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ALTERAÇÕES DOS CICLOS BIOGEOQuíMICOS EM FLORESTAS

RESUMO

Os ciclos biogeoquímicos em florestas integram amovimentação global dos elementos químicos que ocor-re na biosfera. Parte destes elementos químicos sãoreconhecidos como nutrientes e circulam na naturezaatravés dos ciclos gasoso e sedimentar. Em cadaecossistema os nutrientes têm suas formas caracterís-ticas de ciclagem. Em floresta podem ser reconhecidosos ciclos: geoquímico, biológico e bioquímico. As altera-ções da ciclagem dos nutrientes a nível geoquímicopodem ocorrer nas entradas e nas saídas do ecossistema.

Devido às mudanças climáticas vem sendo obser-vadas atualmente perturbações no ciclo do carbono comrepercussões no teor de CO2 da atmosfera, assim comoalterações que ocorrem no rnicroclirna das florestas, porocasião do desmatamento, podem interferir na fixação,lixiviaçâo e volatilização do nitrogênio. Os poluentestambém podem constituir-se em elementos que alteramo ciclo biogeoquímico incorporando-se ao ecossistemaflorestal através da cadeia alimentar como componen-tes tóxicos indesejáveis. As queimadas, especialmentenos trópicos, constituem sérias perturbações do equilí-brio dos nutrientes, visto que aceleram as suas transfe-rências da biomassa para o solo, para a atmosfera epara a água dos rios e lagos.

Efetivamente a biomassa vegetal é o maiorrepositório de vários nutrientes nas florestas tropicaisonde o solo fortemente intemperizado é geralmente debaixa fertilidade. Neste sentido, a dinâmica dos nutrien-tes na serapilheira e na matéria orgânica da camadasuperficial do solo merece cuidados especiais que serefletem na capacidade produtiva do sítio. Alterações anível de clima e microclima podem também afetar váriosprocessos do ciclo biológico dentre os quais destacam-se: a deposição da serapilheira, a decomposição e a

"teabsorção dos nutrientes pelo sistema radicular. Aescolha de essências florestais também pode se refletirna qualidade e quantidade da serapilheira produzida,alterando conseqüentemente a fertilidade além de cer-tas caraterísticas físicas do solo.

Cuidados especiais devem ser tomados nas flo-restas tropicais para que a intervenção humana atravésdo manejo inadequado não altere de forma irreversívelos ciclos biogeoquímicos e conseqüentemente o funci-onamento e própria estrutura dos ecossistemas.

Palavras-Chave: Ciclos biogeoquímicos, alterações,florestas, nutrientes.

(1) Professor Associado do Depto.de Ciências Florestais da ESALQ/USP

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Fábio POGGIAN(1

1 INTRODUÇÃO

Dos quase cem elementos conhecidos na nature-za, sabe-se que apenas trinta ou quarenta são necessá-rios aos seres vivos e reconhecidos como "nutrientes".

Estes elementos transferem-se na biosfera seguin-do rumos característicos, passando do ambiente para osorganismos e dos organismos para o ambiente.

O estoque de nutrientes em cada compartimentodo ecossistema (como por exemplo: solo, vegetação,serapilheira, etc.), bem como a transferência entre oscompartimentos, podem ser quantificadas. O estudo dadistribuição dos bio-elementos no ambiente e nos orga-nismos e também a análise dos seus ciclos, constituema biogeoquímica (DUVIGNEAUD, 1974).

Dezesseis elementos químicos são chamados es-senciais para o crescimento das plantas e são divididosem dois grupos principais: os não minerais (carbono,hidrogênio e oxigênio) que seguem o ciclo gasoso e osminerais fornecidos às plantas pelo solo (nitrogênio,fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre) que se-guem o ciclo sedimentar. Outros elementos são absorvi-dos pelas plantas em quantidades muito pequenas econstituem os micronutrientes (boro, cloro, cobre, ferro,manganês, molibdênio e zinco). O nitrogênio, apesar deter seu grande reservatório na atmosfera (80% do ar), éabsorvido pelas plantas através do solo onde é previa-mente fixado pelos microorganismos. .

