1 Trabalho de Conclusão de Curso
BOLSA FAMÍLIA: CONDICIONANTES E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DE
MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. O QUE DIZEM ESTAS
VOZES SILENCIADAS
Keli Cristina Pretti Barbosa de Mattos
Resumo: Busca-se no presente artigo, relacionar dois objetos de pesquisa, como, a violência
contra a mulher e a importância que o benefício do Programa Bolsa Família realiza na vida
dessas vítimas, correlacionando ambas temáticas, afim de apresentar uma pesquisa que possa
a vir contribuir com o aprimoramento do programa e colocar mais uma vez para a sociedade
o drama que é a violência doméstica, enfatizando principalmente a questão das
condicionalidades do Programa, onde a mulher continua sendo o personagem mais cobrado
para cumprir essas responsabilidades. A pesquisa foi realizada através de entrevistas com duas
mulheres que já sofreram com a violência doméstica, são beneficiárias do Programa Bolsa
Família e foram atendidas e acompanhadas pelo Centro de Atendimento à Mulher em situação
de violência Viva Mulher de Dourados. Espera-se com esta pesquisa, aprimorar o Programa,
afim de relacioná-lo efetivamente com as outras políticas públicas que é a saúde e a educação,
tornando-o mais eficaz quando a mulher necessitar dessas políticas também poder contar com
um atendimento acolhedor e prioritário.
Palavras Chave: Mulheres. Violência. Autonomia. Benefício.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como abordagem temas discutidos rotineiramente, como, a
especificidade do programa Bolsa Família e a violência doméstica, que se perpetua em muitos
lares brasileiros, fazendo com que mulheres sofram com essa situação durante muito tempo.
Dois temas específicos, porém, que acabam por se entrelaçar na vida dessas vítimas.
A pesquisa será realizada com duas mulheres, que são atendidas e acompanhadas
atualmente pelo Centro de Atendimento à Mulher em situação de violência doméstica – Viva
Mulher, órgão público, mantido pela Prefeitura Municipal de Dourados, ligado diretamente à
Secretaria Municipal de Assistência Social do Município. O Centro de Atendimento, oferece
o trabalho psicossocial e jurídico, afim de fortalecer e empoderar as mulheres que são vítimas
de violência doméstica. A grande maioria das mulheres que procuram pelo atendimento são
2 Trabalho de Conclusão de Curso
beneficiárias do Programa Bolsa Família e o principal objetivo do tema é: diagnosticar qual a
importância do benefício na vida dessas mulheres. Ao mesmo tempo, procurar entender a
eficácia do benefício no desenvolvimento econômico e social. Foram utilizadas, entrevistas
gravadas em áudio, com duas usuárias do Programa, bem como pesquisa documental dessas
usuárias existentes no órgão.
A relevância da pesquisa se dá a partir do momento em que o Serviço Social atua de
forma direta na vida dessas mulheres, percebe-se que existe uma ligação entre o profissional
e a usuária do serviço, procurando uma forma de alcançar a autonomia dessas vozes
silenciadas.
A violência contra a mulher é um fenômeno mundial, que atinge todas as classes
sociais, etnias, orientação sexual, religião, enfim, não importa qual a situação da vítima,
ocorre primeiramente pelo fato de ser mulher. A violência doméstica é ocasionada pelas
pessoas as quais as vítimas tenham vinculo consanguíneo ou afetivo, dentro ou fora do
espaço privado. De acordo com a Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006, a violência doméstica
é classificada da seguinte forma: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. É
observado, ainda que, na maioria dos casos, mesmo a classe social não importando para que
ocorra a violência, sua grande parcela ocorre com mulheres pobres, sendo muitas delas
participantes do Programa Bolsa Família.
Segundo Carlotto e Mariano (2012) o Programa Bolsa Família, é um programa de
transferência de renda, cujo objetivo é reduzir a pobreza e a extrema pobreza, promovendo
acesso a serviços públicos, especificamente saúde, educação e assistência social. Falar do
Programa Bolsa Família, é remeter-se à Política Nacional de Assistência Social, implantada
em outubro de 2004, relevando a Assistência Social como política de proteção social,
configura-se como uma nova situação para o Brasil. Essa nova concepção de Assistência
Social como direito a proteção social, direito à seguridade social tem duplo efeito, o de suprir
sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior
autonomia do cidadão e da cidadã.
Outro contexto de análise da política de assistência social é que a família brasileira
tem passado por transformações ao longo dos tempos, uma dessas transformações é a
referência da família, onde, segundo a Política Nacional de Assistência Social (2004, p. 20),
3 Trabalho de Conclusão de Curso
contempla que entre o final dos anos de 1990 até 2002, houve um crescimento de 30%da
participação da mulher como referência da família.
