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  • Revista EPOS; Rio de Janeiro RJ, Vol.4, n 1, jan-jun de 2013; ISSN 2178-700X. 1

    SUBJETIVAES E RISCO NA ATUALIDADE

    Joel Birman*

    Resumo: A inteno deste ensaio a de colocar em pauta a questo da criminalizao dos indivduos na ordem neoliberal contempornea, como poltica do Estado que incide sobre as subjetividades. Palavras-chave: subjetivao; periculosidade e violncia.

    Abstract: The aiming of this essay is to put on the agenda the issue of criminalization of individuals in contemporary neoliberal order, as state policy that focuses on subjectivities. Keywords: subjetivation; danger and violence.

    I. Prembulo A questo da violncia de grande atualidade e pertinncia, pois

    procura colocar em pauta e evidncia no apenas a categoria de violncia na sua complexidade e abrangncia tericas, como tambm interrogar as polticas de segurana na contemporaneidade. Alm disso, pretende colocar em pauta a posio estratgica ocupada pela problemtica (FOUCAULT, 1994; DELEUZE & GUATTARI, 1980) da segurana na contemporaneidade, posio esta efetivamente original na tradio ocidental, de maneira indubitvel.

    No que tange a isso, preciso dizer que o contrassenso desta poltica de segurana se evidencia em razo de sua implementao em sociedades supostamente democrticas e liberais, que poderiam lanar mo em princpio de outros procedimentos jurdicos e polticos para regular a insegurana social, que se dissemina ostensivamente no espao social da contemporaneidade. esta dissonncia existente entre a sociedade supostamente democrtica e liberal, por um lado, e o incremento ostensivo do encarceramento prisional, pelo outro, que deve ser colocada devidamente em pauta, pois se delinearia aqui a originalidade desta poltica na sociedade contempornea. Estaria delineada assim a incgnita desta equao securitria instituda na atualidade, que nos cabe decifrar de maneira detida e cuidadosa ao longo deste ensaio.

    * Psicanalista. Membro do Espao Brasileiro de Estudos Psicanalticos e do

    Espace Analytique. Professor Titular do Instituto de Psicologia da UFRJ. Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ. Diretor de Estudos em Letras e Cincias Humanas, Universidade Paris VII. Pesquisador associado do Laboratrio Psicanlise, Medicina e Sociedade, Universidade Paris VII. Pesquisador do CNPq.

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    claro que tivemos, nos tempos passados da histria do Ocidente, a existncia de prticas ostensivas de encarceramento das populaes. No que concerne a isso, preciso evocar a que se realizou no incio do sculo XVII na Europa, que foi devidamente destacada por Piven e Cloward, na obra Regulating the Poor: The functions of Public Welfare (PIVEN & CLOWARD, 1993), e por Foucault, na Histoire de la folie lge classique (1972). Esse movimento punitivo foi ainda renovado, no final do sculo XVIII e no incio do sculo XIX, com o iderio reformista e supostamente humanista do sistema prisional de ento, tal como foi meticulosamente analisado por Foucault em Surveiller et punir (1974).

    Porm, no que se refere modernidade, as prticas de encarceramento seguiram efetivamente as linhas de fora estabelecidas pelas crises do capitalismo (MARX, 1968), nas quais o incremento do desemprego e da insegurana social, que promoviam ostensivamente o mal-estar subjetivo (FREUD, 1977) das populaes pobres, teve tambm como desdobramento o aumento do encarceramento e das internaes psiquitricas (FOUCAULT, 1974). No entanto, tais processos sociais e polticos funcionavam para a regulao do exrcito de reserva dos trabalhadores, como dizia Marx (1968), de forma que, com o final das crises do capitalismo, os trabalhadores socialmente excludos eram reenviados ao espao social aberto, para serem ento reinseridos no mercado de trabalho (FOUCAULT, 1974).

    Contudo, a questo colocada pela contemporaneidade de outra ordem, pois o que se constituiu socialmente foi o incremento ostensivo do desemprego no nvel estrutural, de forma que se produziu progressivamente contingentes populacionais marginalizados e que no mais encontraram qualquer possibilidade de serem socialmente reinseridos no mercado do trabalho. Foram esses contingentes populacionais, que perderam qualquer proteo do Estado, que cristalizariam a condio permanente de insegurana social e que foi sem precedentes na nossa tradio social e poltica. Da porque alguns autores, como Viviane Forrester, em Lhorreur conomique (FORRESTER, 1996), enunciara nos anos 1990 a existncia de um novo paradigma civilizatrio com a emergncia histrica da sociedade neoliberal, em decorrncia das transformaes profundas ocorridas no mundo do trabalho, na contemporaneidade.

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    Foi nesse campo histrico, assim esquematizado nas suas coordenadas bsicas, que se forjou a conjugao entre as prticas de encarceramento em massa das populaes pobres, com o imperativo propalado de valorao dos direitos humanos, no contexto da ordem social supostamente democrtica e liberal. Se isso delineou os novos destinos forjados para a insegurana social na contemporaneidade, por um lado, configurou tambm um outro limiar crtico para as articulaes que foram estabelecidas desde o final do sculo XVIII, no Ocidente, entre os registros da fora e da poltica, isto , entre a guerra e a poltica, na nossa tradio, pelo outro.

    II. Fora e poltica Assim, na emergncia histrica da modernidade, a possibilidade do

    estabelecimento efetivo da paz e o afastamento peremptrio da guerra foram cantados em prosa e verso pela razo iluminista. Foi nesse contexto que Kant enunciou o iderio da paz perptua (KANT, 1986), num clebre ensaio de filosofia poltica e de filosofia da histria. Em consonncia com esse projeto, Voltaire enunciou que estvamos entrando definitivamente, com a modernidade, num outro limiar civilizatrio, que seria caracterizado pela tolerncia (VOLTAIRE, 1964). Seria esta o que fundaria o novo ethos da civilidade, de maneira que nesse contexto sociopoltico a fora poderia ser ento definitivamente exorcizada nas relaes entre os homens.

    Com efeito, a tolerncia seria a condio de possibilidade para a paz e para o afastamento da guerra no horizonte social, no sentido lato dos termos, na medida em que os homens, pela mediao decisiva da razo, poderiam regular os seus conflitos e os seus embates pelo imperativo do bem comum. Um outro projeto social, poltico e tico foi ento formulado, capaz que seria de regular os confrontos entre os homens, no registro do Estado-nao e no registro internacional, ao mesmo tempo.

