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Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, SP - CEP 13278-181 [email protected] [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Publicação: 30 de junho de 2011
Trabalho realizado com o incentivo e fomento da Anhanguera Educacional
Sílvia C. M. Trevisani Maria José de Castro Silva
Curso: Letras
FACULDADE ANHANGUERA DE CAMPINAS - UNIDADE 4
Trabalho apresentado no 10º Congresso Nacional de Iniciação Científica – CONIC. Trabalho apresentado no evento Interno de Iniciação Científica em 2010.
RESUMO
A presente pesquisa teve por objetivo, acompanhar, analisar e identificar qual a contribuição que o Projeto Biblioteca Aberta pode trazer para o letramento dos participantes, no sentido de conduzi-los, a aprender a ler o mundo e compreender seu contexto, a partir da diversidade de gêneros literários, incentivando-os ao hábito da leitura e da escrita, desenvolvendo as habilidades e comportamentos que se estendem desde o simples decodificar de sílabas ou palavras até ler um grande clássico da literatura. Os diversos textos e os livros do acervo serviram como instrumento de trabalho, ampliando dessa forma as oportunidades de conhecimentos literários. Nos encontros realizados durante o projeto Biblioteca Aberta “Zilda Arns” que ocorreram no primeiro semestre do corrente ano, os participantes foram introduzidos no mundo da literatura tendo sua atenção voltada para leitura e produção de textos. O desempenho dos participantes, considerado satisfatório, foi avaliado por meio de sua participação e produção literária, tendo como auxílio os protocolos respondidos pelos alunos a cada encontro.
Palavras-Chave: leitura; escrita; contextualização; mediação; compreensão.
ANUÁRIO DA PRODUÇÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DISCENTE
Vol. 13, N. 17, Ano 2010
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: UM ESTUDO DE CASO DO PROJETO BIBLIOTECA ABERTA
190 Alfabetização e letramento: um estudo de caso do Projeto Biblioteca Aberta
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1. INTRODUÇÃO
Letramento é muito mais que alfabetização, pois expressa o estado, ou uma condição de
quem interage com diferentes gêneros e tipos de leitura e com as diferentes funções que a
leitura desempenha na própria vida e nas mais variadas práticas sociais. Dessa forma,
para Freire (1994, p.8) “Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é antes de mais nada,
aprender a ler o mundo, compreender seu contexto, não numa manipulação mecânica de
palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade”.
Assumindo-se que o letramento se dá pela leitura em sua dimensão simbólica e
destacando-se sua utilização em seus aspectos sociais, entende-se que o processo de
alfabetização inicia-se muito antes do período de escolarização e por meio,
principalmente, da mediação do adulto. Nesse sentido, a criança vai gradativamente
identificando a natureza e as funções da escrita, e o resultado se dá pela qualidade das
interações do sujeito com a leitura e com a escrita, como ainda salienta Tfouni, (1995, p.
20): “Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou
grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de
uma sociedade”.
Ferreiro (2003) ao fazer uma oposição ao termo letramento salienta:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica. (FERREIRO, 2003, p. 30)
Note-se, no entanto, que a oposição da autora refere-se somente ao risco da
dissociação entre o aprender a escrever e o usar a escrita. Como defensora de práticas
pedagógicas contextualizadas e significativas para o sujeito, o trabalho de Ferreiro, assim
como o dos estudiosos do letramento, lutam para o resgate das efetivas práticas sociais de
língua escrita o que faz da oposição entre eles, apenas uma questão de conceito.
Salienta Leite (2001), que:
Em função disso, quem sabe a diretriz pedagógica mais importante no trabalho (... dos professores), tanto na pré-escola quanto no ensino médio, seja a utilização da escrita verdadeira nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a utilização da escrita, em sala, correspondendo às formas pelas quais ela é utilizada verdadeiramente nas práticas sociais. Nesta perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece numa determinada situação discursiva (LEITE, 2001, p. 25).
