5/12/2018 As Fontes do Direito e o Problema da Positividade Jur dica PARTE II - Castanheira Neves - slidepdf.com
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UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Boletimda
F acu ldade de D ireito
COMISSAO Rf;DACTORA
TEIXEIRA RIBEIRO -BRAGA DA CRUZ
ALMEIDA COSTA-CASTANHEIRA NEVES
VOL. LII197 6
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AS Fa NTES DO DIREITO
E
a PROBLEMA DA paSITIVIDADE TURIDICA
( CO l ll i nl l "f J " d o n o ' '' ' < 'TO a n t er i o r)
b ) a pensamento de F. GENY revela-se-nos de uma rnaiorcomplexidade, resultante que e da convergencia de varias soli-
citacoes culturais, tanto gerais como especificamente jurfdicas,
embora nem sempre facilmente conciliaveis. Provindo nao ja
do direito publico, mas do direito privado - 0 que nao ted
sido porventura indiferente para a sua maior sensibil idade a
densidade pratica do problema normative da realizacao juridica
e aos seus imediatos pressupostos, ja sociol6gicos j i axiol6gi-
cos - e influenciado por um outro sector da cultura francesa
de vivaz relevancia na passagem do seculo, que ele qualificava
de -filosofia nova» e onde avultava decerto BERGSON, diremos,
na verdade, que no seu pensamento se tentou a sintese de tres
dimens6es culturais distintas. A primeira manifesta-se na sua
fldelidade a «ciencia juridica» tradicional e a sua tauibem tradi-
cional dogmarica norrnativa, posto que repensada com base em
novos fundamentos, aqueles que GENY se propunha explicitar;
a segunda exprime-se no reconhecimento da importancia da
«escola sociologica», quer fixando um dos pressupostos do seu
pensamento e tambem um dos seus objectivos na realidade social,
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p,.il',
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9 6 DOUTRINA
nos dados hisroricos-sociais, enquanto postulava «a necessidade
de tirar da observacao da vida social tudo 0 que ela pode dar
para a compreensao e para 0 conteudo do direito», quer rele-
vando nessa escola a exigencia, que tambem fez sua, do «ideal
da investigacao objectiva» 258; e a terceira temo-la na recupe-
rarraoda intentio jusnaturalista 259 com base exactamente naquela
rlilosofia novas, 260 a qual, tendo permitido acrescentar, segundo
o seu juizo, a atitude estritamente cientHica euma potencia
cornplemeutar do entendimento - chame-se ela crenca, ' intui-
rr~o,QU rnesmo sentimento -», alimentaria assim aquela «neces-
sidade de uma metafisica tao tenue e rudimentar que seja»261,
em que unicamente se revelariam os fms do homem, desde logo
os fins da sua social accao pratica. Se aquela fidelidade se
projecta na deterrninacao da «tecnica» que GENY imputa ao
pensamento juridico, como uma das suas tarefas principais,
e na hesitacao em tirar todas as consequencias das outras
dimensoes, e precisamente no problema concreto das fontes
do direito - hesitacao que vir ia a resultar numa indisfarcivel
cont di -0 262' •ra ica -, 0 certo e, no entanto, que 0 contnbuto
particular do seu pensamento Se pretendeu sobretudo levantar
sobre a conjugacao nao menos contradit6ria, C01110tambem
nos daremos conta, da intencao normativa jusnaturalista com a
25" Vide E. GENY, Science et f ec im iq ue e ll d ro it p rj ,,! posui], I I, I ll , 5S.;cfr. I , 92, ss,
259 F oi e ss e 0 objective e sp ec lf ic o d a «Segunda Pa rte. da 0 1 • . ci t . , quel ev a c om o s ub ti tu lo : L 'i rr ld u ct ib le . dr o it na tureb , .
260 V jd ~ o b, ci t . , I : 7 5 , ss. , Mas apenas co mo ba se f ilo s6 fic a e m q ue G EN Y
pretendeu apoiar 0seu jusnaturalismo, pois este n ao f o i d ir ec ta m en te suscitado
~o r essa . f il o s of l -a n ov a> e sim pelo renascimento do edireito naturale ou de
l~ ten ~6 es a fins n o pensamcnto juridico do seu tempo e sobre perspectivas
diversas - V. 0 p r6 pr io G ENY , ob. cit., II, c ap s. V I e VIII. V i de ainda 0ensaio
d e M. VILLEY, F ra nc ois G el ly e t la r en ai ss an ce d u d ro it n au re ! in S eiz e e ss ais d e
p hil os op hi e d u d ro it, 121, 55.. '
261 O b. ci t . , II, 85, S ..
262 V id e j "f ra .
AS FONT ES DO DIREITO 97
exigencia epistemologica da objectividade positivo-cienrifica 263.
Foi meS1l10a esta ultima dimensao do pensamento de GENY
~- nao obstante a sua veemente adesao aquela outra, nos
l imites embora que a essa adesao imporia a «consideracao das
exigencies da hora actual» 264, e querendo romper assim coma estreiteza do positivismo juridico reinante - que se flcaria,
no fundo, a dever a distincao, C0111 que toma posicao no
nosso problema e a que ficou definitivamente ligado 0 seu
nome, entre «(Ie d o n n b e « Ie c o ns tr ui t» 265.
Estamos decerto a situar-nos na segunda fase do pensa-
mento do GENY . Nao simplesmente porque foi nessa fase que
culminou a sua refiexao juridica num pensamento original 266,
mas sobretudo porque apenas at se pode vel claramente susten-
tada uma tesc geral de fontes materiais para 0 direito. Pois s6
entao, ultrapassado 0 estrito problema metodologico a que se
comecara por circunscrever numa primeira fase- aquela a que
263 0 que penuitiu a M . V IL LE Y di ze r, o b . l o c. c it s. , q ue . GE NY juxtapose
- en quoi l 'on trouve u n p rem ie r signc de so n edetisme, de son empirisrne
-l '~ncienne philosopliie regnante du positivisrne juridique et la philosophic
renaisssante du droi t nanireb (pag. 127), pelo que -G eny, dans la facon qu'ila de f al re u sa ge d e f on s ces phi losophies quil a I us , e st un peu comrne IeCiceron
du xx . siecle, C'est un adepte de l'eclerisrne; it disa i t plutot: 'sincretisme'
j e d ir ai s plutot: incertitude> (pag, 132). '
264 S c ie n ce e t t ec h" iq u e, I I, 1 0, ss., 353, 55., e pas s im ; IV , 21 3 ss . .
265 Qu e esta distincao - co m 0 s en ti d o q ue lhe corresponde enquanto e~la c ?r re la ti va d a distincao e n tr e . ci e nc ia . e < t ec n ic a » ou «artes: ". i nf ra - ia
implicada no s po stula do s do pcsitivismo s o ci o 16 gi co n o dominic d o p dt ic o
(no dominic normative da matureza morals, socia l OLl dos ecostumess] e doq ~ e GENY.t in h a explicita c o ~s ci en ci a - V id e o b. ci t . , I, 92, 55.; II, 81, 5S . (, qu e
na o exclui que a sugestao imediata daquela prirneira distincfo l he t en ha sido
dada por urn discipulo de BERGSON,LEROY- e 0pr op rio G EN Y e a afirrna-lo:
ob . ci t . , I , 97, nota 1 -, a ssim co mo rU o lhe fo i estranha a influencia do prece-
den,t~de SAVlGNY,que distinguia no direito, como vimos mpra , um o e le m en to
politicos de urn ~elemento tecnico» ( c fr . V ILLEY , o b. l oc o c it ., 134, e in f ra).
266 Cfr. MIRELLAURSO, F . G in y e !'ill te rp re ta zi on e d el d ir it to , i n F RAN -
CE SCOVIOLA , V ITTORIO VILLA , M IRELLA URSO , I ut tr p te ta z io n e e a p p/ ic a zi o ne
d el d ir it to Ira sc ien za e p ol it ic a, 5 4.
7- Bo!.d. Fac. d. Dil., Vol. trr
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98 DOUTRINA
j
j
!1II
!j,jj
corresponde a publicacao da 1.' edicao de «M e th od e d 'm te rp r{ ta -
lio n e t so urces en d ro i! pr ive positif i), dirigida tanto a critica da
E c ol e d 'e xe g es e, demarcando-Ihe em termos estritos as possibi-
lidades do seu legalismo, como a investigacao de outros criterios
normativos de decisio juridica para alern dos que se pudessemvalidamente considerar impostos pela lei, mas onde verda-
deirarnente nem a cornpreensao tradicional das Fontes (Fontes
form.ais), nem rnesmo a essencia do legalismo estavam postos
em causa e sim apenas circunscritos em limites que abriam
o espa~o para outras Fontes complementares : .J67, 0 costume,
a jurisprudencia e a doutrina 268, e ainda decerto para a «f ibre
r e c her c he s c ie n t t} i queY> do interprete 269 -, veio GBNY a elaborar
urn pensamento global do direito, em que tenta demonstrar
o seu fundamento e ernergencia normativa a partir de algo
diferente e mais profimdo do que poderia considerar-se atraves
apenas de uma teoria das Fontes concebida no sentido tradi-
cional: a partir de uma ultima e fundamental m.atriz material
do juridico, relativamente a qual as Fontes formais, sem excluir
a lei, teriam de ser confrontadas e compreendidas na sua
_i -
I:
267 Pa ra uma c ri tica gera l a e ssa teoria das fomes de GENY,cri tica que
a inda hoje mantem toda a sua val idade , v i d e Ross, Th e o n e , cit., 52, ss,
268 Pos to que GENYnao cons ide ra sse a ju ri sprudenc ia e a dout rina ,
em si mesrnas, como fontes fonnais, e apenas asvisse, ja com lima eautoridade
considerdveh, urn <a.scendentemoral e pniticos, susceptiveis assirnde sugerirem
solu~5es juridicas possiveis, ja como factores importantes para0 surgir de uma
normatividade consuetudinaria - Me t ho d e , cit., 2.' ed., II, 29, 55•.269 Neste ultimo caso era afinal 0 problema < l a s lacunas que estava em
causa e por essa. I i! n - e r e che r che sde n t i f ique o , ta l como entao G oo a caracterizava,devia 0 interprete obter apenas 0direito que afinnaria na sua decisao concreta
integrante - v. Ibidem, 74 , ss. E certo que ia ja aqui em germen a lgo mais,
como justamente observa VILLEY, l o c o dt., 123 e 126 - pois, na verdade, se 0
direito podia ser investigado cientificamenre, ou conhecido materialmente em
si mesrno, a 1 onde falecessem quaisquer fontes formais, nao era de admitir
que pudesse ser invest igado todo de do mesrno modo, pa ra a lem e indepen-
dentemente das fontes formais?
AS FONTES DO DlREITO 9 9
validade e na sua fun~ao juridico-normativas 270. Essa matriz
material continuaria a ser a «natureza das coisas»271, entendidn
todavia agora de urn modo particular em que iria recuperado 0
«sentido fundamental do direito natural», aquele sentido desse
direito que seria postulado pdo nosso (seu) tempo e compatlvelcom as exigencias da ciencia, e que acabou por identificar com
o primeiro terrno da iistin~ao referida: le d cjn ne .
o direito «em si»272 revelar-se-ia originariamente - pelo
menos no seu «principio»273, ou no «substratum essencial de
rodo 0 ediffcio do direito positivor 274 - atraves de certos
dados, «lesdonnees fundamentales du droit», os quais, havendoC d direi 275 die considerar-se a «tonte suprema 0 irertoi ,po lam
sustentar como tais, como «dadose ou mediante a sua pres-
suposi~ao na realidade natural, hist6rico-social e humana, uma
intencao objectiva de ciencia. E toda a actividade do pensa-
mento juddico (tanto do legislador, como do julgador e dojurista em geral) que estivesse para alem da estrita determinacao
do conteudo fundamental ali imediatamente oferecido, elabo-
rando de qualquer modo que Fosse{legislativa ou dogmatica-
mente) essa materia-prima, ao construir esquemas conceitnais,
modelos normativos, legras e criterios em que 0 direito se
objectivasse especi.ficamente e atraves dos quais de pudesse ser
aplicado praticamente na orientacao da vida social ou na decisao
dos casos juridicos concretos, tude isso seria ja construcao
t i cn ica. Assim, a primeira distincao objectiva - dado {ou «natu-
270 Vere rnos, todavia, que a conc lusao acaba por ser surpreendente epa radoxal , ja que apenas vern reafi rrna r a posi~o do pos it iv ismo lega li st s
tradicional. depois de terem sido procurados fundarnentos para a sua superacao,271 'A . enatureza das coisas- era tambem ja, fundamentalmente, refenda
a intenc fo Ul tima da teoria das fontes e laborada emMhhod e d ' jn t e r p re t a ti o l l,
2. ' ed. , II, 221 . Vide tambem S c ie n c e e t t e ch n i qu e , I , 12 , ss. , e pa s s im.
272 Cfr. Science et technique , I, 2.273 O b. cit., IV, 147.
274 O b. ci t . , II, 4.m T b M . , I I, 312.
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too DOUTRINA
reza das co isas») e construido (o u «artiffcio») 276 - correspondia
uma segunda distincao intencional, \ I SC i e I 1ce» e aedm ique» . E por
isso tambem para GENY as tradicionais «tontes formais» (0 cos-
tume, a lei, a jurisprudencia, a doutrina] nao seriam as verda-
dciras fontes do direito em sie apenas diferentes meios tecnicos 277
da «artet juridica 278 (embora C0111 relevo normativo diverso
que, todavia e mediante um desvio significative no seu pensa-
mento, acaba afmal por nao ser muito diferente do tradicional F").
E de tal modo vemos acentuada a intencao de ciencia para a
deterrninacao material do direito, que se pode bern perguntar
se foi 0 previo recouhecimento da possivel, ou necessaria,
inferencia do normativo a partir de urn pressuposto material
(a ideia do «direito natural» que suscitou a insercao de uma
dimensao de (<ciencia)~o seu pensamento juridico ou se foi antes
a precupacao de conferir a esse pensamento um tal estatuto
cognitivo, satisfazendo dessa forma as exigencias culturais docientismo e respondendo as criticas que 0 pensamento juddico
sofria cntfo uessa perspectiva, 0 que imp6s a procura de
certos dados do direito - i. e , a investigacao de pressupostos
materiais em que se houvesse cognitivamente de determina-lo.
A rarefaccao do conteiido normativo dos donnees parece condu-
zir-nos a segunda hip6tese - procuravam-se «dados i para 0
direito e os que foi possivel encontrar s6 ilusoriamente ofereciam
o seu fundamento material, como vereruos -; enquanto que a
concepcao alargada de «ciencia»a que GENY recorreu=concepcao
que seria, alias, exigida pela natureza de alguns desses dados e
imporia uma intencionalidade determinativa que se nao iden-
276 Ibid. , I, 12.277 V id e, o b. ci t . , III, 81, 22., e in fra.
278 Dai que GENY pudesse dizer que «ledroit consiste essentiellement en
une pratique fondce sur une connaissance» (ob . ci t . , I,2), eune art fondee sur
la science> (Ibid. , 71).279 Vide i n f ra .
AS FONTES DO D1RElTO 1 0 1
t ificava com a definida pelo conceito positivista c dominantc
da c ie nc ia - justifica antes a aceitacao da primeira hip6tesc.
Hesitac,:aoou dupIa possibilidade interpretativa esta que ja pOl'
si corrobora 0 que comecamos por afirrnar - que em G 'SNY
a intencso jusnaturalista e a intencao cientista comccaram porser concorrentes, embora viesseni a acabar por ser correlativas.
E que, se a intencao de objectividade cientifica postulava a
pressuposic,:ao e a investigacao de «dad,os»: ~ natu.reza desses
dados, como dados d o d ir eit o e suscepnveis de satisfazerem a
intenc,:aode uma inferencia jusnaturaHstica, impunha U111 alar-
gado e bern particular sentido de ciencia 280. . r
Na verdade, se 0 objectivo era determmar (Idesdonnees
de la nature et de la vie, oii nous devrons trouver les elements
fondamentaux et objectifs de toutes les regles juridiques» 281,
ja que s6 visando esse objectivo se cumpriria, simultanearnente,
de vi . . t in282 s >
o necessario «ponto e vista propnamente cien 1 lCO» , e e
repunha, no entendimento de GENY , 0 problema do direito
natural 283 , toda a dificuldade estaria, no entanto, no caracter
2B O Cremes, a ss im, que em GENY se manifestava ji uma atitude be~ll
caracteristica do renascirnento do jusnaturalismo do nosso.!ec~lo: a pretensao
de conciliar 0 rnesmo jusnaturalismo com a intenyao de. c iencta , ou de reme-
te-Io a plano cientif ico e nao tao-s6 £ilo:6f ico-es~ec~lat! vo, com~ fora cons-tante par secu los . Deste modo se impos ao proprio Ju~~tura li~lno aque la
dimensao cientihca, que 0 cientismo do seculo x~ pO~lt1Vlstal~ntifi~~acom a val idade cul tu ra l em si: sus tentar uma posicdo [usna tura li sta exigi-
ria que se a ssegura sse simul taneamente a val idade epist<:molog ia dessa
posiyao. Pede dizer-se que a essa preocupayao corresponde amda nos nossosdias em termos bern evidentes, 0 esclarecedor ensaio d e H. COlNG, adenuncia-la ja no proprio titulo, Naturrech t al s wissef l scha f i l i dJes Prob l em,
2.' ed. , 1966.281 Ibid. , II, 365.
282 V. Ibid., II, 82 .283 Tenhamos presente este enunciado deGENY , ob . ci t . , I I, 20: . .. . SOllS
quelque etiquette qu'en le veuille presente~ ou deg~jser, c 'es~e ~oujou~, au
fond l'eternel p ro bl em e d u d ro it naturel, qur, bon gre mal gre, s o ffre a nosinvestigations, quand nous voulons connaitre , d 'apres les seules donnees du
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10 2 DOUTRlNA
nonnativo do jurldico, pois era duvidosa, e mesrno geralmente
negada 2 B 4 , a possibilidade dc obter normas atraves de um
conhecimento estritamente cientifico dos dados da natureza
humana e social2B5• Dai, ou para veneer csta «dificuldade
capital do diagn6stico cientHico dos principios jurldicos» 286,
a necessidade ja aludida de «uma potencia complementar do
entendimento», que seria a intuicao ou a ecrenca», unicanienre
susceptfvel de compreender esses prindpios a partir daquela
natureza, se desta se nao pudessem inferir em termos de «pura
ciencia». Do que resultavam assim de£nidos tanto os limites
de possibilidade da intencao de ciencia estrita como 0 reconhe-
cimento tambem «de Ia necessite d'une metaphysique, si tenue
et S 1 rudimentaire soit-elle, sans laquelle l'humanite ne saurair,
particulierernent dans le domaine moral et juridique, donner
m onde et de la vie (representant la nature prise dans son e ns em b le ) , les regles
de conduite exterieure, qui s'imposent a l 'homme vivant en socie te .. Cfr . Ibid.
352, 369 , s.
284 Tao geralrncnte negada, com fundamento nao apenas na concepcao
posir ivista da ciencia (concepcao que GENY sobretudo tinha presente) , mas
inclusivarnente na critica gnoseologica neokantiana, a ponto deFEL IX KA U-
FMANN, L o gi k u n d R e ch ts w is s en s ch a ft ( a pu d A. Ross, Theo r i e , 8, nota 12 , e 55 )
ver numa «ciencia normativamente produtora» urn verdadeiro n ! )n s en s .Toca-se,
todavia , aqui 0 problema da ~c iCnc iauorma ti va» - com toda a sua ambigui-
dade (tanto ciencia que institui ou infere norrnas, como ciencia que conhecenonnas ou tem norrna s por objec to) e a sua duvidosa natu reza ( .c ienc ia pra-
t ic a. ou c ienc ia teoret ico-e specu la tiva e de ve rdade , ou, segundo a c la ssi -
fica~ao aristotelica, -eiencia e ti ca s ou .ciencia dianoet iea-P) - que ainda hojese nao podera considerar resolvido, Sobre este problema, em geral, vide
G. KAUNOWSKI, 1.£ p r !) bMm e d e la vM t e en mora l e et e n d r !) it ; Io., Qu e re ll e d e
In s c ie n c e n o rma ti v e.
28S Vide em S c i en c e e t t e c hn i qu e , I I, 8 4, S5., a manifesta hesitacao deGENY
quanto a cste ponto: se, por nrn lado, diz que c a c ieuda em si nao repugna
aideia denorm», admire, por outro lado, eque, naduvida, sehesite em reconhe-
cer a c ienc ia , p ropriamente di ta , a forca de sugeri r os fins necessaries paradirigir a conduta».0que mostra bern que 0 conceito d e ciencia, .propriamente
ditas, er~,tambern para GENY0 seu conceito positivista (empirico-positivista),como alias 0corrobora a necessidade de urna .potencia cornplementar do enten-
d imentos, a que ja nos re fe rimos .286 O b. c i t . , II, 354.
AS FONTES DO DlREITO 103
a ses efforts une direction assureeoi287. E para tanto ofere-
ceria urn contributo fundamental a bergsoniana { ( p h i l o s o p h i e
no IIve l i e » , com as suas particulates virtualidades metodologi-
cas 288. Tal era, pois, para GENY a «science) - com urn sell-
tido, podera dizer-se, positivo-metafisico 289 - que perrniriria
287 Ibid., I I, 86. E acrescentar ia mais adiante , tiu, 314: .Pour obtenir,
d e facon decisive, avec plenitude a s su re e e t u ne fern_Jd~~onva~ante, le p~incip.edes normes di rect rice s de l 'a ct ivi te mora le ou [uridique , 11faut aV01rpns
parti sur la conception generale de l'Univ~rs, l 'essence et la nature de!,~omme,
sur le nryster e de son origine e t de son existence ence moude , sur l 'enigme de
sa destinee»,288 V id e, o b. c it ., I, 7 5, S5., 181 , S5.
289 .Science> que tambem se poderia considerar .te6rico-praticat, ja . que
aquela .potencia eomplemenrars nao se ria, no fundo, s~nao : . ra rlo pra ti~a .,chamada desse modo a associar-se complementarmente a erazao puras, AsS1m,
expressamente, in ob . ci t . , I, 187 , podendo tambem ler: se ~~ Me t ho~ e d' in tef -
pmtion, 2.' ed. , I I, 100, esta formula~? sintese: .En ?efuutlve , la raison pra-
t ique doi t re ster, pour nous, le complement de la raison puree. .
o que s6 por si nos revela a inconcludencia, e mesmo uma maru~estacarencia de fundamentacao, deste ponto, alias decisive no pensamento deGENY.
Pois e rnbora a luda, na l inha ci a «philosophie nouvelle», a urna .e .xperi i !ncia
in tegral , niio sornente reveladora das coisas, mas infonnadora e cnadora a?rnesrno tempo. (ob . ci t . , I, 8 0, 1 83 ), 0 certo e que nao logrou ofe rece r man
do que urn inaceieivel s iner etis rno - muit o justamente criticado por M . V IL-
LEY, ob . cit., 132, ss, - quanto ao que dizia ser a .cienci» complementada p~la
«intuicao ou c renca» , a a razao pura- pel~. ~r~o ~r f~ca>, e scm a t~gu: a ssnna verdadeira cornpreensao de uma expenencia umtaria , que fossesimultanea-
mente superadora e fundamentante daqueles dois momentos. Sobre0problema
actual dessa experiencia realrnente integral, porque originaria e integrante, queanteceda e adrnita as discriminacocs gnoseologicas, pode ver-se, HEIDEGGER,
S ein u n Z eit, 4.' ed.,; J . MOREAU, RHe to r i que , Dia i e c t ique et E x ig e nc e P r em i ~r :,
in LA Thiorie de I'Argumet l ta t ion, 206, S5.; MIGUEL BAPTISTA PBREIRA, Ongl -
/ la /i da de e r lO v id ad e e m f il os of ia ~ A p ro po si f! ) d,l e x p er i 21 l c ia e d a h i st O r ia , 16, S5.,
39, ss.. e pa s s im . . .Sincretismo que igualmente impossibili ta que possamos fazer urna ideia
clara ci a Indole ultima da .scien~ que daquela modo nos foi proposta: decer to
«ciencia normariva-, mas que ciencia normativa (cfr. supra, nota 284)? Pois
apenas nos pode d izer que a <rarlo pc it i~ supr iria a insuficiencia ci a cr~ao
pura>na determinacao dos principios normativos, ~ vez que seria susceptivel
de sugerir spreceitos de natureza moral ou convementes, capazes, portanto,
por sua natureza, de ditar regras da conduta ~u~, e impon~o-se ~ to?OSe~vir tude desse sentimento e como que de urn msnnto, que eqUlvale a eVld!naa
racional. ( Ib id ., 1 8 7) .
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104 DOUTRINA
obtcr 290 jusnaturalis ticamente de certos dados (ou da totalidade
do <d o n ne J u rl d ic o ,» ) os fundamentos normativos do direito
positive 291.
Seriam quatro os tipos desses dados a ter em conta.
Os dados rea is - que «consisteru nas condicocs de facto em
que se encontra situada a humanidade», quer de natureza
fisica e moral ((clima, solo e as suas producoes, constituicao
anatomica e flsiologica do homern») e moral (<<estado psicolo-
g ico, conviccao moral, sen timentos religiosos, etc,»), quer de
natureza economica, polit ica e social . E certo que estas reali-
~ade~, positivas e actuais, nao criariam directamente as regras
jur idicas, mas desenhariam os contomos e, pelo menos, consti-
tuir.iam 0seu meio necessario, e desse modo teria «une importance
capitale, comrne conditions primordialles de son etablissements=",
Os d a d os h is t6 f 1c o s, 0 conjunto de tradicoes e preceitos que
enquadram e orientam historicamente a vida humana e social-
- conjunto que, ao contrario dos dados reais, «contient, toutes
Iormees, des regles d' o res et deja suffisantes, pour diriger les
volonres des hommes et constituant, des a present, le droit
postule par la vie», pois nele teriamos «toutes determinations
de regles, qui se sont consolidees par l' effet du temps et font
aujourd'hui partie de notre patrunoine juridique acquis» - e de
que seriarn exemplos desde logo as regras sobre 0 casamento,
sobre a propriedade privada, etc. 293. Os dados r a d o n a i s , aqueles
que marcar iain a «direction capitale», ja gue, «du moins, faut'il
290 Nos terrnos que sepodern ver e squerna tizados no vol . I da ob . c i t. ,
18&-194, onde temos como que uma sumula do pensarnento que os quatrovolumes da rnesma obra desenvolveriam.
291 Neste sentido, expressamente o b , ci t . II 353 S
292 b ' . " " .. a .CIt., II, 371, 55.: senam estes data que iriam referidos pela natura/i s
r a~1O d<:,sro~~s e tamb€m par MONTESQUlEU, ao considerar as <rapportsnece ssair es qui re sul tent de la nature des chase s>- sabre e ste ul timo pontov., no entanto, illfra . '
29J Ibid. , 376, 55..
AS FONTES DO DIRE ITOl O S
, rouvcr les rCsultats bruts de la nature et de ]'histoire, en lesep . 'il' dsOulllcttant a l'esprit, seul capable de Juger s s repon ent ou
but 'lui domine toute organisation [uridique» 294, c gue tradu-
zirial11 «0 fundo essencial do direito natural classico». «as regras
de conduta gue a razao deduz da natureza do homem e do seucontacto com 0mundo»: «cnquanto sao verdadeiralllente iinpos-
tas ao espirito e correspondem para e1e as exigencies .mais
cvidentes das coisas, apresentam um caracter de neceSSldade
e ao mesmo tempo de universalidade e de imutabilidade que as
distingue e lhes assegura um lugar eminente entre as regras
juridica~» 295. Alem de que ofereceriam aiD.da ~ base do quarto
ripos de dados, nos quais os dados raClonalS como g~e e
encontrariam 0 seu acabamento: os da do s idea is - 0 conjnnto
de «odas as aspiracoes humanas (fisicast psicologicas, rnorais,
religiosas, economicas, polit icas] com vista ao pi ogresso inces-
sante do direi to posi tive» 296.
Pois bern; determinado «cient if lcamente . . - i. e , positive--sociologicamente e intuitivo-metafisicamente - a partir dcstes
dados 0 fundamental conteiido normative do direito, seguir-
-se-ia uma segunda actividade, especiflcamente «tecnica», do
pensamento juridico com urn objective pa. rti.cular, que'Ata~l-
bern j:i foi aludido. Posto que reconheadas pela «~lencla»
squcl les sont les regles a pose1'll - ou «[a regIe de droit, telle
qu'elle ressort de la nature des choses et, autant que possible,
a l'etat brut» 297 -, agora «il s' agira, pour mettre ces regles
en circulation dans la pratique, et lcs faires en qualque sorte
passer de la puissance a l'acte, de poul/oir les ajuster a la ~c,
les adapter a ses exigences concretes, a sa molle structure, a sa
fluidite incessante, en degageant et ramenant a effet les precedes
29~ Ibid. 380 , 55..
295 Ibid., 384 , 55•.
296 ab. cit., I, 95 e 97 .
297 Ibid., 95 , 55., 192 SS.
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106 ]}OUrRINA
d'application du droit»; 298 e actividade «indispensable pour
donner aux regles juridiques cette Ierrnete, cette precision, cette
securite, et, pour tout dire d'un mot, cette adequa t ion a la de,
qui ne sauraient resulter d'une investigation purement scientifi-
299 p ,que» . ara nos, no entanto, 0 que sobretudo irnporta
ter presente, para alem deste objectivo em que vai 0 seu
conipromisso pratico, e 0verdadeiro sentido juridico da « techn i -
qU& , assim como 0 respectivo contributo normative, para que,
p~ndo-a em confronto com a « s ci en c e» - com 0sentido que esta
VllTIOS caber-lhe e tarnbem com a sua real virtualidade norrnativa
que melhor teremos de analisar -, possamos compreender rigo~
rosamente a disrincao proposta por GENY e depois, com funda-
mento nessa compreensao, responder a pergunta decisiva: a dis-
ti~t;:aoentre ~ <tdonnb e 0 «cons t ru i t» , entre « s d e n c o e «techniqu&
poe-nos efectivamente perante urn direito positivo que, objecti-
vado e actuado embora por uma fUllt;:aopratica, sepre-detennina
materialrnente mediante uma atitude cognitivo-objectiva?
Ora, segundo 0proprio enunciado de GENY , a «technique»
~epresel1t~,«dans l'ensemble du droit positif , la forme opposee
a la matiere, et cette forme reste assentiellement une cons-
tructi~n, la~gement ~rtificielle, du donne, oeuvre d'action plus
que I intelligence, ou la volonte du juriste se puisse mouvoir
librement, dirigee seulement pour Ie but predetermine de
l'or~a~sation juridique qui suggere les moyens de sa propre
realisation». E neste enunciado, que e uma sintese, 0 que se
hayed de por em relevo - para alem de todas as outias
antiteses complementares, que tarnbem aqui concorreriam, as
antiteses intencionais entre ciencia (teoria) e pratica, conheci-
, •29~ I b i d : , 193. Is to, porque <sans la technique Ie droit posiuf restera it
redu it a .des h~es vagues, t rop .generales, n'encadrant que d'1U1halo impal-
pable et}~defUllle noyau de la vie sociale. Grice a la technique, tout selimiteet se ~reClese...• ( p. 1 8 8 ) . Pelo que ass im se poderia dize r que -Ie dro it nousapa ra it comme un a rt fonde sur la sc ience. (p. 71).
299 Ob. dt., I II , 23.
AS FONTES DO DIRE ITO10 7
mento e aOrio, conhecimento e arte, mteligencia e vontade, etc.,
e as antiteses objectivas, entre a «natureza das coisas» e 0
ai tificio», entre « 6.n1» e emeio» 300 - e decerto a distincao
capital entre mater ia e f onna . que condicionaria as demais e se
tCl11 pelo criterio ultimo do que se deveria entender afinal por(ltecnica». Esta conotaria todos os modes de tratamento do
juddico (da materia do direito) elaborados especificamente
'pelos juristas - todos os «processos1)particulares da sua «artes
do seu «metier», para dominar pratica.mente a «rnaterias norma-
tiva revelada no «donnb, e revdada ai corn a indisponibilidade
c a vinculacao de um autentico pressuposto: 0 pressuposto
do conteudo intenciona1mente fundamental do direito, «qui
s'impose a nous et ne demande qu'a etre reconnu». No que
se reconhece 0 precedence, alias a:fi.rmado3D!, da analoga dis-
tin<;ao de SAVIGNY, a que ja arras fizemos referencia, entre 0
«elernento politico», enquanto expressao de intencionalidadenormativo-juridica que radica na natureza historico-cultural
da coruunidade, e 0 «elemento tecnico», a coincidir por sua
vez com a «ciencia do direito» ou com a elaboracao cientifica
do direito propria dos juristas. Mas devendo anotar-se uma
diferenca importante entre as duas disrincces, da qual porventura
G : E N Y nao ted sido de todo consciente assim como das suas
consequencias muito particulares. E que a tecnica em SAVIGNY
era pura e simplesmente, e toda, a ciencia do direito, ao passo
que em GENY soparte desta e discriminavel como tecnica, ja gue
nao cabe agora menos a ciencia do direito, e justamente como
sua parte decisiva, aquela «Science»que para ele seria distinta da«technique». A tecnica oferece-se em GENY mais circunscrita c
espedfica, limitada a actividade que volitivo-praticamente cria os
processos e os meios, os artificios e os «trues»da arte juridica, e a
300 Ob. c i t . , I, 11, 5S..
301 Ob. ci t . , Ill, 6, 12, 24.
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.1~
II
II
10 8 DounUNA---~----------
qual, por ranto -porque the cabe assim apenas a aplicacao de uma
cerra forn~ dcliberada e artificial a uma materia de todo pressu-
posta: obtida do «fundo substancia]» de que emergem aqucles fins
supenores em que sc manifesta «o elemento verdadeiramenje
natural do direito revelado cientificamenr-» 302 - , vai subtraldanao s6 a determinar;ao material do nonnat ivo juridico, mas sobre-
rudo a possibilidade normativamente consti tui tiva que va inipli-
cada nessa determmar;ao. Tudo isto ao contrario do que virnos
rer de acabar por imputar-se a SAVIGNYe a sua Escola, dado 0
reconhecimenro ai da ciencia do direito como uma das Fontes
dogmarico-normativas capitals do juridico. Pelo que, afinal,
menos que do enlendimento da tecnica juridica em SAVIGNY,
revela-se antes a concepr;ao que dela tern GENY muito proxima
da que era pensada por IHERING, ao dizer-nos 0 autor do
«Ge l s : de s r i im i s chen Rechts» que a questao da tecnica e a de
saber «como 0 direito, abstraccao feita do scu conteudo deveser organ~z~do e estabelecido para que 0 seu rnecanismo simpli-
fique, faCIhte c assegure tanto quanto possivel a aplicar;ao das
regras do direito aos casos concretes» - questao de pura forma
nao «quesrao de fimdo» 303. Que 0 rnesmo e afirmar a conclusao
d~ q~e a ~fo.nl1a» pcla qual actua a tecnica, segundo GENY,
nao e normanvamente constitutiva: nao e essa forma ou as suas
lllo~ali~ad_es ~~nstrutivas, nao sao as objectivar;6es e as precis6es
da tecnlca juridic, que consrituem 0normativo jurfdico enquanto
302 M hh od e, c it., I I, 3 29 _303 L'E . d droi .
sp n t u ro u r o m a t n , segundo e trad franc de 0 deM 1III 16 D' . . . eu enaere,~ .' S5.. eve ter- se a inda e rn con ta e ste enunc iado onde se anrecipa rn a s
propnas form~la~5~s de GENY: .Esta e xp re ss ao ( te cn ic a) designa em geral 0
~u~~ da arte juridica que tern por objecto apenei~oar a forma da materia~und!Ca,por outros ter.mos, 0ml t odo t ecn ico e 0mec a n i sme tecnico ou 0 conjunro
os .p rocesso~ por me io dos qua is e ste fun pode ser a tingidos ( o b _ c i t. , 2 0 ) _Teria a in da m te re ss e confrontar a concep~ao de .t€cnica» jur ldica deGENY
co& a ql~e nos ofe re :eu STAMMLER, Theo r i e de r RechtswisSeIlscha/t , cap. VU ,
e ,p~rar;a~os tamb~m com bastante, afinidades. Cfr. ainda P. ROUBIERTheone gene ra ie du droit, 2.' ed., 76, 55.. V. infra, nota 306. '
A S FON TES DO D IR EI TO 109
tal. Ern oposicao isto, observe-se, ao que acontecia na conccpcao
tradic ional e estr itamente positivis ta das Fontes do di rei to, pata
a qual as Fontes j o rm .1 i j - e s6 essas - manifestariam (criariam)
direito 304. Outra nota, assirn, da inteucao antipositivista de
GENY: a dirnensao decisive do juridico desloca-se de novo daforma para 0 conteiido.
E certo que GENY nos diz tambern conceber a «forma»
sob 0 <dngulo plenainente filosofico» - i . e , como aquele aris-
rotelico modus especificante do juridico que «distingue a sua
cultura de qualquer outra actividade humana» e s6 grar;as a qualo direito daria forma a materia social e realizaria 0 seu fim
proprio 305. E sabe-se como a «forma» em AruST6TELES306
eta constitutiva, enquanto justamcnte a ontol6gica «causa for-
mal» que estaria perante a materia como 0 «acco» ( ene rge i a ,
entdequla) perante a «potencia» ( d i namys ) , a «real idades perante a
«possibilidade ( jolma da t esse re i ) . Mas nao e menos ccrtoque este sentido da «forma)} nao e verdadeiramentc 0 que
corresponde a «recnicai no sistema do pensamento de GENY.
30 4 E 0 que, s e e st a na log ica do pensamento de GENY, de proprio I lio
deixa de expressamente afirmar: ' ...Je n'hesire pas 1 1 cd ui re l es sources formel les
du droi t pos it if, vo ire , au pr imie r r ang , la loi ecri te , au ro le d' inst ruments
techniques d e la jurisprudence. ( Sc ie nc e e t T e ch ni qu e, I II , 22, 5.). «Par leur
nature, les sources formel les du droit posi ti f flgurent entre les elements techni-
ques, qui, confirmant les donnees .... ( o b . c i t. , IV , 34) •. _.latechnique nos offre
un aut re ensemble de precedes, egalemenr generaux, constituant pour elle
une sorte de revetement exter ieur , dans les sources formelles du droit positif ,
loi ecrite, coutume, voire meme autorite (jurisprudence, doctrine) et rradition ....
( o b. c it ., I II , 81); e tc . .305 ot, ci t . , III, 12 e 17.30 6 Sendo cerro que 0 ecletismo acritico de GENY 0 leva a invocar
tambem, como precedences da aplica~ao daquela distincao «materia -forma-
ao dominic juridico, pensamentos que a concebem bern diversamente e que vao
de SAVIGNY a STAMMLER(v. ob . ci t . , III, 16, nota 1) - ecletismo onde, por-
tanto, tudo se rnistura, 0 aristotelismo e a historicismo, 0 positivismo-socio-
logico e 0 neokantismo! Para um acabado esclarecirnento sobre a utili2:a~ao
d aq ue la s d ua s categorias no pensarncnto juridico em geral, vide K. ENGISCH,Form un d S to ff i n d e r j ur is pr u de n z, in Fes tschri ff fur Fri tz V. Hippel , 63 , ss .
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110 DOUTRlNA
Assim, nao admitiria ague1e sentido splenamentc ~iIos6ficOf),m
primeiro lugar, gue a materia fosse 0 momenta fundamental
como 0 e em GENY 307; em segundo lugar, gue ela pudesse
ser investigada e determinada no donne , atraves de uma activi-
dade de conhecimento aut6noma da intervencao (posterior)da forma; e, por ultimo, gue a forma, como tecnica, fosse
urn processo deliberado e artificial. Na ontologia-gnoseologia
aristotelica a «forma» tern, bern ao contrario, a primazia sobre
a materia, assim como a tern a realidade sobre a simples possibi-
lidade 308- e tal como na gnoseologia kantiana e neokantiana,
embora decerto por OUtlOSfundanientos, 0 objecto nao pode
ser conhecido sern a simultaneidade constitutiva de materia e
forma. E sempre, ou em ambos ospensan:entos, a forma. e umaestrutura ontol6gica ou transcendental, tao essencialmente pres-
suposta, na pre-sfntese constituti va e subtraida por isso ao
alvedrio pratico de uma qualquer «arte», C01110 a pr6pria«rnarerias. Dai que, nao obstante a expressa invocacao da
distincao aristotelica, e de ter tarnbem manifestarnente presente
a hom6nima, mas neokantiana, distincao stammeleriana,
a «forma)) de GENY nao corresponda afinal ague ia pensada
tanto numa C01110 noutra destas duas ultimas disrincoes. A cor- .
robora-lo, temos a analise da «forma)), a cumprir-se em
tecnica juridica, que no! oferece 0 vol. III da Sc i ence e
Technique, com a discriminacso e a natureza dos quatro meios
tecnicos gue enuncia e a funyilO especifica que lhes comete.
Pois as pr6prias fontes formais, 0 quarto desses meios tecnicos,
sao expressamente afirmadas «parfaitement distints de la regIe
a laquelle ils donnent l'estampille de la positivites 309- «confir-
307 Como results de todo 0 scu pensamento e vai por de afirmado
repetidamente - V., por ex. , o b . c i t. , N, 60 e 61: <Le'donne ' doit, por son
essence meme, dominer le 'construit'». (...) .Le principe de subordinationde la ' technique' a la 'science' .....
308 Cfr. R. MARCIC, G es ch ic hte d er R ec ht sp hi lo so ph ie , 1 87 .
309 ab. ci t . , 82.
AS FONTES DO DIRE lTO 1 1 1
uunt des donnees toujours quelque peu incertaines, flottantes
ou equivoques)) 310-, e assim nao tendo, justamente como
meios tecnicos, «d'autre but que d'imprimer 00 sceau officieJ
et categorique a la regle de droit elle-meme» 311.Numa paIavra,
a funcso da tecnica e a de «mise en oeuvre Ie droit) 3I2---deli_mitanto, precisando e objectivando a regra material de direito,
revelada pelo donne , e em ordern a sua realizacao concreta,
a sua «adequaclo a vida» ou as «necessidades da vida pratica».
E rigorosamente nao mais do que isso: «mise en oeuvre»
e nao essencializante constituicao do direito. Pelo que, uma
outra conclusao, ja atras aludida e correlativa da que acaba de
enunciar-se: a coerencia do pensamento em analise exige que
seja a science, enquanto investiga 0 donne e releva 0 essen-
cial conteudo normativo do juridico, 0 momenta determi-
nante do proprio direito e nao apenas 0momento fundamental
do pensamento juridico, posto que a technique s6 a vernos cha-mada a actuacao juridico-pd.tica (elaboracao e aplicacac) dessc
norrnativamente pre-detenninado couteiido de juridicidade.
Compreendida nestes termos a distincao de GENY , logo
uma observacao irnporta fazer. E a de que essa sua distincao
entre science (conhecimento) e technique (pritica) nao se confunde
com a comum distincao - que ele niesmo expressamentc
rcpele :3 13 - entre «teoriae e «pratica», gue se generalizara no
pensamento juridico 314, fosseeste teoretico-positivista ou dogma-
tico-conceitual e sistematico. E isto justa.mente porque GENY
pretendia ver no pensamento juridico dogrnatico (a tradicional
«ciencia do direito») ta:o-s6 afmal uma obra de tecnica, a auto-noma elaboracao normativo-pratica dos juristas e do seu pensa-
310 ab. dt ., IV, 34 .311 ab. ci t . , I ll , 500.312 ab. ci t . , III, 4%.
313 ab. clt., Ill, 10, S. .
314 Sobre a origem jusnaturalista desta distincao, v.A. GIULIANI, R i che r -
th e i n t em a d i e sp er ic nz a j ur id ic a, 21, ss. , e pas s im .
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11 2 DOUTRIN,o,
mente: verdadeira ciencia, have-la-ia nao tanto 110 conheci-
mento do direito positivo ja tecnicamente prescrito, elaborado e
conformado, mas no conhecimento dos donnees , dos Iundamentos
e realidades matcriais constitutivas do direito positivo, os quais
a tradicional «ciencia do direito» haveria agora de pressupor.Aqui mesmo se nota, como bern se deu conta A. GIULIANI 315,
a inB.uencia em GENY dos postulados epistcmologicos do pensa-
mento juridico de oricntacao positivo-sociologica 316, pois foi
essa orientacao que, na linha do seu cientismo positivista,
pela primeira vez pos em causa a cientificidade da «jurispru-
d@nciaf), a tradicional ciencia dogrnatica do direito, para
reconhecer aquela qualidade unicamente a investigacao socio-
16gica dos factores socialmente determinantes do juridico ou,
mais estritamente, da sua materia social juridica (social-mate-
rialmente pre-juridica) 317.
o que nao significa que GENY tivesse entendido a sua« s c i e n c e » em termos puramente sociol6gicos. Pelo contrario;
ja observamos que ele se propos superar 0 radical positivismo
da « e w ie s o d o lo g iq u l? f> , acrescentando aos limites episternologicos
desse positivismo «uma potencia complementar do entendi-
mentes, e que s6 gracas a essa complementar potencia seriaiu
determinaveis «osfins universais de que depcnde a direccao da
conduta social» a partir da realidade social e humana. Mas
intcgrada que Fosse dessa outra dimensao, a s s c i e n c e » revelaria
efectivamente nesta realidade os fundamentos normativos do
direito - os seus fundamentos rnaterialmente constitutivos-
e, nesse sentido, 0 proprio direito na sua essencia, 0 «direito em
si»,sem recusa ou falsa reducao da sua essencialidade normativa.
Por isso mesmo se poderia afirmar, restaurando-a, a intencao
315 ab. ci t . , 49, 5S., 62, SS., 120, s s . .
316 Cfr., al ias , a proprio GENY, o b . c i t. , II, 8 1, s s..
317 Assirn, expressarnente, em E. EHRLICH, G r un d J eg u ng d e r S o zi ol o gi ed es R ec hts , p as sim . V. supra,
. - . s FONTES DO DlRElTO 11 3
jusnaturalista. Ou, talvez melhor, era a reassuncao do «direito
natura!», possibilitada epistemologicamente naqucles terrnos,
que implicaria que nos d o n n e e s , discriminados na realidade
social e humana, se houvessem de inferir os fundamentos-
-prindpios do direito. Os d o t m l e s nao eram assim, como seriaproprio de uma perspectiva apenas sociologica, tao-s6 factores
hist6rico-socialmente condicionantes ou geneticamente explica-
tivos do direito e, portanto, em si pre-jurldicos; mas antes 0
pr6prio direito em potencia, 0 dado fenomenol6gico do direito
em que ia imanente a essencia normativa do juridico. So
desse modo era possivel afirmar que, com base nesses d o n n e e s ,
se conhecia cientificamente 0 conteiido material fundamental
do direito - «os elementos cienclficos que guardam em si a
substancia mesmo do direito» 318, «0 conjunto das regras juridicas
que a ratio retira da natureza das coisas, da qual 0 homem
e uma parte», e que seria afinal 0 direito natural 319 - e, afrr-inando-o, sustentar que essadeterrninacao cientifica, essa « s c i e n c e » ,
era uma dimensao, e a dimensao fundamental, do pensamento
juridico enquanto tal.
Assim se conjugariam a exigencia epistemol6gica da objecti-
vidade teoretico-cientifica, a exigencia geral de ciencia, e a
compreensao jusnaturalista do direito. 0 direito, na sua essencia
ou no seu momento marerial-constitutivo, nao era criado,
construldo, antes se revelava natural-materialmente em certos
dados que se conheciam mediante uma ciencia espedfica. Ainda
que para 0 submeter em seguida a uma elaboracao tecnica,
a uma «construcao», indispensavel para 0 tornar praticamente
operante e adequado as concretas exigencies da vida social.
Mas s6 ali, na ~ciencia»,e nao aqui, na «tecnica», deparariamos
com 0 momento materia mente constitutive do direito; alias,
318 c » . ci t . , IV, 60.319 ab. ci t . , I I, 419.