2 JUSTIFICATIVA TEÓRICA
De acordo com Carloto e Mariano (2009, p.259) abordam que a maioria da população
em extrema pobreza é composta por mulheres, em quase todas as regiões,
predominantemente na zona urbana e que essas mulheres acabam por serem
responsabilizadas a serem titulares de programas de transferência de renda, por tratarem das
questões intrafamiliares de forma mais consciente. Tais responsabilidades acabam por exigir
cada vez mais das mulheres, como por exemplo, sua qualificação para o mercado de trabalho,
em busca de sua independência econômica, ou seja, sua autonomia. Ainda, segundo Carloto
e Mariano (2012, p.259) afirmam que:
Por outro lado, a imposição de condicionalidades nas áreas de Educação,
Saúde e Assistência Social pode gerar, para as mulheres em situação de
extrema pobreza, responsabilidades ou sobrecarga de obrigações
relacionadas à reprodução social, impactando o tempo e o trabalho das
mulheres, além de reforçar papéis tradicionais na esfera dos cuidados.
Ao nos depararmos com as abordagens que os autores nos trazem é possível definir
que algumas mulheres vítimas de violência, principalmente as beneficiárias do Programa
Bolsa Família, ainda se deparam com a sobrecarga que o próprio programa impõe,
enfatizando assim, uma maior responsabilidade com sua família. Para a realização da análise
desta pesquisa há a necessidade de alguns questionamentos, tais quais: quem são essas
mulheres beneficiárias do Programa? Qual a importância do benefício em suas vidas? Como
utilizam o benefício, entre outras questões que devem ser analisadas, principalmente seu
histórico de vida?
Diante da pesquisa de campo realizada com duas mulheres vítimas de violência
doméstica que já foram atendidas pelo Centro de Atendimento a mulheres em situação de
violência – Viva Mulher, se costuram discussões entre o que os autores nos trazem de uma
realidade de outro estado. Neste caso o estado do Paraná, especificamente a cidade de
Londrina, onde as mulheres entrevistadas afirmam que o benefício as sobrecarregam,
enquanto em Dourados, não houve essa afirmação, e sim ao contrário, as pesquisadas
4 Trabalho de Conclusão de Curso
afirmam que acham muito boas as condicionalidades, pois acompanham de perto a questão
da saúde e da educação de seus filhos.
Há ainda uma forte relevância em situar a feminização da pobreza, pois segundo
Berro (2008, p.133):
A feminização da pobreza é entendida como um fenômeno no qual as
mulheres vêm, ao longo das últimas décadas e por várias questões sociais
e econômicas, se tornando mais pobres do que os homens. Consiste numa
elevação da proporção de mulheres entre os pobres ou elevação da
proporção de pessoas em famílias chefiadas por mulheres entre os pobres.
É o crescimento da pobreza no universo feminino ao longo do tempo.
Potencializando a discussão, é observado que as mulheres na atualidade buscam sua
autoafirmação e independência financeira, porém, observa-se que essa busca também pode
levar a outro problema familiar que é a violência doméstica. Com essa indagação, é possível
afirmar o motivo que as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família são as titulares
do benefício, pois ressaltamos que a pobreza na contemporaneidade atinge mais as mulheres
do que os homens.
Diante dessa afirmação, destaca-se que com relação ao trabalho da mulher moderna,
primeiramente é necessário salientar a questão da mulher do campo que migra para a cidade,
a contar da primeira metade do século XX, processo que se acentua diante da Revolução
Industrial, formando assim, o proletariado feminino. Ainda de acordo com (Nogueira, 2004,
p. 07) algumas mulheres tentaram ingressar em fábricas, porém tem sua força de trabalho
barrada pelos homens, demostrando assim o preconceito da época, fazendo com que essas
mulheres fossem trabalhar em ambiente doméstico, para famílias mais afortunadas,
exercendo o trabalho de babá ou doméstica.
Na contemporaneidade já é possível afirmar que cada vez mais mulheres ocupam o
mercado de trabalho, por diversos fatores, sendo econômicos, culturais e sociais. Em razão
do crescimento da industrialização, culminou a transformação da estrutura produtiva, o
processo de urbanização e a redução das taxas de fecundidade, explicam esses fatores.
Porém, ainda, mulheres continuam timidamente recebendo menos que os homens, pois,
diante de questões de educação e profissionalização, poucas ainda podem exercer um cargo
de chefia ou comando. As mulheres no mercado de trabalho que já somam 80%, porém essas
5 Trabalho de Conclusão de Curso
atividades ainda são realizadas em atividades domésticas e por mulheres negras, com baixo
nível de escolaridade e remuneração baixa.