Caso a prática da leitura e da escrita não estejam acompanhadas de sua devida
compreensão, o seu uso torna-se repetitivo e não permite ao seu usuário a competência
para envolver-se nas práticas sociais inerentes à escrita, ou seja, fica à margem da
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sociedade por não conseguir ler livros, jornais, revistas, redigir um ofício, um
requerimento, uma declaração, ainda, sente dificuldade para preencher um formulário ou
escrever uma simples carta, também não consegue encontrar informações num catálogo
telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, ou até compreender uma bula de
remédio.
A dificuldade dos alunos em relação à leitura, interpretação de textos e imagens
ocasiona apreensão e dificuldade de assimilação. O estímulo à leitura tem como objetivo a
formação de leitores competentes, capazes de ler e compreender qualquer tipo de texto
com propriedade e só assim exercer a plena cidadania.
Muitos leem, mas não conseguem compreender o que leram, apenas decodificam
os signos da língua, ou seja, são alfabetizados funcionais. Conseguem ler pequenos textos,
mas à medida que se deparam com textos que apresentam maior complexidade, as
dificuldades de interpretação e compreensão aparecem. Portanto, se as crianças forem
estimuladas a ler, o hábito e o gosto pela leitura podem ser desenvolvidos, auxiliando-as
na apropriação do texto e na compreensão em todas as disciplinas.
O aluno precisa entender que um texto deve ser produzido por alguém e para
alguém, não só para se falar sobre alguma coisa ou assunto. Portanto, “a leitura de um
texto não é mera decodificação de sinais gráficos, mas a busca de significações, marcadas
pelo processo de produção de texto e também marcadas pelo processo de produção de
sua leitura” (ORLANDI, 1983, p.20).
Nesse contexto, a necessidade de se formar leitores críticos e bons produtores de
textos, vai ao encontro do objetivo central do Projeto Biblioteca Aberta “Zilda Arns” pelas
análises detalhadas dos estudos direcionados à arte de ler e escrever que fizeram parte
desta pesquisa na qual se observou a oralidade e a escrita da comunidade envolvida.
Dessa forma, os trabalhos relacionados aos gêneros literários tiveram por
objetivo além de sugerir ou relembrar vivências que possam servir como contexto para a
compreensão de contos, poesias, crônicas e romances e ainda, para que desse
entendimento, pudessem surgir novos modelos de expressão, numa integração entre
atuar e narrar, estimulando a geração de novas produções. Nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (1998) está salientada a importância da leitura em diversas situações para que
sejam desenvolvidas capacidades de comunicação e expressão, além de valores de outras
culturas, que estimulem comportamentos éticos e responsáveis.
A criança tem que ler para criar-se, informar-se e para aprender a aprender, pois,
infere Silva (2009):
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Quanto à promoção da leitura nas escolas, creio que o maior desafio dos professores resida na reaproximação do cognitivo com o afetivo. Quero dizer: ensinar a ler e, ao mesmo tempo, ensinar a gostar de ler. Amarrar a amalgamar as dimensões afetivas e cognitivas da leitura a partir de uma didática rigorosa e prazerosa, de sedução e encantamento. Promover processos de “interfacilitação”, fazendo que o gosto da leitura, o amor pela escrita resulta da combinação dinâmica, recíproca e equilibrada dessas dimensões. Fazer que a passagem da “desconhecença” para a “sabença” seja gostosa, envolvente e impactante. (SILVA, 2009, p.102)
Há evidências de que a exposição de crianças e jovens à multidisciplinaridade de
textos cria um ambiente de leiturização, permitindo a prática de diferentes leituras, desde
a argumentativa até o quadrinho narrativo. Assim, entende-se que para o aprimoramento
da leitura, o Projeto Biblioteca Aberta “Zilda Arns” em seus encontros, além de incentivar
os hábitos da leitura e da escrita, desenvolve as habilidades e comportamentos que se
estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler um grande clássico
da literatura.
Nesta linha, de acordo com Geraldi, (2008, p.107-108)
[...] é possível que esta prática de leitura se faça pelo processo de interlocução com textos/autores, desenvolvendo atividades de leitura de quatro tipos: Leitura – busca de informações; Leitura – estudo de textos; Leitura do texto – pretexto; Leitura – fruição do texto.