Podemos dizer que o fluxo de nutrientes na florestanão segue caminhos rígidos, mas varia de acordo com aestrutura e o funcionamento dos ecossistemas caracte-rísticos das diferentes zonas de vida da terra.

Como exemplos, as florestas boreais apresentambaixa diversidade de espécies e baixa produtividadeprimária, se comparadas com as florestas pluviais tropi-cais que têm alta diversidade de espécies e alta produti-vidade primária.

Para estudar melhor o ciclo de nutrientes em flores-tas, PRITCHETT (1979) subdivide o ciclo biogeoquímicoem: ciclo geoquímico e ciclo biológico.

O ciclo geoquímico envolve a transferência deelementos químicos para dentro e para fora doecossistema. As entradas de elementos nos ecossiste-mas podem ser constituídas pela própria fixação do CO2

através da atividade fotossintética, fixação do nitrogêniopelos microorganismos, arraste de elementos através daprecipitação, deposição de poeiras, intemperismo dosolo, adubação, etc.

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As saídas de elementos do ecossistema podemser constituídas pelos processos de lixiviação e erosão,denitriaficação, decomposição, queimada, remoção dabiomassa florestal, etc.

O ciclo biológico envolve a transferência de nutri-entes entre o solo e as plantas e os animais associadosao ecossistema florestal. Este ciclo é basicamente cons-tituído pela deposição da serapilheira sobre o solo,decomposição da mesma e retorno dos nutrientes paraa biomassa através da absorção do sistema radicular.Alguns autores, dentre os quais SWITZER & NELSON(1972) reconhecem a existência de um ciclo de nutrien-tes dentro da própria biomassa (transferências internas)e que designam como ciclo bioquímico.

2 ALTERAÇÕES DO CICLO GEoauíMICO

2.1 Entrada de nutrientes no ecossistemaflorestal

A movimentação dos nutrientes do ciclo gasoso noecossistema florestal está em grande parte relacionadacom os processos da fotossíntese, respiração e decom-posição. Neste sentido, os fatores do clima tais como:energia luminosa, temperatura e precipitação têm papelpreponderante (JORDAN, 1985).

Grande disponibilidade de luz e água, como ocorrenas florestas pluviais tropicais, propicia uma elevadaatividade fotossintética com a conseqüente fixação deCO2•

Hoje, reconhece-se o importante papel das flore~s-tas na fixação do gás carbônico do ar cuja concentraçaona atmosfera tem aumentado de forma preocupante apartir do início deste século. Segundo ODUM (1983), sea concentração de CO2 chegar ao dobro do nível pré-industrial, o que poderá acontecer até a metade dopróximo século, é provável que ocorra um aquecimentodo clima global com aumento da temperatura da terra emudanças nos padrões de precipitação. Isto deveráalterar o funcionamento e a estrutura de muitos ecossis-temas terrestres provocando mudanças imprevisíveis.

Segundo BRUENIG (1991), a influência das flores-.L.assobre o equilíbrio atmosférico do carbono é indicadapela quantidade total armazenada na biomassa, a quan-tidade absorvida, ciciada e liberada por ano. Segundoestimativas recentes de KING et alii (1990), o carbonofixado nos ecossistemas terrestres em sua totalidadechega a variar entre 560 e 830 Gt (Gt = 1 bilhão detoneladas); destas, 90% são fixadas na biomassa dosecossistemas florestais. Cerca de 1400 Gt de carbonoestariam armazenadas ainda no solo. Estes dados de-vem ser considerados em relação ao conteúdo de dióxidode carbono na atmosfera que gira ao redor de 700 Gt.

Ainda BRUENIG (1991) assinala que as estimati-vas da produção primária da terra varia entre 120 e 160Gt de matéria orgânica seca por ano. As culturas agríco-las fixam aproximadamente 5% desta quantidade, asflorestas ao redor de 45%, as outras vegetações cercade 13% e o restante (37%) seria fixado pelo fitoplacton.

As florestas tropicais que cobrem cerca de 20 milhões dekrn". ou seja4% da superfície da terra, representam pelomenos 25% da fixação total do carbono terrestre.