Outro posicionamento que a pesquisa traz é a questão de que ainda algumas mulheres
ressaltam que no ambiente doméstico, há a oportunidade de dedicar-se aos filhos e a casa,
não pretendendo buscar alternativas de trabalho, como destaca os autores Carvalho e
Almeida (2003, p.116):
Estudos como os de Salles (2002), Oliveira e Ariza (2002), Goldani (2002)
e Montali (2000), têm ressaltado como os problemas em apreço afetam,
também, os padrões de organização do grupo familiar. Isso porque, nas
classes populares, o homem ainda é considerado e valorizado como chefe
e provedor da família, ao passo que as mulheres tendem a perceber o
casamento como apoio moral e econômico e, muitas vezes, como
oportunidade de deixar de trabalhar, dedicando-se aos afazeres domésticos
e à criação dos filhos.
Porém, na contemporaneidade, é observado um outro cenário com relação às
mulheres no mercado de trabalho. Pois muitas mulheres estão deixando de ter o pensamento
de cuidadora do lar e buscando o mercado de trabalho, como uma opção para ajudar na renda
familiar e ainda proporcionar aos seus filhos um maior conforto e acesso a outros serviços.
É possível salientar que na maioria dos casos onde mulheres são as provedoras do lar, ocorre
a precariedade na renda e a dificuldade de subsistência. Além dessas questões econômicas
especifica-se que o convívio familiar fica marcado por muitos conflitos, como traz Carvalho
e Almeida (2003, p.117), destacando que:
Esses problemas afetam não apenas as condições materiais da subsistência
da família como sua própria convivência e organização, com o aumento
dos conflitos, da violência doméstica, da fuga de crianças e adolescentes
para as ruas e do envolvimento desses últimos em atos infracionais. A
pobreza, o desemprego e, em especial, a falta de perspectivas têm
conduzido muitos jovens brasileiros para a criminalidade, o que contribui
com o crescimento da violência, da qual eles têm-se tornado vítimas
preferenciais, notadamente nos bairros pobres onde se concentram.
Além destas indagações a pesquisa abordará a questão do gênero, em sua
complexidade que é discutida. Sendo que a análise de gênero se faz diante de uma construção
de identidade, pois segundo Lopes (2008, p.49), “O termo gênero surge como forma de
superar o determinismo biológico que se impunha na compreensão das relações entre
homens e mulheres, nas teorias essencialistas que buscavam explicar as diferenças entre o
6 Trabalho de Conclusão de Curso
masculino e o feminino. O estudo se insere no campo dos direitos humanos e sexuais”.
Portanto, é percebido um grande enfoque dentro da questão de gênero, a ser discutida
amplamente dentro das relações, e abordar que gênero é uma construção que infelizmente
ainda no século XXI, trazem grandes discriminações perante à figura da mulher. Ainda de
acordo com o que traz Lopes (2008, p.41), que diante dessa discriminação a violência de
gênero não é um problema contemporâneo, mas sim, foi ocultado durante décadas se
constituindo como um grave problema social, envergonhando muitos países.
Além das afirmações realizadas, a abordagem se dá, elencando o que essas vozes
silenciadas pela violência trazem, o que anseiam, mais do que tudo, o que realmente querem
ou conseguiram após o rompimento do ciclo e quais oportunidades que o benefício de
transferência de renda proporciona para seu desenvolvimento social e econômico. Podemos
aqui destacar a questão da violência doméstica sofrida por mulheres provenientes do PBF e
como esse, talvez, venha auxiliando na “emancipação” destas em relação aos “abusos”
sofridos em seus lares.
De acordo com pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
em 2000 a taxa de atividades dos homens era 59,8% maior do que as mulheres, já em 2010
esse número caiu para 38,6%, apontando assim para uma queda na desigualdade de acesso
das mulheres ao mercado de trabalho. Os estudos ainda trazem que, a taxa de atividade das
mulheres brancas é maior do que das mulheres pretas ou pardas. Com relação ao gênero no
mercado de trabalho, houve crescimento entre 2000 e 2010, na formalização do trabalho para
homens e mulheres, porém este crescimento foi maior para os homens, totalizando 18,4%
para eles e 12,9% para elas. Ainda conforme Carloto e Mariano (2009, p.261) destacam que:
“Para as mulheres, ter autonomia e poder, significa também ter mais liberdade,
independência, poder viver por conta própria, não depender de ninguém, principalmente do
marido”.
