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BOLETIM INFORMATIVO Nº 1 ABRIL DE 2014
EDITORIAL
25 de Abril – SEMPRE!
Dois países num país
Canto o escravo ou o senhor?
Canto a dor que se não diz
canto a dor.
Manuel Alegre, “minha Pena minha espada” (1967)
40 Anos depois daquele Abril:
Portugal é o país da UE onde se registou maior
desigualdade de rendimento líquido.
Em comparação com os países da OCDE
somos o 4º país com maior diferença salarial
entre os rendimentos mais elevados e os rendi-
mentos medianos, apenas superados pelo Chi-
le, México e Turquia.
O atual salário mínimo já vale menos que o de
1974.
A emigração já supera a da década de 60.
Por outro lado, os rendimentos dos mais ricos
duplicaram e as prescrições da justiça beneficiam
sempre os mesmos. O Presidente da Comissão
Europeia elogia o ensino do Estado Novo e a
Assembleia da República nega a palavra aos
Capitães de Abril.
Regressamos a “Dois países num país”, desta fei-
ta numa Europa dividida.
Quem domina insiste na austeridade. Aposta na
destruição das conquistas sociais e esmaga a clas-
se média.
Celebremos Abril com todo o empenho!
Celebremo-lo cientes de que acima de tudo repre-
senta a resistência de um povo na sua luta pela
liberdade.
Celebremos para que a mordaça e a venda não
nos sejam novamente colocadas.
Teresa Gago
Página2 Número 1 Abril de 2014
AS PAREDES TÊM OUVIDOS
(crónica de Jorge Paulos)
Nasci e vivi, cerca de vinte e dois anos, junto ao Chafariz das Janelas Verdes, onde acaba o bairro da Madragoa e começam o
de Alcântara e o da Lapa.
Embora os meus pais vivessem com algum desafogo, passados que são todos estes anos, é interessante recordar as condições
de vida de uma grande parte daquela classe média da época, que vivia em prédios que, na sua maioria, não tinham casa de
banho, nem, em muitíssimos casos, sequer uma sanita, havendo apenas uma pia de despejos comum, em cada andar.
Aparentar alguma dignidade era um difícil exercício diário a que se juntava um enorme medo de exprimir o descontentamento,
face à repressão exercida pelo regime, que fazia alarde das prisões que iam acontecendo, mantendo no silêncio até os mais
afoitos.
José Ricardo era um homem dos seus trinta e muitos anos, que vivia no mesmo
prédio do que eu, exatamente na esquina da Rua do Conde para a Rua do Olival.
Com ar pacato, invariavelmente, após regressar do trabalho, subia até casa para
pôr a lancheira e, de seguida, atravessava a rua e na taberna que ficava na outra
esquina, comia um pastel de bacalhau e bebia um copito de três.
Depois, ou ficava a ver o pessoal a jogar à sueca e a dizer mal da vida, ou se senta-
va à porta, num banco de madeira, horas a fio, a ver quem passava ou dando dois
dedos de conversa com os que, entretanto, iam chegando.
Era um grande benfiquista e, quando havia jogos no estádio da Luz, alinha-
va sempre com o meu pai, eu e mais três amigos que íamos no táxi do Joa-
quim Pequeno, que também era do Glorioso e que se limitava a dividir o
custo da gasolina pelos cinco, visto que o “miúdo” não pagava.
O Joaquim Pequeno aproveitava a viagem para exprimir os seus sentimen-
tos contra o Estado e, sobretudo, contra os Capitalistas que “só querem tudo
para eles e nem sequer nos deixam falar…” “se não fossem esses cabrões da
PIDE, já há muito que a malta se tinha revoltado e acabado com esses fascis-
tas”.
Era o único que falava, porque os outros, apesar de não haver ali mais ninguém, não se atreviam a isso.
O meu pai, que era tipógrafo e que tinha andado ligado aos movimentos a favor do esperanto, era um exemplo do espí-
rito da época, proibindo-nos, solenemente, de lá em casa se falar do que quer que fosse sobre política, porque, dizia ele
“as paredes têm ouvidos”.
Pouco antes do 25 de Abril, correu a notícia no Bairro, de que a PIDE tinha ido, de madrugada, buscar o Joaquim
Pequeno, porque desconfiavam que era comunista.
Às seis da manhã de um dia de Maio de 1974, ouviu-se um grande reboliço lá na escada e, soubemos depois, que o José
Ricardo fora preso, porque era um informador da PIDE.
E tinham sido exatamente as informações que ele fornecera, que ocasionaram a prisão do Joaquim Pequeno.
Foi um espanto para todos nós que o pacato Ricardo fosse, afinal, o bufo lá do sítio.
Passavam muitos meses sobre o 25 de Abril, quando, já na minha casa, entusiasmado, comentava um acontecimento
político do dia, que o meu pai relembrou este caso e me recomendou que falasse mais baixo, porque, dizia ele, continua-
va a achar “que as paredes têm ouvidos”.
Por ora, ainda não faço essa recomendação aos meus filhos e netos, mas pelo andar da carruagem, não sei se não terei
de o vir a fazer.
OLHARES de ABRIL
Página3 Número 1 Abril de 2014
PONTO DE VISTA
"O Logro da Inevitabilidade
Durante os últimos anos temos sido bombardeados com a ideia de que
“Austeridade e os Sacrifícios são Inevitáveis e que não há Outro
Caminho”.
Ora a ideia de Inevitabilidade não é original e foi repetida até à exaus-
tão durante vários anos numa outra crise que, embora diferente na
origem, caminha a passos largos para os mesmos resultados.
No dia 24 de Outubro de 1929 a Grande Depressão atingiu duramente
todo o Mundo Ocidental, e com isso arrastou milhares de empresas
para a falência e milhões de pessoas para o desemprego e para a
pobreza.
Assente na ideia que os desequilíbrios se autocorrigiriam e que o
Estado deveria ele próprio dar o exemplo reduzindo os seus gastos, a
resposta dos diversos Governos Mundiais foi garantir uma menor
intervenção dos Estados e reduzir os gastos sociais com as suas popu-
lações. Esta solução, como bem sabemos, apenas agravou os efeitos
da Crise e gerou as condições propícias à ascensão de regimes fascis-
tas por toda a Europa, onde a queda da República de Weimar e a
ascensão de Hitler são talvez o exemplo mais flagrante.
Apenas quando os Governos alteraram drasticamente as suas políticas
para fomentar o Investimento Público e garantir o apoio aos desem-
pregados e aos mais desfavorecidos (do qual o New Deal de Roose-
velt é um claro exemplo) é que a situação económica melhorou e a
Crise passou a ser considerada uma coisa do Passado.
Hoje em dia assistimos aos mesmos discursos e às mesmas ideias às
que foram repetidas até a exaustão nos anos de 1929 a 1932 e, como
seria de esperar, aos mesmos resultados, como a desintegração da paz
social, o alargamento do fosso entre os Ricos e os Pobres, a destrui-
ção da Classe Média e a Ascensão das Politicas Extremistas e Fascis-
tas por toda a Europa.
E tal como em 1933, é necessário alterar radicalmente a estratégia de
combate à Crise, abandonar o discurso da Inevitabilidade e imple-
mentar as Soluções que anteriormente já demonstraram ser fiáveis e
corretas.
Termino apenas com o pensamento de George Santayana:
“Those who cannot remember the past, are condemned to repeat it”
Ou, por outras palavras, “Se não aprendermos com o Passado, esta-
mos condenados a repeti-lo”.
Manuel João Almeida
Página4 Número 1 Abril de 2014