CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ
DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - DIPPG
COORDENADORIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA – PPECM
DISSERTAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NA GRADUAÇÃO EM
FÍSICA
Washington Luiz Raposo da Silva
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA.
Andreia Guerra de Moraes, D.Sc. Orientador
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL DEZEMBRO / 2009
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................1 CAPÍTULO I...................................................................................................................................3 ARGUMENTOS QUE EMBASAM A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA..........................................................3
Base teórica .................................................................................................................................3
A voz dos críticos........................................................................................................................7
Base legal ..................................................................................................................................11
Lei de Diretrizes e Bases da Educação..................................................................................11 Parâmetros Curriculares Nacionais .......................................................................................12
CAPÍTULO II ...............................................................................................................................15 POR QUE ESTUDAR EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA NA GRADUAÇÃO EM FÍSICA?..15 CAPÍTULO III ..............................................................................................................................20 PRINCIPAIS TEMAS A SEREM ABORDADOS EM EPISTEMOLOGIA DA FÍSICA..........20
Concepções sobre ciência e o método científico.......................................................................22
Aspectos a serem apresentados sobre ciência e sobre método científico..................................30
CAPÍTULO IV..............................................................................................................................32 PROPOSTA DE MINICURSO DE EPISTEMOLOGIA PARA GRADUANDOS DE FÍSICA.32
Metodologia de Trabalho ..........................................................................................................33
O Desenvolvimento do Trabalho ..............................................................................................33
Avaliação final ..........................................................................................................................47
CAPÍTULO V ...............................................................................................................................49 COMENTÁRIOS FINAIS ............................................................................................................49 REFERÊNCIAS............................................................................................................................52 APÊNDICE A ...............................................................................................................................59 QUESTIONÁRIO PRELIMINAR DE LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA. ....................................................................................................59 APÊNDICE B ...............................................................................................................................61 RELATÓRIO DE ATIVIDADE DO EXPERIMENTO CAIXA PRETA....................................61 APÊNDICE C ...............................................................................................................................63 MATERIAL DIDÁTICO USADO NOS ENCONTROS .............................................................63
1º dia, 16/04/2009......................................................................................................................63
2º dia, 30/04/2009......................................................................................................................65
3º dia, 07/05/2009......................................................................................................................67
4º dia, 14/05/2009......................................................................................................................69
ANEXO I......................................................................................................................................A1 PARADIDÁTICO ELABORADO PARA O CURSO ................................................................A1
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do EFET/RJ
S586 Silva, Washington Luiz Raposo A importância de uma abordagem epistemológica na graduação em
física/Washington Luiz Raposo da Silva – 2009. viii, 70f. + anexos: il. ; enc. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca, 2009. Bibliografia: f. 52 - 58 Apêndices. Apresenta um paradidático elaborado para o curso. Orientadora: Andréa Guerra 1. Teoria do conhecimento 2. Física – estudo e ensino (superior) I. Guerra, Andréa (orient.) II. Título.
CDD 121
iv
A meus pais e irmão
que me deram suporte e carinho,
principalmente minha mãe.
A minha amada noiva,
pelo carinho, apoio e compreensão.
v
Devo este trabalho ao apoio dado por diversas pessoas que de maneiras também
diversas contribuíram para a sua conclusão.
Agradeço aos amigos de mestrado por toda a força e companheirismo que conseguimos
dividir entre nós, de modo a multiplicarmos nossa amizade.
Agradeço a forte presença da coordenação do PPECM no dia-a-dia dos mestrandos,
especialmente na pessoa de Marco Braga.
Não poderia esquecer da forma marcante com que o professor Álvaro Chrispino nos
estimulou e, de certa forma, nos direcionou para uma visão mais ampla da profissão de
educador.
Também agradeço ao essencial apoio financeiro da CAPEs.
E por último quero agradecer o imenso respeito, atenção, apoio e carinho com que a
minha orientadora, Andréa Guerra, conduziu este período muitíssimo produtivo de minha vida
acadêmica.
vi
Resumo da dissertação submetida ao PPECM/CEFET-RJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de mestre em ensino de ciências e matemática.
A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NA GRADUAÇÃO EM
FÍSICA
Washington Luiz Raposo da Silva
Dezembro / 2009
Orientador: Andreia Guerra de Moraes.
Programa: PPECM
Este trabalho se propõe a discutir a importância de uma abordagem mais consistente e
significativa de Filosofia da Ciência, epistemologia, nos cursos de graduação em Física além de apresentar uma proposta prática de um minicurso de epistemologia aplicado em uma universidade pública do estado do Rio de Janeiro.
Através de pesquisa realizada sobre a legislação vigente para o ensino: LDB, PCNs (para o ensino médio) e Parâmetros curriculares para o ensino superior de Física, foi possível perceber a importância que estes documentos dão ao ensino de ciências contextualizado, que proporcione um maior poder de compreensão e discernimento dos alunos. Amparando-se na literatura relativa ao ensino de Física e de autores que defendem a abordagem de Historia e Filosofia da Ciência no ensino de ciências como GIL-Pérez, et al. (2001), Fernández, I. (2000), Sandoval e Cudmani, (1993) entre outros, ficou muito nítida a possibilidade que a efetiva abordagem de epistemologia da ciência nos cursos de graduação em Física poderia trazer para a formação de professores capazes de construir aulas significativas de ciências.
Nesse sentido este trabalho apresenta, nos primeiros capítulos, estas pesquisas da legislação e do referencial teórico que ampara tal proposta de epistemologia na graduação de Física. Posteriormente há a apresentação de uma proposta de minicurso de epistemologia já aplicado e avaliado, onde são detalhados todos os resultados, todos os prós e contras da abordagem escolhida e as conclusões deste trabalho. Palavras-Chave: Epistemologia, Física, Ensino.
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Abstract of dissertation submitted to PPECM/CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in science and mathematics education.
THE IMPORTANCE OF THE ONE EPISTEMOLOGICAL INTRODUCTION IN THE
PHYSICS GRADUATION
Washington Luiz Raposo da Silva
December / 2009
Supervisor: Andreia Guerra de Moraes.
Program: PPECM
This paper aims to discuss the importance of a more consistent and meaningful philosophy of science, epistemology, with undergraduate degrees in physics and presents a practical proposal of a short course on epistemology applied to a public university of Rio de Janeiro.
Through research conducted on the legislation for education: LDB, PCN (for school) and curricular parameters for higher education in Physics, it was possible to realize the importance that these documents give the teaching of science in context, providing a greater power of understanding and insight of the students. Protecting themselves in the literature on the teaching of physics and authors who advocate the approach of History and Philosophy of Science in science education as Gil-Perez, et al. (2001), Fernandez, I. (2000), and Sandoval Cudmani, (1993) among others, was very clear the possibility that an effective approach to the epistemology of science in undergraduate courses in physics could bring to the training of teachers able to build meaningful science lessons.
In this sense this work presents the first chapters, research on law and theoretical framework that supports such a proposal for undergraduate epistemology of physics. Later there is the submission of a proposal for a short course of epistemology has been implemented and evaluated, where are all detailed results, all the pros and cons of the approach chosen and the conclusions of this work. Keyword: Epistemology, Physics, Education.
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ÍNDICE DE FIGURAS
Fig. 1: Experimento do universo “caixa preta”.......................................................................37 Fig. 2: Alunos interagindo com a “caixa preta”......................................................................38 Fig. 3: Figura de interpretação dupla. .....................................................................................39 Fig. 4: Múltiplas imagens presentes em um único quadro. .................................................40 Fig. 5: “A persistência da memória ou relógios moles” (1931) - Salvador........................45 Fig. 6: “A traição das imagens” (1928-1929). ........................................................................45 Fig. 7: “O império das luzes” (1954)........................................................................................45
INTRODUÇÃO
Durante o curso de Licenciatura de Física, apresentaram-me livros biográficos de Galileu,
Newton e Einstein, que mostravam que a seqüência de idéias e trabalhos desenvolvidos por
esses cientistas não correspondia à forma linear e objetiva com que se ensina Física no Ensino
Médio e Graduação. Tudo parecia muito mais complexo, intrincado, até mais humano, que a
forma linear apresentada nas salas de aula.
Paralelamente a essas leituras, no último período da graduação, eu encontrei
professores, das disciplinas de instrumentação para o ensino, que trouxeram à sala de aula
discussões em torno ao processo de construção da ciência. Nesse curso, alguns autores como
Gil-Pérez, et al. (2001), Fernández, I. (2000), Sandoval e Cudmani, (1993) foram apresentados
e utilizados como referências no estudo de questões ligadas ao ensino de física e
epistemologia no ensino.
Esses autores defendem que as formas de abordagem e os discursos equivocados nas
aulas de Física causam confusões e imagens deturpadas do trabalho científico nas mentes dos
alunos.
Observam-se, também, problemas com a apresentação da Ciência nos livros didáticos e
ingenuidade na fala de alguns professores no que se refere ao processo de construção do
conhecimento científico (FERNÁNDEZ, I. 2000).
Com essas preocupações em mente iniciei o curso de Mestrado Profissional em Ensino
de Ciências e Matemática no CEFET-RJ onde tive contato mais aprofundado com a Historia e
com a Filosofia da Ciência. Esse estudo confrontado com as discussões em torno à LDB e de
maneira mais direta com os PCNs, mostrou-me que, para um ensino mais contextualizado,
seria fundamental desenvolver um trabalho em que o processo de produção científica fosse
refletido pelos alunos.
Um levantamento realizado por mim e minha orientadora, no primeiro semestre do ano de
2008, nos currículos de licenciatura de Física das universidades do Estado do Rio de Janeiro
mostrou que nesses cursos não há disciplinas obrigatórias de Filosofia da Ciência, apenas em
alguns casos há disciplinas voltadas para o estudo de História da Ciência. Na verdade, na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro há uma disciplina obrigatória, para os cursos de
bacharelado e licenciatura, denominada Filosofia da Física, porém na ementa não há
descrições explicitas de estudos de epistemologia. Nesse curso, estuda-se a evolução do
pensamento científico dos gregos até a Física do século XX. Aborda-se o pensamento de
Demócrito, Galileu, Newton, Einstein e Bohr. Assim, nessa pesquisa preliminar não
encontramos disciplinas que sistematizem o estudo de epistemologia na graduação dos
professores de Física do Estado do Rio de Janeiro. Essas constatações colocaram-nos uma
questão: Será que o estudo sistemático, por parte dos futuros professores, de questões
2
epistemológicas trazidas por alguns filósofos da Ciência, ao longo da história, pode ser um
caminho para efetivar uma discussão em torno à produção científica?
Para responder a essa questão foi planejado um material para ser aplicado a alunos da
licenciatura de Física. O material visava apresentar de forma sistemática e através de
exemplos da História da Ciência o pensamento de alguns filósofos da ciência, a respeito do
processo de construção do conhecimento científico. A opção pelo tema de Filosofia com o
apoio da História da Ciência pareceu o mais indicado a possibilitar sucesso ao tratar de temas
árduos como Filosofia da Ciência.
Para discutir a construção e aplicação desse material o presente trabalho foi dividido em
cinco capítulos.
O primeiro capítulo apresenta os argumentos que fornecem base legal, na LDB, PCNs e
Parâmetro Curriculares para o Ensino Superior, para a abordagem de FHC no Ensino Médio e
Graduação.
No segundo capítulo, apresenta-se o trabalho de pesquisadores e educadores que
apontam ser importante a abordagem histórico-filosófica no ensino de Física. Nesse capítulo,
argumentamos sobre as possibilidades que se abrem aos estudantes que detenham
conhecimentos de epistemologia da ciência.
No terceiro capítulo, apresentamos, mais especificamente, quais temas de epistemologia
deveriam ser abordados na Graduação em Física. Evidenciamos a necessidade de abordar a
questão do método científico, a não unanimidade da ciência, a não linearidade do
desenvolvimento de teorias cientificas, além do envolvimento de outra áreas do conhecimento
no processo de desenvolvimento do saber científico.