Quanto a questão do rendimento, estudos do IBGE, trazem que, a maior proporção
de mulheres sem rendimentos está na Região Norte com 37,7%, e a menor, na região Sul
com 24,6%. Estes resultados diferenciados por região mostram que, além das relações de
gênero, os aspectos econômicos e as características do mercado de trabalho influenciam o
indicador. Nas regiões, onde o trabalho rural é significativo, porém as mulheres não são
remuneradas, como é o caso do Norte e Centro-Oeste, a taxa de trabalho executado por elas
7 Trabalho de Conclusão de Curso
é de 45%. Diante de pesquisa realizada pelo IBGE em 2011, é possível realizar uma análise
de como a situação ocupacional da mulher não obteve avanços de 2003 a 2011, conforme
gráfico abaixo.
Distribuição da população ocupada, por posição na ocupação, segundo o sexo (%)-2003
a 2011.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Trabalhadordoméstico
Militar oufunc.públicoestatutário
Empregadocom carteira
no setorprivado
Conta Própria Empregadores
Homem 2003
Mulher 2003
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Trabalhadordoméstico
Militar ou funcpublico
estatutário
Empregadocom carteira
no setorprivado
Conta própria Empregadores
Homem 2011
Mulher 2011
8 Trabalho de Conclusão de Curso
A mulher ainda, tem participação efetiva em trabalhos domésticos, muitas vezes sem
formalização, enquanto para o universo masculino, é possível observar uma grande liderança
em questão de empreendedorismo. Ainda, segundo Martins et. al (2010) as causas mais
expressivas de violência contra a mulher se refere a dependência financeira e ao desemprego
e que o meio mais eficaz para combater esse problema recai sobre o empoderamento
feminino.
Há séculos a violência doméstica impera no mundo, implicando com muita ênfase a
questão do gênero, pois, conforme Silveira e Nardi (2014, p.16):
A interseccionalidade entre gênero, raça e etnia nas situações de violência
contra as mulheres nas relações de intimidade é um campo atravessado por
relações de dominação, as quais se encontram num momento importante
de tensionamentos, mas que ainda são marcadas por muita desigualdade e
opressão.
De acordo com os autores, é possível afirmar que o tema violência doméstica, ainda,
é marcado por vários conflitos sociais e culturais. Diante dessa afirmação, podemos destacar,
conforme Lopes (2008, p.43), traz que as questões etnocêntricas, as desigualdades de classe
e o heterossexismo se entrelaçam com a opressão de gênero, nos fornecendo base
contextualizada para tal afirmação.
A mulher vítima de violência tem muitas dificuldades em romper um relacionamento
violento, como por exemplo: a afetividade, a esperança na mudança de comportamento,
pelos filhos, vergonha da sociedade, falta de apoio da família, dependência econômica, entre
outros fatores. Além da vergonha de denunciar, a mulher também passa por outras situações,
como, a violência social, onde as mulheres negras e pobres são as maiores vítimas, pois é
uma violência que ocorre de uma forma sutil e dissimulada, calcada no preconceito e na
discriminação, é a violência encontrada no dia a dia em todos os lugares.
A partir da contextualização teórica, foi possível realizar um estudo empírico com duas
mulheres, residentes em Dourados e que foram atendidas pelo Centro de Atendimento à
mulher vítima de violência – Viva Mulher, sendo que ambas beneficiárias do Programa
Bolsa Família. A pesquisa trouxe um enriquecimento, pois retrata como essas duas mulheres
9 Trabalho de Conclusão de Curso
enxergam a questão da violência doméstica em suas vidas e como valorizam a questão do
benefício.
Em sua grande parte, as mulheres vítimas de violência doméstica, vivenciaram
situações de violência na infância, vendo muitas vezes a própria mãe sendo agredida pelo
companheiro e até mesmo elas sofrendo com a violência desde muito jovem.
Contudo, a questão da violência traz um leque muito amplo de discussão, porém os
aspectos elencados deverão constar a questão do benefício na vida das vítimas de violência
doméstica. Pois, segundo Mariano e Carloto (2009, p.904) destacam que:
Ao ser incluída no PBF, a mulher é tomada como representante do grupo
familiar, vale dizer, o grupo familiar é materializado simbolicamente pela
presença da mulher. Esta, por sua vez, é percebida tão somente por meio
de seus ‘papéis femininos’, que vinculam, sobretudo, o ser mulher ao ser
mãe, com uma identidade centrada na figura de cuidadora, especialmente
das crianças e dos adolescentes, dadas as preocupações do PBF com esses
grupos de idade”.