2. OBJETIVO
2.1. Objetivo Geral
Analisar por meio dos trabalhos realizados com os participantes do Projeto Biblioteca
Aberta “Zilda Arns”, qual a contribuição efetiva para a formação de indivíduos letrados e
capacitados para o domínio da leitura e da escrita.
2.2. Objetivos Específicos
• Por meio de acompanhamento e protocolos específicos avaliar qual o teor crítico exibido pelo aluno a partir de textos especialmente selecionados para essa finalidade.
• Observar quais os gêneros literários mais agradáveis às crianças e adolescentes participantes do projeto.
3. METODOLOGIA
O Projeto Biblioteca Aberta acontece em oito encontros realizados aos sábados e, neste
semestre, foi desenvolvido na unidade com a participação de mais de cem alunos com
idades entre oito e treze anos, oriundos de escolas estaduais e municipais. Para este
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estudo foram observadas as atividades de trinta alunos durante os referidos encontros
semanais. O material necessário ao desenvolvimento da pesquisa foi o acervo
especialmente adquirido para o Projeto e também textos que tratam dos diversos gêneros
literários, que foram apresentados de forma contextualizada, aguçando o raciocínio e
habilidade dos participantes na elaboração de suas argumentações e reflexões.
Além disso, foram utilizados protocolos em formas de fichas de leitura e
avaliação geral, em que foram registradas as observações das atitudes, desempenho e as
ações realizadas no encontro e seus respectivos resultados.
4. DESENVOLVIMENTO
Os dados foram coletados por meio da proposta de textos que sugeriam um desafio ao
imaginário dos participantes, privilegiando a cada encontro, um gênero literário, dentre
os quais se destacaram: poesia, conto, crônica, teatro, música, artigos jornalísticos,
histórias em quadrinhos e fábulas. Após a leitura e a explicação do tema sugerido, foram
adotadas dinâmicas de leituras e produções de textos para compreensão do conteúdo, de
forma individual, conforme mostram as figuras 1 e 2, ou em grupo, como é apresentada
na Figura3.
Figuras 1 e 2. Atividades Individuais – Leitura de livros e produção de texto a partir de tirinhas do jornal.
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Figura 3. Atividades em grupo – Exposição de trabalhos no Jornal Correio Popular.
Infere Chalita, (2005, p. 14) “[...] que o encanto dessas narrativas possa tocar a
criança mais pura e ancestral de todos os leitores, despertando-a e fazendo com que
permaneça acordada para sempre”. Assim, a prática da leitura no Projeto Biblioteca
Aberta vinculou-se aos livros disponíveis em acervo próprio, visto que estes fizeram parte
dos procedimentos para a realização de todas as atividades.
Os protocolos de observação solicitavam que fossem respondidos, a cada
encontro, questões sobre o título e autor do livro lido e o quanto a obra foi apreciada pelo
leitor e, ainda, o que mais gostou do livro lido. Pediam, ainda, informações sobre as
atividades desenvolvidas no encontro e se tais atividades foram do agrado do
participante. Em outro protocolo, disponibilizado ao final dos oito encontros, questionava
o aluno sobre seus hábitos de leitura anteriores à participação no projeto. Também
requeria informações sobre qual o gênero literário mais apreciado pelo participante.
Dessa forma, o organograma a seguir procurou retratar o mais proximamente
possível o caminho percorrido pelo participante para que o objetivo de contribuir
efetivamente para a sua formação como sujeitos letrados e capacitados para o domínio da
leitura e da escrita fosse atingido.
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PARTICIPANTE / ALUNO
LEITURA
LETRAMENTOALFABETIZAÇÃO
LIVROS JORNAISPROFESSOR MEDIADOR
anotação anotação anotação
TEXTOS DIVERSOS
PRODUÇÃO DE TEXTOS
anotação
Alfabetização e Letramento: Um estudo de caso do Projeto Biblioteca Aberta
Figura 4. Organograma com as etapas para atingir ao objetivo da pesquisa.