No quarto capítulo, desenvolvemos a estrutura de um minicurso de epistemologia da
ciência para alunos de Graduação em Física, aplicado a um grupo misto de alunos de
licenciatura do 5º e do 8º período de Física de uma universidade pública do Estado do Rio de
Janeiro. Esses alunos estavam inscritos nas disciplinas de instrumentação para o ensino de
Física e de prática de ensino de Física, porém, alguns poucos não estavam inscritos em
nenhuma destas disciplinas.
No quinto capítulo, apresentamos os resultados da aplicação deste minicurso. Nele são
apresentados os resultados dos questionários e avaliações feitas durante o mês o e que
tiveram objetivo de averiguar o nível de compreensão dos alunos antes e após a realização do
minicurso.
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CAPÍTULO I
ARGUMENTOS QUE EMBASAM A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIA E F ILOSOFIA DA CIÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA
Base teórica
Apesar de todas as pesquisas em ensino desenvolvidas no país e no exterior, ainda é
generalizada a forma tradicional de ensinar ciências, onde a autoridade do professor é
predominante, o foco da educação é o conteúdo e a utilização das tecnologias é feita de forma
puramente tecnicista.
Nessa modalidade educacional a escola funciona como modeladora do comportamento
humano através de técnicas específicas. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos
competentes para o mercado de trabalho, considerando matéria de ensino apenas o que é
redutível ao conhecimento observável e mensurável, eliminando-se assim todo sinal de
subjetividade. A atividade educacional baseia-se na atividade profissional do professor que
nada mais é que um técnico que emprega o sistema instrucional previsto e elaborado por
especialistas (LIBÂNEO, 1985).
Esse paradigma educacional que ainda persiste surge nas diretrizes educacionais da
década de 70\80, pós-ditadura militar, em que o ideal de desenvolvimento industrial e técnico
do país criava uma demanda por trabalhadores qualificados. Nesse período o Ensino Médio
representava uma etapa intermediária entre o ensino fundamental e o ensino superior (cursos
de formação geral) ou entre o primeiro e o mercado de trabalho (formação técnica) (MEC,
2000).
A versão pré-universitária do Ensino Médio se baseava na exposição dos assuntos e
resolução de listas de exercícios para o domínio dos conteúdos. Nessa modalidade parecia
aceitável que a compreensão das disciplinas com uma amplitude cultural ou prática só
ocorresse no ensino superior. Já o ensino técnico era voltado para o treinamento de uma
especialidade laboral abandonando-se visões mais gerais ou culturais das disciplinas (MEC,
2000).
Hoje, o novo Ensino Médio, nos termos da LDB1 de 1996, regulamentada pelas Diretrizes
do Conselho Nacional de Educação, 1998, e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
2000, é visto como a etapa final da educação básica.
Não mais como uma etapa intermediária, o Ensino Médio deve apresentar características
de terminalidade do ensino básico. O indivíduo que complete seu ciclo básico de educação
deverá ser capaz de exercer plenamente sua cidadania com capacidade de ingressar no
mercado de trabalho e continuar, se essa for sua vontade, seus estudos no ensino superior.
1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
4
Os PCNs refletem um movimento internacional de entendimento sobre os novos objetivos
educacionais necessários para o pleno exercício da cidadania, com eles surgem novas
dimensões para a educação: conceptuais, formativas e culturais, onde o conteúdo curricular
ganha também novo entendimento. O conceito de currículo se amplia e ganha dimensões
conceituais, procedimentais e atitudinais que visam alcançar propósitos de formação de
cidadãos mais conscientes e críticos capazes de assumirem posições frente à sociedade e
atuarem de forma crítica diante de fatos e posicionamentos políticos, sociais, tecnológicos etc.
(CARVALHO, 2004). Além disso, devem apresentar os conhecimentos curriculares tradicionais
que cada disciplina possui e que não devem ser preteridas sobre nenhum pretexto.
Juntamente com os novos objetivos e dimensões para a educação e a nova compreensão
de currículo, fica evidente a necessidade de novas metodologias de abordagem didática que
consigam dar conta desses novos objetivos da educação.
As linhas de pesquisa que surgiram nas áreas de ciências para suprir essa necessidade
foram: a perspectiva de trabalho CTS (ciência, tecnologia e sociedade) abrindo as discussões
entre o trabalho da Ciência, o desenvolvimento tecnológico e o impacto destes na sociedade; o
uso da história e Filosofia das ciências na discussão do desenvolvimento e natureza da
Ciência; o cognitivismo de Piaget e o de Vigotski, que, em comum. Tinham a visão de que o
próprio indivíduo é construtor de seu conhecimento, e as investigações sobre concepções
espontâneas dos estudantes. Essas possibilidades de abordagem contribuem para uma melhor
compreensão do vasto e complexo campo que é o de ensino e aprendizagem e, com isso, é
possível se entender que a formação e a capacitação do profissional de educação é um ponto
não único, mas primordial nesse processo.
Nessa perspectiva, Kawamura e Hosoume (2003) argumentam em defesa de aulas mais
interessantes, contextualizadas e significativas para o aluno de nível médio, possibilitando
assim o alcance de propósitos mais profundos como o desenvolvimento de habilidades (ou
capacidades) e competências.2 Mas, como os professores de Ensino Médio podem trabalhar
de forma inovadora e contextualizada sem terem nenhuma referência desse tipo de trabalho?
Os diversos anos que os professores viveram como alunos, desde o ensino fundamental
até a pós-graduação, sempre presenciando aulas tradicionais e descontextualizadas, é um
fator muito forte para as concepções de ensino-aprendizado que esses professores possuem.
“A influência dessas aulas leva-os a terem conceitos espontâneos de ensino adquiridos de
maneira natural, não reflexiva e não crítica e que têm se constituído em verdadeiros obstáculos
à renovação do ensino” (CARVALHO, 2004).
2 As habilidades estão associadas ao saber fazer: ação Física ou mental que indica a capacidade adquirida. Assim, identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações, analisar situações-problema, sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades. Já as competências são um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que caracterizam, por exemplo, uma função/profissão específica: ser arquiteto, médico ou professor. As habilidades não estão circunscritas a uma competência, são na verdade requisito para diferentes atividades. Elas devem ser desenvolvidas na busca das competências (PCNs, 1999).
5
A busca por concepções e modalidades inovadoras para o trabalho dos professores de
ciências do Ensino Médio conduz naturalmente à necessidade de se repensar a formação
inicial e continuada dos professores.
A busca pela melhoria da qualidade na formação de professores apresenta algumas
questões a serem observadas como:
“Aprofundamento disciplinar 3 – Não temos dúvidas de que
todo professor deve dominar bem o conteúdo a ser ensinado, nos seus aspectos específicos e suas metodologias. [...].
Abrangência interdisciplinar – A construção do conhecimento científico tem sido fundamentalmente disciplinar, com aprofundamentos nas diferentes áreas. Qualquer exemplo que se tome da natureza, temos que enxergá-lo de uma forma mais abrangente. [...].
Percepção do conhecimento como construção humana, inserido em um processo histórico e social – [...]. Se analisarmos os diferentes fatos fabricados cientificamente, nos damos conta que os seres humanos – neste caso, cientistas e tecnólogos - os fizeram dentro de um momento específico, propício àquele conhecimento. [...].
Educação para a cidadania, em uma perspectiva crítica, contribuindo para vida na sociedade, no mundo contemporâneo – A rede de ensino se expande e hoje absorve as diferentes classes sociais. É, na escola, que as classes menos favorecidas têm acesso à informação, cultura, lazer e, principalmente, conhecimento. [...].
Formação continuada, acompanhando os desenvolviment os científico, tecnológico, educacional e cultural – O mundo se desenvolve científica e tecnologicamente com muita rapidez e estes conhecimentos estão ao redor da vida de todos nós. Precisamos mergulhar profundamente nas questões da atualidade, nos acostumando à formação permanente, mantendo-nos a par de tudo o que está acontecendo. [...]” (VIANNA, 2003).
É exatamente nos tópicos de: abrangência interdisciplinar, percepção do conhecimento
como construção humana e, conseqüentemente, educação para a cidadania que este trabalho
se propõe a atuar. Há ainda a possibilidade de atuação no tópico de formação continuada, uma
vez que se propõe a tratar de algo que não é novo, mas que ainda não é bem compreendido
pelos recém formados dos cursos de graduação em Física.
Em geral, os cursos de ciências, no nosso caso os de Física, não trazem aos seus
alunos, de graduação e conseqüentemente do Ensino Médio, os fatores históricos e sociais
que influenciaram as mais importantes descobertas e elaborações da Ciência (Rosa, 2006).
A influência de fatores históricos e sociais no trabalho científico é indiscutível, por
exemplo, o próprio trabalho de Einstein, no que diz respeito ao sincronismo dos relógios, foi
influenciado por problemas que afetavam a sociedade de sua época. A possibilidade de um
sincronismo eficiente de relógios distantes era algo de enorme importância social e econômica.
“Esse tipo de sistema era muito importante para o controle do
sistema de trens, por exemplo, que já atingiam na época velocidades 3 Grifos nossos.
6
superiores a 150 km/h. Era também importante a sincronização de relógios a grandes distâncias, por meio de sinais telegráficos, para determinação precisa da longitude geográfica” (MARTINS, 2005, p.26).
Os cientistas fazem parte da sociedade ao qual são contemporâneos e compartilham de
aspectos específicos do meio em que vivem. De modo geral, apresentam em seus trabalhos
características ligadas às suas vivências e experiências sociais.
“Os cientistas em atuação, os historiadores da Ciência, os
sociólogos que estudam a investigação cientifica e o sentido comum, todos eles nos dizem que a ciência é uma atividade muito humana. Envolvendo atores humanos e suas concepções, rivalidades e antagonismos, mistérios e surpresas e o uso criativo de metáforas e analogias” (LEMKE, 1997, p.146).
Ainda assim, os cursos de graduação das áreas de ciências se limitam aos aspectos
teóricos e práticos voltados para a operacionalidade do conhecimento de cada área em
particular, sem fornecerem os referenciais históricos e filosóficos necessários para a real
compreensão do processo de desenvolvimento científico.
“Apesar das transformações sociais dos últimos 60 anos, que
fizeram avanços científicos e tecnológicos influenciarem as estruturas sociais, a cultura e a vida cotidiana de uma maneira que não tem precedentes, os currículos de ciências praticamente não mudaram, retratando a pratica cientifica como se fosse separada da sociedade, da cultura e da vida cotidiana, e não possuísse uma dimensão histórica e filosófica” (El-Hani, 2006, p.5).
A não apresentação das dimensões históricas e sociais e, em particular, filosóficas
presentes no processo de desenvolvimento cientifico, deturpa a visão do aluno sobre a ciência,
tornando-a fria, estática, dogmática e muito distanciada do dia-a-dia dos demais seres
humanos (Gil-Perez, 2001).
O ensino tradicional, dogmático, das disciplinas científicas dá origem à concepção
“deformada” de ciência que os formandos dessas áreas apresentam. Uma ciência de verdades
absolutas, feita por grandes gênios repentinos e de inesperadas descobertas espetaculares.
Esse tipo de ensino Ignora também o papel da criatividade e da imaginação na produção
científica, além de apresentarem uma falta de compreensão das noções de ‘fato’, ‘evidencia’,
‘observação’, ‘experimentação’, ‘modelos’, ‘leis’ e ‘teorias’ e a inter-relação entre eles (El-Hani,
2006).
Uma maneira de contribuir para a formação dos professores das disciplinas científicas, e
até mesmo para os profissionais que optam pela carreira de pesquisa, os bacharéis, é a
valorização ou a inserção, no caso em que ela não exista, de disciplinas de História e Filosofia
da Ciência nos currículos regulares de Física, Química, Biologia e mesmo Matemática (ALVES,
2007).
7
A inserção dessas disciplinas ou um aproveitamento sério dessas cadeiras possibilitaria
aos alunos, futuros professores das ciências e aos futuros cientistas, uma visão mais ampla da
Ciência. Mesmo os formandos que, ao término de sua graduação, demonstram bom
conhecimento dos conteúdos de suas áreas, apresentam concepções confusas quanto ao
caráter da Ciência, seus pressupostos e seus objetivos, bem como os problemas citados
anteriormente (Fernandez, 2000).
