenas abandonam o caráter compulsivo-autônomo
se tornados conscientes, o que constitui um dos importantes fatores na psicoterapia.
“Portanto, uma compreensão racional não é, de modo algum,
suficiente. Apenas a vivência emocional liberta. Somente a esfera
emocional é capaz de efetuar as necessárias reviravoltas e
transformações de energia. Nenhum fenômeno do inconsciente pode
ser detectado apenas pelo intelecto, “porque ele não consiste apenas
em significado, mas também em valor, o qual se baseia na intensidade
das tonalidades de sentimentos que o acompanham”. (JUNG, 1951,
p.51 apud JACOBI, 2016, p.24)
É lógico que as imagens suscitadas nos pacientes da pesquisa se constituem realidades
idiossincráticas, sendo a ênfase da experiência viva da psique colocada por ele como o oposto
da rigidez dogmática ou a fé cega. E isto nos faz refletir acerca da concepção simbólica que é
intrínseco à vida humana, apoiando-se assim na concepção de Homus Symbolicus de Gaston
Bachelard e abrindo novas perspectivas quando Hillman afirma que “o modo simbólico
significa que um novo tipo de realidade está vindo a luz” (Hillman, 2009). Esta realidade se
trata das imagens que surgem a partir da intensa atividade organísmica do Self nas
experiências. Essas imagens confrontam o indivíduo, fazem o assustar bem como contemplar.
Dizemos que seu conteúdo é simbólico não só porque ele evidentemente possui um
significado, mas porque aponta para várias direções e deve significar algo que é inconsciente
ou que, ao menos não é consciente em todos os aspectos” (Jung, 569). O símbolo fala sem
dizer, sugere, abre espaços ocultos porque não define, permite liberdade de interpretação sem
literalizações, em constante renovação, é multifacetado e, por ser imagem, permite a
27
criatividade e a imaginação. Sempre se manifesta carregado de emoção, e na terapia se volta
para a psique, para o soma, portanto é um fenômeno que para todas as pessoas se trata de um
processo de transformação. Símbolo e signos não são sinônimos. O símbolo denota algo vago,
desconhecido para nós. O signo, ao contrário, é uma representação já conhecida e
cognoscível. O símbolo é um fato psicológico que conecta o homem com o que não conhece,
mas que concerne à sua existência, portanto está sempre carregado de afetividade e sua
presença é experimentada vividamente. Jung demonstrou que as imagens simbólicas não
podem ser interpretadas mediante padrões estereotipados, pois não têm significados
dogmaticamente estabelecidos; pelo contrário, possuem um aspecto inconsciente que nunca se
define com precisão, e quanto a mente racional tenta explicá-los, se vê levada por ideias que
vão além da razão. Neste sentido, os símbolos devem ser interpretados de acordo com as
circunstâncias de cada indivíduo, e que na experiência de Griffths remete-se aos conteúdos
que emergiram na consciência de cada paciente. A psique fala à psique numa linguagem
própria e essa linguagem é o próprio símbolo.
Jung percebe a relação entre os aspectos conscientes e inconscientes do indivíduo pode
constatar o caráter compensatório do inconsciente sobre a atitude consciente, que muito tende
a ser unilateral e direcionada para fatores objetivos da existência. O consciente e o
inconsciente se relacionam entre si, e entre ambos existe uma reciprocidade tal que cada
elemento consciente tem uma contraparte inconsciente de caráter oposto e, no entanto,
compensatório. Jung denota que ao ser confrontado com imagens do inconsciente, o indivíduo
pode estabelecer contato com a função transcendente. “É chamada transcendente, porque
torna possível organicamente a passagem de uma atitude para outra, sem perda do
inconsciente” (Jung, OC 8 p 145). A base de estudo das obras de Jung pode ser enviesada
pelo estudo das dinâmicas entre o inconsciente e consciente, na proposta que ele estabelece
usando o termo confronto e mais aquém, diferenciação. Este confronto trata-se da função
transcendente que o símbolo promove na existência do sujeito em questão, formando um
terceiro elemento a partir do choque entre os inevitáveis opostos da vida.
“No processo analítico, isto é, no confronto dialético do
consciente e do inconsciente, constata-se um desenvolvimento, um progresso
em direção a uma certa meta ou fim cuja natureza enigmática me ocupou
durante anos a fio (...) certas soluções típicas e temporárias acontecem (...) 3)
depois de haver reconhecido um conteúdo essencial, até então inconsciente,
28
cuja conscientização imprime um novo impulso à sua vida e às suas atividades”
(OC 12, p2)
Vale comentar aqui também, neste raciocínio, a noção dos ritos arcaicos e de iniciação
que Jung comenta sempre dando importância à psicologia dos povos primitivos. Jung diz que
o homem moderno sonha tal como vivia o homem de milhares de anos atrás (OC vol. 5).
Muitos estudiosos do ramo da antropologia, arqueologia e outras ciências humanas assumem
a razão de que os ritos de passagem têm determinado caráter psicoespiritual, modificando os
papéis pelos quais os indivíduos submetem para uma nova fase, por exemplo, transição
infância-fase adulta, e constatar a mudança psicológica que gera no indivíduo e na sociedade.
Vale aqui citar o arquétipo da morte e do renascimento presentes de forma viva a partir destes
ritos.