    Desde ento louvamos a paz e a suspenso das relaes de foras no campo dos laos sociais como um dos valores fundamentais da nossa tradio, sustentando esta e aquela, como imperativos incontornveis da modernidade. No obstante isso, a guerra e a retrica da fora se impuseram como experincias cruciais desde o sculo XIX, contrapondo-se decididamente ao

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    que se formulara no registro do discurso, de maneira a colocarem em questo a razo iluminista.

    Por isso mesmo, constituiu-se desde ento no Ocidente uma outra ordem do discurso (FOUCAULT, 1971) para formular esta problemtica, pela qual se enunciou a existncia de uma tenso, permanente e incontornvel, entre os registros da poltica e da guerra, que marcou profundamente a histria do Ocidente, desde o sculo XIX. Para isso, no entanto, a problemtica anterior teve que ser remanejada e relanada em outros termos, deslocando-se da oposio estabelecida entre os registros da paz e da guerra, para inserir ento a poltica como mediao crucial entre estes dois termos.

    Foi nesse contexto histrico que Clausewitz enunciou os pressupostos tericos de um novo paradigma, que como um imperativo dominou a modernidade por um longo tempo. Nesse paradigma, formulado na obra intitulada Da guerra, o general prussiano enunciou a tese bsica que orientou decididamente as reflexes tericas sobre a guerra e a paz desde ento, segundo a qual a guerra seria a continuao da poltica em outros termos (CLAUSEWITZ, 1979). Nesta perspectiva, seria sempre a poltica o que definiria as coordenadas fundamentais que estariam presentes nos confrontos sociais, nos diferentes tempos da paz e da guerra, para resolver os impasses do poder, nos mbitos nacional e internacional. Portanto, quando as regras estabelecidas para a regulao pacfica das relaes de fora no mais funcionassem a contento, estas se imporiam a cu aberto pela deflagrao da guerra. No entanto, com o final da guerra o vencedor imporia a sua soberania sobre o vencido, de forma implacvel, pela imposio de suas regras para o restabelecimento da paz.

    Assim, as relaes sociais e os embates polticos regulariam o funcionamento das diferentes sociedades e entre os diversos Estados-nao, nos registros do discurso e dos acordos entre as partes divergentes. A homogeneidade seria ento instituda, nos registros dos laos sociais e das relaes polticas, de maneira ampla e disseminada, sem tumultos, insurreies e resistncias. A paz civil, com a resultante da poltica, seria ento o modelo por excelncia para se pensar no funcionamento regular da Repblica, pela articulao concisa entre a sociedade civil e a sociedade poltica.

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    Se Clausewitz forjou este importante campo terico, para delinear a oposio existente entre os registros da poltica e da guerra, o seu discurso foi logo em seguida encampado por Hegel, que lhe deu a devida cauo filosfica (HEGEL, 1941). Para isso, no entanto, Hegel transformou a razo iluminista na razo dialtica, pela indicao da mediao da poltica, situada estrategicamente entre os registros da paz e da guerra. Porm, mantendo ainda a razo dialtica de Hegel, mas inserindo-a num solo materialista e histrico, Marx colocou em questo tal paradigma pela formulao do conceito da luta de classe, indicando assim a existncia da dimenso de dominao de uma classe sobre as outras no registro da fora, de forma a delinear a existncia de uma guerra permanente e generalizada nos campos da sociedade civil e da sociedade poltica (MARX, 1982a, 1982b).

    A crtica deste paradigma terico foi retomada por Nietzsche, em outros termos, na medida em que formulava que as relaes estabelecidas entre os homens seriam sempre estabelecidas no registro da fora, no qual se inscreveriam tambm os registros do discurso e da linguagem. Pela prioridade conferida ao registro da fora o campo da guerra passou a delinear a existncia do espao social, tanto na paz quanto na guerra, assim como nos registros da sociedade civil e da sociedade poltica. Nesse contexto, o registro do corpo foi devidamente colocado em destaque, como sendo o campo onde se polarizariam as relaes de fora estabelecidas entre os homens, delineando ento por onde se inscreveriam efetivamente as relaes de dominao estabelecidas entre estes (NIETZSCHE, 1996, 1957).

    Foucault retomou o discurso filosfico de Nietzsche de maneira sistemtica, para formular o seu filosofema fundamental, qual seja, a relao primordial existente entre os registros do saber e do poder (FOUCAULT, 1974) de forma que se o primeiro se forjaria no registro do discurso, o segundo, em contrapartida, se constituiria no registro da fora. Desta maneira, o saber implicaria sempre em poder e vice-versa, numa transitividade permanente estabelecida entre estes dois registros, mas em que esta no se inscreveria na lgica da dialtica. Portanto, a dimenso da fora estaria sempre presente nos laos estabelecidos entre os indivduos, tendo no registro do corpo o seu campo de aplicao e de referncia (FOUCAULT 1997a). Seria em decorrncia desses pressupostos tericos, enfim, que a problemtica da vontade de

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    verdade seria constitutiva da tradio ocidental, desde a Antiguidade, em oposio cerrada problemtica do conhecimento (FOUCAULT, 1997b).

    Nesta perspectiva, a questo de colocar a violncia na berlinda coloca no primeiro plano no apenas a constituio imaginria do campo da violncia na contemporaneidade, mas tambm as prticas efetivas de violncia que seriam nesta exercidas para a regulao da insegurana social pela fora e pelo corpo, que se inscrevem nas prticas sociais de medicalizao e de criminalizao na contemporaneidade, de maneira disseminada. Alm disso, preciso demonstrar como a respectiva violncia se transformou em crime na contemporaneidade, para colocar em evidncia os liames que foram estabelecidos entre os registros da fora e da poltica na forma especfica de se confrontar com a insegurana social.

    III. Sociedade neoliberal, Estado penal e insegurana social Contudo, formular qualquer leitura sobre a forma especfica de regulao

    da violncia na contemporaneidade implica enunciar, de maneira preliminar, que a sociedade contempornea foi construda pelas coordenadas econmicas do neoliberalismo. A constituio deste teve como o seu correlato a construo de um novo limiar de globalizao da economia internacional, pela ampliao infinita das fronteiras do mercado mundial. Forjou-se assim uma nova concatenao e interdependncia das diversas economias nacionais, que se desdobraram na construo de um outro limiar de existncia para o mercado internacional. Portanto, a constituio do neoliberalismo implicou a globalizao da economia e vice-versa.