Essa abordagem histórico-filosófica da Ciência, se bem estruturada e coerente, pode
propiciar o aprendizado significativo de equações e conceitos; ser útil para lidar com a
problemática das concepções alternativas; incrementar a cultura geral dos alunos; desmistificar
o método científico; chamar a atenção para a idéia da metafísica; tornar as aulas de Física
mais desafiadoras e interessantes (PEDUZZI, 2001). Para os futuros professores, além de
aumentar em muito sua compreensão da Ciência, a abordagem de História e Filosófica
mostraria como a sociedade, o contexto histórico e os interesses econômicos e políticos podem
influenciar no trabalho da Ciência. Possibilitando, assim a construção de aulas mais
contextualizadas e significativas.
A voz dos críticos
Outro ponto que não pode ser esquecido é que não há unanimidade no que diz respeito à
utilização de História e Filosofia da Ciência no ensino. Há críticos do porte de Martin Klein,
Whitaker, Thomas Kuhn e Stephen Brush que trazem à tona objeções contundentes e
importantes à utilização didática da história e da Filosofia da Ciência (MATHEWS, 1995).
Segundo Michael R. Matthews (1995), Martin Klein, professor de História da Física da
Universidade de Yale, defende que a única história possível nos cursos de ciências é a
pseudo-história, uma vez que os professores de ciências selecionam e usam os fatos históricos
com outros propósitos pedagógicos e científicos de modo a atender as necessidades do ensino
da Física. Enfim, ele conclui que, se o ensino de ciências de qualidade alimenta-se da história,
esta só pode ser de má qualidade. Concluindo que é melhor não usar a história da Ciência do
que usá-la mal.
Já Whitaker, explorou mais profundamente esses argumentos preocupando-se em
identificar a ficção histórica que prevaleceria no ensino, a fim de satisfazer-se não apenas aos
fins pedagógicos, mas aos fins da ideologia científica ou à visão de ciência que tinha cada
autor.
“Whitaker diz que a quasi-história é o resultado de muitos e muitos livros cujos autores sentiram a necessidade de dar vida aos registros desses episódios usando um pouco de história, mas que, de fato, acabavam re-escrevendo a história de tal forma que ela segue lado a lado com a Física” (WHITAKER apud MATTHEWS, 1995, p. 177).
Devido ao uso da História da Ciência ser direcionado, nesse caso, erros podem acontecer
devido a omissões e a história pode ficar aquém do alto padrão de “verdade” necessário. Tem-
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se uma falsificação da história com aspecto de história genuína, ao que Lakatos chamava de
reconstruções racionais da história, onde a história é escrita para sustentar uma determinada
versão de metodologia científica e onde as figuras históricas são retratadas à luz da
metodologia ortodoxa atual (MATTHEWS, 1995).
A questão da qualidade da história apresentada pode ser superada e com isso conseguir-
se a utilização didática da História da Ciência de maneira satisfatória, como já ocorre no próprio
ensino da História. Podendo, dessa forma, obter-se:
(...) uma historia simplificada que lance uma luz sobre os
conteúdos discutidos, que não seja uma mera caricatura do processo histórico. A simplificação deve levar em consideração a faixa etária dos alunos e todo o currículo a ser desenvolvido. Historia e Ciência podem tornar-se mais e mais complexas à medida que assim exija a situação educacional (MATTHEWS, 1995, p. 177)
As críticas em torno ao uso da História e Filosofia da Ciência no ensino não se restringem
ao seu mau uso. Thomas Kuhn (1998) defende que o uso da História e da Filosofia da Ciência,
ao apresentar todos os “altos e baixos” do seu processo de desenvolvimento e das discussões
epistemológicas envolvidas, pode enfraquecer as convicções e o espírito científico das mentes
que se iniciam na seara da Ciência.
Segundo Kuhn, expor as mentes neófitas aos problemas, conceitos e padrões de solução
que há muito foram abandonadas e superadas pela ciência, o que ocorreria se estes lessem as
obras originais dos grandes cientistas, poderia abalar ou enfraquecer as convicções dos
estudantes sobre o paradigma vigente. Nessa linha, Kuhn argumenta que a crítica indevida ao
paradigma vigente traz prejuízos à formação dos alunos (PEDUZZI, 2001). Com isso, Kuhn
defende a não utilização da historia da Ciência e apóia o ensino que tem por finalidade a rápida
familiarização do estudante com a estrutura conceitual do paradigma vigente.
Na mesma linha, Stephen Brush sugere que “a história da Ciência poderia ser uma
influência negativa sobre os estudantes porque ela ceifa as certezas do dogma científico;
certezas essas que são tão úteis para se manter o entusiasmo do principiante”. Brush se
mostra ainda mais contundente do que Kuhn ao questionar se a História da Ciência não
deveria ser censurada (BRUSH apud MATTHEWS, 1992, p.176).
Mas uma abordagem histórica coerente do desenvolvimento científico, apresentando uma
ciência “viva” e em constante processo de desenvolvimento não poderia ter efeito contrário ao
que Kuhn e Brush afirmam?
“Não poderia, ao contrário, haver um estímulo, uma vez que o
estudante vê mais humanidade na ciência, portanto, vê-se como potencialmente agente transformador da Ciência?” (ROSA, 2006).
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Ao se considerar as análises de Kuhn como procedentes, ter-se-ia como conseqüência,
em médio prazo, uma diminuição do trabalho científico, já que cada vez menos pessoas
ficariam fascinadas pela área, entretanto:
‘Não há indicação de que o progresso é estorvado pela atitude
mais ‘filosófica’ que, de acordo com Kuhn, fundamenta um procedimento dessa natureza... Muito ao contrário, encontramos uma consciência maior dos limites do nosso conhecimento, da sua conexão com a natureza humana, e encontramos também uma familiaridade maior com a história do tema e a capacidade não só de registrar, mas também de usar ativamente idéias passadas para o avanço de problemas contemporâneos’ (apud ROSA, 2006, p.29).
Para Ernst Mach, físico e filósofo austríaco (1838 - 1916) que defendia a idéia de que
todo o conhecimento é uma organização conceptual dos dados da experiência sensorial (ou
observação), ‘a investigação histórica não somente promove a compreensão daquilo que existe
agora, mas também nos apresenta novas possibilidades’ (MACH apud MATTHEWS, 1992,
p.169).
O filosofo Paulo Abrantes, que trabalha com História e Filosofia da Ciência, é cético em
relação à utilidade da História da Ciência para o ensino de conceitos e teorias científicas,
principalmente no que tange ao ensino superior. Ele separa, ainda, a importância que a História
e a Filosofia da Ciência podem ter na formação de cientistas da que podem ter na formação de
professores (apud Rosa, 2006).
Há um problema nesse raciocínio. Dessa forma, teria que se assumir que os professores
se converteriam em multiplicadores da diminuição do fascínio pela ciência. Teríamos então o
que já apontamos acima, uma diminuição cada vez maior de pessoas buscando as carreiras
científicas.
Quanto ao caso da formação de cientistas4, Isidor Isaac Rabi, Prêmio Nobel de Física em
1994, afirma que ao longo de sua carreira o interesse pela História foi muito grande e tomou
parte de seus estudos:
‘Minhas leituras favoritas e minha melhor matéria no Ensino Médio
era história, matéria na qual eu obtinha notas muito altas muito, muito facilmente e sem esforço algum; história era nesse sentido minha melhor matéria, ainda que meu interesse fosse em ciência, o que, penso eu, veio da leitura do [Livro do] Gênesis... [Além disso] minhas primeiras leituras [quando criança] da teoria copernicana, da explicação das estações do ano e essas coisas, me deixaram com um interesse científico que nunca esmoreceu, e eu ainda consigo contemplar o sistema copernicano com um prazer tremendo.’ (RABI apud ROSA, 2006, p.30).
4 Este assunto será melhor discutido no capítulo reservado a justificativa do estudo de epistemologia nas graduações em Física (Capítulo 3).
10
Isso demonstra que a História e a Filosofia da Ciência no ensino podem não diminuir o
fascínio da Ciência, ao contrário, evidencia não só o quanto a História esteve presente na
formação de Rabi, mas o quanto leituras de textos historicamente clássicos da Ciência ajudou
o físico a resolver problemas com os quais lidava no seu cotidiano laboral. Um exemplo de
atividade em que Rabi foi influenciado por suas leituras dos clássicos da Ciência é o da
medição da susceptibilidade magnética de um cristal5 (HOLTON, 2003, apud ROSA, 2006).
Fora isso, não se pode excluir o Projeto Harvard. Este Projeto, implementado nos EUA
nos anos sessenta, foi desenvolvido por profissionais das diversas áreas de conhecimento
incluindo físicos, astrônomos, historiadores, filósofos e professores. O Curso de Física do PFH
faz uma introdução aos conceitos da Física a partir das suas idéias mais relevantes e numa
perspectiva cultural e histórica, com os objetivos de atingir estudantes com diferentes
capacidades e com as mais variadas vocações profissionais (HOLTON e colaboradores, 1978).
Lewis, em 1976, destacou o sucesso que representou este projeto, no que tange ao
ensino de uma ciência viva e inserida no contexto histórico. Além disso, sua característica
humanista permitiu sua adaptação e uso em outros países do mundo influenciando fortemente
projetos e movimentos educacionais (LEWIS, 1976).
5 Este era o coração de seu projeto de doutorado e tinha sido um problema no qual havia ficado preso até a leitura do Tratado de Maxwell (1873). E é por ter essa vivência com a História da Ciência que Holton afirma que Rabi não está seguindo modismos quando defende que a História deveria estar presente numa boa educação científica.
11
Base legal
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
A inserção de uma disciplina de história e Filosofia da Ciência na graduação em Física se
apóia nos princípios e finalidades contidos na lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a já
citada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e nas Diretrizes Nacionais Curriculares
para os Cursos de Física.
No Art. 43 da LDB, lemos que a finalidade da educação superior é estimular a criação
cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo 6; assim
como outras mais.
O espírito científico mudou e sofreu muitas variações no decorrer da história e, ao ter
contato com essas diversas variações de pensamento, paradigmas científicos, o aluno de
graduação terá condições de identificar e correlacionar às teorias e formulações científicas às
concepções de mundo em que foram geradas. Com isso, ele terá capacidade de desenvolver
um pensamento reflexivo sobre as questões da Ciência e quanto a qual abordagem tomar em
concordância com a pesquisa que pretenda desenvolver ou a aula que pretenda ministrar.
A Filosofia da Ciência representa uma área muito importante tanto para a própria Filosofia
como para a Ciência em si. Através dos estudos desenvolvidos, podemos ampliar nossa
concepção de ciência, livrarmos-nos dos mitos de uma ciência absoluta e com isso nos
colocarmos em condições de criticar os fatos e acontecimentos que nos são apresentados e
decidirmos, com conhecimento de causa, sobre a influência dessa mesma ciência em nossas
vidas (MC COMAS, 1998).
Como os alunos que se formarem e licenciatura em Física irão trabalhar, em princípio, no
ensino médio, faz-se importante analisar o que há com respeito à abordagem de HFC, também
no ensino médio.
Na Seção IV, Art. 35, da LDB encontra-se a afirmação de que o Ensino Médio terá como
finalidades, dentre outras, “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico 7”.
Reforçando a idéia exposta até aqui, lemos no Art. 36 que o currículo do Ensino Médio
destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da Ciência, das
letras e das artes; o processo histórico de transfo rmação da sociedade e da cultura 8; a
língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da
cidadania.
6 Grifos nossos. 7 Grifos nossos. 8 Grifos nossos.
12
No inciso 1º do mesmo artigo, lemos:
“Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre: domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (LDB, 1996).
Parâmetros Curriculares Nacionais
Nos parâmetros curriculares, tratando apenas o que diz respeito à disciplina de Física,
pode-se encontrar importantes argumentos que justificam nossa pretensão.
