Download - CARLA SIMONE BITELLO - A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE: O PAPEL DOS EDUCADOR
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
CARLA SIMONE BITELLO
A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:
O PAPEL DOS EDUCADORES
São Leopoldo
2010
CARLA SIMONE BITELLO
A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:
O PAPEL DOS EDUCADORES
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Orientadora: Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli
São Leopoldo
2010
A todas as crianças, dedico este trabalho. Por elas iniciei este curso de especialização, onde aprendi muitas coisas. Que esses novos aprendizados possam contribuir proporcionando mais qualidade às nossas vidas.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pelo privilégio de realizar esse Curso de Especialização em Educação Infantil e por me capacitar a realizar um trabalho como este;
ao meu marido e incentivador, Luciano Bitello, pelo companheirismo e compreensão, convivendo nesses últimos meses com a minha presença/ausência;
a minha filha Nicole, meu presente divino e principal inspiração para estudar o desenvolvimento infantil;
aos meus irmãos em Cristo pelas orações;
a todos os meus professores e mestres, em especial, minha orientadora a Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli, pela liberdade que me deu de expressar meus pensamentos, respeitando meu tempo no processo de aprendizagem;
a Unisinos que me proporcionou um aprendizado numa dimensão humanista-cristã, desde a graduação, no curso de Educação Física.
RESUMO
Este trabalho apresenta, de forma resumida, a história da infância e da educação infantil no Brasil. A seguir, aborda a temática qualidade de vida, considerando diferentes indicadores sociais. Na sequência, o texto traz uma breve reflexão sobre o estilo de vida das crianças na sociedade pós-moderna. Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto e, através de revisão bibliográfica, são identificadas algumas prioridades para uma educação humanizadora e que contribua na promoção da qualidade de vida e bem-estar social. As considerações finais referem-se às questões abordadas relativas à qualidade de vida no período da infância na atual conjuntura.
Palavras – chave:
Infância – Sociedade Pós-Moderna – Qualidade de Vida – Educadores
ABSTRACT
This paper presents, in a condensed format, the history of early childhood and early childhood education in Brazil. Next, it broaches the theme of quality of life, taking into consideration different social indicators. Following, the text brings a brief reflection on the post-modern society life-style of the children. In continuity, the role of the educators in this context is focused on and, by way of a biographical revision, some priorities are identified for a humanized education that will contribute towards the quality of life and well-being of society. The final considerations refer to the broached themes relative to the quality of life during the period of early childhood in current conjuncture.
Key – words:
Early childhood – Post-Modern Society – Quality of Life – Educators.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07
1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA ................................................................................. 09
1.1 Contextualização do Processo Histórico da Educação Infantil no Brasil ........ 10
2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA..... 16
2.1 Qualidade de Vida .......................................................................................... 16
2.1.1Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida .......................................... 17
2.1.2 Saúde e Estilo de Vida .......................................................................... 26
3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA............................................................................ 29
3.1 O Papel do Estado ......................................................................................... 30
3.2 O Papel da Família......................................................................................... 31
3.3 O Papel da Escola.......................................................................................... 36
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 48
OBRAS CONSULTADAS .................................................................................... 52
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INTRODUÇÃO
O entusiasmo naquilo que se faz é ponto de partida para a concretização de
projetos em todos os segmentos da sociedade. A partir deste pressuposto iniciei
esta monografia para o Curso de Especialização em Educação Infantil.
A participação nas aulas, seminários, encontros, debates e, através da leitura de
livros, ao longo deste curso de pós-graduação, levaram-me a refletir e questionar a
qualidade de vida na infância atualmente. Da mesma forma, quando compartilhava
com as pessoas que estava realizando tal curso, geralmente ouvia nostálgicas
respostas em relação à infância, recordações quanto aos tipos de brincadeiras e
espaços onde as praticavam, a questão da segurança, o relacionamento e a postura
das crianças diante de pais e professores, sempre afirmando que, há anos atrás, as
crianças viviam melhor. A partir dessas conversas, constatei a necessidade de
buscar na história da infância algumas respostas: o período da infância era, de fato,
melhor antigamente? Como era a qualidade de vida das crianças? É pior nos dias
atuais?
Dessa forma, inicio com uma breve revisão bibliográfica da história da infância,
utilizando, principalmente, as informações trazidas por Ariès, autor diversas vezes
mencionado durante este curso de especialização. Seguindo com uma explanação
do processo histórico da educação infantil no Brasil, através dos estudos de Del
Priori, Rosemberg, entre outros. A partir da análise conjuntural abordo a temática
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Qualidade de Vida, considerando diferentes indicadores sociais, sugeridos por
Tubino, autor de grande contribuição na área da Educação Física, onde tenho
minha formação inicial, refletindo sobre o estilo de vida e sua influência na saúde e
bem-estar das crianças atualmente.
Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto,
considerando educadores todos aqueles que além da família contribuem no
complexo e dialético processo de desenvolvimento humano, sabendo da
importância da infância, período este, crucial na formação de indivíduos
afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e socialmente
integrados para uma sociedade saudável.
A metodologia utilizada é na perspectiva sociocrítica, nesse paradigma segundo
Bravo & Eisman (1998) a finalidade da ciência é contribuir para a transformação da
realidade enquanto que a investigação é o meio que possibilita aos indivíduos
analisar essa mesma realidade através da reflexão (teórico-prática), elemento
fundamental para a produção da cultura científica. Essa investigação constrói-se a
partir das necessidades naturais da espécie humana e depende das condições
históricas e sociais. Analisando todos os fenômenos do ponto de vista teórico e
prático, forma a teoria e prática um todo inseparável.
A união da análise da realidade, juntamente, com a revisão bibliográfica,
baseada nos autores estudados durante o curso, como a educadora Reichert, o
psiquiatra Cury, o filósofo Santin, o pedagogo Redin foram decisivos na elucidação
do tema.
Sem a pretensão de esgotar o estudo sobre este assunto, este trabalho constitui
um esforço inicial de reflexão sobre as questões apresentadas que estão
diretamente relacionadas à qualidade de vida e bem-estar social nos primeiros anos
de vida do ser humano na atual conjuntura. A execução do mesmo se constitui em
desafio que não se encerra na conclusão deste.
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1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA
Marconi e Presotto afirmam que “para compreender a cultura humana deve-se
conhecer as fazes pelas quais a humanidade se transformou” (1985, p.87). A partir
desta premissa, das informações fornecidas pela sociologia e história da infância,
entende-se que as nossas ações não dependem apenas de um esforço pessoal,
mas estão fortemente relacionadas à sociedade como um todo, ou seja, as nossas
ações são condicionadas por aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais de
nosso tempo.
Conforme Ariès (1978), somente entre os séculos XIII e XVII que a criança
aparece como categoria social. De acordo com este autor, não por falta de afeição,
mas provavelmente, não houvesse lugar para a infância. Ou seja, não existia um
sentimento de infância, que corresponde à consciência da particularidade infantil e
distingue a criança do adulto. Por isso, criança ingressava na sociedade dos adultos
e não se distinguia mais destes, assim que conseguia viver sem a constante
dependência da mãe ou de sua ama.
Na Idade Média, a terra era a principal riqueza e a sociedade estava dividida
entre os donos da terra (senhores feudais) e os que viviam e trabalhavam na terra
(os servos). Nesse período, como o lugar de trabalho era o mesmo de moradia, não
havia uma preocupação com a guarda das crianças. Todos, os mais velhos, adultos
e crianças maiores, participavam dessa tarefa.
Quando a sociedade deixa de ser feudalista e passa a ser capitalista, o que se
torna valorizado é o capital, que compra tudo, inclusive a terra, as ferramentas e a
força de trabalho. A sociedade então fica dividida entre os donos do capital e dos
instrumentos de trabalho (os burgueses) e os donos da força de trabalho (os
assalariados). Nessa organização social, o lugar de trabalho é separado do lugar de
moradia e o lugar da criança modificado nas relações com os adultos.
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Com a Revolução Industrial e o aumento da demanda de trabalhadores, o setor
feminino foi absorvido de forma mais significativa, somadas às questões levantadas
pelo movimento feminista, como a conquista de uma nova identidade e de igualdade
de direitos perante os homens, ampliando para além da maternidade e das tarefas
domésticas as funções da mulher na sociedade.
Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e conseqüente afastamento
de casa, o cuidado das crianças passa a ser feito por terceiros, uma vez que a
possibilidade de auxílio dos familiares e vizinhos se reduz nos centros urbanos,
embora isso ainda seja visto nas periferias.
Desta forma, percebemos através dos estudos sobre o modo como as
sociedades se organizavam e produziam que o cuidado e a educação da criança
pequena era uma responsabilidade de toda a comunidade (e em alguns grupos
ainda é, como no caso dos indígenas, ciganos, MST- Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), que atuavam complementando a ação dos pais. Contudo, diante
de todas essas modificações socioeconômicas, tornou-se comum pelo menos no
mundo Ocidental essa prática chamada por Reichert (2008) de educação
terceirizada. Na sequência, será feito uma breve revisão da história da educação
infantil no Brasil.
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NO BRASIL
As primeiras instituições de atendimento à infância, no Brasil, se concentraram
no amparo aos órfãos e abandonados. Foram as chamadas “Casa dos Expostos”,
ou, como era popularmente conhecida, “Rodas dos Expostos”. Administradas pelas
Santas Casas, para receber crianças abandonadas, procurando diminuir a
mortalidade infantil por abandono. A primeira Roda, criada no Brasil, foi em
Salvador, na Bahia, no ano de 1726. A segunda foi em 1738, no Rio de Janeiro, que
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funcionou até 1935; a terceira, em Recife no ano de 1789. Em São Paulo, a Roda
existiu de 1835 a 1948. (DEL PRIORI, 1996)
O sistema a Roda dos Expostos foi inventado na Europa medieval e servia para
garantir o anonimato do expositor e estimulá-lo a levar o bebê que não desejava
para a roda ao invés de abandoná-lo nos bosques, lixos, portas de casas de famílias
ou igrejas. No Brasil, esse tipo de instituição existiu até 1950, quando foi fechada a
última Roda dos Expostos.