As florestas tropicais, em virtude de sua elevadaprodutividade funcionam como coletoras eficazes de CO2

da atmosfera, porém não podem ser consideradas comofontes de oxigênio. Ainda de acordo com este autor, nãose pode prever com precisão as conseqüências doincremento do CO na atmosfera. Todavia, é certo queocorrerão alteraçôss climáticas. A vegetação poderáreagir com uma maior taxa fotossintética. Todavia asmudanças climáticas poderão provocar sérios distúrbiosno equilíbrio dos ecossistemas, sendo difícil prever suasconseqüências.

O nitrogênio, apesar de ser absorvido pelas plan-tas, principalmente através do sistema radicular, tem oseu grande compartimento no ar e sua fixação no solodepende da ação de bactérias de vida livre, bactériassimbióticas dos nódulos das plantas leguminosas, dasalgas cianofíceas e nódulos de actinomicetos. Na flores-ta tropical a atividade fixadora dos microorganismos,está muito relacionada com as condições do microclima.Debaixo das copas, segundo DAJOZ (1973) a tempera-tura do solo supera de pouco os 25°C nas horas maisquentes. É justamente nesta temperatura que o ganho ea perda de nitrogênio no solo tropical se equilibram.Compreende-se assim a razão pela qual a floresta podeconservar-se em um solo pobre que perderá rapidamen-te sua fertilidade, quando desmatado.

A entrada de nutrientes minerais na floresta podevariar segundo a sua localização e de acordo com ascondições climáticas. A proximidade do mar ou de gran-des centros urbanos e industriais pode afetar significati-vamente a quantidade de nutrientes que dispersos naatmosfera são arrastados sobre a floresta pela precipita-ção ou se depositam sob a forma de partículas (MILLER,1978).

As queimadas periódicas de culturas, como porexemplo a cana de açúcar, podem aumentar de formaacentuada a deposição de elementos. COUTINHO(1979), estudando a precipitação atmosférica numa áreade cerrado próximo a Pirassununga (SP), registrou umaelevada precipitação de sulfatos que atribuiu ao ef:itodas queimadas. POGGIANI etalii (1983), em plantaçoesde Pinus em Agudos (SP), observaram que durante asépocas mais secas do ano, uma parte considerável do"input" atmosférico de nutrientes provinha de partículas,provavelmente originadas das queimas das culturas~decana. Nas florestas e principalmente no caso dos talhoesde Pinus que apresentam grande superfície foliar, ascopas agem como verdadeiros filtros, retendo as partícu-las, que com as chuvas são arrastadas para o solo.

Neste aspecto, também os diferentes tipos depoluentes atmosféricos podem afetar o ciclobiogeoquímico das florestas. As emissões fitotóxicasvindas das mais variadas fontes podem prejudicar asplantas e o ecossistema como um todo, tomando várioscaminhos e trabalhando de forma diferente (DASSLER& BORTITZ, 1988).

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A influência dos gases poluentes sobre os órgãosde assimilação das espécies florestais é um dos aspec-tos mais sérios, visto que diminui a taxa fotossintética,provoca necroses, alterações bioquímicas, etc. Por ou-tro lado, as partículas poluentes que sedimentam sobreas folhas prejudicam as trocas gasosas, reduzem aincidência de luz, provocam superaquecimento. A pene-tração das substâncias tóxicas nas folhas propicia atranslocação de elementos nocivos para a cadeia ali-mentar.

Todos os tipos de poluentes, uma vez arrastadospela água, podem afetar as plantas provocando altera-ções do pH do solo, prejudicando o 'crescimento dasraízes que, por sua vez, podem absorver as substânciastóxicas. Desta maneira, os processos de decomposiçãoque ocorrem na serapilheira e no solo também sãoafetados, prejudicando a reciclagem dos nutrientes.DOMINGOS et alii (1990), estudando o efeito da polui-ção na Serra do Mar, próximo a Cubatão, observaramque nas áreas mais poluídas o dossel apresentavaamplas clareiras devido à morte das árvores e que noestrato inferior predominavam grupos restritos de espé-cies herbáceas e arbustivas com forte redução dabiodiversidade, visto que apenas as plantas mais tole-rantes conseguiam sobreviver.