Nos PCNEM9, na seção que trata das competências e habilidades gerais da área de
ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, sob o subtítulo de Contextualização
sócio-cultural, encontram-se como competências: reconhecer o sentido histórico da Ciência e
da tecnologia, percebendo seu papel na vida humana em diferentes épocas e na capacidade
humana de transformar o meio; compreender as ciências como construções humanas,
entendendo como elas se desenvolveram por acumulação, continuidade ou ruptura de
paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.
“Para tanto, é essencial que o conhecimento físico seja explicitado
como um processo histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de expressão e produção humanas. [...] Assim, ao lado de um caráter mais prático, a Física revela também uma dimensão filosófica, com uma beleza e importância que não devem ser subestimadas no processo educativo” (PCNEM, 1999).
Já nas competências e habilidades a serem desenvolvidas em Física, em
Contextualização sócio-cultural, encontramos: reconhecer a Física enquanto construção
humana, aspectos de sua história e relações com o contexto cultural, social, político e
econômico; estabelecer relações entre o conhecimento físico e outras formas de expressão da
cultura humana; ser capaz de emitir juízos de valor em relação a situações sociais que
envolvam aspectos físicos e/ou tecnológicos relevantes.
Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio que, assim como os PCN+, são
orientações complementares aos PCNEM, na seção de Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias, há um tópico que trata da História e Filosofia da Ciência, onde encontramos
a afirmação de que:
“O uso da História da Ciência para enriquecer o ensino de Física e tornar mais interessante seu aprendizado, aproximando os aspectos científicos dos acontecimentos históricos, possibilita a visão da Ciência como uma construção humana. [...] Já a Filosofia da Ciência tem maior importância, para o professor, na construção de sua concepção de
9 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
13
ciência, com reflexos na hora de abordá-la em sala de aula” (MEC, 2006).
A afirmação anterior é justamente a argumentação que vimos usando para justificar
nosso ponto de vista. A abordagem histórico-filosófica da Ciência nos cursos de graduação tem
a capacidade de elevar a compreensão do graduando, sobre os princípios e objetivos da
Ciência de uma forma que não seria possível apenas com o ensino operacional de técnicas e
métodos.
As diretrizes nacionais curriculares, para os cursos superiores de Física, especificam as
competência e habilidades que devem ser apresentadas pelos profissionais formados nessa
área. Dentre elas encontramos nas competências essenciais: desenvolver uma ética de
atuação profissional e a conseqüente responsabilidade social, compreendendo a ciência como
conhecimento histórico, desenvolvido em diferentes contextos sócio-políticos, culturais e
econômicos.
Dentre as habilidades gerais que devem ser desenvolvidas pelos formandos em Física
são apresentadas: propor, elaborar e utilizar modelos físicos, reconhecendo seus domínios de
validade; reconhecer as relações do desenvolvimento da Física com outras áreas do saber,
tecnologias e instâncias sociais, especialmente contemporâneas.
Nos conteúdos curriculares consta que o núcleo comum precisa ainda de um grupo de
disciplinas complementares que amplie a educação do formando. Estas disciplinas
abrangeriam outras ciências naturais, tais como Química ou Biologia e também as Ciências
Humanas, contemplando questões como ética, Filosofia e história da Ciência, gerenciamento e
política científica, etc.
O estudo dos modelos físicos, a importância da utilização desses modelos, o
envolvimento dos aspectos históricos e sociais são de extrema importância para a
compreensão dos caminhos que a ciência percorre em seu processo de desenvolvimento.
Um exemplo interessante envolve o modelo de sistema solar heliostático de Copérnico.
O próprio Copérnico dá a entender que foram motivos estéticos e metafísicos que o
levaram a concluir que o Sol deveria se encontrar no centro do sistema.
“No meio de todos encontra-se o Sol. Ora quem haveria de colocar
neste templo, belo entre os mais belos, um tal luzeiro em qualquer outro lugar melhor do que aquele donde ele pode alumiar todas as coisas ao mesmo tempo? Na verdade não sem razão, foi ele chamado de farol do mundo por uns e por outros a sua mente, chegando alguns a chamar-lhe o seu Governador. [Hermes de] Trimegisto apelidou-o de Deus visível e Sófocles em Electra, vigia universal. Realmente o Sol está como que sentado num trono real, governando a sua família de astros, que giram a volta dele” (GUERRA, REIS e BRAGA,1997, p.29).
Na graduação em Filosofia, lemos nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
Filosofia que uma das Competências necessárias aos filósofos seria a percepção da integração
14
necessária entre a Filosofia e a produção científica, artística, bem como com o agir pessoal e
político. Assim como é importante ao filosofo compreender esse envolvimento inquestionável,
ao físico também é muitíssimo importante para que este tenha uma compreensão da Ciência
livre de preconceitos e mitos injustificáveis.
Muitas vezes os formandos de Física saem das faculdades carregando consigo, ainda, os
mitos de uma ciência que busca a verdade última da natureza e que o método empírico-
indutivo é o que se pode chamar de “O Método Científico”, sem se dar conta de que muitas são
as maneiras de se fazer ciência. É nesses assuntos, especialmente filosóficos, que uma
disciplina de Filosofia e História da Ciência poderia contribuir para a formação de futuros
cientistas e, principalmente, para a formação plena de professores para a atuação nas escolas
de Ensino Médio.
Apresentadas estas justificativas legais para o ensino de História e Filosofia da Ciência
nas graduações de Física, faz-se importante levantar a seguinte pergunta: A legislação que
apóia o ensino, nas formas expostas na LDB e nos PCNEM, são realmente válidas e positivas
para o ensino no país?
Esta indagação surge do pensamento crítico da própria história político-educacional do
país. A própria Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971, que Fixava as Diretrizes e Bases para o
ensino de 1° e 2º graus, revogada pela Lei nº 9.394 (LDB) de 20 de dezembro de 1996, hoje é
vista como uma das causas da decadência escolar devido ao fato de tornar profissionalizante
todo e qualquer ensino de segundo grau (Ensino Médio).
A atual legislação educacional brasileira, porém, se apresenta como resultado de um
processo internacional de mudança de paradigma educacional. Como foi exposto rapidamente
no início desse capítulo, tanto a LDB como os PCNEM refletem a necessidade de reelaboração
dos currículos e realizada em diversos países nas últimas décadas.
Seja devido ao desenvolvimento científico tecnológico, seja pelas necessidades políticas,
globalização, fazia-se necessário instaurar novas formas de ensino para o novo mundo que se
estruturava. Com relação aos currículos de ciências, nos E.U.A., pela American Association for
the Science, em 1990, na Inglaterra, pelo British National Curriculum Council, 1988, pela
Science Council of Canadá, 1984, e outros, estruturavam-se novos currículos e modalidades
para o ensino das ciências na tentativa de se obter melhores resultados que os obtidos pelas
ineficazes técnicas ortodoxas de ensino (MATTHEWS, 1994).
É do estudo desses processos que se idealizou a legislação educacional vigente no país,
estruturada em pesquisas e experiências nacionais e internacionais e que vem sendo
amparada e confirmada em inúmeros trabalhos acadêmicos no país e no exterior
(KAWAMURA, 2003).
Dessa forma, pode-se crer em uma estruturação educacional para o país que está
embasada nas necessidades atuais do ensino universal.
15
CAPÍTULO II
POR QUE ESTUDAR EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA NA GRADUAÇ ÃO EM FÍSICA?
É notório que os formandos em Física e, por conseguinte, os professores de Física do
Ensino Fundamental e Médio apresentam concepções deturpadas de ciência, carregadas de
idéias empiristas e de uma persistente “crença” de que o papel da Ciência seja a busca de uma
verdade última (SANDOVAL e CUDMANI, 1993; GIL PÉREZ et al, 2001; ABD-EL-KHALICK e
LEDERMAN, 2000).
Algumas visões deformadas da Ciência são listadas por Gil Perez (2002), como por
exemplo:
• A concepção empírico-indutivista e ateórica;
• A visão rígida, exata e infalível da Ciência, na qual o “método científico” é visto
como um conjunto de etapas que devem ser rigorosamente seguidas;
• A recusa a influência da criatividade;
• A visão aproblemática e ahistórica (portanto, dogmática e fechada);
• A visão exclusivamente analítica, limitadora e simplificadora;
• A visão acumulativa e linear do conhecimento;
• A visão individualista e elitista da Ciência, com grandes gênios que trabalham
isoladamente;
• A imagem descontextualizada e socialmente neutra da Ciência.
Estas visões deturpadas de ciência fazem com que os projetos mais bem estruturados e
inovadores pensados por esses docentes caiam por terra por estarem apoiados em idéias
acríticas e em compreensões incorretas da natureza do trabalho científico, Além disso, a visão
deturpada da Ciência acaba por levar ao uso de estratégias docentes inadequadas derivadas
dessas concepções (GIL, 1983, apud SANDOVAL e CUDMANI, 1993).
Um dos motivos principais dessas concepções persistirem é o fato das discussões acerca
do conhecimento cientifico, de epistemologia da Ciência e do papel da Ciência não serem
efetiva e formalmente travadas nas graduações de Física.
“[...] importa referir que se têm verificado posições determinantes
na epistemologia, como as de Popper (1975, 1983, 1986), Bachelard (1938, 1981), Toulmin (1977) e as trazidas pela reflexão em torno de Kuhn (1971), Bunge (1976, 1980), Lakatos (1982), Laudan (1984), Chalmers (1992), Giere (1998)... Tais teses são sempre ignoradas, quase nunca contempladas na educação em ciência e, por deslizamento no próprio ensino das ciências. O que transparece muitas vezes nos currículos de ciências são concepções incoerentes e desajustadas, nomeadamente, de natureza empirista e indutivista que se afastam claramente das que a literatura contemporânea considera
16
fundamentais ao propósito da produção científica e do que significa hoje a idéia de Ciência” (PRAIA, CACHAPUZ e GIL-PÉREZ, 2002, p. 127).
A tentativa de minimizar as visões errôneas da natureza do trabalho científico é uma
justificativa bastante forte para apoiar-se o estudo de epistemologia nos cursos de graduação
em Física. Com este estudo poderia ser reduzida consideravelmente a absurda dicotomia
existente entre estudar uma disciplina científica e estudar a Ciência.
Estudos como os de SANDOVAL e CUDMANI (1993) mostram que os professores que
não têm esse contato com a epistemologia desenvolvem uma visão própria e muito pobre do
trabalho da Ciência e esta visão é passada aos seus alunos. Multiplicando-se assim a
incompreensão da natureza da Ciência.
Há consideráveis evidências de que um dos fatores que mais influencia na concepção da
Ciência dos estudantes é a imagem que o professor possui e transmite de sua disciplina. Por
mais despercebida que passe, há sempre uma concepção epistemológica por trás da forma
como se transmite cada informação e se ensina cada conteúdo. São as epistemologias
implícitas do currículo e do próprio professor.
Segundo Sandoval e Cudmani (1993), um professor formado em Epistemologia e em
História da Física poderia obter, entre outros, os seguintes benefícios em seu trabalho diário:
a) Tomar consciência de que sua formação em Física, e sua atividade docente,
podem estar pautadas por uma Filosofia incoerente e adotada irreflexivamente;
b) Transmitir uma visão mais realista e humana da Física e favorecer o aumento do
interesse e do compromisso dos estudantes com a disciplina;
c) Não confundir o que se postula com o que se deduz;
d) Promover uma melhor compreensão dos conceitos científicos pelos estudantes,
e ter, por exemplo, claros os limites de validade e exatidão dos contextos
sintáticos e substanciais que lhes outorgam significado;
e) Prevenir o dogmatismo no conhecimento científico, incentivando a capacidade de
analise crítica dos seus alunos;
f) Fazer com que os estudantes compreendam a complexa natureza do método
científico e da relação teoria-realidade;
g) Deixar patente, frente aos alunos, que o avanço da Ciência não pode ser
compreendido como um desenrolar meramente aditivo e mostrá-lo como um
processo em que cada solução planta novos problemas, que cada problema tem
vários níveis de solução e que nunca está dita a ultima palavra.
h) Favorecer para que, nas aulas em laboratório, os alunos construam o
conhecimento científico com uma metodologia acorde com a empregada pela
comunidade cientifica.