A Casa dos Expostos introduziu, ainda no Brasil Colônia, uma concepção de atendimento que procurava conciliar a educação com o trabalho. [...] desde cedo, essas crianças eram treinadas para diferentes ofícios, através do trabalho em oficinas cujas produções eram destinadas a subsidiar o atendimento prestado pela Santa Casa da Misericórdia, além de ajudar a manter as necessidades da própria Casa. (VASCONCELLOS, 2005, p. 80)
Nesse tipo de atendimento a criança perdia seu vínculo com a família de origem,
passando a morar na instituição até a maioridade, ou então, quando outra família a
escolhia para adoção. Muitas vezes, essa adoção não tinha um caráter afetivo, isto
é, a criança não se tornava filha da nova família, mas sim, uma criada para servir.
A Educação Infantil no Brasil, baseada no estilo europeu, tem origem em dois
modelos institucionais, com funções diferentes. Distinguindo-se dois tipos: a creche,
inicialmente ligada à preocupação de guarda de crianças pobres, filhas de mulheres
que trabalhavam fora e o jardim de infância ou pré-escola, vinculado ao sistema de
ensino, marcado por preocupações com aspectos educacionais, atendendo crianças
de classe média e alta. (SUSIN, 2009)
Araújo (2004) esclarece que a creche no Brasil surge, entre o final do século XIX
e os primeiros anos do século XX, a partir da iniciativa de empresas, com o intuito
de atender aos filhos de seus funcionários. Nesse período, quando surgem as
primeiras fábricas é também o início da atividade de trabalhadoras domésticas em
substituição aos trabalhadores escravos, com o término da escravatura. Desta
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maneira, são criadas creches empresariais (ligadas a fábricas) e filantrópicas, para
atender as crianças filhas de operários e trabalhadoras domésticas. Esse
atendimento não era visto como um direito da população, mas uma boa ação da
elite (grupos religiosos, médicos-higienistas e jurídico-policiais) preocupada em
controlar os trabalhadores e evitar a “desordem social”. A pré-escola data do final do
século XIX. A primeira a ser criada é iniciativa de uma escola particular paulista, em
1875. Em 1896, é fundado o primeiro Jardim de Infância da rede pública, também
em São Paulo. Nos anos 20 e 30, com o Movimento Escolanovista e as Reformas
Educacionais, temos a disseminação de Jardins de Infância por vários estados
brasileiros.
No campo de política nacional para a infância, somente em 1930 será criado o
Departamento Nacional da Criança – DNCr responsável por centralizar o
atendimento à infância no país e subordinado ao Ministério da Educação e Saúde
Pública. A primeira lei nacional a prever a necessidade de atendimento a crianças
pequenas é a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-lei n. 5.452 de 1º
de maio de 1943, que determinava para os estabelecimentos onde trabalhassem
pelo menos 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, ter local apropriado onde
fosse permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os filhos no
período de amamentação (artigo 389, parágrafo primeiro). Entretanto não havia
mecanismos de controle e fiscalização para garantir esse direito. Outro fator
agravante era de que o direito era das mulheres trabalhadoras e não das crianças,
provocando flutuação na oferta do serviço por este estar vinculado à inserção da
mão-de-obra feminina na atividade econômica. Apenas garantia o direito ao
aleitamento materno para o bebê, filho de mãe trabalhadora, empregada em
empresa dentro dessas condições, não havendo menção ao atendimento às
crianças na faixa etária após o período de amamentação e anterior à idade escolar.
Somente nos anos 70 é que vão ocorrer maiores transformações nos grandes
centros urbanos, a luta por creche vai ganhar força, sendo também, a fase de
respostas mais efetivas por parte do Estado. Contudo, as ações governamentais
eram feitas com mínimos investimentos, utilizando espaços precários e pessoal
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desqualificado, atendendo inadequadamente a um número de crianças bem inferior
a totalidade existente. De acordo com Kramer (1987), no ano de 1974, é criado o
Projeto Casulo pela extinta Legião Brasileira de Assistência – LBA, sendo o primeiro
programa brasileiro de Educação Infantil de massa. O Projeto Casulo se fez
utilizando a mão-de-obra, muitas vezes voluntária, e espaços da comunidade. A
escolha do pessoal não foi feita segundo critérios de qualificação profissional, mas
aproveitando a população local, oferecendo baixa ou nenhuma remuneração.
Rosemberg (1985) informa que, através da iniciativa da ONU (Organização da
Nações Unidas), o ano de 1975 foi decretado o Ano Internacional da Mulher, onde
foi criado, em São Paulo, o “Movimento de Luta por Creches”, em 1979, numa
resolução tomada no Primeiro Congresso da Mulher Paulista. Já no Rio de Janeiro,
é criado, pelo Centro da Mulher Brasileira, o “Grupo Creche”, e se realizou o
“Primeiro Encontro de Creches”. O movimento por creche, na década de 70, se
consolida nas grandes cidades do país, tendo expressão no Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte e Recife. A creche torna-se uma necessidade, principalmente,
para segmentos da população de baixa renda e aparece como ponto comum de
reivindicação de várias associações junto às autoridades públicas. Há assim, um
esforço de mobilização e organização da população em algumas entidades e
associações de bairro para pressionar o Estado a criar alternativas para prestar tal
serviço.
O movimento por creche deixa de ser somente vinculado ao trabalho feminino e
torna uma reivindicação de Educação Infantil, isto é, passa a fazer parte das
reivindicações de sindicatos de trabalhadores e associações de moradores por
atendimento a crianças na faixa etária de 0 à 6 anos em equipamentos
educacionais. A exigência por definição de políticas públicas, que considere essas
crianças como sujeitos que se educam desde a mais tenra idade, vai constar nos
discursos de mobilização especialmente das entidades de bairro. A proposta de
uma política educacional para crianças pequenas se estrutura, somando a este
movimento alguns segmentos que trabalham em creches e pesquisadores voltados
para questões sobre a criança nesta faixa etária, trazendo a discussão sobre a
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importância de um trabalho educativo também para as crianças em idade anterior a
obrigatoriedade escolar.
Os anos 80 são, marcadamente, os anos de construção de uma política nacional
de Educação Infantil, culminando na conquista do direito à educação em creches e
pré-escolas para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, a partir da Constituição
Federal promulgada em 1988, onde os termos do artigo constitucional n. 208, que
diz que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...) IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade” (BRASIL,1988), caracteriza a creche como um equipamento,
primordialmente, educacional. Na década de 80, há criação e expansão de algumas
redes de educação infantil – públicas, privadas e comunitárias. Nessa expansão
permanece a divisão entre pré-escola e creche, a primeira ligada a Educação, a
segunda, ao Bem-estar e a Saúde.
Na década de 90, observou-se um aumento das conquistas no plano das
políticas educacionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n. 8069 de 1990,
vem reafirmar o direito das crianças à creche e a pré-escola. Além de tratar de
questões que dizem respeito aos direitos das crianças relacionados à ação das
instituições educacionais e de atendimento à infância. Nesta década ainda, tivemos
a Conferência Mundial de Educação para Todos, na qual se reafirmou a
contribuição da Educação Infantil no processo educacional dos povos, destacando
em particular, como esse segmento educacional participa como fator que contribui
para o fim do analfabetismo.
Em 1996, é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional –
LDB (lei n. 9394/96), quando então se define que a creche e a pré-escola fazem
parte do segmento da Educação Infantil. Define a Educação Infantil como a primeira
etapa da Educação Básica, portanto, estando vinculada ao sistema de ensino,
deixando de ser considerada assistência social. Passa também a exigir a formação
docente, em nível médio ou superior. Ao incluir a Educação Infantil na Educação
Básica a LDB estabelece duas modalidades, segundo a faixa etária – creches (para
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crianças entre zero e três anos) e pré-escola (para crianças entre 4 e 6 anos) - , e
determina que ambas estejam sob responsabilidade dos municípios.
No ano de 1998, o Conselho Nacional de Educação formula as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabelecendo os princípios
norteadores para os currículos a serem criados pelos sistemas de ensino e seus
estabelecimentos. Em 2001, foi realizado o primeiro Censo Escolar de Educação
Infantil.
Para melhorar a qualidade da Educação Infantil, a Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação passa a exigir fiscalização periódica desses
estabelecimentos, por parte dos municípios. Entre as exigências, além da
obrigatoriedade de diploma de nível médio para os professores, para outros
profissionais como cozinheiro, porteiro e faxineiro, pelo menos o ensino fundamental
completo.
Realizado em 2001, o primeiro Censo Escolar de Educação Infantil, que incluiu
também as escolas clandestinas (que funcionam sem autorização oficial e como não
há fiscalização nesses locais, na maioria deles, as crianças são atendidas por
leigos), apontou que grande parte dos municípios brasileiros mantém escolas de
Educação Infantil. De acordo com o Censo Escolar, realizado pelo Inep (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do total de escolas,
apenas 14% ofereciam oficinas de arte e 17% possuíam sala de música. Quanto às
creches, 9% tinham enfermaria à disposição dos alunos, 24% possuíam fraldário e
15% lactário. Com uma média de 19 alunos por turma para creches e 21,3 para pré-
escola. Sendo mais de dez mil escolas infantis filantrópicas ou comunitárias.
Para o próximo capítulo, serão analisados diversos indicadores coletivos que
têm relevante influência no estilo e na qualidade de vida da infância, no atual
contexto.
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2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA
No amanhecer do terceiro milênio, a realidade social demonstra que os seres
humanos ainda vivem sob o signo da mais profunda desigualdade, que não só
separa países em desenvolvidos e subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas
que divide e segrega os habitantes de um mesmo país ou de determinada
comunidade.
A proposta de conquista do bem-estar para todos – com as pessoas tendo
direito a uma existência longa e saudável e a uma qualidade de vida compatível
com as aquisições científicas e tecnológicas da humanidade – continua sendo uma
utopia. Haja vista que, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud), dos 4,6 bilhões de indivíduos dos países em
desenvolvimento: 2,4 bilhões vivem sem saneamento básico; 1,5 bilhão vivem sem
eletricidade; 968 milhões não têm acesso a fontes de água tratada; 796 milhões são
analfabetos; 60 milhões são crianças que não frequentam escola primária. Mesmo
nos países desenvolvidos existem oito milhões de subnutridos. Inconformada, com
essa realidade social, concordo com Minà quando diz “concentrar riqueza nas mãos
de poucos ou permitir que não mais de 350 pessoas possuam 48% dos recursos do
planeta [...] e defender estes privilégios [...] é simplesmente imoral.” (MINÀ, 2003,
p.21)
2.1 QUALIDADE DE VIDA
O termo Qualidade de Vida tem sido amplamente discutido entre diversos grupos
interdisciplinares, entre eles sociólogos, antropólogos, educadores, profissionais da
área da saúde, entretanto não se tem um entendimento claro, nem uma definição
precisa do termo.