O intemperismo é tido como uma das formas maisimportantes para reabastecer a reserva de nutrientes damaioria dos ecossistemas florestais. Entretanto, sãopoucas as contribuições científicas que esclarecem esteprocesso por causa das dificuldades em se obter medi-das confiáveis. Dentre os fatores que influenciam a taxade entrada através do intemperismo estão: a natureza darocha matriz, as condições climáticas, a topografia e avegetação. Nas florestas de clima temperado e boreal amaioria dos solos contém os minerais primários e secun-dários como componentes da rocha matriz (PITCHETT,1979).

Entretanto, nas florestas tropicais as situações sãodiferentes. Os solos são em sua grande maioria forte-mente intemperizados, com altos teores de óxidos ehidróxidos de ferro e alumínio, pobres em bases e combaixa capacidade de troca catiônica (SANCHEZ, 1981).

Outro fator que altera o ciclo biogeoquímico, maisespecificamente nas plantações florestais, é a prática dafertilização mineral que já se constitui numa forma tradi-cional de aumentar o fluxo de nutrientes no ecossistemae incrementar a produção de biomassa arbórea. Em suamaioria os solos brasileiros que vêm sendo destinadosàs plantações florestais são quase sempre carentes dosprincipais nutrientes. Portanto, a adição inicial de macroe micronutrientes serve para ativar a ciclagem como umtodo (POGGIANI, 1985).

2.2 Saída de nutrientes do ecossistema florestal

As principais formas de saída dos nutrientes doecossistema florestal são constituídas pela lixiviação,pela erosão do solo superficial, pela volatilização efinalmente pela exploração da biomassa. Em geral, aperda de nutrientes por lixiviação ou erosão superficial

em florestas pouco perturbadas é mínima e ligada afatores básicos, tais como: a intensidade da precipita-ção, as características topográficas e pedológicas e omanejo da floresta e seus reflexos sobre a conservaçãodo solo. SANCHEZ (1981), citando diversos trabalhosrealizados em regiões tropicais, salienta o efeito desas-troso da erosão em áreas desmatadas, principalmentequando situadas em solos declivosos. Também o fogo éconsiderado por este autor como um grande causador daperda de nutrientes do ecossistema florestal, mesmoquando usado como prática florestal. A respeito dasqueimadas, BRUENIG (1991) evidencia que a queimadas florestas contribui para o aumento de CO2 na atmos-fera com quantidades que variam de 1 a 2 Gt de carbonoao ano e que estes valores continuam aumentando. Épreciso lembrar, entretanto, que as florestas em fase deregeneração têm capacidade de fixar parte do CO2

atmosférico.A maioria dos trabalhos efetuados em florestas

tropicais evidencia que a utilização das queimadas pro-voca uma perda de nutrientes do ecossistema.O'CONNEL et alii (1981) registraram severas perdasatmosféricas de nutrientes em florestas mistas daTansmânia, tanto em relação à deposição das cinzas,posteriormente lixiviadas, como em relação à volatili-zação do nitrogênio estimada em 85% do nitrogênio totalcontido na biomassa florestal. POGGIANI et alii (1983),comparando o nível da fertilidade do solo em áreasdeclivosas queimadas e não queimadas por ocasião daexploração florestal, observaram um acentuado decrés-cimo no teor de nutrientes da camada superficial do solo,nas áreas em que havia sido aplicado o fogo, em virtudeda lixiviação das cinzas pela água das chuvas. Mediçõesposteriores acusaram também uma redução do incre-mento volumétrico das árvores resultantes da rebrotados talhões onde havia sido utilizado o fogo.

Também a exploração da biomassa florestal comsuas variações de forma e intensidade pode ser um fatorde alteração importante no ciclo dos nutrientes.

A quantidade de nutrientes num ecossistema flo-restal é representada pela sornatória dos nutrientescontidos nos diferentes compartimentos da biomassaarbórea, (folhas, ramos, casca, lenho, etc.), vegetaçãodo sub-bosque, serapilheira e solo. A remoção de nutri-entes do sítio, em função da exploração florestal, deve-se primeiramente à exportação dos nutrientes contidosna biomassa arbórea. Potencialmente outras perdaspodem ocorrer em virtude da erosão ou da Iixiviaçãoapós a retirada das árvores, quando o solo permanecedescoberto. A exportação de nutrientes é proporcionalà quantidade de fitomassa exportada. Todavia, cadacomponente da árvore, possui diferentes concentra-ções de elementos químicos em seus tecidos, havendoum gradiente que apresenta geralmente a seguinteseqüência: folhas>casca>ramos>lenho.