    Porm, o neoliberalismo no seria apenas um discurso restrito ao campo da economia, mas se desdobraria numa forma especfica de ordem social e de ordem poltica. Vale dizer, a sociedade contempornea seria efetivamente uma sociedade neoliberal, que teria como o seu correlato uma modalidade especfica de Estado que lhe regularia, qual seja, o Estado penal (WACQUANT, 2011). Seria pela incidncia e pela mediao deste, no campo das relaes sociais na contemporaneidade, que a conflitualidade presente nos laos sociais seria transformada na matria-prima da violncia e, em seguida, criminalizada de maneira ostensiva. Desta maneira, a valncia poltica, inerente conflitualidade que permeia os laos sociais, foi ento decisivamente

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    esvaziada, de forma que neste deslocamento a violncia foi reduzida escala da delinquncia.

    Portanto, contrariamente a certos tericos como Harvey, na sua importante obra intitulada A brief history of neoliberalism (2005), que concebeu o neoliberalismo apenas como uma nova formao econmica, pensamos, com Wacquant, que esta formao econmica constituiu uma modalidade especfica de sociedade, de forma que a sociedade propriamente neoliberal se articularia efetivamente com o Estado neoliberal. Enfim, a sociedade neoliberal seria decisivamente regulada pelo Estado penal (WACQUANT, 2011), que o seu correlato efetivo no registro estritamente poltico.

    A sociedade neoliberal pretendeu reduzir a sociedade escala do mercado, reduzindo para isso as prerrogativas do Estado previdncia e forjando o Estado mnimo como a sua resultante. Em decorrncia disso, a sociedade neoliberal no apenas ps-fordista, mas tambm ps-keynesiana (WACQUANT, 2011). Do ponto de vista histrico, iniciou-se com a poltica conservadora de Thatcher na Inglaterra e que teve em Reagan, do partido Republicano nos Estados Unidos, o seu aliado fundamental, no mbito internacional, na passagem dos anos 1970 para os 1980. Porm, a construo efetiva da sociedade neoliberal no se restringiu aos partidos conservadores, mas foi tambm implementada pela social-democracia de esquerda, como ainda veremos adiante.

    Para descrever a anatomia do Estado penal Wacquant se baseou na leitura de Bourdieu sobre a burocracia na contemporaneidade, que delineou as linhas de fora para a configurao do Estado na atualidade (BOURDIEU, 2012, 2000a). Nesta leitura, Bourdieu procurou demonstrar como o funcionamento da economia se desdobraria nos planos da estrutura social e da configurao poltica do Estado (BOURDIEU, 2000b, 1998). No que tange a isso, esta configurao e estrutura no apenas deram prioridade aos ministrios ligados economia e ao planejamento estratgico, como tambm colocaram no segundo plano os ministrios ligados educao, sade, cincia, e s produes intelectual e artstica.

    O desdobramento disso tudo foi a transformao de certos bens, que no eram at ento considerados como mercantilizados na tradio moderna do Ocidente, em mercadorias. Este foi o caso da sade, da educao, das

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    produes cientfica e intelectual, e da arte. Se anteriormente o Estado regulava a gesto social destes bens, com o advento do neoliberalismo, em contrapartida, estes foram ostensivamente transformados em mercadorias e servios, e devidamente mercantilizados. Com isso, estabeleceu-se a tendncia inequvoca para a sua privatizao (BIRMAN, 2011).

    Nesse contexto, possvel evidenciar como na sociedade neoliberal se realizou uma ampla e disseminada transformao no campo do trabalho, de forma que os trabalhadores perderam direitos adquiridos em nome do imperativo da produtividade econmica. A concorrncia foi assim bastante incrementada entre os trabalhadores, em nome da manuteno do emprego e da sobrevivncia, ultrapassando em muito os limiares constitudos no tempo da sociedade industrial. Em conseqncia disso, as instncias institucionais de negociao dos interesses e direitos dos trabalhadores foram enfraquecidas, como os sindicatos. Alm disso, esta transformao crucial incidiu decisivamente no registro tico, com a suspenso de certos imperativos sociais e morais anteriormente existentes, como o da solidariedade social.

    O efeito maior desse processo foi a promoo disseminada da insegurana social. Com efeito, sem poder efetivamente contar com o apoio do Estado, as classes populares foram abandonadas e deixadas prpria sorte. Alm disso, a pobreza e a miserabilidade de suas condies sociais de existncia passaram a ser atribudas s populaes pobres, pois no souberam aproveitar as possibilidades que lhe foram oferecidas, numa sociedade supostamente igualitria. Vale dizer, as classes populares foram ativamente responsabilizadas pelas suas misrias e pobrezas, no tendo ento que atribuir aos outros os seus fracassos. Instituiu-se, enfim, um imperativo de responsabilizao moral das populaes pobres, que deveriam responder diretamente pela sua miserabilidade (WACQUANT, 2011).

    Foi nesse campo social assim constitudo, no qual a insegurana social disseminada se desdobraria num mal-estar generalizado, que as populaes pobres passaram a ser ostensivamente reguladas pelo Estado neoliberal, seja pelo canal da medicalizao, seja pelo da criminalizao. Se a problemtica da periculosidade social constituiu-se desde o sculo XIX, com a instaurao do Capitalismo industrial, com a disseminao da psiquiatrizao das populaes pobres em conjuno com o Direito penal, pela constituio da psiquiatria

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    forense e da criminologia (FOUCAULT, 1999, 2004), a extenso do dito campo da periculosidade foi bastante ampliada pelo Estado neoliberal.

    O Estado penal seria assim o contraponto e a configurao poltica da governabilidade na sociedade neoliberal, que visaria regular a insegurana social, delineada como perigosa e potencialmente explosiva. Da porque, numa obra publicada em 2009 e intitulada Punishing the poor: The neoliberal Government of Social Insecurity (2009), Wacquant enunciou a dita insegurana como o alvo da governabilidade na sociedade neoliberal.