As autoras trazem essa reponsabilidade do ser mulher com o ser mãe, o cuidado com
os filhos, que a sociedade transmite às mulheres, livrando assim, a figura masculina de toda
e qualquer responsabilidade. Diante da pesquisa de campo, observa-se que ambos os
companheiros não tinham qualquer responsabilidade de rotina para com seus filhos. Porém,
diante da fala das usuárias, nota-se que o papel dos filhos na vida dos agressores, somente
se fortalece em relação à dominação do homem sobre a mulher, quando os mesmos ameaçam
de tirar a posse dos filhos dessas mulheres.
A questão das condicionalidades do Programa Bolsa Família, também é tema de
análise, pois ao relacionar a responsabilidade da mulher, como titular do benefício, existe
também uma cobrança dessa figura para o cumprimento das exigências do Programa, pois
conforme Carloto e Mariano (p.267) trazem que a sobrecarga com esses cuidados é agravada
também pela falta de apoio dos pais das crianças, tanto financeiramente quanto na divisão
dos cuidados diários, aspecto contraditório das falas das usuárias do Viva Mulher, pois,
segundo elas relataram que não consideram sobrecarga cuidar da vida escolar e da saúde das
crianças, mas sim, uma obrigação.
As condicionalidades do programa, estão relacionados diretamente à área da
educação, pois há a necessidade que os filhos menores frequentem a escola, garantindo a
10 Trabalho de Conclusão de Curso
frequência escolar de, no mínimo 85% de frequência. Outro dever da família, é informar
quando a criança muda de escola, pois é realizado um acompanhamento por supervisores do
Programa quanto à frequência escolar. Outra questão das condicionalidades, estão
relacionadas à saúde, as gestantes e nutrizes devem ser inscritas no pré-natal, e ainda,
comparecerem a atividades educativas, ofertadas pela equipe de aleitamento materno e
promoção da alimentação saudável. Ainda existem condicionalidades relacionadas com os
filhos menores de 7 anos, pois o calendário de imunização deve estar em dia, além do
acompanhamento nutricional que deve estar sempre regularizado.
Diante de tantas responsabilidades elencadas pelo programa, há a necessidade de se
fazer uma análise diante de tantos compromissos que estas mulheres devem cumprir, pois
além do cuidado com a casa, com o trabalho e com a família, observa-se que há ainda a
questão da violência que assola este lar.
Ainda, segundo Carloto e Mariano (2009, p.905), relacionam que as atividades
reprodutivas das mulheres aparecem como recurso dos programas de transferência de renda,
e traz a obrigação no cumprimento das condicionalidades como um suporte aos programas
sociais que devam funcionar de maneira correta, agregando assim, às mulheres papéis de
responsabilidade notadamente femininos.
As autoras ainda trazem que diante da Política de Assistência Social, a família é
identificada pela mulher, ou seja, é a maternidade que se responsabiliza por todo o contexto
familiar, o que sintetiza desencontro com falas feministas, pois pregam a igualdade e os
programas de transferência de renda politizam essa “igualdade” centralizando na figura da
mulher.
A partir da referida discussão, ouviu-se o que as mulheres beneficiárias traduzem a
partir de suas vivências, seja por livrar-se da violência, pela sua emancipação e pela
contribuição do PBF na concretude de um novo projeto de vida. Para tanto, identificou-se
estas duas mulheres, com nomes de duas militantes feministas, que vem ao encontro de uma
reflexão sobre suas capacidades de identificarem o PBF como viável a liderança familiar
exercida pelas mesmas.
11 Trabalho de Conclusão de Curso
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO
Na pesquisa foram selecionadas duas usuárias do serviço de atendimento às mulheres
vítimas de violência, ou seja, o Viva Mulher, sendo que Maria da Penha atualmente está com
31 anos, trabalha como manicure em sua residência, recebe o benefício do Programa Bolsa
Família no valor de R$ 245,00 (Duzentos e Quarenta e Cinco Reais) possui quatro filhos de
13, 08, 05 e 02 anos, reside em casa própria e sofreu com a violência psicológica,
configurando em seu boletim de ocorrência como ameaça. Passou pela Casa Abrigo da
cidade de Dourados, ficando abrigada por mais de 30 dias. Já a usuária Simone de Beauvoir,
tem 33 anos, mãe de duas crianças de 11 e 04 anos, paga aluguel, trabalha como diarista,
recebe o benefício do Programa Bolsa Família de R$ 70,00 (Setenta Reais) e seus boletins
de ocorrências configuraram como ameaça, lesão corporal e tentativa de homicídio,
avaliados como violência psicológica e física.