B - Bol, d. Fac. de Dir., Vol. LH
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114 DOUTRINA
nao teria sentido a invocacao, que pretendia ser uma restau-
racao, do d ir e it o n a tu r al .
E , pais, nos termos desta conclusao que no pensamento
de GENY se da resposta a pergunta decisiva que atras enunciamos.
Pelo que tudo estara em saber se nos resultados efectivamenteoferecidos par esse pensamento encontramos verificada a vali-
dade daquela resposta. Ora, havemos de reconhecer que nao
deparamos ai com uma tal verificacao. E inconcludencia que se
nos revela no modo desta alternativa: enquanto se manteve
flel a sua intencao fundamental, GENY apenas nos oferece a vazio
que no seu pensamento, na verdade, se verifica no que toca
ao momenta verdadeiramente constitutivo do direito; enquanto
possamos dizer que nos deu (au se propos dar) uma solucao
ao problema desse momenta, depara-se-nos essa solucao mani-
festamente contradit6ria com aquela intencao fundamental.
E que as donnees conhecidos pda science, nao nos dao, afmal,materialmente a direito. E, par ism, au a «technique» e a seu
resultado «construi t» se mantem coerentemente como nao consti-
tutivos do direito - e nesse caso e todo a problema que fica
par resolver, pais a direito que aqueles nao revelem tambem
par estes nao e constituido -; au atraves da etecnicae,e particu-
larrnente do seu elemento capital que sao as fontes formais, se
obtern no fundo a direito que as edadoss nao logram oferecer
- e entao a tecnica e juridicamente constitutiva, mas a custa
isso de uma insanavel inconcludencia da tese sustentada, e onde
a resultado aeaba par nao ser em nada diferente da tradicional
teoria das fontes formais que se quis ultrapassar.Vejamos, com efeito, a que se obtern dos «donnees», tal
como GENY as compreendeu: a «cientificaedeterminacao destes
dados oferece-nos efectivamente s6 par si a micleo normativo
essencial do direito, em termos de pader dizer-se que toda a
tarefa jurfdica posterior a essa determinacao nao e rnais do que
a eonstrutiva au tecnica elaboracao - qualquer que seja a exten-
AS FONTES DO DlREITO 115
~ao e a iuiportancia pratica dessa elaboracao - de uma juridi-
cidade previamente definida rEa resposta nao pode deixar de
ser negativa. Logo 6 evidente que se nao trata apenas de quatro
dados diferentes, mas de elementos que, a serem considerados
em ordem a intencao jurfdica, se niostram de relevo fundamen-talmente distinto. Os «lados reais» nao traduzein outra coisa
que a conte lido hist6rico-material da situacao que as problemas
jurfdicos pressupi5em e a que vao referidos; nao oferecem a
direito, apenas apontam faetores relevantes au as dados cia
situacao perante a qual se poe a problema juridico: entre
eles e a direito vai toda a distancia que, como em qualquer
dominic problematico, separa as dados do problema da solucao
dele, dist:ineia que tao-s6 uma mediadora intencao aut6noma
que assuma a problema e a resolva podera veneer 320. Quer
dizer, as dados reais ocupam aqui a lugar que vimos caber ao
primeiro tipo de realidades (pr6-juridicas) que consider:imosrelativarnente ao pensamento da «natureza das COiSaSf} que
adiante analisaremos quanta a sua participacao no «pressuposto
material». J a e outro a relevo dos -dados bistoricoss e dos «dados
ideais»,posta que podendo eorresponder a ambos um conteudo
irnediatamente normative, nao deixarao de fazer pressao sabre a
direito no sentido dessa normatividade - como tambern ja aludi-
mas relativamente ao segundo tipo de realidades (parajuridicas) a
ter em conta na analise da «natureza das coisass e melhor veremos
na detida analise do s e le m e nt o ma te r ia l ». Mas ainda aqui, como
ali, nao se ve porque hi-de a direito limitar-se a aceitar sem
revisao e sem critica, no ponto de vista da sua aut6noma inten-
cionalidade, essas factores normativos, Tanto mais que essa
autonomia (a autonomia da inten~ao juridica), sendo decerto
necessaria, desde logo pela situacao de conflito em que se
320 Cfr. , num senrido malogo, DABIN, o b . c i t. , 205, S.; P. ROUBIER,
a b . ci t ." 193, 196, 55..
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116 DOUTRINA
pretendam impor aqueles dados - sobretudo os «dados idea i ss=- ,
nao sera menos justificada e exigfvel pela sua propria especihci-
dade normativa 321. 0 que, sern mais, nos permite coinpreender
que 0 momento de maior relevfincia esta na consideracao dos
«iados racionais», como alias, 0 afirma tarnbern expressamenteGENY 322 - apenas ueles se podera tentar deteiminar uma ime-
diata e especifica iutencao jurfdica. So que, se perguntarmos
tarnbem aqui «0 que se pode legitimamente pedir-lhe» (ao dado
racional) - pergunta que GENY a si mesmo faz -, 0 resultado
e deste teor: «essencialmente uma coisa, a nocao de justica,
a unica que permite estabelecer a ordern e a paz na vida
social»323. Quer dizer, 0 «direito natural irredutivel», 0 «justo
objectivo», vem-se afinal a identificar sem mais, ou sem qualquer
especial enriquecimento, com urn indeterminado e insuticienre
principio dc justis:a-sendo certo que para GEt-.,ry 0 principio da
justica significaria sobretudo a exigencia de um «equilibrio deinteresses»324. E entao, independentemente de saber se aquele
principio e urn dado da «razao teorica», a determinar teoreti-
camente au pela «ciencia», ou antes uma intencao axiologica a
assumir autonomarnente pela. «razac pratica» 325, bern longe
estamos de deparar com 0 direito nesse «lado». Traduz decerto
321 V. infra, § 2 .0 Cfr . tambem ROUBIIlR, ob . cit., 192 SS••
322 ab. ci t . , II, 380, 55., 389, 55.. .Un donne rationnel que contiendra
la direction capitale ...•; «Tous Ies efforts sedoivent concentrer auteur dudo rme
r a t ionne l , qui revele la substance propre, vraiment specifique, des regles de droit
a degager (...). Au fond, Ie droit reste essentiellrnent oeuvre rationnel. De fait,
aussi, le pivot de toute elaboration scientifique du droit a toujours reside dansce discernemenr d es regles par la ra ison considerant la vie, d'ou provient ce
que l 'on appelle , plus specialemenr et plus precisement, Ie droit natureh,323 Ibid., 390.
324 ab. cit., IV, «Conc l u s i on s gene ra le s t , 147.325 Neste sentido, e exactamente , v. P. ROUBIElI., ob . c i t. , 196. Embora
se possa dizer , com BASTIDE,o b. l ac . dts., 32, parafraseando KANT (0 dever
como foctum da razao pratica), que tambem 0 prindpio da justica e urn fac tum
rat ionls, e justamente 0 fo i t d u D ro i t - 0 qual etraduz, na consciencia instau-
radora, a presenca das exigencias indeclina veis do Espir itoa ,
AS FONTES DO DlREn:O 117
esse principio a intencao ultima da juridicidade c, como tal,
nao s6 funda 0 sentido do problema juddico, como indus iva-
mente enuncia 0 regulative capital da sua solucao, Mas scm que
tal signifique, por outro lado, que 0 problema esteja so por
isso resolvido e as solucoes juridicae sc possam sem ruais delededuzir 326. 0 prindpio da justica s6 guiara a intencao preble-
nuitica e constituiiva do pensamento jurfdico no seu esforco
de juricidade concreta - i. e , de uma juridicidade que e proble-rnatica e que se ted de constituir na sua continua posicao c
resoluc;:aodos problemas juridicos concretos. 0 direito como
tal- na sua juridicidade liistorico-positiva - nao se revela
pois, sem que urn especifico pensamento (acto ou processo
metodologico) concreramente 0 constitua atraves das solucoes
do hist6rico problema juridico. Pensamento espedfico que
nao e , deste modo, uma mera tecnica construtiva, mas verda-
deiramente a func;:aoconstitutiva do pr6prio direito. Tem porisso razao DABIN quando. em critica a todos os pensamentos
do «dado», afirrna que eo direiro e 'prudencia' e por conse-
quencia 'construido's ( ho c s en su ) 327. E, com efeito, mediante
326 V., alias, as proprias observacoes de GENY,lac . c i t . supra , nota 324:
«Le donne reste la base essentielle du droit positif , mais ne peut avoir qu'une
portee re st re inte, De moins fourni t' il l a 'regle', le 'principc'»,327 ab. dt., 197. No mesmo sentido, v. ROUBIER, ob. ci t . , 192, ss.,
196, ss. . Pelo que, na verdade, sao constituidas hist6rico-normativamentc,
mediante valoracoes normativamente aut6nomas, e nao deduzidas racional-
mente da natureza d a s coisas as solucoes jurldicas que GiNy via objectivadas
nas «principais instituicoes do direiro privados - o b . c it ., I I, 399, 55.. Basta
termos aqui presente uma dessas solucoes que, para GENY, ser ia necessaria:considerados de3 e ffe ts du mariage e t les l iens de fami lle qu i en derivent , ontombera sans peine d'accord sur la necessite d'une certaine subordination de la
femme au marl et des enfants au pere . . ,'. Por isso tern razao M. VILLEY,
quando afirrna, ob . locot l t s . , 136, que .Pour donner quelque consistance a soncode de droit narurel, Goo ne peut qu' incorporer a ce qu' il appelle le donnedes regles en verite cons/mites par legislateurs modernes c de valeur t r e s provi-scire, 11 est arrive 11 Goo le me rne echec, la meme impasse qu'a tous ces theo-
riciens du droit nature! qui s'obstinent a vouloir hire nn corps de regles inde-
pendantes de la construction des juristess,
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118 DOUTRlNA
a tomada de posicao (valoradora, regulativa e critica), fundada
e guiada por um principio de validade normativo, perante a
situacao hirtorico-social, que 0 direito se constitui. Ou dito
de outro modo e com urn pouco mais de rigor, e no pres-
suposto de uma particular realidade historico-social-humana,ou no pressuposto de certos dados, factores historico-sociais
e humano--culturais, como verernos, e com fundamento nnma
especifica intencao de validade que, atraves de certos actos
ou instancias socialmente legitimadas, se realiza a dialectics
problemarico-norrnativamente constituinte do juridico e que
culmina na sua objectivacao como direito 328.
Ora, GENY confunde os dados problematicos com 0
fundamento norrnativo - ou melhor, nao tendo discriminado
nem atendido a difeiente funrrao problematico-norrnativa de
uns e de O U t l O , atribui invalidamente a todos os dados a
gualidade de fundamentos e pensa 0 fundamento como se fosseurn mere dado - e dai as rrnis graves consequencios. Que
todas se resumem em nao ter verdadeiramente posto, porgue
o nao compreendeu na sua indole propria, 0 problema norma-
tivo do direito em si mesmo. Nao compreendeu esseproblema,
porquanto a sua preocupacao principal de inserir urn momento
de ciencia - urn momento de objectividade, nos terrnos de
apreensao-deterrninacao de um dado-pressuposto, no fundo urn
mornento de objectividade teoretica - no pensamento juri-
dico, ejustamente como 0seu momento fundamental ou substan-
tivo, obrigou-o a remeter 0 momento pratico (pratico-norma-
tivo) para a fimrrao da tecnica, para 0 dominic secundario e
dependente do «artiffcio», da dorma» e dos emeioss, para as
tarefas nao norrnativamente constituintes da objectivacao e da
concretizacao do jurldico. Quando e certo que 0 direito e uma
326 Enunciado que e uma conclusao antec ipada e que a invest iga~o
presente, uma vez acabada, comprovad..
AS FONTES DO DlRE ITO 119
func;aopratica - que s6 praticamente, i . e , mediante um modo
pratico-normativo se pode constituir e cumprir. Nao e s6
a pratica do direito, ou a sua funrrao concretamente regulativa,
que tem uma natureza pratico-normativa, pdtico-normativos
sao tambem a sua matriz constituinte e a essenciado pensamentojuridico 329 - ao qll:e GENY verdadeiramente nao atendeu, e
por isso procurou d a d o s em que 0 pensamento juridico encon-
trasse antecipadas ou ja constituidas as solucoes de um problema
que desse modo apenas se the ocultava, posto que unicamente
esse pensamento 0 tera de por e de resolver. Sendo certo,
por outro lado, que nao s6, como vimos, esses dados nao
oferecem afinal as solucoes, como ainda a invalid a referencia
cientista que se lhes fez, para obter deles sem mais essassolucoes,
foi 0 que nao permitiu que se desse conta da distincao entre 0
que e rigorosamente dado problematico (dado historico-social)
e 0 que e verdadeiramente fimdamento normativo, distincfoque a propria natureza diferenciada dos dados considerados
exigiria e que so por si definiria correctamente as coordenadas
do problema juridico. E problema este que, deparando assim
nos «dados» apenas com uma das suas coordenadas, tera de
procurar para alern deles a sua espedfica solucao - que 0
mesmo e dizer que a S O I U l f a O nao e dada em quaisquer dados
(digam-se des «natureza das coisass ou «direito naturals], mas
antes hayed de ser pratico-normativamente constituida 330.
Nao 0 havendo compreendido assim, abriu GBNY no seu
pensamento um vazio fundamental- nada menos do que 0
vazio do problema da constituicao hist6rica do direito, 0 vazio,
329 efr. tambem neste sentido, as pertinentes observacoes de P.Rou-
BIEB., ob. cit., 192, 196330 Tudo 0 que os pressupostos do pensamento d e GENY n110lhe per-
mitiarn cornpre ender: a inten~o cientista exigia que 0 direito fosse d t l d o
(objecto-pressuposto) e a inte~o jusnaturalista exigia que 0 direiro nao fosseauronomamente constituido e tarefa, mas previa e mater ia lmente revelado.
Cfr, VILLEY, ob. loc . d ts. , 135.
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12 0 DOUIRINA
podera dizer-se, do problema juridico pura e simplesmente.
Pois, de urn lado, os donnees sao afmal elementos ou factores
p re- ju r id i co s - ou sao apenas os dados problemaricos ou apon-
tam para uma intencao de validade, mas nao sao ainda, por
isso mesmo, 0 proprio direito. Elementos ou factores para aconstituicso do direito, mas nao ainda. 0 direito constituido.
Por outro lado, 0 construi t da tecnica pressup5e 0 direito
consti tuido na sua essencia (na sua normativa juridicidade) ,
uma vez que, como vimos ja, a tecnica, ocupando-se apenas dos
meios praticos da objectivacao-determinacao e realizacao do
direito, nao e dele em si mesmo, ou normativo-materialmente,
constituinte. Pelo que, ted de conduir-se, 0 que assim a science
nao chega a revelar tarnbem a technique 0nao constitui . 0 espac;o
que fica entre as duas - que esta para alem das possibilidades
juridicas da science e que e pressuposto ou fica aquern da func;ao
nao constitutiva da t ec hn iq ue - e 0 espac;o que tern de scrjustamente preenchido pelo problema normativamente consti-
tut ivo do direi to.
Se fosse esta a unica conclusao a tirar do pensamento de
GENY relativamente ao nosso tema-e e,no entanto, a conclusao
que, tendo presentes os seus pressupostos, melhor se adequa aint ima coerencia desse pensamento - , haveriamos de dizer que
fora frustrada a sua tentativa de dar uma solucao material ao
problema ja da origem-fundamento ja das fontes do direito.
Que indusivamente 0problema geral das fontes nao chegou a ser
devidamente posto, ao ter-se ocultado aquele problematico com-
ti tuinte do direi to em que ele se insere. Soque ja nos referimosa uma outra posslvel conclusao, a considerar como alternativa para
esta a que acabamos de chegar: a conclusao que se traduza em
atribuir a tecnica, pelo prec;o embora de uma incoerencia, uma
verdadeira func;ao constitutiva do juridico. E e esta, na verdade,
uma interpretacao que 0 pensamento de GENY tambem de todo
nao repudia, sobretudo se atendermos ao modo como acaba
AS FONIBS DO DlIlEITO 12 1
por considerar as fontes formais e em particular , dentrc elas, a
elei escrita».S e a vaguidade e a reconhecida insuficiencia dos resul-
tados normativos obtidos dos donnees ja por si abrem para a
«tecnica))uma ampla possibi lidade (que e uma necessidade)
de determinac;ao-conformac;ao do juridico e. se s6 na forma
actuada por aquela encontraria afinal 0 direito a sua espc-
cificac;ao331, nao sera violentar 0 pensamento em que uma
e outra coisa se aflImam - nao obstante 0 seu objectivo
ultimo, que vai em sentido contrario - seatribuirmos a «tecnic:u,
assim juridicamente conformadora e especificadora, tambem
a qualidade juridicamente constitutiva em que aquelas duas
outras qualidades se vem realmente a traduzir 332. E e, na
verdade, 0 que a paradoxa] solucao dada ao problema das fontes
formais s6 confirma.
Era GENY bern consciente de que a l6gica estrita doseu pensamento, dado 0 sentido que nela tinha a distincao
que analisimos, !he impunha reconhecer tarnbcm as «tontes
formais do direito positive», quaisquer que fossem - «leiescrita,
costume, mesmo a autoridade (iurisprudencia, doutrina) e a
tradicaos -, e enquanto integradas na tecnica, apenas como
«um outro conjunto de processos» 333 da arte juridica, mate-
rialmente dependentes e secundarios perante 0 direito mani-
festado nos edadoss, a sede essencial sua revelacao 333. Dai
que, tendo «Ie jurisconsulte en principe pleine liberte de
331 Cfr, supra , a referencia ao inspirador precedente da cforma~ aristo-
telica, « l a f o r m e, s o us / ' an g le p ie in e m en t p hi lo s op hi qu e o.332 Cfr, MIRELLA URSO, o b . l o c. c it s. , 71.333 Para alem, portanto, do s outtos processos t€aUcos esrudados no
III vo l. d a S c ie n c e e t t e ,h n i ~: os .ptOce5S0Splasticoss de primeiro grau - os
processes do formalismo e da publicidade - e osprocesses pla5ticos de segundo
grau - actuados 11M scategorias reais, as construcoes conceituais, as presun-
~oe5e as fioroes e a propria l inguagem juridicae.334 Cft. s up ra ; v id e ainda o b . c i t. , III, 81, S5. ;IV, 59 , 55.
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122 DOUTRINA
reconnaitre Ie droit positif au milieu des elements du donne-,
forcoso era aceitar que mesmo da loi ecrite non joue plus
que le role d'un moyen techniques 335. Par outras pala-
vras, nao The caberia, tambem em principio, um valor cons-
titutivo do direito - nao podendo, pois, admitir-se ~que 0direito positive se confunda com a lei escrita»326. E, todavia,
a valor que acaba efectivamente por ser atribuido a esse
«meio teenier», a fonte formal da «leiescrita», e bem a contrario
do que exigiria aquela 16gica. E que no estado actual da nossa
civilizacao haveria <Idesregles de droit qui postulent l'estampille
d'une formule legale. Et cette exigence, dont nous avons en
nous aujourd'hui le sentiment profond, se peut rattacher au
'principe de Ugahte', qui dornine l'organisation publique
moderne, baseee sur Ie regime, a nos yeux ineluctable, de l'Etat
de droit» 337. Dai que, se em geral «le donne doit, par son
essence meme, dominer Ie construio e, nos casos de contradicao,des elements techniques de l'elaboration juridique cederont
Ie pas aux elements scientifiques, qui enferment en eux la subs-
tance meme du droit» 338, 0 certo e que tudo se passara
surpreendentemente ao inves nas hipoteses de <lconflitoentre
a direito natural e a lei positiva escrita», ja que at a solw;:ao
sera antes a de prevalencia desta Ultima 339. A soberania do
Estado, «lone le pouvoir legislarif costitue l'atribut le plus elevee,
e 0 «principio da orden» - «principe superieur a taus autress
e a que se vincularia tambern 0 ~rincipio da legalidade.-
335 O b. ci t . , IV, 34, S 5 • •
336 Ibid. 34. E isto mo apenas extensivamente - como comecou apenas
por 0 ser no Methode , como vimos -, nus mesmo qua li ta tiva e fundamental -
mente, pois a lei seria meio tecnico de expre ssao e n a o sede constitutiva OIl
-dado- do direito.337 o b. ci t . , IV, 37 , s ..
338 Ibid., 60.339 IbM., 69, 55•.
AS FONTES DO DIRE ITO 123
justiflCariam 0 entorse, a completa inversao de planes e de
intenc;5es. 0 que, aceite embora em termos de excepcao e
nurna confessada contemporizacao pragmatica 340, nao pode
deixar de entender-se em termos de vermos aqui implicitamente
reconhecido urn valor juridicamente constitutive a fonte formalda lei. Sera esta uma solucao realista, mas nao e menos 0
sacriffcio de uma tese e de urn pensamento que esforcadamente
tentavam caminhar em sentido contrario.
E nao s6 a esta fonte formal, mas a todas as fontes formais
afmal, se ted verdadeiramente de atribuir esse valor constitu-
tivo. Porque, se sao elas no seu conjunto que, ao vencerem a
referida vaguidade e indeterminacao do normativo obtivel
dos «lades», acabam por determinar 0 juridico - seles seules,
a proprement parler, fo nt Ie d ro it po sit i f , en fixant les regles,
de leur nature inconsistantes, que nous offrait l' elaboration
scientifique»341 - e especificamente 0 confonnam como direitopositivo dando «l'estampilie de la positivitb as regras juri-
dicas, entao nao se ve porque 0 caracter constitutivo que
e possivel reconhecer a uma delas se haja de excluir das
outras. Nao estao todas revestidas, e certo, da eautoridade» 342que corresponde a lei escrita, mas todas elas cumprem a
mesma func;ao - a que ftcou aludida - na «elaboracao inte-
gral do direito positive». E se a distincao entre 0 «d o n nb
e 0 «ons t ru i t» , entre a « s c i e n c e » e a « t e c h n i q u e » , com 0 sentido
que The deveria corresponder essencialmente, nao faz obsta-
culo decisivo a que esse caracter constitutivo seja imputado
a uma das fontes formais, tambem a nao podera fazer perantequalquer das restantes. Quer dizer, nesta interpretacao do
pensamento de GENY a solucao que nele obtern 0 problema das
340 eft. I bi d.. 7 4.341 nu, III, 83.342 eft. os, cl t . , IV, 25.
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12 4 DOUTRINA
fontes coincide com a do rnaistradicional positivismo juridico 343;
sio as fontes formais que, derenninando positivamente 0 jud-
dico, constituem s6 por si 0 direito como direi to positivo.
Materialmente 0 direito pode pressupor dados-factores diversos,
mas 6 adquire a qualidade de direito positivo se e quando asfontes formais 0 positivam.
Por tudo 0que a condusio geral a enunciar s6podera ser, na
verdade, a seguinte, Ou a distincao entre 0 donne e 0 cons t rui t se
rnantern no sentido originirio com que foi pensada - e entre
os donne e s , que ecientihcamentee nao chegam a revelar 0
direi to, e 0 cons t rui t , que «temicamente» 0 hio-de pressupor,
ted de interpor-se um seu processo autonornamente cons-
titutivo, processo que aquela distincao em si mesma recusa,
mas da qual acaba, no entanto, por mostrar a necessidade no
vazio normative que manifests. Ou a t echnique se reconhece
juridicamente constitutiva nas fontes formais - e os donne e s ,
enquanto tais, nern sao, nem nos dio 0 direito, mais nio sendo
do que ji dados problemiticos, ji factores porventura mate-
rialmente influentes 11a constiruicso do direito, mas nio eles
pr6prios constitutivos do direito ou susceptiveis de pouparem
o esforco de uma sua nonnativa e aut6noma constituicao.
Em qualquer das hip6teses, nao deparamos com fontes
materiais - no sentido rigoroso que neste escudo lhes atri-
buimos - e sim, quer com 0 fracasso de uma tese sobre 0
fundamento e de uina concepcfo do direito que as implicava,
no primeiro caso 344; quer simplesmente com 0 por em
343 Posit ivismo juridico que seria mesmo reassumido expressamente
na s U l ti m a V e rb a , afirrnando-se ai que de droit posit if est le seul droit veritable».
(apua M. VULEY, ok l o c . c i t s . 133; c fr . S. BELAID, E s sa i s ur l e p o uv oi r e re at el lre il lo t ma ti f J u j ug e , c it ., 75, em nota , que nos fala de urn .detour inutib a s posi-<;:oesda escola d:issica, que GENY ao prindpio combatia),
344 Conchisao esta que coinc ide, na verdade , com a jus teza deste ju izo
de BELAlD, ob . c i t ., 75, em nota: trata-se de eun €chee presque total dans la recher-
che e t l a def in ition des moyens propres Ii remedier aux insufEsances constateesde l 'ordrc juridique posit if• .
AS FONTES DO DIREtTO 1 2 5
evidencia de um momenta material no problema das fOUlesdo
direito, a ultrapassar a exclusiva perspectiva formal desse por-
blema no pensamento juridico tradicional, no segundo caso.
Cremos que e sobretudo este segundo tenno da alterna-
tiva que se devers reter: a constituicao hist6rio-positiva dodireito pressup5e e e condicionada pelos dados naturais, histo-
ricos, culturais, eticos, etc., da realidade humano-social- condi-
dicionada embora de um modo que havemos de analisar 345.
Posto 0 que 0 reconhecimento de um momento material no
problema das fontes nao pode relevar acrescentando-o apenas
as «fontes formais.), no seu sentido comum e positivista, como
acabou por fazer GENY , mais antes atraves de uma revista
compreensao desse problema, como se prop5e mostrar este
estudo, em que ji nao teremos «fontes materiais» nem «fontes
formais», e sim um m om en to m ate ria l e um m o me nto fo rm a l,
a integrar ainda com os momentos de validade e constitut ive,de urn global processo normativo da constituicao e rnarrifestacao
do direito.
Numa Ultima palavra: como quer que interpretemos e 0
que quer que relevemos no pensamento de GENY , sempre
teremos de conduir nao ter ele ultrapassado a concepcao
POSltlVlSta das fontes do direito, ao continuar a entende-las
apesar de tudo como «fontes formais» - ja porque e essa
34 5 V i de i ll f ra . Trata-se de uma conclusio que salva 0maximo da intencdofundamental do pensamento de Gfurr, mas que verdadeirarnente nem corres-
ponde a sua tcse originaria do d O l i l i e , nem e aquela, puramente fonnal-posi-
t ivis ta, em que contraditoriamente 0 vemos cair po r ultimo . E d.isto se Ilio
di coma CAlIJIONNIER, F le xib le D ro it - T ex te s p ou r u ll e s oc ia /o gr e d u d ro it s on s
rigeur, 17 , quando interpreta sern r r u J s 0pensamento de GENY no sentido dessa
conclusso, ao dizer : .Seulement, pour Gfurr, les sources II~eI1espouvaient
b ien approvisionner, nourrir le d roit: au fond, elles n ' etaient pas le dro it
lui -meme. Ell es ne devenaient l e droit ver itable , le droit posi ti f, qu' une foi s
fil trees para les sources formelleso.
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1 2 6 DOUTRINA
concepcao que preside a sua explicita teoria das fontes 346,
Ja porque a tentativa de referir 0 direito a unia investigavel
matriz material acaba por fracassar e ceder mesmo a preferencia,nos terrnos mais tradicionais, pela fonte formal por excelencia,
que e a «leiescrita», e no seu sentido mais «ingenuo-positivista» 447
ou do estrito positivismo legalista.
c ) Uma atitude ern muiros pontos analoga, e COllI resul-
tados urn tanto semelhantes, e a que nos revela tambem 0
pensamento de G. GURVITCH. Poe este autor de uma forma
particulannente clara, e nao menos exacta, 0 problema das
fontes do direito, quando nos diz que «esta questao nao eoutra que a de saber em que consiste a positividade do
direito, i. e , como 0 direito pode ser siruultaneainente posi -
t ivo 348 e n o rma t i v e e porque deve de ser necessariamente uma
e outra co isa», E assim as fontes do direito nao seriam senao«oscriterios desta positividade, ligada indissoluvelmente a norma-tividades 349. Sendo certo que a positividade do direito teria
a caracteriza-la duas notas essenciais: 0 ser «instituida por uma
346 Assim, em Me t h o d e d ' in t b pr e t a ti o n e t s o u r c e s e n d r o i t p r i v e p o s it i ], 2.' ed..347 Qua1ifica~o de A. Ross, Th e o n e , cit ., 56.
348 Quanto a este ponto, importa ter presente 0 enunciado seguinte do
mesrno Autor, L 'I d ee d u d r o it s o c ia l , 107; «Laregie du d ro i t , a cause da sastructuremultilaterale et imperative-attributive, ne p eu t e ir e I me r eg Ie pur eme n t a uwn ome ,
c'est-a-dire tirant sa force obligatoire d'elle-merne; die ne pe u t bre , IIcause dela reciprocite qu'elle supposse, u n e r e gi e p u r e m en t n O n J la t iv e ,puisque la recipro-cite a pour premisse l'efficience reelle dela regle. Le droit ne peut, sans s'affirmercomme un droit positif, servir a r ca li se r l a justice qui demande l 'ezabl i ssement
de la securite et de la paix sociale prealable. C'est precisement la justice, enrant qu 'e Jement consri tut if du dro it , qui exige qu' il so it posi ti f. Done, t ou td ro it e st, p ar s on e ss en ce m ~m e, u n d ro it pos i t i fo .
Enunciado em que vao decerto pressupostas as concepcoes deGURVITCH,
tanto dajustica como do direito em geral- sobre estas concepcoes, v i d e o b . c i t. ,
95 , 55., e pa s s im.
349 T h eo ri e p lu ra li st e d e s s ou rc es d u d r oi t p os it i/ ' in A n nl la jr e c it ., 1 1 4.
AS FONTES DO P lREITO 127
autoridade 350 qualificada 351 que nao seja identica a autoridadc
da regra em si rnesma, e a eficiencia real desta regra num
meio social dado». Nestcs termos, «qualquer 'fonte' do direito
positive tern de fazer a prova de que corresponde a esta dupla
exigencia, i. e , que representa a autoridade e que garante a
eficiencia desta, unindo pela sua propria existencia os dois
termos num so. Fonte do direito quer assim dizer: autoridade
sobre a qual se apoia a forca obrigat6ria de uma regra juridica,
e que, pela sua propria existencia, d:i a garantia da eficiencia
real dessa regra~ 352. Mas nao apenas isso; pois, de outro lado,
a positividade deve ir imanente a normatividade, e dai que
uma terceira nota se liaveria ainda de verificar - que a sautori-
dade» em si mesma, na sua propria existencia, encamassc
«valores», enquanto fimdamentos e imposicoes axiol6gico-
-norrnativos. Por isso, 0 conceito correcto e acabado de
fonte do direito seria afinal este: «autoridade qualificada sobre
a qual se apoia a forca obrigat6ria de uma regra juridica e
que pela sua pr6pria existencia, encarnando valores, de a
garalltia da eficiencia real dessa regra» 353.
350 Sobre 0sentido particular de sautoridadee aqui refer ida, e cuja exi-
gencia resultaria da natureza imperativo-atributiva implicada na intersubjec-
tividade jur idica, v. G. GURVITCH, L 'I de e d u d ro it s oc ia l, 114 , ss., e 1Uor i e
plural is te , ci t . , 116. Sentido diferente daqueles que a mesma expressao atri-buia GENY,quer ao considerar como sautoridades - que garantiria a obriga-
triedade da dei escrira», p. ex. - 0poder prescritivo que manifestaria a esobe-
rania do Estados (Sc i en ce et Techn ique , IV, 75, 55.; Methode , cit. I , 115 S5.), querao incluir a doutr ina e a jur isprudencia na .denomination generique d 'Au t o -
ri te ' c(Mhho d e , III, 2, 5 5 . ) . Se em GENYestes sentidos correspondem, respecti-vamente, ao concei to pol it ico cornum de autoridade e ao sent ido romano e
sociologico de «auc tor l t as», em GURVITCH a autoridade, como memento cons-
titutivo das fontes do direito, tern antes urn especifico senrido social-institu-
clonal. Para 0 senrido de auc to t i ta s , v. in fra § 3.·.351 .Autoridade qua li ficada quer d izer - e sc la rece GU1I.VITCH Th eo -
tie, 117- autor idade rea lizando a jus tica e encamando va lore s posi tive s• .352 L 'I de e, c it ., 133.
353 TMo r ie p lu r a1 i st e , 117; L ' Id ee , 133, com enunciado equivalente .
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128 DOUTRINA
Ora, onde deparariamos com «fontes» que satisfizesseni
todas estas exigencies? Nao as satisfariam sem mais as «auto-
ridadess habitualmente citadas como fontes do di reito posi tivo:
a lei, 0 costume, a pritica judiciaria, as convencoes (actos-
-regras), estatutos, etc., porque essas nao dariam em si mesma
garantia, «nern quanto it sua qualificacao 354, nem quanto it sua
eficiencia real» 355. Seria assirn necessario procurar rnais profun-
damente a «base da validade das pr6prias autoridades», desco-
brindo as «fontes das fontes», i. e , as fo nte s p rim a ria s e materiais
em que se fundam as f on te s s ec un d a ri as , as quais verdadeiramente
nada mais seriam do que «processos tecnicos de consta tacao» 356
das primeiras 357. E se as fontes primarias nao podiam ser
«simples factos sociais» - pois careciam como tais de normati-
vidade -, ou apenas «posrulados ideais» - dado que a estes falta
positivi dade -, sendo certo que 0 direito mao pertenee inte ira-
354 A su a <qual if ic a"a: o- nao a te ri ar n es sas , fonte s> em s i mesmas, mas
na inteIl'<io e conteudo normarivo material que exprimissern, nos valores que
encarnassem,
355 Para explicacdo deste ponto, v. L ' Id ee , 133; Th i o r i e , 117 - e que se
resume no seguinte: urn costume, uma decisao judicial, etc., nao nos rnostram
s6 pot si que sejam qualificados para criar direito novo, derrogando 0 direito
ja existente; e a lei, mesmo se formalmente perfeita, nao garante gem mais que
nao entre em colisio com a .propria estrutura do direitos ou que nao fique
simplesrnente no papel e de facto normativamenre impotente,356 Observe-se no entanto que os «metodos de constatacdo dos·'factos
normativos', des quais 0 direiro ~ositivo tira a sua forca obrigatoriae, seriam,
segundo GURVITCH, de duas especies: «processos tecnicos formals- e euma visao
di rect a e imed iaza do ' fa ct o nor rnati vo 's, a t raduzir er n a cons ti tu ic ao, r espect i-
vamente, do .d irei to pos i t ive [o rma l . e do . J ir e i to p o s i tj v o imu i t i v t » . A estes
dois modes de dererminacio do direito vemos agora - in G r ll nd z# ge d e rS oz i% g ie d es Rech t s , 2.' ed. 148, ss . - a cre scent ado urn te rcei ro , 0do «direito
flexivel e determinado a d h o c> . Pelo que , ne sta nova classificacdo teriamos antes
•direito previarnente fixadc», edireito f lexi vel e determinado a d h oc >e odireitointui tivos, Sobre 0que deva entende r-s e por ed ire it o in tu irivos , v . GUl I.VITCH,
L e t em ps p re se l: ! e t /'id ee d u d r o it s o ci a l, 279, 55.; ID. L ' Ex pE r i e nc e j u ri d i qu e et
[a p h il o so p hi e p /u r a/ is t e d u d r o it , 130, S5.
357 L ' Id ee , 133; Theo r i e ,117 . Sobre a pluralidade e 05 d iversos t ipos de
•fontes formaiss, v i d e esta segunda ob . c i t . 120, 55.
AS FONTF.S DO masrro 129
mente nem a esfera do 'dcver-scr', neui a esfera do 'ser', mas a
uma esfera intermcdia que ultrapassa esta oposicao», aqucla csfera
ou «0 dominic das significacoes norrnativas, referidas a 'rcalidadeespiritualizada' da cultura (Ku/turl l l irkl ichkei t» 358, cntao aquelas
fontes seriam verdadeirarnente i f ac t os n o rma t i v o s» , i. e, realidades
sociais que «rnaterializam valores extra-temporais» 359, ao «encar-
narcrn pela sua propria existencia valoi es positives intrfnsecos
(da caracter juridico e nioral)», e sao por isso qualificados para
desempenharem «0 papel de autoridades impcrsonalizavcis no
estabelecimento de regra de direitoe 360 361. Reahdades em que
«se produz esta interpenetracao do ideal e do real, dos valor cs
e dos factos 3(,2 -- «idees objectives devenues faits sociaux» 363.
Factos normativos, neste sentido, te-los-iamos em todas
as formas socialmente reais de associacao, ja de caracter coor-
denador, ja de indole integradora - ou seja, c rcspectivamente,
«factos normativos de re l a f ao c om o utr o» c «factos norrnativosde ull i i io ou c omunhdo» . Os primeiros manifestariam 0 «comcrcio
juridicm e, tendo na base as relacoes sociais de simples «inter-
dependencia», dariam origem ao « d i r e i to i n d i v idua l » ; os segundos,
exprimindo a «sociabilidade por fusao c interpcrietracao» - que
iria desde a «111aSSa>l a «comunidades ate a «comunhao»-
358 L'Uh, 115.
359 I bi d., 2 0.
3(,0 Ibid. , 114 .
361 Sobre a origem da dcsignacao -facto normativos, eo propr io pensa-
mento basico que ela exprimc, devidos ambos a 1. PETRASIZKY, auror que pro-
fundamen te i nf luenc iou GURVITCH, sobrc tudo as sua s posi coe s no prob lemadas font es do di re it o, v ide GmvITCH, Le t emps pre I f l Il , cit., 279, 55., e L 'Expe -
r i ccnce jurid ique, cit., 153, S5.
362 T h e or ie , 1 1 8.
363 L ' Id ee , 115. Nesta base pod ia GURVITCH ahrrnar que .a posinvi-
dade necessaria do direito nao tern absoluramcnte qualquer re1a"ao com a inter -
ven~o do Esrado na vida juridici, porque a auroridade dos 'faetos norrnarivos'
e uma autoridade objeetiva e impcrsonalizivel ( ... ) e a sua existencia rUo is
coberta de modo algum pela do Esrado e dos corpos organizados em geral•
- L 'I df: e, lOB.
9 - Bot, <I. Fae. de Dir., Vol. Lll
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130 DOUTlllNA
seriam 0 fundamcnto do ( I{hre i to social» 3(,~. Mas de ambos estes
tipos de «faetos uormativos» se did. que «Sao intermedidrios
entre a sol idari edade idea l e a solidari edade de facto') ou «a mani-
festacao da solidariedade de facto realizando urn elemento da
solidariedade ideal»; pelo que, «num s6 e mesmo ac to engendramo direito e fundam a sua existencia sobre ele - 0mesmo e dizer
que, na sua existencia, a constituicao pelo direito e a geSla.c;ao
de um direito coincidem e identihcam-se» 365. 0 que irnplica
uma ultima nota decisiva: «estes factos norrnativos encon-
tram a sua justificacfo juridica no proprio facto da sua exis-
tencia, porque este facto apresenta nele mesmo urn valor
juridieo positive e serve a realizacao da justicai 366 667.
Nestes termos, ou com fundamento nesta concepcao das fon-
tes do direi to e da eorrelativa dis tincao entre os ( lactos nonnativos
ou fontes primarias» e «os processos tecnicos para os constatar
formalmente ou fontes formais», ter-se-ia de reconhecer que«UIlU lei, urn estatuto, uma convcncao, 0 propr io cos tume
nao produzem positividade juridica senao na medida em que se
apresentam como consta tacoes de 'factos nonuat ivos' pre-exis-
t entes». Que 0 mesmo era conduir que «a teoria dos factos
nonnat ivos, enquan to sao estes fontes prinui rias da posit ividade
do direito», anulava a doutrina tradicional e estatista das fontes
formais - «toda a tentativa pata erigir as 'fontes fonnais',
sublinha GURVITCH, em hipotcses absolutas (p. cx. , 0 'feiticismo
3 (04 L ' I d& , 141, 55., e p a ss ln i; T h eo r ie , 120, 55.; So z i o l o g i e , cir., 132, 55.,
139, S5 • •
365 T li eo ri e, 1 19 .
366 L' IdEe , 134; cfr. T I I e o r ie , 1 1 9 .367 Sendo certo que, scse quisesse «desmembrar 0 acto pelo qual sepro-
duz esta coincidencia, poder-se-ia talvez dizer que e pela ide ia de jus ti ca que os' factos norrnativos ' sao consrituidos (impregnando-se de valores correspon-
dentes, por exernplo, a seguranca , a ordern estavel , erc. ) e que 0 direito eoque de s engendram •. Assim, os factos normativos deveriarn sec considerados a
«caregori a const itut iva» do direi to , e est e <0 seu produto» - L 'I de e, 1 19 .
Cfr. i l l f r a , no ta 38 9_
AS FONTES DO Drl !E ITO 131
da lei' do Estado) sofrc assim urn fracasso definitive, ao
deseer-se a te aos 'facto s nonnat ivos' na p roeura do fundamento
da Iorca obrigat6ria do direito positive» 368.
Entendimento este das fontes do direito (}ue importaria,
nos seus corolarios, consequencias importantes, Desde logo,as seguintes. 1 ) Em primeiro lugar, havia de reeonhecer-se
um p l u r t 1 1 i s m o tanto de fontes primarias (<<factosnormativos»)
como de fontes formais. No que toea a estas ultimas, afmua
GURVITCH que (pode haver em principio Ulll numero ilimitado
de fontes fonnais, posto que os processos tecnicos para cons-
tatar 'os factos normativos' sao variaveis e podem sempre ser
inventados novos, A restricao do numero desses processos a
certas especies exclusivas (por exemplo, so a lei do Estado,
a lei e 0 costume, etc.) nao tern qualquer valor cientifico e nao
representa senao um dogmatismoi 369. E a querer enuncia r-se
a lista dessas fontes fonna is, deviam incluir-se ne la pelos menos(<<atitulo provisorio») dez: 1.0 0 costume; 2.0 os estatutos
auton 0 1 11os; 3." a lei estatal e 0 decre to administrative: 4.0 a pra-
t iea dos tribunais ; 5 .0 a pratica de orgaos nao judicidrios; 6 .0 a dou-
trina; 7.0 as convencoes e aetos-regras; 8.0 declaracoes sociais
(promessas, programas, sentcncas]; 9.0 precedentes; 10.0 reconhe-
cimento de um novo estado de coisas por aqueles meSl110Sque
ele lesa 370. 2) E111 segundo lugar, nao poderia afmuar-se
qualquer «hierarquia apriorica» entre as diversas especies de
fontes fonnais - pois mao sao elas mais do que constatacfies
de ' factos nonnativos' pre-existentes e t irarn des ta funC;ao tecnica
toda a sua autoridade». Pelo que (a afirma<;ao de preponde-
raucia necessaria de uma Fonte formal sobre as outras (p. ex.,
da lei sobre 0 costume e a convencao, etc.) nao pode ser just ifi cada
368 L' Idee , 1 3 4 _
369 uu«, 135; Thiorie, 119.
319 L' Idee , 137, so ; c T he otie , 1 20 .
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132 DOUTIUNA
de modo algum» 37l. 3) Em tereciro Ingar, havia tambem
de eoncluir-sc, cousiderada a natu reza da fonte primaria pr6pria
dos «faetos normativos» e a func;:ao sccundaria e meramente
tecnica que perante eles tern as fontes formais, que estas nao
scriarn afmal ind ispensave is, antes poderia obre r-se 0 direito
directauiente do facto normative «sem 0 intermediario dos
proeessos formais de constatacao» ~ «para a positividade de
uma regra de direito basta que 0 facto nonnativo, sobre 0
qual ela se funda, scja eonstatado». Constatacao quc se poderia
realizar por uma «visao imcdiata» daquele facto ou sem pro-
ee5SOS tecnicos fonnais e reflecridos: easo em que teriarnos 0
«d i r ei t o p o s it i ve hi tuit lvos, a distinguir do « d ir e it o p o si ti ve f o rma l ».
Este pensamento das fontes do direito, exposto assim Has
suas eoordenadas fundamentais, ofcrece sem duvida contri-
butos importantes para a teo ria geral das fontes, alguns dos
quais se pode mesmo dizer terern fleado definitivamcnte adqui-ridos, E urn desses contributes definitivos foi justamente 0
reconhecimcnto do pluralismo das fontes do direito. Senao
em tcrmos em tudo identicos aos que foram susreutados por
GURVITCH 372, 0 eerto e que se te rn hoje por irrecusavel a plural i-
dade dos polos ou mediacoes eonstitutivas da normatividade
juridica, a recusar a ideol6gica pretensao <.Juer d o monopolio
da sua criacao, quer da sua titularidade redutiva no legislador
politico-estadual '?. A n6s, porem, 0 que ncste momento
J71 L' Idec , 135. Para 0 desenvolvimento deste ponto, ass im como para
a consideracao dasrelacoes que sehaveria de reconhecer entre os <factosnorma-tivos», v id e T hi or ie 123, 5S . .
372 Os quais , alias , na propria tese do pluralisrno das .fontes materials»
~ como tais seriam os . f a e /o s n o n u a t i v o s , como v imos ~ nao deixar am de rer
adeptos - V. LEGAZ Y LACAMBRA, Fi lo .~(~~ae! Dered io , 3.' ed., 530, S5., 537, S.J73 Pluralismo que sed. mesrno conscquencia necessaria, segundo A. R. rN-
KEN, Ei l l ( i ihmng ill da s iuris t i scl« Studium, 227 s., dos Ienomcnos juridicos
actuais ci a <tendencia da descentralizacao- e da «pluralizacao material> (plura-
l ismo do «ri te rios dos valcres e fi cazcs na cri acao do direi to- ou plura li smo
de padroes normativos).
AS FONTES DO D lREI TO 13 3
antes de mais importa 374 e ponderar do sentido e do cxacto
fundamento desta concepcao das fontes do direito, e na mcdida
em que ncla sc reafirma, a sell modo, a tcsc das Ionrcs
materiais,
Ecsta concepcao 0 resultado de urn pensamento sincretico,
em que convergem influencias viirias. Confessadamente 375
in spi rado nas ca tegorias-di srincoes de DUGUlT (ent re «d:gle
de droit» e «rcgle techniques) e de GENY (entre «lc donne- e (ae
construit»}, c guiado pclo primeiro na proeura de 111il direito
socialmente fundada e anterior ao Estado 376 e pelo segundo
na pressuposicao de eertos «dados» ern que se verihcasse a Sua
emergcncia 377, vcio GURVITCH a iden tifi car esses dados de 11m
direito espontfinea c imediatamente social com (lactos norma-
tivos». Esta ultima categoria fora, por sua vez, sugerida por
PETRASIZKY nB, mas os factos normati.vos seriam cntendidos
agora sobretudo na perspec tiva do insti tuc ional ismo dc HAURIOU
~- com gue no fundo GURVITCH oincide, pois os «factos
normativos» nao seriam afiual out ra coisa do que «insti tuicoess:
«1 instituicao mais objectiva que a regra, enquanto tal, e preci-
samentc U111 facto normativo» .179, 0 di reito revelar-se-i a, numa
espontanea manifestacao social, em dados «£aetos normativos
de indole objectivamentc institucional ~ tal e , em suma, a tese
das fqntes materiais de GURVITCH.
374 Deixaremos, por isso, tarnbcrn inconsiderada a quesrao da validadc daenumeracao que GURVlTCH faz das fontes formais ou dos modes da dete rrni -
na~ao jurid ica, Sendo certo que, por u rn lade, essa cnurneracso pressupoeuma dis tin~ao entre fontes materiais (<factos normativos-) e fontes formais ,
que dis cuti re rnos a segui r, e , por out ro lado, e mniro dnvidoso que possarnos
inclui r todas essas . fontes for rnais s nos modes consti tu tivos do direi to , de
que tar nbern nos ocuparer nos - v. i n f ra .m T h eo r ic , 1 18 .J76 L'Ide( ' , 595, 5S.