    Esta nova modalidade de governabilidade foi patenteada pela poltica de Giuliani na prefeitura de New York, intitulada de tolerncia zero. Em decorrncia desta poltica originria, a populao carcerria foi vertiginosamente aumentada em escala internacional, assim como se construiriam inmeros presdios para acolher a dita populao. Patenteou-se, desta maneira, um padro poltico no confronto com a insegurana e a periculosidade sociais, que destacava a violncia como o signo por excelncia para a implementao efetiva da penalizao.

    IV. A democracia em questo Assim, se a sociedade neoliberal e o Estado penal foram promovidos

    inicialmente pelas polticas conservadoras na Inglaterra (Thatcher) e nos Estados Unidos (Reagan), logo em seguida se disseminavam pelo continente europeu, na Frana, na Alemanha, na Itlia, na Espanha, em Portugal etc. Alm disso, migravam para os pases emergentes, que adoraram o modelo neoliberal de gesto econmica, social e poltica. Este foi o caso do Brasil, da Argentina e da frica do Sul (WACQUANT, 2011).

    Alm disso, preciso ainda colocar em destaque que as linhas de fora da ordem neoliberal foram disseminadas pelas tradies polticas de centro e de esquerda. Vale dizer, foi a social-democracia em geral quem instituiu os pressupostos do neoliberalismo e do Estado penal. Assim, nos Estados Unidos o grande implementador da ordem neoliberal foi Clinton, do partido Democrata. Na Frana, foi o socialista Jospin quem delineou os seus alicerces quando assumiu o poder poltico da nao. Da mesma forma, na Inglaterra, na Itlia e na Alemanha, foram Blair, Schrder e dAlema, eminentes representantes da social-democracia. Foi apenas posteriormente, quando a ordem neoliberal e o

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    Estado penal estariam j consolidados, que na Frana e na Itlia, Chiraq, Sarkozy e Berlusconi se apresentaram e conduziram as suas polticas de represso policial e de inflexibilidade penal (WACQUANT, 2011).

    Foi nesse contexto social e poltico, que a poltica de segurana foi colocada efetivamente no primeiro plano da poltica do Estado, conduzindo ao incremento das prises e das populaes carcerrias. Em decorrncia disso, o Ministrio do Interior, que visa regular a ordem interna do Estado-nao, passou a ser indiscutivelmente investido em alta voltagem no campo do Estado e se transformou num cargo poltico cobiado. Ao lado disso, a polcia passou a ser igualmente valorizada, na sua conjuno com o Ministrio do Interior para a promoo da poltica de segurana. Em contrapartida, os campos da sade, da educao, da cincia e da arte foram sendo menos investidos, de maneira progressiva, conduzidos que foram poltica de privatizao.

    Alm disso, tambm no Brasil o Estado penal foi forjado pelas tradies polticas de centro e de esquerda, representadas pelo PSDB e pelo PT. Com efeito, foram nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Incio Lula da Silva que o Estado penal foi construdo, aumentando a construo de presdios e incrementando a populao carcerria, respectivamente. Nos anos recentes, foi iniciada no Brasil a privatizao do sistema prisional, de maneira a transformar a pena e o sistema prisional numa mercadoria, altamente valorizada pelo mercado.

    Porm, preciso sublinhar ainda que se os alvos exclusivos da poltica da segurana e do Estado penal so indiscutivelmente as populaes pobres, estes alvos se diferenciam etnicamente nas diferentes formaes sociais. Assim, se nos Estados Unidos so os negros o alvo especfico do encarceramento e do incremento das populaes carcerrias, na Europa so os imigrantes que esto na ala da mira do Estado penal. No Brasil, so os negros os alvos especficos da poltica de encarceramento (WACQUANT, 2011).

    preciso evocar ainda que se o Estado penal se centrou efetivamente nas populaes pobres, na sua poltica de segurana, as classes mdias e as elites eram poupadas pela voragem securitria. Assim, a poltica de segurana restaurou no seu registro especfico, centrado na punio, a hierarquia social

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    existente na ordem neoliberal, de forma a ser complacente com o topo da ordem social e implacvel na represso com a base da pirmide social.

    Em decorrncia dessa ostensiva desigualdade nos procedimentos punitivos, o Estado neoliberal seria um Estado Centauro, isto , gentil com as classes mdias e as elites, mas carrancudo com as classes populares (WACQUANT, 2011). Seria por isso, portanto, que os crimes de colarinho branco, perpetrados pelas elites e as classes mdias, so tratados de maneira suave pelo Estado penal, como se verificou, alis, de forma patente e escandalosa no atual campo internacional, com a proteo efetiva que tiveram os banqueiros e os grandes empresrios, que foram diretamente responsveis pela crise econmica iniciada em 2008 e que ainda permanecem inclumes enquanto tal.

    Esta diferenciao evidente e at mesmo escandalosa, na heterogeneidade de procedimentos punitivos, realizada pelo Estado neoliberal, opondo a base e o topo da hierarquia social, conduziu alguns autores, como Desmond King, a caracterizar a sociedade neoliberal como antiliberal e antidemocrtica, pela hierarquia ostensiva que realiza de seus cidados (KING, 1999). Vale dizer, a sociedade neoliberal se caracterizaria como bastante distante do liberalismo e da democracia, no obstante se apresentar no debate poltico internacional como a representante maior da democracia, contra o autoritarismo e o totalitarismo, e como a defensora implacvel dos direitos humanos e sociais dos cidados.

    Pode-se enunciar ento que a ordem neoliberal coloca em questo a democracia propriamente dita, nas suas linhas de fora, ao diferenciar ostensivamente os seus cidados, que so hierarquizados nas suas valncias econmica, social e poltica, na medida em que os direitos humanos apenas existem para os humanos direitos, isto , aqueles que se inserem no topo da hierarquia social. Para os pobres, em contrapartida, impera os rigores implacveis da punio, que se desdobra no encarceramento em massa no sistema prisional.

    V. Crime e castigo Porm, se existe a constatao efetiva do aumento da populao

    carcerria e da multiplicao das prises, com a constituio da sociedade

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    neoliberal pelos recenseamentos realizados nas pesquisas sociolgicas, a questo que se coloca se o incremento vertiginoso das populaes carcerrias teria sido a resultante concreta do aumento da criminalidade. Para Wacquant, ao contrrio, o incremento do encarceramento no foi a consequncia direta do aumento da criminalidade (WACQUANT, 2011). Vale dizer, o aumento e a expanso do castigo no foi a consequncia e a resultante do incremento do crime, de acordo com os recenseamentos estatsticos existentes, para nos valer da metfora de Dostoivsky, em Crime e castigo (DOSTOIVSKY, 2001).