17
É necessário ter em mente que, da mesma forma que a importância da abordagem
histórica no ensino de ciência não é consensual, o estudo de epistemologia também não o é.
Para Thomas Kuhn, o estudo de epistemologia, assim como o de Historia da Ciência,
diminuiria a credibilidade desse ramo do conhecimento, afastando o estudante da área
científica, pois reduziria o fascínio provocado pela resolução dos “quebra-cabeças” que a
ciência produz (MATTHEWS, 1994; KUHN, 1998; FREIRE JR, 2002). Afirma também que esse
estudo não é necessário ao cientista para fazer ciência.
Segundo Kuhn (1998, p.71), “o processo de aprendizagem de uma teoria depende do
estudo das aplicações, incluíndo-se aí a prática na resolução de problemas, seja com lápis e
papel, seja com instrumentos num laboratório”. Ele ainda afirma que os cientistas não precisam
conhecer as características que levam uma teoria a ter o status de paradigma, ou pensar sobre
a legitimação de um problema, e que podem até afastar-se de “problemas sociais relevantes”,
pois esses “podem constituir-se numa distração” (Idem, p.60).
Para Freire Jr. (2002), a crítica de Kuhn é coerente apenas para sua teorização acerca de
paradigma e ciência normal, em que o dogma se faz necessário. Ele considera que as críticas
de Kuhn têm apenas relevância quando se discute a formação do cientista e não de
professores.
Opinião semelhante à de Kuhn tem o famoso físico norte-americano, Richard Feynman.
Para ele as especulações filosóficas a respeito de “o que é a Ciência?”, “o que é o método
cientifico?” não têm utilidade e, pelo contrário, podem representar distrações indesejáveis.
Para ilustrar este pensamento, Feynman faz uso do seguinte poema:
“Uma centopéia vivia feliz Até que um sapo malicioso lhe perguntou: ‘Diga-me, você jamais se confunde de pata quando caminha?’ Tomada de dúvida, a centopéia caiu num buraco, porque ela não sabia mais caminhar “(apud VIDEIRA, 2006, p. 32)”.
Feynman considera inútil o estudo de epistemologia devido o trabalho infrutífero que os
filósofos têm realizado na busca de uma explicação definitiva para a natureza do trabalho
científico. Ele menciona ainda que fez ciência a vida toda sabendo perfeitamente o que ela era,
porém, quanto a dizer o que ela é ele se vê incapaz (VIDEIRA, 2006).
Outros físicos como P. Bridgman e Steven Weinberg também defendem esta opinião
dizendo que o método científico é aquilo que os praticantes de ciência fazem e não o que as
outras pessoas dizem sobre ele. Da mesma forma, afirmam que um cientista não fica pensando
se o método que está usando é mais ou menos científico deixando transparecer que, em suas
opiniões, o trabalho dos filósofos se mostra inútil (Idem, 2006).
Há outros pensadores que não crêem que uma atitude mais filosófica na formação, tanto
de cientistas como de professores, traria esses malefícios apregoados.
18
O filósofo da Ciência Feyerabend, por exemplo, discorda desse ponto de vista. Ele
próprio afirma que:
“Não há indicação de que o progresso é estorvado pela atitude mais ‘filosófica’ que, de acordo com Kuhn, fundamenta um procedimento dessa natureza... Muito ao contrário, encontramos uma consciência maior dos limites do nosso conhecimento, da sua conexão com a natureza humana, e encontramos também uma familiaridade maior com a história do tema e a capacidade não só de registrar, mas também de usar ativamente idéias passadas para o avanço de problemas contemporâneos” (FEYERABEND, 1979, p.246).
A opinião de que não há benefícios no estudo de epistemologia no ensino de Física é
fortemente questionado quando se relembra que no âmbito da própria Ciência, no caso da
Física, por exemplo, pesquisas teóricas e experimentais levaram cientistas como Albert
Einstein (1879-1955), Niels Bohr (1885- 1962), Werner Heisenberg (1901-1976), Louis de
Broglie (1892-1962), Erwin Schrödinger (1887- 1961) e Max Born (1882-1970), à reflexão
filosófica intensa. Reflexões estas, não apenas sobre o papel conferido aos novos conceitos,
mas sobre a natureza do conhecimento científico e, em muitos casos, sobre as relações entre o
sujeito e o objeto do conhecimento (PEDUZZI, 2002).
A forte influência que a Filosofia da Ciência teve sobre Einstein é bastante notória e
reconhecida por seus biógrafos e pelos comentadores de sua Obra.
“Seu gosto pela Filosofia era fruto não apenas de suas extensas
leituras, mas também do convívio com grandes nomes da Filosofia da Ciência, como Ernst Mach, Moritz Schlick, Hans Reichenbach e Ernst Cassirer, este último um importante representante do neokantismo é tido como o filósofo alemão que mais profundamente se envolveu, após Kant, com a Filosofia da matemática e das ciências naturais” (PEDUZZI, 2002, P. 4).
Sobre o afastamento entre o trabalho dos cientistas e a Filosofia, nas palavras de Albert
Einstein:
“Foi dito freqüentemente e com certeza não sem razão que o cientista seria um mal filósofo. Por que não haveria então de ser o mais correto também para o físico deixar o filosofar para os filósofos? Isto talvez se aplique em épocas nas quais os físicos crêem possuir um sólido e inquestionável sistema de conceitos e leis fundamentais, mas não nos dias atuais, quando os fundamentos da Física como um todo se tornaram problemáticos. Nestas épocas, nas quais a experiência o obriga a buscar uma base nova e mais sólida, o físico não pode simplesmente relegar `a Filosofia a análise crítica dos fundamentos, uma vez que apenas ele sabe e sente melhor que ninguém onde o sapato lhe aperta; na busca por novos fundamentos é mister que ele procure se esclarecer o melhor possível acerca da necessidade e legitimidade dos conceitos por ele usados”( EINSTEIN, 2006, p. 9).
Ainda sobre o afastamento entre os cientistas e a Filosofia é importante considerar as
análises de David Bohm (1917-1992), responsável por uma das interpretações da mecânica
19
quântica. Para ele os cientistas deveriam refletir mais sobre a sua ciência, eles parecem estar
apenas preocupados em ‘produzir fórmulas que predigam corretamente os resultados das
experiências’ se esquecendo de examinar o inevitável entrelaçamento da sua ciência com
aspectos filosóficos (PEDUZZI, 2002).
Nenhum dos cientistas citados anteriormente foi abalado em suas convicções científicas
por terem se interessado pelo estudo de epistemologia da Ciência. Pelo contrário, se eles
conseguiram enxergar mais longe foi por terem se afastado do “lugar comum” em que os
demais cientistas se encontravam e por terem elevado suas mentes a outras esferas do
conhecimento humano.
Para Mário Bunge (1919), todo homem nutre posturas filosóficas.
“O físico e filósofo Mario Bunge chega a afirmar: ‘Todo cientista nutre posturas filosóficas, embora freqüentemente nem todos o façam de maneira totalmente consciente’. E é justamente ai que a linha demarcatória entre Física e Filosofia mais uma vez se esmaece, pois mais do que o conhecer é necessário entendermos a origem e a abrangência deste nosso conhecimento” (DAHMEN, 2006, p. 3).
Essa postura filosófica está sempre presente, por mais que isso seja velado ou
despercebido.
"[...] ao dizermos que não nos interessamos pela Filosofia, o que estamos provavelmente a fazer é substituir por uma Filosofia explícita, uma Filosofia implícita, por isso, imatura e incontrolada" (MARIO BUNGE, 1973, p. 11).
Todas as questões até aqui levantadas indicam que o estudo de epistemologia da
Ciência nos cursos de graduação em Física poderia aproximar dos graduandos discussões
essenciais à compreensão da Ciência de uma maneira muito mais ampla e profunda que a que
temos atualmente.
Parece inconcebível que um estudante de Física se forme e, após todo o
aprofundamento e dedicação para penetrar na seara da Ciência, ele o faça de maneira
incompleta. O que se tem com isso é um profissional, pesquisador ou professor, que não tem
consciência de que sua prática está permeada por uma epistemologia que, muitas vezes, é
impensada e incompreendida pelo mesmo. E mais, um físico que desconhece os meandros e
caminhos intrínsecos ao desenvolvimento da Ciência.
Para o professor de Física resta o questionamento de que, como ele próprio não
reconhece as sinuosidades do desenvolvimento científico, como poderia formar plenamente
cidadãos que compreendam de fato as implicações dos desenvolvimentos científicos e
tecnológicos de seu tempo?
20
CAPÍTULO III
PRINCIPAIS TEMAS A SEREM ABORDADOS EM EPISTEMOLOGIA DA FÍSICA
Toda a reflexão sobre a importância do estudo de Filosofia da Ciência, epistemologia da
Ciência, no ensino de Física realizada nos capítulos anteriores aponta um questionamento: O
que seria importante abordar em uma disciplina como esta, no reduzido tempo de um minicurso
de Física?
Como ponto de partida tem-se que se questionar quais são as principais dúvidas e
confusões que o ensino tradicional e conteúdista da Física permite que se instaure ou até
mesmo ele próprio construa nos alunos.
Um dos principais motivos da propagação das concepções errôneas da Ciência é o fato
de que os professores, ao se formarem, ainda trazem consigo muitas concepções deformadas
do trabalho científico (FERNÁNDEZ, I. 2000, SANDOVAL e CUDMANI, 1993). Dentre as
principais concepções deformadas do trabalho científico que expressam uma imagem ingênua
da Ciência, GIL-PÉREZ, et al. (2001) citam:
1. A concepção empírico/indutivista e ateórica : [...]
Concepção que destaca o papel “neutro” da observação e da experimentação (não influenciadas por idéias apriorísticas), esquecendo o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo. [...]
2. A transmissão de uma visão rígida (algorítmica, exata,
infalível) da Ciência : [...] Apresenta-se o “método científico” como um conjunto de etapas a serem seguidas mecanicamente. Há uma preocupação, quase obsessiva, em evitar a ambigüidade e em assegurar a fiabilidade das avaliações. [...] A preocupação, quase obsessiva, em evitar a ambigüidade e em assegurar a fiabilidade das avaliações, distorce a natureza do trabalho científico, essencialmente incerto e também com algo de intuitivo e, por certo, reflexivo. A avaliação deveria ter em conta essa “ambigüidade” e não tentar eliminá-la ou mesmo ignorá-la. [...]
3. A visão aproblemática e ahistórica (portanto, do gmática e
fechada) : Transmitem-se os conhecimentos já elaborados, sem mostrar os problemas que lhe deram origem, qual foi a sua evolução, as dificuldades encontradas etc., e não dando igualmente a conhecer as limitações do conhecimento científico atual nem as perspectivas que, entretanto, se abrem. [...]
4. A visão exclusivamente analítica da Ciência: [...] destaca a
necessária divisão parcelar dos estudos o seu caráter limitado, simplificador. Porém, esquece os esforços posteriores de unificação e de construção de corpos coerentes de
21
conhecimentos cada vez mais amplos, ou o tratamento de “problemas-ponte” entre diferentes campos de conhecimento que podem chegar a unificar-se, como já se verificou tantas vezes e que a História da Ciência evidencia. [...]
5. A visão acumulativa de crescimento linear dos
conhecimentos científicos : O desenvolvimento científico aparece como fruto de um crescimento linear, puramente acumulativo que ignora as crises e as remodelações profundas, fruto de processos complexos que não se desejam e deixam moldar por nenhum modelo pré-definido de mudança científica. [...]
6. A visão individualista e elitista da Ciência : Os
conhecimentos científicos aparecem como obras de gênios isolados, ignorando-se o papel do trabalho coletivo e cooperativo, dos intercâmbios entre equipes... Em particular faz-se crer que os resultados obtidos por um só cientista ou equipe podem ser suficientes para verificar, confirmando ou refutando, uma hipótese ou toda uma teoria. [...]
7. A visão descontextualizada de uma ciência social mente
neutra : Esquece-se as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS) e proporciona-se uma imagem deformada dos cientistas como seres “acima do bem e do mal”, fechados em torres de marfim e alheios à necessidade de fazer opções. [...]