377 L e te mp s p re se nt, 216 , 55.,
378 Lc 1(·IfI!'.' present , 279, s s.; L 'Exp e ri e rl c e J . ,r i d iq u ( ·, 153, S5"
379 L'Idh·, 119, s.; 647, 55..
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13 4 DOUTRlNA
So que, nao obstante, este pensamento nao e apenas a
repeticao dessas inf luencias conjugadas, pois tenta 0 seu proprio
caminho com uma autonomia que justifica que dele nos ocupe-
mos depois de termos considerado ja os outros em que se inspira.
Autonomia que se reconhece tanto na sua particular concepcao
da iusti tuc ionahdade normativa dos «fac tos norrnat ivos» como
na metodologia da deterrninacao da normatividade institu-
cionalizada em tais factos. Para alem de DUGUIT, preso no sen
elernentar naturalismo e no seu empirismo sociologico, e ultra-
passando tambem GENY , que nao deixou de oscilar entre urn
posit ivismo sociologico e um psicologico intuic ioni srno et ico -,
afmal tudo a mostrar-nos que ambos se mantinham ainda no
sec. XIX -, GURVITCH assimi lou ji a especi fic idade , se nao onto-
logica, pelo menos fenomcnologicamente cultural dos valores e
pode assim consumar 0 que diz ser 0 «ideal-realismo» de HAURIOU
(sinc reti ca sintese , tambem, de urn pensamento soc iol6g ico comdirnensoes metaf i s icas) no fenomenologismo s6cio-cul tura l dos
-faccos norrnativos». Pois estes nao serao verdadeirarnente outra
coisa do que ins ti tucionalizacoes sociais de sentidos axiologico-
-culturais - nada mais, em ultimo termo, do que positivacao
inst itucionalizada de valores .
Por outro lado, como conjunto de valores insritucional-
mente positivados se compreende tambem aqui 0 direito 380,
pelo que os ~factos norrnativoss serao simplesmente os factos
do dire ito (fac tos institucionai s) e 0 direito 0 contetido fenome-
nologico-intencional desses factos. E dai a «intuicaos, a evisao
imediata» como 0metodo - que se pretende fenornenologico ~
da deterrninacao originaria do direito naqueles seus factos-
-fontes 381. Metodologia que, comecando por inspirar-se no
380 v. L'Idee, 95, 5S., e passim,
381 L'Idh, 132, ss.. E que se GRUVITCH distingue, como j:i foi alu-
dido, uma constatacao .intuitiva. do direito nos factos normativos de
uma constat acao . tecnica, formal e ref iect ida» , e ass im urn «li re iro posi tive
A5 J-ONTES DO DlRUrO 13 5
psicologico intuic ioni smo emocional de PETRASIZKY, acaba por
coincidir com a fenomenol6gica «intu icao emocional dos valorcs»
de M. SCHELER 382 - que outra coi sa nao e tambem aquelc ideal-
-realislllo que GURVJTCH assumiu c pretendc refundamentar J81.
Tudo assim a convergir nesta conclusao: os faetos ({£actos
normativos)}) e 0 dire ito sao apenas dois aspectos correlatives
de urna 111eS111aealidade, pclo que entre este e aqueles nao hi
distancia problematica. 0 mesmo e dize r que 0 di reito tem
a sua «fonte) no facto da sua existencia - que fonte do
direito e 0 proprio direito! Ora, nesta tautologia e como se
o problema das fontes se resolvcsse pela sua eliminacao
_ tal como, decerto com pressupostos e fundamentos diversos,
rlnhanios visto que outra nao era a conclusao do positivisrno
jurid ico tradicional na sua aproblemit ica conside racao do nosso
terna. Pois, na verdade, nao se contundira tambem em GURVITCH
o modo-de-ser do direitoCOIll
a fonte do direito e0
problemada determinacao objectivo-cientffica dele (0 problema das
-fontes da ciencia do direitos) com 0 problema da sua cons-
tituicao normativa (0 problema das «fontes do direito») 384?
Afirmar uma natureza ou modo-de-ser institucional ao direito,
contra 0 entendimen to normativi stico desse modo-de-set . reco-
nheccr que c a «instituicao» e nao a «norma» 0 objecto-fonte
da ciencia do direito, sera 0 mesmo que resolver 0 problema
i ntui rivo- de urn .di re ito pos it ive for r- iab, deve ter -s e igualmente em conta
que as -Fontes formais- sao modes ou Fontes secundirias da detertnina~ao do
direi to e de que este, por tanto, h i-de seuipre manitesrar-se originaria OLi pri-
mar iamente nos . faetos normativos- , na «ideal-real» normatividadc desses
faeces, qLIes6 lima aprecnsao unid.rio-fcnomeno16gica pode determinar. Por
i5S0 afLIll1aGURVITCH que a sua teori a dos <factos nor rnat ivos» e euma teori a
intuicionista dos valores apreendidos imediatamente nos faetos>- Thiorie, 11().
382 Cfr. L e t em ps p re se nt , c it ., 279, 55.; L ' E x p e ri e n ce j l lr i d iq u c , tii., 153, 55.
:\83 ViJ e L ' i de e , 113, 5S.384 Para a dis tincso entre . fo ll te s da ciencia do d ir eito» e .fon tes do
direiro», v. G. PEREZ , a p u d J . M. DESANTES GUANTER, Fuudame n t o s d e l derec lw
d e J a illjoffllaci<Jrr, 434.
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136 DOUTitlNA
da sua const ituicdo norrna tiva , ainda que porventura 0 direito
sc manifesto em termos institucionais e HaO normativlsticos?
Anali sa r a «real idade especi fica do dirci to» J85 e 0 mesmo que
resolver 0 problema da constituicao especif ica da normatividade
juridica?
E essa analise, ela pr6pria, revelou a GURVITCH que na
realidade juridica, e assim na sua experiencia normativa, concor-
rem tres rnomentos irredutiveis: um fundamento normativo
(axiolcgico) de validade, a referencia a realidade hist6rico-social
c a relacao entre ambos, relacao espedfica c segundo um
processo norrnativo pr6prio em que 0direi to ted verdadeira-
mente a Sua rnatriz constituinte. S6 que 0 problema desta
relacao ve-se convertido no postulado de uma assimilacao do
va lor pela rea lidade hi stori co-socia l grac; :as a uma autoridade
institucional, 0 «facto normative», que 0 pensamento juridico
teria de pressupor, para s6 p o st f a ct um the apreender (cons tatar)o respectivo conteudo normativo-juddico. Nao se diz que
o direito nasce dos factos (como diz 0 sociologismo, seja de
DUGUIT ou outro) , nao se aceita que 0 direito se infira de
dados originariamente pre-juridicos (como 0 vimos preten-
dido por G E N Y ) , afirma-se que 0 direito e uma sintese inst i-
tucional ( tal como igualmente 0 afmna HAURIOU), mas 0 pro-
blema dessa sintese, no seu processo constituinte, nao chega
a por-se. Ou melhor , 0 processo norrnativamente constituinte
nao seria considerado pelo problema das fontes, seria apenas
tido em conta C01110 f ac tum no ~facto normative».
o ponto decisive esta, pois, aqui: isso que e facto parauma intencao de mera deterrninacao objectivo-cognitiva sed
urn irredutivel para a analise problemitica da consrituicao
do direito, uma realidade primeira tal como 0 e a criacao
385 Dessa analise se OCUpa,afinal, 0 .id.eal-realismo juridicos de GURVITCH
- v. L' Idee , 113, 55 . .
A.I FONTES DO IHREno 13 7
depois de ncla e por cla se ter manitestado a vontade do
Criador, e assim apenas susccptivcl de uma dcterminacao
e x po st -- 0 facto-result ado de Ulna consti tuicao insondavcl ou
entao 0 facto-resultado de urna constituicao cspontanea (se
naa irracional) que s6 a b e x tr a pode ser considerada 386?
Ou a constituicao do direito e antes aquilo mesmo que 0
problema das fontes devera explici tar, no processo problemarico
da sua normatividadc, c para 0 dominar nessa sua normativa
fenomenologia constitutiva? A racionalizacao das fontes do
direito, pdo pensamento jurfdico, corneca so depois destas
terem constituido 0 direito ou 0 problema das fontes e justa-mente 0problema da racionalizacao dessa const ituicao ?
Decerto que numa realidade valiosa, numa concreta reali-
za9ao axiologica, 0 inomento intencional de valor, «ideal» ou
de «devcr-ser», se assimila e integra numa unidade especifica
com a reahdade que forma 0 subs t ra tum material dessa reali-zacao valiosa - tomada assim urn «bem» -, pelo que a valor
s6 pode ser apreendido na intuicao fenomenologica-intencional
dessa unidade . Trata-se de aquela unidade espec ifica en: que a
objectivacao constituida se compreende C01110 correlato inten-
cional do acto e inteucao constituinte, c na qual 0 acto e a
intencao nao se cornpreendem menos, tambeni , C01110 correlates
intencionantes da objectivacao intencionada e constituida - do
mesmo modo que 0noeruatico e correlato objectivo do noetico
e 0 noetico correlato activo do noematico, S6 tendo, efecti-
vamente, presente esta particular unidade fenomeno16gica se
pode entender que se diga (e porque se diz) que nos «factosnormativos» - na sua unidade de realidade interpenetrada de
386 Tese que a plena ace it acao , no problema das fontes, da perspec tiva
epistemologica de HAURlOU decer to inculca ri a, s e dele pudessemos dizer ,
com GURVITCH, que via 0 direito <comouma verdadeira realidade espontanea»,
na qual a <pcnetrac;:ao.de uma ideia 011 valor numa realidade social se operaria
como uma .transubstanci~ao. - v. L' I de e , 6 6 2.
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138 DOUTRINA
valor - «a constituicao pelo direito c a gcstao dum direito
coincident c se identificam», que «num s6 e mesmo acto (os
factos normativos) engendrarn 0 direiro e fundam a sua exis-
tencia sobre ele», c que esta constatacao s6 possa realizar-sc
«por uma v is d o i m ed ia ta do facto normative», par uma «intui-
yao~. Simplesmentc, esta atitude metodo16gica s6 seria neces-
sari a (e a unica possivel ) tarnbem no nosso caso, se estivessemos
aqui perante realidades valiosas originarias ou a prio r i - i. e,
sc 0 «bem» em causa (a ins ti tu icao, 0 ( lacto normativo»] fosse
o primeiro, 0 originario e irredutivel «dado» da experiencia
em causa. Ou se, embora haven do de considerar-se essas reali-
dades como p osterius, a Bossa intencao em face delas fosse
apenas de constatacao, fenomeno16gico-compreensiva ou descr i-
tiva (se a nossa intencao fosse apenas a de aceitar e reconhecer
teoreticamente essas realidades).
Ora, nem 0 «facto normative», a objectiva inst itucionali-ZayaO do normativo juridico e 0 prius, quer na ordern histor ica,
quer na ordem de validade, ncm a atitude problematicamente
correcta, no que ao BOSSO tema se ref e re e perante 0 manifesto
a p os te r io r i da const ituicao hist6rico-social do direi to, e a de
mera aprecnsao e descricao fenomcnol6gica do seu dado-resul -
tado normative.
Que a ojectiva institucionalizacao do normative juridico,
indusivamente de todas as «instituicoess e de todas as «ordens»,
na sua material especificidade, nao e 0 prius e 0 corneco,
mas 0 posterius C 0 resultado de um csforco his torico-cultural
problematicamente analisavel387
, c hoje cada vez mais conscientee deliberado, C 0 que nos mostra a hist6ria cultural e jurfdica,
J87 Vide agora, no mesmo senrido, H. HENKEL, EinHihrul lg ill d i e R e e n ts -phi losophic, 2. a ed., 360-.Ainst itui cao como «sta tus. t ed . s ernpre de se r
precedida por uma acto de . inst itLJere>e este acto de pos~o e , para qualquer
consideracao cientifico-social, 0 agi r humane que fundamenta a qua lidade--status da insrituicao •.
AS FONTES DO DlRUrO 139
e sem que com isso se lIeguc a objectividade human a c a
digllidade ontologies que nessas instituicoes c ordens se rnani-
festam. Ja haviamos aludido e este ponto ao considerarmos
criticamente a «natureza das coisas». Assim como devcmos
reafirmar 0 que entao dissemos para recusar
aobjcctiva~ao
normativa ins ti tucionalmente histor ica 0 prius na ordcm de
validade. Pois nao se pode ignorar, digamo-lo agora com
ENGISCH, «que valoracoes como factos hist6ricos nao funda-
mell tall l a 'justeza' de urna regulamentacao, possam elas ofe re-
cer-se-nos sob a roupagem da 'natureza das coisas'. Precisamente
aqui se deve muito rigorosamente distinguir a q u ae s ti o f a ct i da
q ua e st io i ur is : e assim 0 problema de validade, mesmo relati-
vamente a norrnatividade institucionalizada, e sempre uma
questao em aberto» 388. Pelo que 0 «facto normative», e a sua
institucionalidade, nao pode ter-se por um qualquer absoluto
ponto de partida normativo-juridico, antes ted de ver-se semprenele urn ponto de chegada, 0 resultado ou a solucao de um
problema normat ive suscit ado pe la intencao de um fundamento
[ t ranscendens] dc validadc constituinte 389.
388 A uf d er S uc hc u ac h G e rc cl lt ig ke it . cil., 245. So ass im nao sera para
o tradicionalismo acrit ico, que confunde 0 institucionalmente existcnte com
a validade e atribui valor ao facto social so por ser de existente - 0que
significa, numa expressiva formllk{ao de LOMBARDI, como que ver 0 'passado
feito natureza',
3B9 0 que nao deixa de ter, verdadeiramentc, a concordancia de GUR-
VItCH, quando de propr io observa , depoi s de afmuar a -coincidenc ia», nos
. faetos normativos- , ent re a «cons tituicao pelo direi to» e a .gest alj :ao de um
direi to-, que .se poderia talvez dizer que e pela ide ia de just ica que os ' factos
normativos' sao constituidos (impregnando-se de valores correspondentes ,
por exemplo a seguranca, a ordern estavel , e tc .) e que e 0 direito 0 que eles
criarn. Pelo que e rnenos 0direi to do que a justica e osvalores que dela depen-
dem que deveriam ser considerados como a 'categoria const itut iva' dos ' factos
normativos', MOse oferecendo 0 direi to senao como sellproduto. No entanto,
para evitar a perigo da hip6stase d a justicaem 'direito haw ral ' e tendo em conta
a unidade essencial do acto pelo qual os ' faetos normativos' eriam 0 direi to c
fundam nele 0seu ser, sed. melhor ter em eonta sirnplesrnente, na carncteristica
dos 'factos normativos', a constatacao da identidade mcncionadas ~ L' Idee , 119,
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141) UOUTlUNA
Depois, sociologico-teoreticamentc 0 direito e uma rca li-
dade uorruativo-cultural, niu facto normative, um «dado» au
«sere social; mas normativo-juridicamente c uma intencao norma-
tiva que toma uma posicao rcgulativa e de validade perante
uma determinada realidade social 390 - uma intencao de vali-
dade normativarnente const itninte da realidade social. 0mesmo
e afmnar - importa repet i-Io - que normativo-juridicamente
o direito nao pod era ser compreendido sem a mediacao do scu
cspecf f ico p ro b le m a n o rm a ti ve 3')1 - com 0 t e lo s de normarivi-
dade que the e proprio, a problematizar regulativamente a
realidadc pda validade, 0 facto pelo valor, e assim, igualmente,
com 0 processo constitutivo que resolve 0 problema mediante
a fonnacso e a realizacfo his tor icas de uma concreta juridi-
cidade. E se sempre assim e , seru excluir decerto 0 pensar
juridicamente uma instituicao - outra coisa sed. pensa-la socio-
logica, hist6rica ou culturalmente -, ja que a sua norrnativa
juridicidade nao menos exigira que seja reassumida a b in tr a a
rnediacao normativamente instituinte, muito mais 0 problema
da formacao-object ivacao histori co-posi tiva do dire ito - 0 pro-
blema das fontes - exigid. essa mediacao normative-problema-
tico-consti tuti va.
Persiste, pois, em G. GURVITCH, como em EHRLICH, no
pensamento da «natureza das coisas», em DUGUIT e em GENY,
a tradicional atitude apenas epistemologica (ou teorerica) do
pensamento juridico: 0direito hi-de ser um pressuposto-objecto
a revelar-se, como tal, em certos tarnbem pressupostos dados.
o dado deixa de ser 0 voluntaristico pos i tum estadual da leipara ser antes referido a todas as realidades p o ss iv ei s - seja
390 E exacta, nest e sentido , a observacfo de HUSSON, o b . l o c. , dts., 40 :
< . . . 0propr io do direi ro nlo e exprimir este estado nele rnesmo, mas 0 esforco
que a sociedade, ou aqueles que neb sa o 05 condurores (meneurs), oficiais ou
reais, realizarn para 0 manter ou rnodificar».
391 Cfr. P. ROUBIER, ob . c i t . , 193; O. CONDORELLI, E x fa cio o ri tur iu s,
in S c ri tt i 5 u I dir i t to e sul lo s ta t o , 2 7 1.
As H)NlF.S DO DlHElTO 14 1
a I lleral llcl lte empir ico-sociologica, seja a onr ico-social , seja a his -
t6rico-cultural, ete.-, a todas as carnadas onticas que a dircito
dcccrto implica. So que, se as implica, por nao poder ser alheio
as realidades com que tern aver 0 homem, nem par isso
sera Hcito pensar que de qualquer dessas realidades elc jorre
sem dor (sem um particular esforco constituinre), originaria e
espontanealllente, como fru.to silvestrc que apenas houvesse
de co lher-se na rea lidade historico-soc ial , querendo assim dar-se
por resolvido 0 que justamcnte 0 direito e chamado a resolver
e 0 problema das fontes a esclarecer: 0 problema da objecti-
vayao historica de uma validade norrnativa. Sendo certo, par
out ro lado, que a recurso a (~fac tosnormat ivos» au a fenomenos
analogos, implicantcs de vis6es imediatas e do simples apelo aintuicao, traduz a renuncia - hoje inaceitavel - aos processos
reflexivos e problematicamente criticos, a favor dc uma espon-
taneidade que s6 pode ser honiologada por unia C01110 q ue
nristica do factual historico - Ulna das faces do historicismo
e do sociologismo - que desde SAVIGNY nao deixa de fazer
pressao no pensamento juridico. Pdo que rambem aqui se
poderia dizer que assim a direito deixaria porventura de ser
um «probema» - nao s6 porque estariamos nos com de nnersos
nos «factos normativos», mas ainda porque nesses «factos» ia
pressuposto ou realizada sem mais «a liga<;:ao entre a aCyao
empirica duma comunidade real e a accao eterna dos valorcs
moraisi 392, ia pressuposto numa palavra 0 proprio direito posi-
tivo e a sua positividade - mas nern por isso, ou sobretudo
por isso, deixaria de de ser urn autentico emis ter io».E a tudo isto acresce uma ultima observacao, E que,
mesmo que part issemos da ace it acao a b e xt ra de uma normativi-
dade que imediatamente se ofereccsse C111 certas realidades
socia lmente in sri tucionai s, continuaria a nao scr exacto a flfl lla r
J92 GURVITeH, ' Id e e, 1 1 7.
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142 DOUTRINA
e x fa cto iu s o ri tu r , pois a manitestacao do jurfdico enquanto
tal (da intencao e nonnatividade especihcamente jurfdicas) ainda
nesse caso nao poderia dispensar a inte rvencao de urn particular
niomento constitutive. Com efeito, a nonnatividade simples-
mente social oferece-se nao 56 com uma tal inde cermina <;:ao,mas ainda ao service de intencoes tao diversas (economicas,
politicas, culturais, etc.) que a qefmi<;:ao da sua juridicidade
nao pode deixar de implicar uma particular determinacao,
seleccao e reelaboracao, orientadas por uma especi fica intencao
normativo-juridica a objectivar de certo modo (mediante certa
«forma»). Reconheceu-o tamberu de forma expressa N. BOBBIO
- autor que vimos, numa primeira fase do seu pensamento,
nao menos interessado em sustentar que 0 direito emerge da
factual realidade social, como um certo conteiido de regula-
mentacao e de organizacao que os grupos sociais revelariam
em si ruesmos por «necessidade real» 393 -, ao ahrrnar que«a normatividade (juridica) ( ... ) cobra de uma seleccao operada
entre as multiplas relacoes que sao de inicio virtualmente
equivalentes na correspondencia ao fim a conscguir, a consti-
tuicao e a conservacao da convivencia» 394. Por i sso, «as fontes
do direito tem de ser consideradas como os instrumencos
da obra se1ectiva do direico: poem em acto 0 que e rueramentevirtual, atribuem validade hist6rica a informes exigencias,
orientarn a conduta social para urna mais do que para outra
direccao, contribuem a concentrar em formas rigidas e vilidas
~q3 LA c o n s uc t ud l u e, cit., 31, 5S., 75 , S5., e passim.
394 Ibid. , 79 , onde acrescenta: .I nfinitos sao os acto s e os facto s que
cons ti tuem tendencialmente mater ia para uma regulamenta . .ao soc ia l, mas
poucos sao aqueles que acabam por ser assumidos na esfera da regular idade
constitut ive de um determinado direito vigenre: esta obra de assun. .ao dos
facros e realizada pela autoridade social que age, ora mediante 0mecanismo
da tradi . .ao, onde tern lugar 0costume juridico, ora mediante 0mecanisme da
vontade dominante, onde tern lugar os actos no rmativos em geral, a lei em
espec ial», Cfr., em sentido ana logo, N. LUHMANN, S o zi o lo g le , c i t. , II, 207, 55..
AS FONTES DO D lREl TO 14.1
para a gcncralidade a tcndeucia dos membros de urn grupo
a propria organizacao; por isso tern valor constitutive da norma-
t ividadc, e nao meramente declarativo» 390. E dai que tambem a
«forma» - ou melhor, 0conjunto dos mementos constitutive e
objectivante -396
nao seja apenas um «factor tecnico» e «secun-dariof) de «constatacaos e antes um m e m e nt o e ~ pe d fi co no pro-
blema das fontes do direi to 397 398, no problema da constituicfo
his t6rica do direi to pos it ive.
Relativamente a estc pensamento se podera, pois, dizer
em resumo 0 que sempre se hayed dc dizer de todas as
tentativas de captacao iniediata do direito pre-constituido em
quai squer entidades normat ivarnente mate riai s que pudessem
discriminar-se na realidade humane-social. Que sed em vao
que sc pretended suprimir a mediacao e 0 problema do
processo constitutivo intcncionalmente jurfdico, ja que 56 por
esse processo 0 direito, enquanto tal, vem a sua manifesta<;:aoe logra positivar-sc. E sendo assim, 0 apelo a quaisquer fac tos,
dados ou pressupostos institucionais que ultrapasse os limites
da reterencia a relevancia juridica, da consideracao de uma
smateria» apenas condicionante ou mesmo codeterminante da
uorrnatividadc constituenda do direi to 399, para ver neles mesmos
395 O b . c it ., 79, s. V. tambem ROUBIER, a b. cit." RO.s.; TASSlTCH, L6
s uma ' s dll d ro i t po.!itlj; in AllllrIllire, ci t . , 136; cfr. LEGAZ Y LACAMBRA, Ilk c i t ., 535 .
396 Mementos estes dois que ROBBIO nao dis tinguia, para apenas falarde um memento formal.
397 Em scnrido malogo, HENKEL, o b . c i t. , 36B, que acentua a espccifi-cidade de -um processo comp licado s por que se realiza a ju ridiza . .ao dos
conteudos sociais institucionalizados, submetidos a uma a s s i rn i l a . .ao e trans-
forma ..ao constitutiva pelos varies modes da positiva ..ao da inten ..ao juridica,Ponto a que voltarernos com desenvolvimento illj;n.
398 V. TA55ITCH, ob . /0(, ci ts . , 236,55. Scm essemomento (ou momentos),
podera a inda dize r-se , nao se ult rapassa 0 nivel sirnplesmente socio16gico,
sern atingir 0 nivcl juridico do problema da s fontes do direiro - cfr . BOBBIO.
o b . c i t. , 15; e esp .[0 GANEFF, Le s S ou rc es d H d ro it pos i t i !; in AWl l la i re , c it ., 1 4 6,3 9 9 Vide i l l f r a .
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144 DOUTRlNA
o direito imediatamente oferecido, csra condenado a urn dos
dois resultados: ou a confundir uin pressuposto material do
dircito - um momento matcrialmente condicionante ou code-
tcrminante da sua autonorna constituicao - C0111 0 proprio
d irei to, ou aver nas objec tivacoes socia l-posit ivamente consti-
tuidas do dircito, e constituidas por U111 processo espedfico
que sc ignora ou oculta, 0scu fundamento originario pre-cons-
tituido ou espontineo. No primeiro caso, particulannente
caracteristico do sociologismo, do pensainento da «natureza
das coisas» e nao menos de GENY , reduz-se 0condicionado ao
condicionante, Ido compreendendo a distancia problem:itica
e constituinte que vai deste aquele; no segundo caso, em que
cabcm DUGUIT e de modo especial GURVITCH, identiticam-se
tautologicamente as fontes do direito com 0 pr6pr io direi to ,
vendo 0 sell fundamento e origem 110 que e a sua obra e
resulrado,
5. Considerados os pensalllentos que em tenuos mais
relevantes sustcntaram a tese das (~fontes rnate riai s», facamos
urna sintese dos resultados obtidos e simultaneamente uma
breve just ifi cacao do rumo a prosseguir.
ll) Nao lograram esses pensamentos denionstrar a tese
que se propunham: que 0 dirci to se ofereiYa imediata e origina-
ri amcnte em certos «dados» on num qualquer pressuposto mate -
ria l da realidade humano-socia l, ja que a manifestacao do
juridico nao se verifica sent uma especifica mediacao norrnati-
vamente constitutiva. Nem seria diflcil comprovar 400 pelaanalise da propr ia intencionalidade do jur idico, enquanto norma-
tivo, a inelinnnavel distancia de um predicante «dever-ser»,
que de modo catacteristico the corresponde, perante 0 «serl'>do
400 Alias , nao deixarernos de obter uma das formas dessa comprovacao
ao considerarmos, i n f ra , 0 «momen t o d e o a li d ad e s,
AS FONTES DO O lREl TO 145
scu «objecto» (a sociedade, a realidade humano-social), e que
assim , pela sua propria estrutura, 0 direito ndo podcra ser
nunca uiu origin:irio-pressuposto e siin apenas 0 objectivado
resultado de U111 juizo. Nao «dado» ou um qualquer «iacto»
scm iuais, mas sempre um «construido» em fun<;ao de uma
problem:i tica assurnida intencao regulat iva 401.
Todavia, sc nao lograram aquele scu objectivo, muito nos
ofereceram, no entanto, esses mesmos pensamentos para se
nao poder niais considerar 0 problema das fontes do direito sern
atender aos pressupostos materiais - sc s6 condicionantes ou
tambern codererminantes, ve-lo-cmos - que, enquanto tais, se
inipoem como factores irredutiveis no contexte global (hist6r ico-
-social e cultur al) da const ituicao problcm:it ica e da posit ivante
manifestacao do direito. Pois se e exacto que «as relacoes
soc iai s nao cunham 0 direito», tambem este nao forma em
401 Conclusao que esr.ina coerencia de tudo 0 que tcrnos vindo de dizer
e em que analogamente convergem hoje analises de perspectivas tao diferences ,
como as de A. BARATTA, Ric l ie rchc sri 'e ss er e' e ' do~er -essere ' ne i le spcr ienza
I lo r ll la t i~ t I e n el !« s cie ne a d el d i r i t t o ; R. KONIG, D as R ec ut ; 1 1 1 ZUSLl I l1l I l c I I /"mg
d er s oz in ie n N on nc ns ys tc mc , in S tu die n u od M atc ria lie u z ur R ech ts so zi% gic ,
2.' ed., 36, 5S., esp." 45 , S5.; M. DRATH, Grund IIl1d G re tizen d er Vetbin-
d l ic h ke it d e s R c c/ tt s, p a ss lt n ; N. LUHMANN, P o s i( iv ;l ii t d e s R e cl w a ls V o ra u ss e tz un g
t il le r / II o dc m e o C e s e ll .d w j i, in D ie F un le tio n d es Reclus i" dcr u t odeme n Cesel i sch4}i
- J ha rb tlc h jilr Rcchtssoz iologic t l l Jd Rech fSl i l l !or i e , vol. I, 176, 55. • ; MAX MULLER
D ie O n to lo gi sc ll c P ro b/ em at il .: d es Na tu r rcch t s , in D ie o lJ io lo g is ch e B cg ru tl dl fl lg d es
Rechts, col. p.p. ART . KAUFMANN, 461 ,55. ; W. MAIHOFFER, Di e gesc//sdUl/t/idJC
F U li kt iO t I d e s R e ci ll s, I bi de m , 12, S5.; ID., Id co lo gi e u nd R e ch t, p as si m; U. CERRONJ,
M a rx e II d i ri tt o m o d cr n o, in col . ensaios 50b 0 meSlTIOritulo; L. ALTHUSSER,
Id e% gi a c a pa re lh os i d eo l Jg i co s d o Bs t ado , t rad, por t. de J. J. de MOURA RAMOS,
25 , 55., e pass im; ANDRES OLLERO. Der ec h o y soc i edad , 77, 55., e p a ss i tn ; ART.
KAUFMANN, A tln /o gie un d «N atur d er S athe », pa ss im a le rn dos out ros ensa ios
do mesmo Autor incluidos in Rechl sph i /osophie is n Wal ldel ; a nossa Que s t i 1 o -
- de -j ac to - Q u e sl ii o -J e -J ir ei lo , 579, S5., 667, 55., e pas s im ; a lem das mui tas
posicoes gerais que sepoderiarn citar e de que apenas referiremos algumas das
mais conhecidas, como sejarn as de H. COING (Cru"dz i ige de r Rcch t sph i /osophie,
4. a ed.) , R. MARC IC (RechISphi iosop i l i e) , FECHNER (Rech t sp l l i /osophie, 2.' ed.)
e HENKEL (Einji"ihrulig ill die Reciltsphi/osophle, 2.' ed.): P. ROUBIER, Thlor i cg e , l e r a / e du dro i t , 2.' ed. , 192, 55. 203, 55. C pass i tu ,
10 - Bol. d. Fa c, de Dir., Vol. LTI
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146 bOUTRINA
absoluto a realidade social, havcndo Si111entre ambos a solida-
riedade de compossiveis uma dialectica de condicionante-condi-
cionado, que, nao obstante a distancia e a mediacao referidas,
permite dizer exactamente que «entre 0 social e 0 direito nao
cxiste um qualquer abismos 402 e antes uma historico-intencional
correlatividade: se e certo que 0 social nao existe simples-
mente pelo direito, embora nao se constitua sem 0 direito,
nao e menos certo que 0 direito nao provern sem mais da
realidade hurnano-socia l pressuposta, ainda que se nao constitua
tarnbem sem essa realidade.
E dai que nao possa aceitar-se ja hoje a concepcao abst racto-
-atemporal da constituicao e da positividade juridicas - pese
embora Ulna sua particular recuperacao no actual pensamento
sistemico-social sobre 0 direito 403 - e se tenha de subscrever
em comunhao C0111os pensamentos anal isados, mas em outros
termos, a intencao capital que os movia, e que era, C01110sabemos, a de romper com a unilateralidade formalista e
ideo16gico-estatista da tese tradicional das «fontes formais»,
propria do positivisrno juridico, chamando agora 0 direito do
plano abstracto, meramente analir ico e problemat icamente ahis-
torico, em que esse positivismo norrnativista 0 havia flxado,
a uma indispensivel referencia a realidade hist6rica e social
- realidade historico-social na qual 0 direito consti tut ivamente
se manifesta e tem a sua possibilidade, relativamente a qual e
402 FECHNER, o b . c it ., 202.
403 Referimo-nos especialmente ao pensamento sociologico-juridico
dc_No LUHMANN, 110 quadro da sua Iuncionalisrico-esrrucural cornpreensfo do
direito como lllll «s istemas chamado a da r uma re spos ta , a un ica que seria
adequada, a «complexidadc» d a realidade humano social actual a traves de uma«dccidida» ( imposta ou pos it iva) organizacdo de gene ra lizacao e redur;ao
congruences - V. o b. l ac . ci t . s upra , nota 401 e ainda P o si ti v es R e c ht Il/ld Id eo -
l o g i e in Archiv fUr Rcchts- 1I. Sozialphilosophie, 53 (1967), 531, ss.!D. Rech t s -
s o z i o l o g i e , I, 196, 55., II, 207, ss.; cfr. ainda do mesmo A., ug i t imMio l l d i l l e / '
Ver{ahre t l , 2.' ed., pas s im . Volraremos, in f ra, a este pensamento,
AS H)NTES bO DIREITO 147
solicitado a encontrar 0 seu campo de realizacao e tem de
just if icar 0 seu sent ido,
Mas intencao essa a exigir 0 seu cumpriruento em outros
termos, justamente porque nao e valida a tese das «fontes mate-
riais». Pois e de todo inacei tavel querer cumprir aque1a intencao
mediante esta tese, antepondo as comuns fontes formais a
propria realidade social elevada a imediata fonte primaria e
material, e cujo conteudo juridico originario aquelas fontes
formais se limitariam a constatar e a enunciar: se a tese eoutra, a perspectiva metodica c a mesma, e dai que 0 erro
capital subsisra, como nos pudemos ja dar conta, 0 erro
de perspectivar so teoretico-epistemologicamente a positiva
manifestacao do juridico, ignorando 0 processo problernatica
e norrnativamente constituinte. 0 direito COmO «preSSUposlO-
-dado», e 0 que num e noutro caso, e neste sentido sern
diferenca, se continua a sustentar. Recusa-se , e certo, 0 postu-lado politico do estatismo - «0 direito e a vontade prcscri-
tiva do Estador - , mas mantern-se 0 postulado epistemologico
do positivismo, Inclusivamente, podera mesmo dizer-se, man-
tern-se a estrutura fundamental de pensamento juridico propria
desse positivismo, pois 0 esquema dicot6mico «normas=-tactosr
nao deixa de ir presellte na preferencia por «factos~ que sao
normas ou tem normas: 0 dualismo estrutural dos dois terrnos
pressupostos em S1- afinal 0 modo errado de conceber a
intencao normativa - nao se ve superado ao subsrituir-se UIJ1a
separacao abstracta por uma coincidencia objectiva ou uma
simultaneidade de rnanifestacao.Erro este na verdade ftmdamental e 0 responsavel pelos
outros dois, tambern ja aludidos, em que se desimplica. Tanto
o erro de con6mdir 0 memento material do problema das
fontes - 0 memento daquela indispensavel referenda a reali-
dade humane-cultural e historico-social, que analisaremos=-com
as proprias «fonres», C011100 erro de anular 0 processo norma-
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1 4 8 DOUTR1NA
tivauiente constitutive do direito -- em que concorrcin ainda
os outros t res monientos, os mouientos de validade, constitutive
e de objectivacao - reduzido a simples acto e expediente tccnico
de manipulacao de uma juridicidadc que se teria a D essen t la
reve lado antes e iudependente inen te deles.
Se dissermos (1acto ) aque la rea lidade histori co-socia l cue
globalmente no «pressuposto mater ia l» e especialmente no
m em e nt o m a te ri al se havera de a tender, poderemos entao afirmar,
numa formulacao de CESARINI SFORZA404, excluindo embora
inteira coincidenc ia de sent ido 405, que «sem 0 facto 0 direito
nao nasce», sendo certo tambeui, e correlativamente, que 0
direito nao uasce do facto nem se manifesta no facto - trans-
cende regulativo-normativamente 0 £acto 406, ao mesmo tempo
que nao deixa de vincular-se aos seus pressupostos de facto.
Este primeiro ponto permitir-nos-a reconhecer - ainda aqui -
que 0 facto tambem faz parte do problema do diieito, c aconsideracao dos termos exactos dessa participacao, autono-
mizaudo 0 memento material do problema das fontes, e 0
objective que, de imediato, nos propolllos. A consideracao
especihca da consti tutiva inediacao nonna tiva remeter-nos-d,
depois, a analise dos outros mementos do problema.
b ) Sendo este 0 ponto que agora nos importa, 0 ponto
de saber como 0 «facto» - a realidade lrumana, his torico-social
4<)4 E x [a ct o ills ori tur, in Vecch l c C I ll IO V C pagine di f i/ os o fi a, s to r ia e dititto,IFilosojin e ( co ri a g me ra /c ), 1 60 .
405 J: i que 0 .facto. e pensado por SFORZA apenas como 0 «objecto-
-causas OLl 0 prcssuposto condicionante , no sent ido comum da relevfmcia
do -dado> para 0 problema jur id ico - e verernos i l l fra que no pressuposto
materia] do direito van a inda outras dimensoes constitutivas.
406 Ainda com alguma analogia com 0 que afinnamos no texto , diz
SFORZA, Ibidem, que «0 direito surge njio CO Il l 0 facto. mas com a qualiflCa~o
do facto .. Neste senrido tarnbem, e com mais detido desenvolvimen to,
v, SIMONE GOYARD-FADRE, E ssa i de cri t ique pl l e l l omer lO/ogiq l l e du droit, 66, ss,
entendendo a «iual if icac io jur id icae como urn .fen6meno de ideacao» que
resulta duma .valoriza~ao ».
AS fONTE' DO DfREIlO 1 4 1 )
c cultural, c ellquanto pressuposto material -- participa llJ
cOllstituiyao nonnativa do juddico, logo sc comprcendc que
aqui se c ruz a 0problema das Iontes com os problemas ontologico
c sociologico do direito.
o problema ontol6gico, porque, como pano de fuudo da
nossa questao, nao pode deixar de estar a compreeusao da
propria estrutura subsistence do jurfdico, a comprcensao dos
factorcs que concorrem, assim como da rclacao que eles entre
si cstabelece, na cssencializacao do dircito, Sera 0 problema
da possibilidade em geral do direito. 0 problema sociolo-
gico, em segundo lugar, porquc a esta possibil idade em gera l
acrcscc a ponderacso da sua possibilidade concreta, referida a
uma circunstdncia historico-social e humano-cultural. Ali as
d i l l 1 e ' 1 S o e s essenciahnentc const i tut iuas do direito, aqui a rea l i dade
que pa rticipa na cOl1stituifiio de urn certo direito.
Sem tcr de signiflcar isto, por outro lado, que a questaodo uiornento material do problema das fontes coincida C0111
o problema sociologico, poi s ueste Ul timo inte rvern mementos
quc vao para a lem do «momen to materia l», no seu scnt ido cspec i-
f lco, ou enquanto aquele memento, COUlO veremos, de uma pres-
suposta intcncionalidadc norrnativa social que codetermina mate-
rialmentc (peIo conte iido) a consti tuicao do normat ive juridico
c que no processo desta constituicao vai discriminada e explici-
tamenre assumida. Muito embora a possibilidadc sociologica,
com rodos os seus momentos - uns, nao tematizados mas
condicionantes, outros, tcmatizados mas nao nonnativos-,
sc venha a revelar como 0 contexte nao s6 de cmergencia,mas ainda de compreensao daquele especifico momcnto mate-
rial ,
Ass im, 0 problema das fontes pressupoe 0 problema e a
possibilidadc socio16gica, como csta pressup5e, por sua vez,
o problema c a possibilidade ontol6gica. Mas 0 que compete
espccificauicnte ao problema das fontes do direito nao sao os
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15 0 DOUTRINA
problemas des las duas possibilidades - esscs problemas importam
sirn ao problema do direito to ut c ou rt -, e s6 a comprecnsao,
na base cmbora dessa outra problenuitica, daquelc momento
material quc desta se discrimina para actuar explicitamente no
processo da constituicao norrnativa de um direito vigente 407.
Dai tambem uma indispensivel mera alusao aqueles dois pro-
blemas, comecando pelo primeiro.
6. Contra 0ontologismo juridico, com 0 seu essencialismo
ou apriorismo onto16gico de diverso cariz - a postular que 0
direito e imediatamente inferivel do ser ou de uru qualquer
ser, posto que at raves da maieutica de urna explicitacao racional
- e contra 0 voluntarismo nominalista tambem juridico, seja
incondicional ou «selectivo» 408 - que admite a plena dispo-
nibilidade normativa das cornpetencias formalmente legitimadas
como criadoras do juridico - e ainda, paralelamente, contra
urn radical object ivismo e um absoluto ideal ismo, reconhece-se
hoje que 0 direito, como todas as outras manitestacoes cul turais
em que 0 hom em procura realizar historicamente os seus
sentidos, nao e um pr6-detenninado sem autonomia nem uma
407 Podera dizer-se que os diversos pensamentos das -fontes niateriais»
como que pretendiam resolver 0 problemas da s Fontes do direito desdc logo
ou ao nivel ontologico e como problema ontologico ~ p. ex. ,0pensamento da«natureza das coisass ~ au ao nivel sociologico e como problema sociol6gico
~ p. ex., os sociologismos de DUGUIT, GENY e GURVITCH. Quando e cerroque, se 0 direito I lia se manifesta sem 0 seu fundamento ontol6gico e nao se
constitui sern 0 seu condicionamento sociologico, nao sao porern aquele
fundamento e este condicionamento que, respectivarnente, determinam concre-
tarnente e const ituent normativamente a di re ito vigente, Al ia s, quanto ao
pr ime iro ponto destes do is a que agora a ludimos, c fr. ja a pa rte de ste e studo
publicada no vol. anter ior (LI) do Bo l e t im, p ag s. 1 94 , 5S..
408 Como voluntarisrno selective se apresenta, na verdade, a concepcao
geral do direito, e da sua moderna pos it ivacdo, sustentada por urn LUHMANN -
a direito positivo ser ia , segundo essa concepcao, a decisdo selectiva de possi-
bilidades socia is numa intencdo de generalizacao congruente. V.Rech t s s o z i v -
l o g ie , c i t. , I, 27, 55., 190, 5S., II, 207, 55. e pa s s im; cfr. s upra , nota 403.
AS FONTES DO DlRHTO lS I
cria~ao scm condicoes. ji que, se pressupoc, scm duvida, lim
condicionamento que 0 possibili ta ao nivel da cxistencia histories
(existencia historico-social concreta), 0 decisive scntido (lue
c chamado a realizar, 0 sentido que 0 fundament a c sera 0
criterio ultimo do esforco concreto da sua rcalizacao, implica,
nao menos indubitavelmentc, uma autonorna detcrminacao
espiritual. E que se um certo direito nao sera scnao em conso-
nancia com urna realidade historico-social que 0 pennita, 0 soli-
cite e em parte 0 codetermine - scm cssa consonfincia, diga-
1110-10 com uma expressao em SCHELER 409, « e como se mordessc
em granito e a sua 'utopia' se desvanecesse no n ad a» - , de outro
lado ele tambem nao sera, no entanto, CO l 1 l 0 direi to e na sua
determiI1<l~ao normativa, scm a espiritual mediacao human a
siO'niflcantemente constituinte. Por isso se podera dizer, emto
gera1, c C0111 FECHNER, que, numa par te, teremos de considerar
«a forca cocrciva dos factores que se impoem ao direito a
partie do estrato real», mas em outra parte « f: responsavel pelo
dire ito a liberdadc do hornem» - havendo, pois, de COIll-
preender-sc que 0 processo juridico essencialmente se caractcriza
pda simultaueidade constitutiva da reterencia a urn «pressuposto'
de material relevancia com a autonornia de urn sentido «pro-
-postO» e111regulativa validade, a simultaneidade dialectica entre
urna Gcgebenhei t e uma Aufgegebef1hdt 4W.
E ao procurarmos agora saber qual e esse prcs supos t o , dcpa-
rarnos com uru campo pluridimensional de realidades (de con-
dicoes e faetores) que se conjugam, rclativamellle ao direito,
de urn modo especifico. Porquanto 0 seu pressuposto material
geral temo-lo na existencia de uma reahdade humana, his torico-
-social e cultural, em que, como tal, concorrem ndo apenas
409 Probietuc e in er S oz i% g ie d es W i ss el/ s, in Ve t s uche zu e i ne r S o zi % g ie
d es W is se ns , 1 0.410 O b . c i t. , 203, e pa s s i ru ; Cfr. no Bo l e t im anterior (LI), 193, s..
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15 2 DOUTRINA
«factores reais», cm scntido estri to - a realidade ffsica e biol6gica,
quer natural quer humana, e nao menos a realidade dos
factores cconomicos e das relacoes de poder-c ({actores ideais»-
cri terios racionais e eticos, val idades axiol6gicas e fundamentos
religiosos -, como ainda «tactores sociais» ou a traduzirem
objectivacoes especificamente sociais e mesmo norrnativo-sociais
- os costumes, as instituicoes, etc. S6 que e assim sobretudo
ao nivel socioI6gico e com 0 relevo que adiante analisaremos,
Ao nivel ontol6gico impoe-se-nos a reducao a dois tipos
apenas de factores - factores reais dc um lado e factores
ideais de outro lado -, sendo cerro que todos aqueles factores
aludidos exprimern ou U111se r rea l ou um se r id ea l, ou uma
particular sintese de real e ideal. Particular sintese que justa-
mente as 0bjec tivacoes culturai s hist6ricas (<<positivas») e as
objectivacoes de institucionalizacao sociais sempre realizam
-e dentre Ulnas e outras ternos tambern decerto «0 direitc» -,
a eXlglrem, por isso mesmo.. cada uma delas urn especffico
«factor ou prindpio de determinacao»: a determinacao do
sentido de intencao ideal a realizer no real ou a assimilar
pelo real 411.
.Com 0 que qucremos dizer, em prirneiro lugar, que a
rcducao a dualidadc destes dois tipos de seres e factores e a
ultima ontologicamente possfvel. 0 111eS1110 ainda sustentar
que tanto 0 redutivismo materialista como 0 redutivismo
espiritualista sao falsos na sua ideol6gica unilateralidade 412.
Pois sempre temos, de urn lado, os factores que potenciam a
material subsistencia, nao apenas do ser em geral, mas imedia-
tamente de urn concreto ser «exclusivo» (ou 0 conjunto dos
411 Sobre 0 . factor ou princ ip io de determinacao», a que nos est amos a
refer ir , e no sentido est ri to que a essa categor ia foi dado pot SCHELER, o b . c i t. ,v ide a seguir no texto,
412 Sobre «ideologia», 0 seu concei to (ou seue idos possiveis) e os seuselementos, v. in frn.
AS FONTES DO Dll !E lTO 15 3
«bens)) exclusives) 41J c quc, scndo assiru lactores da mcra exis-
tencia ou da imediata realidadc desse ser c que nessa mcsma
existenc ia e realidade se aftnnam, nierecem por i sso a designacao
de factores r ea is o u m at er ia ls . No dcuriuio da cxistencia-rcalidadc
human a ou do ser subsistente e exclusivo do lio 1 1 1C 1 1 1, sao
facto res dessa indole , decerto a na tureza soina tico-psiquica, mas
sobretudo os impulses ou pulsoes humanas espccificas, scjam
os impulses biol6gicos e as puls5es bio-psicologicas, sejam as
pulsoes dos interesses (econ6micos) c as puls6es de poder ou
de dominic. De outro lado, os factores que manifestam a
transcensao do ser ao seu sentido, a assuncao na cxistencia do
sentido da existencia, e que relativaruente a um qualqucr ser
[nnnano, individual au social, exprirnem tambern urn trans-
cender-se a uma intencionalidade de valida de signjficante,
a implicar uma universal nao-exclusao e meSl110 uma «inclusao»
comungada, que s6 pede ser comprccndida-assumida como
urn pressuposto e U111«berm espiri tual-ideal . Trata-se agora dos
factores M e ais o u e sp ir itu ais 414 - e que na realidade hU111al18
413 Os concei tos de sercs on bcns «cxclusivos»e de scres ou hens onao-
-cxclusivos» e «inc lus ivose VaG utilizados com 0 senrido que lhes irnpurou
L. LOMBARDI VALLA URI, C rite ri p er u n« p olitic « d el d ir ifto c om e s cie nz a. 61 , 55..
Assim, «bens exclusives» sao aqueles cuja «posseou gozo POt parte de urn snjcito
exc lu i logicamente a sua pos se ou gozo por par te de ourros. A procuta desres
bens funda lima espectalidade social de mutua exclnsao, C01110 as rex exteusae
cartesianas: aquilo que e ll lCU ( . •. ) njio e t en , ondc estou e ll nao hi lugar parati: 0 espaco ocupado por urn suje ito e subtraido a ocupacao dos out ros, os
sujeitos sao natutalmente exclusives, inimpenetravcis. Neste espaco, a expansao
de urn suje ito l imit a a de out ros: e portanto urn cspaco incompativeb. Bens
mao-exclusivos. sao aqueles «que nao cornportarn esta l imitacao (p. exem-plo, a verdade: quem conquis ta uma verda de nao 56 nao exdui dela osourros,
como pode facilitar-lhes a sua aquisi<,:ao).;«bens inclusivos- sao aqueles .cuja
posse ou gozo por parte de urn sujei to implica essencialmente a posse e 0 gozo
por parte de outros (p. cxernplo: 0 nos, ou 0 praze t do amor)• .