    Contrariamente formulao de Giddens, de que o aumento significativo do encarceramento prisional na Inglaterra seria devido diminuio ostensiva da civilidade das classes trabalhadoras na contemporaneidade (GIDDENS, 1999), Wacquant sustenta que as pesquisas quantitativas no corroboraram tal proposio, nem na Inglaterra nem nos demais pases onde se constituiu a sociedade neoliberal (WACQUANT, 2011). Da mesma forma, se Bauman constatou o incremento vertiginoso do encarceramento penal, este processo no implicou efetivamente o aumento efetivo da criminalidade (BAUMAN, 1997).

    Existe assim, na sociedade neoliberal, uma dissonncia ostensiva entre os registros do crime e do castigo, de forma que o incremento do segundo no implicou o aumento do primeiro. Alm disso, esta dissonncia implica a existncia de um verdadeiro paradoxo entre o crime e o castigo, na sociedade neoliberal.

    Para pensar nisso devidamente preciso dizer que as turbulncias sociais, oriundas das transformaes radicais produzidas pela sociedade neoliberal, onde direitos sociais adquiridos foram suspensos e as condies de trabalho foram radicalmente transformadas de ponta-cabea, promoveram uma mudana decisiva na postura poltica do Estado para se confrontar com as ditas turbulncias. Assim, face insegurana social disseminada e que se desdobrou em turbulncias sociais, a sociedade neoliberal assumiu uma direo poltica de criminalizar estas, o que se materializou no incremento gigantesco das populaes carcerrias. Vale dizer, a insegurana social foi transformada numa questo efetivamente criminal e passou a ser regulada diretamente pela polcia. Foi ento reativado e incrementado o dispositivo da

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    periculosidade social, forjado no sculo XIX, que incidia nas classes perigosas da populao e que era agenciado pela polcia.

    preciso dizer ainda que posteriormente, no entanto, novas categorias de crimes foram forjadas pelo Direito Penal, para nomear juridicamente certos acontecimentos oriundos da insegurana social como delitos e dar respaldo jurdico para a poltica de segurana focada no encarceramento. Tudo isso, claro, para apagar e se possvel suspender a existncia da dissonncia e do paradoxo existentes entre os registros do crime e do castigo. No que tange a isso, preciso dizer ainda que a agressividade passou a ser a matria-prima do processo de criminalizao, sendo forjados novos limiares para caracteriz-la como ameaa ostensiva ordem social, por um lado, da mesma forma que o consumo de drogas passou a ser tambm criminalizado numa escala at ento inexistente, pelo outro.

    VI. O simblico e a poltica Porm, na instigante interpretao proposta por Wacquant, as linhas de

    fora penais, presentes na sociedade neoliberal, se conjugariam de maneira precisa com a ordem simblica. Assim, como o neoliberalismo se inscreveu no registro da globalizao da economia, como o seu contraponto, o Estado-nao perdeu efetivamente poder poltico face s decises econmicas que se realizavam no campo internacional. Vale dizer, o Estado neoliberal, que foi construdo como um Estado mnimo e que perdeu alguns de seus atributos, foi subtrado de parcelas significativas de sua soberania face ao Capital, que passou a decidir em nvel internacional e transnacional as proposies que afetariam diretamente os diferentes Estados-nao. Enfim, o mercado financeiro em escala global passou a definir e a infletir as linhas de fora que orientariam as polticas dos diferentes Estados-nao, subtraindo, pois, de maneira efetiva, a soberania destes.

    Seria nesta perspectiva ento que se poderia dizer que a sociedade neoliberal seria fundamentalmente uma sociedade de mercado, pois seria o mercado propriamente dito, nas suas linhas de fora, que comandaria o funcionamento da sociedade. Se, ao abrir mo de algumas de suas prerrogativas, que passou a outorgar ao mercado, o Estado se tornou ento

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    minimalista, por um lado, o mercado em nvel global passou tambm a regular os diferentes Estados-nao, pelo outro.

    Assim, a constituio do Estado-penal foi uma reao e um remanejamento realizado no campo do Estado-nao para reafirmar o seu poder efetivo, face ao evidente estreitamento do campo de sua soberania. Com efeito, no permetro de seu territrio o Estado-nao reafirmaria a sua fora e restauraria a sua soberania de maneira ostensiva, pelas vias do Ministrio do Interior e da polcia, para restabelecer ento a sua autoridade perdida, face ao poder crescente assumido pelo mercado (WACQUANT, 2011).

    Vale dizer, se o Estado-nao se fragilizou e se feminilizou com a disseminao da globalizao neoliberal, perdendo poder de deciso em escala crescente face s corporaes financeiras internacionais, ele procurou reafirmar ento o seu poder soberano pela fora, no permetro estrito de seu territrio. O Estado penal seria assim a resultante de uma masculinizao do Estado-nao face feminilizao que sofreu pela regulao do mercado, no contexto da globalizao neoliberal (WACQUANT, 2011).

    Portanto, razes de ordem simblica se conjugariam efetivamente com razes de ordem poltica, no que tange ao campo da soberania e do poder do Estado-nao. De forma que, se pela feminilizao de que sofreria na sua soberania e pela diminuio do seu poder de deciso em diferentes campos ligados economia, o Estado-nao se masculinizaria, em contrapartida, pela fora, pela constituio do Estado penal. Em decorrncia disso, o Estado penal seria a restaurao de Leviantan (HOBBES, 1971), pela exibio ostensiva de sua fora e poder, impondo-se no permetro de seu territrio.

    Evidentemente, a estrutura do Estado-nao retomou uma antiga prerrogativa instituda pelo Estado moderno, qual seja, de que o Estado deveria ser o nico detentor legtimo e legal da fora, de forma a desarmar e considerar como insurreio qualquer manifestao e assuno da fora oriundas da sociedade civil (WEBER, 1971). Nestes termos, o Estado moderno efetivamente um Estado Leviatan, de forma que o Estado penal na contemporaneidade a retomada das linhas de fora do Leviatan, pela reafirmao da sua soberania, pelo vis da afirmao e da exibio ostensiva da fora.