A concentração de nutrientes pode variar ainda deacordo com aespécieecom aidadedaplanta. TURNER& LAMBERT (1983), na Austrália, estimaram a fito-massa dos diversos componentes de uma floresta plan-tada com Euca/yptus grandis, aos 27 anos de idade,

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totalizando 394 t/ha e contendo 435 kg de N, 25 kg de P,937 kg de Ca, 162 kg de Mg e 315 de K.

Os autores assinalam que o cálcio foi o elementomais extraído pelas árvores por causa do seu grandeacúmulo na casca. Sugerem que a exploração deveriaser evitada antes dos 15 anos de idade, por causa doelevado teor de nutrientes ainda contidos nos tecidos.Por exem-plo, o teor de nutrientes no tronco vai diminu-indo à medida que a árvore envelhece. Desta forma, aexportação de nutrientes por unidade de fitomassa reti-rada da floresta é proporcionalmente menor nos talhõesmais antigos em relação aos mais jovens.

No Brasil deve ser salientado que grande parte dasplantações florestais vem sendo efetuadas em solo defertilidade muito baixa onde a retirada da biomassa poderepresentar uma grande parcelado estoque de nutrientescontido no ecossistema. (POGGIANI et alii 1983;POGGIANI, 1985; TI MONI, 1990). Nestas áreas é neces-sário manter um monitoramento contí nuo, acompanhadopor um programa de fertilização mineral adequado.

3 AL TERAÇÓES DO CICLO BIOLÓGICO

3.1 Deposição de nutrientes sobre o soloflorestal através da serapilheira

A deposição de material orgânico que constitui aserapilheira é uma das principais transferências de nutri-entes que ocorrem no ecossistema florestal, sendo umaparte fundamental do ciclo biológico. Este ciclo permiteque as árvores da floresta possam sintetizar a matériaorgânica, reciclando os nutrientes. Desta maneira, flo-restas exuberantes podem desenvolver-se, mesmo so-bre solos de baixa fertilidade, como é usual observar-seem regiões tropicais úmidas.

A quantidade de material orgânico depositado aolongo de um ano está relacionada principalmente com ascondições climáticas, sendo menor nas regiões frias emaior nas regiões equatoriais quente e úmidas. Porexemplo, florestas situadas em regiões árticas ou alpi-nas produzem anualmente cerca de 1 tonelada deserapilheira por hectare, florestas temperadas frias 3,5toneladas, flores-tas temperadas quentes 5,5 toneladase florestas equatoriais cerca de 11 toneladas.

• Quanto à periodicidade da deposição, esta varia deespécie para espécie nas regiões tropicais e sub-tropi-cais, sendo que os fatores climáticos influenciam signi-ficativamente este fenômeno. Nas florestas de regiõestemperadas e frias, a chegada do outono é sempre ofenômeno que desencadeia o processo de derrubadatotal das folhas.

Ainda, segundo BRAY & GORHAN (1964), haveriauma certa relação entre quantidade de serapilheira de-positada anualmente e a idade das árvores que com-põem um determinado stand. Em geral se observa umaumento na deposição da serapilheira até a idade emque as árvores atingem a maturidade ou fecham as suascopas. Após este ponto pode ocorrer um ligeiro decrés-cimo ou uma estabilização.

Quanto à composição química da matéria orgânicaproveniente do dossel de florestas naturais ou plantadas,numerosos estudos já foram realizados e, mesmo no

Brasil, já foram publicadas várias pesquisas e outrasestão em andamento.