Huxley comenta em seu trabalho audaciosamente que todo ser humano tem em si a
necessidade de transcender, ou seja, buscar uma dimensão de experiência com o numinoso,
com as figuras arquetípicas e quando privado dessas experiências seja pelo culto religioso ou
boas obras, tendem a recorrer aos químicos, aos alucinógenos como substitutos religiosos,
substitutos de experiência religiosa como alternativa. “É finalidade e aspiração dos símbolos
religiosos dar sentido à vida humana” (Jung, 18/1 § 567). Obviamente, as mudanças químicas
no organismo catalisam a experiência mas não são, em si, capazes de criar as intrincadas
imagens e os ricos insights filosóficos e psicológicos, muito menos de mediar o acesso a
informações novas sobre vários aspectos do universo. A administração de psilocibina pode
explicar a emergência de materiais profundos do inconsciente para a consciência, mas não
pode explicar sua natureza e seu conteúdo. A compreensão dos estados psicodélicos requer
uma abordagem mais sofisticada do que uma simples referência a processos biológicos no
corpo e isso requer uma abordagem compreensiva que inclua mitologia, filosofia e religião
comparada. É natural que, para ser capaz de enxergar essas experiências místico-religiosas,
sendo produto da própria psique, temos que transcender a compreensão estreita da mesma
oferecida pela psiquiatria dominante. Seguindo a orientação analítica deste trabalho podemos
mencionar o conceito da psique como anima mundi, ou a alma do mundo, que inclui o
inconsciente coletivo e arquétipos (JUNG, 1958).
Portanto, o consumo de SPA através dos séculos assume um caráter em termos gerais
de iniciação e sacralidade, cedendo espaço para o sentimento religioso de cosmovisão,
pertencimento e aterramento, inerente ao ser humano e que Jung muito o considerava em suas
obras. A propagada ideia junguiana acerca do tema se for levada em consideração ao
29
entendimento de Zoja se mostra equivocada ao relacionar estritamente a avidez do consumo à
realidade das intenções anunciadas no dinamismo psíquico. Muitos enfatizam o caráter
epidemiológico das experiências com psicodélico associando de maneira inflexível os estados
não comuns de consciência às psicoses diversas refutando o que na psicologia analítica
denomina-se “inflação do ego”. Apesar do enorme investimento de tempo, energia e dinheiro
em pesquisas psiquiátricas, a natureza do processo psicótico ao qual muitos consideram ao
manter-se em contato com SPA’s diversas ainda é um mistério. Extensos estudos sistemáticos
têm revelado e explorado importantes variáveis relacionadas com fatores constitucionais e
genéticos, mudanças hormonais e biológicas, determinantes psicológicos e sociais, influências
ambientais e muitas outras. Até o momento, nenhuma dessas variáveis provou ter suficiente
consistência para oferecer uma explicação convincente da etiologia. Porém, mesmo que as
pesquisas biológicas e bioquímicas fossem capazes de detectar processos que demonstrassem
correlações consistentes com a ocorrência dos estados psicóticos, isso em si e por si, não
ajudaria a compreender a natureza e o conteúdo das experiências psicóticas. Nos estados
induzidos por psicodélicos (Grof, 2000) quimicamente puros, o disparador bioquímico e sua
dosagem são conhecidos com precisão . E, mesmo assim, tudo isso não oferece nenhuma pista
para a compreensão da natureza e do conteúdo das experiências envolvidas e de sua variação.
Explica apenas a emergência do material inconsciente profundo à consciência. A mesma
dosagem administrada sob as mesmas circunstâncias a várias pessoas pode induzir um largo
espectro de experiências estendendo-se da exploração da memória (Grof, 2000), passando por
estados maníacos e paranoicos até revelações místicas profundas. O potencial para criar essas
experiências de estados místicos é claramente uma propriedade inerente da psique humana.
Infelizmente a psiquiatria acadêmica tem um modelo de psique limitado à biografia pós-natal
e uma forte tendência biológica. Estes são sérios obstáculos à compreensão da natureza e dos
conteúdos dos estados alterados de consciência e respectivas experiências místico-religiosas.
Jung se mostrou comedido em debruçar sobre o assunto, se mostrando inquieto no que condiz
à tendência de descobrir algo por mera curiosidade, o que foi contemplado por Zoja e que
Beserra (2011, p.47) comenta ao afirmar:
“De fato a inquietação de Jung é válida, e foi elaborada por Luigi Zoja
quando pensa no consumismo contemporâneo, num movimento de objetificação do mundo e
numa “mania” social de proporções arquetípicas que levaria a usos maníacos e não
responsáveis. Essa perspectiva cria problemas apenas quando é sociologizada e pretende
30
abarcar todas as relações sociais possíveis, reduzindo o homem a mero objeto das pressões
atmosféricas.”
Numa carta enviada a um padre católico, Jung foca em tom de consciência moral o uso de
mescalina através do livro que teve conhecimento de Aldous Huxley. Comentava Jung (apud
Jaffé, 1991, p 73-74)
“As influências (da mescalina) são de fato singulares – vide Aldous
Huxley! – e delas conheço muitíssimo pouco. Não sei qual o valor
psicoterapêutico nos pacientes neuróticos psicóticos. Sei apenas não
haver razão alguma para querer conhecer mais sobre o inconsciente
coletivo do que se consegue através dos sonhos e da intuição. Quanto
mais se sabe sobre ele, maior e mais pesada se torna a
responsabilidade moral, porque os conteúdos inconscientes se
transformam em dever e obrigações individuais assim que começam a
se tornar conscientes. Por que aumentar a solidão e a incompreensão?