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    Porm, preciso no esquecer que em nome dos direitos humanos e do suposto iderio da democracia, as grandes potncias ocidentais realizaram diferentes intervenes militares em diversos Estados-nao, para derrubar ditaduras e regimes totalitrios nos ltimos anos, como se realizou no Iraque e na Lbia, e que se realiza atualmente na Sria. Vale dizer, em nome do iderio da democracia e pela sustentao dos direitos humanos, contra os Estados totalitrios, as grandes potncias promoveram invases e ocupaes militares, com vistas a construir novas sociedades neoliberais. Enfim, sem olhar para o prprio umbigo antiliberal e antidemocrtico, as potncias ocidentais promoveram uma poltica de barbrie, em nome dos direitos humanos, para disseminar a ordem neoliberal em todo o planeta, atropelando os princpios polticos da soberania e da no interveno.

    VII. tica e poltica De qualquer maneira, nesta transformao ostensiva do Direito penal

    pela constituio de novas modalidades de crimes e de novas categorias de infrao, o que a sociedade neoliberal realiza a transformao efetiva dos pressupostos ticos e polticos da tradio do Ocidente, na modernidade. Assim, ampliando em muito o campo da periculosidade social, a sociedade neoliberal trabalhou efetivamente sobre o campo da insegurana social, constituindo novos limiares para a caracterizao da delinquncia.

    Como tudo isso implica a construo de novas modalidades de subjetivao (FOUCAULT, 1976), como ainda se ver posteriormente neste ensaio, preciso evocar em relao a isso como Derrida trabalhou ativa e devidamente sobre esta problemtica no final do seu percurso filosfico, procurando conjugar os registros da tica e da poltica.

    Assim, ao evocar a existncia de Estados fora da lei, Derrida enunciou como a afirmao ostensiva da fora enquanto tal, sem consideraes de ordem tica, conduziria vrios Estados contemporneos condio de Estados fora da lei (DERRIDA, 2003). No que tange a isso, a questo da pena de morte, como punio mxima existente ainda em alguns pases na contemporaneidade, seria disso uma evidncia eloquente. Da mesma forma, ao trabalhar ativamente sobre as problemticas da hospitalidade (DERRIDA, 1997), do cosmopolitismo (DERRIDA, 1991) e da amizade (1994), Derrida

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    colocava em pauta o que estava sendo colocado nas linhas de fora constitutivas da sociedade neoliberal, qual seja, o no acolhimento dos estrangeiros e imigrantes, assim como a quebra ostensiva dos laos sociais em nome do imperativo do mercado.

    Da mesma forma, Sennett colocou em evidncia as transformaes subjetivas produzidas pela sociedade neoliberal, em decorrncia das novas condies de trabalho imposta aos trabalhadores no capitalismo contemporneo. Assim, pela construo do sintagma corroso de carter (SENNETT, 1999) Sennett indicou como o carter dos indivduos foi transformado radicalmente pelas novas condies de trabalho na atualidade, medida que as categorias de espao e de tempo se transformaram na modulao do funcionamento das subjetividades diferentemente.

    Contudo, preciso ainda no perder de vista que esta transformao radical no campo dos valores, constitutiva dos discursos da tica e da poltica, tendo como alvo o campo da insegurana social produzido pelo neoliberalismo, foi a condio concreta de possibilidade para a promoo de novas modalidades de mal-estar na contemporaneidade. Seriam estes que conduziriam produo de novas formas de subjetivao, na medida em que foram a matria-prima para os processos de psiquiatrizao e de criminalizao do espao social, como veremos agora.

    VIII. Mal-estar e insegurana social O que se impe agora para ns a leitura do processo de atribuio de responsabilidade moral, como forma de regulao da insegurana social, pela implicao efetiva dos cidados das populaes pobres na responsabilidade pela sua prpria misria. Por este caminho estratgico que seria possvel transformar radicalmente as modalidades anteriores de trabalho social realizadas com tais populaes e promover ao mesmo tempo o amplo encarceramento destas, pelo Estado neoliberal. Contudo, preciso dizer, antes de mais nada, que esta insegurana social, ligada precariedade e fragmentao do trabalho, seria a condio concreta de possibilidade para a produo de sofrimento e de dor nestas populaes, no registro da subjetividade. Esta e aquela se disseminariam como rastilho de plvora no espao social, na medida em que seriam a fonte de

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    desordens, com consequncias sociais e polticas imprevisveis. Por isso mesmo, para a regulao destas consequncias sociopolticas indesejveis, necessrio seria a realizao dos processos de medicalizao e de criminalizao da dor e do sofrimento em pauta, pelo vis da responsabilizao moral das individualidades concernidas. Contudo, a incidncia destas operaes diferenciadas de regulao da insegurana social se delineia na estrita dependncia de como os indivduos se situariam e procurariam constituir destinos diferenciados para estas afetaes (BIRMAN, 2009, 2010). Assim, a responsabilizao moral do indivduo, em decorrncia da sua insegurana social, tem como efeitos destacados a produo da culpa e da vergonha, pela nova condio e posio sociais em que o indivduo passa a ser colocado. Com efeito, diante de si mesmo, de seus familiares e de sua comunidade social de referncia o indivduo se acusa e se deprecia, pela perda de seu lugar social anterior e de seus signos de status. Com isso, a economia do narcisismo que sustenta o seu eu se esvai progressivamente e pode produzir diferentes formas de mal-estar psquico. Dentre estas deve ser evocada a depresso, uma modalidade de sofrimento psquico que tem aumentado vertiginosamente nas ltimas dcadas, conforme se verifica em diferentes pesquisas epidemiolgicas realizadas em diversos pases. Parece-me que esta depresso que se alastra em larga escala se articula de forma direta com o processo social que estamos analisando aqui. Vale dizer, seria pela responsabilizao moral de que objeto de maneira ativa, que o indivduo se envergonharia de si mesmo e se puniria enormemente, pela perda de sua ancoragem narcsica. Porm, a culpa e a vergonha em pauta atingiriam tambm o registro do corpo de forma direta, e no apenas o da intensidade Assim, na medida em que o indivduo no pode satisfazer as suas pulses, carente que est de reconhecimento simblico em decorrncia de ser diretamente responsabilizado pela depreciao de sua condio social, ele descarrega diretamente as suas pulses sobre o corpo, de maneira a promover a produo de diferentes modalidades de mal-estar por este vis. No que concerne a isso, preciso evocar diferentes modalidades de sofrimento que so assim engendrados. Antes de mais nada, as perturbaes psicossomticas, que se incrementaram enormemente nas ltimas dcadas,