Abaixo, poderemos mostrar um pouco das falas das usuárias, sendo que trazem
nessas falas, questões relacionadas ao Programa, as condicionalidades e a própria relação de
suas vidas com os filhos e com a violência doméstica.
Assistente Social: Como você avalia a efetividade do programa Bolsa Família, o mesmo
consegue atender as necessidades básicas da família?
Maria da Penha: O Bolsa Família ele consegue atender as necessidades
básicas da família, visto que também tem...são vários usuários é quase
impossível ser atendido todo mundo, ele é bom, consegue atender as
necessidades da minha família sim.
Simone de Beauvoir: Mais ou menos né...no fundo no fundo, não dá pra
fazer quase nada né...pelo preço das coisas e pelo valor que eu recebo,
muito pouco para duas crianças.
Diante dessa indagação percebe-se que o benefício, apesar do valor minimizado,
consegue suprir as necessidades de ambas as famílias, havendo também a preocupação em
atender outros cidadãos, conforme Carloto e Mariano (2009, p.119) trazem:
Contudo, embora necessários para aliviar a extrema carência de
determinadas camadas da população, programas pontuais e enfatizados
têm limites bastantes estreitos no enfrentamento dos problemas sociais e
da pobreza quando não são associados a políticas e transformações mais
amplas, que ataquem seus determinantes estruturais ( Lopes; Gottschalk,
1990). Além disso, no caso brasileiro, eles vem atendendo a uma parcela
bastante reduzida de sua potencial clientela.
12 Trabalho de Conclusão de Curso
Assistente Social: Como você avalia as condicionalidades do Programa?
Maria da Penha: Eu acho que funciona e também acho que deveria te essas
condicionalidades, porque é um incentivo né e acaba sendo prioridade da
mãe com seus filhos, dar mais atenção para os filhos, quase como um
incentivo, um jogo de troca né, se vai você leva pra escola, as vacinas em
dia e tal e você tem o direito também de receber, muito bom.
Simone de Beauvoir: Ah eu acho bom, porque tem que ter um controle
mais né...a favor da criança né, que muitas pessoas não ligam né e com isso
aí as crianças tem mais oportunidade, eu acho muito bom.
Ambas entrevistadas, abordam que as condicionalidades são boas para o
desenvolvimento das crianças e da família num contexto amplo, gerando assim, uma melhor
organização. As autoras Carloto e Mariano (2009, p.901) explanam:
A implantação do PBF, de acordo com suas regras de seletividade e
exigências de condicionalidades, bem como as dimensões assumidas ao
incluir mais de 11 milhões de famílias, expressa, em certa medida, a
extensão da pobreza no Brasil. Assistente Social: Você não acha que essas condicionalidades traz uma sobrecarga também
na vida da mulher? Porque ela que fica responsável para manter essa função.
Maria da Penha: Não porque é quase que o básico, acho que vacina é
básico, escola é básico, não acho que acaba sendo uma sobrecarga.
Simone de Beauvoir: Ah não, porque acho que isso aí para os filhos é
importantíssimo.
Neste momento há abordagem sobre a questão da sobrecarga que desencontram com
falas que alguns autores discorrem, como por exemplo cita Carloto e Mariano (2009, p.906):
Os discursos sobre feminilidade e maternidade apropriadas pelo PBF com
o intuito de potencializar o desempenho de suas ações no combate a
pobreza reforçam o lugar social tradicionalmente destinado às mulheres: a
casa, a família, o cuidado, o privado, a reprodução. É preciso que o
programa se questione sobre o peso de cada uma dessas categorias para a
subordinação e autonomia dessas mulheres.
Observa-se que para estas duas usuárias, a questão da sobrecarga é irrelevante, pois
percebem como sendo sua a responsabilidade em cumprir as condicionalidades, visto que,
outro fator importante de destacar, ambas não convivem mais com seus agressores, sendo
assim as únicas responsáveis para tais funções.
Assistente Social: Se pudesse explanar sua experiência de vida com outras mulheres, qual
mensagem deixaria para essas vítimas?
13 Trabalho de Conclusão de Curso
Maria da Penha: Primeiro seria denunciar e seguir em frente com a
denúncia, não desistir.
Simone de Bevouir: Tem que lutar, correr atrás, por mais que seja difícil,
as vezes a gente acha que é impossível, mas nunca é, o negócio é procurar
ajuda.