Essas concepções dos docentes sobre a ciência são transmitidas aos alunos muitas
vezes sem que o professor tenha consciência do fato. Isso ocorre devido a falta de reflexão
crítica e de uma educação científica que, com freqüência, se propõe à simples transmissão de
conhecimentos já elaborados e dispostos sem a menor contextualização (SANDOVAL e
CUDMANI, 1993).
A concepção empírico/indutivista talvez seja a concepção de Ciência mais difundida e
arraigada, tanto no meio popular e leigo como entre boa parte dos professores de ensino de
ciências. A própria maneira de trabalhar o laboratório didático nos indica essa forte influência
indutivista de dar uma ordem fixa ao processo de pesquisa (AMERICAN ASSOCIATION OF
PHYSICS TEACHERS, 1998). Em geral, o aluno não é incentivado a resolver questões
abertas, apresentam-se roteiros objetivos em que os alunos devem seguir passo dentro dessa
linha, previamente determinados pelo professor. Não há, portanto, espaço para a criatividade.
Os trabalhos de laboratório são bem claros, objetivos e devem gerar resultados já bem
conhecidos.
Esses fatos levam, também ao fortalecimento da visão rígida (algorítmica, exata,
infalível) da Ciência. Assim a ciência se apresenta como infalível e perfeita. Essa visão reforça
na sociedade o poder do especialista, ou seja, o uso do discurso científico para validar novos
produtos e serviços (CHAUÍ, 1987).
22
Desde os primeiros anos escolares, o conhecimento cientifico é passado aos alunos de
forma acumulativa e de crescimento linear. Os fatos discrepantes, os inúmeros erros, as
disputas e oposições às teorias que tentam explicar os fenômenos naturais, em geral, não
aparecem no desenvolvimento dos conteúdos escolares (PEDUZZI, L. O. Q., 2001).
Essa visão desprovida de historicidade faz parecer que o trabalho científico e os seus
atores, os cientistas, são seres especiais, distantes de tudo e de todos. São pessoas que não
estão interadas do mundo e da sociedade em que vivem. Dessa forma, o conteúdo que
produzem é neutro, ou seja, não está diretamente relacionado com a sociedade em que se
encontra inserido.
Como se pode perceber, as concepções errôneas da Ciência aqui analisadas são
concepções que se completam e se reforçam e que devem ser combatidas para que se possa
ter uma idéia mais atual e menos ingênua do trabalho cientifico.
Concepções sobre ciência e o método científico
No mundo antigo, podemos identificar duas frentes importantes de obtenção de
conhecimento. Seguindo a visão de Platão, o conhecimento era cultivado de forma puramente
lógica, os saberes tinham uma característica unicamente contemplativa da realidade e não
havia a pretensão de modificar o “objeto” de pesquisa, a natureza. O que se buscava conhecer
era a verdade última, aquilo que a realidade tinha de permanente e imutável. A idéia
dedutivista, o descobrir por meio da razão e da lógica, era a única forma aceitável de se
alcançar o conhecimento.
A outra forma seria seguindo a linha de entendimento trazida por Aristóteles que
utilizava a observação da natureza como fonte de suas especulações. Não havia a intenção de
se criar experiências para comprovação ou geração das idéias, mas a simples percepção e
análise lógica dos fenômenos apresentados pela natureza.
De uma forma ou de outra, a razão era suprema no processo de conhecer o universo.
Na era moderna ocorre uma profunda mudança na maneira como se percebe a
Natureza. Enquanto no mundo medieval a Natureza era tomada como algo sagrado e perfeito,
intocado pelo homem, na era moderna, a Natureza é o objeto de estudo a ser dissecado e
explicado de modo a poder ser modificado para satisfazer os interesses da humanidade
(OLIVA, 2003).
No âmago desse pensamento encontramos a citação de Francis Bacon, “Saber é
poder”, que retrata bem o ideal de ciência da época. As teorias passam a ter seu valor definido
em função do poder preditivo e operativo no trato da natureza.
Bacon acreditava que ao se afastar do trabalho investigativo todos os preconceitos,
dogmas e “ídolos”, seria possível realizar uma investigação pura e neutra, única capaz de
propiciar explicações verdadeiras da natureza. Bacon defende a idéia da necessidade de um
23
método para a ciência. Para ele, o método empírico-indutivo, se seguido rigorosamente,
proporcionaria as condições ideais para o ’descortinar’ da natureza (BACON, 1979).
O método baconiano se baseia nas observações e registro dos fenômenos, onde dos
sentidos abstrai-se os axiomas ascendendo de forma reta e ordenada até chegar aos princípios
de máxima generalidade. Estes axiomas são hipóteses que devem ser testadas por
experimentação para a confirmação ou refutação das mesmas, com nova formulação teórica.
Para ele, a experiência sensível da natureza é a principal e única confiável fonte de
conhecimento. Havia sim valor para a razão e a lógica, porém, estes ocupavam um papel
apenas na análise e formulação teórica posterior às experimentações (BACON, 1979).
Em contrapartida temos a Filosofia de Descartes que acreditava que o conhecimento
puro e perfeito só seria possível por meio de dedução lógica, o uso de uma razão treinada
(ARANHA e MARTINS, 1994). Assim como Bacon, Descartes também percebe a necessidade
de um método que possibilite a descoberta dos princípios que regem os processos naturais.
O método científico de Descartes, inspirado em sua Filosofia racionalista, está ligado às
regras e preceitos da razão treinada, necessárias ao desenvolvimento lógico, capaz de levá-lo
ao alcance do conhecimento último por detrás do mundo real.
O seu método é o dedutivo. A partir dos pressupostos básicos estabelecidos a priori, o
objeto da investigação não precisa ser deduzido de nenhuma outra coisa senão da razão pura,
ou seja, o conhecimento é deduzido pelo uso da razão, fruto de uma mente pura e atenta
(ARANHA E MARTINS, 1994). O conhecimento aparece como uma verdade inquestionável,
capaz de desencadear a estruturação e o desenvolvimento de novos conhecimentos. O
‘substrato material’ que dá suporte a este empreendimento é a matemática (aritmética e
geometria). Para Descartes, a experimentação tem, fundamentalmente, o papel de corroborar
teorias (KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).
Essa visão do desenvolvimento científico ganha força com filósofos como Spinoza
(1632-1677), Leibniz (1646- 716) e Rousseau (1712-1778), adeptos do racionalismo francês de
Descartes, já o empirismo de Bacon é reforçado com Locke (1632-1704), Hobbes (1588-1679),
que assumem o empirismo como forma de aquisição de conhecimento.
David Hume (1711-1776) levanta questões importantes em relação ao trabalho
científico. Ele toma como ponto principal de sua critica, a questão da indução. Hume nega a
possibilidade de inferir qualquer coisa que transcenda ao produto da experiência. Para ele, do
ponto de vista lógico, não é possível assegurar a validade de um enunciado geral a partir de
enunciados singulares, pois sempre pode existir a possibilidade de uma refutação futura, não
considerada. Para ele,
“[...] embora não exista meio de demonstrar a validade dos procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de tais procedimentos indutivos. Como estes procedimentos parecem ter legitimidade prática, o homem os adota. Sem embargo, isto não quer
24
dizer que falte fundamentação racional para as leis científicas, que elas não se apóiem na lógica e na experiência, embora ultrapassem tanto uma como outra, dado seu caráter de generalidade irrestrita.” (MAGEE, 1973, p.23, apud, KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002, p.3).
Por mais comprovado que seja um enunciado científico não é possível provar a
verdade de uma teoria, pois, com toda certeza, esta pode mostrar-se falível futuramente e ser
objeto de correção, ou descarte (SILVEIRA, 1996).
Apesar do ceticismo de Hume, a concepção empirista-indutivista ficou profundamente
arraigada à investigação científica, um dos motivos é que os cientistas a utilizaram como
critério de demarcação entre ciência e não ciência. Ou seja, criou-se o mito de que o
conhecimento científico derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e
confiável porque é provado. Para que a experiência tenha sucesso é necessário, entretanto, o
registro fiel dos dados observados, fazendo isso sem preconceitos, sem pré-concepções
sociais, pessoais, lingüísticas e filosóficas que possam perturbar o seu trabalho (KÖHNLEIN E
PEDUZZI, 2002).
Através da interpretação fiel dos dados colhidos na experimentação, poder-se-ia
concluir idéias particulares dos fenômenos observados e extrapolá-las para leis e teorias mais
gerais, com base no princípio da indução. Assim, apoiados pelos fatos, os enunciados
científicos contrastam com enunciados de todos os outros tipos “que se baseiam na autoridade,
na emoção, na tradição, na conjectura, no preconceito, no hábito ou em qualquer outro
alicerce”. (MAGEE, 1973, p.22, apud KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).
Dessa forma, juntamente com a concepção empirista-indutivista, nasce à concepção de
uma ciência neutra e objetiva, apartada de todos os acontecimentos sociais e políticos de seu
tempo (GIL-PÉREZ, et al, 2001).
Uma idéia herdada da tese de Descartes de que através do trabalho solitário de um
único homem, talvez ele próprio, poder-se-ia alcançar a verdade última da natureza, é a da
existência de que repentinamente na historia da Ciência surgiram heróis que descobriram ou
desenvolveram idéias que ninguém mais conseguiria (BRAGA, GUERRA e REIS, 2004).
Com o surgimento da Filosofia de Immanuel Kant (1724- 804), nasce a critica a ambos
os sistemas de perceber e apreender a natureza. Para Kant, as duas concepções eram
problemáticas e insuficientes para o alcance da verdade última. Para ele a experiência
representa a origem da pesquisa científica, mas sem o uso da razão não se pode alcançar o
conhecimento verdadeiro.
“[...] nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e
todo ele começa com ela. Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa
25
própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma, cujo aditamento não distinguimos daquela matéria-prima antes que um longo exercício nos tenha tornado atentos a ele e nos tenha tornado aptos à sua abstração. (KANT, 1987, p.1.)
Em “Crítica da Razão Pura”, Kant pretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo
explicando que o conhecimento é constituído de matéria, o próprio objeto de estudo, e de
formas a priori de nossa sensibilidade, anteriores à experiência que lhes dá sentido. Outra
conclusão importante de Kant é de que não é possível conhecer as coisas tais como são em si,
apenas pode-se conhecer os fenômenos e deles tecer interpretações e conclusões.
Como, para ele, o conhecimento do mundo fenomenal se dá necessariamente pela
combinação de juios apriori ( já presentes na mente humana antes da experimentação) e dos
dados obtidos pela própria experimentação, as questões da metafísica são impossíveis ao
conhecimento. Como não se pode conseguir experimentações que comprovem estas questões
não há possibilidade de se ter afirmações ou negações claras a este respeito.
Seguindo essa idéia de afastar a metafísica do trabalho da Ciência, temos no século
XVIII o surgimento do positivismo de August Comte (1798-1857).
O termo positivismo designa a distinção entre o real e o quimérico, a certeza em
oposição à indecisão. É a forma de conhecimento que se opõe às formas teológicas e
metafísicas de explicar a natureza.
O positivismo leva às últimas conseqüências o papel da razão na determinação das leis
invariáveis que regem o mundo e, ao mesmo tempo, retoma a linha desenvolvida pelo
empirismo baconiano. O determinismo na ciência ganha força com a tese positivista de que há
leis invariáveis na natureza. Há também o reconhecimento da impossibilidade de obter-se
noções absolutas, e, por isso, defende-se o abandono da busca pelas causas primeiras para
ater-se apenas a descrição de como os fenômenos ocorrem e deles conseguir leis gerais,
porém não absolutas.
“[...] a ciência positiva deveria se eximir de tratar o absoluto,
pois este transcenderia a experiência. A idéia de absoluto estava em intima relação com a divindade. Uma ciência baseada nos fatos empíricos seria relativa por natureza”. (BRAGA, GUERRA e REIS, 2008, p. 28).