Para a compreensão de como os encontros do projeto Biblioteca Aberta “Zilda
Arns” contribuíram para a formação do letramento e da capacidade para o domínio da
leitura e da escrita, apresenta-se a seguir os gêneros literários que foram tratados nos
encontros.
Para se trabalhar com poesias, apresentou-se a sua história, forma e gêneros, bem
como, a importância deste tema para a formação do leitor. A poesia utilizada para o
trabalho foi a de autoria desta pesquisadora que vai transcrita na íntegra. A escolha da
referida poesia apontou que um texto pode ser muito mais do que uma simples
representação poética, que além de ser uma atividade lúdica, pode ensinar e letrar.
Nuvenzinha e Temporal (versos livres)
Nuvenzinha era boazinha e estudiosa.
Temporal era maldoso e preguiçoso.
Nuvenzinha era pequenina e animada.
Temporal era grande e mal-humorado.
Nuvenzinha era doce como o mel.
Temporal irritado e amargo como fel.
A Nuvenzinha mandava chuva de mansinho,
e o Temporal mandava chuva com trovões.
Ela era benção para a lavoura.
Ele varria tudo como a vassoura.
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Nuvenzinha tinha muitos amigos,
e Temporal tinha muitos inimigos.
Nuvenzinha perguntou para Temporal:
- Por que você não muda, fica legal e ganha moral?
E ele respondeu:
- Quem então fará o mal?
Ela logo entendeu e nada respondeu.
Temporal até queria ser legal,
porém, enganava-se que era mais legal ser mau.
E assim, Nuvenzinha ficou velhinha sendo boazinha,
e Temporal continuou velhaco fazendo o mal.
As músicas foram apresentadas por suas letras em diversas canções. Viajou-se no
tempo para descobrir a música através da poesia, voltou-se ao passado, na Idade Média,
em que as histórias eram cantadas e não contadas.
Para o trabalho com esse gênero literário foi utilizada a música “Do seu lado” do
compositor Nando Reis, cujo trecho segue:
“O amor é o calor Que aquece a alma O amor tem sabor Prá quem bebe a sua água...”
A canção e sua letra foram analisadas em seus versos de amor comparando-a aos
versos de Luiz Vaz de Camões:
“Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer”.
O estudo sobre os contos foram realizados utilizando-se o Conto: “Sonho” de
autoria de Santos (2009, p.19), além da proposta de leitura e interpretação, aproveitou-se
para tratar das variedades linguísticas.
Para apresentar o tema Fábulas, foi apresentada a orientação teórica e as
características predominantes das narrativas curtas, nas quais as personagens são
animadas e inanimadas, na maioria, animais e, sempre ao final, são mostrados uma lição
de moral. Trabalhou-se o texto: “Lição do Ratinho” de autor desconhecido.
Para complementar e enriquecer o conhecimento dos participantes apresentou-se
o jornal como fonte de informações, enfatizou a importância de se fazer a hemeroteca da
notícia e de estar sempre atualizados no dia a dia e na escola, orientando-os em pesquisas
e trabalhos.
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As Crônicas foram apresentadas, por meio de uma orientação teórica, suas
origens e características. Selecionou-se a biografia do escritor Fernando Sabino e um de
seus textos “A última Crônica”.
Para se falar de História em Quadrinhos, utilizou-se um trabalho diferenciado,
ou seja, apresentou-se o tema por indução. Aproveitou-se duas tirinhas, uma do Recruta
Zero, que tratava de problemas ambientais, especificamente a poluição da água e a outra
do Hagar, que se tratava de um texto com frases ambíguas.