414 Se quiserrnos uma formula que, s implificando os resultados de Ull1J
necessaria fundarnentacao antropologica-filosofica, caracterize objectivamente
o espiritual-ideal, diremos que, na experiencia que dele tem 0 homern, 0 espi-
ritual-ideal manifesta-se sempre nurna distancia critica que 0 proprio homem
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15 4 DOUTRINA
mediante a razao e 0 cspirito 415, se explicitam como os
fundamentos e validadcs t ranscendent es , scjam religiosos ou
metaflsicos, et icos ou axiol6gicos, esteticos ou cognitivos: Deus
ou a sua assimilacao nos conteudos da fe, 0 bern, a justica,
a verdade, 0 belo, etc. Distincao esta que nfio sustenta a sua
valida de apenas ao nivel ontol6gico 416, pois a vernos confirmada
pela analise antropol6gico-fenomenol6gica 417 c vai inclusiva-
a ssume de si pa ra s iquando, no modo de l ima autod istancia ou t ranscende r,
exige ou assume, perante as suas impuls5es c apetencias exclusivas, urn funda-
mento e urn sentido universals para 0 que e e faz , pa ra 0 ser onticamente
experimentado e a aq:ao subjcctivo-interessadarnente actuada,
415 Nem deve , a inda , de ixar de se ter presentc a distincao ent re a r t l z i ia ,
a manifestar-se no pensamento racional, C 0 espir i to , a rnanifestar-se nas inten-
cional idades fundamentantes. Sea razao assume osp r inc i pi os ab s t ra c to - fo rma i s
da 16gica e aetna a racional idade critico-analitica do raciodnio objectivo-inte-
lectual, 0 cspirito assume os pnucipios intencionais-rnateriais signiticantes e
actua a racionalidade constitutiva da inteiigibilidade fundementanre , 0 espi-
rito c a fon te e sede da ide ia -princ ipio, que to ta liza e funda; a razao a fonte c
sedc do conceito-forma, que distinguc a objectiva. Disrincao que, partindo
de KANT e HEGEL, encontrou urn decisivo esclarecirnento existencial em JAS-
I'ERS, Razo l l y existenc in, trad. csp. de H. K ah ne ma nn, L ic ocs 2 . a e 4 . " e pcssiut ;
l!. ainda Phi losophic , 2. a ed., vol. III. E bern se podera dizer com J. LACROIX,
o p e rs o n al is m o c o mo a n ti -i de o lo g i« , trad. port. de Olga Magalhaes, 59, que«a grandeza do homem nao e a explicacso, ma s ;1 signiflcac;ao. No limite.
o absurdo e tudo aquilo que ser ia totalrnente explicado, mas nso ter ia sentido,
Alias, reconhecamos que a explica .;ao acontece na iminencia do ser e preSSL1-
pondo-o, e que 0 problema decisive e 0 do sentido do proprio ser».
I distincfo tambern para nos importante, porque e ao nivel espir itual,
nao no nivel simplesrnente racional, que 0 direito enconrra 0 seu principio
de determina.;ao':'_ v. i n fr a - , e por isso nao the sera nunca adequada uma
sua cornpreensao apenas instrumental-funcional ou racional- tecnologica,assim como se hayed de reconhecer insustcntavel no problema das Fontes urn
entendimento da sua positivacao em terrnos apenas Iormais.416 Cont inuarn a ser fundamentais, ne ste ponto, a s invest igacoes de
N. HARTMA,NN, D er A ufba u de r rea /e l l W el t (segundo a trad. espanhola deJ. GAOS, com 0 titulo: O nt% gia - III. La { J br ic < I d e l l !1 u nd o r e al ); e D as
P ro ble m d es G eis ti ge n S ei ns 15, 55., e pas s im , ao mostra rem no ser em gera l uma
lei categorial d a -independenc ia na dependenc ia - pela qual se a fi rma uma
especifica autonomia aosvdrios ~seres. oudominies da d i fe re n ci a ca o ( e sr ra t if i ca -
. ;ao) ontologica que exclui qualquer possibilidade de urn monisrno redurivo.417 Remeterno-nos para as analises dessa indole, entre rnuiras ourras,
de SCHELER, o b c it .; !D. D ie S te llu IIg d es M en sc He u ill Kosmos ; V. FRANKL D er
AS FONTES DO DIRE lTO 155
mente comprovada pcla expencncia historico-sociologica . Para
aqui basta que tenhamos presente esta (lltima comprovacao,
decerto de todas a mais «objective- e a rcferir num rapido
parenteses. E cremes que para tanto nada Fodera ser mais
concludente do que mostrar como uma analise dcssa cxperien-
cia inviabilizou a tese, e nao obstante se manter fic! aos scus
pressupostos cpistemologico-crit icos, que a partir tambcm da ana-
li se da mesma experiencia se propos negar radicalmente a distin-
t;aOenunciada - referimo-nos a tesc do material ismo marxista,
Pois, se MARX opes ao monismo (e redutivismo) espiritual-
-idealista de HEGEL um monismo (c redutivismo] econornico-
-materialista, sabe-se hoje que esta negayao da auronornia espc-
Mea da dimensao espiritual-culrural-c- a nega<;:aodo seu caracter
tambem de evariavel independente» relativamente a variavel
material-econ6mica - se fundou numa filosofia da hist6ria cons-
truida a partir da analise redutora de uma certa realidade social
que se pretendeu universalizar. Ora, nem essa realidade historico-
-social, como realidade humana que era tambem, admitia
aquela unidimensional reducao, nem e valida csta univcrsali-
zat;ao 418. A realidade ~ que nos referimos fo i, evidentemente,
a da sociedade industrial do sec. XIX europeu c a sua analise
redutiva ao econ6mico ou ao produtivo teve decerto a cxplici-la
a predominancia entao da funcional racionalidade tambem
eeon6mica - a instrumental racional idade «(POl' relacao a U11l
fiml> ( < < z w e c k r a t i o n a / » no sentido de M. WEBER) com motivacio
econ6mica - assim como a corre la tiva legit imacao social (<<aegi-
u n be d in g te M e n sd « ; FECHNER, o b . c i t. ; LOMBARDI, o b . c i t. ; P. RrCOEUR, T ra ua i! e t
pa r o l e , in H is to ri c e t Ver-ite, 210, 55., M . M f uL E R, Er {ah ru l I g lind Ge sch i cH t e , 81,55.,
223, S5., 297, 85.; MIGUEL BAPTISTA PERllIRA, Or i g i na l i d ade c n o v id a d e e m f i/ os o fi a .
418 Dai que .a sociologia do conhecimento. e a «ritica daideologies que
pode dize r terem as suas ra lzes emMARX, reconhecarn hoje no pensamento
do proprio MARX urn manifesto caracter id eo io gi co - v. R. KONIG-
W. KAUPEN, S ozi% g is cH e A nll ie rk un ge n zu m Thana .I de ol og ie u nd Re d u » , inS tu die n u nd M a te ria lie ll zu r R ed ,ts so zio lo gie , c it., 357, s ..
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15 6 I>OUTlHNf\
timacao de dominio») «por baixo» on com base sobretudo
numa institucionalizacao socio-economica quc se exprnma em
individuais titularidadcs juddico-sociais 4l'!. E rc la tivamcnte a
essa soc iedade que se podcra dize r que as «relacoes de producao»
se impuseram como fundamento de legitima~ao social c poli-
tica 420 e a partir dai sc suscitou a perspectiva que as via
como a determinante de toda a realidadc humano-social. S o
que esta legit il lla~ao e pcrspectivacao predominanternente econo-
mica, por referencia as «relacoes de producao», njio podia
afirmar-se para as sociedades anteriores (as sociedades «pre-
-capitalistas»] e nao pode afirmar-se tambem ja para as sociedades
pos teriores (as actuais sociedades cienr ihco-tecnologicas) aquela,
histor icamente bern c ircunsc rit a, que foi 0 ponto de referencia
do «materia li smo histor ico» de MARX.
Nao podia atirmar-se para as sociedades tradicionais ante-
riores, porque, como 0 mostram desde logo as anal i ses de urn
HABERMAS, que temos preselltes, a sua legitima~ao assentava
antes na institucionalizacao cu l t u ra l 421; e nao po de tarnbem
afirmar-se para as soc iedades avancadas do nosso tempo, porque,
419 Sobre todos e st es pontos a fiorados , vide J . HABERMAS, La tecillliqlle
et 1< 1 s c ie n c e c o tn n te < i d eo l og i l" , tr ad. fr anc. de J. - R. LADMIRAL, 25, ss ., e pass im.
420 o f. somente entfo -le-se em HABERMAS, o b . c i t. , 31 - que 0 esta-
tuto da propriedade, de reia (Jo poi l t ica que era, se rorna uma r e /a r J o d e p r od u ra o ,
porque ela encontra a sua legitimacao na racionalidade do mercado, na ideo-
logia da sociedade de troea e nao ja num estatuto de dominacao legitiina em si.
B antes 0 si st ema de dominacao que pode ser justificado invocando a legiti-
midade das relal( oes de pr oducao: e t al e 0 verdade iro sen tido da rae iona lidade
do direito na tu ral d e Loek e e Kant. 0 quadro institucional da sociedade nao
e senao media tamente polit ico; imediatamente e econ6mico (0 Estado cons-titucional burgues como 'superestrutura') •.
421 .A expr essao de 'sociedade tr adici onal' - acentua 0 Autor c itado,
Ibidem, 27 - refere-se ao facto de que 0 quadr o inst itucional repousa sobr e o
fund amento incontest ado d a leg it imac ao d ad a por c er tas int erpret ac oes mis ti ca s,
r el ig io sas ou metaf is ic as d a real id ad e no s el l conjun to , qu cr se t rat as se do cosmos
ou da sociedade. As sociedades 'tradicionais' existem enquanto 0 desenvolvi-
mento dos subsi st emas da acti vi dades racional por r ekl (ao a um fl fi l se mantcrn
n v i nt er io r do s lili l i tes da e f i cd c i a l e g i ti ! ll ( J ll t e da, tradicoes culturais •.
AS FONTES no DIREtTO 15 7
ainda segundo 0mcsrno Autor , «aciencia e a tecnica tornaram-sc
a forca produtiva principal» (e ndo os «meios de producao»
titulados em propriedade pri v ada) med i an t e 0 sistema de urn
cont i /J l I I I I I I racional- teeno16gico de global assimilacao que supr ime
inclusivamente «as condicoes da aplicacao da teo ria do va lo r-
- t r aba l ho tal como a vemos em MARX» 422. 0que, atraves de
infercncias que prescindimos de reproduzir, 0 leva ainda a
recol1hecer que «a polit ica ja nao e s omen t e um fen6meno dc
superestrutura) 423, suscitando-sc assim, para a dominacao politica,
a «necess idade de uma nova legit ima~ao)) 424. E de tude isto se
teria de concluir que «as relacoes de producao caractcrizam um
dominio a que sc liga 0 quadro inst itucional apenas durante
a fase de desenvolvimento correspondence ao capitalismo libe-
ral- 0 que nao foi 0 easo nern antes nem depois» 425. Conclusao
esta de tal importdncia, que 0 rcsul tado seria este: te r-sc -ia de
('fclativizar 0 campo de aplicacao do conccito de ideologia e da
teo r ia das classes», pdo que «0 guadro conccitual no seio da qual
MARX desenvolveu as h ip 6 te se s j im d am e nt ai s d o ma t e t i a l i smo hi s t6 -
r i c o exigird tarnbem de scr reformulado ern novos termos» 42{,.
Alias, s6 temos deste modo a confumacdo do que SCHELER,
depois de SOMBART, ja tinha acentuado, que «apenas na cpoca do
alto capitalismo (da hulha) se inicia de um modo lento a epoca
que pode denominar -se em tennos re la tives como predominan-
ternente ' e c o n om i c a , e cujas leis de descnvolvimcnto MARX nao
s6 exagerou de um modo naturalista, ate chcgar ao 'uiatcrialismo
422 Ibid., 35 , s s , , 43, s ..
423 Isto e , 0 proprio esquem» da analise marxista, «infra-cstrutura-superes-
rr ut ura-, ted. de ser fundamcnt alment c revisto, pois que nas actuai s soc iedades
avancadas ernudou a relal(ao entre 0 si st ema econ6mi co e 0 si st ema de dom.-
na l(1io pol it ic a; a pol it ic a j a n ao e so t n e n t e urn fen6meno de superes trutura. . o 'r Ibid., 38 ) .
424 Ibid., 39.
425 Ibid., 59 .
426 Ibid., 49 e 50 , respectivamente.
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15 8 DOUTRINA
historico', como generalizou ainda erradamente a toda a historia
universal» 427. Pois, «longe de valer, como queria MARX, para
a historic i n t e t ra do Ocidente, ou inc1usivamente para a historia
humana inteira, ao menos ate ao termo assinalado peIo niistico
'sal to para a liberdade' da futura soc iedade socia li st a superadora
da luta de classes , 0economismo s6 possui de fac to uma val idade
aprox imada e re lat ivamen te a uma epoca mui to definida da hist6-
ria ocidental moderna, e so da hist6ria ocidental- e ainda
assim se se libertar do seu geral caracter 'naturalista', que eaqui lo quc 0 converte no verdadeiro 'material isnio' econornico,
por referencia ao qual as relacoes econotnicas explicariam
univocamente 0 conteudo da natureza esp iritual» 428,
E dai, em primeiro lugar, que mesmo dentre os «faclores
reais» 0econ6mico nao se possa ter histor icamen te como sempre
o niais forte - «Nao hi no transcurso historico uma. variave l
independente constante entre os tres grupos supremos de facto res
reais, 0 sangue, 0 poder, a economia; hi sirn le is d e o rd em em
que corresponde a cada um 0 primado na aCyao de por ou tirar
obstaculos a hist6ria do espirito, i. e , hi uma lei de ordem
distinta para determinadas f a s e s no transcurso historico de LUna
cultura» 429. Mas sobretudo, e em $egundo lugar, que se exija
a participacao de variaveis de outro tipo para a compreensao
e analise de qualquer cultura (de uma qualquer realidade
hist6rico-soc ial cul tural ), posto que sao a hi storia e a sociologia
do conhecimento, elas pr6prias, a mostrarem-nos que uma
cultura nao e sornente uru processo ou U111 sistema de «autocon-
servacao», urn processo ou sistema de mera subsistencia doconjunto dos cntes e bens exclusivos, sendo cer to que os pr6prios
«interesses», que nessa cultura comandariam 0 conhec imento ou
427 Ob. dt. , 34.428 Ibid., 30, S..
429 Ibid., 31. Sobre a t ipologia das . fases. da evolu. .ao his torica, l ' ide as
paginas seguintes da mesma obra e Autor .
AS fONTES DO DIRElTO 1St)
imporiam 0 sentido da sua constituicao histories, provern
~ ainda agui e HABERMASa reconhece-lo - «ao mesmo tempo
da natureza c da r up tu m c ul tu ra l com esta natureza» 4.10. Possa
embora pretender-se, como pretendc HABERMAS,que esta ruptura
cultural e determinada pela l ibido de euma satisfacao utopica» 43J,
e portanto tarnbem ela refedvcl ao ssujeito transcendental (que)
en contra 0 seu fundamento na hist6ria natural da especie
humana» 432, nao deixa, todavia, de reconhecer-se simultanea-
mente que estamos ai num domlnio que stransccnde a pura e
simples autoconservacao» - nao se trataria ja de «rncios de
reproducao da vida», e sim de «defmicao» da vida. A implicar
isto, com efeito, uma outra variavel: ague1a que denotaria a
categoria « i n t e r a c c d o « ; distinta da ca tegoria « t r a D a l h o » c a csta
irredunvel 433. Se por «trabalho ou actividade racional em
relacao a um filii» se deve entcnder «quer uma actividade
instrumental, quer uma escolha racional ou ainda uma combi-
uayao das duas» ~ 0 domlnio da funcionalidade e da instru-
mentalidade tecnica -, por «interaccao» deve cntender-sc a
«(rela' fao moral» da «actividade comunicacional mediatizada for
sfmbolos», manifestada antes de mais na linguagelll, c que
pressupoe uma «tradicao cultural» ou um «conseuso» fundado
em valores e normas sociais. Pdo que aquela nova variave]
demarca um outro sector e uivel da realidade humane-cultural
4JO ,COIIIJ T i s s a li C C e t i t l fJrbso, na trad, francesa citada, 153 - que reproduz
a Ii~ao inaugur al pro ferid a pelo A. em 28 de Junho de 1965, em Frankfu rt,
e nao a monograf ia posterior com 0 mesmo titulo: E r kr n n tl li s u n d I n te r e ss e ,
4J1 Quante ao sem-sentido , em ult imo rer rno, des tas expli cacoes por
meras intencoes ou evasoes ut6picas, clr. a nossa . A R e vi l/ uf ii o e o D i te lt o» , 88 , 5S.
432 V id e i nf ra .
4JJ Trata-se de uma dicotomia car egor ia] que HABERMAS retoma de
HEGEL _ . V. 0ensaio « T r av a il e t i n te r ac ti o n» incluido na trad. ci t . , 1 63,5 5., - e da
qual diz. relat ivamente a MARX e depois de crit icar a rcdu~1ioque este Iaz da
segunda a primeira (v. i l l i r a e nota 440): d~.necessario substitnir 0 par forcas
produtivas e relacoes de producao por aquele ourro, rnais abstracto, de rrabalho
c interaccao-, L a t ec hn iq ue . . " ci t . , 59 .
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160 DOUTR1NA
e historico-social, 0dominio agora constituido pela «intersubjecti-
vidade de comprccnsao da intcncao» c do «sentido», pelos «factos
do espirito» [ Ta ts ac he « d es G eis te s) , C 0 dominio, pode ainda
dizer-se, de uma outra racionalidade, aqucla que MAX WEBER
dizia traduzir a «actividade racional por relacao a valores»
( ( W e r t r a t i o n t 1 I » ) 434. Trata-se, pois, da pariol'd c u l t u r a l consti-
tuida pelos factorcs e as dimensocs espirituais-ideais, insus-
ceptivel - pcla sua espedfica autonomia relativamente ao
natural de «autoconservacao» e ao instrumental- quer de uma
reducao ao «trabalho» 435, quer de uma simplificante interpre-
ta<;:aoideo16gica 436, enos remere as «questoes de ordem p n i t i c a Y > ,
que nao ja as «questocs de ordem t f c n i C t 1 » 437. E sc e isto,
ahna], retomar a aristotetica distincao entre 7t"pi~(~ e "t"bM"j,
4 : 1 4 Vide as ensaios cits., LI t e ch n iq u e . .. , 21, S5., 67, 55., c p a ss im ; C o n na is -
s au ce e t i l / terh , 148, ss. , c passim.
435 Dai a critica directa que HABERMAS faz a M AR X, po r ter jus ta mente
susrentado esta reducao - vide T ra rJ ai i e t i nt er ac ti on , l oc . c it ., 2 09 , ss., Cfr. M.
THEUNISSEN, Gese l l sc lwji IIl1d Geschichte -Zur Kritil: d e r k r it is c li e ll T h e or l e, 20, s.;
c 0 l lOSSO .A revoluf i io e 0 direito», 93, 55••4J(, Vide, alias, a critica que HABERMAS faz a tentativa de TOPlTSeI I de
uma interp re tacao dcsse t ipo, a propos iro do -dua li srno metodico» que nao
poderia deixar de sc irnpor entre as ciencias emplr ico-analir icas e as ciencias
hermeneuricas - L og ica d e Ill' s c ie n c e s o c la Ii, trad. italiana de A, Sanruceci 37, ss..437 Isto C , as «questoes praticass seriam as questocs hermeneutico-
-culturais que viio referidas a . «actividade comunicacionals au de rda~a:o signi-
ficante e que sao objecro das ciencias morais 01L culturais - c iencias que setiamorientadas pc lo f im «ie ga rant ir, no seio das t radi . .oe s cul tura is , uma auto-
concepcilo dos individuos e dos grupos susceptive! de orientar a aClj:aoe uma
compreensao reciproca entre os individuos e grupos diferentes» (Counaissat iceet illte rer , monogra f ia ja referida, segundo a ttad. francesa de J,-R.. LADMIRAL,
210) ou nas quais «acornpreensiio durn scntido esd vitado para a possibilidade
de urn consensus ent re su je iros agindo no quadro d e uma concepcao de si
que lhcs veni da tradilj:i io.- questoes que, segundo HABE RMA S, s er ia rn o ri en -
tadas par «urn interesse de conhecimento pratico par oposi. .1io ao interesse
teenier». ( C o nn a ts sa n ce e t in t f re r , li..ao inaugural cit. 149). .Pdtica. e, po i s, a
catcgoria para a significante da aClj:a:ohist6rica oposta a . categoria «tecnicas,
~ qual se refere apenas ao instrumental fmalistico do rrabalho, cnquanto aquela
l':llpilca 0 .factor humane» (efr. LADMIRAL, prcficio a . traducao da monografiacit., 19, nota 15) da cornunicacao ou da interaccao.
AS FONTES DO DIREITO 161
c assim porque a esta «critica da razao instrumental» c irre-
curavel «0 dualismo de real e ideal, de realidade c verdade»,
dualislllo que a ultima unidade que se afirme entre «teo ria c
pratica») nao anulara decerto, como a nao anulava a unidade
analoga que era ja pr6pria do pensamento escolastico 438 e de
novo se veio a encontrar em Vrco, Depois, se e no dorniniopreenchido pelas questoes de ordem pnitica ou axiologico-
-culturais que se defme 0 «quadro insti tucional» de uma socie-
dade - «0 quadro institucional de uma sociedade consiste num
conjunto de norrnas que guiam as interaccoes mediatizadas pela
linguagem» 439 -, t ele entao antes de mais, com a sua dimen-
sao axioI6gico-cultural, que importa relevar, ja que (Q conscien-
cia tecnocratica mascara 0 facto de que 0 quadro institucio-
nal ( ... ) nao pode ser assim reduzido segundo 0 modele dos
sistemas de actividade racional por relacao a urn fun senao ao
prc<;:odum cncerramento desta dimensao, que e a tinica essen-
cial, porque a suseeptivel de hurnanizacao» 440 - e sendo certo
que (0 progresso tecnico-cicntlfico de modo algum leva ja em
si urn progressivo desenvolvimento do agi r ccmunicativo» 441.
Estes os resultados que 1105 oferece uma anal ise historico-
-sociol6gica ideologicamente insuspcita 442 de reconhecida quali-
f iea<; :aocient lf ica, a corroborarem a disrincao que enunciarnos
entre os factores reais e os faetores ideais, enquanto os factores
438 Vide , sobre estes pon tos que acabarnos de aludir, M . T H F. UN IS S EN ,
ob. ci t . , 15-19, em directa referenda a HORKHElMER.
439 La t e chnique , cit. 23 .
440 Ibidem, 65. Cfr. nosso ensaio .A Reuo luc iio e 0 Dire t to» 121 ss« " ..J M , . THEUN I S SEN , o b . c i t. , 21; v ide , na verdade, HABERMAS , Dogma t i s -
IIIUS, V l 'T t lU l l ft u n d F n ts c he i du r lg , in T he or ie a tl d P ra xi s, ed. ' Suhtkamp, 1978,
307 ss..442 Queremos dizer : insusceprivel de ser imputada a u rn p en s am e nt o
que se conside re como . ideologia. na defe sa de uma certa soc iedade e , nelade terminados intcresses, ja que jus tamente se t ra ta de urn pensamcnro que '
numa linha de mspiracao marxista e dizendo-sc steoria a l t ica», se propoe ser
radicalmentc critica da actual sociedade.
11- Sol. da Pac, d. Dir" Vol. LU
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162 DOUTIUNA
ultimos e entre si irredutiveis que concorrem ua constituicao
hist6rica da reahdade humana e socio-cultural. E s6 nao
fecharnos aqui 0 nosso parenteses por nao podennos prescindir
de uma breve reterencia, tambem esdarecedora, ao problema
dos fWldamentos. 0 que nos obriga a mudar de plano. Pois
quanto a saber qual 0 fundamento da distincao ou do dualismoque ainda deste modo acabamos de reconhecer, e esse desertourn problema que nao pode ser resolvido ao nivel daquela
analise 443. Se esse dualismo «encontra 0 seu fundamento na
hist6ria natural da especie humanas ou, de outra forma, se «as
operacoes realizadas pelo sujeito transcendental encontram 0
seu fundamento na hist6ria natural da especie»444 - e funda-
mento assim, em ultimo termo, de reducao naturalista 445 que
teria os seus «transcendentais», os pontos de referencia e pers-
pectivantes ultirnos, em certos «interesses»tambem da especie 446
- ou se antes nele, e pela mediacao humana, se manifests
urn dualismo ontol6gico (que nao apenas sociologico-cultu-
443 Ainda que s e p os sa d iz er com LADM1RAL,o b . c i t. , 27 , nota 23 , que se
trata de urna analise que «continua a f.losofu por outros meios s.
444 V i d e C o n n a i ss a n c e et i n t e rR i , lio;:aoinaugural, loc. c i t . 151,55.; cfr. LADM1-
RAL, Pre/ado ci t . 16., sS..
445 Pos to que , na subjecrivacao da «natureza em sit , 0 genero ou e.pecic
hurnana, em sent ido b io- an tropol og ico , pass a a ocupar 0 lugar , e lugar empir ico
agora, da sconsciencia em gcral- ou transcendental kantiana - cfr. M. THEU-
NISSEN,o b . c i t. , 13, 5., 23, 55.. Mas ja nao natu ra li st a no modo do nat ura li smo
unidimensional ou de c on t i nuum moni st a, como e prop rio do natu ra li smo
comum, que a distincao entre «trabalhOl e dnteraccao» (a que haveria ainda de
acrescentar -se a cri rica <auto-ref lexao" emancipadora, v. C o nn a ls sa n ce e t i nt er et ,
Lio;:ao, cit., 1 4 5, 5 5 - ) , a distincao afinal ent re <natureza ' e «ultura», justamente se
propos superar (Ibid. , 153, 55.). Natur al ismo c ri ti co ou transcenden ta l e ste , d ig a-mo-I o a ss ir n, que foi p recedi do e concorr e hoje com na ru ral is rnos ma is radicai s
- recorde-se 0anterior, e com muitos pontes de afinidade, naturalismo bio-
-vitalisra de NIETZSCHE, e agora os naturalismos antropologico e cientista,
respectivamente, de urn GEtUEN e de urn E.MORIN (0 p a ra d ig m a p e rd i do :
a n at ur eza h um an a, trad, de Hermano Neves), alem de outros.
446 Para 0 entendimento do que sejarn esses «interessese, remeterno-nos
para a5 o bs . c its ., C o nn ais sa nc e e t inthb, Li?o passim; C o n na is sa n ce e t in!edt,monograiia, esp.1<: 225, ss.; Pre/aclO de LADMIRAL a esta Ultima ob . 16, 55••
AS FONTES DO DIRElTO 163
ral), a integrar decerto ua rotalidade de uma originaria expe-
riencia rranscendental+" e na unidade global do ser 448, i. e ,se 0 dualismo ser-real (natural) c ser-ideal (espiritual) nao sera
s6 socioI6gico-epistemologicamente, mas ainda ontologicamente
irredutivel, e esta na verdade uma questao metafisico-onto-
16gica que nos rernete para uma antropologia e exige umafilosofia. Nao se trata ji de U111 problema teoretico-analitico,
mas henneneutico-reflexivo - nao problema de «ciencia»,mas
de «sapiencias, se assim quisennos dizer . . Ora, desde logo,
ranro na eidetica dcterrninacao dos «modos-de-ser» como na
Ultima intdigibilidade do sentido ontol6gico nao se ha-de
rccusar, nurna reducao arbitraria, 0 que ao nivel do ontico se
manifesta no fenomenol6gico «modo-de-dar-se». Nao decerto
para repetir nessa compreensao final (ou originiria) dos modos-
-de-scr e do ser a analitica dos modos-de-dar-se, mas para
evitar que um qualquer nionismo ontol6gico decretado fa!fa
violencia ao que se ofereee como essencialmente distinto naexpenencia ontica. E deste «realismo», podera dizer-se, que
depois da Fenomenologia 0 pensamento filos6fico nao mais
havera de dispensar-se. 0 un o da pluralidade onto-fenorueno-
logics nao pode mais pensar-se pela redc!fao a urn qualquer
447 Expressao e conceito que utilizamos no sentido que lhes ci a MAX
MUuER, E rJ ab ru ng u nd G es cili ch te , G ru nd zu ge e in er P hilo so ph ie d er F re ih eit a ls
t r an e e nde n t a l e Er /a l l r ung , 223, 55.; cfr ., ent re nos , MIGUEL BAPTISTAPEREIRA,
Compreensiio e A l t e r i dade , 80 , ss . .
448 Sobre 0 problema desta unidade e os erros meta fl si cos a qne a sua
compreensao tern dado [ugar, especialmente sobre a err ada .interpretao;:aogenetica» d a diferenciacao ontologica, a opor-se a i negave l « lis crecao no con-
tinuo hipoterico», v . N. HARTMANN, D e r A uf ba u, trad. c it ., 1 67 , 5S., 5 5 5, s s .,
e 558 , 5S., 597, 55 .; c fr . a inda , em geral, Autores e obs, cits. na nota anterior.
Sobre a considcracso deste problema em directa referencia ao ponte que mais
directarnente nos importa, de modo especial tanto a distin~ao como a integracao
na ordem to ta l do ser , que co rr esponde aos s er es real -natu ra l e i dea l- espir i t ua l,
enquanto participantes na constituicao do direito, II. sobretudo FECHNER,
o b. c it . Ill, S. e 190, 55.
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164 DOUTRINA
UIlI de ultima instdncia 449, e sim como urn inteligivel t odo
integrante de compossiveis, em que a correlatividade e mutuco
condicionamento nao anule 0 que haja de diferenciado e
discreto em «essencia». Ate porque, se uma filosofia-metaffsica,
tendo de cumprir 0 drculo hermeneutica da propria com-
preensao da totalidade ontologica, hayed tambern de ser conclu-dente a p os te ri or i e nao apenas linearrnente coerente num
dedutivismo a prior i 450, ism lhe impoe que assirnile compreen-
sivelmentc, e nao iluda, os resultados e contr ibutos fundados
da ciencia, E entao, 0 que acabarnos de ver e que 0 referido
dualismo ontologico, nos terrnos por que 0 aludirnos, e con-
sonante com 0 dualismo «cientifico», enqu:mto que aquele
monismo ontologico que se the opoe tem de postular a esse
nivel uma reducao, por prejuizo naturalista, que cientifico-
-fenomenologicamente se exclui. Adrniramos, pois, ate por isto,
o que fenomenologicamente se revela e cientificamente se
contirma e nao 0 que, apesar das indicacoes cientificas, preju-dtcialmente se postula.
Nem deixaria de ser significativo ponderar a inflexao que
o sentido epistemologico do proprio pensarnento a que nos
temos estado a referir - como que numa contraprova - veio
a sofrer perante a critics a sua transcendental reducao dos
449 Sobretudo quando essa reducio a 1 1 1 1 1 posruladamente previlegiado
se t raduz , como e comum nurna cer ta a ti tude redut iv is ta que sepretende legi-
t imar em termos de cri ti ca ideologica, no procura r uma «expl icacao causa l.
(explica¢io causal que e sempre redutora do «superior. ao «infe rior», p . ex.,
do etico pelo b iolog ico, do valo r pelo interesse, etc.. Pois a rdal(ao, ja decondicionalidade, ja de compossibil idade, que entre os terrnos relacionados se
possa reconhecer, uao explica nem anula a especihcidade essencial-objectiva
do .explicado. perante 0expli cador. pdo qUt aqui, como em out ros dominies
(para 0 dominic sociol6gico, vide N. LUHMANNP os it iv es R e ch t u nd I de v/ rg ie ,
in 10c . c i t ., 532, s .) , uma redul (ao causa l dest e t ipo ( :demasiado simples para
fner justica a complex.idade da realidade ou do ser que pretende dominar.
450 Cfr. N. HARTMANN,M e t! lp i1 y si k d e s E r ke n nf n is , segundo a traducao
francesa de R. Vancourt, vol . I, Inl roduri fo e 55, SS . .
AS FONTES DO DlRElTO 165
«interesses»das divcrsas perspectivas de conhecimento e culturais,
i, c , a sua exclusiva «orientacao praxistica» 451. Pois passou
a reconhecer-se tambem nele que a aq:ao pratica e 0 consenso
c0111unicativopressup6em, afinal, e para alcm dos fundamentais
interesses da relatividade perspectivante, um sistema de valores
culturais. Ora, setivermos presente que acirua do nivel pulsional'd 452dos interesses, tornados estes agora no seu senti 0 comum ,
e acima ainda do nivel funcional e si tuacionalmente espedfico
dos f ins 453, sc situa 0 nivel da universal idade dos valores 454,
45! Diz-nos, quanto a este pouto, M. BAPTISTAPEREIRA, b . cit., 75 S5.:
,A discussao com Luhmann mostrou que nao e de modo algum defmitiv a
a pos icao de Haber rnas em 'Erkmnt l l i s ~m d I l l t e re s~:e ' . A ~u~s~tuio;ao do abs-
tracto e mono16gico egenero humane' por urna realidade historica em processo
de formao;ao perrnit iu urna inflexao no scntido cia concrecao hist6rica e inter-
-subjectiva, resultando uma 'teoria de cornunicacao pela lingua.gem corren~e',
em que osinreresses passam para segunco plano por sercm ~ec~sSldades.e desejos
rnonologicos, que se desprenderam do consenso comutucanvo rr1atlvaffien~e
a normas validas assentes em valores culrurais , que orientam a 'aC\(ao comuru-cat iva'. A fun~o t ranscendental do valor em Rickert sucedeu em 'Erke l lnt l l i s
l ind Inte resse ' de Habermas 0 prirnado condicionanre do interesse, cedido no
dialogo com Luhmann ao estatuto priorit :' ir io da aCl(ao,nova condicao trans-
cendental de possibilidade da exper ienc ia ( .. . ). Ao proper uma ' ac<;aoCOIllU-
uicariva' , Habcrrnas referiu-a a valores culturais . . .a. 0 que, depois de outras
conside racoes que aqui se ornit em, l evar ia a conclui r em geral que mao e acomunicacao nern a inrer -subjectividade que geram a signif icacao comU111
co sent ido, mas e , ao contrario, 0 fen6meno originario da vivencia de sentido
que fonda a comunicacao e intecsubjec tividade e , por i sso , 0 consenso na
comprcensao de sentido e muito rna is que nma simples convencfc».
452 Cfr. in fra .
453 Que bern se podem conside ra r ani logos aos ' in te resses ' no sent ido
de HABERMAS.Sobre a relal(ao entre interesse, fun e valor, v id e i nf ra .
454 Universalidadc esta do axiol6gico que vcmos afirrn ada, de modo
expresso, tambem pelo pensamento sis t€tnico-funcionalista. «0 aspect? uni-versa li st a dos valores - le -s e na s iimula d e T. PARSONSsobre 0 «SIstema
socials,publicado in Th io r i e soc io log ique, org. po e B. BIRNBAUMF. CHAZEL,242
- impliea que ao nivel pertinen te de ref erencia, d es nao s:jam especlficos,
nem de uma s icuacao, nem de urna funl(ao ( .. . ), Quando sedl.Zque os valo~es
nao sao especificos de urna simacac, vai implicado que a sua vahdade normatrva
nao e funl(ao das categorias particulates de personalidades disponi veis como
mcmbros, nem por exemplo dos niveis particulates dos conhecimento.s t :cno-
logicos disponiveis para a realizacao desses valores . Quando a especificidade
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16 6 DOUTRTt>iA
; ,
reconhecemos igualmente que essa universal idade do axiol6gico,
com a intencao de validade que the e pr6pria, s6 pode scr
assumida pelo que antropologicamente transcenda a contin-
gencia da situacao e a relatividade concreta da fun~ao para
atingir 0 absolute justamente de validade, ainda que esse
absoluto se manileste a uma humana perspectiva hist6rica 455.
Possibi lidade esta que, insri tuindo a proble rnati ca da universal
validade a diferenciar-se da problematica da praxistica funcio
nalidade, s6 pode compreender-se, na verdade, como possibi-
lidade esp iritual e imped ira, como tal, a pretensa irrecuperave]
politizacao do pensamento 456, implicada sempre numa qualquer
antropologia de monismo material is ta .
Isto, em primeiro lugar, Em segundo lugar, hi a inda que
considerar 0 problema da sintese entre os factores reais ~ser
natural), com as suas impuls6es cxclusivas, e os factores ideais
(ser espiritual), com as suas validades inclusivas, no processo
da constituicao cultural. Problema de imporrancia decisiva
decerto, mas que em ordem a nossa investiga~ao nao temos
de atender com particular desenvolvirnento. E que, qualquer
que seja, rigorosamente ou numa analise acabada 457, 0 modo
como se haja de pensar 0 cumprimento daquela sintese const i-
turiva, sempre se ted de aceitar 0 principio pos to em evidencia
c ia s ituacao se introduza falaremos anali ticamente, nao de valores , mas de fins.
De urn modo semelhance, os valores sao independentes da diferenciacao
in te rna do si st ema na qua l s ao ins ri tucionali zados, des sao per tinentes a um
n lvel de gcneralid ade que 'rr anscende' a difer enciacfo funcionaI . ( ... ) os
valores defmem a direc"ao da orienta~ao que e desejivel para 0 sis tema comourn todoe. Alias, de f lagran te analogia com 0 dito no texto e a distin~o dePARSONentre -condicionalidade, e «normatividadee: R. DAMM, Svs t emtheor i eun d Recht 39 , S5., 114, S5. Cfr. in fra . .
455 Cfr., sobre este ponto, 0nosso ensaio ja cit.• A Revoi ll fi io e 0 Direi to» ,
l OB , ss..
456 Que tal e , como se sabe , a t ese capit al da •T e or ia a tti ca » - Cfr., sobre
este ponte LADMlRAL,ob . 1 0 c. c it s. , p as si n« .
457 Analise que, no dominic especifico do direito, nos oferece justamente
a obra c icada de FECHNER, R£cht sph i !osophie.
AS fONTESDO D1REITO 1 6 7
por SCHELER ao afirmar 0 factor espir itual- ideal como 0 « fac to r
de [ e t e rm i na i do» do modo-de-ser essencial (So5eistlsbescllO(fel1heit)
das cspecff icas realidades ou realizacoes histor ica e socialmente
cultura is e 0 fac tor rea l-na tural como 0 < fa ct or d e r ea li za fi io »
au de possibilidade . Poi s se qua lquer concre to dorninio cul tura l
ou qualquer particular e hist6rica obra cultural s6 peIo espiri-
tua l-ideal podera ver defmido 0 scntido por que culturalmente
se compreende, e portanto a intencao siguificante que visa
cumpri r, nao e menos certo que apenas pelo real-natural esse
sentido pode adquirir realidade (efectividade) e no modo por
que ai concretamente se assimile 45B. Este ultimo ponto nao
cxclui que os factores ideais possam relevar na pr6pria confor-
macae dos factores reais 459 - os quais s6 se imp6em assim,
verdadeiramen te, com uma « fa ta N t e t 1 lO d i fi ab l el > - , mas exige que
se reconheca serern a liberdade e a autononna dos factores ideais
~scmpre susceptiveis de suspensao, na sua expressao real, pelo
efeito da causalidade pr6pria da 'infraesrrutura'e - por isso etambern a sua liberdade uma « i ib e rt l m o d i fi a bl e » 460 -, e que,
por outro lado, 0 impulso e a posicao mesma dos problemas
a resolver pda intencionalidade constituriva da deterrninacao
ideal nao possa provir da dinarnica dos factores reais - tudo
458 Neste sentido observa ainda SCHELER, o b. c it ., 9: 0 ambi to c ia sua
'p05sibil i~o' (dos conteudos da cultura) objectiva e real Ilio esci determinado
tfeltl na sua existencia, t l em na sua essencia pelos factores ideals, mas 5 6 pelos
factores reais dados e a SUanatureza (.. . ). Por outro lado, e sempre uma empresarad ica imen te e n o n ea querer deduzir univocamente das r ei af oe s r em 's J a v id a, sejam
ctnicas, econ6micas, politicas Oll geopoli ticas, 0 conteudo corn sentido e com
valor pos it ivos de uma dada rel ig iao, de uma ar te , de uma f llosof ia c de uma
ciencia, de uma criacao juridica. 0 estado da s rela~i3esreais, a correspondente
combinacao d05 factores reais s6 'explica' aquilo que Ilio chegou a ser, apesar
de se encontrar compreendido no dmbi to de determinaclo essencial e intrinseca
da histor ia do espir ito rel ig iose ou j uridico relativamente a s l ei s do seu pro-prio sentido , e ainda que do ponto de v ista c ia pura his toria do espirito Fosse
em potencia t ao c apaz : de chegar a ser como 0 que veio a scr efect ivamente •.
459 Cf r., quanto a esre particular, HARTMANN.b. ci t . 570 , 5S.; e FECHNER,
ob . cit. 122, s., e 124, ss..
460 Expressoes e sentidos que SCHELER recebeu de A. COMTE-V. o b . c i t., 1 1 .
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168 DOUTRINA
isto numa dialectica que tarnbem havemos de considerar rcla-
tivamente ao nosso problema. Permaneccndo, no entanto,
discutivel nao s6 que os <lactores de realizacao- positivos e
negatives se jam aqueles que SCHELLER apontou 461, como ainda
quc aquilo que «unicamente 0 cspiriro e a vontade humanos
podcm fazer perante a marcha da historia real seja d;rjg;r c
ori en t ar 462 uma serie ordenada e flxa de fascs, sucessos e
situacoes submetidas a leis proprias, produzidas automaticarnente,
independentes da vontade do homem c cegas para os valores do
espfrito» 463.
E dito isto em geral, importa refcri-lo ao direito. Tambem
aqui h£ que distinguir 0 factor espiritual-ideal de detcrminacao
(de determinacao do senrido intencional fundamental que 0
constitui c o mo d ir e it o] e 0 factor ou factores naturais-reais ou,
em termos mais gerais e quc ao direito melhor convcm, Iactores
mate riai s dc real izacao ou da sua possibil idade historico-concreta.
Com uma particularidade, no entanto. E que 0 direito e uma
entidade cultural que pressup6e ja uma reahdade tanibem
socialmente cultural e so sc constitui a partir dela - e , pod eradizer-se, uma entidade cultural de segundo grau. E assirn que
461 Como factores posit ives via SCHELER 56 os esforcos de urna eli te '0
acto l ivre e a l ivre vontade de urn 'pequeno mimero"; em primeiro lugar,
chefes, precursores , pioueiros , ql1e sao imitadas por urn grande ntimero, poruma multidao •.
462 «'Dirigir ' ~ exp1iea SCHELElI. - e a fun~ao p rimaria do esp irito ,
'derivar' a secundaria. Dirigir e manter 11frente urna i d e i « tingida de valor;
derivar e por e t irar obstaculos aos impulses, cujos movirnentos correlatives
realizam a ideia. A direccao determina a forma da derivacaoe - o b. c it .Cfr. rD. , D ie S te li un g, c it. (segundo a trad. esp. de J . Gaos), 95, 5S.
463 Ao que acrescenta Ibidem, 27: «Nao podem mais nada! Onde as
ideias nao encontram forcas, interesses, paixoes , impulses e 05 'rnovimentos'
destes objectivados em insti tuicoes, carecem - qualquer que seja 0 seu valor
espiritual- de significacao par a a h ist6ria real», Para urna critica a esta
tese, da relativa .impotencia. material do espirito, pode ver-se FECHNElI., ob . cit.,
124, 55., apoiado na investigacao de W. J . REVERS, P e rs c na le K r it er ie n d e r m e n s-
ch l i che t r Tr i eb sph i ir e . Cfr. alias , N. HARTMANN, o b . c i t. , 560, ss. , 570, ss. .
AS FONTES DO DIREITO 1 6 9
o direito vern depois na ordein constitutiva, se nao mes1110 na
ordem historica, dos mores , do e thos social e meSl110 da insti-
tucionalizar,:ao irnediatamente cultural-social 464. Pelo que no
sc u factor de realizacao e possibil idade, no sell pressuposto
materialmente condicionante, participam tanto facto res reais
como factores ideais, e com a natureza e objectividade espc-
dficas de cada um desses dois tipos de factores. Te-lo mos-
trade ~ ter mostrado quais sao esses facto res reais e ideais e
em que termos concorrem em geral uns e outros, na sua
autonomia relativa, para a formacao do direito - foi 0 merito
de FECHNER, seguido por HENKEL e ZIPPELIUS 465 .
So que - e e este urn outro ponto a ter em conta-,
e starmos perante esses factores e fica rmos esclarec idos quanto
ao modo geral da sua participacao espedfica nao e 0 iuesmo que
termos um certo direito au sequer a eexplicacao» de a direito,
pois cste nao e a mera soma ou a resultante necessaria do
conjunto desses £actores, mas sempre algo, dissemo-lo ja, de
autonorno «pro-posto» e assim a constituir com base decerto,
mas para alern tambein desse spre-suposto». 0 conjunto dos
£actores considerados sera, como veremos, amdic ionan te , e mesmo
em boa medida codeterminaute, mas nao a decisiva det erminant e
normativa do direito au de urn certo direito, A sua deter-
minacao propria porvir-lhe-a de um factor especificamentc
aut6nomo - a espedfica intencao uormativa de d ire i to - que
haveremos de explicitar no « mo me nto d a v alid ad e» . Mas sem
significar tambem isto que a «factor de determinacfo» do
juridico seja ontologicamente de uma outra e diferente Indole- sera simplesmente de natureza espiritual-ideal, tal como os
464 Cfr, in fra.
465 E esse Iundauienralmente, como disscmos ja, 0 objective da o b . ci t .
de FECHNER. Quante a HENKEL, v i d c E i n [ ii h ru n g ill d i e Rech i s ph il o s oph i e , 2.' ed. ,
2.' e 3.' partes; e de ZIPPELIUS importa atender ao capitulo dedicado a sDas
Rech t UIIJ s e in e r e al e n Vorgegebenhe i t e t u , na suamonograha <Da s W e se n d es Reth t s« ,
3.' ed., 52, 5S.
17J
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170 DOUTRINA
factores desta natureza que se nos deparain 110 conjunto-
-pressuposto condicionante - ou que esteja acirna, num outro
e superior estrato, dos factores analogos concorrentes nessc
pressuposto. Pode antes dizer-se que esse factor da deterrni-
nacao juridica, enquanto tal, e um mediador, em termos
const itutivamente espedficos, entre os factores reais e os factores
ideais que historico-socialmente pre-existem e 0 condicionam.
E de tal modo que a func;:ao determinante que respectivaniente
corresponda aos factores ideais e, portanto, tambem aqueles
com que condicionantemente depara, 0 factor ideal espedfico
do juridico, 0 principio espiritual-ideal de deterrninacao do
direito , ou 0 p rin clp io d e v al id ad e constitutivo do nouum norma-
tivo-cultural que se manifesta c om o d ir eito , vern a operar no
modo exactamente de urna sobrede te rminacdo 466.
o conjunto de facto res reais e ideais rnaterialruente pres-
supostos e que condicionam, nos termos que verernos, a
concreta constituicao hist6rica do direito, e 0 que designamos
por pressuposto mater i a l . Da sua analise e assim como dessa sua
condiciouante relevancia nos vamos agora ocupar.