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Tubino (2002) lembra-nos da frase do pensador espanhol que disse: “Eu sou eu
e as minhas circunstâncias” (GASSET apud Tubino, 2002, p.263), constatando que
a premissa fundamental da interpretação de qualidade de vida é “a harmonia do eu
com as suas circunstâncias” (TUBINO, 2002, p.263), deixando implícito que as
circunstâncias individuais estarão sempre inter-relacionadas com as circunstâncias
coletivas que as envolvem. Assim, este autor faz uma relação de fatores coletivos e
individuais interligados da qualidade de vida.
Seguindo os passos de Tubino (2002) que, para melhor explanação do tema,
operacionalizou o termo qualidade de vida, faço uma breve contextualização dos
fatores interligados da qualidade de vida individual que, segundo o autor, são: os
indicadores coletivos da qualidade de vida, a saúde e o estilo de vida. Conforme
Tubino, esses fatores interagem entre si e, de forma alguma, devem ser
consideradas de maneira isolada.
2.1.1 Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida
De acordo com Tubino (2002), para tratarmos dos indicadores coletivos de
qualidade de vida, devemos consultar índices consensualmente aceitos, como: os
indicadores mundiais de qualidade de vida, o índice de desenvolvimento humano
(IDH), o índice de pobreza humana, o índice de qualidade de vida, os vários índices
socioeconômicos, o acesso a serviços e bens, os indicadores coletivos de
educação, os indicadores de violência. Dedicarei maior atenção aos indicadores
que, a meu ver, são de maior relevância no que diz respeito à infância, que é o
objetivo deste trabalho.
2.1.1.1 Os Indicadores Mundiais de Qualidade de Vida
Conforme Tubino (2002) os indicadores mundiais de qualidade de vida são,
essencialmente, coletivos e estabelecidos pelos grandes organismos internacionais
ligados à ONU (Organização das Nações Unidas), sendo os mais conhecidos: o de
desnutrição em crianças, mortalidade infantil, expectativa de vida e alfabetização de
adultos. A seguir, serão analisados alguns destes indicadores:
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a)Desnutrição em crianças
A falta de acesso a uma alimentação equilibrada torna a criança suscetível a
doenças e aumenta, em duas vezes, o risco de mortalidade na infância. Em geral, a
desnutrição infantil é conseqüência da desnutrição da mãe, da amamentação
deficiente e da pobreza.
Segundo os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO), atualmente, cerca de 200 milhões de crianças
sofrem de deficiência alimentar e este número pode afetar 1 bilhão de crianças em
todo o mundo, dentro de 20 anos, caso nenhuma séria campanha para melhoria da
alimentação seja iniciada brevemente. Também informa que a Comissão sobre os
Desafios da Nutrição para o século XXI afirma sobre a importância de diversificação
de culturas e a divulgação do consumo de cereais, frutas e verduras. Outro dado
relevante é que, a cada ano, 500 mil crianças tornam-se parcial ou totalmente cegas
por causa de deficiência de vitamina A, causada pela fome. Esta aumenta ainda a
incidência de doenças na infância (sarampo, diarréia, transtornos respiratórios), a
taxa de mortalidade em decorrência dessas doenças e o retardo no crescimento e
no desenvolvimento.
Quanto à desnutrição materna, o Fundo das Nações Unidas (UNICEF) afirma
que um quarto das crianças, nos países em desenvolvimento, tem o crescimento
retardado ainda durante a gestação, por causa da subnutrição das mães. Em países
desenvolvidos, a má nutrição precoce, seguida de ganho de peso, pode levar à
obesidade, causa de doenças como a diabete.
As profundas desigualdades do nosso país carregam problemas do Primeiro
Mundo, como o crescimento do número de obesos, sem ter resolvido os causados
pelo subdesenvolvimento. No Brasil, os dados do Ministério da Saúde mostram que
a desnutrição infantil reduziu de 13,5% (1996) para 6,8% (2006). Mesmo assim, o
índice está longe do ideal, sendo as principais carências alimentares a falta de ferro
(50% das crianças) e vitamina A (30%).
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Para combater o problema, o Governo Federal lançou, em 2001, o Programa
Bolsa Alimentação. A meta era diminuir, até 2003, as carências nutricionais de 800
mil gestantes e mães que estejam amamentando, além das carências de 2,7
milhões de crianças até seis anos que pertencessem a famílias com renda mensal
inferior a meio salário mínimo per capita. O valor da bolsa era entre 15 e 45 reais
por família. Cerca de 50% das crianças e 43,6% das mulheres, atendidas pelo
Bolsa-Alimentação, residem na região nordeste do Brasil. Em 2003, o Governo
Federal lançou o Programa Fome Zero que é composto por um conjunto de ações
que estão sendo implementados gradativamente. O objetivo é promover medidas
para garantir segurança alimentar e nutricional a todos os brasileiros.
Vamos criar as condições para que todas as pessoas no nosso país possam comer decentemente três vezes ao dia, todos os dias, sem precisar de doações de ninguém. O Brasil não pode mais continuar convivendo com tanta desigualdade. Precisamos vencer a fome, a miséria e a exclusão social. Nossa guerra não é para matar ninguém, é para salvar vidas. Luiz Inácio Lula da Silva
Acredito que estas são medidas muito importantes, juntamente com tantas
outras iniciativas, governamentais ou não, de acabar com a fome e a miséria,
entretanto, é importante ressaltar o que canta a banda nacional Titãs “... a gente não
quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
b)Mortalidade Infantil:
Essa taxa indica o número de crianças que morrem antes de completar um ano a
cada mil nascidas vivas. Elevadas taxas, nesse segmento, refletem não só as
condições socioeconômicas e de saúde da mãe, bem como a inadequada
assistência pré-natal, ao parto e ao recém nascido. A taxa de mortalidade infantil é
um dos mais significativos indicadores para atestar a qualidade de vida de um povo,
pois os principais fatores para a sua redução são a expansão do saneamento
básico, o acompanhamento médico da mulher desde o início da gestação, o
atendimento hospitalar ao recém-nascido, uma boa alimentação para o bebê e a
melhoria da educação materna, cujo resultado é uma melhor qualidade nos
cuidados dispensados à criança.
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No Brasil, os dados divulgados em 2008 pelo IBGE, indicam declínio da taxa de
mortalidade infantil. Passou de 33,5 crianças mortas por mil nascidas vivas para
23,3 entre 1998 e 2008. O estado que revelou menor índice (13,5) foi o Rio Grande
do Sul e o índice mais elevado (50) foi no estado de Alagoas.
A mortalidade infantil vem reduzindo no mundo, mas ainda é um problema
humanitário grave nas regiões mais pobres. Atualmente, de acordo com o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a taxa de mortalidade infantil no
mundo é de 46 crianças até um ano para cada mil nascidas vivas. De 1990 a 2009,
registra-se uma queda da mortalidade infantil no planeta de 65 crianças até um ano
para cada mil nascidas para 46 por mil. Houve melhora, mas apesar disso,
continuam a ocorrer enormes disparidades regionais. Enquanto nos países
desenvolvidos, a taxa é de seis óbitos para mil nascimentos, no Afeganistão ela
alcança 154. Infecções respiratórias, diarréia, sarampo e malária são algumas das
principais causas da mortalidade infantil. Também são responsáveis por grande
número de mortes os problemas relacionados com a gestação ou o parto, como
tétano neonatal, septicemia e AIDS. A maioria desses óbitos poderia ser evitada
com medidas públicas simples, como o planejamento familiar, acompanhamento de
pré-natal, melhoria da nutrição e vacinação.
c)Expectativa de Vida:
Este indicador representa o número médio de anos de vida que se espera que
uma pessoa viva, desde o momento do nascimento, se as condições de mortalidade
do ano de referência continuarem constantes.
O progresso da medicina e o crescente acesso a recursos básicos como água
tratada e redes de esgoto, aumentaram a expectativa de vida no planeta. Em média,
uma criança que vem ao mundo hoje tem a expectativa de viver 20 anos mais que
as nascidas na década de cinquenta. A utilização de novas tecnologias (informática,
biotecnologia) e o investimento em pesquisa científica também são considerados
fatores essenciais para a promoção do desenvolvimento humano.
21
No Brasil, conforme dados do IBGE, pode-se dizer que os maiores avanços,
ocorreram nos períodos 1950/1960 e 1970/1980, em decorrência da redução
significativa das doenças infecciosas. No primeiro período, a introdução dos
antibióticos e de medidas preventivas de saúde pública teve um impacto positivo
sobre a mortalidade infantil e feminina em idade fértil. No segundo, a expansão do
saneamento básico, principalmente da rede de água nos grandes centros urbanos,
foi decisiva na diminuição das mortes de crianças por doenças diarréicas. Sabe-se
que a falta de rede de esgoto e de água tratada facilita o surgimento de doenças
infecciosas e parasitárias, como cólera, malária, hanseníase e diarréia. Na década
1990, no Brasil, esses importantes avanços nas condições de saneamento básico,
são os principais responsáveis pela queda de 35% da mortalidade infantil e queda
de 50% nas mortes provocadas por diarréia.
Izquierdo (2002) informa que, no início do século XX, a expectativa de vida, na
Europa ou nos Estados Unidos, era menos de cinquenta anos, no Brasil menos de
quarenta. No início dos anos 70, a expectativa de vida no Brasil mal alcançava os
53 anos. Atualmente, segundo pesquisa realizada pelo IBGE, a média brasileira
passou de 70 anos (1999) para 73,2 anos (2009), sendo a expectativa de vida dos
homens 69, 4 anos, enquanto das mulheres é de 77 anos. Os países que tem maior
expectativa de vida são Japão, França, Suíça e Itália, já os com menor expectativa
são Zimbábue e Afeganistão com uma média de 44 anos.
d)Alfabetização de adultos:
Em nenhuma época da história um percentual tão grande de habitantes do
planeta teve, como agora, acesso à educação. No entanto, os países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento ainda se debatem com o desafio de
erradicar o analfabetismo e aumentar a escolaridade média de seus habitantes.