CARPANEZZI (1980) acompanhou a deposição dematerial orgânico e nutrientes em uma floresta natural eem uma plantação de Eucalyptus grandis, no interior doestado de São Paulo. Observou que a mata naturaldepositou 10,5 t/ha/ano de detritos, sendo 6,7 apenas defolhas. O eucaliptal depositou 7,5 t/ha/ano de detritos,sendo 4,6 apenas de folhas. Na mata, a deposição maisintensa, foi registrada no período de agosto a novembro,enquanto que no eucaliptal de dezembro a março. Ofolhedo da mata apresentou-se mais rico em nutrientesdo que o folhedo do eucaliptal.

Foi observado ainda que cada espécie arbóreaproduz a própria serapilheira em quantidades e caracte-rísticas diferentes.

GARRIDO&POGGIANI (1981/82) analisaram com-parativamente a deposição de folhas e nutrientes emtalhões coetâneos de espécies florestais nativas e ob-servaram que a deposição ocorre na seguinte seqüênciaexpressa em kg/ha/ano de acordo com os talhões:cambará 4751, angico 4381, misto de todas as espécies2616, aroeira 2298 e ipê-roxo 980. As espécies demons-traram um comportamento bem diferenciado em relaçãoà época de deposição das folhas e em relação à concen-tração de nutrientes.

É preciso ressaltar ainda que a qualidade daserapilheira depositada pelas diferentes espécies flores-tais altera de forma significativa, em poucos anos, ascaracterísticas químicas do solo superficial, influencian-do também o processo de regeneração natural do sub-bosque (POGGIANI & MONTEIRO, 1990) .Ó

4 AL TERAÇÓES DO CICLO BIOQuíMICO

A variação sazonal na composição mineral dosdiferentes tecidos das árvores é um fenômeno assinala-do por diversos pesquisadores dentre os quais se desta-cam DUVIGNEAUD & DENAEYER-DE SMET (1973) osquais observaram, em florestas decíduas, que a concen-tração de cálcio e do potássio no suco xilemático dasárvores varia durante o ciclo vegetativo, havendo umatranslocação geral dos nutrientes dos órgãos senescentespara as regiões em fase ativa de crescimento.

ATTIWILL (1980), estudando a transferência denutrientes em Eucalyptus oblíqua assinala que a forma-ção do cerne nas árvores pode ser considerada como umprocesso regulador do crescimento em virtude da granderedistribuição de nutrientes que proporciona. Por exem-plo, a concentração média de fósforo no alburno e nocerne das árvores estudadas foi respectivamente de0,12 eO,016 glkg e a concentração de potássio foi de 0,6e 0,075 g/kg. Segundo este autor, a transição que ocorrenos tecidos do tronco, de alburno para cerne, pode ter umpapel significan-te no ciclo bioquímico, especialmentedurante o estágio intermediário de crescimento da flores-ta. A demanda anual de nutrientes de um talhão deEucalyptus oblíqua é suprida através do ciclo bioquímicoe biogeoquímico em 82% para o fósforo, 86% para opotássio, 78% para o magnésio e 84% para o cálcio. Ociclo bioquímico do fósforo supre 46% da demanda,

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enquanto que o ciclo bioquímico do cálcio (elementoimóvel) supre apenas 2%.

A partir dos resultados das pesquisas realizadas,ATTIWILL (1980) concluiu que, a elevada eficiência quealgumas espécies de eucaliptos apresentam dereciclarem o fósforo, seria uma explicação para o seusucesso adaptativo nos solos pobres deste elemento.

5 FATORES QUE AFETAM A FORMAÇÃO E ADECOMPOSiÇÃO DA SERAPILHEIRA

É bem conhecido que, de maneira geral, a camadade detritos orgânicos e principalmente de folhas que seacumulam sobre o solo de florestas formadas preponde-rantemente por coníferas, é maior do que a camada quese forma sob florestas de folhosas.

De acordo com NOIRFALlSE & VANESSE (1975)as acículas de coníferas são menos ricas em proteínasdo que as folhas das angiospermas, os tecidos superfi-ciais são mais duros e com um teor de lignina maiselevado, dificultando o ataque dos insetos, do detritívorose dos organismos decompositores. Além disso, aserapilheira das coníferas libera, ao se decompor, váriosderivados fenólicos tais como, o fluoroglucinol, o ácidoc1orogênico, o ácido gálico e o ácido cumárico que sãoinibidores de bactérias.