{ I
" i
7. Esta reterencia - decerto demasiado breve, mas que
desenvolv imento posteriores compensarao - a indole e posicao
ontol6gica dos factores que concorrem na constituicao do
direito apenas nos pas perante a discriminacao abstracta dos
tipos desses factores e ndo apontou mais do que a natureza
geral da sua participacao consti tut iva . Teremos agora de avancar
para uma perspect iva mais sociol6gica , ou para urna maior deter-
rninacao analitica, em ordem a atingirmos 0m o d o c o nc re to dessa
participacao no pressuposto material a que acabamos de aludir,
466 «Sobredeternunacios que formalmente nao deixara em muitos casos
de se oferecer em termos de (sobreconstru"aot ou de osobreconforrna ..a:o.
- no sentido que a estes conceitos e confe rido por N. HARTMANN, ob. dt.,
54 7 e 5 8 8 .
AS FONTES DO DIREITO
Poderia pensar-se que a consideracao dos dois tipos de
factores discriminados, por urn lado, c a tainbeni ja aludida
simultalleidade da sua relativa autonomia com a sua corre la tiva
dependencia (ou nuituo condicionamento) no processo consti-
tutivo em que participain, por outro lado, bastariam para definir
pelo menos 0 t ipo do respect ive relevo concreto. E, todavia,nao e assim. Decerto que aqucla relativa autonomia exclui
uma solucao tanto de tipo essencial-jusnaturalistico como unia
soluc;:aode tipo causal-sociologico, e esta correlativa dependencia
recusa tanto U111 apriorismo racionaHstico como um incondi-
c ionado voluntarismo posit ivist ico, Mas cont inua por esclareccr
o modo exacto da dialecrica constituenda. Pe10 que mesino para
cste aspecto do problema sao indispensiveis os desenvolvimentos
seguintes.
a ) Urn primeiro ponto ted de ser de anteiuao ponderado:
e exactamente qual a natureza da rclacao que havcmos de
pensar entre 0 direito e 0 seu pressuposto material no proeesso
normative global da sua const ituicao. E que sao at pensaveis
quatro tipos de relacao. E, como base para 0 enunciado dessa
tipologia e seu eselareeimento, sirva-nos uma alusao ao pensa-
inento de MONTESQUIEU,ja que e ele um classieo precedente
na problematica que estamos a eonsiderar 467.
467 Nao, evident emen te , por acaso, Mas porque pode dizer-se que
MONTESQillEU foi quem primeiro (e de can early enough point of modern
depar ture», na afl rma . .a :o de J . STONE, Socia l d im ensions o f Jaw arJd justice, 36
~ nao obst ant e 0jusnaruralisrno do seu tempo e resistindo a indole puramente
especuiat iva do utopismo eontratuali sta em que esse [usnaturali smo se expri rniue s e pensou t ri un fan te depo is ) ve rnos r ef er ir 0 direito aos seus pressupostos, na
tentativa de 0 compreender em fu~a:o deles ou pelo menos no quadro do seu
condicionamento por des. Tentativa que rigorosamente significou uma muta-
"a D de perspectiva: ao pensamento puramente especulativo-dedurivista (J priori
subst ituia-se urn pensamento d e in tencao object ivament e .c ienti fi ca ., numa
indole historico-sociologica e tipo16gica-analitica. Sem que isso exclua,
todavia , que no seu pensamento sc poss am dist ingu ir dua s o ri cn tacdes , a o rien-
ta. .a :o est ri tarnente ccienti fico-descr it iva. e uma orienta . .ao ja rnais .ideo16gico-
AS FONTESDO D1REITO 1 7 3
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17 2 DOUTRINA
Sabe-se, com efeito, que foi , analogamente, 0 seu problema
o dc compreender as «leis» (0 direito) por rden~ncia aos
pressupostos gerais quc as condicionariam ou dcterminariam
e com 0 objectivo, podera afirmar-sc, de ofereeer assim os
fundamentos de uma «c iencia da legislacao» 468 - que 0 rnesmo
e dizer, da constituicao do direito. E 0 principio com que
abre 0 «grande livro», para ao longo de demoradas analises e
reflex6es 0 pretender comprovar - «les lois, dans la signification
la plus etendue, sont lcs rapports necessaires qui derivent de la
nature des choses» -, decerto que, se niio significa ja urua
solucao na linha do essencialismo jusnaturalistico - essas «rela-
c;6es necessar iasi impostas pela natureza das coisas nao traduzern
urn ser juridico OU uma entidade normative-mater ial ontologi-
camente a prior i , mas impoein-se como a base da explicacao
e da cornpreensao do seu processo normativo constituinte-,
nao e menos evidentemente incompadvel C0111 a pos icao de
urn incondicionado voluntarismo positivista. Mas nern por
isso deixa de ser equivoco 0 sentido da rclacao ou das diversas
re lacoes das «lei s» C0111 os pressupostos ou factores que con-
correm para a sua formacao - pressupostos-factores naturais
(clima, territ6rio) sociais (populacao, economia), historico-culru-
rais (costumes, tradicoes, insti tuicoes) e espi ritua is (moral, rel i-
giao) -, relacoes que «fonuent tous ensemble ce qu'on appelle
H i' t , l": l
! \
~~
·l.,
-poli ti cas - para usa rrnos as expressoes de M. A. CATTANEO, lu min ism o e
l egislaz ione , 29-, ao mesmo tempo que aquela muracao de perspcctiva auroriza
que se diga MONTESQUrEU,om nao menos verdade, <0 fundador da ciencia
politica- (efr. L. ALTHUSSER,Monte squieu, a podti c« e a i r i s/or ia, tr ad, po rt. deLu z Cary e LUisa Costa, 17).
46B Cfr. G . TARELLO, P er u na in te rp re ta zio ne s is te ma ti ca d e « Ll es pr it d es
l o i s» , in Mater ia l ! pe r un a s to tia d ella c uitur a jU dd ica , vol, I, 18, 51 - .Uma
primeira linha de influencia de Montesquieu (. .. ) consiste em fazer acreditar
a ideia de que seja possivel uma ciencia de legis lacao, isto e , que 0 direito
a rbit ra rio, ou pos it ive, possa ser subrne tido ao t ribuna l da c ienc ia e que , por
consequencia, 0 legis lador pode (e, uma vez que pode, deve) legis lar segundo a
ciencia»,
1 .
"
l'espri t des loi s» 469. Pois sao vanos os possiveis scntidos dessa
re lac ;ao ou re lacoes, Dist ingui remos quat ro: 0 de uma relacao
de neces s i dade e 0 de uina relacao de oportunidade, assiiu C01110
os que correspondent ja a uma relacao de condi c i onol i dade, ja a
uma relacao de code te rminacdo constitutiva. 0 primeiro di r-nos-a
que 0 pressuposto I: «causa», de tenninante genet ico do di rei to,e implica uina t eo r ia e x pl ic a ti ve deste. 0 segundo ve no
pressuposto apenas 0 dado, 0 meio ou 0 contexto que, em
rerrnos de eficacia, deve ser tido em conta, ua sua virtualidade
quer motivadora, quer instrumental ou obstativa, por uma
intencao prograinatica ou poll t ica. 0 terceiro considera 0
pressuposto enquanto a base, tanto de possibil idade intenciona l
COlllO de realizacao historico-social do direito, a sua base-
-contexto de c on d id o na m en to s oc io 1 6g ic o que 0possibilita e situa
-hist6rieo-socialmente. E 0 quarto, por sua vez, integra 0
pressuposto na total idade do complexo no rma t l v amen t e cons t i tu t i ve
do direito, cornplexo constitutivo em que 0pressuposto parti-
cipa justamente como um clemento de particular relevo
codeterminante da norrnat ividade ju ridicae - se nao impl ica unia
nccessidade, tarnbeiu nao sugere apenas uma politica, nem se
limita a por em relevo 0seu unil tiplo condic ionamento e antes
imp6e 0 espedfica probl ema da concreta formacao do direito,
mediante a analise das suas dimensoes const itut ivas .
Ora, nao obstante tudo 0 que possa concorrcr para a tribuir
a MONTEsQUIEU0 primeiro destes sentidos da referencia do
direito a uru seu pressuposto material- desde logo a ambigui-
dade do seu conceito de «lei» 470 e 0cientisnio i luminista em que
469 D e /' E s pr it d es lo is , O eu vr es d e M o nte sq ui eu , p. p.. Destutt de Tracy
(1822), n, Liv . I, cap. Ill, 145.470 .Les lois, dans la signification la plus entendue, sont lesrapports neces-
sairesqui derivent de la nature des choses; er, dans cesens tous les etrcs om leurs
loi s: l a d iv in it e a ses lo is, [e monde mater ia l a ses lois , l cs int el ligences supe-
ricurs a l'h omme om leu rs lo is, les betes ont leur s lois, l'homme a ses lois.
Ceux qui ont dit qu'une faralitc aveugle a p roduti tou s les effets que nous
174 DOUTRINA AS FONTES DO DlRE1TO 175
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. J
I.
manitestamente COllllUlgoU, e hem duvidoso que fosse esse
o seu verdadeiro pensamento, tanto aque1e sentido determinista
e incompativel com 0 seu expresso entendimento da «lei dos
homens», de que sao elementos essenciais a inteligencia e a
liberdade 47\ e se mostra contradit6rio com 0 total desen-
volvimento da sua obra. 0 certo, todavia, e que nao pode serhoje essa a nossa cornpreensao do pressuposto material do
juridico. Urn estrito determinismo redutivo, 110 seu cientisrno
causalista e segundo 0 qual- na expressao de R. ARON 472 - as
voyons dans Ie monde ont dit une grande absurdite; car quelle plus grande
absurdite qu'une fatalite aveugle qui auroit produit des er re s intelligens?
Il y a d onc une raison primitive; et lcs lois sont les rapports que se trouvent entre
elle et les lois des differens etres, et les rapport, de ce divers etrcs entre euxs
(Liv I, Cap. 1,133, s.). E dasleis do emundo inteligentes ou dos homens d iz -nos
que elas nao sao seguidas constantemente como 0 mundo Fis ico s egue a s sua s,
ja que .l a ra is on en est que l es e tte s parti cul ie rs i nt elli gens sont bornes per l eu r
natu re , et par consequen t sujets 11 l 'e rreut; e t, d 'un autre cote, il est de leur
nature qu'il agissent par eux-memess
i iu«.pag. 136). Depois, quanto
a sdeis posinvass da sociedade humana vern a concluir que .la loi en general ,
est la raison humaine, en tant qu'elle gouverne tous les peuples de la terre;
et les lois politiques et civiles de chaque nation ne doivent etre que les caspa rt iculi er s ou s' ap lique cett e ra ison humai ne s (pag . 143). Niio deveni, assini,
admitir-se que, contra uma concepcao determinista e monis ta das «leis>, MON-
TESQUIBUpensou em var ios tipos de leis - cada tipo de ser teria 0 seu tipo
especifico de leis - e que 0 tipo de racionalidade ou de determinacao nao sc
confundia corn a racionalidade determinista, pelo menos no dominic humane
ou das leis juridicas e politico-civis? Pols nao e certo que as «causa s f ls ic as .
sc distinguiam, e se opunham as «ausas ruorais»- .Plus les causes physiques
portent lcs hommes au repos, plus les causes morales les en doivent elolgncr»
(Liv, XIV, Cap. 5, 158) - e que de todo 0 " es pr it d es l oi s> se pode condnir ,
com CASSlRER,que sele recusa a simples de du (J o a par ti r dos fact o r es purarnente
f !s icos e subordina as causas mater ia is a s causas espir iruais-? Sobre estes pontos
podem ve r-s e, com pos i~5es d if erent es, P. HAZARD, a p en s am e nt o e ur o pe u 110
seculo XVIII, trad, port. de C. Grifo Babo, II, 176,55.; E. CASSlRER, La phi lo-
s o ph ie d e s / um i er es , trad. f ranc. de P. Quiller, 217, 5S.; L. ALTHUSSER, o b . c it .,
39,55.; RAYMOND ARON, u s h ap es d e 1 a pe ns h: s oc lo lo gi qu e, 53, SS.; N. HAMPSON,
a i iuminismo (trad. port. de R. G. Gomes Filipe) 144, ss.; G. RADBRUCH,
D ie N a tu r d er S a di e a ls j u rj st ic he D e nk fo rm , E xc ur su s III; G. GURVITCH, Grundz i ige
d er S ozi olo gie d as R ec hts , 2.' ed. , 53. V. ainda 0 desenvolv imen to do texto ,
471 V i de nota nt er io r. Cf t. CASSlRERe R. ARON, obs . e l o c s. c i ts . .
472 ab. ci t . , 54.
«leis-c01l1andos~~eriam explicadas por «leis-causais», nao tem
niais lugar 11aproblematica do pratico-normativo 473, e a deter-
minacao uorrnativa que 0 pensamento da «natureza das coisas»
afirma 110 ser-pressuposto do direito .I i virnos porque nao
pode scr aceite.
o segundo sentido do relevo a atribuir ao pressupostomaterial do juridico tambern se nao pode excluir i ll l im in e de
MONTESQUIEU, se pensarrnos no entendimento iluminista do
pratico (e do normative] que haveria de encontrar as suas bases
na ciencia e se constituiria atraves de uma conversao pragmatics
(<<tecnica»)74 desta. Convertendo 0 conhecimento cientffico,
as leis da «ciencia»,em «imperatives hipoteticosi de u1I1aracio-
nalidade pragmatics - a racionalidade pratica seria a raciona-
lidade do esquema «meio-fim» 475 - obtinham-se regras praticas
de uma a rs moral ou polit ica que a ciencia sustentaria: assim
se falaria ate hoje de «moral cientifica», de «polltica cienti-
fica», etc. 476. Deste modo pode pensar-se ter sido tambemem MONTESQUIEU, que entao «se limitaria a tirar do estudo
473 Como 0 nao tent qualquer outro tipo de monismo e redutivismo
explicative que anule a espedfica autonornia constituriva do normativo ou
a sua mediacio propria, ainda que aquele monismo e redutivismo (ou a sncces-
sidadcs) se afirme apenas urn postulado da «cienda polirica e da historias
- assim ALTHUSSER, o b . c it ., 23, que considera ter MONTEsQUIEu, numa das
interpretacoes possiveis do seu pensarnento e aquela que 0 tevelaria verda dei-
ramente inovador, extraido .a s le is reais da conduta dos humanos das leisaparentes que eles criam» ( pag. 50 ).
474 Cfr., por todos P. HAZARD, La c ri se d e la c o n sc i en c e e U l Op el 'r m e ,
scg. a trad. port. de 6scar de Freitas Lopes, 235, ss .; J. HABERMAS, Dogma t i smus ,V (' T nu n ft u n d E n ts c he id u ng , loco cit., 312.
475 A racionalidade pratico-Iinalistica t Zweoaational}, dis tinta da racio-
nalidade pratica de fundamenta~o axiologica (Wertrational}, na rerminologia
de MAX WEBER, e que 0 racionali smo anall rico-posit ivis ta apenas conhece
- v ., p. ex., N. BOBBIO, U ber d en B eg rif f d er .N atu r d er S athe , loco cit., passim
- e esta na base do pragmatisrno recnologico dos nossos dias - Cfr. J . HABER-MAS, L A I Ic hn iq ue e t f a s ci en ce c om me id e% gi e, cit., pas s im .
476 Cfr . E . HUSSERL, I n ve s ti g at io n e s I O g ic a s, t rad. cit ., Lss ., 11 e 13 e ss .:
G. KALINOWSKI, Q u L' Te ll e d e l a s ci en ce n or ma ti ve , 133, 55.
17 8 DOUTRINA AS FONTES DO DIRE lTO 17 9
5/12/2018 As Fontes do Direito e o Problema da Positividade Jur dica PARTE II - Castanheira Neves - slidepdf.com
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o legislador, numa palavra, deveria eriar as suas leis em
relacao com «les principes qui ferment l'esprit general, les
moeurs, et les manieres d'une nation» 484. E certo que ainda deste
modo as interencias seriam fundamentalmente de indole politica,
pois 0 contribute do sentido que assim se poe em relevo
continuaria a traduzir-se em «directivas praticass tendo 0 legis-
lador por destinatario - pretenderia prescrever ao legislador
uma «politica do direitos C0111 base no prindpio de que as suas
leis devem corresponder ou adaptar-se as circunstancias naturais,
sociais e culturais do seu povo, ao seu e s p ri t g e n e ra l 485, Mas nem
por isso este sentido se confunde com 0 segundo antes aludido:
agora nao se trata apenas de sugerir ao legislador umas tantas
regras tecnicas obtidas de uma «ciencias convertida em «arte»,
e sim de 0 confrontar com 0 pressuposto-condicao da sua
obra e, portanto, com os limites e a relatividade do seu poder
de criacao jurfdica, com a nao ignodvel condicionalidade
material das suas leis assim como com a validade delas apeqasem func;ao da realidade hist6rico-social em que fixava os seus
objectivos normativos. 0 que nao seria pequena originalidade
perante 0 raeionalismo abstracto e 0 dedutivismo normativo
dominantes ao tempo, que era 0 setecentos iluminista,
S6 que as coisas nao ficam por aqui. Pensar as leis ou
como as resultantes necessirias de urn conjunto de factores ou
como as prescricoes de urn poder que pode ser tecnico-politica-
mente aconselhado ou como expressao de uma pratica politica,
que s6 cobra 0 seu sentido e a sua viabilidade no contexte de
uma bern defmida realidade ou sistema natural-historico-polftico,
nao esgota as altemativas possiveis, Uma quarta altemativa
484 Como se Ie na propria epigrafe do celebre Liv. XIX, cujo enunciado
completo e : s De s l ois , d an s l a r ap po rt q u'e Il es o n! a ve c le s p ri nc ip es q ui [ om t e n t
l'espti; g en er al , l es m oe ur s, e t l es m an ii rc s d 'u ne n ati on • .
485 Em sent ido ana logo , d iz RADBRueH, o b . l a c. c i ts ., que para MON-
TF.SQUlEU, eas leis njio es tdo determinadas pelas relac;:5esvitais, mas devem
adequa r- se a e la s em certo grau e sent idos ,
ainda se ted. de considerar. Aquela que inclui 0 pressuposto
material no processo normativo da constituicao do direito, e assim
como seu irredutivel e l emento constitutivo, mas sem que ele seja
ai determinante ou 0 determinante do normativo juridico
constituendo ou constituido, na intencionalidade e validade
especfficas desse normativo: simplesmente, 0 problema da
eonstituic;ao do direito e 0 pr6prio direito nao se poderiam
pensar sem esse pressuposto e 0 seu relev~ e~peci£co:. ?e
outro modo, 0 processo normativamente constitutrvo do cnreito
nao pode compreender-se sem 0 pressuposto material, mas
este nao decide s6 por si desse processo nern esgota a intencio-
nalidade constitutivamente detenninante: estando na base ou
concorrendo em termos codeterrninantes no processo constitu-
tivo, 0pressuposto (ejustamente como pre-suposto) nao exclui e
antes exige a autonomia de uma Ultima intencao normativa
detcrminante. E dai que seja agora imprescindivel um outro
momento de que os sentidos anteriores nao careciam. Exige-seaqui uma totalidade (um «todc») em que 0 pressuposto condi-
cionante-codeterminante e a decisiva intencionalidade deter-
minante possam ser pensadas como tais, i. e , nas correlatividadee assimilacao dialecticas implicadas na sua participacao integrada,
justamente como condicionante-codeterminante e determinante.
J i que a autonomia determinante 0 ted de ser relativamente ao
pressuposto e no quadro de possibilidades de realizacao e
intencionais por este abertas - 0 que significa simultaneamente
um abrir e urn circunscrever 0 campo para a autonoma
determinacao ou uma abertura condicionada e codeterminante
para ela -, tal como 0 condicionante s6 podera se- lo relativa-mente a urn determinante que 0 implique na sua pressuposicao.
Totalidade constituinte e significante que ted de compreen-
der-se como un i dad e , se a analise for a p o s te r io r i 486; e que sera a
486 Recorde-se 0 que dissemos supra, sobre a totalizacao analogica d a
<natureza da s coisass ,
17 6 DOUTRINAAS FONTES DO DIREITO 17 7
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causal consequencias pragll lat icas pressupondo os objeetivos do
legisladoD> 477 e as suas analiscs propor-sc-iam afinal dar apenas
conselhos ou einstrucoes» 478 ao mesmo legislador - seria sim-
plesnieutc esta a sua «cifncia da legislacao». Nao e para n6s
decisive saber se este entendimento, em que se confunde a
«(pratica» com a «recnica» ou a «p r ax i s » com tecnologia , corrcs-pondc ou nao exactarneute ao « esp ri t d es lo is» - e hi fundadas
razoes para duvidar, nao 0bstantc 0 utili tarismo iluminista, pois
a coerencia do pensamento de MONTESQUIEU e as suas dimensoes
culturais apontam antes nU111 outro sentido -, mas ja nos
intercssa coinpreender 0 que este cntendimeuto do pressuposto
material implicaria no problema da constituicao da nonnativi-
dade juridica. Os dados pressupostos, a que apenas se deveria
atender numa tecno16gica prudencia ou polirica legislativa,
mantinharn-se verdadeiraruente alheios ao processo nonnat ivo
enquanto tal- podiam ou nao ser ai considerados, em bora
convenienteniente 0 devessem ser em fuw;:ao de certos objec-tivos - e por isso tarnbem nao seriam suficientcs para anular
a hip6tese de U111 estrito voluntarismo a que de todo estivesse
disponivel 0 dirci to - i, e , nao excluir iam a constitut iva imp uta-
r;:aodeste ao simples poder . No primeiro sentido, 0 pressuposto
decidiria tudo, no seu dererminismo; neste segundo sentido,
acabava por pouco ou nada decidir, na sua apenas hipotetica
rclevancia.
Pode, todavia, pensar-se num sentido algo diterente do
anterior, considerando que 0pressuposto material, ou 0 conjunto
dos seus elementos, implicaria para 0 nonnative uma relacao
geral de condicionalidade. As circunstancias naturais, sociais,
historicas, culturais e polfticas (a natureza do governo c 0
477 Vide R. ARON, a b. c it ., 54, s.; G. TARELLO, o b. lo c. ci ts ., 51 .
Cfr. ALTHUSSER, ob . ci t . , 51, 55..
478 As s im R. ARON, Ibidem; e G. TARELLO, Ibidem.
seu «principio» 479), impor-se-iam como a condicao=mcio ou
o cOlltexto-dominio, com uma natureza propria com que se
havcria de contar, da constituicao e realizacao do direito (das
deis»). Pois s6 as tendo em conta na sua «rcsistenciar 480
especifica, i. e , nas possibilidades ou impossibi lidades que elas ,
tal como sao, oferecem ou excluem, nas intencoes que sugerem
ou recusarn - s6 vendo nelas 0campo, os meios e os objectivos
da intencao normativo-jurfdica, esta seria coerente com a
soeiedade ou 0 (CPOVO» a que se dirige e teria, por isso,
viabilidade hisrorico-social t'". E se a sintese de todos aqueles
elementos, que caracterizam urn povo, the consti tui 0 seu espri t
g e t l i r a /482, decerto que sc'est au legislateur a suivre l 'esprit
de la nation lorsqu'il n'est pas contraire aux principes du
gouvernemenD) - «car nous ne faisons rien de rnieux que ce
que nous faisons l ibrement, e t en suivant not re genie naturel» 483.
479 Categorias estas, a «natureza do governo» 011 a ripologia dos regimes
politicos e 0 eprincipio do governo» 011 a intencionalidade axiologica funda-mental relativa a cada urn dos regimes po l i t i co s t ipif icavcis, que sao, como sesabe, dos contributes capitais deMONTRSQUIEU para a teoria politica eo objecto
des Livros II a VIII.480 Cfr. in fra.
481 As leis «doivent e rre tel lement proprc s au peuplc pour leque l e lles
sont faites -le-se logo no Livro I, Cap. III, 144 - que c'est un tres grand
hasard si cellcs d'une nation peuvent convenir a une aut re . II fant qu'el le s se
rapportent it la nature et le principe du gouvernement qui est e tabli, ou qu'on
veut etablir . .. ( .. .J. Elles doivent etre relatives au physique du pays ( .. )
au genre de v ie des peuples ( .. . J it la religion des habitants, 11leurs inclinations,it leurs richesses, a leur nombre , a son commerce, 11 eurs rn oe urs , 1 1eurs manieres .
Enfin, e lles on t des rappor ts ent re e lles , d ie s en ont avec leur or igine , avec
l'objet du legisla teur ave, I 'ordre des clroses sur lesquelles dies sonr etablies.C'es t dans toure s ces vues qu 'i l f aut le s considercn.
482 Dutra categoria fundamental, como tambem se nao ignora, dopensamento de L 'e sp ri l d es l oi s e que ai vemos expressarnente compreendido
nestes terrnos: .PIllsieurs choses gouvernent les homems; le climat, la religion,
les lois, les maximes du gouve rnement , les exemples des choses passee s, les
moeurs, lesmanieres: d'ou ilseforme lUl esprit general qui enresulte - Liv XIX
Cap. IV, 297, 5.. Sobre a importsncia que este e s p ri t g e n e ra l rem no pensamenro
e no sistema de MONTESQUIEU, vide R. ARON, ob . dt., 30, 55..483 Liv. XIX, Cap. V, 299.
12-Bol. da Fac .de Dlr. , Vol. LTI
178 DOUTRINAAS FONTES DO DlllEITO 179
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o legislador, numa palavra, deveria criar as suas leis em
relacao com «lcs principes qui forment l'esprit general, les
moeurs, et Ies manieres d'une nation» 4B4. E certo que ainda deste
modo as inferencias seriaiu fundamentalmente de indole polftica,
pois 0 contributo do sentido que assini se poe em relevo
continuaria a traduzir-se em sdircctivas praticas» tendo 0 legis-
lador por destiuatario - pretenderia prescrever ao legislador
uma «politica do direito» com base no principio de que as suas
leis devem corresponder ou adaptar-se as circunstancias naturais,
sociais e culturais do seu povo, ao seu espr i t g e n e r a l 485. Mas nem
por isso este sentido se confunde com 0 segundo antes aludido:
agora nao se trata apenas de sugerir ao legislador umas tantas
regras tecnicas obtidas de uma «ciencia»convertida em sarte»,
e sim de 0 confrontar com 0 pressuposto-condicao da sua
obra e, portanto, com os limites e a relatividade do seu poder
de criacao juridica, com a nao ignoravel condicionalidade
material das suas leis assim como com a validade delas apenas
em fun~ao da realidade hist6rico-social em que fixava os seus
objectivos normativos. 0que nao seria pequena originalidade
perante 0 racionalismo abstracto e 0 dedutivismo normativo
dorninantes ao tempo, que era 0 setecentos iluminista.
S6 que as coisas nao flcam por aqui. Pensar as leis ou
como as resultantes necessarias de urn conjunto de factores ou
como as prescricoes de urn poder que pode ser tecnico-politica-
mente aconselhado ou como expressao de uma pratica politica,
que s6 cobra 0 seu sentido e a sua viabilidade no contexto de
uma bern definida realidade ou sistema natural-historico-polftico,
nao csgota as alternativas possfvei s , Uma quarta alternativa
484 Como se Ie na propria epigrafe do celebre Liv. XIX, cujo enunciadocomplete e ; ~ D es l oi s, d o ns L a r a pp or t q u' e ll es a li t a v ec l es p ri nc ip es q ui [ or m er ttl 'e s pr i t g e n e ra l , l e s m oe uts , e t l es m an ie re s d'ul le na t i on» ,
485 Em sentido :malogo, diz RADBRUCH, ob. lac. clts. , que para MON-
TESQUlEU, <as leis nlo es tdo dererminadas pelas rela~6es vitais, mas d even :
adequar-se a e la s em cer to grau e sent ido ••
niuda se ted. de considerar. Aquela que inclui 0 pressuposto
material no processo normative da constituicao do direito, e ass i in
como seu irredutivcl e l emen to constitutivo, mas scm que de seja
ai determinante ou 0 determinante do normativo juridico
constituendo ou constituido, 11a intencionalidade e validade
cspedficas desse normativo: simplesmente, 0 problema daconstituicao do direito e 0 pr6prio direito nao se poderiam
pensar sem esse prcssuposto e 0 seu relevo especlfico. De
outro modo, 0processo normativamente constitutive do direito
nao pode compreender-se sem 0 pressuposto material, mas
este nao decide s6 por si desse processo nem esgota a intencio-
nalidade constitutivamente deterrninante: estando na base ou
concorrendo em termos codeterminantes no processo C011StitU-
tiYO, 0 pressuposto (ejustamcnte como pre-suposto] nao exdui e
antes exige a autonomia de um.a ultima intencao normativa
determinante. E da f que scja agora imprescindivel um outro
momento de que os sentidos anteriores nao careciam. Exige-seaqui uma totalidade (um etodo» em que 0 pressuposto condi-
cionante-codeterrninante e a decisiva intencionalidade deter-
minante possam ser pensadas como tats, i. e , nas correlatividadce assirnilacao diaIecticas irnplicadas na sua participacao integrada,
justamente como condicionante-codeterminante e detenninante.
J a que a autonomia determinante 0 ted de ser relativamente ao
pressuposto e no quadro de possibilidades de realizacao e
intencionais por este abertas - 0 que signifies simultaneamente
urn abrir e um circunscrever 0 campo para a autonoma
determinacao ou uma abertura condicionada e codeterminante
para ela -, tal como 0 condicionante s6 podera se-lo relativa-mente a um determinante que 0 implique na sua pressuposicao.
Totalidade constituinte e significante que ted de compreen-
der-se como un idade , se a analise for a pos t er i o r i 486; e que sera a
486 Recorde-se 0 que dissemos supra , sobre a totalizacao analogica da
«natureza das coisas•.
18 0 DOUTIUNAAS FONTESDO DIREITO 18 1
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global intencionalidade constitutiva de um proccsso - de uni
(Ictus na pluralidade integrada dos seuselementos ou ruomentos=-,
se a analise pretender eselarecer a fenomenologia do proprio
i ter constitutive. Andlises estas duas que hao-de ser evidente-
mente coerentes entre si, uma vez que a segunda antecipa como
processo 0 que a primeira objectiva como resultado. Assim,o que se object iva como uma prat ica e como object ivacao dessa
pdtica -- e e 0 caso do direi to - nfo pode deixar de ter C01110
correspondente a unidade material do complexo dos seus elemen-tos const irutivos a unidade intencional do seu processo consti-
ruinte,
Quando MONTEsQUlEudistingue os factores materiais dos
factores morais ou espirituais e reconhece que aqueles s6 podem
ser condicionantes, mas nao determinantes - a dererminacao
decisiva cabe a estes e nao aqueles 487 - e os integra como
que numa «hierarquia dos seres»488 (do ser inorganico ao ser
humane, com as suas «leis»especihcas, leis da necessidade naquele,leis da liberdade neste 489), e para concluir que aqueles factores
- em alguns dos quais, v. g. nos factores morais, ja participa
decerto a l iberdade - sao s6 factores condicionantes ou quando
muito codeterminantes e, assim, faetores que implicant urn
espa~o de autonomia (deternrinante) para as rnesmas leis e
que a liberdade do «legislador», enquanto significa essaliberdade
elemento de autonomia no todo constituinte das leis, ted de
preencher. Mas a preencher sem arbitrio, e por isso determi-
nando-se tambern ele por um fundamento que, atenta aquela
hierarquia dos seres e as leis respectivas, ted de ser analogo
487 Vide , tambem nes te sent ido, a conclusso das andlises de CASSIRER,
ob . cit.; e de R. ARON, ob. dt..466 R. ARON, Ib i d em , 58. Vejarn-se tambem as transcricdes reitas supra ,
na nota 470.
469 Cfr. supra , tambem nota 47 0 e todo 0 cap. I,do Liv . I. Cfr., alias,
o proprio ALTHUSSER,b., dt., 51 , SS., e os [ugares de L ie sp rl t d es l oi s para que
al chama a ate~ao.
(em a ll a/ og ia e n ti s, digamos) a essa autonomia - fundamento-
-determinacao que, nestes termos, s6 podera ser de natureza
racional-espiritual. E nao e esse fundamento, na verdade,
o que nos oferecem aqueles principios uorrnativo-racionais
gra~as aos quais se devia dizer que «avant qu' il y eut des lois
faites, il y avait des rapports de justice possibles»490? Depois,
nfio e tudo isto referido a uma unidade signif icante (consti tu-
tivamente significante de um todo que a analise pressupoe e
que se recupera esclarecido nos seus resultados) , unidade que
os interpretes tendem a considerar inegavel 491, embora divirjarn
na sua identificacao e compreensao P 492?
Seja ou nao esta a interpretacao que melhor compreende 0
espirito do «Esprit d es lo is» - e, se for, revela-se-nos decerto
este pensamento, assim interpretado, surpreendentemente actual,
que tanto e dizer genialmente vilido (493) -, 0 certo e , no
490 Liv. I, Cap. I, 135. Sobre 0 scntido .jusnatu ralistico~ desta tese,cu. ALTHUSSER,b. dt., 51 , ss. , e R. ARON, i b. c it ., 59 , s..
491 Depoi s que as teses interpret ativas, que afi rrnavam em MONTF.S-
QUIEUurn pensamento contraditorio, sc rnostraram inaceitaveis - sobre elas,
em que devemos inclu ir tambern a posi~ao de CATTANEO,o b . c it ., 29, 55.,
submetendo-as a nma cri tica concludente, v ide R. ARON, ob . dt., 61, ss. .
A dificuldade esta em que , como diz RABBRUCH,b. 1 0 e . , cits., «arela~o dos
e lementos causa is e normativos ent re si mo chegou a sc r problema para MON-
TESQUIEU», por iS50parece depararmos constantemente com duas l_?gicas,
uma determin ista-explicativa e outra no rmanva-valoradora, que so uma
toral iza ..ao reconst ru ida, que apreenda 0 verdade iro objec tive e sentido do
Autor, pode superar. Cf r. nota seguin te,
492 R. MON ve a chave dessa unidade totalizante no e s p ri t g e u e ra l -
ob., cit., 50 , 5S. -, ALTHUSSER,a conjugacao do eprincipio do governos COrn
os fCOstumes>do povo, que convergem a const itui r 0 espri t gbll:ral- ob . tlt.,
59 SS.- e CASSlRERconsidera que em MONTESQUlEU<todos os elementosconst iturivos de uma sociedade detenninada estdo entre e1esnuma situa,.ao de
estrita eorre laf i io. Ndo sao aspartes d e uma soma, mas for ..asinterdependentes
cuja ac~ao r eciproca depende da fo rma do todo . Ate no mais pequeno por-
menor se ver ifica esta comunidade de ac~o e esta organizacao estrutu rah
- o b ., c i t. , 2 1 9.493 Por isso considerou ALTHUSSERue 0 sentido irnputado pela inter-
preta~o de CASSlRER,eferida na nota anterior, e «lemasiado mod:r tW-: -ob . ,cit., 71. Como quer que seja, 0 que nio pode deixa r de ter -s e por insuf ic iente
182 DOUTRINAAI; FONTES DO Dli lEITO 183
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entanto, que apenas num sentido an:ilogo a este ultimo podemos
hoje pensar a relacao do direito COm0 seu pressuposto material.
Sentido esse que ja ficou aludido: 0 direito nao decorre neces-
sariamente desse seu pressuposto material, nem este e para
aquele apenas 0 factor de efidcia ou tao-so de condicionalidade
que ja prudente, ja politicamente se deva ter em eonta, antese dimensao e momento do proprio processo da sua constituicao
historica, 0pressuposto material esta para a norrnatividade juri-
dica COmo os factores reais estao para a idealidade dos factores
espirituais na constituicao comum da cultura: participa neces-
sariamente dela sem a impor necessariamente.
E dito isto numa primeira aproxiniacao, e enquanto quadro
geral de referencia, hi que fazer agora a analise do modo
concreto dessa participacao.
b ) Uma distincao sevai mostrar aqui fundamental. A que
separa, no todo do pessuposto material ou tornado ele global-
mente, 0 que se pode dizer 0 p re ss up o st o c on d id o na n te , em
sentido estrito, do e le m en to m a te r ia l, tambem em sentido estrito
- i. e , 0 momento que, participando embora ainda do pres-
suposto material global, nao deixa de ser tambem material-
mente codeterminante ao nivel do nonnative - e os dois
anteriores das sociais fo rfa s in fiu en te s - aquelas « . fo r c e s a ea t r ic e s »
do direito, na expressao de RIPPERT 494, que, de natureza diversa,
pretendem orientar 0 direito constituendo, ateieoando-o a seu
favor.
Estes tres faetores, ou eonjuntos de factores, concorrem
no p ro b le m a s od o i6 g ic o da formacao do direito e hao-de, por isso
mesmo, ser atendidos especifieamente numa t eor i a dessa forma-
e a propria tese de ALTHUSSER, enquanto sustenta que s6 duas ser iam as inter-preta\=Oespossiveis para 0 entendimento montesquiano de . le i. ; uma inter-
preta\=ao de caracter determinists e outra de caracter jusnaturalista.494 Na monogra fia sob esse t itulo: L es f or ce s c re at ri ce s d u d ro it , 1955.
Cfr. in fra.
crao- ou considerada esta fOflnarrao como f en6l11et lO-objec t o de
um estudo analitico que socialmente 0 pressuponha -, mas nao
nos niesmos temos no p ro b le m a n o rm a ti ve do processo constituinte
do direito, e assini no p ro b le m a J ur ld ic o das «fontes do direito».
E que um deles - - 0 primeiro - nao e elemento autonomo
deste ultimo problema - queremos dizer, nao e elemento dife-
renciado e assumido como dimensao espedfica no processo
norrnativo e, como tal, at tematizado como elemento proble-
matico autonoruo, muito embora va implicito, e justamente
como 0 pressuposto contexte condicionante, nesse processo.
E um outro - 0 terceiro - apenas traduz a concorrencia de
outras forcas sociais com a intencao espedfica do direito, for-
cas que podem vir a obter 0 exito hist6rico, dominando-o
(dominando 0 conteudo da sua formal positivacao), sem que
todavia anulem a especificidade do seu proeesso normativo
constitutivo.
o que nao exclui - de novo se repete - uina prinieira
perspectivacao sociologic, do pressuposto ma.terial em geral,
enquanto enquadramento indispensavel para 0 exacto entendi-
mento daquele elemenro que a partir dai se autonomiza como
espedfico do problema normative das fontes.
8. Sabe-se que a RADBRUCH se deve, nos tempos mais
recentes 495, a generalizada reposicao do problema do condi-
cionamento material (natural e hist6rieo-social) do direito,
495 Nao esquecemos=-como severa a seguir no texto - 0 relevo e mesmo
a precedencia que para esta reposicao, em que sepoderi ver como que reassu-mida a inten~o de MONTESQUJEU. teve 0 importance contr ibute de E.HUllER,
na sua conhecida obra - R e c ht u n d R . e ch t sl le rw j r ki u n gt , que passaremos a citar
na traducao espanhola de Hertha Grimma, e obra que rnanifestamente influen-
ciou R.ADBRUCH. Ma s eerto e que pelos termos por que cste ultimo autor
chamou a aten~ao para 0problema, rnais sintonizados com 0 contexte cultural
do tempo, e a inda pela sua a ssoc iadio ao pensamento, tambem ent iio por e le
retomado, da snatureza d a s coisas»,a R.ADBRUCH sobretudo que seliga 0 exito
daquela reposicao e 0 proprio modo da sua relimo.
18 4 DOUTRINA AS FONTES DO DlRElTO 18 5
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pensado tanto contra a abstracto-especulativa indcpendencia,
relarivaniente a real idadc historica e social da sua emergencia
e cumpriuiento, C0111 que 0 pensava 0 norniativismo jusnatu-
ralista de todos os tempos -- neste pouto em paradoxal conso-
nancia com 0voluntarismo positivists -, como contra 0 radical
hist6rico-sociologismo juridico tambem de outem e de lioje,
proposto por sua vez a anular 0 transcender da intencionalidadc
normativa 496. Pode mesmo cunhar a formula para expnmlr
esse condicionamento: disse-o, como referimos, «a determi-
nacao material da ideia»,
S6 que - vimo-lo tambern - esse pensamento, que assim
se exprimia, analisava-se em duas proposicocs: 1) 0 du eito,
o normativo da sideia»em geral, vai sempre orientado pa ra uma
certa materia; 2) e por isso e, por sua vez, determ.inado po r
essa materia que quer dominar - { " e determinado a t raves da
materia, porgue e deterrninado pa m a materia» 497. E pudemos
ja dizer que esta interencia de determinacao norniativa nao e
aceitavel, se tornada a letra ou rigorosamente no seu maximo
alcance, i. e, se se quiser pensar a materia a que vai referido
o normative, e s6 por 0 ser materia 498, como Uti! imediato
cri terio de determinacao, ainda que nao 0 criterio de determi-
nacao do proprio normativo enquanto tal . Por outras palavras,
nao e exacta a tese que resultar ia da sintese mais compreensiva
daquelas duas proposicoes, Mas isso nao impede gue tenhamos
496 fA doutrina do direito natural- diz-nos RADBRUGH, Rech l s rd ee
u n J R e c ht ss to /f , in D ie o nt ol og is ch e B e gr ii nd un g d es R £ ch ts , col. p,p, ART.KAUFMANN, 6, S. - ere poder considerar como igual a zero a resistencia
(Wi Je r s t a n J s kra / t ) da materia con tra a ideia> e co hi s tor i c i smo e depois 0 ma t e -
r ia l i smo his t6rico. , em radical oposicao, «onsideram 0 elernento formal eta
i de ia do direi to igual a zero, concebendo a ide ia do direito merarnente como
urn modo de manifestacao da materia do direi to •.
497 Ib i d em, 5. Cfr, Rechtsphi losophie, ed. c it ., 98.
498 So por ser a «materia- que conco rre na constitu icao concrcta do
normative.
de reconhecer agora a validade da primeira proposicao ou mesmo
do conjunto das duas, se tornado ele, nao no sentido de
postular uma iuiediata determinacao normativa e em termos
de inferencia tambem normativa, mas simplesmente no sentido
de a norrnatividade juridica nao poder ser comprecndida na sua
constituicao sem relerfncia a U111 pressuposto material quelhe sera condicionantc e, decerto ainda, mediatamente code-
minante. RADBRUCH nao ultrapassou a ambiguidade que vai
implicada 11apossibilidade de se entender 0 seu pensamento de
urn ou outro modo 499 - ambiguidade que haveria de onerar
todo 0 pensaniento da «natureza das coisas» que no nosso
tempo tambem dele partiu -, mas sabendo n6s que 0 primeiro
se ted. de afastar, e perante 0segundo qee teremos de perguntar:
pa ra que «materia» vai correlacionada a intencao normativo-
-juridica (a intencao do direito) e como e esta condi c i onada, no
seu processo constituinte, po r essa materia?
a) Dos quatro sentidos do pressuposto material arras discri-
minados, e evidente que s6 podem ter aqui relevo 0 terceiro
e 0 quarto, ja que 0 primeiro vimo-lo desde logo falso c 0
segundo s6 aparentemente, ou muito indirectamente, conside-
rava uma relacao condicionante, E, sendo assim, temos de dis-
tinguir tao-s6 0 pressuposto que impoe uma mera condicao
de possibil idade (e de real izacao] de aquele outro pressuposto
gue seja, de mesnio, urn moniento do processo normativo
499 Nao tanto assim quando, num primeiro memento, considerava arela-
~ao spara-pore como uma relacao 16gica (de 16gica transcendental), a rel~aoen tre econteudos e «fo rnu> numa sintese constitutiva - e nesse sentido 0
prirneiro ensaio citado -, nus sobretudo quando passou a entender cssarela~ao
nos ter rnos de uma inferencia normariva que se exprimia na ena tureza da s
coisase, ja que entfo nos fal a de se iner Vo r g e /o rm t he i l J e T I d e e im Stol fo (Reth ts -
phi losoph ie, cit., 98) - como que a «materia. ou as «coisase a pre-consrituirem
ou a pre-deterrninarern 0normative d a eideia». Vide ainda, em geral, 0ja citado
ensaio sobre eDie Na t J IT d e r S a d i e a l s j u ri s ti s c he De n k / or n J ., que continuarernos a
c it ar na sua t raducfo espanhola de E. Garzon Valdes.
18 6 DOUTRINA AS FONTES DO DII \El TO 18 7
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consti tuinte - nao apenas condicionante externo, mas condi-
cionante interno ou elernento do pr6prio problema. E estc
ultimo que sobretudo nos importa considerar, sem todavia poder-
mos prescindir de uma referencia ao primeiro, ate porque nele
se define, como veremos, um decisivo factor da positiva<;ao
juridica - sendo certo, nao deixe de dizer-se ainda, que mais
sobre 0 pressuposto-possibilidade do que sobre 0 pressuposto-
-elemento 0 pensamento juridico tern reflectido.
Assim, havemos de comecar por atender a realidade que
vai pressuposta ao direito - e pressuposta quer enquanto a
tem de aceitar tal como e em si mesma, na sua natureza
pr6pria pre-juridica, quer enquanto a ela tera de ir referido
tanto na Sua normacao Como na intencao regulativa da Sua
ponderacao normativa, E neste sentido amplo, exactamente,
pode dizer-se ter sido considerado 0 pressuposto material do
juridico, ja nos « Re alie n d er G es et zg eb un g» 500 de HUBER como
na «Recht s s t o f J» de RADBRUCH, e mais recenternente nos Vorge -
g e be n he it en d e s R e ch ts de FECHNER 501 , HENKEL 502 e ZIPPELIUS 503 504 .
b ) E, com cfeito, a partir de HUBER, e sempre em
consideracao explici ta desse seu prirneiro contr il juto, que se
desenvolveu 0 pensamento a que audimos, s6 aparentemente
superado pelo pensarnento da «natureza das coisass 505. E por
500 D b. c i t . , vol. II, 33, ss ..
5 0 1 D b. cit., 203, e p a s s i m .
502 D b. c i t . , 227, S5 . .
503 Db. cit., 52, 22 . .
504 Aut on:s a que deverao acrescentar-se outros, desde logo L. RECASENSSICHES, 0qual na sua . Il l tr o d Jl c c; o n a l e s tu d o d e l derecno», 3.' ed. , faz uma analise
da eexperiencia juridicae (p.p. 49, ss.) em ordern a determiner os .factoreo e
condi coes da producao do dir eir o», em que e manifes ta a inf luencia de FECHNER;
assirn como P. ROUBIER, T h eo r ie g ft le ra le d u d r oi t, cit., 293, ss., ao pondera r a
relevo de des donnees de la vie en soc ie te - ,
505 S6 aparentemente superado, porque ou 0 pensamento da matureza
das coisas» nada mais diz, ou, quando pretende dizer mais ja virnos que nao
e concludente. '
«Real i e l l l ) entendia HUBER - distinguindo-os das «ideias, as quais
deduziriam «de dentro para fora, a partir da consciencia racional,
o conteiido do direito», enquanto que «os 'reais' actuam de fora,
influindo na deterrninacao das disposicoes juridicas, como reali-
dades existentes que se oferecem a consciencia mediante a
obscrvacao» 506 - 0 conjunto daquelas real idades do mundo
humano-social que se oferecem como «as condicoes efectivas,
as determinacoes reais em que consiste a estrutura da sociedade
humana» 507 e que, enquanto tais, nao podem deixar de ser
506 Db. ci t . , 34. Sobre a relacao que HUllER pensava ent re as -r eais-
e as ddeiass, v. nota seguinte i n f ir re .