Esta questão de se afastar do divino ou do metafísico estava no âmago da Filosofia de
Comte. Para ele, cada ramo do conhecimento passa por três etapas históricas diferentes que
ele chama de estados:
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O primeiro estado é o modo mais primitivo de se entender as coisas. Os fenômenos são
explicados por meio de entidades sobrenaturais Deus Sol, Deus Lua etc. Todas as
manifestações naturais têm sua divindade.
O segundo estado, o metafísico, é um estado caracterizado pela excessiva
especulação, porém ainda de caráter místico onde os entes sobrenaturais são substituídos por
entes abstratos. Um exemplo seria a explicação dada por Aristóteles para o movimento de
queda dos corpos graves como sendo devido a uma tendência natural dos mesmos de voltar
ao seu lugar natural.
Já o terceiro estado, o positivo, o homem, já esclarecido, renuncia às explicações
sobrenaturais ou metafísicas para aceitar apenas o que pode ser conseguido pelo uso da
razão, associada à experimentação. Comte cita como o marco deste novo pensamento as
obras de Bacon, Galileu e Descartes (SAMANIEGO, 1994).
È na Filosofia positivista que nascem as idéias mais arraigadas de ciência e de
desenvolvimento científico que se tem ainda hoje, onde:
“A história não é mais pensada como um vir-a-ser, mas
como uma seqüência congelada de estados definitivos, e a evolução nada mais é do que a realização, no tempo, daquilo que já existia em forma embrionária e que se desenvolve até alcançar o seu ponto final. O conceito de ciência é o de um saber acabado, que se mostra sob a forma de resultados e receitas” (ARANHA e MARTINS, 1994, p.117).
Outra influência forte da Filosofia comtiana está na maneira de ensinar ciência. Em seu
livro, Curso de Filosofia Positiva, Comte descreve alguns fundamentos considerados por ele
importantes para a formação científica. Ele defende duas modalidades de abordagem do
ensino de ciências. Uma delas seria seguindo a cronologia dos fatos, uma abordagem
histórica, assim como acontece no estudo das outras áreas do conhecimento como Filosofia,
Literatura etc. A outra modalidade seria a dogmática, que não leva em consideração as
complexidades com que as idéias surgiram e adotando uma seqüência puramente didática e
atemporal.
Essa ultima é a modalidade de ensino de ciências que vem sendo adotados até os dias
de hoje na grande maioria das salas de aula. O abandono do aprendizado pelo uso dos textos
originais para o uso de livros texto, livros didáticos, preparados especialmente para esse fim
tem por motivação o afastamento de idéias metafísicas que muitas vezes foram utilizadas pelos
grandes nomes da Ciência, mas que para Comte representava um empecilho ao verdadeiro
conhecimento. (BRAGA, GUERRA e REIS, 2008)
É aqui, também, que ganha força a idéia de que há um método que se pode chamar de
científico e que deve ser usado como referência de confiabilidade para uma pesquisa. Este tal
27
método seria o único capaz de trazer à tona a verdade por traz da natureza de maneira clara e
racional, sempre apoiada em fatos e experimentos.
É nesse momento que, na tentativa de dar legitimidade ao seu conhecimento, as
pesquisas em ciências humanas começam a tratar o objeto de estudo, que no caso está no
próprio homem, como algo que pode ser verificado exclusivamente por meio de experiências.
Abandona-se o caráter filosófico para ater-se ao que pode ser medido, como o caso da
psicologia fisiológica de Wilhelm Wundt (1852-1920) e a teoria de reflexo condicionado de Ivan
Pavlov (1849-1936).
Em contrapartida, surge a tendência humanista que, preocupada com a especificidade
dos fenômenos humanos, busca um método diferente que se opõe a Filosofia de Comte.
Afirma-se que não há fatos com a objetividade pretendida, pois não percebemos o mundo
como um dado bruto, desprovido de significado. Toda consciência é intencional e não há
consciência separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo (ARANHA e
MARTINS, 1994).
Ao final do Século XIX e inicio do Século XX o desenvolvimento da Ciência era tão
grande que todos estavam convencidos da excelência do método cientifico para conhecer a
realidade.
O positivismo apresentava uma enorme força no meio cientifico e filosófico, uma força
aparentemente inabalável. No entanto, é justamente nesse período que alguns fatos científicos
abalaram violentamente as concepções vigentes (MARTINS, 2005).
A chamada Física Clássica já estava muito bem estruturada. A mecânica era capaz de
resolver problemas complicadíssimos como descrever o movimento dos planetas, em um grau
altíssimo de precisão. A Física ondulatória (óptica e acústica) também havia atingido um
grande aperfeiçoamento durante o Século XIX. A eletricidade e o magnetismo, que antes de
1800 eram apenas fenômenos curiosos sem grande importância, foram unificados sobre o
nome de eletromagnetismo e colocados em uma posição de destaque no cenário científico-
tecnológico da época (MARTINS, 2005).
O desenvolvimento do eletromagnetismo levou rapidamente a criação dos geradores de
eletricidade, culminando no que ficou conhecido como “segunda Revolução Industrial” ou
segunda fase da Revolução Industrial que foi marcada pela substituição da iniciativa puramente
técnica, como foi a primeira revolução10, pela aplicação dos conhecimentos científicos ligados à
geração e utilização da energia elétrica.
Esses fatos extraordinários para a comunidade científica da época faziam com que a
“fé” na ciência desenvolvida deixasse esses cientistas plenamente confiantes em suas
capacidades de compreensão da natureza.
10 A primeira Revolução Industrial iniciou-se por vota de 1760, seu desenvolvimento foi especialmente técnico, pois a formulação teórica sobre os processos térmicos, a determinação das leis que regem o rendimento de máquinas e o estabelecimento do conceito de entropia e a segunda lei da termodinâmica só aconteceram no século XIX. (Cardoso, 1999).
28
“Diante dos grandes sucessos científicos que haviam ocorrido, em 1900 alguns físicos pensavam que a Física estava praticamente completa. Lord Kelvin - um dos cientistas que havia ajudado a transformar essa área - recomendou que os jovens não se dedicassem à Física, pois faltavam apenas alguns detalhes pouco interessantes a serem desenvolvidos [...]” (MARTINS, 2000).
Na realidade havia muitos problemas a serem resolvidos: a estrutura íntima da matéria,
a natureza da radiação, o efeito fotoelétrico, a forma como ocorre a interação entre matéria e
radiação, a questão da luminescência e a descrição do espectro de emissão luminosa.
Foram justamente esses “detalhes pouco interessantes” que levaram posteriormente às
grandes revoluções científico-epistemológicas propostas pela Teoria da Relatividade e Física
Quântica. Com o surgimento dessas duas teorias, não newtonianas, e da geometria não
euclidiana o mundo científico e filosófico não foi mais o mesmo (BRAGA, GUERRA e REIS,
2008).
Esses fatos desencadearam mudanças radicais na visão de ciência ocorrendo, nesse
período, o que pode ser chamar de crise da Ciência moderna.
Mach (1838-1916) é um desses pensadores que levantaram altas criticas a respeito do
empirismo defendido no positivismo. Outro pensador da época a trazer questões a respeito da
Ciência foi Poincaré (1854-1912) que chegou a afirmar que “as teorias não são nem
verdadeiras nem falsas, mas úteis.” (ARANHA e MARTINS, 1994)
Com as novas constatações científicas, percebe-se a necessidade de reavaliação do
conceito de ciência, dos critérios de certeza, da relação entre ciência e realidade e da validade
dos modelos científicos.
Em 1928, surge o Círculo de Viena que teve por finalidade investigar até que ponto as
teorias têm probabilidade de serem verdadeiras.
Formado por Carnap (1891-1970), Schlick (1882-1936), Hahn (1879-1934), e Neurath
(1882-1945), o Círculo de Viena representa a tendência neopositivista ou do empirismo lógico.
Para estes filósofos, as proposições da Ciência “têm sentido” enquanto mensuráveis, tudo o
que não é mensurável não tem sentido. A lógica, a matemática e as ciências empíricas, para
eles, esgotam o domínio do conhecimento possível e o princípio de verificabilidade, excluindo
assim a Filosofia do domínio do conhecimento real.
Uma grande inovação na linha de pensamento adotada até esse momento foi a de Karl
R. Popper (1902-1994). Ele aceitou a crítica de Hume, mas, contrariando a idéia da
legitimidade psicológica, ofereceu uma resposta: a ciência começa com um problema e não
com uma observação. As observações estão impregnadas de teorias, e essas teorias
científicas, nunca são empiricamente verificáveis, mas podem ser refutadas (OLIVA, 2003).
Nesse caminho, Popper, ao contrário de adotar a verificabilidade como critério de cientificidade,
29
provar teorias por meio da verificação experimental, assumiu a condição de refutabilidade ou
falsibilidade como critério de garantia de verdade para o discurso cientifico.
Para Popper uma argumentação só poderia ser classificada como científica se
fornecesse condições de teste. Só teorias falsificáveis seriam científicas. Por exemplo, a
afirmação de que todos os planetas do universo são desabitados, com exceção da Terra, é
uma afirmação que num futuro pode ser negada, mesmo que até o momento tenha se
mostrado como verdade, e, assim, ela se constituiria numa argumentação científica.
Este é um dos motivos de Popper negar o marxismo e a psicanálise, tendo em vista que
estas teorias se restringem as idéias de seus próprios idealizadores. (ARANHA e MARTINS,
1994).
Para ele uma teoria cientifica é sempre relativa e temporária, somente a não ocorrência
de uma negação experimental pode corroborar para tal teoria continuar sendo válida. No
momento que surge algum fato que negue a afirmativa da teoria, esta deve ser descartada. No
caso de se descobrir vida em algum planeta a afirmativa do exemplo dado anteriormente deve
ser abandonada.
Já Thomas Kuhn (1922-1996), se contrapôs a teoria de Popper negando que a
refutação possa levar a ciência ao seu pleno desenvolvimento. Ao contrário, a ciência progride
pela tradição intelectual representada pelo que ele chamou de paradigma. O paradigma seria
todo o conjunto de conhecimentos comuns a uma sociedade, de cientistas. É dos paradigmas
que surgem todos os problemas e questões a serem resolvidos. Pode-se citar o paradigma
newtoniano para o Século XVII e o eletromagnético para o Século XIX. Nesses períodos, tudo
o que se buscava explicar tinha como base esses paradigmas teóricos.
Kuhn descreve também uma situação privilegiada em que uma teoria apresenta tantas
anomalias, fenômenos não explicados pelo paradigma vigente, que há uma crise nesse
sistema teórico. Ocorre então a quebra de paradigma, surge um novo, essencialmente
independente do anterior, que apresenta explicações para as anomalias, além de abranger
também o que já era explicado pelo anterior. Poderia ser citado o caso da relatividade de
Einstein como exemplo.
Feyerabend (1924-1994) busca a harmonização das Filosofias de Popper e Kuhn em
um arcabouço filosófico bastante original com relação às apresentadas até então. Ele criticou
as metodologias normativas, apresentadas pelo positivismo, e defendeu o pluralismo
metodológico.
Em seu livro, de nome muito sugestivo, “Contra o Método” afirmou que “o único princípio
que não inibe o progresso é: vale tudo”. Com isso, Feyerabend defende o “anarquismo
epistemológico”, princípio que rejeita a idéia de uma metodologia única, absoluta e imutável de
ordem e que propõe o “pluralismo metodológico” como a melhor forma de pensar o trabalho da
Ciência. Ele entende o conhecimento não como um gradual aproximar-se da verdade.
30
“É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez, até mesmo incomensuráveis), onde cada teoria singular, cada conto de fadas, cada mito que seja parte do todo força as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência. Nada é jamais definitivo, nenhuma forma de ver pode ser omitida de uma explicação abrangente.”, (FEYERABEND: 1977,p.22, apud REGNER, 1996).
Para ele, não há uma norma metodológica que não tenha sido quebrada pela ciência. O
trabalho dos cientistas é muito mais plural e criativo do que um mero ritual de seguir normas
pré-estabelecidas.