Já as temos em demasia. Se eu pudesse dizer alguma vez que fiz tudo
o que sei que devia fazer, talvez então pudesse compreender uma
legítima necessidade de tomar mescalina. Mas, se a tomasse hoje, não
estaria absolutamente seguro de que não a teria tomado por pura
curiosidade. Eu detestaria a idéia de ter tocado na esfera onde é
elaborada a tinta que dá colorido ao mundo, a luz que faz brilhar o
esplendor da aurora, as linhas e contornos de todas as formas, o som
que preenche a órbita, o pensamento que ilumina as trevas do vazio.
Talvez haja algumas pobres criaturas para quem a mescalina seja uma
dádiva dos céus sem um antídoto, mas tenho profunda desconfiança
das “genuínas dádivas dos deuses”. Paga-se caro por elas. Quid id est,
timeo Danaos et dona ferentes.
Esta não é absolutamente a questão, saber do inconsciente ou sobre ele, nem a
história acaba aqui; pelo contrário, é como e onde se começa a busca real. Se
somos demasiadamente inconscientes, é um grande alívio conhecer um pouco
do inconsciente coletivo. Mas logo se torna perigoso saber mais, porque não
aprendemos simultaneamente como equilibrá-lo mediante um equivalente
consciente. É esse o erro que comete Aldous Huxley. (É, na verdade, o erro de
nossa época. Pensamos que basta inventar coisas novas, mas não nos damos
31
conta de que saber mais exige um desenvolvimento moral correspondente. As
nuvens radioativas sobre o Japão, Calcutá e Saskatchewan assinalam um
envenenamento progressivo da atmosfera mundial...).
Quanto ao medo da morte e as crises de ansiedade que isto provocava em certos
pacientes da amostra, podemos deduzir numa análise que nesse nível transpessoal, portanto de
experiência arquetípica, o medo provavelmente seria de se ter o Ego esmagado ou
desintegrado sob a pressão de uma realidade maior, em suma: a possessão por complexos
individuais provocando a incapacidade de suportar o conflito. Não é de estranhar que diante
do esvaziamento e da despersonalização crescente do indivíduo, o inconsciente exerça pressão
procurando elevar os valores transpessoais reprimidos até o consciente através de projeções.
As mais diversas religiões do mundo com suas literaturas abundam em relatos de dores e
terrores, o horror que chega à alma humana face a face com o mysterium tremendum. Em seu
trabalho publicado em 1932, “Alma e Morte”, ele expressou a suposição de que a psique era
capaz de transcender o espaço e o tempo, sendo o ego de importante fator para a compreensão
que porventura suscitasse, sendo só assim possível integrar experiências místicas-religiosas à
personalidade do indivíduo Mais tarde a partir de pesquisas de outros colaboradores a respeito
da sincronicidade é que esses fenômenos foram compreendidos como uma possibilidade de a
alma transcender o mundo dos sentidos e ter percepções extra-sensoriais. É aqui que Jung
introduz o termo – psicoide - para definir as experiências de mudanças que abalam as
profundezas do inconsciente.
Volto a ponderar as principais considerações da psicologia analítica a respeito. Mattos
(2013), comenta que “ao longo de suas pesquisas Jung insiste em dizer que no inconsciente há
uma fonte criadora, isto é, uma fonte que jorra imagens”. Sendo Jung um cientista empírico
que levava em consideração os processos históricos, antropológicos e mitológicos, em que a
psique era o sujeito observador assim como observando, logo notava em suas profusões o
respeito pelo mito, pelas religiões comparadas e o incentivo aos seus parceiros e alunos. Para
viver a profundidade da própria existência, como parte de um contexto maior, contamos com
a contribuição central dos mitos que, como Jung assinala, “explicava aos humanos aturdidos o
que estava se passando em seu inconsciente”. (JUNG, OC 5, 2011). Hollis (1995) explica em
sua obra sobre o lugar do mito na vida moderna, por exemplo, que os aspectos
negligenciados, portanto reprimidos na vida consciente do indivíduo, que para ele, se
conscientizados seriam molas propulsoras para a criatividade.
32
Mantendo-se o ego em harmonia com o Si-Mesmo, que por si só é transcendente,
equilibra-se o eixo, e a sombra, ou os “antípodas da mente” do inconsciente pessoal, como
citado por Huxley, cede espaço ao discernimento liberando toda a energia para o processo de
individuação que deve constituir grande meta. Na proposta da progressão junguiana, torna-se
necessário bom encaminhamento da libido, canalizando-a em favor da melhor compressão da
existência humana e da sua aplicação nas conquistas dos recursos que a edificam. Quando,
por alguma razão, ela é interrompida, dá-se um choque, qual seja a perda, passando a uma
fase de regressão e perdendo-se no inconsciente desenvolvendo complexos e conflitos
perturbadores. Ora, as experiências com psicodélicos, com destaque a psilocibina, mantém
efeitos de contemplação e introspecção, que em suma seria uma análise de si mesmo mais
íntima, compassiva, um reconhecimento dos elementos inibidores do desenvolvimento da
personalidade humana colaborando para o autoconhecimento, e posteriormente, por que não,
auxiliando no processo de individuação? Esta pergunta não invalida o poder da dialética
analítica, da confrontação com o inconsciente, sendo ainda considerada a ferramenta de
fundamental importância no processo psicoterapêutico e que de maneira poética Giordano
Brunno (1978, p.5), comenta:
“Admito que entre a superfície do continente e do conteúdo, que nela
se move, sempre é necessário que haja espaço interposto, ao qual convém, antes de tudo, ser
lugar. E se quisermos tomar do espaço apenas a superfície, é preciso que se vá procurar no
infinito um lugar finito”.