507 Sedam eles 0 . ho nlem> - 0 diomem na s ua ex is te nc ia an tropolo-
16gicat (as imediatas condicoes antropologicas assim como a concep .. ao que 0
homem de si mesmo tern com as exigencias sociais nela irnplicadas), - .os
naturals> - -as rela ..5es naturais, segundo as quais se desenvolve a vida dos
homens em part icular e 0seu rnu tuo cornerc io» (sobretudo as condi . .oes econo-
micas e a tecnica ) - e eas tradi~oes. - de modo especial a pr6pria situa~ao
juridico-social exisrente, «0 estado anterior do direit o ou, 0 que e 0 mesmo,o estudo soci al i ncluindo as insri tuicoes eticas e os juizos e cri terios que as
acompanharrn ( o b . c i t ., 38 , 5., e 41 , ss.) , Real idades ou factores t odos estes
qu e, c om rekvf in ci a c ondicion an te , i nflui ri am mater ialmeute u a cons ri tui cdo
concreta do dir ei to, sobretudo na r nedida em que estariam na base, ou ser iam
o fundamento sociologicamente real e tipico, dos i n t e r e s s e s (os einceresscs e
necessidadess), e estes se deveriam considerar, como tais, a motivacfo e 0
obj ecto imedi ato do dir ei to, da or denacao j ur idica, Os sintcrcsses pr 6pri os
dos homens na vida social. ofereceriam a ernateria que hi-de ser formada
segundo deterrninada ordem- e esta ordern constituir-se-ia equando 0 legis-
l ado r poe urn l im it e e di u rn a r eg ra ? t consecucao dos i nre rc ss es e 1 1satisf~ao
da s n ec es sida de ss qu ando va le ra e c on cede sp ro te cc ao jur id ic a a os int eres se s»
- verdadeiramente, os R e a / i e l 1 e os interesses s o se distinguiriarn enquanto
«modos di ferentes de consi derar os mesmos mornentos r eais ou como os seus
mode s di fe re nt es d e inf luir nas rarefas legis lat ivass (pag. 36). Veremos que
esta acentuadlo do s einreresses» como 0 rnonien to dec is ivo da pressupostarelevancia soc io-materia l para 0 di reiro nao pode levar a i ndui r 0 pensarnento
de HUBER na eperspect iva soci ol ogies- do pensamento j ur idico que consi de-
rarernos i n f r a , ja que p ara e st a p er sp ect iva os int eress es na o s ao apenas a materia--ob jecto relevance , mas verdade iramente 0 determinante do direito - 0 que
na ve rd ade nao co rres ponde a posi~o de HUBER e e rnesrno por de expr es-
sament e r epelido: <sao dois - assim se expr ime em conclusao - os rnor nentos
potenciais a que pode ser referida a origem das disposicoes juridicas, ja fc)!-
mulad as : a s idei as e o s 'r ea is ', As idei as sign if ic an t 0 impulse de rea liza~o da
18!) DOUTRINAA~ FONTES DO DIREITO 1 8 9
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tidas ern conta pelo direito - «as relacoes reais que 0 legislador
hi-de aceitar tal C01110 sao e que constituem 0 material neces-
sario da pr6pria legislacao». Impondo-se III sua Indole pr6pria,
ja como material de consrrucao, ja como factor de realizacao
do direito - e influenciando-o rnesmo niaterialmente, uma vez
que atraves delas 0 juridico receberia urn «determinado con-teudoi -, dessas realidades ou relacoes reais havia de dizer-se
que « S a O um poder que pela sua mesma natureza se imp6e a
legislacao, nao como se imp6em os postulados juddicos, mas
como se irnpoe a materia de que ha-de ser feita uma obra, a obra
mesma» 508. Por outro lado, nao se tinha em vista a contingente
multiplicidade e variabilidade fenorueruca, a infinidade das
manifestacoes concretamente individualizadas dessas realidades,
e sim os seus momentos estruturais ou os seus modos «tfpicos»:
o que uelas permaneceria, nao obstante a sua concreta variabili-
dade, e assim revelaria «algo gue nao inuda» 509. E daf, tendo
aquele relevo e esta constancia, se houvesse de conduir que
«existem mornentos com os quais a legislac;:ao ha-de en con-
trar-se em todo 0 tempo e que sao para ela, por conseguinte,
tao necessaries como a propria ideia juridica» 510. Numa palavra,
em que tudo se resume, a realidade humane-social, com a sua
natureza e est rutura pr6prias (i. e, prb-jurfdicas), havia de ser
reconhecida como elemento constitutivo do direito, como
aquele elemento real-material pre-dado que concorreria com 0
jus tica na ordeni da comunidade humana ; nao nascem dos inter esses ante s
exercem na convivencia humana urn influxo regulativo, reproduzindo a ima-gem da n055aconsciencia juridicae { ab . c i t . , pags. 33, 55.}. E por isso, ao acentuar
a i~ortancia condicionante dos Rea l i e n , nao deixa de observer: motemos quecom isto nao se diz que 0 direito haja de deduzir-se da s realidades, a direito
nao.tem origem na varia causalidade das condicoes naturals mas nas capacidadese virtudes da mente humana ...• (pag. 36 nota 1).
5{tS ab . ci t . , 33-37. '
509 Ib id . , 35.5 1 ( 1 I bi d ., 3 5 .
sen espedfico principio de detenninacao na constituicao da
norniatividade juddica.
Em sentido analogo vcio depois RADBRUCH a referir-sc a«inateria» do direito, e nem mesmo seriam [undamentalmcntc
diferente dos «Rea l i en» , no seu relevo condicionante espedfico,
as «coisasi que, ainda segundo RADBRUCH, haviam de se
consideradas na perspectiva de (Q natureza das coisas como
forma juridica de pensamento) - scoisas» que nao seriam senao
os modos objectivados ou em que se analisava aquela «materias.
«A coisa que aqui se designa, dizia RADBRUCH, e 0 substrato,
o material, a substancia a que 0 direito tem de dar forma»;
«materia do direito e a vida em comum dos homens, a totali-
dade das relacoes e das ordenacoes vitais na sociedade, assim
como os factos vitais que sao elementos constitutivos daquelas
relacoes e ordenacoes» 511. Em FECHNER, por seu lado, vemos a
importfincia e 0 relevo pr6prio dos [ aa or es r ea is , tambern com
a sua autonomia e objectividade especincas, em dialectica juri-dicamente consti tutiva com os f a ct o re s i d ea i s. E HENKEL ofcrece-
-nos uma analise detida dos pressupostos ou «pre-dadose
( Vo r g e g e n hd t e n ) do direito gue concorrem no contexto global
da sua constituicao. Do mesrno modo em ZIPPELIUS os «pre-
-dados reais» do direito, que poe em evidencia, relevam-nos
a sua «referencia material» (Sachbezogenhe i t ) , ou «a fundamental
relacao entre 0 direito e a sua materias e a nianifestar urua
particular «vinculacao materia l» daquele .
c) Nao iremos reproduzir as distincoes classificat6rias que
estes Autores £tzem desses «reais», «materia», «coisas», «factores
reais» e «pre-dados», neru mesrno poderemos acornpanhd-losHas analises acumulativas que os tem por objecto para ruostrar
a influencia esped£ica e os modos concretos da sua relevancia na
constituicao do direito, como seus «elementos de construcao»
511 Ob. cit ., 71.
190 DOUTRINAAS FONTES DO DlREITO 191
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[Bauel ement e] , «estruturasi e «pn~-fonl1as», etc 512. Indispensivel
desde ja c ter presente as modal idades fundamentais dessa rele-
vanci a e influencia, e na medida em que e1asn os podem revelar
os seus fundamentos (onto-socioI6gicos) e os seus limi tes (meto-
dol6gico-const itu tivos), pois s6 assim compreenderemos de que
pressuposto material aqui verdadei ramente se trata . E veremos,
por um lado, que sendo ele condicionante mas nao determi-
nante, por isso mesmo excluisimultaneamente as posicoes tanto
do jusnatural ismo normativis ta (que nao considera aquele condi-
cionamento) como do hisrorico-sociologismo determinista (que
postula 0 condicionamento como determinante); por out ro lado,
que esse pressuposto , tornado globalmente, esta longe de ser uni-
tario, quer na natureza do que vai pre-suposto quer na indole
do vinculo a atender na sua pressuposicao. E por isso participard
tambem diversamente , em planes e com dimensoes di ferentes , no
quadro da relevfincia const itu tiva . Eo que se comecara por escla-
recer tornando como ponto de partida a discriminacao seguinte.
( ; I . ) 0c on te xt o o u 0 m un do m ate ria l-hu ma no - a ba se m ate ria l
e a po ss ib ilid a d e em gcra l d o d ire ito . A realidade material,
natural e humana, cultural e social com que a intencao juridica
depara, ji como 0 seu campo (0 seu mundo) de realizacao,
ja como 0 seu objecto problematico, nao se oferece a essa inten-
r;:ao como simples materia, materia bruta e informada ou zero
de estrutura e organizacao que fosse livremente moldavel pelos
512 No decurso da nossainvestigacao nos darernos conta da nossa con-
vergencia e da nossa divergencia relativamente a essasanalises , Depois, e certo
que estas classifica..5es ou as suas tipologias dos factores juridicamente rele-vantes nada te m de necessario - cfr, i n f ra , a proposi to de POUND - e be rnsc podiam a la rgar. Como exe rnplo de uma c la ss ifica ..a :o, na mesma l inha
e mais ampla, v. 0 ja citado ensaio de O. BALLWEG, Z u e in er Lehre v on
de r N a t u r de r Sa d i e , onde se veem discriminados .os naturaiss (.die Naturalier»),
«os reais- (die Realiens), lOS vitals» (.die Vicaliene), tas formas sociaiss, *05
papeis sociaiss,casordens concretass, «asinstitui ..5es, caordem juridicae, canatu-
reza do homerro, e ca tecnica • .
scus projectos C object ivos. Antes the corresponde unia natureza
propria - urna cstrutura e uma Indole objectivamente aut6--
nornas, «indiferentes» 513 e previas a intencao juridica e que,
como tais, a esta se irnpoe e ela ted de aceitar «tal como SaO»514.
E dai uma primeira interencia, que se pode enunciar nos termos
da hartmaniana «lei categoria l da materia»: «a categoria superior
nao pode conform.ar com a materia da inferior tudo 0que queira,
mas s6 0 que e possivel nessa materia». Inferencia que e , porern,susceptivel de um duple sentido. Por um lado, a estrutura
propria e a objectiva autonoinia da real idade humana e historico-
-social 515, enquanto materia do direito, impoe-se como uma
geral condi i do d e po s s ib i l id a d e da sua realizacao, no que toca tanto
aos objectivos como aos meios. S6 podendo realizar-se nessa
materia e atraves dela, a intencao juridica apenas lograra cum-
prir-se nos termos (no quadro de possibilidades) e utilizando os
rneios que aquela estrutura e conreudo-objecto pr6-supostamente
513 Em sentido harrmaniano, aquele sentido que llre permite enunciar
uma . le i d a i n di {e r en t ;a t no quadro da est ra ti fica . .ao ontologica : .0 e st ra toinferior de categorias e sem duvida base do supe rio r, mas nao se e sgota neste
scr base. ~da se~ 0 esrrato superior c um estrato de principios autarquica-
mente pre-determinantes. Tambem rut sua totalidade esta condicionado debaixo e nao decima. Ii indiferente a qualquer superior. 0 ser infer ior nao tern
em si qualque r de st ine de chega r ao supe rior; conduz -se como indi fe rente a
toda a sobreconformacio ou sobreconstrudio. Nisto consiste a sua autarquiacomo estrato» - N. HARTMANN, o b . c i t. , 5 65 , 5 7 0, ss. . De ixamos agora de
!ado 0 proble~ de saber se a unidade do ser ou de urn certo ser em que
os .estr~tos~ se integrarn nao sc terii de considerar ontologicamente recorrente
e consntunvo para todos e le s, a impor-lhe s uma espec ifica so lida riedadcestrutural-marcrial totalizante.
514 Neste mesrno sentido, vimos ja HUBER, e tambcm agora ZlPPEUUS
ob . ci~.,55. J:?eI_U?doanalogo se falar ia , com FECHNER, o b . d t ., 129, ss. , d~especlf ica eobjectividades dos factores reais, da .legalidade do mundo real•.
515 A esta realidade nos podemos limitar a referir, posto que asrealidades
nat~ral. biologica, ~~ropo16gica, etc., apenas atraves da media ..ao humane--SOCIal relevam juridicamentc - dr., neste senrido, RADBRUCH, &ch t s i d ec
u l l d l ! - e ch tS$ t o f J ,f ~c . c i t ., 10, ss .; ID., D ie N atur d er S ac he , cit ., 71, ss .; HENKEl,
o b . c i t . , 231; e ainda HUBER, s upra , nota ' 5 I J 7 .
192 DOUTRINA ASFONTESDO DIREITO 19 3
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[he oferecaru 516. Dependencia de condicionalidade esta 517 que,
se njio podera traduzir-sc siruplesmente pela sresistencia da
material) a realizacao da ideia 518, nao deixa de exigir U1l1a
adaptacao 519 ou conforrnacso nos modes da concreta mani-
festa<;ao dele (da intencionalidade regultiva) a estrutura e indole
da materia considerada 520.
~0~ j ec t o -p r e ss u po s t o- a c o r re l a ti v id a d e o l lt o l6 g i c a e a j us t ez a
m a te ri al d o d ir ei to . Para alem de aquele sentido, que podeinos
dizer negat ivo, de resistencia e de possibilidade , ha que consi-
derar, por outro lado, 0sentido positive da vinculacao intencional
entre a materia e 0 regula tivo normativo-juridico sempre que
este haja de assurnir-se com uma «val idade material» ou em
516 No modo de .dcriv~ao., se 0 quisermos dizer com SCHELER-
v. supra. Cfr. ZIPPELIUS,o b . c it ., 56, s s . .
517 Dependenc ia de cer tos fac tores «le rivados- e dos l imit es rea is por
e1es tracados a intencfo normativa.
518 0 que scria, segundo MAlHOFER, D ro it e t n ature d es choses d an s fap hilo so ph ie a lle ma nd e d u d ro it, in Anna l e s de fa Fa culte d e D ro it de Toulouse,
XI I (1964 ), 127 - urn dos sentidos do pensamen to de RADBRUCHsobr e 0
rel evo da <na tureza das coi sas- para 0 d ir eito . .Deste ponto de vista, diz
efectivamente 0 pr6prio RADBRUCHD ie N atur d es S ac he , cit., 80), a natureza
da coisa signifies a resis tencia do rnundo indolence a que tern de adaptar -se
a ideia juridica para lograr a sua realizacao, r at io n e t em po r um h ab it a e,
519 .Adaptalj(ao. que significa sobrerudo conlr8Je das tendencias da <mate-
ria. segundo as possibi lidades ci a propria materia. Adaptal j(ao conrrolada
que se pode maniiestar aparen temente em contr adicao com as tendencias
mater ia is - ex. : 0 vfio de aeronaves relativamente a lei da gravidade -, mas
que 56 ser a eflcaz sc se tr aduzir numa assir nilacso , embo ra super ador a on
sublimadora, dessas tendencias. 0 esquecimento deste principio nao explicara
muitos fracassos dos objectivos socialmenre pedag6gicos e recuperadores de
certas medidas e actuacdes juridicas?
52IJ Sobre este ponto, alem dos dcsenvolvirnentos categoriais deN. HARTMANN,b. ci t . , 586, ss., v ide , quanta ao direi to , HtmER, ob . cit., 67 ;
FECHNER,109, s, (com analise exernplificadora); HENKEL,ob . ci t . , 221, ss. ;
ZIPPEUUS,ob . ci t . , 56. Nem deixara de observar-se que tudo i sto ad de
acordo e como cumpre 0 que, numa outra linha, e prescrito por HANs
ALBERT,T ra kt at U b er k ri ll sc he V er nu nj t, 3.' ed., 77 ( cf. a trad, por t. T ra t ado
s ob re a r aziio c rltic a, de Idalina Azevedo da Silva e outros, 96, ss.) no sen
• p os t ul a d o d e r e a li z ab i li d a d e. .
terruos de unia adequacao material que tern 110 ser ou realidade
pressuposta 0seu criterio, Sed esse 0caso, p. ex., da norma-
r ividade penal relat ivameute a natureza do comportaiueuto
humano 521. As valoracoes penais, que a este se rehrarn, hao-de
pressupor a Indole ontologicamcnte espedfica desse cornporta -
niento e s6 serao val idas , de validade ou (~ustcza» material , seui
deixarem porern de ser valoracoes e assim com a autonomia
de juizo e de intencao normativa que nelas, enquanto valo racoes,
vai implicada, se nao negarem a correlatividade (que bern se
dira ser «onto16gica») 522 daquele pressupos to: se a sua autonoma
solucao norinativa for intencionalmente coerente com a seu
pressuposto 523. Uma contrad icao iutencional ent re aquele e este,
Olinda que nao susceptivel de atingir a validade normariva em
si da valoracao, afecta decerto a adcquacao ou justeza material
da mesma valoracao e em ultimo termo a efidcia normariva
desta, A correlatividade entre 0 pressuposto e a valoracao
demarca assim, pela propria exgencia daquda adequacao ou jus-
teza materi al (adequacao ou correspondeucia a natureza do
pressuposto-objecto de valoracao), um quadro de possibi lidades
a respei tar pela autono rnia normat iva da valoracao 524. E nestes
terrnos, mas 5 6 nestes terrnos ou no modo de uma condiciona-
lidade positiva que bem se podcra dizer urn modo de «verdader
521 E exs. d e outro tipo podiam ser dados - assim desde a Iib erdade,
euquanto pressupos to onrologiro-antropologico para a norrnacao e juizo
jur id ico-cr iruina l da culpa (v, sobre est c problema em geral , J . FIGUEIREDODIAS, A /iberda de , a cu lpa e 0 d i r e i/ o pe nn i ,pa s s i ll l ) , ate a .pre-determina~ao
biologics da comunidade famil ia r para 0 direi to da famil ia : v ide FECHNER,
(lb. ci t . , 130 , ss. . Alias , veremos que 0pressuposto da institucionalidade social
ou pre-juridica, na sua relevmcia coderemunante para a const ituicao do dire-itoe da sua ordem especifica, imp6e sempr e numa .cond i~a:o de adequacao -
desta indole.
522 Cfr. ART. KAUFMANN, H a/o gie u nd « Na tu : d er Sache t , cit., passim.
523 Tarnbem aqui H. ALBERT,embora no sell empirico tracionalismo
criticos, afirmaria 0 «postulado de congruencia»- ob . cit., 77 ( trad . c it . 97) .
524 Cfr. ZIPPELIUS,o b. c it ., 58; HENKEL,ob . tit., 296, 386; BALLWEG,
ob. cit., %, ss..
13- Do l. da Fae . do Dir., Vol. LII
194 DOUTRINA
AS FONTES DO DlRE ITO 195
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ontologico-normativa ~ a referida justeza niaterial uao C outra
coisa, afi.nal~, que 0 proprio pressuposto-objecto de valoracao
participa no processo global da constituicao da valoracao
nonnativo-juridica 525. Se nao foram pensadas apenas assim as
«estruturas logico-mai eriais»para que WELZEL chamou a atencao
do pensamento juridico ~ ja que 0 seu relevo constituinte
atingiria inclusivamente 0 sentido c a intencionalidade dogma-
tico-juridica 526 da valoracao=--, no entendiinenro agora esbo-
cado tem decerto justificacao e devem scr retidas,
Conjugados estes dois sentidos gerais por que se pode
considerar a «materia» do pressuposto material do direito, vemos
que eles defmem globalmente a possibilidade material do norma-
tivo-juridico ~possibilidade negativa de realizacao, num caso, e
possibilidade positiva de adequacso , no outro caso~ pela refe-
rencia de cumprimento e intencional do direito ao ser da
realidade que The vai pressuposta ~ a estrutura e natureza
pr6prias, ou pre-juridicas, dessa realidadc. Urn outro pontoa atender por-nos-a ja para alem destes dois tipos de condicio-
namento possibilitante, ao manifestar antes 0 condicionamento
de relevancia normativa com que a realidade social {rectius,
o conjunto dos factores sociais gerais determinantes do compor-
tarnento e das relacoes humano-sociais comuns) concorre para
a constituicao do pr6prio conteudo do direito ou para a
constituicao das suas particulares solucoes nonnativo-juddicas.
Trata-se agora daqueles factores que, dinamizando a vida social
numa convergencia problematica, ja por isso solicitam do
direito e como seu concreto objecto relevante, uma resposta
normativo-ordenadora ou normativo-valoradora, a qual, porsua vez, tera de justificar-se perante a relevfincia juridica desses
mesmos factores-objecto. Se 0 direito os intenciona com um
525 Cfr., na parte destc estudo publicada no mimcro anter ior doBo l e t u n ,
194, 55..
52 6 Vide a nossa Q uest iio d e f ac to - Q ues tiio d e d ir e ito , 699, ss..
deccrminado sentido (axiologico-norruativamente], essesfactores-
-objecto exigem 0 direito de um certo modo (problcn.atico-
-socialmente) e aqucla intencfo e esta exigencia sao correlativas.
Y ) OS fac to re s co nd ic ion an te s da con stitulfi io do d ire ito ~ o s
« da do s» p ro ble mJ ti co s e o s p re ss up os to s s oc ia i s d e nleudnda j udd ica .
o direito, na assuncao c cumprimento da sua intencao norma-
tiva e a definir embora com fundamento no seu espedfico priu-
dpio de determinacao, e decerto func;:io da propria realidadc
social (realidade humana, hist6rico-social e cultural) 527 que se
propoe norinativo-juridicamente conformal. Pois nessa confor-
niacao 0 direito depara com uma realidade humano-social
que se nao oferece como urn simples objecto passivo e de vazio
intencional, mas em que actuam forcas socialmente relevantes
e intencoes de deterrninacao autonorna que, como tais, 0direito
nao pode deixar tambern de relevar no seu projecto normativo-
-social, Se sao essasforcas e intencoes socio-culrurais aut6nomasque ao convergirem na sua diversidade, oposicao e mesmo
conflito, poem os problemas juridicos ~ os problemas da vali-
dade normativa de uma universal integracao comunitaria -, e , deoutro lado.assumindo-se numa intencao normativo-valoradora
que toma posicao perante elas, para a resolucao destes proble-
mas, que 0 direito se constitui. Nao se trata, pois, agora de uma
materia-realidade em geral como campo de possibilidade para 0
cumprimento do jurldico ou de uma materia-objecto essencial
527 Diga-se, desde ji, que a reahdade que queremos referir e que a
seguir sed objecto d a s n o ss as c o ns id er ac o es n5:o deve confundir-se com a
«rea l idade social>no sentido s o ci o lo g ic am e nt e e st ri to do termo (cfr. H. FREYER,I n tr o du c ci o ll a l a s o d ol o gi a , trad. esp, de F. Gonzalez Vicen, 5-15), posto que nao
s6 o s elementos e factores ernpirico-socia i s , mas ainda os elementos e factorescul tura i s-espi ri tua i s ou do s e sp i ri to o b j ec ti v es participam da rea l idade humane-
-histor ica global a que iremos atender . Dirernos que esta realidade e a mesmaque DILTHEYdi:z ser 0 objecto das Gei te swissenschaf ten, ' a humana realidade
hiseorico-social (Int roduct ion J I 'i tu de d es s ci en ce s h um a in es , trad, franc. de
L. Sau:zin, 13, 55.), ea humanidade ou realidade historico-socia l -humanas (EI
II1rmdo h, stOrico, ed. e trad, da F. e. E., Mexico, 101).
196 DOUTRINA AS FONTES DO mREITO 197
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C01110 pressuposto estrutural-ontologico da sua inteucao norma-
tiva, e sim de uma materia-realidade historico-social autonoma
e com uma determinacao socialmente concorrente que se ted:
de pressupor em termos problematico-normativarnente rele-
vantes. E relevantes nao apenas com 0 COll1Ulll relevo dos
dado s , dos «dados do problema» 528, mas ainda no sentido deque 0 direito, na sua normatividade constituenda e constituida,
sera funcao, no seu pr6prio normative, da autonomia social-
mente determinante das forcas e intencoes manifestadas nessa
realidade humano-social- i . e , a natureza e intencao desses
factores, por urn lado, e 0 peso e importancia deles, por outro
lado, no contexto hist6rico de uma certa realidade humana e
social condicionarao, C01110 seus e l ementos 529, a pr6pria ponde-
ras;ao e valoracao normativas que 0 direito constitutivamente
lhes dirige, posto que nessas ponderacao e valoracao veremos ir
implicada uma sua material assimilacao (positiva ou negativa,
integraute ou delimitativa) pelo normativo juridico. Que 0
mesmo sera dizer que 0«se»e0 «como»da valoradora assimilacao
juridica desses factores depende do meri to autonomo que des
humano-socialmente tenham. 0 direito, enquanto intencao de
validade normativa com funs;ao ordenadora e regulativa da vida
social, nao pode abstrair das outras dirnensoes e das outras
intencoes que concorrem na realidade hist6rica a detenninar essa
mesma vida social e perante elas rcra de justiftear a sobredeter-
minacao, que por ser normativa nao deixa de ser tambem
social, da sua intencao especffica. JusLiflcas;aoesta que implicara,
528 Como tai s se nos oferecem afinal a maioria d o s d ad o s considerados
rel evantes pelo pensamento da <na tureza das coi sas»- c fr . sobre est e ponto ,
H. COlNG, N a tu rr et h! a ls w is se ns ch aj ti it he s P ro hi an , 16, ss . , Se ra o , alih, rna is
do que i5S0o s «R e a/ je l l de r Gese tzgebutJ t" de HUBER, os quais COING (Ibid., 18 )
expressamente considera como «lados da legisla~o.? V. j:i a seguir no texto,
529 Se em termos cstrita e rigorosamente cond i t i onan tes (i. e, so condicio-
nantes) ou tambem em termos c ode t e tm i nan t e s , senao apenas elementos pa ra 0
direito mas inclusivarnente elementos do direito, ve-lo-emos in f ra.
numa palavra, que entre 0 direito e a realidade humano-social
haja de verificar-se uma consonancia de validade regulativa ou
uma coerencia materialmente normativa 5.10.
d) Este ultimo enunciado, no seu sentido mais o-eTalt> '
pareee afirmar apenas uma clernentar evidencia. E, no entanto,
poe-nos ele perante 0pr6prio micleo do problema da pressupo-sis;aoque se tenta de esclarecer, pois impliea, no seu verdadeiro
significado, 0 reconhecimento de urna vinculacao material do
juridico que atinge 0 pr6prio entendimento fundamental do
direito e toea a essenciado processo constitutive da sua normati-
vidade.
Com efeito, 0que aquela consonancia materialmente norma-
tiva do direito com a realidade humano-social pretende exprimir
e que 0 direito nso tem nessa realidade apenas 0 impulso ou as
solicitacoes para a concretizacao historico-positiva de uma essen-
cial normatividade jurfdica que se assuinisse em essencial inde-
pendeneia da mesma realidade - como era pr6prio, v. g., dojusnaturalismo pre-moderno, quer de S. TOMAS, quer de SUAREZ,
com 0 seu entendimento da l ex t em p o ra li s ou posi t iva tao-s6
em terrnos de temporal-circunstancial modalidade da lex natu-
Ta l is 531 -, mas uma dimcnsao constitutiva da pr6pria inten-
cionalidade juridica, e enquanto esia, na sua concreta intencao
normativa, sed funs;ao da realidade social que lhe seja correla-
530 Nestes termos sepodeci [alar, com COING,ob . cit., 22, numa «recta
rela~o ( . re c h ti g e B e . zi e hu t lt " ) entre os dados pressupostos e 0valor ctico on a
ideia etica que esta em causa•. E como paradigrna da rectidao ou justeza dessa
rel a. ;:ao podernos conside ra r a . analogia . com que ART. KAUFMANN com-
precnde a assimilacao normariva entre 0 valor-norma e a realidade-objecto
da valoracao jur id ica, no ensaio c it ., A lJ alo gie u nd " Na tu r d er Sathe', passint ,
53 1 V i de , por todo s, H. WELZEL, N a t ur te c ht W I d m a te r ia l e G e re c ht ig k ei t,
4.' ed., 57, ss., 108, ss . ; H. ROMMEN,D ie e wi ge W ie de rk eh r d es N at ur re th ts
39, 55.; A. F. UTZ, Na t u r r e ch t im W i de rs tr ei : z um p os it i~ en G es et z, in Na t u r r e c ! J ;
ode r Re ch t spo s it l v ismus , col . p . p . W. Maihofer , 232, ss.; A. GOMEZ ROBLEDO
M e d il a ri o n s a br e la just /c ia, 96, SS.; A. VINCENT, La no t i on moderne d e d r oi t n a tu r el
e t le v olo nt ar is me ( de S ua re z a Rous se au ) , in Archives d. Phil. d. Droit, VIII
(1963), 237, S5.
198 DOUTRINAAS FONTES DO DIRElTO 199
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tiva. 0que nao significa decerto uma relacao de causa para
efeito, ou qualquer outro tipo de relacao determinante que
eliminasse a especifica autonornia de validade e constitutiva da
mesma intencionalidade jurfdica - tal como a funyao que 0
predicado manifesta do sujeito apofinrico nao elimina a 16gica
autonornia daquele e 0 constituinte especitico da predicacao -;
ou sequer traduz a linearidade de uma s6 direccao (da autonorna
realidade da sociedade para 0 direito) e antes irnplica urna
particular dialectica em reciproca constiiutividade, que havera
de compreender-se, Por outro lado, esta funcicnalidade cons-
titutiva do direito relativamente a realidade social exclui com
igual concludencia - e nao sera esse um resultado de pequena
importancia - 0 entendimento do juridico que corresponde ao
positivisrno normativista e abstracto-formal, quer cnquanto
esse entendimento postula a compreensao do juridico apenas na
imanencia logica de urn pressuposto sistema normative 532,
quer enquanto refere a sua positividade simplesmente as pres-cricoes formais de inteira disponibilidade de urn podei 533.
o relevo da realidade humane-social , nao s6 para a constiruicao
da normatividade juridica, mas ainda para a compreensao da
sua funryao pratico-normativa e mesmo - importa sobretudo
acentua-lo - para a assuncao da sua intencao norinativa espe-
utica, opee ao jusnaturali smo a essencial his toricidade do direi to,
e a valida compreensao da consondncia-adequacao hist6rico-
-social do direito, pela consideracao dessa relevancia, op5e ao
normativismo positivista 0nao menos essencial caracter mate-
rialrnente humano-historico-social condicionado da sua positiva
normatividade. Superacao de qualquer perspectiva apriorfs ticado jurfdico, de uma sua qualquer elaboracao meramente especula-
tiva num auto-subsistence plano absoluto do tempo e do esparyo
532 Cfr. MULLER-ERZBACH, D i e R e c h lS l IJ i s se t ls c h af i im U mbau, 3, 55.;
SIMONE GoYARD-FABRE, Essa i d e c r it iq ue p hE r lO m e n ol o gi qu e d u d r o it , 54, 55..
533 C fr. G . RlPERT, L e s f o rc e s aeatr ices d u d r oi t, 78 , S5..
hist6rico-culturais, que na ilusao metafisica de indentihcar 0
ser C0111 0 pensainento ere poder «reduzir a zero» a densi-
dade e a probleniatividade pr6prias da realidadc autonoma a
que vai referida - no primeiro caso -; superacao da perspectiva
16gico-abstracto e apenas dedut ivo-construt ivis ta do norrnati-
vismo, seja 0 ciogmat ico trad icional , se ja 0 crir ico-formal dasisteinica gnoseologia de KELsEN, seja 0 analitico de quaisquer
neoposit ivismos ou estruturais positivismos, a ahrmarem por sua
vez, pelo menos nos planes epistemo16gico e metodol6gico,
a plena autonomia e a normativa incondicionalidade do pre~-
erito «dever-ser» junctico perantc 0 «sen) da sua realizacao - no
segundo caso. E superacao em ambos os casos, nao s6 em terrnos
do normativo jurfdico se situar predicativamente sempre numa
certa realidade, mas ainda de nao menos se afirmar, atraves
dessa sua situacao e peIa referencia material que ela implica, urn
especffico condicionamento consti tut ivo daquele nonnative por
esta realidade e que vern a traduzi r-se C01110 que numa anal6gica
assimilacao do real pelo normativo, 0qual s6 0e para um certo
real. Pdo que tambem aqui se podera dizer que (h a uma vincu-
laryao entre as exigencias da materia e as exigencias do espirito,
que pertence a existencia incomovivel do mundo objecrivo» 534.
Ora, se nestes termos se confirma que entre a realidade
humane-socia l e 0 direi to (<naohi urn qualquer abi smo», posto
que na realidade humano-cultural e historico-social temos 0
prcssuposto da constituinte existencia de qualquer ordemjuddica,
pode entao ahrmar-se que essa realidade e para 0direito 0que,
analogamente, 0mundo e para 0 homem. Definindo-lhe sos
limites do historicamente possiveb, i. e, os limites do que
entao e ali e juridicamente intencionavel, a realidade cultural-
-social e a condicao da possibilidade hist6rica, 0 campo-circuns-
rancia e 0 horizonte problemitico da assuncao c do modo
534 MAX BENSE, Te chn lse he Bs i s t en z , B5, apud O. BALLWEG, Db . c i t. ,
47, nota 12.
2 C X ) DOUTIUNA AS FONTES DO D]R£ITO 201
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concreto de assuncao da intcncao juridica: e a condicao de
cxistencia (do aparecimcnto) c de uma certa existencia (do
modo concreto de deterrninacfo) da normatividade juridica,
ja que e no pressuposto de uma rcalidade hist6rico-social,
transcendendo d e essa realidade (em intencao normativo-regula-
tiva), mas para ela (em cumprimento normativo-inst itucional) que
o dircito se const itui . «Sen numa ccr ta realidade hist6r ico-social ,
ter existencia historico-socin] e , pais, da essencia do direito 535.
9. S6 que, seria fundamentalmente errado infer ir des ta
conclusao que somas par ela remetidos a uma pers pec t i ua apenas
s o c i o 1 6 g i c a da consideracao do nosso problema - 0 problema da
consideracao do mundo ou realidade humano-cultural e hist6-
r ico-social enquanto pressupos to material const itut ivo da norma-
t ividade jurldica. Aquela perspectiva que e propria do pensamento
juridico sociol6gico em geral, sem excluir qualquer das moda-
lidades da (9urisprudencia sociologies» 536, c que se caracteri za,
535 Poderemos tambe in dizer que a referencia it realidade hist6rico--
-social e 0 spressuposto de realidade» do direi to - cfr, F. WIEACKBll ,Pr i v a t -r e c hl s ge s c hi c li te d e r Neueeit, 2.' ed., 569.
536 Aludimos a <jurisprudencia sociologica- em sentido estrito e rigoroso
c assirn ao pe usame n t o jur rd ico que , sem deixar de 0ser ou de 0querer ser (ser
ou querer ser jurldica, normativo-juridico), se orienta numa perspectiva socio-
16gica, j a porque ve nos tactores ou fac tos soc iai s e neles apenas os fac tores
dec isivamente rel evames, se nao mesmo exc lusivamente dete rminanres do
direito, j:i porquc a SUametodo logia, nos seus objectivo s e na sua pratica
juridica (dc consrituicao e aplicacao do diteito), prerende set uma metodologia
de ariz socio16gico - i, e , com a indole geral e apoio nos metodos das <C1en-
cias sociais». As duas linhas caracterizadoras podcm ir assoc iadas, e e assim
no caso do que podemos dizer a «ciencia do direito sociologic» - a ciencia
do dirci to reduzida a uma modal idade da sociologia (como 0 e caracteristi-camente em Buucn) ou pensada em rerrnos estritamente empirico-sociolo-
gicos (como se verifies nos varies «realismo,», seja 0 americano , seja 0 escandi-
navo) ou ainda convert ida numa particular <ciencia social> (orientacao hoje
com urn peso ja c on side rf ve l) . Mas em r eg ra s 6 urna dessas linhas e prevalence:ou seda especial relevo a origem e determinacao social do direiro, compreen-
dendo-o a.l?artir (predominantemente 011exclusivamenre) dos factores sociais,
para condicionar POt essaorigem e compreensao a propria metodologia espe-
nao apenas pe la indi spensavel refcrencia do direito a realidadc
e aos facto res sociais que 0 condicionam 537, mas sobretudo
par ver ncssa referencia au a decisiva dctcrminante da propria
normati vidade juridica ou em todo a caso nos factorcs sociolo-
gicos apenas a momenta material dessa norrnarividade: um
sociologismo nas duas hip6teses c mesmo um naturalismo
causalista na primeira 538
Pais se nao e decerto Hcito negar-se, como vimos ja, que
o direito tern a sua «origem a partir de uma determinada
cornunidade concreta» 539, podendo assim dizer-se que nessa
comunidade da sua origem tem de C01110 que a sua «Un terbau»
ciflcamentc juridica - e 0 caso da orieuracio sociologies do pensarnenro
juridico alemao, desde IlIEllINGate it « l n t e r e s s e n i u r i sp t ude z n» e ao . k a u s a l c s
R e c ht sd e t1 k e t1 . - , ou se perspectivam antes em terrnos epistemolcgicarnenre
sociologicos tanto a analise como as propostas solucoes dos problemas juridicos,
como se verifica sobrerudo na «jurisprudencia sociologica» americana, com
POUNDe a sua escola, Da jurisprudencia ou pensarnento juridico sociologico,no sentido ample mas rigoroso enunciado, se distingue a soc lo lag ia j r r r I d i c a
Oll s o c io l o gi a d o d i r ei to , que nao pretende set pensamento juridico e sim exclusiva
e cstritamenre . w c i % g i a . Decerro que a <cieneiajuridica sociologica» e a socio-
I ogia juridica tendem a confundir-se - como justarnen re aconreceu em
EHlU.ICH,que , POt is so mesmo, cabe hoje na sociologia e nao na ' cienc ia do
direiro- - e nessa rendencia vai, sem duvida, 0 fiacasso daquela primeira,
euquanro urna <ciencia do di reito sem di reiro» ( scm direi to enquanto tal , na
sua especifica intcncionalidade normativa e como criterio de valoracao prarica).
Por i5S0,nesre memento, s6 consideraremos no texto 0 pensamento juridico
de perspectiva sociol6gica nas suas mais conhecidas orientacoes , tcndo-nos
Slrpra ocupado jii (a proposito das . fontes mate ri ai s- da outra linha do soc~o-
logismo juridico. Sobre estas distincoes em geral, pode ver-se a nossa Ques t a o -
- de -f ac to - Q l te s ta o -J e -J ir e it o, com indicacao bibliografica: de modo especial
sobre a disrincao entre a .jurisprudencia sociologicas e a «sociologia juridicae,
v. R. TREvEs, C o ns id er az io n ! i nt er ne a ll a s oc io lo g ia giur id i ca , in Riv. Trim.d . Di ri tt o e Prccedura Civi le , 14 (1960), 169, ss ., e R. W. DIAS,jur jspmdf l l c e,
4.' ed., 584, onde se pre fe re a subject ivada dicoromia . Ie g a l s o c io l o g is t » e
< . S o c i o l o g a l j u ri s t. it comum de < so c i a lo g y o f l a u» e < s o c io l o gi ca l j ur is p ru d eI Jc e • .
537 0principal contribute que, segundo acenruam WIEACKEll ,o b . c i t. ,
569, e SIMONBGOYAllD-FAB1lF"b. cit., 55, sedevc a essaperspectiva do pensa-
menta juridico,
538 Como sed exp licitado no desenvolvirn en to do tex to .
5J9 FECHNE1l,o b . c i t. , 96.
2 0 2 DOUIRINA
AS fONTES DO DIREITO2 0 3
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(hist6rico-social) 540, ja e inaceitavel confundir, nessa base, urnclemento constitutive ou uru conjunto de factores de relevancia
cO~lstitutiva com a pr6pria constituicao, para imputar a deter-
minacao ~o que e apenas pressuposicao. Ver-se-a que 0 vinculo
de material pressuposicao pode ter uma dupla indole - 0 da
pressuposicao apenas re l evant e e 0 da pressuposicao ja codet ermi -n a n t e . Mas se~lpre sed. inexacto pensar em esgotar no pres-
~uposto material ou no coujunto sem factores os criterios da
intencao deterruinante, i. e , tentar reduzir esta aquele. E e issomes1~1~que a~ue~esociologsmo fundamentalmente visa - pelo
q~e ~ ll11prescl~dlVelesclarecermo-nos desde ja da sua inconclu-
denna. Com ISS0, nao s6 teremos afastado urn obstaculo asolucao exacta, como abrireuios do mesmo passo 0acesso ascoor-
denadas da anilise e (Iltima dilucidacao do nosso ponto.
Aquele esclarecimento de inconcludencia ircmos obte-lo
atraves da ~o~siderac;:aocriiica da <9urisprudenda sociologies»,
nas suas mats nnportantes orientacoes-c-ja que nela esta presente,p.retende-se mesmo sustentar C01110 tese, 0 sociologismo denun-
ciado, C0111odas as consequencias referidas -, e em ordem
a obter desse modo resposta a estas suas perguntas: a ) quais os
factores. o~ .anatureza dos factores que, participando da reali-
dade histonco-so~ial, se pcdem ver a defmir em geral 0
~ressuposto material que essa realidade imponha?; b ) qual a
mdole, tambem em geral, da sua vinculacao material?
. a ) . Na «jurisprudencia sociologies», com 0 seu sociolo-
gIsmo juridico incluimos a «jurisprudencia dos interesses» 541.
540 Vide~. SAUER, ob . ci t . , 215, 55.; RENB KONIG , Das Rech t im Zusam-
1II~lIlla~g de r s o zi a le n N o r m en s y st em e , in S lu d le /! u ll d Mat e r i a i c n zu r Rcch t s so -
;Zl%gle, 2.' ed., 40.541 In 1 - doutri - d e 'usao que a ?utnna nao ixa tambcm d e e xp re ss am en re f az er
(v . COING, S ~s te tl l, G e s~ hl :h te u rl d I nt ~r es se i n de r Privatrechw;ssel tSchaf t , in
~ . Z e 1951 ,. 4 8? , ro, L a g l U r r sp r u de l lz a sodologica e Ia si tuaz ione d e l d i ri t to p r iv a t o
d
fll. erlllall~a'i in Nueva Riv, d . D iritto C om mer cia le , d iritto d ell ec ono mia
In tto so cia e, 179 55). '
E ccrto que a I t l t eres se l1 jur i sprudenz propos-se ser tao-s6 uma
metodologia da pratica aplicacao do direito (e do direito legal
apenas) e nao directamente urn pensamcnto de refl.exao funda-
l11ental sobre 0 juridico 542. E HaO 0 chegou, com efeito,
a ser 543 _ dai tarnbem 0 scu sociologismo menos radical ou
111cnosistematico -, mas nern por isso the deixa de ir implicita
uma capital mudanca de perspectiva para 0 entendimento do
direito 544, justamente a que setraduziu no repudio do idealismo
sistematico-racionalista da Begri f f s jur i sprudenz e na sua substi-
tui~ao pelo positivismo empirista, e l11eSl110aturalista, de uma
111etodol6gica teleologia de detennina~ao sociol6gica. Pen-
pectiva esta em que afinal se cumpria 1l1etodologicamente,
adquirindo assim efcctivo relevo no pensamento juridico pratico,
o teleologismo sociol6gico-naturalista e pragmatico de BENTHAM
e de IHERING 545. Por iS50se podera afirmar, com FECHNER 546,
que «de todo 0 modo, a ' In t eres senjur i sprudenz ' constitui a
grande porta pela qual 0pensamento sociol6gico entrou na teoria
e na pratica juridica~.
54 2 Vide PH . HECK, Begr i i f s bi !du lIg u t l d I l l te re s s en ju r is p rude l lz , 16, 5S.;
C 50bretudo R e ch ts p b i! o s op h ie t wd I lI l er e s s et lj u ri s pr u d e ll z, in A rc h. c iv . P ra xis ,
1 43 ( 19 37 ), 1 29 , s s.5 43 C fr. WIEhCKER" o b . c it ., 574. 5S., A A . EH REN ZW ElG ,Psychomla -
Iy i s che Rech t swi s s e ll s cha ft , 83 .54 4 Vide, n es te s en ti do , K. LA.:RENZ,Rech t swi s s e tl Scha f t l l n d Rech t s phi l o s o -
p hie _ B ille B rtv id er un g, in A rch. civ. Prax is , 143 (1937 ), 25 7, 55 .; A rO N~ O
R. QUEIR6, C itn cia d o dire i to e f il os o fi a d o d i re il o, p a ss im .545 C fr., po r todos, K . L AR EN Z, Me t h o de u le h r e d e r R e c h rs w i s se n s c ha f i,
3. a e d. , 4 7 , 5S.; COING, Grundzuge de r Rech t s p ll i l o sop i l ie , 3 .• ed., 48 , 5S.; WlI!ACKER,
ob . ci t . , 563, 55.•54 6 L A m e th o de s o ci ol og iq ue et l es d o ar iu e s c o nt em p or a it le s d e In phi losophic
d u d ro it e n A ll em a gl le , in Me t ho d e s o d% g jq ue et d ro i t ( Sr ra sb ou rg . 1 95 6) , 7 7;
c fr . CO ING , S y st em l ee . c i t ., 4 83 . A flrm a~ o q ue s e re fere e sp ec ia lm ente a o p en -
s am enr o ju rid ico a le ma o, m as qu e va le a ind a p ara a qu ele s o utro s q ue s e v ira m
influenciado s po r esse pem am ento - co mo fo i 0 ca so do p en sa m en to m et od o-
1 6g i.co -ju rid ico po rtu gue s a pa rtir s obr etu do d e M AN UE L DE ANDRADE. NaPranca, 0 s o c io l o gi 5mo j u ri d ic o l."Stl ligado , co mo s e sabe, a D UG UIT e a inda,
embora d e outro modo , a GENY e a H AUR IO U ; n o mundo a ng lo -s ax 6n ic o f oi
d ec is iv a a in fln en cia d e E . P OU ND (I'. J . STONE, o h . c i t. , 1 64 , s s .) .
204 DOUTRINA AS FONTES DO DIREITO205
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E para csta perspectiva c pCl lsamcnto (perspcctiva dc meto-
dologia sociol6gica e pensamcnto juridico-sociologico) os factores
materialmente relevantes no pressuposto constitutivo do direito
scriarn apenas os i n t eres ses 547, tornados estes agora num sentido
ample em que sc denotem as impulsoes e os motives, as
forcas e os fms que, em tcrmos de factualidade psicol6gica e
sociol6gica ou psico-sociologica, se manifestam na realidade
social. A querer isto dizer, rigorosamente, que os factores
juridicamcnte rclevantes do mundo-realidade em que 0 direito
«e» c a que vai referido nao scriam senao fa cto re s s oc ia is - i. e,
condicoes e faetos socia is ou de real idade unicamente sociologies
e assirn com cxclusao das in tencionalidades ideais-espi rituais , se
tomadas estas na sua onto16gica especificidade ou com a objectiva
autonomia intencional de rcalidades justamente culturais-espiri-
tuais, Nao sc pretende assim afmnar que essas intencional idades
sejam de todo ignoradas, mas que so van consideradas na
medida ern que se rcduzem psico-sociologicamente a outrostautos factos psicol6gicos c sociais, e sujeitas a um tratamento
igualmente cmpirico-sociologico 5 4B - quando e certo que elas,
enquanto tais ou como elementos do «espir ito objectivo» e com-
titutivas dos respectivos «sistemas de cultural) 549, nao se podem
confundir, nem sao assimilaveis pda realidade social, tambem
no seu sentido c natureza cspecificos 5S0. Como diz WIEACKER,
«visto que 0 direito no seu aspecto extcmo e de facto urn
fen6meno social, ve-se submetido pelos disdpulos juddicos das
547 Assirn tarnbern, postulando em terrnos episternologicamcnte acriticos
eos interesses humanos d e { a ct o como 0 objecto-rnateria (.subjec t -rnat te , . ) dodireitos, J. STONE, ob . cit." 164, 5S. Cfr. sup r a . HUBER, ill nota 507.
548 Nos tennos, p. ex., em que [, STONE expressamente considera
as «conviccoes erico-sociais- como factores da realidade social relevante parao direito - C01110 emen's d e { a ct o ideas of justice» ( ob . ci t . , 546, S5.).