É importante ressaltar que ambas usuárias, reforçam a questão da denúncia como
fator de empoderamento e autonomia, até mesmo de superação. Ainda assim, esbarramos
com um forte agravante que é o silencio, conforme aponta Meneguel (2007, p 72):
Mesmo com diferentes serviços sendo oferecidos, assim como campanhas
nacionais para que denunciem tais agressões, o silêncio ainda é
predominante, e há poucos espaços para a realização da denúncia. O
excerto da história de vida anterior é um exemplo de silêncio e submissão.
Assistente Social: Sua história de vida.
Maria da Penha: A Maria foi uma adolescente que passou por várias...foi
vítima da sociedade, vítima da família, vítima de violência, foi adotada por
várias famílias e tinha tudo pra não ser nada, mas aí eu optei por ter uma
família, por sinal minha família é grande e tento fazer o possível para que
os meus filhos não passem pelo que eu passei, nem por violência, então
qualquer tipo de violência pra defender eu vou mesmo, com os meus filhos
comigo também, já tive experiência de passar por violência doméstica, fui
atendida pelo Viva Mulher também, Delegacia, fui uma mulher que foi
abrigada também, cheguei a ficar sem nada e grávida, então eu sou uma
das pessoas assim que tem uma referência de vida de violência, porém eu
tento não passar pra nenhum dos meus quatro filhos, é em casa a gente
tenta, eu tento trabalhar pra mostrar pra eles que trabalho é digno pra que
amanhã, depois nenhum deles é siga o caminho de ter a coisa fácil, porque
pra você ter a coisa fácil você vai acabar roubando, acabar no crime na
violência, tento ser o pai e a mãe, psicóloga, enfermeira, professora, todos
eles e meu objetivo é fazer com que eles cresçam certo, digno, trabalhando,
estudando, que seja alguém na vida e tento mostrar pra eles pra jamais olhar
pra mim e falar... ah mãe você também fez isso, você também fez aquilo,
você também faz isso, e eu espero que daqui pra frente, eles também sigam
um caminho bom e que a vida é você batalhar se você quer ter alguma coisa
você tem que batalhar, se acontecer no meio do caminho deles também,
por ignorância do destino eles também passarem por violência eles já tem
uma referência de que a violência a gente não pode aceitar, que a violência
não faz parte da vida do ser humano.
Simone de Beauvoir: é então a minha vida foi bem turbulenta na juventude
eu casei muito nova, tive maridos só violentos, não foi só um, foram duas
experiências, muito difícil e eu sai com o apoio de vocês, daqui, porque
família não apoiou, só julgava, então não foi fácil, igual eu falei, não foi,
não está sendo até hoje, não é fácil, porque eu estou lidando ainda com o
passado, ainda ele volta e meia ele cutuca mais, o negócio é bater de frente
e encarar não deixar levar, não desistir, nunca, continua perturbando, só
que agora eu tenho mais força de encarar ele, ele não me agride mais, agora
ele...eu que sei me defender, não aceito mais xingamento, não aceito me
agredir, por mim e principalmente pelas minhas filhas, para elas não verem
14 Trabalho de Conclusão de Curso
o sofrimento e levar aquela coisa na costas delas, que acho que não é justo,
tem que lutar e nunca desanimar.
Em ambos depoimentos, podemos observar histórias de abandono, injustiça,
violência e insegurança, porém, podemos destacar a superação de todos esses fatores
negativos na vida dessas duas mulheres, que tiveram coragem e buscaram ajuda a tempo.
Destacamos também a importância em se criar e manter órgãos que trabalham em defesa
dessas vítimas, para que possamos minimizar o problema da violência doméstica. Ainda,
podemos enfatizar a questão da violência doméstica no sentido do desenvolvimento
econômico e social em que essas mulheres viveram, conforme Meneguel (2007, p. 99) nos
traz:
A violência também é decorrente, segundo Araújo (2002), das
transformações ocorridas no plano social e econômico e os efeitos daí
decorrentes na produção de novos conflitos urbanos em uma sociedade
onde o individualismo de massa e a experiência do risco são características
inerentes. Para a autora, isso é agravado pela ausência e ineficiência de
políticas públicas e instituições encarregadas de garantir a ordem pública e
o respeito á cidadania, além do esvaziamento de conteúdos culturais e
éticos no sistema de relações sociais (Araújo, 2002).
A partir da pesquisa de campo e bibliográfica, bem como em documentos fornecidos
pelo Programa Viva Mulher, acreditamos que conseguimos realizar uma pesquisa rica em
informações bem como mostrar a importância do benefício na vida de pessoas que
necessitam deste recurso. Buscamos também entender a relevância do Serviço Social na vida
de alguns beneficiários, especificamente na vida de mulheres.