Em termos práticos na vida do paciente, ao refletir sobre essas experiências, essa
pessoa pode chegar a uma nova e melhor compreensão das maneiras pelas quais ela percebe,
sente e observa assim como consequentemente o Outro, às noções cosmológicas, de
cosmovisão, de “o que está no alto, é o que está embaixo”, uma das leis de correspondência
hermética, por exemplo. No estudo de Griffhts (2011), os pacientes que conseguiram
responder de forma significativa após o consumo de psilocibina apresentaram novas formas
de comportamento, uma preocupação real pelo autoconhecimento, o surgimento de novos
afetos e interesses podendo assim realizar-se a partir da diminuição da ansiedade patológica
agravada pela condição terminal do tumor cancerígeno. Antes do consumo da SPA, existiam
nesses pacientes uma atitude mental inadequada e desgastada, atitude habitual da consciência
que já não é apropriada para um novo dinamismo, haja visto que a unilateralidade não
proporciona na maioria das vezes uma mudança na maneira de agir. A prova disso é que
existia a dificuldade em renovar a consciência, motivo pelo qual o novo fator que deve
33
ocasionar a mudança assume a forma de complexo autônomo no inconsciente. O complexo
atrai para si a energia psíquica, a consciência a mercê dos efeitos psicodélicos permite que o
complexo penetre na consciência. Como resultado, surgem aspectos próprios da viagem com
o consumo e precisam ser, portanto, interpretados sob um aspecto simbólico. A linguagem
anímica sobrepõe o Logos a partir do Mythos, assumindo assim a alma sua própria linguagem
que não é, a priori, passível de entendimento lógico e racional, por se tratar justamente de
imagens da alma. “Se alguém entende o que quer dizer numinoso, como Rudolf Otto definiu,
e Jung adotou, é ridículo pretender-se aprisioná-lo no interior de uma teoria explicativa,
porque a partir desse instante fatal o numinoso deixa de sê-lo” (GAMBINI, p. 143).
Essa reflexão nos leva a perceber aqui o método finalístico junguiano, no qual o que
passa a ter significado não é mais a explicação, mas sim o “Como”, o “Para que”, o sentido
em que a experiência assume sua expressão para a vida do sujeito ou o que o desconforto
indica de modo obscuro em se tratando do setting terapêutico convencional. E também
notamos que há uma prospecção para talvez tentarmos chegar a esse sentido. Os sintomas, as
imagens passam a ser vistos como agentes de transformação. E o caminho trilhado para a
individuação recolhe os elementos dessa alma individual integrando-as, viabilizado apenas
pelo recolhimento das projeções sobre as pessoas, situações, cotidiano, instituições, etc. O que
está em jogo aqui é a passagem da ordem da explicação presidida pela razão, para a ordem do
sentido, que transcende tudo, pois o universo psíquico é mais amplo que o universo racional.
A tomada de consciência e a respectiva mudança de atitude seria per si, na teoria analítica, as
chaves hermenêuticas do processo psicoterapêutico, levando em consideração na análise os
aspectos teóricos e o comprometimento de responsabilidade vivencial que isso suscita. E
quanto a psilocibina, a mesma caracteriza-se como instrumento desses processos há milhares
de anos na consumação para os devidos fins. E provavelmente atribuindo um sentido para a
iniciação, refletindo em algo novo que possa acontecer futuramente no dinamismo psíquico.
Quando há uma preocupação real pelo autoconhecimento, interpretando as ocorrências
normais como necessárias ao processo de evolução da vida, a saúde integral passa a fazer
parte daquele que assim procede. Não é adequado dizer que as experiências com a psilocibina
seja dissolver o ego. A SPA se torna um catalisador de experiências, em que Beserra (2011, p.
52) comenta:
“Considerando o consumo de enteógenos, podemos refletir que para
uma integração da experiência também é necessária uma dialética, e,
portanto, um tipo de atitude consciente. Portanto, é mais correto nos
34
referirmos sempre a uma ”experiência enteogênica” do que a um
“enteógeno”, considerando que a substância é um catalizador, um
potencial de experiência enteogenica, mas não uma determinante, pois
se assim o fosse deveríamos novamente considerar o papel do sujeito
como nulo ou ausente”.
As “trips” usam material da consciência, porque se não o fizesse esta não teria como
compreendê-lo, sendo as trips conhecidas do ego. Mas a estrutura dessas experiências não são
feitas pela consciência, assim como não o é a formação de símbolos e a escolha da imagem
que as expressam. Jung pretendeu ter descoberto um nível fenomenológico, empírico e
observável.
Citando ainda um exemplo sobre experiências místicas-religiosas através de estados
alterados de consciência, vale tocar no que o pai da psicologia analítica passou em 1944. Aos
sessenta e nove anos, Carl Jung teve um grave ataque de coração. Próximo à morte, delirante
e sob o efeito de estados alterados de consciência, teve uma visão gloriosa. Estava flutuando
nas alturas, num espaço estelar e olhando para baixo para o globo azul prateado da Terra,
muito distante dele. Deixando a Terra cada vez mais para trás, viu de repente, a uma curta
distância ao longo do espaço, uma enorme rocha solitária, na qual havia um templo cuja
entrada era iluminada por pequenas e centenas de chamas. Jung sabia que devia entrar neste
templo, que transpor o seu limiar significava morrer e que a morte responderia a todas as suas
perguntas. Ele ansiava com todas as veras por esta consumação final. Mas neste justo
momento, um mensageiro vindo da Terra com a aparência do seu médico chegou e disse que
Jung ainda não estava autorizado a partir, que ele ainda era necessário lá embaixo. Com esta
notícia, que foi mal recebida, toda a visão despareceu. Melancólico e deprimido, Jung
regressou ao estúpido e severo mundo dos viventes. Sentindo-se exilado, quase não observou
a lenta recuperação do seu organismo. Pensar em alimentos causava-lhe náusea e a presença
de pessoas irritava-lhe os nervos. Teve ódio do médico que interferiu na sua morte.