Sabe-se que o aumento do nível educacional, especialmente em mulheres, tem
efeito positivo e importante, como proteção ambiental e saúde, inclusive reduzindo a
taxa de mortalidade infantil. Entre os países da África Subsaariana, Botsuana,
Quênia e Namíbia que possuem bom nível de escolaridade feminina, apresentam as
menores taxas de mortalidade infantil.
22
No Brasil, a taxa de analfabetismo caiu 1,8 ponto percentual nos últimos cinco
anos e registrou 9,7% em 2009. Na região Nordeste, reconhecida historicamente
por ter o maior número de iletrados do país, a taxa caiu de 22,4% (2004) para
18,7% (2009). De acordo com as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), foram contabilizadas 14,1 milhões de pessoas que
não sabiam ler ou escrever em 2009.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura
(UNESCO), o número de adultos analfabetos do planeta caiu de 876 milhões, em
2000, para 796 milhões, em 2010. As mulheres continuam sendo a maioria, cerca
de 530 milhões, representando dois terços do total de analfabetos. A UNESCO tem
o objetivo de melhorar em 50% a taxa de alfabetização dos adultos, principalmente
mulheres, entre 2002 e 2015.
2.1.1.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Para medir o grau de desenvolvimento social e comparar a qualidade de vida de
diferentes populações, o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud), a partir do ano de 1990, criou um indicador chamado Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de uma média que leva em conta três
fatores (um econômico e dois sociais): o Produto Interno Bruto (PIB) per capita
(calculado com base na paridade de poder de compra, PPC); o grau de
escolaridade das pessoas (indicador educacional); e a expectativa de vida
(indicador de saúde).
O IDH é um número sempre entre 0 e 1. Quanto mais se aproxima de 1,
supostamente maior é o bem-estar. Países ricos têm IDH próximos de 1; nações
subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, mais perto de 0. Os países com IDH
mais elevado são Noruega, Austrália, Islândia, Canadá e Suécia. E os de menor
IDH, Serra Leoa, Níger e Afeganistão.
O Brasil entrou em 2007 no patamar de alto desenvolvimento humano, no
entanto, ainda fica atrás dos vizinhos Chile, Argentina e Uruguai. No relatório da
ONU, divulgado em 2009, com dados de 2007, o Brasil, com índice de 0,813, está
23
em 75º lugar em um ranking de 182 nações. Apesar de ainda se encontrar distante
do IDH de países desenvolvidos, adicionou 0,90 ponto em seu IDH desde 1990 que
era de 0,723. Isso se deve principalmente à melhora na educação e ao aumento da
longevidade da população do país.
Apresentando grande potencial econômico, tornando-se, recentemente, a oitava
maior economia do mundo, o Brasil, com certeza, tem condições de melhorar esses
indicadores, se houver uma melhor distribuição da renda, com maior participação
dos mais pobres no total da renda e da riqueza gerada. Entretanto, a erradicação da
pobreza de um país, não se dá apenas a partir da transferência de renda para os
mais pobres, seja por meios de programas de renda mínima, da expansão do
crédito para os pequenos empreendedores ou, ainda, por meio da reforma agrária.
Faz-se necessária a expansão das políticas sociais de educação, saúde, habitação
e saneamento básico.
2.1.1.3 Outros indicadores
Destaco, ainda, alguns aspectos coletivos mencionados por Tubino (2002), que
também, considero importantes para análise de qualidade de vida, como a
qualidade da água, do ar, condições de habitação/moradia e os indicadores de
violência.
a)Qualidade da água
A poluição das águas – causada pelo lançamento de efluentes industriais e
agrícolas e esgotos domésticos, além de resíduos sólidos diversos – compromete a
qualidade das águas superficiais e subterrâneas em vários pontos do planeta.
A falta de água para o consumo humano anuncia-se como o principal problema
ambiental do século. Do total dos recursos hídricos do planeta 97,5% é constituído
por água salgada, apenas 2,5% corresponde à água doce e, deste volume, só uma
pequena parte se encontra acessível. A luta pela água já provoca conflitos internos
em alguns países e deverá acirrar disputas entre as nações. O Brasil possui a maior
reserva de água doce do planeta, embora grande parte esteja na Amazônia, longe
24
das principais regiões consumidoras. A preservação da água, com políticas de
economia de consumo, é considerada uma das principais formas de evitar a
escassez.
b)Qualidade do ar:
De acordo com as informações fornecidas pelo site do Instituto do Ambiente, a
qualidade do ar é o termo que se usa, normalmente, para traduzir o grau de
poluição no ar que respiramos. Sendo a poluição do ar provocada por uma mistura
de substâncias químicas, lançadas no ar ou resultantes de reações químicas que
alteram o que seria a constituição natural da atmosfera.
O Instituto do Ambiente alerta que a poluição do ar tem vindo a ser a causa de
um conjunto de problemas como a degradação da qualidade do ar, exposição
humana e dos ecossistemas a substâncias tóxicas, danos na saúde humana, danos
nos ecossistemas e patrimônio construído, acidificação deterioração da camada de
ozônio estratosférico e as alterações climáticas que se traduzem, entre muitos
outros efeitos, no aquecimento global do planeta com todas as repercussões daí
resultantes. Entre os efeitos na saúde humana, referem-se os problemas em nível
dos sistemas respiratório e, cardiovascular.
A quantidade de resíduos tóxicos lançados pelo tráfego excessivo de veículos e
pela atividade industrial afeta a qualidade do ar, prejudicando as condições de
saúde da população, especialmente a dos centros urbanos. Um investimento maior
no transporte coletivo e na conscientização em massa, provavelmente traria
resultados positivos imediatos no que se refere à qualidade do ar.
c)Habitação e moradia:
O planeta passa por acelerado processo de urbanização. Abandonando o campo
e suas carências, as pessoas procuram as áreas urbanas em busca de trabalho,
educação e melhores condições de vida. A consequência disso é o inchaço das
25
cidades, com suas graves decorrências econômicas e sociais – problema
particularmente sensível nas nações em desenvolvimento, em função da rapidez do
processo de urbanização.
Nesses centros urbanos hipertrofiados, há cada vez mais gente e menos
emprego, o acesso aos serviços públicos torna-se progressivamente difícil e
aumenta a pobreza, enquanto diminui a qualidade de vida. Às famílias restam-lhes
viver em situação informal, morando em favelas, cortiços ou loteamentos
clandestinos, desprovidos de benfeitorias básicas ou em situação de risco. Já no
mundo desenvolvido, além do baixíssimo crescimento populacional, as cidades já
atingiram um patamar básico de urbanização, portanto, não se constata o mesmo
inchaço.
No Brasil, uma parcela expressiva da população brasileira vive em domicílios
precários, reflexo de um problema nacional conhecido como déficit habitacional.
Entretanto, programas de financiamento habitacional do governo federal, têm
propiciado um aumento significativo (37% em relação a dez anos atrás) do número
de domicílios próprios, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) de 2001, divulgada pelo IBGE. Com relação aos serviços essenciais,
verificou-se uma expansão em todos eles, quando comparados com os índices de
1991 e 2000, correspondentes aos dois últimos censos:
- Água potável (de 70,7% a 77,8%);
- Esgoto/ fossa séptica (de 52,4% a 62,2%);
- Coleta de lixo (de 63,8% a 79%);
- Iluminação elétrica (de 86,9 a 93%).
d)Violência
Indispensáveis em qualquer análise de qualidade de vida, os indicadores de
violência têm piorado no mundo inteiro. No Brasil, a violência é mais intensa nas
grandes cidades e nas áreas metropolitanas.
26
As causas da violência urbana são muitas, mas é possível destacar fatores que
incentivam seu crescimento. Entre eles estão a desigualdade social, o desemprego,
a exclusão ou marginalização, o uso de drogas e álcool, o mercado de armas, as
organizações criminosas e a cultura da violência. Por outro lado, a ausência ou
debilidade da polícia, do Judiciário, do sistema penitenciário, de infra-estrutura
urbana e de serviços públicos essenciais contra a violência também contribui para
que a sociedade se torne violenta.
A violência estende-se também no universo infantil. Podemos identificá-la nos
desenhos infantis, na maioria dos jogos de vídeo game, até a antiga e inocente pipa
têm se transformado em um brinquedo assassino e fazendo vítimas diversos
motoboys, ciclistas e pessoas distraídas, quando passado o chamado “cerol”
(mistura de cola e pó de vidro) na linha. É a disseminação da cultura da violência
que banaliza a vida e o bom senso, fazendo suas vítimas e influenciando
comportamentos desde a mais tenra infância.
2.1.2 Saúde e Estilo de Vida
Na concepção da Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é “um
estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou
enfermidade.” (MOREIRA; SIMÕES 2002, p.266)
Analisando os principais indicadores nacionais de saúde, observam-se, nos
últimos anos, significativos avanços nesta área, em especial, a redução na
mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida ao nascer, como citado
anteriormente. Entretanto, a crescente urbanização tem mudado o estilo de vida das
crianças brasileiras, facilitando o aparecimento de fatores de risco para as doenças
cardiovasculares, conseqüentes da alimentação rica em gordura, estresse,
sedentarismo, entre outros. Já males comuns dos países pobres ainda fazem
vítimas nas regiões mais carentes.
Através da história da humanidade, verificamos que a vida humana foi
tornando-se progressivamente sedentária, principalmente, a partir da Revolução
Industrial, com a tecnologia avançando de forma impressionante até os dias atuais.
27
Observou-se significativa transformação de uma sociedade acostumada aos
trabalhos pesados, com uma estrutura basicamente rural e fisicamente ativa, numa
população de cidadãos urbanos e suburbanos com pouca ou nenhuma
oportunidade para o envolvimento em atividades físicas.