549 No sentido de DrLTHIlY, Int roduct ion, cit., 60, SS••550 Sobre a distincdo geral entre as realidades do .espirito objectivr»
c as realidades socio16gicas, v. H. FREYER, o b. c it., [ Cap., seguindo DILTHEY.
d. d d . 't d ~1
ciencias da natureza e a SOClCa e aos mesmos me 0 os» ,
submetido aos metodos dcssas ciencias e a compreensao geral
que des implicam: fen6meno social qu~, em. si e em todas as
suas diniensoes c factores, apenas sOClOloglCall lcl lte, mcsnio
COlllO direito ou na sua intencao normativa, ha-de ser COl1l-
preendido. . .Nem por outra razao a In t eres senjur i sprudene tern como
momento decisivo da sua metodologia a averiguacae lustorico-
-social dos interesses ecausa is» 552, aqueles que determillariam a
l11edia~ao-opyaO do legislador ou que explicariam a no:ma
juridica nao obstante essa mediayao-opyao. ~a mesma linha
decerto recusava STOLL a «causalidade dos concertos» e postula~a
a sua substituiyao pela (lCausalidade dos interessesr 553 e cntendia
HECK a lei como «3 resuitante, como que a diagonal-de-foryas
de factores em Iuta» 554, e dai, em e1ucidativa coerencia, sc
rccusasse mesmo a admitir a substituicao do conceito de «inte-
resse», no papel de conceito met6dico capital, pel~s de. «fl1n~),«bem juridicoe ou «valor», posto que aquele teria maior vi rtuali-
dade expl icative - virtualidade explicat iva justamente da genes.e
das leis nos contiitos de forces, pretensoes e factores SOCIalS
em sociol6gica parificacso e concorrencia 555. E certo que
HECK nao deixava de distinguir uma teoria juridica dos
interesses «gelletica» 556, que seria devida a IHERING, de uma
551 Ob. cit., 565. . h·552 HECK G e se u es a us J eg u ng i m d I nt er e ss m ju r is p nu ie n z, mArc . CIV.
Pra xis, 112 (19i4), 8, 65, s. e p a s si m ; B e g r if f sb i Jd u n g . cit., 73. . .
553 }t! r is ti sc he M e th o de , p r ak ti sc /l e G r tJ lJ d {o r d en m g d e r b lt er e ss e up m .s p ru 'i cl lzUJ l d ih re B ed eu tu ng i ll u ns er er Z ei t, 8, apud Ph. HECK, Di e In t e r e s se f l J un sp rude l l z
nn d ihre n eu m G eg ne r, in Archiv. c iv . Praxis, 142 , 301, no ta 169.
554 HECK, Begri f f sbiJdung, cit., 46. . .555 I b i d em , 43, 5S.; ID., D a s P r ~b le l1 J d e r Re ch t sgew /nnu I J g , na col. S~>ld,e~,
uu d Texte zur Theone u nd M e th od ol og :e d es Reen t s , p.p, r · ESSER, vol. II,.r., S~.
Cfr. in f ra.55 6 V i d e B e g r if fs b i/ d u r, g , cit., 30, s., 221; e A r CH . civ, Prax i s , 142, 301.
206 IJOUrnINA
ASFONTES DO lJIREITO 207
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outra. «pr~dutiva», mas era isso apenas para dizer que, acei tando
da pnmelr.a 0 entendimento de que «0 direito nasce pelo efeito
caus.al dos mteresses humanos» e assim tambern a compreensao de
sos mteresses como a base (Gr tmdlage) das normas juridicas exis-
tentes» 557, havia que partir dai para a elaboracao de um
metodo que orientasse a aplicacao judicial do direito - 0 quehmRING 11aO teria feito.
POls, ou se reduzam os factores sociais aos «interesses»
C~1110 faz a I nt er es se n ju ri sp ru d en z: - a proclarnar assim, como
diz RATZENHOFER558, que «110 principio eram os interesses»
e 0mesmo e dizer que so as pretensoes «exclusivas» dos homens
explic~riam 0direito, ainda que para tanto se de uma amplitude
excessrva a essa categoria 559, ta l como, alias , vemos acontecet
na americana ~urisprudencia sociolcgicai de POUND 560; ou se
alarguem esses factotes tarnbem as situacoes sociais de «con-
fianca» e de «responsabilidade» e sobretudo de «poder», alern
de outras, segundo a proposta de MUllER-ERZBACH 561. ou se
incluam ainda neles «todas as condicoes ficticas, sociais, polit icas
e outras com fundamento nas quais surgem as particulates regras
557 A h' . Pr . 42rc rv CIV . axi s , 1 , 301; e Begri jf sbi ldung, 30 ~ respectivamente.5,8 Apud FECHNER, Rechts :phjlosophie 33 nota 37559 H ".
. EC~, _pa ra pode r abrange r no concei to de « inrc rc sses todos os
rnteres~es ~osslvels socialmente relevantes, com inclusao expressa dos .inte-
resses l~eaI5" aflnlla,:"a que a In t e t essen jur i sprudenz -uriliza 3 palavra interesseno ma ts amplo senridos _ (R e ch t sg ew i n rl ll n g , l a c . c i t ." 34; B e g r ij fs b il d ul I g, 3 9 ) ,
que 5~t.rata.de u~ sconceito neutros que as exigencias metodol6gico-cientificasdo direiro imporiam (Di e In t eressu iur i spruden .c rm d ihre l ieu en G e gr re r l ac cit162, ss .). Cft . in fra . ' . .,
•560
~ i~ e.i S ur ve y0/
s o c i a l i n t e re s ts , in Harva rd La w Rev i ew, 57 (1943-44),1-39, Lo s p rr r t~d e l l a , f common l a u » , trad. it. de G. Butta , 175,ss.; Cfr . W. FRIED-
MANN,.T he on e g en er aI e d u d ro it, trad. franc. da B j bl ia th e qu e d e P h i/ os a ph ie
du droi t , 294, 5S.; J. STONE, ob . ci t ." 164, ss.; DIAS, Jurisprudence, cit., 597, 55.;
W. ~~~NTS~HER, M e ~h od en d es R e ch ts , II, 228, 5S.D ie Rech t swIs s en s cha f t i m U n tb a u, cit ., 9, 55. ,C pa s s im; D as Er f a s s en
~ e s R e c ht s ~ u s d e n ! 'e m en te n d e s Z u sa mm en le b en s , v e ra n sc ll au li ch t a m G e se ll sc h af t,
inA.reh. ClV. PraXIS, ~~4 (1955), 307, 55.. E certo que MULl.EIl.-ERZBACH pre-tendia dernarcar-se cnncarnente da In t eressen iur l sprudens: de Ph. HECK - objec-
juridicas», como se ptogramava 110 projecto da «Rechtstlltsrlcizetl-
forschutlg» de NUSSBAUM562;ou se identi fiquem com a geneta-
lidade das ~ fo r [e s C T t ?l It ri c es d u droit», no sentido em que as
compreende RIPERT 563, sempte se trataria em rodas estas posi-
croes de «causas que dao nascimentos ao direiro 564, sociologicos
factotes «determinantes» que nos poem perante uma «genetica
das le is»565. Assim tambem para 0direito, de todos estes modos,
ta l como, segundo NIETZSCHE, para 0 axiol6gico, reriauios
de reconhecer uma redutiva «genealogia da moral» 566: urn e
outro nfo se compreenderiam numa intencional fundamentacfo,
apenas se expli.cariam pelos factores de uma sua reducao
emplrica (social nU111caso, bio-antropologica e historica no
outro caso). 0 que bern justifies que se possa afinal caracterizar
em geral esta perspectiva como a de um epensamento juri-
dico causal», generalizando para toda ela a designacrao que
MULLER-ERZBACHquis reservar pata 0 seu pensamento jurfdico
proprio 567• 0 direito, nuina palavra, ter ia de set rernetido,
tivo especialmente acentuado na primeira monografia cit.~, mas nao s6 alinha fundamental de inspirao;:aoe a mesrna, como mclusivamente as efecti-
vas di ferencas metodicas sao Konsideravelmente pequenas», como exactamente
pode observar 0 proprio HECK, em apreciao;:aoa s proclzrnadas divergenciasde MfuLER-ERZlIACH ~ V. HECK, D i e n e ue M e t ho d er ll eh r e M u l le r -E r zb a rh s, in
Archiv c iv, Praxis, 14D, 257 , 55., cmbora este cstudo nao tenha rido em
conta a monogra ftia de MIiLUlR-ERZBACH, V i e R e cb ts w i s se r r sc h a ft jill Umba l l ,que the e posterior , mas onde se continua a posic ;ao anter ior, desenvolvida
e aprofundada.562 Die Rech (s (a t s a chcn f o r s chung , in Arch. c iv, Praxis, 154 (1955), 462-
mas programa Ilio cumprido, porque esta proposta «investigac;ao dos factos
do direitos acabou por sc traduzir unma investigacao sociologies do _dire ito
v ivo> (no sent ido de EHRLICH), i .~, do direito e do s t ipos de direito socia l
efectivamente praticados, na linha do .reaIismo [uridico- americano,563 Na monografia sob 0 mesmo titulo j:i cit.
564 G. RIpPERT, Ibidem, 79.565 G. RIPERT, Ib i d em, 80 .566 Paralelo que, em terrnos analogos ao do rexto, vemos expressamente
invocado por WlEACKER, ob . c i t " 565.567 Cfr. LARENZ,Methade t l l eh re , c it ., 55 , S., em directa refere nda a
In teressenjurispruderlz de HECK.
208 DOUTIUNA AS FONtES DO DIRI:ltO 209
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cxplicativamente rcrnctido ou reduzido, aos <lactores rcais»
(bio16gico-psico16gicos, econ6micos e politicos, v.g. 0 poder 5GB)
que sc mani testam como facrores soc io16gicos e perante os quais
se ornit ir ia , por isso mesmo, 0 «valor» 569 ou as intencionalidadcs
objecrivo-cul tura is espiri tua lmcnte fundamentantes. Nao, por-
tanto, para traduzir apcnas 0 rcconhecimento da concorrencia,
rclevo e importancia - decerto irrecusivel, C01110 elementos
do pressuposto material - e sim a preferencia e 0 cadcter
decisivo atribuido, 110 processo da constituicao do direito, as
«Iorcas reais da vida, as tendencias e as suas objectivacoes, em
particular as circuns tancias polit icas e economicas» 570.
E verdade que isto nao impede que entre essas forcas reais
da vida, ou as sociais «forr;:as c riadoras», se induam, a m.ais dos
factorcs e dos «inte resses mate riai s» , ta rnbem os fac tores e «lute-
resses ideais», as sideais morais», a «religiao», a «ideologia»,
a «t radicfo», ate os «sentimentos» 571, e que a repelir sobre-
tude as acusacoes de «materialismo» 572 e mesmo de
568 Segundo a di scr imi nacao qne dcsses .factor cs r ears» faz FECHNER,
Rech t s p h i l o s o p lu « , passim.
569 Cfr. WIF.ACKER, o b. c it ., 565. V. supra, 150, 55.
570 FECHNER, L a t rJ et ho de s oc io lo g iq ue , l ac . ci t . , 78. No mesmo sentido,
acentua WIEACKER, ob . cit., 565, 0 prcdorninio que no pensamcnto em cau sa
e dado a s scausas socials c econornicas •.
571 Ass im, RIPERT, o b. c it ., 8 5.
572 Vide HECK, Be .~ri f fSbi ldul1g, 219, s .; D ie l nt er es se nj ur is pr ud ct tz u nd i lu e
/lellell G eg ne r, l oc . c it ., 161, 55.; cfr. WIEAC)::ER, o b . c i t. , 575, nota 45; L . LEG.'\Z
Y LACAMBRA, P il os o ji a d e l d e re ch o , 3.' ed., 144. Para alem, no entanro, do que
ira dizer-se a scguir no texto, importa chamar a atencfo pa ra u rn equivoco
que, s 6 uma ve z d enunciado, p odc p er rni ri r 0 esclarecimento deste ponto, E que
nao bas ta , como pensava HECK bastar (ck tarnbern COlNG, System, o b. la c.
cits., 482), que se a fi rme entre os interesses tambem os -mtcrcsses ideaiss (e nao
56 econornicos c rnateriais) e entre as sociais aspiracoes relevantes tambem
as saspiracoes idcais», entre os bens ainda bens <com conteudc etico», etc.
(v . HECK, Begri f f sbi ldung, 220; D ie I nt er es se ni ur is pr ud en z u nd i hr e n eu el 1 G eg ne r,
162, ss.), para excluir uma perspectiva fundamenralmenre marcrialista. 0mar-
xismo c decerto urn pensarnento materialista e nem por isso ignora os
f actores idea is n o complexo dos fa ctores so ci ai s o u as pre tensoes de conretido
euco que os homens dirigem uns aos outros, numa eliminacao primaria e
«niilismo» 573 se ahrmc - afirma-o insistcntemente HECK - gue
nos interesses causai s se contam tanto os inte resses economicos c
maLeriais como os «interesses ideais» 574 - tambein os «interesses
cticos, rel igiosos, de moralidade, os interesses da just ir ;:a, da equi-
absurda de tudo 0que irnediatamente nao fosse cconornico-material; pois 0deci-sivo nao esta em reconhecer a inegavel existdncia desses fa ctores e desse con-
t eudo , mas 0 sentido com que sao compreendidos assim como a natureza e
fundamento ult imo que the sao imputados, Ora , n ao se pode dizer que a . ju ris-
prudenci a do s int eress es » reconhe ca a o . id eah e a o .€t ic o. uma subsi st en ci a on to -
log i c amcte a ut6noma, e nqu anto v al id ade s e sp ir it uai s em si , e na o os reduza so cio-
log ic amen te a pretensoes (a conreiido de pretensoes) que os homens de facto
postularn com relevo social, i e , a i n t eresses que, como tais, s6 subsistem por
referencia emplrico-subjectivo-sccial aos interessados e coruo (ou ao service de)
apetencias eexclusivass deles - pelo que, p. ex., nao se podera sustentar, nestes
tcrrnos, que a pretensao ou a apetencia de justica ( a inten~ ao de justica subjec-
rivo-interessadamente enunciada) de alguern ou de qualquer g rupo so ci al
tenha, enquanto tal, maier v a l o r que a preeensao ou a aperencia de sentido mate-
r ia l qu e out ro a lguem ou out ro qua lquer gr upo t he oponha, ja que arnbas as
pr et ensoes e apetenci as sao i nt er esses que socialmente se afi rr nar n e que como
tais se tern igualmente de relevar (como, com toda a logica, afirrna expressa-mente POUND, I l I t rodu(Ja J f il os o fi a d o d ir ei to , trad. port. de A. Cabr al , 52, S 5 ) .
Pelo que e st a indiferenca sociologica, ou e apenas urn postulado epistemolo-
gico que de ix a em su sp ens o 0problema antropologico e rnetaffsico-onrologico
da ul tima compreensao do emateriab c do ddcab - 0 que talvez s e d ev a consi -
derar ter sido afinal a posicao pessoal de HECK- ou significa (ou leva implicita)
a submi ssao do i deal e do eti co a uma reducao ou expl icacfo sociologica, at ra-
v es d e ap et enc ia s ee xclus iv ass , e n est e c as o se ra ine gav el uma per spe ct iv a mate-
rialista, E , alias, inegavel que ha uma afinidade entre a perspecciva sociologies
da ln te rsseniur isprudene e a sociologia marxista (v., neste sentido, COING,
S vs te m, c it ., 483 e nota 6), a perrnit ir por isso que aquela se viesse a
«resolver em verdadeiro pre-marxismo em juristas como DE BOOR e HAUPT
(ORLANDO DE CARVALHO, C rite ria e e str utu ra d o e sta be le dm en to c om er cia l, 7 86 ,
em nota). Depois, recordemos que BENTHAM rinha urua concepcao funda-
mental marerialista do direito ( 1 1 . M. E L SHAKANKIRI, L a p hl lo s op hi e j ur id i qu e
d e J e re my B en th am , 52, ss. ) e que de esta na ejurisprudencia dos interesses-
pela mediacfo de IHERING.
573 Cfr. FECHNER, D as k au sa le R e.h ts de nk en , e in e G efa hr fU r R ec ilts wis -
sensc lwf t , in Arch. civ. Praxis, 151 (1951-52), 357.
574 HECK, R e ch ts g ew i nn u ng , c it ., 33; ID. , Gese lzesausJegung, ci t . , 11, 17;
ID., Begri jf sbi !Jul1g, 40; cfr. H. STOLL, B e gr jf f a n d K o n st ru kt io n in d er L eh re d er
Inte ressenjur isprudenz , in F es tg ab e fu r P hil ip H ec k, etc., 67, nota 1; MWER-
-ERZBACH, D as E rfa sse l1 d es R ed us, lo c. c i t., ' ! I J 7 .
14 - Hoi. d . F . , . de Dir., Vol. LII
210 DOUTRINA ASFONTESDO DlRElTO 211
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dade, etc ., os rnais al tos interesses da humanidade» 575. Simples-
mente, se assim 0concei to daquelas «forps~~, tal como a de «inte-
resse», abrange afmal tudo a que aos hornens, ja particula tes ja em
comunidade, irnporta 576 e entia, como observava a critica
de OERTMANN, a conceito de interesse «se volatiliza numa
amplitude que tudo abrange, sendo par isso inutiliza~e1} 577, hi
ainda que ter sobretudo em conta os tres pontos segumtes. Em
primeiro lugar, aqueles factores au interesses ideais e marais
s6 como «forcas sociais» e «interesses», de expressao e efieacia
empirico-sociologica, ou apenas como factores «reais» (no sentido
ontologico, de oposicao a «ideal) sao considerados. Pelo que as
intencoes sideais» que sejam objecto au deem conteiido a essas
fortyas e interesses, nao via relevadas, par urn lado, senao co~~
motivos-iins susceptivcis de moverem certas pressoes SOCl~l1S
(certas fortyas sociais) que as pretendam fazer t riunfar,. ~m ~~ra
concorrencia ou conflito com presssoes au forcas SOCIalSdistin-
tas, movidas par intencoes possivelmente de natureza contraria
(de natureza material economica, de poder, etc.); par outro lado,
sao identihcados, sem qualquer diferenciacso em sentido de
relevancia, aos interesses em geral, no seu entendimento rnais
sexclusivc» e enquanto sao todos eles «disposity5es-de-apetencia
para as bens da vida» ( H E C K ) 578, seja de pessoas singulares ,
575 HECK, Begri f f tbi ldung, 37 .576 Vide a critica de H. ISAY, D ie M ethode de r l nu t es s en iw i sprudens ,
in Arch. civ. Praxis, 137 (1933), segundo a sua reproducdo na colecclnea
I n t e r e s s e n ju r i sp rude ne , p. p. G. Ellscheid e W. Hassmer, 226.577 In te re ss e un d B eg riff in de r Rech l swi s s en s cha f t , 35.
578 Observernos que a acenruacao do conceito e posta ~o. caracter. de
dispos iri io psiquica para a apetencia. Assim, para to:nar mals.explicito0~ent1docom que se re fe ria a s «Begehmngsd i s po s i t i o n en . , dizia HECK,In Rech t s gewmnun~,c i t . , 33: .Desejos latentes ou tendencias, que nao sao permanentemente actuais
na nossa consciencia, mas que sao despertadas por urn qualquer est1m~lo, pro-
vocam uma ape tenc ia actua l. A ape tenc ia em sie urn fen6mneo psiquico (.).
A ling nagem actual designa por inte tesses estas disposicoes-de-apeeencia,desde que refer idas a bens culturais, e asrespectivas representacdes, a sua base
e osseusobjectos, Pelo que utilizamos a palavra interesse para toda e qualquer
seja de grupos sociais ou de toda a colectividade, em concorren-
cia tambem, e ao mesmo myel, com quaisquer outros interesses
de igual au de diferente indole - sempre e todos apenas como
causas motivantes c parificados como i n t e re sse s . Quer dizer,
e em segundo lugar , como motives-fins de eflcacia socialmente
inobi lizante e conteudo de apetencias (individuais ou colect ivas)
socia lmente verif icadas, nao deixam aquelas intencoes de ir con-
sideradas tao-s6 como f ac to s , faetos psicol6gico-sociais 579, e, como
disposicao-de-apetencia , sern atender ao tipo especia l do objecto apetecido,
Falamos ho]e nao s6 de intere sse s rna te riais , mas igua lmente de intere sses
ideais, religiosos, nacionais, eticos», E em Begri f f shi Idu l lg , 37, volta a acentuar:.A linguagem comurn designa com a palavra .interesse> aquele significado que
os bens da vida tern para os homens e dai a apetencia para os bcns da vida.
Porcm, nao 56 a ape tenc ia acrual , que forma pa rte da consc ienc ia supe rio r,
mas ja a apetencia laeente, alojada na subconsciencia e que se manifesta atraves
deum estimulo, porranto, nao s6a apetencia , masja a dispoiscao-de-apetencia-.Nao deixa de ser esclarecedor que este conceito de iuteresse seja no fundamenta]
coincidente com 0conceito enunciado ja por OTA SIK,La t ro i si cm e v o ie , trad.
franc. deJ.-M. Brohrn e A. Streiff , 62- eos interesses sao disposicoes humanas
concent radas, r elativamente pe rrnanentes , que movem os homens j .a ra a
satisfa~o de necessidades objectives determinadas» - , ja por HAliERMAS,C o n na l ss a nc e e t i n te r et , mon. cit., 230 - «designo i n t e re s s e s as orientacoes de
bens ligadas a certas condicoes fundamentais da reproducao e da autoconstituiciiopossiveis da especie hurnana, i. e , ao t rabal /to e it i n t e t aa i i o» Em qualquer doscasos, a raiz e bio-psicol6gica ou impulsional, e vai-lhe implicada urnaCOIn-
prcensao naturalista do interesse (ou do fim) mobilizante dos homens. Nem
sao diferentes as coisas em POUND:basra ter presente os seus expresses conceitosde interesses: ~lainls or wants or desires (or, y would like to say, expectations)
which men assert de f a c t o , about which the law must do something if organisedsocie ties are to endure> (Ju r i s p rudence , III, 15 , apud DIAS, ob . cit, 596, s.);
«c la ims or demands or des ir e which human beings, e ithe r individua lly or in
groups or a ssoc ia tions or re la tions, seek to sat is fy , of which, the re fore , the
adjustement of relations and ordering of human behaviour through the force
of a politically organised society musr take account- (A s ur ve y o f s oc ia l in te -
re s t s , cit.),579 E esse, alih, 0 sentido deste enunciado de HECK,Ges e t ze s aus l egung ,
cit., 60: t... os interesses, que devem ser protegidos pela lei, sao justarncnte
grandezas historicas, i. e , reais. Sao desejos, aspiracoes que existiram na cons-
ciencia de homens reais•. De novo e esclarecedor, se aproximarmos urn enun-
c iado pa ra le lo de OTA SlK, o b . c it ., 84 - comentando a a fi rmada d ist incao
e mesrno a supraordenacao dos sprincipios morais» relativamenre aos interesses,
diz: .Dece rto os pr inc ipios morais influenc iam mui to for tementc a ac~ao
212 DOUTRINA AS FONTES DO DIRElTO 213
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ta is , sao fimdamentalmente distintos (a oporem-se mesmo, inten-
cional e objeetivamente) as va l idades- · e enquanto e a validadeo modo-de-set especifico da idea1idade. Faetos (<<interes.sesmate-
riais») ao lado de outros faetos (<<interessesideaiss) e uns e outros a
operarem numa causalidade tarnbem s6 sociol6gica - nos mes-
mos termos, portanto, em que a sociologia empiric a reconhece a
factualidade e a causalidade da motivacao real (psicologico-social)
por valores , mas sern que os valores sejam ai assumidos enquanto
tais, na sua ideal e objectiva validade 580. Assim, e em terceiro
lugar, afinnar «interesses ideaiss e enunciar uma contradicao e
acabar pela negacao do que se afirma. Se 0«interesse» e de refe-rencia rdativo-subjectiva (vai sempre referido a um sujeito inte-
ressado) e de imposicao exclusiva (s6 para 0 interessado tern
sentido reivindici-lo), enquanto 0 «ideal» e de referenda objec-
tivo-universal (0 ideal que assim nao seja assumido, como vali-
dade, nao participa da idealidade e nao e rnais do que um fen6-
meno psiquico ou sociol6gico) e de imposicao nao-exdusiva ou
inclusiva (diverge-se nos interesses, comunga-se nos valores), entao
nos «interesses ideais» vai, na verdade, afirmada a objectividade do
seu sentido e simultaneamente a subject ividade da sua intencao,
a universalidade da sua validade e siruultaneamente a rdativi-
dade da sua imputacao, a validade (a idealidade fundamentamen-
tante) e simultaneamente a contingencia (a factualidade psico-
-socioI6gica). 0 que torna inevitavel a opcso: no «interesse
humans, mas s6 sob a condicio de que des sejarn aceites pelos homens ouinteriorizados como os seus proprios principios, Esquece-se far ilmenre que
existern sistemas diterentes de moral, que a moral nao € criada artificial-
mente {. .. J . Esquece-se demasiado facilmente a essencia d a moral e a sualiga~ao com os interessess, De novo estamos perante uma bio-ernpirica .genea-
logia da morals,
560 Pelo que e bern pertinente a observacao de LARJ!NZ, ob . ci t ." 60,
quando nos diz que mlo e por acaso que HECK tal como STOLL, em vez d a s
expressoes «valor> e ecriter io de valon, que afrrmam algo de objective , pre-
f erem a expre ssdo .juizo de va lcn, que designs urn acto sub ject ive de pensa-rnento •.
ideal» ter-se-a de optar ou pelo i n t e re sse ou pelo i d ea l , pois s6
um ou outro pode ser determinante, E cremos nao fazcr
violencia ao seu pensamento, se dissermos que na I t ueres senjur i s -
p r ud e n z (como em toda a jurisprudencia sociol6gica) a prefe-
rencia vai peIo interesse.
Ora, e justamente este nivelamento do ideal com 0 mate-
rial 581, u.a reducao de ambos a factualidade sociol6gica 582
e assim sem verdadeiro rcconhecimento da idealidade em si
- e a Sua cornpreensao uniforrne como Iactores de uma
dinamica social e de conflitos de pretens5es concorrentes de
que ha-de nascer 0direito, enquanto sociol6gico produto directo
dessa dinamica ou resultante apenas desses confiitos, que nos
forca a conduir que na perspectiva do pensamento em causa s6 sao
[a d o r e s do direito os factores ernpiricamente sociais ou sociol6-
gicos, que a realidade para de pressuposta e relevante e unica-mente a realidade social sociologicamente entendida, Nao esta-
mos aqui, na verdade, perante urn pensamento sobre 0 direitodeterminado por urna sua compreensfo apenas enaturalis tica» 583
em que e nitida a continuidade do cientisrno empirista-causalism
de oitocentos?
Conclusao em que vai a£in.al r igorosamente caracterizado
o sociologismo juridico, sendo certo que neste, como se pode
dizer usando uma sintese de FECHNER5 84 «0 direito e exclusiva-
581 .Os fac tore s rnora is - obse rve COING, S ys te m, l oc . c it ., 484 - sao
considerados 00 I Q J o dos outros interesses: nao tern qua/quer f i m ( i i o especia l•.
582 Vt"Je FECHNER, Rechtsphi losophie, 35 , nota 41; 0 qual, relativamenreIIobservacfo de COING, no sentido de que a consideracao dos sinreresses ideaiss
afastaria da In teressenjurispruJenz a qual ifica~ao de n ii lismo, ponde ra : ds to
porern nao altera 0 facto de que a redu~o do direito a 'interesses causais'trata 0 etico como facto, como 0 que numa determinada comunidade e tidofacrualmenre por moral, born, decoroso, e tc .. 0 erro esta pois na equipar~o(G/eichsetzul1g) de 'inreresses' materials e eticos•. No mesmo sentido, LAllENZ.ob . cit., 55 , S., 57 .
58:3 No rnesmo senrido, COlNG, ob . l o c . c i t s. , 484: WlEACKER, ob . c i t ;568 , 577, s ., no ta 45 ; FECHNER, ob . ci t . , 34, S••
584 Ob. clt ., 35.
214 DOUTRINA AS FONTES DO DIREI TO 215
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mente considerado sob 0 ponto de vista (real-) sociol6gico e
dcduzido de forcas (real-) sociologicas», com radical pretericao,
portanto, das suas raizes erpirituais.
S6 que este sociologismo juridico, com 0 seu positivismo
naturalista, e de todo inaceitivel. E e inaccitavel para 0 direito,
como inaceitavel e para qualquer outro dominic cultural.
Tal Como 0 psicologismo na 16gica585, 0 bio-sociologismo na
etica 586, 0 uaturalismo nas «ciencias da cultura» 587, tambem 0
sociologismo (0 realismo sociol6gico, 0 positivisrno naturalista
sociol6gica, etc.) e opaco para a autentica corupreensao do
direito e do seu processo de constituicao normativa. 0 dircito
e decerto uma. realidade que hist6rico-socialmente se manifests,
mas isso nao deve impedir que 0 reconhecamos na sua piuri-
dimensionalidade consti tutiva, bern longe de se esgotar numa
factualidade social que se dinamize apenas pela natureza empirica
(psico-sociologicamente empirica) de urn conjunto de factores
concorrentes ou conflituantes e numa pretensao de logro apenasfinalistico. Uma factualidade social em que nao houvessc,
pois, Iugar para as intencoes e as validades espirituais que se
object ivam no dornfnio culturalmente significante -" aquele
dominio que nao e constitufdo quer por forcas empirico-sociais
actuantes, quer mesmo pclos fins que programaticamente sc
mobilizam nurna qualquer estratcgia social, e sim pelos sentidos
intencionais que, assurnidos numa pressuposicao espiritual, ofere-
cern as significacoes e os fundamentos de validade para a
aC!fao e os seus fins. Pelo que, nao abranger esses sentidos
intencionais e de validade enquanto tais - i. e, e importa
585 E. HUSSERL, I n ve s ti g a ci o ne s i 6 gi ca s , c it. , I , 67, 55., e pas s im .
586 SCHELIlR, D i e S t el /u l Ig , cit., 87, 55.; H. COING, Grundz j jg e , cit ., 3.' ed. ,
106, 55 . .
587 W. DILTHEY, I nt ro d uc ti on a / 'e tu d e d rs s ci en ce s h um n in e s, cit., pas s im ;
RICKERT, K u lt u rw i ss e ll sc h a ff u n d N a t un v is s et ls c ha f t; GUSDORF, I nt ro d uc ti on a u x
s c ie n ce s h u m ai n es ; GADAMER, W a h rh ei t u n d M e th o dr , 3. a ed.,; J . HABERMAS, Log i c a
d e ll e s ci en ee s oc la ll , cit., pas s im . Isto, nao obstante 0 actual Posi t iv i smusst te i t .
inslstlf, na sua especHica objeetividade espiritual-culrural Wc--,
nao e s6 truncar a realidade humane-cultural, embora na sua
n1J.nifesta<;aohist6rico-social, de dimensdes que the sao onto-
logicamente constitutivas (da dimensao significativo-cultural), esobretudo elirninar simultancarucnte factores de decisiva pres-
suposi<;aopara 0 direito (c de pressuposicfo nao ja s6 relc-vante mas, sobretudo codetcrrninantc, como se veri) no seu
processo normative a partir da realidade humane-social. Justa-
mente aqueles factores, desse processo constituinte, que havemos
de reconhecer nas intencionalidades racionais , axiol6gicas e
religiosas (e etico-religiosas) assurnidas historicamente na sua
universalidade fi.1lldamentante (como intencoes «nao-exclusivas»
ou dnclnsivase) e que assim, como pressupostos de validadc
significantes, comunicalizam no dialogo humano-espiri tuaI c
comunalizam na convivencia pratica de uma certa comunidade
num determinado momenta hist6rico - aqueles factores que
at nao causam ou simplesmente motivam, mas dao sentido cfundamentam 589. A comprovar esse seu relcvo constituinte,
embora na perspectiva do problema geral do q ui d i us , invoque-
mos desde ja as detidas e concludentes analiscs de FECHNER
sobre este ponto 590, sendo certo que tambem na parte que nos
toea as viremos a corroborar em todo 0 desenvolvimento
sucessivo deste estudo, Pelo que agora queremos s6 afirmar que
os faetores a induir no pressuposto material do direito, e que
58B 0 que inviabi li za ra todas as t enta tivas de as reduz ir a proposicoes
fac tualmente empir icas - c fr ., por todos , HABERMAS, ob . cit., cap. I I, 67, s s. .589 Decer to que aqui mesrno surge 0 problema do fac tor ideologico , a
suscitar a questfo de saber seossignficantes culturais nio serao afinal ddeologia-ou se em todo 0caso nio participam neles conteddos ou intencoes ideologicas.
E esta uma questfo - no fundo, a da relacao en tre a «cu lturas e a sid colog ias
- que considerar erno s na ultima parte da analise do p ressuposto material,
exactarnente ao discriminarmos neste 0 eelemento material. espedfico. Para
linos rernetemos.
S90 Na sua R e d us p hd o s op h ie , p a s si m . Numa perspectiva cultural geral,
recorde-se 0 que sc dis se sup r a , 150, S5.
2 1 6 DOUTRINA AS fONTES DO DIRE ITO 2 1 7
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como tais e em ter1110Sconsti tut ivamente relevantes se impoeni
na realidadc, 0 mundo ou a circunstancia humauo-cultural e
historico-social a que de vai referido, nao os teremos apenas nos
(~factores sociais - os factores sociologicamente reais de eficacia
empfrica-, pois com esses concorrern tarnbem, indefectlveis e
de Ulll modo que hayed de esclarecer-se, os efactores cul turais»,as intencionalidades espirituais de validade objectivamente signi-
ficante. Numa palavra de generalizante simplificacao, nao
s6 0 f ac t o , mas ainda 0 valor , nao s6 a ut i lMade social ( a s
pretens5es interessadas e sociologicamente redutiveis de que 0
direito fosse apenas instrumento de tutela e cont r81e) , mas ainda
a val i dade cultural (as intencoes manifestadas na axiologia humano-
-cultural de que a val ida de juridica sera urn modus espedfico) rele-
vam no pressuposto material do direito, 0 que, alias, vai ter
ja a seguir uma primeira, ainda que s6 indirecta, confirmacao.
b ) Trata-se de considerar 0outro ponto at rds enunciado:
para alern da questao que foi objecto da aHnea anterior, que tinhaa ver com a indole geral dos factores ou tipos de factores que
participam na realidade de pressuposicao relevante para 0 direito,
a questao agora que interroga sobre 0 modo especlfico dessa
relevancia. E tarnbem para este ponto importa cornecar por
atender a posicao que nde toma 0 pensamento juridico de
perspectiva sociologies, uma vez que e esse pensamento ? que
leva mais longe a tese da vinculacao do direito a realidade
hist6rico-social que the seja pressuposta.
E como vai implicito ua referencia que fizemos ja a
esse pensamento juridico sociologico, pode dizcr-se que de
sustenta que os factores sociais sao relevantes para a consti-
tuicao do direito, nao apenas em termos de uma geral condi-
cionalidade, mas verdadeiramente em termos determinantes.
Seria a sua uma relevancia determinante e nao s6 condic ionante :
os factores sociais ou 0 conjunto desses factores definiria,
digamo-lo em formulacao de FECHNER, euma ordem de te tmina t i va
das relacoes humanas sob 0 principio do facto» 591. E a querer
isto significar que «atraves da analise sociologies das relacoes
reais tambem a determinacao do direito duma sociedade pode
ser esclarecida sem residues 592, se nao mesmo que «ascondicoes
de realidade para 0 direito (como 'interesses', 'facticidade' ou
'ordens concretas da vida') pretendem ser ja em S 1 mesniasdireito» 593 -- ou entao, como se entre 0 «dever-scr» jurldico
e 0 «set» de facto existisse «uma relacao ontologicamente
fundada» 594, que permitiria ver 110d ireito tao-s6 «uma especie
de transubstanciacao do factO» 595. Pelo que bern se poderia
dizer que «s6 0 social fktico e reconhecido como fonte de
direito» 596 ja que aquela vinculacao determinante do juridico a
realidade social implicaria exactamente estas duas consequencias:
o direito nao s6 seria um produto-efeito dessa realidade como
teria ainda nela, ou nos factores ai para ele decisivamente
relevantes , 0 seu pr6prio criterio normat ive .
Era assim que HECK - retomemos tambem aqui a In t e -r es se nju sp ru de nz - tinha por base e micleo das suas propostas
metodologicas uma juridica «teoria genetica dos interesses»
e expressamente postulava que (iDS comandos legais nao visani
56 a delimitacao de inter esses, mas sao tambem, como todos os
comandos activos, verdadeiros produtos dos interesses»; que
591 La m e th o d e s o do L o gi qu e , ci t . , B2- onde acrescenra: <0 problema eentre tanto 0de saber sea ordem real das rd;u;:oes humanas a determinar socio-logicamente constitui uma especie de ordem pre-jur idica que sc aproxima da
ordem [uridica e a qual 0direito pode e deve ligar-se se quiser criar uma ordem
proxima da vida. Deste ponto de vista, a sociologia poderia dizer-nos '0qu e t,
e forneceria ao direito, considerado como «0 q ue d eo e s et » pontes, de apoio paraa ordern a rea lizan. 0 prob lema esta, na ve rdade , na cons ide racao e no modo
de consideracdo desta hipotese.592 ID., Rechtsphi losophie , 141, s.
593 WIEACKER, ob. dt., 570; cfr ., no entanto, ir lfra.
594 FECHNER, La m h ho d e s o ci o lo g iq u e, cit., 8 2.
595 SIMONI! GOURD-FABRE, o b. c it ., 6 5.596 FECHNER, R ec ht sp hi lo so p hi e, 3 4.
21H DOUTRINA
AS FONTES DO DlRE ITO219
na~ao se revelassern como socialmente afmnados 602, tambern
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«~ co~ndo juridico surge como cfeito dos interesscss; que as
leis sao «as resultantes dos interesscs de orientacao material
nacional, religiosa e etica que lutarn em qualquer comunidad;
juddica uns pcrante os outros pelo seu reconhecimento», etc. 597.
MULLE~ERZBACH, por seu lado, s6 acentuaria esta sociol6gica
determinacao ao pretender, com algum radicalismo, superar a
«Interessenjurisprudenzi por um « k a us a le n R e ch ts d en k e nv ., chamado
a orientar a ciencia do direito para urna epistemologicamente
indispensavel «investigacao de causas» 598 que lograsse <Jan~ar
a ponte, sao palavras suas, para as ciencias da natureza c
ultrapassar 0 abismo entre elas e as ciencias do espirito» 599.
o que se couseguiria atraves da averiguacao dos «factores da
vida que determinant pos i t i vamen te a format;ao do direito» 600
- factores que vimos ja quais fossem - e averiguacao essa,
expressamente subl inhava, que havia de ser «causal» e nao ete leo-
1" 601 E .gl.ca» . assim como para POUND 0 pesamennto jurfdico
devia entender-se como unia « s oc ia l e n g in e e ri ng& e 0 direito
como um modo apenas de «col l trole social» com vista a obter
mediante « th e b ala nc in g o f c om pe tin g in te re sts », 0 equilibrio dina-
nuco de todos aquels interesses que numa exaustiva discrim.i-
597 Respectivamente: Ge se t z e sau s l e gung , cir., 17; Begri f f sbi ldurlg c it. 73'Ce se t xe sau s l e gung , 60. ' , ,
59 R Di e R e cht s w is s e ns c h aj t im Umbau , 2, 69. efr. supra, nota 561
599 Ibidem, 3. .
600 Ibid., 9.
601 . I~id., 6~. Posicao que rem paralelo na ja referida recusa de HECK
em SU~S~ltU1r0 einteresses (causal) por .firm ou cvaJor»- eraduzindo ambas
as ~osl<;oes,.~rn claramente, 0 ernpenho de urna perspectiva gcnerico-expli-
catrva do ~re ,lt~ que sempre ;e reconduz it t entat iva de uma sua egenealogiasape~as sociologica (e naturalistica). efr., alias, bern elucidativarnente ncstesentido, POUND, Socia/ogia y jurisprudencia , in Soc i a l og ia d e l s i g l o XX , p.p. G. G t iR . -
7 C H J i vol. I , 271. . No enranto, sobre a adequacao daquele .recusa. a estruturap ura sta . ~s sociedades actuais, v. G. ELLSCHElD, In troduf i ia a colectaneaIn teressen}urlSprudenz, 4-7.
para RIPERT « I' analyse des forces creatriccs du droit explique
seule la leg isla tion d' une epoque» 603.
Seni duvida que esta determina~ao social do direito nao vai
agui confundida com urn puro determinislllo (com urn deter-
nUniSlllO tambem social) 604, pois nenhuma das modalidades
do pensamento juridico socio16gico a que nos estainos a referir
afirma que 0 direi to surge imediatamente dos factos ou factores
sociais, scm a mediacao, e mesmo mediacao valoradora, do
legislador ou do jurista em geral 605. :E assim expressamente
em HECK - para quem as normas juridicas seriam 0 resultado
de (~uizos de valor» sobre conflitos de interesses e juizos esses
que nao deixariam mesmo de ter na sua base «a representat;ao
de uma ordern desejave1. portanto um ideal social» 606. Ponto
que com particular acentuacao seria retomado por STOLL 607.
E POUND, se nos diz que a fun~ao do direito nao c a de
criar , mas simples mente a de reconhecet os interesses, logo
acrescenta, numa sintese do seu pensamento, que «todavia elc
nao rein s6 como fun~ao a de reconhecer os interesses que
602 a bs . c it s. , e ainda L a s g r an d es t en d al lc e s d e l p e n sa m ie n to j un d ic o , trad.
esp, de J . P. Brutau, 200, 55.. Cfr, por todos, DIAS, ob . ci t . , 595, ss ..
603 ab . clt., 83.604 a que, alias, 0 sociologismo juridico estrito, a que ja alud.imos
anteriormenre neste estudo, nao exclui de rodo, Para estc ponte, v. J . STONE,ob . c i t . , 472, 55., com arnpla informa~o das varias correntes que afirrnam esse
deterrninismo social no juridico. Cfr. a nota seguinte.605 E 0 que vcrdadeiramente distingue 0 sociologismo [uridico que
estarnos a cons ide ra r - e que caracteria a .juri sprudenc ia soc io logica» - de
aquele outro, tambern ja antes criticamente referido, que reduzia a ci6ncia dodireito a urna ciencia apenas sociologica ou a urna modalidade da sociologia,assirn como de todos os pensamentos que tentam investigar 0 direito ern (ou
inferi -lo) irnedia ta rnente a pa rt ir de certos dado s hist6rico-culrurais sociais
(Dl.lGUIT, GENY . Gtmvrrca). Cfr. supra, nota 536 .
606 Begri f !sbi ldurrg, cit., 41 .607 Begri f ! IlI1d -Kons trukt io t l itl d e r L eh r e d e r I nt er e ss e ns ju ri sp ru d en z,
09,55 ••
220 DOIJTRINA
cxistam autonouiamente: devc estabeleccr quais reconhecera,
AS fONTES DO DIREl1'O 221
c assim a caracter norrnativo-juridicamentc detenninante dos
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definir a medida em que lhes dara a sua e6dcia em relacao aos
outros interesses, individuais, publicos au sociais ( ... ) e por
fim estabelecer as meios com que garantid. esses niesmos
interesses»608. Quanta a MULLER-ERZBACH, problema da
«valoracao» (a «valoracao da vida por parte do direito»] 609
e espccificamente um dos problemas centrais do seu pensamento.
Para RIPERT,por sua vez, «[e droit est impose par les forces
sociales mais ilne jaill it pas spontanement du jeu de ces forces»,
scndo que «laloi est presque toujours le resultat d'une transaction
entre des forces opposees» que tem no legislador, no poder
politico, 0 seu «irbitro» 610 e para cuja decisao nao deixam de
relevar como criterios espedficos alguns «principiosjuridicos» 611.
Mas nao e menos certo que tudo isto nao exclui 0 pensamento
basico de uma estrita funcionalizacao social do direito 612,
606 Lo s pitito d ella < co mm on la w> , c it . 84; efr. Sociologie y jur i sprudeJ lc ia,cit., 302, s.. Dar 0 relevo dos p r i n c ip l e s , c o nc e pt io n s, d o ct ri n es , s ta n da r ds , alem
das rule s expressas, como criterios normativos na concreta ponderacao ou
reconhccimen to r el at ive dos i nt er ess cs - v: L a s g r an d es t en d en c ia s , cit ., 206, ss. .
Cfr . DIAS, D b . cit., 600, 5.. E por i5S0 nos diz tambem que as insrituicoes
juridicas nao sao s6 ecoisas que saoo, mas «oisas que se fazem», defmindo
a <soc i a l e ng i tme er jng r . como ca ordena~ao das rela~oes humanas atraves da
ac~ao da sociedade politicamente organizadas, em ultimo terrno como cum
meio de e lim inar fr ic~oes e cvi ta r desgas te s, na med ida do possi ve l, e s at is fa zer
as inumeciveis necessidades humanas com base numa reserva relativarnente
pequena de bens matcriais- - sendo 0 direito '0 conjunto de conhecimentos e
de experiencia com cuja ajuda esta parte da engenharia social se pode levar
a cabo- - La s g r a n d es t e n de n c il l S, 200 e 206. Pelo que, apesar de tudo e em
ultimo terrno, 0 direito apenas se compreende como urn modo de «con t rme
social> e numa intencao de compabilizar tanto quanto possivel todos os inte-
r es se s que socia lmente se r evelem.609 D ie R ec ht sw is se mc ha [t i rn U m im u, cit., 72,55.; D a s E rj as Se tl d es R ec ht s,
cit., 306, 55.
~10 O b. ci t . , respectivamente, 81, 83, 86.
61l tsu; 343, 55. , 411, 55.. Cfr, supra, nota 608.
612 0 que e par ri cu larmen te n it ido, porque ao propri o ni vel expre ss ive ,
em POUND e MiiLLER-ERzBACH, mas nao menos caraeterisrico em geral de
t oda es ta o rient acao do pensament o i url di co .
factores sociais, j:i que a «valoracac» seria destes fundamental-
mente dependente 613 - no fundo a direito nao traduziria mais
do que a decidida tutela da previa importancia social daqueles
factores ou 0 compromisso entre eles impasto par um con-
texto de convergencia e conilito -, sendo inclusivamente desse
relevo determinante que se tirariarn os corol:irios metodol6gicosque permiririam a estaperspectiva do pensamento juridico ofere-
cer-se como um pensamento «praticos de base ecieutifica», i. e ,como uma pr:itica fundada numa investigacao cientltico-redu-
tiva dos factores decisivos 614.
Pais, em primeiro lugar, aquela mediacao valoradora tra-
duzir-se-ia aftnal tao-so, quer na preferencia de um interesse
sobre outro ou outros em conflitos, quer no reconhecimento
do especial relevo social dos factores sociais concorrentes 615;
em segundo lugar, seria para cla decisive 0 proprio peso
relative dos interesses, j:i entre si au perante outros factores
sociais,j:i no quadro e em fun'Yaoda situacao social pre-juridica
dos factores relevantes 616; e, quando a nao fossc, erarn ainda, em
61J POn tO de modo especial acentuado por Mi.iLLER-ERZBACH, Di e
R e c il is w i ss e n sc h a [t i n Umba« , B4, 55., na sua in tcncao de impor como fundamento
da Bewe r t ung 05 factores sociais casualtnente investigados, e nao equa rsquer
abstractos crl rerios moraiss , c s . H. e O I N G , System, cit ., 4B4.
614 No que de novo comungam espec ia lmente , e em expr es sa in tencao ,
POUND e MfuLER-ERZBACH.
615 No primeiro ponto insiste, como se sabe, HECK e no segundo
sobretudo POUND e Mi.iLLBR-ERzBACH.