Na pesquisa de Griffiths e colaboradores observamos que ela proporciona diversas
reflexões ao tentar estabelecer um diálogo com a psicologia analítica. Curiosamente por já ter
citado uma das experiências místicas de Jung – o morrer - devemos nos ater a queixa da
maioria dos pacientes: o medo da morte. A dificuldade de lidar e de aceitar este fato que em si
é religioso, muito tem a ser focado a partir da perspectiva analítica. Aniela Jaffé, colaboradora
do professor Jung proferiu uma palestra em Berlin no ano de 1974 intitulada “a visão de
C.G.Jung sobre a morte”. Vida e morte, morte e renascimento são faces da mesma moeda que
35
gere a proeza da existência. Com 85 anos, Jung escreve uma carta para uma mulher em que
comenta:
“Estou tentando aceitar a vida e a morte. Se eu não estivesse disposto
a aceitar ambas alternativas, questionaria os meus motivos pessoais
(...). Nas extremas situações de vida e morte, a compensação e o
entendimento abrangente têm o mais elevado significado. Ir ou ficar,
se entregar ou não, são os fatores irredutíveis da nossa situação”.
(CARTAS VOL 3, p. 290)
O medo da morte se torna desnecessário por simplesmente a morte ser uma
mitologema presente em todas as culturas em suas respectivas jornadas: do eterno retorno e a
jornada heroica, ambas lidando com a morte simbólica do ego, das antigas concepções,
cedendo lugar ao renascimento psicológico, novas habilidades, dons, interesses,
comportamentos e desenvolvimentos de outras qualidades inatas. Porém o medo é
compreensível, mas contamos com a ajuda do mito a reproduzir energias e processos no
interior das pessoas. Como Jung explica:
“Os arquétipos são elementos estruturais, numinosos, da psique e
possuem certa autonomia e uma energia específica, que lhes permite
atrair, da mente consciente, aqueles conteúdos que melhor se ajustam
a si. Os símbolos agem como transformadores; sua função é converter
a libido, de uma forma inferior numa forma superior”. (JUNG, OC 5,
2011.)
Ora, se a individuação é o oxigênio puro de manutenção da vida psíquica e geral,
como tentar compreender a imagem da morte e o seu decreto já estabelecido? Aqui se trata de
uma conscientização e rendição. Dizer sim à morte significa apostar na vida e vivenciá-la.
Não é de todo objetivo aprofundar esta questão, mas é uma oportunidade de refletir mais
sobre a morte à luz da psicologia. Nas correspondências de Jung com seus pacientes,
conhecidos e amigos, existe uma série de relatos e reflexões, principalmente nos últimos anos
de vida em que Jung confere importância ao envelhecimento. Jung não seguiu uma
metodologia científica específica ou concepções científicas para as concepções da morte, mas
sim, as imagens da alma baseando-se em suas experiências mais íntimas: “Meus ouvidos
estão atentos aos fantásticos mitos da alma” (Memórias, Sonhos e Reflexões, sobre a vida
após a morte). Jung via a vida que transcende infinitamente os anos vividos.
36
“A triste verdade é que a vida humana consiste num complexo de
opostos inseparáveis – dia e noite, nascimento e morte, felicidade e
miséria, bem e mal. Nem sequer estamos certos de que um prevalecerá
sobre o outro, de que o bem superará o mal, ou a alegria derrotará a
dor. A vida é um campo de batalha. Ela sempre foi e sempre será um
campo de batalha. E se assim não fosse, a existência chegaria ao fim
(JUNG, Ao encontro com a sombra, 2013).
Em seguida devemos supor que as mudanças de comportamento, hábitos e etc, se
devem à experiência emocional com o símbolo:
“Portanto, o inconsciente só terá para nós uma função criadora de
símbolos se estivermos dispostos a reconhecer nele um elemento
simbólico. Os produtos do inconsciente são pura natureza. A natureza
não é por si só um guia, pois não existe em função do homem. Mas se
quisermos valer-nos dela como tal, poderemos dizer como os antigos:
naturam si sequemur ducem, nunquam aberrabimus (se tivermos a
natureza por guia, nunca trilharemos caminhos errados). (...) O mesmo
acontece com a função orientadora do inconsciente. Pode-se usar o
inconsciente como fonte de símbolos, mas com a necessária correção
consciente que, aliás, temos que aplicar a todo fenômeno natural, para
que possa servir aos nossos objetivos.” (JUNG, OC 10/3, 2011 p.27).
Aqui estabelece-se um panorama dos conceitos envolvidos entre símbolo, atitude
simbolizante a partir do momento em que para haver dialética precisa haver alguém que
permita-se envolver com os conteúdos inconscientes. Esta dialética com o inconsciente
favorece o processo de individuação que constitui em si a grande meta para a realização das
potencialidades para Jung, processo esse que é expresso por símbolos, que não obstante
provém do envolvimento afetivo com uma imagem e consequentemente uma possível
mudança de unilateralidade da consciência, atributo no qual Jung faz à psique, como sendo
um órgão autorregulador e sistêmico visando compensar as atitudes unilaterais através de
projeções em sonhos, fantasias e sintomas psicossomáticos.