Os elevadores e as escadas rolantes substituíram as distâncias e as
escadas. A caminhada até o mercado da esquina foi substituída pela curta jornada
motorizada até o hipermercado localizado no shopping center da vizinhança. Os
carros abrem seus vidros elétricos através de um botão, dispensando a manivela
que os abria de forma manual. Também não precisamos nos deslocar para abrir um
portão de garagem, ligar o aparelho de rádio, televisão ou ar condicionado, basta
apertarmos o botão do controle remoto.
A gurizada trocou a pelada no campinho de terra improvisado do bairro, pelo
jogo de futebol no vídeo game, o jogo de tacos, o carrinho de lomba perderam
espaço para o Nintendo e o PlayStation III, as brincadeiras de rua e os encontros
com a turma estão reduzindo-se aos sites de relacionamento e muitas horas
sentados em frente ao computador.
Vamos, assim, estabelecendo um conjunto de elementos que caracterizam
renomados modos de pensar e viver que distinguem um novo grupo social, um novo
tipo coletivo que De Masi (2000) chama de “tipo digital”, formado por pessoas que
pensam mais ou menos do mesmo modo. Essa identificação, como que um
distintivo, ocorre via computador, correio eletrônico e Internet. Tais pessoas estão
substituindo a geração “massa mídia”, que por sua vez, substituiu a geração das
“linhas de montagem”.
Se olharmos ao nosso redor, não é difícil concluir que, sob o ponto de vista
da conservação dos esforços e energias humanas, a vida está se tornando cada vez
mais fácil. Mas será que essa “facilidade” pode ser considerada como uma vida
melhor? Em que pode resultar este sedentarismo de crianças e adultos da vida
moderna? Este estilo de vida sedentário não contribui para o surgimento de um
outro conjunto de problemas? É isso evidência de qualidade de vida?
28
A ciência evolui tanto que fez com que o homem contemporâneo fosse vítima de muitas de suas descobertas. Se por um lado o desenvolvimento informacional criou referências, facilitou e trouxe mais conforto às pessoas, [...] por outro lado, trouxeram à tona mais e mais doenças de âmbito psicossomático e biológico. (SABA, 1998, p.80)
Cury (2007) prevê que a indústria farmacêutica mais poderosa, deste século,
será a dos psicotrópicos. Afinal, em um mundo em que reina o consumo, a
competição predatória, o individualismo e paranóias como o de ser, à todo custo, o
“número um” em tudo, gerando estresse e ansiedade até nos mais saudáveis. Este
psiquiatra afirma, ainda, que no caos em que se encontra a qualidade de vida, os
medicamentos psicotrópicos surgem como grande aliviador das misérias psíquicas,
embora não atuem nas causas nem conduzam o ser humano a administrar seus
pensamentos e a gerenciar suas emoções.
Faz-se necessário lembrar que as funções corporais e os sistemas orgânicos
se harmonizam e, a quebra dessa harmonia, mesmo que de maneira simples,
provocará alterações e até sofrimentos ao nosso organismo. Torna-se evidente que
esse estilo de vida pós-moderno representa uma ameaça à qualidade de vida.
A preocupação com a prevenção e os cuidados com a saúde deveriam iniciar
na família, seguida pela escola que também deve abraçar esta causa, incluindo no
currículo conteúdos pertinentes a uma educação global, do corpo humano e dos
seres vivos como um todo. Hábitos saudáveis de vida devem ser iniciados na
infância, sabendo que inúmeras doenças poderiam facilmente ser evitadas ou ter
seus sintomas protelados, se fossem adotadas medidas simples de prevenção,
além disso, atuar na prevenção é muito mais inteligente e barato. Desta forma, o
assunto abordado a seguir, será justamente, a contribuição dos educadores na
promoção da qualidade de vida da infância.
29
3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA
SOCIEDADE PÓS-MODERNA
“Nós somos o que fazemos, sobretudo, o que fazemos para mudarmos o que somos.”
Eduardo Galleano
Inicio este capítulo, esclarecendo o que entendo por sociedade pós-moderna,
citando Santos:
Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando por convenção, se encerra o modernismo (1900 – 1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar na filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência+tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural. (2004, p.08)
Esse autor acrescenta que, inserindo-se no cotidiano das pessoas com a tecnologia
eletrônica de massa e individual, saturando com informações, diversões e serviços,
a pós-modernidade caracteriza-se também pelo consumismo exagerado,
individualismo, vazio existencial, ausência de valores e de sentido para a vida.
Neste contexto, lidar com educação, em especial a educação infantil, trata-se de um
grande desafio, neste início de século, para os educadores.
Lembrando que, educação é um direito de todos, garantido pela Constituição de
1988 (cap. III, seção I) e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade. Já que, é dever do Estado e da
família, com a colaboração da sociedade garantir este direito fundamental, é
principalmente a contribuição destes, na educação infantil, que intenciono abordar
neste capítulo.
30
3.1 O PAPEL DO ESTADO
Quanto ao papel do Estado, no que se refere à Legislação, pode-se dizer que
estamos muito bem amparados, temos a Constituição Federal, a LDB - Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, temos o ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre outras. Recordo aqui, as aulas nesta pós-graduação com o Prof.
Dr. Euclides Redin, quando afirmava que, política pública “é a arte de estabelecer
prioridades”, enfatizando que a Constituição Federal determina que os direitos da
criança sejam atendidos com “absoluta prioridade”, ou seja, nada deve ser mais
urgente, nem outro interesse da administração pública pode estar à frente.
Entretanto, sabemos que na prática a realidade é muito diferente, percebe-se isso,
diante de alguns indicadores coletivos, analisados no capítulo anterior, e de
determinados exemplos que serão mencionados no decorrer deste texto.
Mas de que educação, afinal, está se falando? Daquela das três palavrinhas
mágicas: “Por favor, com licença e muito obrigado”? Lembrando que não são três
palavras, enfim, citei este exemplo que é bastante utilizado no dia-a-dia das
instituições de ensino. No entanto, é evidente que educação é bem mais do que
isso.
Concordando com Vygotski ao afirmar que “o desenvolvimento humano é um
processo dialético complexo” (NEGRINI, 2002) considero educadores todos aqueles
que contribuem na formação do indivíduo, ou seja, os pais, a família e familiares, os
vizinhos, a escola com seus professores e colaboradores, os políticos através das
decisões nas políticas públicas, os meios de comunicação (televisão, rádio,
internet...), os pastores, padres, o motorista do ônibus, o atendente do mercado,
enfim, a sociedade como um todo, como esclarece Redin
...a educação não é função exclusiva da creche, da pré-escola e da escola. Aprende-se em casa, na rua, no mercado, no centro de saúde, na igreja, na praça, na feira, nas lojas de comércio, nas reuniões, nos lugares de trabalho. (REDIN, 2007, p.31)
31
Diante da complexidade do tema e da importância desta etapa tão especial
da existência humana que é a infância, período este, crucial na formação de
indivíduos afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e
socialmente integrados para uma sociedade saudável, destacarei algumas
alternativas trazidas por diferentes estudiosos do comportamento humano e da
educação infantil. Para Negrine,
... uma provisão ambiental positiva na infância constitui-se em fator determinante no comportamento futuro do indivíduo, uma vez que as mazelas que carregamos da educação primária que recebemos determinam, de certa forma, nossa maneira de ser e estar no mundo quando atingimos a idade adulta. (NEGRINE, 1998, p.136)
Baseada nesta afirmação e nos estudos fornecidos pela Neurociência,
divulgados pela OMS (Organização Mundial de Saúde), sobre a importância do
contato afetivo, nos primeiros meses de vida, de um recém-nascido, na formação
inicial do cérebro, no número de sinapses, que são especialmente estimuladas
pelos afetos, é que elogio, os admiráveis exemplos de países como a Noruega e a
Suécia, onde além da licença maternidade de um ano e dois anos, respectivamente,
ainda há um período considerável de licença paternidade, como é o caso da
Noruega (de pelo menos dez semanas), para que o pai possa dar um suporte neste
delicado período. Acredito que muitas atitudes desesperadas e casos de abandono
de recém-nascidos seriam amenizados se todas as mães tivessem um apoio
adequado, tanto financeiro quanto psicológico.
Sabemos que, aqui no Brasil estamos bem distantes disso, culturalmente, em
especial, entretanto já é uma grande conquista a ampliação facultativa da licença
maternidade de quatro para seis meses. A seguir, será abordado sobre a influência
da família no complexo processo de desenvolvimento humano e a importância da
afetividade dos pais e da maternagem “suficientemente boa”, termo utilizado por
Winnicott (1988), na formação emocional da criança.
3.2 O PAPEL DA FAMÍLIA
32
Como visto no primeiro capítulo, com a inserção da mulher, no mercado de
trabalho, tornou-se comum pelo menos no mundo Ocidental o cuidado das crianças
ser feito por terceiros, prática chamada por Reichert (2008) de educação
terceirizada.
Assim, diariamente, bebês e crianças, deixam suas camas quentinhas, bem
cedo da manhã, entram no transporte escolar rumo às instituições de educação
infantil, onde chegam aproximadamente às 6h e permanecem por lá em torno de 8-
12h. Acredito que para qualquer indíviduo, ficar doze horas no mesmo ambiente,
seja trabalho ou escola, é muito desgastante. Saindo, por volta das 18h e após
enfrentar entediante trânsito congestionado, muitas vezes, ao chegar em seus
“lares”, precisam lidar com pais estressados que não sabem lidar com as suas
frustações, descarregando-as nos filhos. Parece exagerado este exemplo, mas
infelizmente essa é a realidade diária de milhares de crianças.
O livro Infância A Idade Sagrada, escrito pela terapeuta e educadora Evânia
Reichert (2008), traz um alerta sobre a importância da afetividade durante a infância
inicial, e esta nem sempre está presente nas instituições, seja pela grande
rotatividade ou pela ausência de afeto dos cuidadores. E reforça sobre a
indispensável presença da mãe para o bom desenvolvimento emocional do recém-
nascido.