5. RESULTADOS
Os temas tratados proporcionaram para os participantes, além da leitura prazerosa, a
reflexão e a compreensão dos textos através de atividades de interpretação e produção,
levando-os a conhecer a grande variedade de gêneros textuais disponíveis, a prática e o
uso destes no dia a dia As atividades dirigidas às crianças passaram por um processo
natural de leitura em grupo ou individual, um momento de reflexão e questionamento, no
qual cada participante interagia e solicitava ajuda, caso a atividade proposta fosse de
difícil compreensão, levando em conta as diferentes faixas etárias dos participantes, ou até
mesmo nível de alfabetização, pois nem todos tinham um bom domínio da leitura.
O tema poesias foi trabalhado por meio do poema de versos livres “Nuvenzinha
e Temporal”, conforme já mencionado, para a qual foram propostas atividades,
sugerindo-se que fossem grifadas todas as palavras desconhecidas pelas crianças, após a
leitura, as mesmas foram pesquisadas no dicionário e discutidas. Investigou-se também a
interpretação e a exploração do texto, quanto aos elementos de gênero, número e grau.
No contexto da poesia, foi possível, por meio do questionamento de um participante por
meio da seguinte pergunta: “Professora, um homem que faz mal para alguém é mau?”,
abordar a interpretação de palavras como “mal” e “mau”.
Dessa forma, reforçam-se as ideias de Leite (1988) nas quais a utilização da
escrita, deve corresponder às formas pelas quais ela é utilizada nas práticas sociais.
As músicas foram apresentadas por suas letras em diversas canções. A
comparação dos dois autores, Nando Reis e Luiz Vaz de Camões foi realizada
observando-se épocas, escolas literárias e o destaque do sentimento de amor, tanto na
letra da canção “Do seu lado” como nos versos de Camões “O amor é fogo que arde sem
se ver”. Em outro exemplo, a letra da música Monte Castelo, de Renato Russo foi
mostrada em seu diálogo com Camões e o trecho bíblico do Novo Testamento (I Aos
Coríntios – cap.13).
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Portanto, ao comparar épocas diferentes mostrando o mesmo sentimento, evoca-
se Tfouni, (1995) quando mostra que o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição de uma sociedade.
O estudo sobre os contos foram realizados utilizando-se o Conto: “Sonho” de
autoria de Santos (2009, p.19), além da proposta de leitura e interpretação, aproveitou-se
para tratar das variedades linguísticas. Interessante relatar que na data do encontro em
que se tratou deste gênero, o autor, conhecido por “Bié o prosador”, esteve presente,
comentando um pouco de sua vida, mostrando que as expressões em estudo faziam parte
do vocabulário que carrega por ser “mineiro” e carrega o sotaque dos “Grotões das
Gerais”, conforme se verifica na Figura5.
Na oportunidade, houve a interação com os participantes, que ficaram fascinados
com a presença do autor, fazendo-lhe muitas perguntas, que excediam o simples trabalho
inicialmente proposto:
P: - Com quantos anos o senhor começou a escrever?
P: - O que o senhor mais gosta de escrever? Contos ou poesias?
P: - O senhor faz contos da sua vida ou inventa?
O autor emocionou-se com as crianças e foi muito gentil, oferecendo livros e
autógrafos para os participantes. Concluiu-se que o contato com o autor despertou ainda
mais o gosto pela leitura, ratificando que se as crianças forem estimuladas a ler, o hábito e
o gosto pela leitura podem ser desenvolvidos, auxiliando-as na assimilação e
compreensão dos sentidos do texto.
Geraldi infere que a reflexão da linguística se dá junto com a leitura,
compreendida como não mecânica, para se tornar
[...] construção de uma compreensão de sentidos veiculados pelo texto, e à produção de textos, quando esta perde seu caráter artificial de mera tarefa escolar para se tornar momento de expressão da subjetividade de seu autor, satisfazendo necessidades de comunicação à distância ou registrando para outrem e para si próprio suas vivências e compreensões do mundo de que participa. (GERALDI,1996, p. 66)
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Figura 5. Bate-papo e interação com o escritor Gabriel Araújo dos Santos – Bié o prosador.