O homem aspira a realizar e integrar seus potenciais, a ser ele mesmo. A conquista
desse estado que Jung denomina de numinoso, pode ser comparado a uma nova forma de
religiosidade, na qual se consegue harmonia na vida. Anteriormente, por não existir a
Psicologia Analítica, a religião albergava todas as necessidades humanas e a confissão
37
produzia efeito psicoterápico na liberação de males, mantendo, no entanto, irresponsável o
indivíduo, que achava muito fácil errar, ferir e ser desculpado, sem realizar o processo de
autotransformação. Graças, porém, à nova visão de Jung, os mitos religiosos podem ser
substituídos pelos arquétipos e os conflitos, em vez de recalcados e desculpados, devem
merecer catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos danos que hajam causado. É o
inconsciente que conduz o indivíduo e não apenas o seu centro da consciência denominado
ego. O mito ocupa assim um local de escuta, de fala, de polissemia e era o que Jung
justamente fez ao elaborar o sentido da existência: a busca de seu mito pessoal (JAFFÉ, O
mito do sentido na Obra de C.G. Jung, 1988).
Que fenômeno estranho será este que se apodera do mundo moderno e toma conta
principalmente da juventude? Será uma fuga ou uma busca? Proponho comentar que seja –
para além da fuga da realidade. Silveira, comenta que possivelmente seja um princípio
filosófico debatido por Jung inúmeras vezes em suas obras: fenômeno da enantiodromia. Cita
Jung “Denomino enantiodromia o aparecimento da contraposição inconsciente, especialmente
no desdobramento temporal.” Este fenômeno característico produz-se quase sempre quando
uma tendência extremamente unilateral domina a vida consciente de maneira que, pouco a
pouco, se forma no inconsciente uma atitude oposta igualmente forte.
“Neste sentido percebe-se que os deuses continuam por falar em nossa
realidade a partir dos cernes de nossos complexos, constituindo a
atividade psíquica eminente do ser humano. O êxtase, o transcendente
constitui uma transgressão aos parâmetros da cultura ocidental de
paradigma materialista. É uma maneira de desconstrução, rompimento
de paradigmas quanto às noções de consciência e psique a partir
destes estados não comuns, assim como também é uma tentativa de
diferenciação da massa, atentando-se aos conteúdos manifestos de
natureza psicodélica e portanto, de caráter individual. Um trabalho de
retirada de projeções. Uma via alternativa que se mostra à medicina e
a psicologia modernas no sentido de reavaliar suas posições
unilaterais formadas até a gora e proporcionar melhor qualidade de
vida aos seus pacientes. Os deuses continuam a nos fala” (JUNG, OC
13, 2013, § 54)
Como comenta Fierz (1991, p. 94):
38
“Para ser completo, quero acrescentar que quando a pessoa vivencia
uma imagem arquetípica, geralmente é possível enxergar algo a mais,
ou seja, o que a pessoa envolvida e a imagem representam em
conjunto; isso é percebido pelas outras pessoas, e, de vez em quando,
pela própria pessoa, se ela se reconhecer na situação. Trata-se da
situação arquetípica – uma terceira imagem, se for considerada como
um todo.”
E para compreender as experiências religiosas que são eminentemente terapêuticas e
intrínsecas à alma humana, Jung comenta:
“Se quisermos saber alguma coisa a respeito do significado da
experiência religiosa para aqueles que as têm, contamos atualmente
com todas as possibilidades de estuda-las sob todas as formas
imagináveis. E se ela significa alguma coisa para aqueles que a têm,
este algo é: “tudo”. Esta é, pelo menos, a conclusão inevitável a que
chegamos depois de um estudo minucioso das provas. Poderíamos até
mesmo defender a experiência religiosa como aquela que se
caracteriza por seu extremo valor, independentemente de seu conteúdo
(mesmo sob efeitos psicodélicos de administração) A atitude espiritual
do homem moderno será a de voltar-se para a alma como sua última
esperança”. (JUNG OC 11/2, 1979a
§106).
Portanto, vale ressaltar que se tratam da experiência em si e por si, e que para a
epistemologia junguiana é de fundamental importância: a subjetividade e o conteúdo
significativo na relação entre enteógenos em geral e sujeito. Jung comenta que muitas
experiências místicas têm um caráter semelhante: a pessoa se envolve, sem necessariamente
ser tocado por aquilo. Sendo, portanto, de grande valor recorrer às ocorrências como a
transformação subjetiva no sentido da ampliação, ou seja, novos conteúdos que fluem e que
são assimilados pela personalidade conscientizado-se de que a alma se expande por emanar de
fontes internas (OC9, p. 124) e observações nas mudanças de estrutura interior a partir do que
ocorre na dinâmica psíquica através de registro de sonhos, por exemplo.
“Num caso como este não se trata, absolutamente, de saber qual é a
nossa impressão ou o que nós pensamos a respeito. Interessa
unicamente saber o que o sujeito sente em tal situação. É sua
39
experiência, e se ela exerce influência essencial sobre seu estado,
qualquer argumentação ao contrário não tem sentido. Ao psicólogo
não resta senão tomar conhecimento do fato e, desde que se sinta à
altura da tarefa, poderá também tratar de compreender a razão pela
qual a visão agiu sobre essa pessoa e precisamente desse modo”.
(JUNG OC 11/2, 1979a
§110)
40
3 - Considerações Finais:
A religião é um dos temas centrais das inúmeras atividades científicas de Carl Gustav
Jung, que lança uma luz especial do fenômeno da experiência religiosa à luz da psicologia
analítica. Possivelmente isso se deve ao fato de sua vida e obra manterem em vínculo com
suas fontes e inspirações filosóficas. Em sua biografia vemos inúmeros relatos de experiências
religiosas e determinados problemas decorrentes bastante delineados na infância.