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    conforme se constata pelas pesquisas epidemiolgicas em diversos pases. Dentre essas deve ser destacada a dor crnica, que desafia o discurso mdico e a farmacologia, pois se cronifica pela impossibilidade de ser regulada pelos mais diferentes analgsicos, resultante das humilhaes e punies que tomam conta das subjetividades concernidas. Da mesma forma, a sndrome do pnico outra forma de sofrimento bastante comum na contemporaneidade, em cujo desencadeamento efetivo as avaliaes de que o indivduo permanentemente submetido ocupam uma posio crucial. Com efeito, temeroso de ser avaliado nas suas performances, o indivduo entra literalmente em pnico por no estar altura daquilo que lhe demandado, sucumbindo pela responsabilizao moral de que objeto. Enfim, o indivduo entra num processo de liquefao e decomposio efetivas, sendo paralisado pelo pnico que lhe toma de corpo inteiro, em decorrncia do medo iminente de morte. Porm, se o mal-estar psquico decorrente das novas condies de insegurana social na contemporaneidade atinge os registros da intensidade e do corpo como vimos at agora, ele incide tambm no registro da ao. Assim, no apenas a agressividade e a violncia se intensificaram como resultantes da ao como canal privilegiado da descarga do mal-estar psquico, mas tambm pelas tentativas de regulao do dito mal-estar pelas vias da compulso. No que tange a isso, diferentes objetos se transformaram nos alvos da compulso, como as diversas modalidades de drogas e a comida.

    Como se sabe, as compulses so modalidades de perturbao psquica inscritas no registro da ao, pois evidenciam efetivamente formas fracassadas de ao. Da porque a repetio as caracteriza de maneira montona e sempre recomeada, pois as compulses no conseguem dominar e dar conta do dito mal-estar como pretendia o indivduo. Assim, o uso regular de drogas se transformou num problema de sade pblica em escala internacional, como j de conhecimento pblico. No entanto, uma medicalizao ostensiva da drogadio se fez tambm presente em contrapartida, com internaes e utilizao de psicofrmacos. Porm, a tangncia deste processo da medicalizao ao da criminalizao, no campo das drogas, incrementou-se de maneira progressiva nas ltimas dcadas, na medida em que a questo das drogas um signo ostensivo da insegurana

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    social na sociedade neoliberal. Foi no campo deste espao social, enfim, que o uso regular de drogas se transformou numa questo efetivamente poltica e criminal, como nunca ocorrera antes na escala que se processa na atualidade. Da mesma forma, a compulso alimentar se transformou numa questo de sade pblica nas ltimas dcadas e se articulou recentemente a duas questes que lhe so associadas, quais sejam, a obesidade e o sobrepeso. A medicalizao destas questes se fez ento de maneira disseminada, de maneira a conjugar a medicina, a nutrio e as prticas esportivas. Porm, so a dor e o sofrimento decorrentes da insegurana social que esto na base destas questes de sade pblica, articuladas que so culpa e vergonha dos indivduos. Porm, se o registro da ao evidencia tambm o mal-estar produzido pela insegurana social na contemporaneidade e igualmente medicalizado, preciso agora destacar que pelo registro da ao que o processo da criminalizao toma forma e corpo de maneira eloquente. O ponto de apoio da criminalizao se efetua, com efeito, pelos campos da agressividade e da violncia, que se inscrevem fundamentalmente no registro da ao.

    IX. Percurso da criminalizao Assim, as diversas manifestaes de agressividade e de violncia, oriundas do mal-estar dos indivduos no registro da ao, so a matria-prima por excelncia em que incide preferencialmente o processo de criminalizao em curso, na medida em que tais manifestaes passaram a ser consideradas numa perspectiva terica estritamente comportamentalista pelos tcnicos do campo das cincias humanas que se inscrevem como colaboradores do Estado penal. Com isso, a dimenso simblica presente nestas manifestaes no so efetivamente consideradas como formas legtimas de enunciao do sujeito, mas so tratadas como desarmonias inaceitveis, pois promoveriam a desordem que colocaria em questo a ordem social. Vale dizer, tais manifestaes deveriam ser inicialmente corrigidas pelos representantes dos saberes do psquico no Estado penal, mas se as ditas manifestaes insistirem, deveriam ser afrontadas posteriormente pela fora e pelo desdobramento direto desta, qual seja, o encarceramento. Com efeito, em face da fora supostamente desmesurada dos indivduos, que promoveriam a

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    desordem e a arruaa, necessrio seria o contraponto de uma contrafora supostamente legal e legtima, para que a ordem social seja efetivamente restaurada. Enfim, instituiu-se por este vis a poltica da tolerncia zero para conter pela fora as manifestaes de agressividade e de violncia oriundas das populaes pobres. Para propor uma leitura consistente desta questo, vou me valer aqui da teoria psicanaltica sobre o sujeito e a subjetivao, lanando mo das proposies tericas de Lacan sobre isso, que so bastante pertinentes. Assim, nos anos 1940, Lacan formulou e desenvolveu uma leitura consistente sobre a agressividade, numa perspectiva psicanaltica, para se contrapor decididamente a uma teoria ento dominante, centrada que era no behaviorismo (LACAN, 1948/1966). Com efeito, Lacan precisou demonstrar a implicao fundamental do sujeito na experincia da agressividade e da violncia, sustentando que esta e aquela no se reduziam a algo da ordem estrita de comportamento. Evidenciava, desta maneira, que era a ordem simblica que estava em causa, pois o sujeito estaria decisivamente colocado em questo de maneira radical. Nesta perspectiva, a experincia da agressividade seria sempre desencadeada quando o sujeito no era efetivamente o alvo de um reconhecimento simblico, isto , quando aquilo que falava no era devidamente escutado e reconhecido pelo outro. Em decorrncia disso, pelo vazio provocado pela ausncia crucial de reconhecimento simblico, que crucial para qualquer sujeito, este seria conduzido experincia estridente da agressividade, para que o outro pudesse ento escut-lo na sua demanda legtima de reconhecimento (LACAN, 1948/1966). Alm disso, se tal surdez e indiferena do outro em face da agressividade insistissem e persistissem, de maneira permanente, o sujeito se tornaria cada vez mais agressivo e violento, para que o outro pudesse escut-lo nas suas demandas legtimas. Portanto, uma experincia de violncia em espiral assim se consubstanciaria e se cristalizaria, diante da surdez e da indiferena do outro em escutar o que o sujeito estivesse legitimamente dizendo (LACAN, 1948/1966). Em seguida, Lacan procurou ainda desdobrar e complexificar o seu argumento terico. Assim, enunciava que a agressividade e a violncia do