As crianças reconheceram nos textos, um estilo próprio do autor e os recursos
que ele utilizou para envolver o leitor. Ou seja, as crianças, por intermédio dos textos
selecionados vão
[...] internalizando os usos e funções da escrita e promovendo o desenvolvimento de funções psicológicas que permitirão o domínio da escrita. É nesse sentido que Vygotsky afirma que a imitação é uma das formas das crianças internalizarem o conhecimento externo. (REGO, 1995, p. 111)
As propostas para apresentar o tema Fábulas foram: a leitura em voz alta do
texto “Lição do Ratinho” de autor desconhecido, o debate sobre o tema induzindo o
raciocínio das crianças sobre o tema e a produção de uma fábula, a partir de uma notícia
de jornal.
A atividade que solicitava a produção de uma fábula a partir de uma notícia do
jornal foi muito rica, pois, trabalharam-se várias habilidades, como a leitura, os gêneros, e
a hierarquia. Os participantes se preocuparam com que animal poderia, por exemplo, usar
numa notícia que envolvesse o presidente do Brasil, surgindo colocações bem pertinentes,
do tipo:
P: - Professora, o Presidente tem que ser o leão que é o Rei da Floresta.
P: - Professora, fulano colocou um elefante como motorista num acidente de
carro, ele tem que colocar um cachorro, porque o elefante só caberia se fosse numa carreta.
Foi uma atividade muito interessante e apresentou resultados surpreendentes,
mostrando as possibilidades de a atividade ter colaborado com o letramento dos
participantes, pois tais pressupostos vão ao encontro das ideias de Leite (2001) na qual se
assume que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização escolar é o
texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece
numa determinada situação discursiva.
Para complementar o trabalho com o jornal, salientando-se a sua importância no
dia a dia e na escola, os participantes foram orientados para o seu manuseio em pesquisas
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e trabalhos. A partir dessas informações, sugeriu-se que reconhecessem os diferentes
temas abordados em matéria jornalística; organizassem o material de pesquisa por temas
e por textos jornalísticos relevantes para cada um.
A atividade foi realizada, com exemplares de um jornal da cidade. Os alunos
foram questionados sobre o significado de uma hemeroteca, o que ela contém, como
organizá-la, então, novamente discutiu-se sobre a organização do jornal (manchetes,
páginas principais, chamadas...)
As sugestões para esta atividade foram os temas: Esportes, Saúde, Meio
Ambiente, crônicas, artigos, textos opinativos. Os alunos iniciaram o trabalho conforme o
tema escolhido, recortando e organizando com a orientação da pesquisadora. Foram
também orientados sobre as informações que a citada hemeroteca deve conter: a matéria,
a fonte, o jornal, a data, a editoria e a página. Foi uma atividade satisfatória, pois foi
possível visualizar os objetivos sendo alcançados. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998) está salientada a importância da leitura em diversas situações para que sejam
desenvolvidas capacidades de comunicação e expressão, além de valores de outras
culturas, que estimulem comportamentos éticos e responsáveis.
As atividades propostas com o tema Crônicas, primeiramente, por meio de uma
orientação teórica, suas origens e características, utilizando-se como já mencionado
anteriormente a biografia do escritor Fernando Sabino e um de seus textos “A última
Crônica”.
Após a leitura, permearam as questões relativas aos seus pontos determinantes,
identificando valores morais e sociais. A seguir, sugeriu-se que os participantes criassem a
crônica deles a partir de uma cena ou de uma notícia jornalística. Houve muita interação
para a realização desta atividade, tendo em vista que os participantes conseguiram
associar o aprendizado com os diversos cronistas destacados no jornal. Esta atividade
despertou o interesse das crianças também para outros tipos de leitura e logo para
produção de textos, conforme demonstrado na Figura6.
Para complementar a atividade, sugeriu-se que os participantes escolhessem
dentre os livros pertencentes ao acervo do projeto, algum livro que permitisse o
entendimento e a importância do contato com distintos tipos de textos, e o compreender o
que se lê.
No contexto em questão, o objetivo de analisar qual a contribuição do projeto
Biblioteca Aberta “Zilda Arns” para a formação do letramento e da capacidade para o
domínio da leitura e da escrita, puderam ser claramente observados visto que a atividade
foi realizada de forma adequada.