Em seu estudo da medicina e em seu trabalho como psiquiatra evidencia-se certa
continuidade em seu interesse pela alma misteriosa, doente, que sofre, que deseja a cura e que
fascinava Jung com seus conteúdos, paixões e curiosidades. Sua própria doença foi
certamente uma das experiências mais importantes que o levou a estudar o sofrimento, o mal
e a questão da integração e da individuação sob uma perspectiva incomum. Todas as
afirmações encontradas em relatos individuais referentes às experiências diversas, mas de
caráter místico-religioso, Jung afirma que são determinadas por arquétipos, sendo encontradas
de forma mais abrangente em povos mais diversos.
As modernas frentes de pesquisa nos têm mostrado, com dados promissores, que os
psicodélicos possuem uma potencialidade ainda pouco conhecida pelos cientistas e que jamais
deveriam ter sido condenados a uma moratória durante longas décadas. Os novos estudos têm
inspirado um honesto retorno de alcalóides como a psilocibina aos domínios da ciência e
desmentindo a demoníaca imagem pintada nos anos 60.
A pesquisa de Griffths ganhou notoriedade por sua expansão no círculo médico-
acadêmico, encontrando acolhimento por parte de médicos e outros que viram na terapia com
psilocibina uma alternativa para a resolução de problemas. Lógico que como toda pesquisa
qualitativa, mesmo munido de uma amostra significativa de resultados, a pesquisa constou
resultados outros que foram insatisfatórios. É importante que mais pesquisas sejam feitas na
área aliando a psicoterapia com a possível administração de substâncias psicoativas,
complementando e refinando no futuro os procedimentos.
Como percebe são típicos os motivos indicadores de uma viagem, de uma passagem
sinistra, ou também da conclusão da vida e do renascer do homem, já que a morte e as
experiências psicodélicas são situações arquetípicas por excelência. Desde os tempos
primitivos até o presente, o homem vem construindo o ritual e o tabu para protegê-lo das
vozes de seus sonhos e do conteúdo de seu inconsciente. Observamos também que, quando
tratadas com respeito e recebem apoio apropriado, as condições alucinógenas podem resultar
em profundas transformações positivas e um nível mais alto de funcionamento da vida diária.
41
Para que a terapia de alucinógenos clássicos ganhe aceitação, terão de superar
preocupações que emergiram com os excessos dos “psicodélicos anos 60”. Os alucinógenos
podem, às vezes, induzir à ansiedade, paranoia ou ansiedade temporária, ânsia de vômito, que,
em ambientes sem supervisão, podem produzir ferimentos acidentais e em casos extremos, o
suicídio. No estudo feito na Universidade John Hopkins, mesmo após cuidadosa seleção e ao
menos oito horas de preparação com um psicólogo clínico, cerca de um terço dos
participantes experimentaram algum período de medo significativo e cerca de um quinto
sentiram paranoia em algum momento durante a sessão. Mas em ambiente acolhedor
oferecido pelo centro de pesquisas e com a constante presença de guias treinados, os
participantes não demonstraram persistentes efeitos negativos. Se os novos achados forem
confirmados por estudos futuros com mais pessoas, a terapia com psilocibina pode se tornar
uma nova opção para o tratamento de pacientes com câncer com depressão e ansiedade,
disseram os pesquisadores. Estas condições psiquiátricas afetam até 40% dos doentes com
câncer, o que denota um valor terapêutico importante para determinadas pessoas que sofrem
psiquicamente devido à doença, que em outros meios de tratamento já não se mostraram mais
eficientes.
A realidade da psique propõe o desenvolvimento das possibilidades existenciais que se
encontram em germe em todos os seres, crescendo no rumo da realidade e do saudável
comportamento, para alcançar o patamar de um ser integral, em conformidade com a sintonia
ego-self. A conquista da consciência humana, conforme propunha Jung, rompe a cadeia do
sofrimento, adquirindo assim significado metafísico e cósmico. Cabe ressaltar o aspecto
humanista a partir do contato pessoal entre a equipe de médicos, terapeutas e acompanhantes
do procedimento com a amostra. Isso significa um bom rapport oferecido para assim concluir
que nem as melhores substâncias psicoativas não substituem o contato pessoal com o
paciente.
A legítima psicoterapia objetiva conduzir o indivíduo ao redescobrimento da sua
realidade, da finalidade existencial, que se lhe transformam em alicerces de segurança para as
lutas contínuas e para o provável fim, evitando a projeção de seus conflitos nos outros e
liberando a culpa do inconsciente em que jaz produzindo sombra e pesar. Em relação ao caso
abordado pelos pesquisadores, a SPA conseguiu atingir este objetivo uma vez que a
reconsideração por valores de outrora despertaram a consciência e um novo juízo se fez
presente à vida dos pacientes. Assim, considero justa e emergencial a nova abordagem perante
o dinamismo do inconsciente em seus processos como diferenciação, compensação e
42
integração, considerando a importância da dimensão transpessoal para a vida do paciente, ao
que segundo Huxley comenta:
“Parece muito improvável que a humanidade em geral seja capaz de
dispensar um dia os Paraísos Artificiais. A vida da maioria dos
homens e mulheres é na pior das hipóteses tão dolorosa, e na melhor,
tão monótona, pobre e limitada, que a vontade de escapar, o anseio de
transcender a si mesmo, por poucos momentos que seja, é sempre e
sempre foi um dos principais apetites da alma”. (HUXLEY, p. 51)
E que por um lado positivo “as mudanças de consciência por ela induzidas devem ser
mais interessantes, mais intrinsecamente significativas que a mera sensação de devaneio, que
os delírios de onipotência ou a perda da inibição” (HUXLEY, p. 51)
Portanto, Jung traz em seus estudos em psicologia analíticas reflexões que vão na
contramão do paradigma materialista ocidental, que muito ignora a realidade anímica e as
vivências religiosas. Mas, este estudo nos chama a atenção onde essas expressões da
religiosidade dos pacientes foram frutíferas no ponto de prosseguir a alma em seu
desenvolvimento não sendo exclusivamente religiosas. Sendo assim, as projeções
exclusivamente religiosas privam a alma humana de seus valores e incapacitada para evoluir.