Ao abordarmos a questão do benefício do Programa Bolsa Família, também
procuramos mostrar a relação do referido Programa com as vítimas de violência doméstica,
pois ao serem atendidas no Centro de Atendimento Viva Mulher, essas vítimas acabam por
trazer seus dilemas e conflitos, relacionados à violência sofrida e à manutenção de sua
família.
Observando a fala das usuárias entrevistadas, foi possível observar que uma rompeu
com o ciclo de violência, porém está sob sua responsabilidade a manutenção com a educação,
alimentação e o bem-estar de seus quatro filhos. Contudo essa usuária também nos mostra a
superação de uma vida de conflitos, de insegurança e incertezas, que acabaram por leva-la a
uma situação que jamais imaginou que iria passar. Atualmente, foi possível observar que a
vida de Maria da Penha está melhor, a superação com relação a violência aconteceu, mesmo
15 Trabalho de Conclusão de Curso
assim outros contextos de dificuldades aparecem, como a falta de emprego, educação de
qualidade para seus filhos, falta de vaga em creche, dificuldade no acesso a serviços de saúde
e transporte, por residir em um bairro periférico. Sendo assim, surgiram essas dificuldades
que Maria da Penha tem que enfrentar sozinha, buscando todos os dias, muita força e
coragem para não desistir, como ela mesmo verbaliza que pelos filhos ela faz tudo.
Apesar de serem mulheres que passaram por situação de violência, é possível
observar que há nas duas histórias de vida pontos relativos e diferentes, pois Simone de
Beauvoir, ainda convive com a situação de violência e como podemos justificar isso, a falta
da justiça, pois seu autor raramente fica preso.
Apesar das histórias da história de vida de ambas as entrevistadas, terem sido de
sofrimento e turbulências, é observado que o cuidado com os filhos, para que não sofram ou
passem pela mesma situação é um ponto forte, pois apesar dessas crianças não contarem com
a presença do pai, essas duas mulheres buscam manter sua educação e saúde em dia,
mostrando que o benefício quando cobra isso em suas condicionalidades é um fator
importante, porém mesmo que não tivessem o benefício, elas tratariam seus filhos com o
mesmo cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que o Programa Bolsa Família, é um benefício que foi criado para
contribuir com o desenvolvimento econômico e social de muitas famílias, porém existe
fatores negativos, como a falta de fiscalização, fazendo com que famílias que poderiam estar
recebendo este valor não sejam contempladas.
A relação do benefício com as vítimas de violência, é de suma importância, pois
quando uma mulher decide romper o ciclo da violência, a primeira dificuldade que encontra
é a questão de sua manutenção e de seus filhos, visto que em sua grande parte são mulheres
que não tem remuneração ou quando remuneradas não tem registro em carteira, dificultando
assim sua decisão em deixar aquele companheiro violento.
Apesar do benefício contribuir com essas mulheres e seus filhos, ainda contamos com
muitas dificuldades em superar a violência doméstica, pois os órgãos de enfrentamento à
violência não atuam isoladamente, necessitam de parcerias, como justiça, saúde, educação,
16 Trabalho de Conclusão de Curso
moradia e ainda enfrentamos a questão do medo, perfazendo com que o silencio ainda seja
uma grande barreira a ser extinguida.
Diante das duas histórias de vida verídicas, é possível realizar uma análise tanto na
questão da violência doméstica, como fator principal que trouxe as duas vítimas até o Centro
de Atendimento e o que o benefício proporciona para que ambas possam superar a violência
vivida. Mesmo o benefício, do Programa Bolsa Família contribuir minimamente para a
superação da violência, ainda observamos que políticas públicas como educação e saúde
devem ter um olhar diferenciado a essas vítimas, pois há uma grande dificuldade também
dessas mulheres encontrarem apoio nessas duas políticas.
Referências
http://dp-ms.jusbrasil.com.br/noticias/112338797/defensoria-publica-de-defesa-da-mulher-
e-destaque-no-site-campo-grande-news, acesso em 16.dez. 2014.
http://www.defensoria.ms.gov.br/index.php?t acesso em 08.jun.2016
FARIAS, M.F.L. Relações de Gênero Dilemas e perspectivas. Ed.
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CURADO, J ; AUAD, D. Gênero e Políticas Públicas: a construção de uma experiência
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COORDENADORIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A
MULHER∕ SEGOV.Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.Campo Grande, 2008, 90
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WWW.scielo.com.br. MONTEIRO, C.F.SOUZA; SOUZA.I.E.OLIVEIRA. Vivência da
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MENEGUEL, S.NAZARETH. Rotas Criticas: mulheres enfrentando a violência.
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