Às vezes, penso que, este recurso de deixar os pequenos, com poucos meses
ou dias de vida, com pessoas estranhas nas instituições de educação infantil,
poderia ser comparada, com aquelas mães francesas do período medieval, que não
podiam descuidar-se da vida social e para estarem, descansadas e
apresentavelmente bem diante do marido e da sociedade, deixavam seus filhos com
amas de leite. Heywood (2004) revela que havia uma indiferença em relação à
infância, devido às altas taxas de mortalidade infantil da época, resultando em uma
postura insensível com relação à criação de filhos. Em especial, os bebês abaixo de
dois anos, sofriam absurdo descaso, por exemplo, deixando-os durante horas em
suas próprias fezes e urina, além do abandono em grande escala. Uma vez que os
pais não costumavam investir muito tempo e energia em um ser com tanta
33
probabilidade de morrer. Outro recurso eram as amas-de-leite, que eram
contratadas para “cuidar” dos bebês, porém isso nem sempre era bem feito.
Já na sociedade atual, a prioridade, é a vida profissional, a carreira, o
consumismo, o individualismo egoísta, e, evidentemente, a necessidade. Afinal,
para sobrevivermos na sociedade de consumo, precisamos de dinheiro, resultante
do trabalho. Em uma aula neste curso de especialização, falávamos sobre a
quantidade de tempo da licença maternidade na Suécia e surgiu o comentário no
grupo: “imagina, dois anos fora do mercado de trabalho, nem consegue retomar a
vida profissional, depois disso.” Logo pensei que este país é o que mais investe em
lazer e qualidade de vida da população e não é a toa que têm uns dos melhores IDH
do mundo, como foi analisado no segundo capítulo deste texto.
É comum ouvirmos pais afirmarem: “ele (bebê) já acostumou, aliás precisa
acostumar com a correria, esse é o nosso ritmo e a vida é assim mesmo”, mães
que dizem “ah, na escolinha é muito bom, tem nutricionista, eu não preciso perder
tempo me envolvendo com almoço” ou “eu que não vou deixar da minha academia
para ficar em casa cuidando de filho, ele já toma banho e janta na escolinha, eu só
busco e coloco na cama”. Há relatos que nem a fralda se dão o trabalho de trocar, a
criança chega, na escolinha, com a mesma na manhã seguinte. Outro dia, conheci
um menino, que sabia que os domingos, não era dia de tomar banho, pois era o
único dia que a empregada doméstica não frequentava a sua casa. Ainda temos
exemplos de pais que para ocupar o “tempo ocioso” dos filhos, colocam-os em
diversos cursos, enchendo-os de atividades, como no exemplo abaixo, publicado
num artigo do jornal do DCE/Unisinos:
Como ser velho aos 22 anos.
Pedrinho tinha cinco anos, fazia natação, inglês e aulas de computação tudo programado previamente por seus zelosos pais, que acreditavam assim, estarem preparando melhor seu filho para o mercado de trabalho. Brincar, quando desse. Pedro está com 22 anos, se sente velho, cansado e sem desejos na vida. Como? – perguntam os zelosos pais – pois sempre disseram o que seria melhor para ele.
Nossa sociedade nos diz que precisamos ter para ser. Quanto mais qualificações tivermos mesmo sem aprofundarmos nenhuma, melhor sucedidos e felizes seremos. Isso nos torna vazios, sem capacidade de desejarmos por nós mesmos e, quando nos damos conta, somos algo
34
produzido por outras pessoas. Quem sabe estamos esquecendo do que gostamos [...]. Talvez, se resgatarmos isso, possamos nos sentir jovens aos 70,80,90... (KARAM, 2003)
Reichert entende que parece essencial repensarmos sobre o modo de vida da
atual sociedade, um verdadeiro simulacro (usando as palavras de Jean Baudrillard
em Simulacros e Simulação). “Este mundo simulado nos desconecta da
transformação pessoal que ocorre ao nos tornarmos mães, pais ou, então, apenas
cidadãos comprometidos com o aspecto psicoafetivo de seu grupo social e das
próximas gerações.” (2008, p.76)
Izquierdo (2003) ao afirmar que uma das principais características da sociedade
de hoje é a correria das pessoas, questiona a velocidade com que nos são
apresentadas as informações, como se tivéssemos que responder a tudo com a
mesma urgência, parecendo não haver prioridades, ou seja, tudo é “para ontem”. Já
na obra Tempo de Viver, este médico dedicado ao estudo das Neurociências,
chama a sociedade atual de “sociedade anestésica”, pois “nos fazem acreditar em
valores que, na realidade, não existem” (2002, p.19), onde ter é mais importante do
que ser e o “o objetivo dos que dominam essa sociedade é o domínio absoluto.
Querem que, correndo e obedecendo a normas inúteis ou impossíveis, não paremos
para pensar em como modificá-la.” (2002, p.28) Esclarece, ainda, que:
A palavra anestesia quer dizer, etimologicamente, falta de sentidos, falta de sensações, de percepções. Os donos dessa sociedade não nos deixam ver o mundo tal qual realmente é, nem nos dão tempo para pensar a respeito, para descobrir se é isso o que queremos [...]. Seu método de domínio consiste em nos fazer acreditar que devemos correr, correr e correr. Que não há tempo para nada. [...] Quanto menos pensarmos melhor. (IZQUIERDO, 2002, p.30)
De Masi descreve uma metáfora que considero muito apropriada, porque nos
permite refletir sobre esse ritmo frenético dessa sociedade, que é imposto nas
crianças desde cedo, um ritmo que não é delas, aliás, entendo que não é de
ninguém, nem crianças, nem adultos, não é humanamente saudável.
35
Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão ou será morta. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais do que a gazela ou morrerá de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela: é melhor que comece a correr. (2000, p. 31)
Conforme Reichert (2008), há pouco mais de um século, a subjetividade humana
ganhou o campo da psicologia e passou a revelar dados essenciais sobre a criança
e sua relação com pais e educadores. Entretanto, destaca a autora, a perda da
sabedoria materna e paterna – que sabe com suas entranhas como agir e reagir
com seus filhos – é a marca deste tempo em que a culpa e a insegurança
acompanham os pais em suas ações ou em suas omissões, em função dos
inúmeros afazeres, somados aos dias estressantes e de pouco convívio com os
filhos. Esse último, sendo muito utilizado como desculpa, para pais agirem de forma
permissiva e deixando a função de educar com a escola.
Um dos grandes impasses na vida de homens e mulheres, na atualidade, é o
fato de muitos deixarem de se apoderar da sua condição de pais e assim não
conseguem mais sentir e nem saber como conduzir a educação dos filhos. Augusto
Cury, psiquiatra, pesquisador do funcionamento da mente humana e construção da
inteligência, também demonstra sua preocupação, no que diz respeito ao
relacionamento entre pais e filhos, afirmando sobre a importância do diálogo na
família, dos pais separarem um tempo semanal para conversar sobre diferentes
assuntos, estimulando os filhos a desenvolverem o hábito de questionar, elaborar
perguntas, reforçando os laços familiares:
A qualidade das experiências que tivemos na infância determina as características que teremos quando adultos, tais como descontração, segurança, sensibilidade, ansiedade. Podemos não ter consciência de nossas misérias do passado, mas elas infectam o nosso presente. Também podemos não ter consciência dos prazeres que tivemos, mas eles irrigam nossa capacidade de pensar. Se tivemos uma infância regada com alegria, brincadeiras, criatividade e com alto grau de socialização, certamente temos grandes possibilidades de ter uma personalidade tranqüila, que contempla o belo e que aprecia o convívio social. Se, ao contrário, tivemos uma infância saturada com experiências punitivas, sem afetividade, desprovida de apoio, carente de elogios e restrita de amigos, então, temos grandes possibilidades de ter uma personalidade rígida, pouco sociável, insatisfeita, com baixa auto-estima e com humor basal triste. (CURY, 2007, p. 136)
36
Sempre é válido salientar, a importância dos pais, no envolvimento em todos os
aspectos, em relação aos seus filhos, de estar e brincar juntos, de investir tempo no
lazer em família, da parceria de confeccionar brinquedos juntos, das refeições em
família, enfim, de se relacionar, hábitos que, infelizmente, estão tornando-se pouco
comuns na sociedade atual e como acrescenta Reichert “a criação de filhos
necessita passar por uma revisão profunda, em especial, no modo como se
estabelecem os vínculos psicoafetivos entre adultos e crianças durante a infância
inicial.” (2008, p.24)
Nunca tivemos tanto conteúdo sobre desenvolvimento infantil como agora,
entretanto, tais conhecimentos necessitam sair no universo acadêmico e fazer parte
da vida das pessoas nas mais diferentes classes sociais. Trata-se, portanto, de mais
um desafio para este início de século.
3.3 O PAPEL DA ESCOLA
No início deste ano de 2010 li uma charge do Calvin em que ele, na sala de aula,
questionado pela professora se havia alguma dúvida, respondeu, perguntando qual
é o sentido da vida. A professora (provavelmente surpresa e, não raro,
despreparada para o inusitado) de imediato responde: “- Eu me referia à alguma
dúvida em relação ao conteúdo visto na aula de hoje.” E Calvin, visivelmente
desapontado revela que achava que primeiramente aprenderiam sobre esta questão
e todo o restante ficaria para depois. Esta ilustração convida-nos a refletir sobre a
definição de prioridades na educação. Sobre o que realmente é importante e o que
desperta o interesse dos alunos.
Para De Masi (2000), o século XX, foi o século do trabalho e, desta forma, a
vida das pessoas foi construída em torno disso. O homem trabalhador representou
um ideal, fora disso era considerado preguiçoso e era mal visto na sociedade.
Assim, fomos desde a infância educados para o trabalho. A educação, impregnada
pela cultura do trabalho, dedica seu conteúdo na preparação para o mesmo.
Seguindo neste ritmo, instituições de educação infantil reduzem o tempo de pátio e
37
de brincadeiras e acrescentam aulas de computação, idiomas estrangeiros, entre
outras atividades que preparam para o vestibular e conseqüentemente, para o
trabalho. Entretanto, sabe-se que a educação necessita ir além.
Segundo Santin (1999), há três áreas fundamentais neste milênio. Aponta, a
informática, pois segundo ele, somente quem domina a tecnologia da informação
conseguirá manter-se à frente dos avanços científicos. A ecologia, afinal o homem
necessita compreender a natureza e respeitá-la, para o bem do planeta. E a
Educação Física, afirmando que quem não souber viver sua realidade corporal, que
é a natureza e a ecologia em cada ser humano, terá dificuldades de usufruir um alto
nível de qualidade de vida.