A religião se torna muito importante para o ser humano em virtude de sua função religiosa,
que a transforma em um potencial inato, que precisa ser desenvolvido. Jung fala assim da
imagem de Deus como arquétipo vivencial, por reconhecer que os fenômenos religiosos são
concretizações arquetípicas e acessos ao seu efeito.
As experiências espirituais podem ser sujeitadas a uma cuidadosa pesquisa feita com
mente aberta e estudadas cientificamente com todo vigor. Não há nada de anticientífico no
estudo rigoroso e não tendencioso destes fenômenos e dos desafios que estes representam para
a compreensão materialista do mundo. Esta abordagem pode responder à pergunta crítica
sobre a natureza ontológica das experiências místicas: elas revelam verdades profundas sobre
qualquer aspecto básico da existência, conforme é sustentado pela filosofia materialista, ou
são produtos de superstição, fantasia ou doença mental, como a ciência materialista as vê? A
ciência e a espiritualidade são espectros importantes da vida humana, cada qual em sua
essência. A ciência é uma ferramenta poderosa para apreensão dos fenômenos obtendo
informações sobre o mundo que vivemos e a espiritualidade é indispensável como fonte de
significado para as nossas vidas
43
4 - Referências bibliográficas das Obras Completas de C.G Jung.
JUNG, C.G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Nova Fronteira, São Paulo.
__________. (2013). Ao encontro da sombra. Editora Vozes, Petrópolis.
__________. (2013). A natureza da psique. Editora Vozes, Petrópolis, 10a edição.
__________. (2013). Tipos psicológicos. Editora Vozes, Petrópolis, 7a edição.
__________. (2011). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Editora Vozes,
Petrópolis, 7a edição.
__________. (2011). Civilização em Transição. Editora Vozes, Petrópolis, 4a edição.
__________. (2011). Escritos Diversos. Editora Vozes, Petrópolis.
__________. (2011). Símbolos da transformação. Editora Vozes, Petrópolis, 7a
edição.
__________. (2011). A vida simbólica I. Editora Vozes, Petrópolis, 5a edição.
__________. (2003). Cartas volume III. 1956 – 1961. Editora Vozes. Petrópolis.
__________. (1987). Psicologia e religião. Editora Vozes, Petrópolis, 7a edição.
__________. (1958). Religião Oriental. Comentário psicológico do livro tibetano da
grande libertação. Editora Vozes, Petrópolis.
__________. (1979a). Tentativa de uma interpretação psicológica do dogma da
Trindade. Editora Vozes, Petrópolis.
__________ et WILSON, Bill. Spiritum contra spiritum: a correspondência entre Bill Wilson e C.G. Jung in Junguiana: revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), V.12, Dependências. s/d. pp. 10-13.
44
5 - Referências bibliográficas secundárias:
BESERRA, Rocha Fernando (2011). “Uso Contemporâneo de Badoh Negro: Uma
Visão Junguiana”, monografia apresentada para a conclusão da especialização em psicologia
analítica. Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro.
BRUNO, Giordano (1978). “Sobre o infinito, o universo e os mundos”. Abril Cultural,
São Paulo
FIERZ, Karl Heinrich (1997). “Psiquiatria Junguiana”. Paulus.
FRANZ von, Louise-Marie (2011, terceira edição). “Psicoterapia”. Paulus.
GAMBINI, Roberto (2008) “A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas”,
Cotia/SP, Ateliê Editorial.
GRIFFTHS e outros (2011). “Psilocybin occasioned mystical-type experiences:
Immediate and persisting dose-related effect”. NIH Public Access. Published in final edited
form as: Psychopharmacology (Berl) . 2011 December.
GROB, Charles (2007). “The use of psylocibin in patients with advanced cancer and
existential anxiety”. Medical Apllications.
GROFF, Stanislav (2000). “Psicologia do futuro: lições das pesquisas modernas de
consciência”. Heresis Transpessoal.
HILLMAN, James (2009). “Suicídio e Alma”. Editora Vozes.
HOLLIS, James (1995). “Rastreando os deuses: o lugar do mito na vida moderna”.
Paulus.
HUMBERT, G. Elie (1985). “Jung”. Summus Editorial.
HUXLEY, Aldous (2015). “As portas da percepção e Céu e inferno”. Biblioteca
Azul, São Paulo/SP.
JACOBI, Jolande (2016). “Complexo, arquétipo e símbolo na psicologia de
C.G.Jung” Editora Vozes, Petrópolis/RJ
JAFFÉ, Aniela (1988). “O mito do sentido na Obra de C.G. Jung”. Cultrix Editorial.
45
JOURNAL of Psychopharmacology (2016). Disponível em:
http://www.livescience.com/57049-magic-mushrooms-psilocybin-depression-cancer.html
STEVENS, Anthony (2012). “JUNG”. L&PM Pocket, São Paulo/SP.
ZOJA, Luigi (1992). “Nascer não basta: iniciação e toxicodependência”. AXIS
MUNNDI