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Figura 6. Produção de texto a partir da leitura de jornais.
As Histórias em Quadrinhos, tão apreciadas pelos participantes, foram
ressaltadas pelas questões morais e ambientais que nelas podem estar inseridas,
induzindo-os a reflexão. A partir dos questionamentos, interações e criação de suas
próprias tirinhas, as crianças chegaram ao objetivo da atividade, que era identificar o tema
proposto. Oportunamente, apresentou-se aos participantes a biografia de Ângelo
Agustini, o pioneiro dos quadrinhos brasileiros, além disso, um breve relato da evolução
desse gênero até os dias de hoje.
Como leitura individual, as crianças puderam escolher uma das muitas revistas
pertencentes ao acervo e concluída a atividade, sugeriu-se uma visita à Biblioteca da
unidade. As crianças mostraram-se eufóricas e aproveitaram a atividade. Organizadas
em fila, puderam andar entre os corredores da biblioteca, e conhecer a organização da
mesma. No término da visita, possibilitou-se um bate-papo com a bibliotecária que
respondeu as diversas dúvidas e curiosidades dos pequenos leitores, conforme é
apresentada na Figura 7.
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Figura 7. Conhecendo a Biblioteca.
Dessa forma o trabalho realizado no decorrer do Projeto Biblioteca Aberta “Zilda
Arns” mostrou a possibilidade de a criança descobrir a escrita como momento natural de
seu desenvolvimento, levando-a a compreensão interior dessa atividade culturalmente
partilhada. Nas palavras de Vygotsky (1989, p. 133, 134), “que mais importante que o
hábito de “mãos e dedos”, é o significado da escrita para criança como uma nova e
complexa forma de atividade cultural”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o desenvolvimento do Projeto Biblioteca Aberta “Zilda Arns”, pôde-se
compreender a importância de um mediador, que domine a ortografia, o conceito ou a
instrução na qual o aprendiz ainda encontra dificuldades possibilitou-se, assim, aos
participantes a apropriação de atitudes fundamentais na construção de leitores e
escritores. Proporcionou, também, o desenvolvimento do gosto pela leitura, utilizando-se
diversos gêneros textuais e livros de literatura geral, possibilitando o alcance do
imaginário da criança por meio da ficção e da metáfora.
Propiciou aos participantes escrever para muitos leitores, uma vez que todas as
atividades de produção eram socializadas em grupo, o que representou uma novidade à
criança habituada a escrever para um único leitor, o professor.
Ainda, as atividades desenvolvidas estimularam os participantes a perceberem
através de marcas textuais a tipologia textual, atividade essa que parte da observação de
diferentes textos para identificar a características que os distinguem e as que os
aproximam, e o uso de cada gênero no dia a dia e na sociedade. Permitiu-se que os
participantes elaborassem de forma escrita às percepções do que foi lido e manifestassem
suas opiniões e significados.
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Possibilitou-se, a partir da constatação da necessidade da troca de textos com os
colegas, a percepção do valor da releitura e da reescrita para transformar o texto em um
ser animado sempre disponível para ser relido e reinventado.
Concluiu-se que o referido projeto contribuiu para, além de despertar o gosto e
prazer pela leitura, ajudar a solucionar problemas relacionados ao insuficiente
aproveitamento escolar. Puderam-se perceber razões positivas para as crianças
participantes que se mostraram conscientes e participativos a cada encontro. Os textos
produzidos ou desenhados pelos participantes, depois de avaliados, foram devolvidos no
encerramento do projeto, expondo e apresentando os trabalhos elaborados pelas crianças.
O evento de encerramento foi elaborado pensando no aprendizado.
A festa de encerramento contou com a presença de pais e convidados dos
participantes e foi alegrada com as canções “Super fantástico” e “Meteoro”, apontadas
pelas crianças por votação, momento em aproveitou-se para ressaltar a importância da
troca de ideias e a liberdade de escolha.
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