Para este autor, a educação, em sua essência, deve evidenciar a importância do
aperfeiçoamento da condição humana, assumida na totalidade de sua existência,
implicando na obtenção de conhecimentos e valores que orientem o viver individual
e coletivo, buscando convencer que o importante é saber viver e saber viver coloca
em primeiro lugar o respeito à vida.
O respeito à vida cabe não somente aos seres humanos, mas também a todo
ecossistema. Portanto, faz-se necessário provocar uma reflexão profunda sobre a
responsabilidade das mais diferentes áreas, de aperfeiçoar a condição humana,
especialmente, no momento em que se fala de multi-pluri-inter-
transdisciplinariedade, chamado pelo pensador francês Edgar Morin de Era da
Complexidade. (MOREIRA; SIMÕES, 2002).
A educação deve ter como referencial primeiro a vida e, desta forma, seu desafio
pedagógico é descobrir como a vida pode ser vivida com dignidade, equilíbrio e
prazer.
Trata-se da educação mais importante, prioritária e única indispensável à vida humana, é a sabedoria de viver ou a ciência da vida humana. Aprender a saber viver é o que se deveria fazer ao longo da vida. Posso não saber matemática, química ou física; história, economia ou psicologia e continuo vivendo, se não aprender a viver, não saberei viver a vida [...]. Poderei usá-la, explorá-la, mas jamais cultivá-la, isto é vivê-la. (SANTIN, 1999 p.20)
38
Como canta a banda brasileira Titãs: “É preciso ter cuidado, para mais tarde
não sofrer. É preciso saber viver, é preciso saber viver... saber viver... saber viver...”
Para Cury (2007), educar não é apenas informar, e sim, formar pensadores.
Na opinião deste autor as crianças são bombardeadas de informações, no entanto,
perdem sua melhor oportunidade de desenvolver as funções mais profundas da
inteligência, como a capacidade de pensar e refletir sobre si mesmas; a capacidade
de analisar seus comportamentos, perceber suas conseqüências; a capacidade de
se colocar no lugar do outro; a capacidade de se autocriticar, reconhecer seus
limites e dar respostas maduras para as suas frustrações, em função da carência de
interiorização educacional.
O austríaco Wilhelm Reich desenvolveu projetos voltados a educar o
educador que tinha início com gestantes conscientizando pais e educadores sobre a
delicadeza do período inicial da existência humana. Reconhecido como o pai das
psicoterapias corporais, Reich entendia que o ser humano nasce emocionalmente
saudável, com suas potencialidades latentes para posterior desenvolvimento.
Contudo, com a convivência familiar e social sofre ação neurótica já na fase inicial
de sua existência, interferindo sobre a estrutura em formação, constituindo assim as
estruturas de caráter e os modos defensivos e programados de pensar, sentir e agir.
Na abordagem reichiana a neurose é uma doença de massa, produzida pelo
contexto social, que, além de tratada deve ser prevenida. (Reichert, 2008)
Claudio Naranjo, seguidor de Reich, coordena um projeto voltado ao
professorado, propondo uma conscientização do educador. Também Negrini (1998),
desenvolve uma proposta de terapias corporais, voltado aos profissionais que
trabalham com educação infantil. Este autor entende, que nossa maneira de ser e
estar no mundo está impregnada das experiências da nossa educação primária, e
que isso possivelmente refletirá na prática pedagógica. Por exemplo, aqueles
professores que tem chiliques ao ver um aluno derrubar no chão sobras do lápis
recém apontado, ou que não conseguem colocar as mãos em argila, pois sentem
nojo, ou não trabalham com tinta ou recortes porque “dá muita bagunça e sujeira”,
39
possivelmente, vivenciaram no passado experiências negativas com um adulto com
alto nível de neurose por limpeza, por exemplo. Atitudes neuróticas como estas, e
tantos outros exemplos, são facilmente identificadas no cotidiano das instituições de
educação. Por isso a importância do trabalho de tratamento e prevenção da neurose
incluídos nos cursos de licenciatura, magistério e todos os que pretendem trabalhar
com educação, em especial, a educação infantil.
Ainda sobre formação de professores, acredito também, que os currículos
dos cursos de licenciatura, além da ciências com suas teorias, deveriam ser
enriquecidos com disciplinas relacionadas às artes, a música, dança, poesia,
literatura, enfim, quem escolher trabalhar com educação, principalmente educação
infantil, que é o que se está falando aqui, necessita dominar, ou ao menos ter algum
conhecimento nessas áreas. Afinal, como é possível ensinar algo que nunca foi
vivenciado ou se teve contato?
Enfatizo essas áreas de conhecimento, pois elas despertam a imaginação e a
criatividade da criança, indispensáveis nessa fase da vida. A carência de trabalhar a
imaginação é que tem levado muitos adultos vivenciarem isso tardiamente. Pode-se
citar o exemplo do sucesso entre muitos adultos da “second life” (segunda vida). Há
relatos de muitas pessoas, estudantes, universitários e profissionais de diferentes
áreas, que se sentem mais livres e felizes na sua vida inventada. Esses aficionados
por seus avatares passam horas, muitas vezes, mais tempo em sua vida virtual. Se
é virtual, não é real, entretanto, se esquecem disso. Recentemente, foi noticiado no
mundo inteiro, o caso de um casal que passava tantas horas conectados, em frente
ao computador, que esqueceram de cuidar do seu bebê e o mesmo veio a falecer,
em função da falta de cuidados e negligência dos pais.
Esse é o cúmulo da falta de compromisso, aliás, parece que nada mais tem
grande significado na vida das pessoas, os relacionamentos, os objetos, os
eletrônicos, tudo é temporário, é passageiro e descartável. Sobre relacionamentos,
cada vez mais superficiais, ouve-se com freqüência “se não der certo a gente vê
depois”, o “ficar” ao invés do namoro, perdeu espaço para o “peguete” entre os
jovens. “Peguete” é um relacionamento onde se fica com uma pessoa, mas está
livre para ficar com outra daqui um pouco, na tarde ou dia seguinte. Diferentemente
40
do “ficar” que é quando se permanece com o mesmo parceiro por um tempo mais
prolongado: uma semana, um mês e não fica com mais ninguém. Essa banalização
de tudo, que dos objetos passou para os relacionamentos e para o cotidiano
necessita uma reflexão maior que não é objetivo deste estudo. Entretanto, identifico
essa superficialidade no cotidiano da educação infantil.
Nos desenhos animados que estão cada vez mais curtos; não há grandes
investimentos de conteúdo nas programações, também parece não se ter mais
paciência para algo mais consistente. Nas instituições de ensino infantil, as rotinas
são breves, os projetos são, geralmente, tão rápidos quanto o personagem “The
Flash” e se investe pouco tempo em cada atividade. Geralmente em torno de meia
hora ou até quinze minutos. Será que uma criança consegue experimentar,
vivenciar, brincar, imaginar ou criar alguma coisa em quinze minutos? Ninguém
consegue, e sinceramente não entendo porque pensam que com as crianças têm
que ser assim.
Quando elas estão no ápice da interação com a atividade, ouve-se três
palmas da professora dizendo: acabou o tempo, guardem o desenho que agora tem
aula de música (mas porque não dá para continuar desenhando enquanto ouve a
música, ou canta?), ou então, vamos guardar a tinta ou argila, lavar as mãos que
agora tem inglês. Por que não pode ser junto? Por que não aprender inglês
enquanto manuseia a argila? Por que fragmentam as coisas dessa forma como se o
processo de conhecimento fosse em gavetinhas? “Agora vamos fechar a gaveta da
capoeira para abrir a gavetinha da matemática.” Sem falar no tempo para brincar,
cada vez menor, quando há, para atividades lúdicas. A afirmação de Henry Ford
nunca foi tão levada à sério como agora: “Quando trabalhamos, devemos trabalhar.
Quando brincamos, devemos brincar. De nada adianta tentar misturar as duas
coisas. [...] Quando o trabalho acaba, então pode vir a diversão, mas não antes.”
(FORD apud DE MASI, 2000, p. 124).
Infelizmente, muitas instituições privadas, se deixam persuadir por muitos
pais que não querem que os filhos brinquem na escolinha, justificando que ali é
lugar para aprender, que brincar pode ser em casa. Entendo que este também é
papel da escola, de informar a família que, muitas vezes, desconhece as teorias dos
41
estudiosos do desenvolvimento humano. Também não deve se constranger diante
de pais que, porque tem um bom poder aquisitivo, fazem cara feia ou falam
grosseiramente, acham que podem ditar o que deve ou não ser feito. A participação
da família e da comunidade é, certamente, importante na construção de um espaço
democrático com um projeto pedagógico construído coletivamente. Já quanto às
atividades lúdicas, a escola precisa saber e informar sobre a importância do brincar
como elemento pedagógico e o quanto é indispensável para o pleno
desenvolvimento da criança.
Gostaria de esclarecer que todas as observações e/ou críticas colocadas
neste trabalho, não são feitas às pessoas, mas sim ao sistema que tenta modelar
desde a mais tenra infância e quando nos damos conta somos algo totalmente
moldados. Toda nossa forma de ser, pensar e agir, vestir vai sendo, aos poucos,
manipulada por um sistema que pretende permanecer assim, pois desta forma
continua no domínio quem está.
O italiano Gianni Rodari (1982) afirma que os setores mais poderosos da
sociedade não têm nenhuma intenção de privilegiar a imaginação e a criatividade,
uma vez que as pessoas aprenderiam a pensar, tornando-se isso uma ameaça a
ordem social estabelecida e vantajosa para estes. Esse autor entende que o
pensamento criativo seria a arma mais eficaz de transformação do mundo: “Para
mudá-la [a sociedade] são necessários homens criativos que saibam usar a sua
imaginação. ...desenvolvamos... a criatividade de todos para mudar o mundo.”
(Rodari, 1982, p.10)
O filósofo pernambucano Leôncio Bausbaum (1977) afirma que o ser humano
nasce livre, entretanto pelo sistema se aliena, e esta “alienação do ponto de vista
econômico social, é a perda da consciência de si... sua vontade é esmagada pela
consciência de outro... perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão...”