616 Nesse sentido sc orientam sobretudo as analises metodol6gicas de
Mi.iLLER-ERZBACH, D i e R e c ht s w js s en s c ha [ t, 79, 55.; D II S 1 ;j rf as se n d es R ec hl s,
cit ., 306, ss. . Por i sso, observe exactarnente K. KNAUTHE, K a u s al e s R e c ht s rk l lk e u
l i nd Re ch t s so z i o l og ie , 89, s., que have ra de di st ingu ir- se entr e Inte resse t rabl lJ i igung
(ponderacdo, consideracso dos interesses) e Inte ressenberwe tu.ng. (:valor~o.
avaliacao dos interesses) e que verdadeiramente 0.pensamento juridico causal-
preocupa-se mais com a .Abwi igung' do que com a «Bewe nung» . Cfr. J . [ .
M. van der VAN, G er ec ht ig ke it u nd I nt er es se n, in Inte ressenjurjspruJenz , col.
cit., 452, 55., que ve na Abwi i gung urn juizo quantitativo e 56 na Beu/er tung
urn juizo quali ta tive.
222 DOUTRINA
terc~iro lugar, s6 os factores sociais 0 criterio da pr6pria opcao
AS FONTES DO DlREITO 223
SOCialS.Estes apenas, e nao quaisqucr diferentes intencfies
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medladora ou «valoradoras. Os interesses ou os factores sociais
em geral sao assirn tanto «objecto» como «causar das prescricoes
jurfdicas, s imultaneamente «objecto de valoracao» e «cri terio
de valoracao» 617. 0 que, com efeito, verdadeiramente significa
a nega~ao de uma intencfo materialmente especifica ao direito
ou de uma autonornia nao sociologicamente redutivel da suavaloracao 618.
Dai, teremos de concluir, que a mediacao legislativa,
enquanto a fundamental mediacao valoradora juridicamente
constitutiva, apenas acrescentasse ao relevo sociol6gico dos facto-
res sociais um momento j u d d i c o 1 " o rma l - 0momento formal da
vontade imperativo-coactivamente tuteladora do legislador 619_,
mas fosse mater ia /men te determinada pelos mesmos factores
. ~17 Cfr., HECK, Ge se t z e sou s l e gung , cit., 232, nota 357; ID., D i e I nt er es -
senjur isprudenz: un d ihre n eu m G e gn er , l o e . c i t. , 301, 5.. Em critica, e no sentidodo texto, vide LA~Z,. Methoden l eh re , cit., 57; K. KNAUTHE, o b . c i t. , 91, s ..
E ccr to que HECK disringue ( I o es . e i ts . ) os intcresses em geral (os interesses
relevan~es.e enquanto object?), ~05 « i n t e re s s e s d e de d sdo» , cabendo especialmente
a,e~tesulnmos ~ ~apel de cntenos da valoracao: s6 que na intencao epistemo-logico-meecdologica do seu pensarnento esta dis tinl(ao nao tern fundamento
como logo 0denuncia 0ver s6 como i n t e r e s s e s tanto 0factor relevante como o
~riterio da relevancia: 0monisrno de urna redul(ao sociologies rnantem-semalterado.
61S D' . " d.. ai a mt~lra j ust eza es ra c onc lu sao de COING. Sys tem, cit., 484:
.~~I/er-Erzbacl , ded ic ou u rna especial at encao ao problema da valoracso no
dl~e~to; mas res_?lve-o, no fundo, enquanto 0 nega: a valoracao r esu lta da
anahse ~a situacao concreta em fun~o dos intcresses; uma valoracso indepen-
denre nao e~te PO~to. Os facrores da vida trazem ja a solul(ao.. E se
STO~E, nos diz, ob . at., 473, que nes ta tese da «total dependencis» do direito
relativamenre a rea lidade soc ia l t emos de vet uma . simpli fl ca~o. e urn eexa-gem> quant o ao reconhecimento da <interdependencia do direito com outros
aspectos da vida.s?Ci~~, uma <simples sobreeseimacao do papel e efidcia das
outras for~as S~CJ.aIS" e ISS0 decerto exacto - 56 q ue essa simplificacao, exagero
e sobreestimacfo apenas foram possiveis , porque do direi to set inha uma COm-
preensao s6 s oc io lo gica e nao verdadeiramente normativa619 0 . idi f ] d .momento juri ico- o rma a ocoacl(ao . or ganizada - cfr . STONE,
ob . c i t . , 470, 5S.
(etico-culturais, axiologicas, prindpios especificamente norma-
t ivos, etc .), decidiani da deterrninacao material do normativo
juridico, atraves da vontade do legislador, motivando-a ou
«causando-a»: sem 0 legislador, sem a sua mediacao e von-
tade nao haveria direito, mas determinantes dessa vontade
mediadora, como causa-motivo e por isso tambem criterio dela,
terfamos tao-s6 os interesses e outros tactores sociais. pelo que,
na vcrdade, 0 legislador - e e HECK quem expressamente 0
diz - e «a designacao englobante para os interesses causais»620,
«adesignacao englobante daquels interesses da comunidade que
obtiveram vigencia na lei» 621. Estamos, pois, em todo este
pensamento perante um sociol6gico positivismo juridico que
apenas compreende 0 direito na intencao de um estrito fin a-
lismo social -- 0 direiro tao-s6 0 instrumento do poder politico
para a afirma~ao e tutela de interesses sociais e por eles
exclusivamente determinado.
Mas trata-se de novo de uma posicao insustentavel, A equi-
paracao de uma deterrninacao causal (cmpirico-sociologica) com
uma valoracao normativa, a confusao ou monista fungibilidadc
entre 0 objecto da valoracao c 0 seu criterio e ambos socio-
logicamente pressupostos ao direi to, na tentat iva va de redu-
zir 0 norrnativo a uma factual idade social iuvest igavel, para
que assim se sat isf izessem, por um lado, as exigencias cri tico-
-culturais do tempo 622 e, por outro lado, definitivamente se
vencesse a cspcculacao jusnaturalistica, que afinal 0 positivismo
620 Gesetzesaus legung, 8.
621 Ibidem, 64, s..
622 Vide, neste senrido, PAWLOWSKI, P r ob le m a ti k d c r I n t e n e s s e n ju r i sp ru -
denc , in N. J . W., 1958, 1962, que nos diz que os e inre ressess ser iam para a '
ciencia do direi to a ereal idade sem pressupostose que as ciencias da natureza
do seculo XIX ex igiam para a realidade em geral a con siderar por todas as
ciencias,
224 DOUTRINA
conceitual nao tinha superado, e se aproximasse a direito da
AS FONTES DO D1REIT( l 225
e HUHMANN 62'\ para a «ln t eres sen iur i sprudeuz», c KNAUTHE GJU
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realidade e da vida - tudo isto 0 que em ultimo termo tra-
duz, atraves de urna contradicao 623 e de uma impossibili-
dade 624, e a deliberada omissao, que e uma recusa, de fun-
damentos autonomos e especificamente normativos do jurf-
dico, sem os quais a direito nao sera verdadeiramente
direl to 625. Omissao e recusa estas que apenas denunciam a igno-
rancia da essencia axiologico-normativa da juridicidade, ja que
o juridico ndo assimila normativamente a realidade social rele-
vante sem a transcender pelo regulative axiol6gico de uma
intencao de validade autonorna. 0 direito nao e facto ou efeito
imediato da realidade humane-social, mas valor assumido numa
mediacao de liberdade 626. Por isso, puderam, por urn lado,
observat justamente, ja STAMMLER 627, mas sobretudo ISAY 628
62J FECHNER faz no tar, Da s kausa le Rechtsdenke tl- e in e Ge fo hr Jur d ie
Rech t swi ssenscha f t?, in Archiv f. civ. Praxis, 151 (1950-51), 357, que entre a
ccausalidade. do pensamento juridieo sociologico e a valoracao au decisio
axiologica h :l desde logo l ima cont radicao l og ica : na val or acf o es ta ir np li cada
a l iberdade e a causalidade pressupce a necessidade. V. ta rnbem R. REINHARDT,
R i ch te r u nd R e ch ts ji 7l du ng , 20; PAWLOWSKI, ( lb . l o c. d IS . , 1564; e KNAUTHE, ob .
c i t . , 102. Cfr. ja a seguir no texto,
6~4 Os fact os (au f ac to res r eai s) enquan to t ai s nao podem ser fundamento
e cri teria de valoracoes, as quais precisamentc 56 a sao no pressuposto de nrna
distancia cririca perante aqueles e esta s6 passive! pensar-se atraves de uma
media~ao (de uma inten¢.to) que Ihe seja aut6noma. Cfr. FECHNER, Me t h o d e
Soc io log iq l l e , ci t., 8 2, al. 5) .6~5 Pelo que, com PAWLOWSKI, ob . lee. cits., 1562, se devera conside-
rar que a problema esta em saber ese a rcalidade sem pressupostos dos inre-
resses exprime a realidade cornpleta do homem •.
626 Cfr. PAWLOWSKI, o b. lo c. d IS . , pass im.
627 T h e o ri e d e r R e c hs w is s en s ch a ft , 2.' ed., 442: (a jurisprudencia dos inte-
rcsscs- nao permitiria conhecer segundo que metoda se havera de ponderar
as interesses,
628 D ie M e th od e d er I nt er es se n ju ri sp ru de 7 lz , in Archiv f. c iv , Pr axi s, 137
(1933), r ep roduzi do in In t eressen iur i sprudenz ; col. p. p. G. Ellsheeid e N. Has-
smer, '22.7- a « jur is prud.enc ia dos in te re sse» n lo esclarece, sob que pontos d e
vista a legislador deve orin tar a sua valoracao, com que criterios as interesses
hao-de ser valorados .
para 0 «penSJmento juddico causal» ~ e 0 mcsmo sc did
perante todo 0 pensamento juridico de orien tacao soeio16giea
- que nao foi dada solucao, nem podia ela ser dada nessas
perspectivas, ao problema nuclear e decerto fundamental da
valoracao jurfdica, ao problema afinal da intencao norrnativo-
-jurfdica em si mesma; e concluir, por outro lado, FECHNER 631
numa critica que toea mais directamente os fundamentos inten-
cionais e epistemol6gicos, mas em especial referencia a MULLER-
ERZBACH, quc urn pensamento juridico «causal» e afinal uma
«ciencia do direito sem direito, sem principios eticos, sem valo-
racao» - sem autonornia norrnativa, numa palavra, e que nos
efeitos acaba si ruplesrnente por sacrif iear 0 direito ao poder
(social ou outro). E se esta critica provocou a MULLER-ERZBACH
o esclarccimento, em replica, de que «para 0 direito nao edeterminante a c il us a li d a de m e c d ni ca » , que «um qualquer eleinento
da vida social s6 media tament e» influencia a sua const itu icao,
«posto que «/l ,10 determina se rH sna ls a sua formacao, como uma
energia na natureza inorganica que produz efeitos s6 por si,
e antes tera 0direito de va io rar primeiro cada urn dos elementos
da vida» 632 - impondo-se ruesnio a conclusao de quc «a forma-
~ao do dircito exige scmpre uma decisao espiri tual» 6.13-, nao
era isso mais do que a acentuacao da diferenca entre urn
radical detcrminismo e a simples detcrrninacao socio16gica nos
termos quc ja vimos, mas scm afastar tambem as inferencias
629 Grrwsd i i l z e de r I r i t eresJenabwi iguIIg , i n Ar ch iv f. civ. Praxis, 115
(1956), 90, nota 20, e pass im, e agora in Wer l rmg Hlld Abwi igHl ig ill Rec ln 50 55.
- que diz nao se encontrarem em HECK quaisquer criterios que possibilitem
lima ponderacfo das v ;lr ia s forcas al l fa et ore s socia is em confli to , a ss im como
quaisquer principios para decidir sabre a modo como des reciprocarnente se
limitam all ent re si sc preferem.
6.10 D b. ci t . , 92, SS., 102 .
631 D b. lo c. c its ., s up ra nota 622, 363.
632 Das Er fo5Sel l , cit., 305, S..
633 I bi de m, 3 12 .
15 - Dol. d. Fac. de Dlr . . Vol . 1 .11
2 2 G DountNA
que igualmente explicitamos, E dai nao dcixar MULLER-ERZBACH
AS FONTES DO DJREITO 22 7
direito nao e abrangido por cssa determinacao nao sera, POt
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de insistir, atraves dessa replica, na consideracao de que para
esta «causalidade mediata», ou para a sua valoracao, iie porern
decisiva a constelacao global dos elementos da vida» 6J4, que
os seus criterios eram fundamenralmente determinados pela
rela~ao ou por ccrtos tipos de rclacao relevantcs entre os
interesses e as situacoes de poder em que aqueles se af irmavamsocialmente eficazes 635. Nada mudava, pois, no essencial. De
novo,' apenas 0 irnplicito reconhecimento agora de uma caren-
cia - a carencia dos fundamentos, principios ou criterios da
valoracao, da «decisao espirituab, a que havia afmal de imputar-se
a «lmediata» e decisiva deterrninacao normativa do direito,
e que a insistencia 110 relevo determinante , mas ja 56 «mediaro»,
dos factores sociais reais manifestamente nao podia suprir ,
Ora, 0 que todo este pensamenro, em sintese, verdadeira-
mente significa C 0 scguinte. A mediacao norrnativa ou a
valoracao juridica, que vcmos reconhecida como rnomento
indefecnvel do processo da constituicfo do dircito, so e cons i-
derada metodologicamente enquanto possa ou ate onde possa
ser reduzida em tennos sociologicos; para alem disso e U1H
dado jurfdico posit ive que imperativamente (porque enunciada
na lei e imposta por ela) se tern de ter em conta 636. No quc
vai decerto 0 postulado de que a Je t emrinarao do juridico .hi-de
entender-sc como deterrninacao sociologies, i.e , genetico-socio-
logicamentc explidvel, ja que aquilo que 11a constituicao do
634 I bi d~ fl l, 3 06 .
6]5 Ihit/CIII, 307, ~S. Cfr. D i e R c c ht s w is s w sc h a ji itu Uwh{l l / , 75, 55. Pode
dizer-se que annal a principal diferenca entre HECK e MULlER-ERZDACH esta
aqui: enquanto ,aqllele apenas entend ia nos in te re sse s s er n ma is , e st e tinha porrelevantes a inda as sociais situacoes dos interesses,
636 Dai a distino;:aometodologica de HECK entre 0 Gebo t s cu e 0 In teres -
sense i ! na constiruicio do direiro (Begri jJ sbi1duJ lg, 54, 55., G e se tz es a vs te g un g , 1 4) ,
a determiner 0 que de dizia ser afinal um «iualismo merodologicos e que
censur ava a MtiLLER-ERZBACH nao ter , 110 seu «ausalisruo-, devidamentc aren-
dido - v. D i e l Ie ll e M e tl lo J er rl eh re M i i/ Je r- E rz ba c h, loc . c it ., 354, ss. , e pa.~silll.
isso mes mo , detcrminavel (fundamentado socio16gico-redutiva-
mente). S6 assim sc podcra aflrtl1.ar que os factores sociais sao
determinantes do juridico: sao dcterminautcs do juridico, potque
determina- Io-iam ate onde podc haver determinacao. Simples-
mente, 0 quc fica para alem dessa dcterrninacao possivel Cnada
menos do que a pr6pria valoracao - 0 juizo juridico sobre os
interesses ou factores sociais c a opc,;aonorrnati va correlativa a esse
juizo. Que tanto c dizer que 0 mornento normativo-juridico
decisivo, 0 momenta juridico essencial , e 0 que se exclui da
determinacao, Irredutivcl mas indeterminavel, e 0 morncnto
que fica rescrvado para a autonomia volitivo-imperativa do
legislador (e do jurista pratico em geral) ou relativamente ao
qual se aceita, por resignacao cpistemologico-metodologica,
essa autonomia oJ7. E se 0 indcterrninavel e i rrac ional, i sto nos
mostra que na perspectiva sociologica do pensarnento juridico,
c ao contrario do que poderia fazer pensar a sua intencao
posi rivo-cieutihca c genetica de urna reducao empirica , 0direito
continua a ser nuclearmente um dccisionismo 638. Conclusao
esta cujo exacto sentido 56 bern comprecnderemos se tivermos
prcsentes 0 pressuposto epistemol6gico fundamental assim como
a capital consequencia mctodologica da perspectiva em causa.
Pressupoe ela, sem diivida, que so a reducao explicativa esusceptivel dc oferccei uma determiuacao, mesmo ao cultural
s ignificance e normat ive -- c de novo 0 prejuizo do cientisrno
637 efr . nota anter ior.
6JB 0 que, alias, ja foi observado em referencia directa a Inte ressenju-r l sp r u d en z : .A jurisprudencia dos interesses ace itou na ve rdade , e talvez com
razjio - diz-nos G. ELLSCHElD, na sua Inf rodu((1o a col. de ensaios ln te re ssenju-
r i spruden«, 6 -, a fundamental irracionalidade dos juizos de valor no senrido de
que as proposicoes de dever nao sao dcduziveis de proposicocs de ser e que por
i sso uma prescricao norrnariva nao surge sem decisao.. Sobre e ste pon to sao
de resto inequivocas as proprias consideracoes de HECK, Di e I f lu r c s s en ju r isp rude n z
un d ilrre n cueu G eg llcr lee . c it., 165, 55.; efr. ainda supra, nota 636.
2 2 8 DOUTRINA
naturalists c 0seu monismo cpistcmologico quc sc nio suspende
AS FONT~S no DIREITO 229
detenninac;:ao socio16gica do direito, e ternos de rcnunciar it
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peral1tea especificidadc do dominic do pratico e do axiol6gico 6J9.
Com a consequencia de ter de deixar sern col l t ro{e metodol6gico
o memento propriamente normative do juridico. 0 que e ,por sua vez, 0 implicado correlate e COUlO que 0 prec;:odo erro
de se pretender dorninar a juridicidade a partir do «factm e pelo
modo inadequado do «causalismo»on, em geral, da positivistica
explicacdo redutiva - causalismo redutivo que hoje, ao nivel
epistemol6gico c para qualquer das perspectivas que at se ofere-
cern as ({cienciassociats», e j a urn anacronismo,
A cousideracao, so por si, da mediacao ou valoracao espe-
cificamente juridica mostra assim como a esta perspectiva
socio16gica the escapa 0 pr6prio momenta da deterrninacao
normativa: os factores sociais relevantes para a constituicao
do direito nao sao em si normativamente determinantes e a
norrnativa determinacfo tern urna indole insusceptivel de se
definir c apreender apenas pela referencia aos factores SOCIalS
relevances MO. Pelo que, ou nos ficamos no plano da estrita
639 Cfr. supra , nota 622.
640 Por isso e j ust a a cr it ica, ar ras referida, de STAMMlER, ISAYe HUBMANN
a .jurisprudencia dos interesses», no que sc refere a sua carencia de pri nc ip ios c
criterios normativos que fundamcntcm e or ientem a valoracao, Prova dlSSO
mesrno e a solll~aode todo insuhciente que HECKda ao problema da inrcgracao
das lacunas, nao obstante esse problema ter-lhe sidooriginariamcnte motivante
- esgotada a possibilidade de se recorrer aos juizos de valor legais apenas
recomenda a consideracao dos «juizos de valor dominantes na conmnidadejuridicae, para acabar rnesruo poe remeter-se it «valoracao pessoal» (Eingen-
wc t t u n g } do julgador - Geset z es l lus!egu l lg , cit ., 238, ss. . E MUllER-ERZBAClf,
embora tivcsse ido mais longe no esforco de preencher essa lacuna metodologica
- D ie & c lr ts lV is se ll Sc /J ( J{ t, cit., 72 , 55.-, nern por isso p6de superar a carencia
normativamente e ssenc ia l que no texto vai referida.o que nao deve entcnder-se como seminirnizassemos0contribute meto-
dologico, efecrivamenre iruportantissimo, dos dois grandee juristas e da .juris-prudencia dos interesses- no seu conjunto, Contributo importance - e mesrno
decisive, a ponto de determinar uma viragem historica das intcncoes metodo-
l6gicas do pensarnento juridico com a definiriva superacfo da Begr i f J ' s jur i s -
p rl 4d et lZ - justamente porque charuou esse pensamento a compreensao da
natureza pratico-valoradora e a indispensdvel referencia social-material dos
sua deterrninacao normativa, ou propomo-nos atingir cssa Sua
normativa detcrrninacao e, entao, nao s6 a perspectiva ted
de set outra, como outros terao de ser os principios e criterios
quc a f~dal1lental11 c que os facrores sociais s6 como tais nao
podem oferecer. Dai 0 indispensivel c integrante esforco
de uma diversa [inha do pensamcnto jurldico, empreendido em
ordem a averiguacao desses mesmos tundamentos, principios
c criterios exigidos pcla intencao norrnativa, que 0 direito
cspecittca e autonornamcnte constitui. Esforco que nao s6
rnarca ja hem a diferenp entre 0 sociol6gico e 0 normativo,
seus juizos e decisoes, alem de ter ofe recido e lementos met6dicos ines-
t imave is para uma ma is e sc la recida e jur id icamente adequada inte rpre -
ta~ao e aplicaciio da lei. Mas iS50 nio exelui que os seus pressupos-
ros soc io l6gicos enfcnnassem des e reos de pe rspectiva e intenc ionais quedenunciimos c que em ultimo termo carecesse dos principios e criterios
metodologicos para Ulna aut6noma vn lo racao norr nat iva - para uma autentica
determinncao jur idica - , que aqueles pressupostos sociologicos nao Ihe per-miriam at ingir . Ass ir n e que a «jurisprudeneia dos interesses» 56 assume a
valoracao uormativa atraves da lei, cornpreendcndo analiticamcntc a valoracfoque a lei cnuncia pela redu~ao dessa pressuposta valoracao aosfacrores (sociais
e intencionalmente normarivos) que para c ia reriam sido relevantcs, mas naoatinge a determinacfo norrnariva, enquanto tal, dessa valoracao c por isso nao
e capaz de a realizar com antonornia, emterrnos rnetodologicaruentc fundados,
quando carece ( itnediata ou analogicarnence) do legislador, Diz-nos decertodos factores que concor re ram pa ra a va lo racao que 0 legislador fez e impoe ;
mas 0 que a determina especificamentc como valoracao normativa-os funda-
mentos e 0 processo eons ti tut ivo da sua norma tividade cnquanto tal - naofica esclarecido 56 com dize-Ia urna ponderacfo ou urn juizo de valor sobre 0
confliro dos intercsscs que lhe tcr iarn sido causais. Tem por isso razao, relati-vameute a estc ponto, A. A. EHRENZWEIG,b. cit ., 83, quando afirma que
'como 0 'rnctodo sociologico, de Gerry e de Durkheim orienta-se a doutr ina
de Heck sobretudo para a invest igacao dos interesses confliruantes, dos parti-culare s c dos grupos sociais, na sua influencia sobre 0 direito e nao para a
investigacao do direito em si rnesrno». S6 que a .jurisprt1dencia dosinteressese
opera, pcla propria exigencia da valora~ao pratica, com mais principios e cri-
t erios normat ivos do que 0 seu esquema metodol6gico, inspirado por uma
intencdo de rcducao sociologica , admitir ia . E C 0 qne ha nola de normative ,
para alem do lastro e da intencao sociologicos, que the perrnitiu na verdade
ser mctodologicamente tao rmportanre e fecunda.
230 DOUTRINA
como abre ainda a distincao explicita, no proccsso da consti-
A~ FONTES DO DIREtTO 23 1
capi ta l devia scr antes 0 de que a horneni C urn ser axiologiea-
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tuicao do di rei to, entre 0 cond icionautc (ou a pressuposto rele-
vante) c 0 determinante (ou a fundamento constituinte).
Foi ncs tes terrnos , COUl cfeito, que quase simultaneamentc
WESTERMANN 641, HUBMANN 642 c REINHARDT 64J se orientaram
naque le sent ido, inic iando 0 que vi ria a ser a orientacao
metodologica, logo dominante, da Wer tunos jur i spruden»: 644.
HUBMANN, dizendo embora partir da ~jurisprudencia dos inte-
resses» e nao querendo omitir tambern os contributos validos
do «pensamento juridico causal», propos-se como objective,
justamente chamado a supera r Esses dois pensamentos jur idicos
no seu car iz sociol6gico, uma «ponderacao teleoI6gico-norma-
t iva dos interessess, a fundar tambem numa « p er s pe a iv a t el e o1 6 gi c a»
e nao ja causal, normativa e nao genetica - posto que so
essa perspectiva poderia «descobrir os factores de valo racao para
o reconhecimento e ponderacao tuteladora dos interesses».
Eacentuando de tal modo essa intencao normativa que te riamos
como consequencia fundamental, desde logo, uma correlativa
mutacao no proprio entendimento do objecto de valoracao,
e assnn na compreensao mesma de «interesse». Pais que,
abandonado a naturalismo c empirismo sociol6gicos, para
se situar no plano de uma antropologia mais cornpreensiva
que - na linha do (<finalismo~ da accao responsabilizante posto
em relevo por WELZEL e da intencionalidade axiol6gica do
norrnativo juridico relevada por SAUER - via a ac~ao e 0
comportamento humanos deterrninados no seu sentido funda-
mental, nao por urna impulsao motivantc e sim por uma
assumida orien tacao axio-teleo16g ica , ja por i sso 0 pressuposto
641 We s e n un d Gren zen ae r r kh t e t l kh en Stre i tentsc /te idul ig i m Z i vi lr e c ht , 1 9 55 .
642 ab . l o c . cits., 1956 .
643 ab . ci t . , ( sup r a , nota 623), 1957.
644 Sobre a Wertungsjur ispruaer lz em geral, pode ver-se, por todos,
LARENZ, Me thoa r n l e h r e , cit., 128, 55.; C agora tarnbem HUBMANN, W er tu ng u na
A bw iig un g in R ec ht, cit., 3, 55., e p, rssi l l l .
mente intcncionado au que assume valorcs (< l I' e r tj u hl e l ld e s We s e l l» )
e, como tal, de Ull eomportamento que s6 ted sentido qu anda
« lspira a objectos que sc lhe olerecam como boris, como val iosos»,
pelo que seria cste «aspirar a bens e a valores» que HURMANN
propunha sc cntendesse como «interesse» - eo interesse nao esi11lplesmentc uma necessidade, mas U111;1 relacao humana para
bells e valores» (45. Dccerto que se podera discut ir este coneei to
de interesse c pcrguntar sc U111;1 mesma palavra nao encobre
simplesmcnte di feren tes categorias. Mas 0 qne importa obser-
var e que repel ido assim 0naturalismo genetico a Iavor de um
teleologismo axiologico, tudo cstaria agora em cieterminar os
prindpios que, com «for~a nonnativa» - i. e , como directivas
de uma opcao de liberdade e nao como factores que coagissem
«segundo a lei causal» - fundamentariam a ponderacao norma-
tivo-jurfdica dos interesses, A base dessa determinacao da- la-ia,
em primeiro lugar, a hierarquia objectiva dos valores, sendo
certo que «entre os valores materiais, culturais c eticos existe
uma relacao de grau ascendentc» e 0 «mais alto fim do
direito ( ... ) e a realizacao daideia de direito»; em segundo
lugar, nao deixaria de continuar a atender-se as circunstancias
cspeciais ou as situacocs concretas dos interesses (em que se
reconheeeriam a adequacao au a inadequacao mate rial , a acumu-
lacao integrada, a proximidade ou premencia e a intensidade dos
rnesmos inte resses, etc .), suscepriveis de sugerircm criterios
atendivcis para a definicao de principios da sua valoracao ou
para decidir das suas relacoes e preferencia nessas situacoes;
64; Num sentido anslogo, accntua J. J . M. van der VER, ob . l o c o cits.,
456 , que 0 «intcressee s6 pode cornpreender-se, normariva-juridicarnente,
conside rando a rnediacao axiologica da «pessoae , Cornpreensoes esras de
-interesse» que s6 entenderemos bem se ti vermes pr esen te a esclar ecedo ra
disr incao que ve1110Sagora enunc iada por H. H. v . ARNIM, Grl t le i l l l l10ld WId
Gmppe n i rHr r e $Se l l , 32, S5., entre «lst - inte re ssen» e .Sol l - inle rrs.<en s ,
23 2 POUTRINA
em terceiro Ingar, as posicoes cticas de ma-fe, de dolo, de culpa,
AS rONT£S DO DIR [;lTO 233
dcracoes de oportunidade c de justi.;:a, i. C , cntenos nao ofere-
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assim como 0 por 0 perigo c a omissao justificariam principios
normativos de imediato dir igidos a avaliacao do comporta-
mento juridicamente responsavel; a 1 6 1 1 de que seria ainda
possivel enunciar uns tantos principios para a solucao razoavcl
de situacoes de conflito (0 principio de cedencia que deixasse
abertas outras possibilidades, 0 principio do equilibrio, 0 prin-
cipio do meio mais conveniente, 0 principio da indenmiza-
s-ao, etc. ). Conjunto de principios normativos cuja validade
e nietodologia de inferencia nao importa aqui analisar mais
detidamente, ja que inrportante para nos e reconhecer que
des, pela sua fundaruenracgo axiol6gica, inrcncionalidade norma-
tiva e problematicidade pratica, claramente afirrnam aojuridico,
de que seriam cri terios determinativos, uma dimensso norma-
tivamente espedfica que 0 relevo condicionante da rcalidade
historico-social e cultural nao reduz nem detennina,
E 0 rnesmo sepodera concluir dos contributos de REINHARDT
e WESTERMANN. REINHARDT considera que «sese quiser analisar
justamente a conexao entre os fenomenos da realidade e 0
direito, deve reconhecer-sc, em primeiro lugar, que 0 direito
exprime urna categoria do dever-ser e que 0 decisivo sera
atingir os po n te s de v ista o td en a d o re s des ta ord em de d ev .e r-se r
que se encontram sob as relacoes dos interesses, dos conflieos de
interesses e das normas juridicas. Estes pontos de vista ordena-
dares nao pertencem a urn mundo que possa ser apreendido
e ponderado com 0 conceito de causalidade; trata-se aqui de
valoracoes que, como tais, so nos abreru 0 caminho para a
compreensao de determinados principios de ordenacao» 646. Tal
como ji WESTERMANN, na mesma linha, comecara por sublinhar
que. os interesses se devem «discriminar rigorosamente dos
cri terios legais de valoracaoi e que estes se traduzeni em consi-
646 D b. cit., 20 .
cidos pclos interesses mas a intcncionar para alcm dcles CHum
outro nivel, sendo certo que ern ultimo termo 0 lcgislador, C nao
menos 0 julgador, se hao-de orientar na rcalizacao coucreta do
direito pelas «inferencias da ideia de justica. ~47 -- i. e , pois nao
e outra coisa que tambem deste modo se preteudia afumar,
pela intencao normativamcnte esped£ica c autonoiua do direito.
Pensainentos estes c respectivas propostas mctodologicas
que estao ja hoje lange de rcpresentarcm a ultima palavra do
pensamento juridico de orientacao axiol6gica ou de sentido
rigorosamente uorinativo, tao ainplamentc enriq uecido e apro-
fundado dcsde entao - C0111 particular realce para asinvestigacoes
sobre os valores e principios jnridicos, assim como sobrc a
concreta constitucionalidade normativa da realizacao do
direito 1>48. Reterimo-los, no entanto, para reconhecermos, atra-
ves da sua cri tica e superacao do pensamento juridico de pers-
pectiva sociologica, imediatameute exigidas pelas proprias insu-
ficiencias praticas desscpens:unento, COIllO se adquiriu a evidencia
de que as factores da realidade pressuposta, objecto da iutencao
juridica e na sua relcvdncia para a constituicao do direito,
~6podem ser dele condicionantes e nao 0 criteria e fundamento
da sua deterrninacao,
E cdtica aualogas foram dirigidas a POUND dc outro
quadrante do pensamento juridico, mas para concluir igual-
mente pela invalidade da sua tentativa de uma determinacao
sociologica do direito ccntrada na relevancia social dos interesses.
Reconhecendo-sc embora a importancia que possa ter a analise
e a classihcacao dos interesses que0
legislador e a praticajuddica tenham de ter em conta como pressuposto social
647 D b. dt., 21 , S S • •
648 Basta pensar no s contributes con jugados de Co lNG, BErn, ART.
KAUFMANN, ESSER, LARENZ, CANAR1S , Z lPPELlUS , KlUELE, LOMBARDI, f INKENTS-
CHBR. etc..
23 4 DOUTRINA
relevance - em bora sc pondcrc tambcm que essa analise e
AS FONTE5 DO DIREITO 23 5
(Imdmnwto numn intcncao axiol(~~iw-/lorrlli1til"1, nao C um dado
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classificacao sera sel1lpre contingentc e insuficiente 649-, co lll-
preende-se exactamentc C01110 e inaccieivel ver no direito s6
unia funtyao de «conlrole social» mediante 0 equiHbrio de todos
as interesses atendiveis, quando e certo que 0 direito e impcu-
savcl, nern tern sentido, sem a telcologia de um pressuposto
sistema axio16gico que fundamen tc a pondcracao rcgula tiva dos
inte resses c a necessa ria opcao-deci sao sobrc des 650. A implicar
tam bern isto que juridicamentc decisivo nao e a discriminacao
social dos interesses e s im os norrnativos cri terios da sua avaliacao
gue objectivem uma espedfica intencao normative de validade.
Pois se e ccrto, por urn lade, que valores C0110 a igual-
dade, a conhanca, 0 respeito da dignidade da pessoa, digamo-Io
com COING 651 em crftica a MULLER-ERZBACH, «nao sao inte-
resses quai squer jun to de out ros interesses, sao antes os elementos
de ord~flafiJo que especi ficamente decidem do direi to (privado) ,
nao estao 11 0 l a d o , mas a c ima das situacoes a ordenar», e aeima
justarnente em virtude da diferenca essencial, intencional c
metodo16gica, gue distingue 0 fundamento normativo de valo-
ratyao do objecto dela problematicamente relevante 652 - e, por
isso, nos diz ainda 0 mesmo Autor, com expressiva verdadc ,
que «a relacao nao e a de causa e cfeito, mas a de problema
e soluyao: a norma juridica e a resposta cri adora do problema
posto na Si~lac,;aOsociologies» f t53 - , nao e menos exacto, por
ou tro lado, que 0 fundamento normativo enquanto tal , enquanto
649 Vide FRIEDMANN, o b . c it ., 297; Dtas, 0/,. dt., 603.
650 Vide FRIEDMANN, Ibkl., 297, s ., 300; DIAS, Ibid., 601, 55. -que con-
clui a sua analise cri tica ao pensarnento dePOUND
ncstes tcrmos: «Itis possiblethat h is work has not had the pract ical impac t tha t i t ought to have had because
of th is somewhat s te ri le preoccupa tion with interes t and too l it tl e a tt ention
to [he cri teria of evaluation. -; J . J. M. van der VEN, ob . l o c . c i t ., 459; flKEN-neHER, Me r ho d el 1 d e s R e c ht s, II, 231.
651 S yst em , J oe . c it ., 4 85 .
652 efr. KNAUTHE, ob . ci t . , 51, 55..
m I bi d ., 4 8 4.
' d: :!objectiva transcendencia cmpir ica que simplcsmentc se inves-
tigue c sim uma valida de regulativa de transccndencia ideal
gue autonorna-intenc iona lmcnte sc constitui ou assume. E dai,
como afirma WIEACKER, que «a inves tigacao genetics de causas
e a analise psi c o-individual ou psico-social de motivacao sejam
proeessos legit imos para 0 conhecimento da realidade a que
tenha de aphcar-se uma norma, mas nao oferecem todavia
como tais os criterios da aplicacao, da legislac,;ao e da poh'tica
do direito justas, visto que os valores da justica referem-sc
decerto as rcalidades sociais, mas njio se deduzem delas» &5~.
E que, di-lo tambem nao monos impressivamente FECHNER,
«as relacoes ideais podem fazer-sc objecto de exarnes sociol6-
gicos, em particular no gue toea a dependencia da Ideia do
Direito relativarnentc aos factos sociais, mas a ideia mesma de
justica nao se esgota sociologicamente», Numa palavra, nao sc
trata s6 da situaciio socio16gica c da sua analise, mas tambem,
c decis ivamente, da «ctica consciencia axioI6gica do homem» 655.
E isto gue sobretudo se diz para a consideracao s6 scciolo-
gica dos factores relevantcs devera dizer-se tambem, em analogia,
para qualquer consideracao exc lusiva , ainda qUE nao sob aquc la
perspcctiva, dos factorcs sociais e culturais, incIuindo pois os
factores ideais. Porquanto estes nao deixam de ser facto res de
pressuposicao tao-so condicionante - apenas elementos rele-
vantes a participarem do pressuposto material. Se 0 direito
nao e simples efeito ou deter min ado em si pelos interesses,
tambem IlaO e incondicional efeito ou deterrninado em si
pelas intencoes culturais-ideais que socialmente se afirmem.Veremos, e certo, que 0 seu condic ionamento mate ria l
pode ir ate a codeterminacao, enquanto alguns dos factores
654 O b . c it ., 56 8 S.
655 COING , ob . l o c o ci ts ., 484.
236 DOUTRTNA
c das intencoes que formam e dinamizam a realidade historico-
AS FONTES DO DIRETTO 2 3 7
criterios da sua cspccifica normatividade. Que sentido funda-
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-social, Como plessuposto rclcvantc, se veein materialrnentc
assimilados pelo direito on eoncorrem uicsmo para ele, de
varies modos que tambem estudaremos, como seus elementos
dircctamente consntutivos - e ncste caso estarao de modo
particular, cmbora nao so eles, as factores culturais -ideais,
como que a oferecerem, com as suas respectivas intencoes de
validade, a mediacao entre os factores rcais nao intencionais e
a intencao de validadc espedfica do direito. Mas a deter-
minacao normativa decisiva vem ao direito com fundamcnto
em principios e criterios normativo-juridicos proprios, e em
ultimo termo com fundamento na sua intencao normativa
aut6noma, enquanto 0 seu especifico prindpio de determinacao,
e nao por efeito de factores pre-juridicos, qualquer que seja
J sua natureza e relevo.
10. Chegados aqui, estarnos de posse de uma compreen-
sao geral do p re ss up os to m at er ia l, como dimensao do processo
norruativo da constituicao do direito. Digamo-lo a conjunto
dos factores rea i s e ideals que se oferecem, na rcalidade natural
e hi st6rico-social, numa pressuposicao cond icionante para essa
constituicao. E e perante a total idade destes fac tores, e portanto
a pluridimensional idade ontol6gica da rea lidade pressuposta ,
que continua a ser exacto afirmar-se que 0 direito nao euru mero produto dos seus factores, sejam des naturais e
historico-sociais ou tambem ideais-culturais, ja que, sc tem
naquela totalidade a sua condicao material, so na intencao
normativa espedfica, que historica e autonornamentc va assu-mindo, tem a sua fundamentante deterrninacao. Apenas no
sentido Ultimo da intencionalidade fundamentante em que se
assuma a validade a Impor pelo direito a vida comunitaria
hisrorica, em dialogo regulativo-crltico e probiematico-norrna-
tivo com ela, teremos a rnatriz constitutiva dos prindpios e
lllentante c intcncional validadc exactamente, e 0 que se tcra
de explicitar na posterior consideracao do m eme nto d e I'a lid ad e.
E se quisermos dizer, com DILTHEY 656, que a direito e a
sintese, urna certa sintese socio-institucional e norrnativo-cultural,
entr e as «si st emas da culturai (os sentidos cul tura is objec tivos)
c a «organizacao exterior da sociedadc» (as formas sociais da
organ iza~ao dos inte resses e dos fins) que se va i hi storicamente
constituindo pela «consciencia juridica» da comunidade, en t ao
a problema da detenninacao da normatividade juridici e no
fundo 0 problema da constituicao nonnativa e positive mani-
festacao dessa consciencia juridica.
a ) S6 que, nern por isso c pequcna a importancia do
«pressuposto material», Pois ja pudemos rcconhecer no scu esc la -
recimento ate este memento - e posto esteja ainda longe de scr
completo - que ele imp5c a constituicao do di reito uma tripla
condicionalidade. Se num dos sens aspectos se revelou como
c ol 1d i~ ii o d e p os si bi li da Je - enquanto campo ou a meio que, no
sell especifico modo-de-set, a intencao juridica tem de aceitar
para a sua realizacao -, num outro aspecto conipreendemo-lo
como co tld i~a o d e a de qua ~a o -- ja que a direito sc pora em
contradicao coin 0 seu objecto-prcssuposto, e contradicao que
scmpre se traduzira num fracasso normat ivo, sc nao 0 rcconhccer
na sua autonornia ontologica c assim na congruencia que ele
demarca a sua intencao regula tiva -e, por ul timo depara rnos C0111
uma c o nd i ~i io d e r e le v dn c i« , a manifestar-se nao s6 nos «dados do
problema», mas ainda em todos os factores que, coricorrendo na
constituicao concreta da realidade huuiano-his rorica c s6cio-cul-
tural que 0 direito devera ordenar normativamente, por isso
mesmo relevain na pos icao que ele ten, de tornar perante essa
656 Int roduct ion, cit., Cap. XII, 68, 55.. Sobre estc ponto do peusamento
de DILTHEY, " ide 0 estudo de N. KRI!ISSL, Da s Rechfspharwl l le l l ill de r Pf , i losophie
W i lh el ll l D i lt he ys , 1 I Parte, 38, ss..
2.3~ ])OUTI!!NA
rea lidade ou na espcdfica assimi lacao rcgulativo-va lorado ra que
As FONTES ])0 ])[RE!TO
da uorrnativa constituicio do direito, Os tres tipos de condi-
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dela ted de fazer no cumprimenro da sua intencao norrnativa,
b ) Com 0 que nem tudo fica, na verdade, esclarecido.
Porquanto, ha ainda que pergunta r: relevam espec ifi camente em
que termos? Pergunta esta que nos poe em face de UlIl ponto
capital a que temos aludido e que falta ainda considerar.
Trata-se da questao de saber se na condicao de relevinciaI
deparamos apenas com factores a ter constitutivamente em
conta pelo direito - elementos para 0 direi to , numa dis tancia
objectivo-intencionalmente problernatica entre esses factores e 0
dire ito - OU tambem com facto res constitutivos do direito-
elementos do direi to numa inianencia, seja estrutural seja material ,
C0111 ele. Num caso, temos uma r e/w a nd a d e c on did on alid ad e,
em sentido estrito, no outro caso temos uma r ele ud ncia d e
codet erminaf i i o . As posicoes radicais (socioI6gicas) quanto ao
relevo do pressuposto material tendem a afirrnar que neste
pressuposto se iuipoe a pr6pria deterrninacao do juridico, ele
seria, se nao mesrno 0 di rei to, pelo menos 0 seu factor deter-
minante. Dissernos, em geral, porque sao invalidas essas posi-
c;:oes r adicais, mas esta conclusao nao exclui, com efeito, que
muitos dos factores relevances 0 nao sejam apenas como
meras condicoes em func;:ao das quais 0 direito ted. de cons-
tituir-sc e sim ainda C01110 dimens6es codeterrninantes, ja
da sua indole estrutural, ja do seu conteudo intenciona1. Deste
ponto se ocuparao as analises seguintes e ai verificaremos que
essa codeterminacao ted de reconhecer-se a tres n fv ei s - - ao
nivel da inst itucionalizacao pre-jur idica ou imediatamente social,
ao nivel do tipo estrutural da comuuidade hist6rica e ao nivel da
cultura conjuntamente com as intencoes ideol6gicas.
c ) Ao que iruporta antecipar, no entanto, ainda uma outra
nota. E que 0 pressupos to material , na total idade dos elementos
e factores que 0 integram e nas diversas modalidades do seu
condiciouamento, nao se releva tao-s6 como momento material
cionamento ja re feridos, conjuntamente com a code terminacao
uormativa que Ihes corresponda, manifestam ainda, 110 seu
conjunto, uma iniludivel c o nd j fi io d e r e at iz a fi 10 do direito. E que
s6 a Sua consideracao permi te uma cornpat ibil idade, nao decerto
passiva mas em terrnos de snicronizacao problernatico-hisror ica
( intencional e crf tica), C0111 a realidade a que 0 direito vai
refer ido ua sua intencao e na sua func;:aonormativas 657. Compa-
tibilidade essa sem a qual 0 direito, nao sendo assimilavel por
essa realidade, do tnesmo passo sera inviabilizado pela cornu-
nidade hist6ri ca que tern nessa realidade a sua base de existencia
e nao passara entao do projecto de urn voluntarismo uropico
(ineficaz). Que tanto e dizer que nesta condicao de realizacao
temos. si rnult aneamente, a prop ria con difJo d e p os it iv id a de e de
Jl igencia d o d ir ei to . «Condic;:ao de realizacao», pois, nes te duplo
sentido: condicao da Jl igencia do direito e condicao que nos
imp5e tarnbem reconhece-lo tao-so como d i re i to pos i t i v e .
Isto, porque de todo 0 desenvolvimento anter ior rcsulta:
1) 0 direito e exigido por uma certa rea lidade hi st6rico-socia l
e humano-cultural e const itui-se para essa realidade respondendo
normativo-jur idicamente aquela exigencia - 0 direito e humane--socialmente h is t6 r ic o - ; 2) 56 logra cumprir-sc (vigorar) C0l110
tal numa certa realidade historico-social se for materialmente
adequado perante essa realidade, i. e , se re levar essa realidade
na sua perspec tiva de juridicidade - 0 direito e humano-histori.,camente social; 3) exigenc ia hist6rica c adequacao a social rele-vancia de que sera simultaneamente fimc;:ao a determinacao do
quid v igente «de di reito» -i . e , 0 quid que vigora e se cumpre
como direito hi-de, por um lado, manifestar uma validade que
regularivo-normativamente se justifique em intcncao da reali-
dade his tori co-social e cultural e tera, por outro lado, de
657 Cfr, FECHNER, Rcch fS p ll il ow ph ie , 1 1 0 .
DOUTRINA
determinar-sc normarivo-objectivamcnte para cssa realidadc -
o direito e regulativamellte e norrnativo-socialmente cous t i t ul do
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(positivo); 4) se e exigido por aquela realidade e the devera ser
adequado na sua pr6pria intencao normativa, c se s6 se cumpre
relevando em positiva juridicidade essa rnesma realidade, tern
entao decerto, e por ultimo, uma existencia historico-social,
urna existencia normative-cultural analoga a da realidade histo-rica que assimila e em que se cumpre - 0dircito C hist6rico-
-social e culturalmente exis teute (vigente).
E deste modo, se a realidade humano-social vein a culminar
no juridico - numa das suas funcoes 658, a direito nao e senaoa ordenacao estabilizada e «intcrcoutida» (delimitada e ccrta] dessa
realidadc (,59, 0 sistema normativo em que ela seobjectiva, em
que se manifesta como «congruente generaliza<,:ao»c subsiste660_
e 0 juridico que, par sua vez, imp6e a essarealidade, na resposta
normativa que the constitui-resposta normativa nao ja agora s6
de COfl t role e institucionalizacao, mas ainda regulativa e de axiol6-
gica validade 661 -, uma vigencia cuja norrnatividade .0 sentidoultimo das historicas intencoes humano-sociais exige. Pontos
estes,urn e outro, que a analise a seguir do pressuposto material
codeterrninante tornarao daras.( Co n t i n ua )
A. CASTANHEIRA NEVES
658 A que podemos dizer . fnn;;ao sociologica» ou de globe) insti tucio-
naliza~o e 'c(}(I/rSlr social. da vida comunitaria.(,59 Cfr. FECHNER, Rrcht spJJi losop l l i e , cit., 96; H. RYFFEL, Grwl i /prob lemr
der Redu«: ! ll Id Staa t sph i !osop 'JJ 'c , 161, 55., e passim, Nesse sentido se podera
continuar a dizer com ARISTOTELES, como recorda SIMONE GOYARD-FABRE
( ob . c is ., 65) , que .0juridico e como a ossatura de qua lquer grnpo socials,
E nao sera em sentido analogo, com abstraccao ernbora dos scus particularesfundamentos filosoficos c das consequencias implicadas, que STAMMLER ~flr-
mava 0direito a trancendental .forma.o constitutiva da «materia» social?
660 Cfr. N. LUHMANN, Recht ssoz io log i r , I,94, ss . - por out ras palavras ,
a urn certo nivel 0 direi to Sera urn ssistema socials,
661 De novo nos rctomernos para in f ra, ao considerarrnos 0 pr inc lp io
d a v a li da d c.
II
I
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