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    sujeito na atualidade no apenas se referiam ao no reconhecimento simblico que se passaria no tempo presente, mas que eram tambm repeties eloquentes de antigas experincias de no reconhecimento simblico do sujeito. Estas deixariam ento marcas no sujeito, que teriam caractersticas marcadamente traumticas. Com efeito, como fendas no corpo que no foram jamais cicatrizadas, tais marcas traumticas produzidas no passado pelo no reconhecimento simblico do sujeito seriam atualizadas tambm no presente, quando o sujeito no fosse efetivamente reconhecido (LACAN, 1948/1966). De fato, traumatizado pelo no reconhecimento de outrora, o sujeito se manifestaria na atualidade pela violncia e pela agressividade, face s experincias do presente, onde tambm no seria legitimamente reconhecido. No entanto, em face da surdez do outro que se manteria na sua indiferena, o sujeito relanaria a sua agressividade e violncia para obter assim o reconhecimento simblico legtimo que demandaria. Lacan procurou inserir esta teoria da agressividade em psicanlise na sua teoria do estdio do espelho, pela qual destacava a importncia crucial deste na estruturao do eu, no qual o outro estaria sempre implicado na experincia da dita estruturao (LACAN, 1949/1966). No cabe aqui, neste contexto, retomar esta dimenso conceitual de sua teoria, pela especificidade psicanaltica que envolve e que nos distanciaria de nosso propsito neste texto.

    Porm, a importncia conceitual da conjuno das duas formulaes, pela articulao entre as ideias de reconhecimento simblico e de olhar do outro na constituio do eu, assim como pelos efeitos nefastos promovidos pela no conjuno destes na emergncia da agressividade e da violncia, deve-se ao enunciado de algumas teses de Lacan, formuladas em 1950, na leitura que empreendeu do crime e da leitura crtica da criminologia (LACAN, 1950/1966). Vale dizer, a criminalidade e o processo de criminalizao seriam decorrentes destes impasses no processo de subjetivao dos indivduos, conduzindo-os passagem ao ato. Podemos retomar agora a problemtica da responsabilidade moral do sujeito na insegurana social promovida pela ordem neoliberal, na sua articulao com a produo do mal-estar no registro da ao. Assim, pela mediao da vergonha e da culpa, que delineiam o sujeito como indigno e humilhado no registro moral, em decorrncia da promoo da quebra crucial de

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    seu narcisismo, o sujeito no seria mais escutado nem tampouco reconhecido simbolicamente nas suas demandas, pelas autoridades inscritas nas instituies sociais e polticas. Tudo isso produziria ento uma experincia de no reconhecimento no sujeito, que teria neste uma incidncia efetivamente traumtica. Consequentemente, o sujeito se manifestaria pela agressividade e pela violncia em face disso, que por uma inflexo semiolgica comportamentalista exercida pelas instncias psi e policiais da ordem penal interpretariam tais aes como se fossem irracionais e destitudas de sentido. Com isso, as autoridades legais e policiais reagem imediatamente pela represso direta e pelo encarceramento, pela impossibilidade de reconhecerem simbolicamente as demandas legtimas de tais sujeitos. Este reconhecimento simblico implicaria o acolhimento legtimo da conflitualidade como signo do confronto poltico efetivo. Assim, pode-se dizer que o novo behaviorismo, como discurso terico no campo dos saberes do psquico, ganhou uma grande notoriedade cientfica na contemporaneidade, ao lado do cognitivismo, pois ambos possibilitam que os processos de medicalizao e de criminalizao podem ser incrementados na sociedade neoliberal com uma legitimidade supostamente cientfica. Para isso, no entanto, necessrio desconectar os registros do comportamento e da cognio do registro do sujeito, de maneira a colocar em estado de suspenso a questo do reconhecimento simblico deste. Enfim, por isso mesmo Wacquant utiliza de maneira frequente no seu ensaio a expresso behaviorismo moral (WACQUANT, 2011), colocando em destaque a forma pela qual a responsabilidade moral do indivduo se conjugaria com o registro da insegurana social promovida pela formao social do neoliberalismo.

    X. Saber e poder Em decorrncia disso, constituiu-se recentemente a psicologia jurdica como uma nova modalidade de saber no campo da psicologia, centrada na psicologizao dos laos sociais e voltada para a regulao das transgresses no nvel microscpico das relaes sociais. Por este vis, o processo de criminalizao das populaes pobres atinge um outro limiar de interveno, pois no estaria mais voltado para os grandes crimes, tal como a psiquiatria

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    forense j realizava desde o sculo XIX (FOUCAULT, 1999), mas para as pequenas transgresses, realizadas nos mbitos da famlia e do trabalho. Alm disso, a psiquiatrizao do espao social se realiza de maneira triunfante pela via das neurocincias, que procura regular o mal-estar social e psquico pela via da psicofarmacologia. Neste contexto, o sujeito e os processos de subjetivao tendem ao apagamento e ao silenciamento, pois no processo de psiquiatrizao em pauta aquele e estes se dissolvem no crebro e na rede neuronal. Concebido como efeito do metabolismo dos neuro-hormnios, o sujeito se silencia no campo do sistema nervoso. No que tange a isso, preciso evocar que o contraponto histrico na construo da sociedade contempornea nos Estados Unidos foi a formulao poltica de Clinton, no incio dos anos 1990, de que se iniciaria ento a dcada do crebro. Portanto, existe uma conjugao estrita entre a construo histrica da sociedade neoliberal e a disseminao do discurso das neurocincias e do cognitivismo, como poltica efetiva do Estado neoliberal. Enfim, a psiquiatrizao e a criminalizao da insegurana social se articulam de maneira ntima, na sociedade neoliberal, constituindo dois tempos diferentes, mas intimamente conjugados na regulao do mal-estar oriundo nas subjetividades, pela promoo da insegurana social de forma disseminada.

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    Recebido em: 30/05/2013 Aceito para publicao em: 10/06/2013


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