Normalmente as folhas, bem como os outros com-ponentes da serapilheira, acumulam-se sobre o solo atéque a decomposição se inicie. Inicialmente a deposiçãode folhas sobre o solo pode exceder a decomposição,mas, cedo ou tarde, será atingido o equilíbrio entre aadição anual de matéria orgânica e a taxa de decompo-sição.

Os fatores ambientais são muito importantes nadeterminação da taxa de decomposição.

Segundo SPURR & BARNES (1980), em condi-ções ótimas de atividade biológica do solo, sendo estesuficientemente aquecido, úmido e arejado durante gran-de parte do ano, a decomposição deverá ocorrer satisfa-toriamente, sem nenhum acúmulo de matéria orgânica.Todavia, quando a atividade biótica é inibida pelo frio,condições ácidas, umidade excessiva ou insuficiente epouco arejamento, a serapilheira poderá acumular-se~om uma maior intensidade.

O tempo necessário para um solo florestal atingir oequilíbrio em relação ao acúmulo da serapilheira varia de10 anos, na florestas tropicais de rápido crescimento, amais de cem anos nas florestas de coníferas das regiõesboreais.

Do ponto de vista ecológico, dentro da ciclagemdos nutrientes, a serapilheira pode representar um depó-sito considerável de elementos químicos. Neste sentido,vários autores vem dedicando suas pesquisas paraenfocar quantitativa mente os fenômenos relativos aoacúmulo e decomposição da serapilheira.

LOPES (1983), no estado de São Paulo, em ta-lhões de Pinus elliottii, com 14 anos, estimou o acúmuloda serapilheira em 36,8 t/ha, enquanto que no Cerradocontíguo a serapilheira totalizava em média 21,7 t e

apresentava uma maior concentração de nitrogênio,potássio, cálcio e magnésio.

A velocidade da decomposição da serapilheira emflorestas naturais ou plantações depende em parte daprópria constituição química do material vegetal. A diver-sidade biológica favorece a cadeia alimentar ampliandoa variedade de organismos e microorganismos quecolaboram na decomposição.

NOVAES & POGGIANI (1982) observaram emtalhões de Pinus consorciados com folhosas que aserapilheira apresentava uma decomposição mais rápi-da do que em talhões puros.

6 PRODUTIVIDADE PRIMÁRIA E CICLAGEMDOS NUTRIENTES

Nas florestas tropicais a produtividade primáriaestá relacionada com a elevada quantidade de energiaincidente e com a disponibilidade de chuvas abundantes.Sabe-se entretanto que, em sua grande maioria, asregiões tropicais são constituídas por solos pobres.Nestas áreas, o perfeito equilíbrio do ciclo dos nutrientespermite a formação de florestas exuberantes, mesmosobre solos de baixa fertilidade. É neste aspecto que aspráticas agrícolas e silviculturais atualmente utilizadasem regiões desenvolvidas de clima temperado, nãopodem ser aplicadas indiscriminadamente nos trópicos.Nas florestas tropicais, delicadas e ainda pouco conhe-cidas relações entre solo, plantas e animais permitem aotimização dos escassos nutrientes contidos no solointemperizado, geralmente ácido e com elevados teoresde alumínio.

Um dos aspectos principais a serem observadosna utilização dos solos tropicais deve ser relacionadocom a manutenção da matéria orgânica, cujo papel éimprescindível nos mecanismos que garantem certafertilidade à camada superficial e, portanto, a sobrevi-vência e perpetuação da biota. É importante lembrarainda, 'que nos ecossistemas das florestas tropicais umagrande parte dos nutrientes minerais é conservada naprópria biomassa (GOLLEY et aiii1978), ao contrário dasflorestas temperadas onde o grande reservatório é osolo. Neste sentido, a manutenção da biomassa florestalé uma garantia da própria conservação dos nutrientes noecossistema e a melhor maneira de se proteger o solo.Conseqüentemente, toda atividade humana deveria sercuidadosamente planejada para não se alterar de formairreversível o ciclo biogeoquímico.

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Anais - 2º Congresso Nacional sobre Essências Nativas - 29/3/92-3/4/92 739


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