(1977, p.18) Este autor conta-nos, ainda, a estória de um comercial de TV, referente
à propaganda dos produtos de um determinado frigorífico que consistia em um
desenho animado em que um porquinho, pulando corda, dizia a um boi: preciso ficar
forte e sadio; vou ser salsicha. E o boi respondia: Eu também, ora!
42
Assim, se esse porco fosse um ser humano teríamos um exemplo típico de
alienação absoluta: prepara-se para ser comido e, pelo que se via no desenho, com
muita satisfação, pois havia sido criado, alimentado, engordado, para o fim
específico de ser abatido, frito, assado e comido como cachorro quente ou qualquer
outra forma de culinária.
Com esta metáfora do comercial, é possível comparar com muitas pessoas
que se deixam engordar para serem “devoradas”. Conforme Bausbaum pode-se
ousar dizer que, no mundo de hoje, podemos encontrar pessoas de dois tipos: as
que já são ou que serão salsichas e, as que comem as salsichas. Afirma, inclusive,
que existe uma categoria intermediária entre as duas citadas acima: “a dos pais,
professores, intelectuais, sacerdotes, políticos, que preparam as salsichas para
aqueles que as comem.” (1977, p.39) A estes cabe o papel de ensinar que assim é
o certo, honrado e muito justo.
O italiano Domenico De Masi (2000) elucida que, atualmente, a maioria das
pessoas investe todas as energias na carreira, passando grande parte do dia no
local de trabalho e, durante finais de semana e feriados, sentem-se culpados e têm
dor de cabeça se não levam para fazer em casa qualquer tarefa que preserve o
mesmo clima de tensão dos dias normais, inclusive perdem o prazer pelo
divertimento e pela vida em família.
A falsa afirmação de que o mundo é assim mesmo e que assim deve ser, faz
com que as pessoas se sintam obrigadas a reproduzi-lo, pois sua subsistência
depende disso. Somos, desde a infância, modelados para acreditar que as coisas
são assim, que esse é o sistema; que devemos aceitá-lo e reproduzi-lo sem
questionamento, precisamos nos acostumar e, para tanto, devemos entrar no ritmo
o mais cedo possível.
Faz-se necessário um profundo repensar sobre o processo educacional, em
crise, há algum tempo. Os alunos precisam ser preparados para a vida e não para o
mero acúmulo de informações. Como escreve Redin: “Talvez deva ser a escola o
espaço privilegiado para a elaboração de existência humana, hoje, mais do que
nunca dramática.” e, acrescenta:
43
Não temos claro, mas o que sabemos é que onde ela [escola] está e para onde está indo não se sustenta mais. A existência humana e os processos que garantem sua sobrevivência estão radicalmente mudados: vivemos possivelmente uma nova era – em alguns aspectos melhor; em outros, pior que a anterior que vemos se esvair. Novos tempos exigem novos paradigmas que serão construídos na refrega do cotidiano no qual lutamos para sobreviver. (REDIN, 2003, p. 83)
Também é insustentável a carga horária que muitos professores precisam se
submeter, em função dos baixos salários, para sobreviverem com o mínimo de
dignidade. Mais uma vez Redin incentiva:
Junto com a nossa luta pela melhoria da qualidade de vida de todo o povo brasileiro, se insere a luta pela melhoria na qualidade de vida dos educadores e das suas condições de trabalho e a luta pela transformação do espaço e do tempo de escola em espaço e tempo de alegria, de prazer e de bem-querer. (REDIN, 2003, p.52)
Para tanto, teremos que seguir o já conhecido e libertador conselho, do
nosso saudoso educador Paulo Freire (1987), de remar contra a correnteza,
possibilitando, desta forma, as utopias possíveis.
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CONCLUSÃO
Vocês viram a minha infância por aí? Estou procurando pelo mundo de onde venho
Porque eu tenho procurado No "achados e perdidos" do meu coração
Ninguém me entende
Eles vêem isso como estranhas excentricidades Porque eu continuo brincando como uma criança
Mas me perdoem
As pessoas dizem que eu não estou passando bem Por eu amar coisas tão simples
Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci
Você tem visto minha infância?
Procuro pela beleza da fantasia em minha juventude Como histórias de piratas e sonhos de aventureiros
De conquistas e reis nos seus tronos
As pessoas dizem que eu sou estranho assim Por eu amar coisas tão simples
Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci
Antes de me julgar
Tente me amar A juventude dolorosa que eu tive
Olhe dentro do seu coração, e então, responda: Você tem visto minha infância?
(MICHAEL JACKSON)
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Acredito que esta pergunta feita por este grande astro da música pop é a
pergunta que deveríamos fazer as nós mesmos: Estamos nós vendo e atentos à
infância? Ou ela tem passado despercebida? Estamos proporcionando qualidade de
vida e bem-estar às nossas crianças?
Refletir sobre a infância, as crianças no mundo inteiro, em todos os continentes:
nas grandes metrópoles, nas áreas rurais, as indígenas, as ciganas e de povos
nômades, as que possuem recursos materiais, mas precisam lidar com a ausência
dos pais, em função do excesso de trabalho para manter determinado padrão de
vida, as crianças de situação econômica desfavorável, que tem que cuidar dos
irmãos menores para os pais trabalhar, as pedintes no semáforo e vítimas do
trabalho infantil, de exploração sexual, as que sofrem todo tipo de abuso: violência
física, sexual ou psicológica; vítimas de maus-tratos ou abandono; as que vivem nas
ruas, as de orfanato e casas de passagem que sonham com uma família; filhos(as)
de usuários de drogas; as crianças viciadas em drogas e entorpecentes, as
inúmeras crianças dos morros ou de periferia iniciadas no crime, algumas já
manejando armas, utilizadas como “aviãozinho” pelos traficantes, as meninas
afegãs e dos países que praticam a circunscisão feminina, as órfãs vítimas de
guerras, de pais aidéticos, as vítimas da opressão do rendimento no esporte ou
outras competições por vaidade dos pais, àquelas que são diariamente arrancadas
da cama antes de clarear o dia e passam doze horas ou mais nas escolinhas ou
com alguma “cuidadora”, as crianças sobrecarregadas, estressadas ou até
deprimidas; e muitas outras que gostaria de mencionar... Essas e várias outras
situações foram determinantes na escolha do tema desta monografia.
Ao questionar a qualidade de vida e bem-estar social das crianças na atualidade,
nota-se, após algumas leituras e observações, que em alguns aspectos têm
melhorado como a expectativa de vida ao nascer; a taxas de mortalidade e
desnutrição infantil vêm reduzindo, aumento do nível de escolaridade , acesso à
saneamento básico, acesso à informação e as novas tecnologias, tudo isso têm
contribuído na melhoria da qualidade de vida das crianças. Por outro lado, com os
índices de violência, de divórcio, aumento do número de pessoas que vivem
46
sozinhas, observa-se um aumento na dificuldade de convivência, dos
relacionamentos interpessoais e intrapessoal, lotando consultórios de psicólogos e
psiquiatras.
Percebe-se também que, infelizmente, a “absoluta prioridade” dos direitos da
criança, parece não fazer parte na vida de muitas, como em exemplos já citados,
com sofrimento iniciando-se cedo, alguns desde a fecundação, como é o caso de
fetos vítimas de mães viciadas em drogas, inclui-se aqui, as drogas lícitas como
álcool e cigarro. Ou vítimas de pais viciados em trabalho, cuja prioridade, é a vida
profissional, a carreira, o dinheiro e o consumo. As crianças, filhas de pais
ausentes, vítimas de uma rotina de correria e estresse típica do cotidiano pós-
moderno, onde tempo é dinheiro, e, curiosamente, apesar da expectativa de vida ter
aumentado e dos avanços tecnológicos facilitarem em muitos aspectos, a sensação
é de cada vez ter menos tempo. Entretanto sabemos da indispensável presença dos
pais e, principalmente da mãe nos primeiros anos de vida para o bom
desenvolvimento emocional do ser humano.
Encontrei trabalhos muito interessantes sobre a educação infantil na Suécia, da
pesquisadora Lenira Haddad e outro sobre creches e pré-escolas no Hemisfério
Norte de Fúlvia Rosemberg e Maria Malta Campos (orgs), cujas obras estão
referenciadas nas obras consultadas. Destaco também o exemplo de Reggio Emília,
e da Escola da Ponte em Portugal, entre outros. Acredito que podemos aprender
com modelos que têm dado certo, revelados em índices socioeconômicos que
demonstram qualidade de vida e bem-estar social da população.
Necessitamos um profundo repensar sobre que indivíduos e que sociedade
queremos. Compartilho meu desejo de viver em um mundo de igualdade de
condições, um lugar onde a pobreza e a miséria perderam o lugar para a
generosidade; onde o “ter” perdeu espaço para o “ser”; em uma sociedade
saudável, ecologicamente sustentável, com pessoas comprometidas e
participativas, agentes transformadores. Para tanto, acredito que precisamos
revolucionar nossas ações sociais rompendo com as barreiras do conformismo que
dita: isso é assim mesmo e assim tem que continuar.
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Como Cury (2007) também entendo que a educação necessita passar por
uma revolução. Não há mais como conviver com essa incapacidade de se
interiorizar, de refletir sobre si mesmo, sobre seus medos, de como lidar com as
frustrações e crescer com elas. Como que o crack virou uma epidemia? Porque
tantos jovens têm recorrido às drogas? Ao fanatismo pelo futebol, por algum ídolo
do cinema, da música ou dos esportes? As coleções doentias de todo tipo de
objetos e quinquilharias e outras fugas e esquisitices? O que podemos fazer para
melhorar, para acrescentar mais satisfação, alegria, bem-estar e qualidade de vida à
população?
Certamente inicia com um nascimento humanizado e de qualidade, seguido
de um ambiente adequado, com pais afetivos, com uma educação de qualidade
num espaço educativo e acolhedor, com profissionais qualificados e bem
remunerados, com uma participação mais ativa e uma cobrança maior de toda a
sociedade no estabelecimento de prioridades nas políticas públicas e no
investimento do dinheiro público, para um país e um mundo melhor, de paz e justiça
social, consequentemente, com mais crianças felizes.
48
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