Aspectos a serem apresentados sobre ciência e sobre método científico
Ao se deparar com as divergências e discrepâncias ideológicas apresentadas pelos
epistemólogos da Ciência, Popper, 1962; Kuhn, 1971; Bunge, 1976; Toulmin, 1977; Lakatos,
1982; Laudan, 1984; Feyerabend, 1989 é comum que surja descrença na utilidade e eficiência
do ensino de epistemologia no ensino de ciências (GIL-PÉREZ, et al., 2001). Afinal de contas,
a apresentação da grande variedade de opiniões e descrições sobre o trabalho da Ciência
pode levar, se mal conduzida, a uma descrença e um descrédito no processo de
desenvolvimento científico.
É de fundamental importância que seja salientado que há sim convergências nas
opiniões desses grandes filósofos da Ciência e é exatamente sobre estes pontos nodais que a
concepção de ciência atual se baseia. Determinar o que é ciência não é coisa simples. Para
termos uma noção “moderna” de suas características básicas, faz-se necessário recorrer ao
que há de comum nas concepções dos grandes epistemólogos da Ciência. Segundo Gil-
Pérez, et al. (2001), os aspectos que poderiam descrever uma razoável concepção de ciência e
que estão presentes no discurso de todos os pensadores da Ciência são:
1. A recusa da idéia de “Método Científico” como um conjunto de regras perfeitamente
definidas, como uma receita infalível para que o processo científico tenha êxito. Contudo,
existem métodos e é justamente o pluralismo metodológico que torna seu trabalho fecundo na
construção do conhecimento científico.
2. A recusa à idéia de que é através do empirismo que os cientistas desenvolvem suas
idéias e teorias como resultado da inferência indutiva a partir de “dados puros”. Esses dados
não têm sentido em si mesmos, de fato requerem um arcabouço teórico que os dê sentido, e
que na maioria das vezes os precedem.
31
3. O destaque à importância do pensamento divergente em investigações que resultam
em diferentes hipóteses e que se concretizam em aspectos fundamentais do desenvolvimento
da Ciência. Desse modo não se raciocina em termos de certezas baseadas em “evidências”,
mas em termos de simples “tentativas de resposta” e que serão postas à prova da forma mais
rigorosa possível.
4. A apresentação da importante busca pela coerência global do conhecimento
adquirido.
Deve-se duvidar sistematicamente dos resultados obtidos e fazer revisões contínuas na
tentativa de obter esses mesmos resultados por diferentes caminhos. Dessa forma, pode-se
mostrar coerência com a visão de mundo vigente e com outros resultados obtidos.
É de grande importância chamar a atenção para um possível “reducionismo
experimentalista”: não basta um tratamento experimental para refutar ou comprovar uma
hipótese; trata-se, sobretudo da existência, ou não, de coerência global com o corpo de
conhecimentos vigente.
5. Compreender o caráter social do desenvolvimento científico, não só devido ao fato de
o ponto de partida ser a síntese das contribuições de gerações de investigadores, o paradigma
vigente, mas, também, pelo fato da investigação cada vez mais dar resposta a questões
colocadas pela comunidade científica.
Do mesmo modo, a ação dos cientistas tem uma clara influência sobre o meio físico e
social em que se insere. Essa interação tem se mostrado muito mais claramente na sociedade
tecnológica da atualidade onde toda descoberta científica ganha rápida aplicação tecnológica e
comercial com grande impacto na sociedade.
6. A idéia de que fazer ciência é uma tarefa de “gênios solitários” que se encerram
numa torre de marfim, desligados da realidade, constitui um estereótipo do cientista que o
ensino das ciências, lamentavelmente, não ajuda a superar, devido ao fato do mesmo se limitar
a uma transmissão de conteúdos. Essa visão limitada da Ciência afasta os alunos desses
conhecimentos. Mesmo que eles achem interessante e instigante, a Ciência lhes parece algo
muito distante do seu mundo, construído por indivíduos com uma inteligência fora do comum e
completamente isolados do mundo, o que não é nada atrativo a eles.
A outra face negativa dessas formas de ver a Ciência é o desconhecimento dos
processos de investigação, o que gera uma incapacidade de discutir a sua importância para a
sociedade. Os indivíduos são inclinados a aceitar passivamente o que se apresenta como
científico por não se sentirem capazes de contestar.
32
CAPÍTULO IV
PROPOSTA DE MINICURSO DE EPISTEMOLOGIA PARA GRADUAN DOS DE FÍSICA
Nos capítulos anteriores, foi levantada a base teórica que dá suporte e legitima a
proposta deste trabalho. Foi definido “por que?” e “o que?” de epistemologia da Ciência seria
mais interessante para se trabalhar com futuros profissionais ligados à Física.
Dando seqüência às idéias apresentadas, defini-se agora uma proposta de minicurso de
epistemologia para a licenciatura de Física. A construção, aplicação e avaliação do minicurso
buscou responder à questão dessa dissertação, e, assim, orientar a elaboração do para-
didático em anexo.
O minicurso destina-se não a abordar os estudos de Filosofia da Ciência de maneira
ampla e profunda, isto seria impossível para o tempo proposto de curso. O que se quer é que
este seja uma introdução do tema a alunos de Física que, normalmente vivem em um “mundo”
completamente apartado dos estudos de Filosofia. Pretende-se com este curso instigar a
curiosidade e incentivar estes estudantes a buscarem mais informações sobre Filosofia da
Ciência e se aprofundarem no tema.
Procurando responder esse problema foi elaborado um minicurso de epistemologia da
Ciência. O minicurso foi desenvolvido com alunos do 8º período da graduação em licenciatura
do Instituto de Física de uma Universidade Pública. Durante o minicurso, foram distribuídos
textos construídos especificamente para aquele grupo, que posteriormente foram integrados ao
para-didático em anexo, com o intuito de aprofundar as questões ali debatidas. Discutiu-se no
minicurso alguns temas ligados ao estudo de epistemologia, como: o papel da experimentação
na construção do conhecimento científico, a existência ou não de um método para se construir
esse conhecimento, o critério de validação das teorias científicas e sua mudança ao longo da
história.
Na verdade, esses temas foram abordados a partir da discussão do pensamento de
autores, como: Francis Bacon, David Hume, Imanuel Kant, Thomas Kuhn, Karl Popper, Irme
Lakatos, Paul Feyerabend, Gaston Bachelard e Edgard Morin. A escolha destes pensadores se
deve a importância de seus trabalhos para a epistemologia da Ciência. Há ainda outros nomes
importantes, mas, além do tempo reduzido disponível para o minicurso, 4 encontros de 2 h, não
comportar a discussão dos demais pensadores, a quantidade de idéias divergentes a serem
discutidas tornaria o curso improfícuo em seu objetivo.
Utilizou-se em todos os encontros recursos multimídias e em um momento específico
uma atividade experimental foi proposta aos alunos. Houve a preocupação de tornar o curso
interativo-dialógico (MORTIMER e SCOTT, 2002), de forma a resgatar se a visão dos alunos
manifestada na primeira intervenção estava sendo problematizada no decorrer do curso.
33
Metodologia de Trabalho
Para orientar a intervenção naquela realidade, foi realizada uma pesquisa investigativa
com os alunos no intuito de verificar qual imagem de ciência eles apresentavam. Essa
investigação que ocorreu algumas semanas antes do início do minicurso, consistiu de um
questionário contendo questões abertas e fechadas. Fora isso, foi pedido aos alunos que
construíssem um plano de aula sobre Lei da Inércia. Nesse plano, os alunos, além de
apresentarem os objetivos da aula e os recursos utilizados, tinham que descrever
detalhadamente como o tema seria abordado com seus supostos alunos. Todos os
participantes do minicurso entregaram o material, o que possibilitou que a análise dessa
pesquisa preliminar orientasse toda a investigação futura, ou seja, a construção e o
acompanhamento do minicurso.
A partir do levantamento desses dados foi realizada uma pesquisa qualitativa, em que
entrevistas semi-estruturadas e observações livres possibilitaram a produção de um conjunto
de dados para análise (LUDGE, 1986). Um dos pesquisadores foi o professor do minicurso,
assim houve uma inserção ativa no local da pesquisa, possibilitando a construção de
anotações textuais e digitais (vídeos e fotografias), capazes de orientar a análise da postura
dos alunos diante do desenrolar do trabalho. As atividades que serviram de instrumentos de
análise foram pensadas com o objetivo de fazer com que os alunos discutissem
permanentemente os temas apresentados, enfatizando dessa forma a pesquisa-intervenção.
(THIOLLENT, 1986).
O Desenvolvimento do Trabalho
O minicurso foi aplicado a um grupo de 13 alunos de licenciatura, alguns também
estavam cursando bacharelado, de 5º e de 8º (último) período do curso de licenciatura em
Física de uma Universidade Pública do Rio de Janeiro. Os licenciandos de 5º período estavam
inscritos na disciplina de instrumentação para o ensino de Física, os de 8º período estavam
inscritos na disciplina de prática de ensino e apenas dois alunos não estavam cursando
nenhuma dessas disciplinas. O grupo foi formado de duas alunas e 11 alunos, todos na faixa
de idade entre 20 e 25 anos.
Como já mencionado, o minicurso contabilizou 8 horas-aula, distribuídas em 4 encontros,
o minicurso foi montado a partir dos dados da pesquisa preliminar. Nessa pesquisa, foram
propostas dezesseis questões de múltipla escolha em que os alunos responderam às questões
marcando os itens (CF) concordo fortemente, (C) concordo, (I) indeciso, (D) discordo ou (DF)
discordo fortemente.
As questões utilizadas foram as seguintes:
1 – As afirmações científicas e os enunciados científicos são necessariamente
verdadeiros e definitivos.
34
2 – As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência, ou seja, a
experiência é a fonte do conhecimento científico.
3 – O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está apoiado em
fatos que o comprovam.
4 – As leis da Ciência representam a realidade do mundo físico por isso seus enunciados
são definitivos.
5 – A elaboração de Leis e Princípios científicos dispensa obrigatoriamente a criatividade,
a intuição e a imaginação do pesquisador.
6 – Existem investigações científicas que dispensam a realização de experimentos.
7 – Todo conhecimento científico é provisório.
8 – Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos teóricos para só
depois realizar uma testagem experimental.
9 – Quando dois cientistas observam os mesmos fatos, eles devem chegar
obrigatoriamente às mesmas conclusões.
10 – A evolução da ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e proposição de
novos modelos, teorias, concepções.
11 – Tudo aquilo que não é passível de comprovação experimental não pode receber a
designação de conhecimento científico.
12 – Leis e Princípios que entram em conflito com observações ou resultados
experimentais devem ser rejeitados imediatamente.
13 – Através da ciência e de seu método pode-se responder a todas as questões.
14 – Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes, direcionar a pesquisa
cientıfica para resultados relevantes.
15 – A Ciência não trata da realidade do mundo, mas da funcionalidade de seus modelos
explicativos.
16 – O conhecimento científico se distingue do não-cientıfico pelo fato de usar o “método
científico”.
O intuito foi o de verificar as concepções desses alunos quanto a temas como: a
existência ou não de um método científico, a neutralidade nas observações científicas, o papel
do empirismo, a questão da indução, o papel da criatividade na construção da Ciência e o uso
de idéias metafísicas no trabalho científico.
Enumerando as respostas por questão temos os seguintes números de alunos
respondendo a cada opção:
1ª afirmativa – 8 DF e 5 D;
2ª afirmativa – 3 DF, 8 D e 2 C;
3ª afirmativa – 3 DF, 2 D, 1 I, 5C e 2 CF;
4ª afirmativa – 6 DF e 7 D;
35
5ª afirmativa – 11 DF e 2 D;
6ª afirmativa –1 DF, 4 D, 1 I, 5 C e 2 CF;
7ª afirmativa – 8 D, 2 I, 1 C e 2 CF;
8ª afirmativa – 10 DF e 3 D;
9ª afirmativa – 6 DF, 3 D, 1 I, 2 C e 1 CF;
10ª afirmativa – 6 CF e 7 C;
11ª afirmativa – 4 DF, 6 D, 2 I, e 1 CF;
12ª afirmativa – 2 DF, 8 D, 1 I, 2 CF;
13ª afirmativa – 5 DF, 2D, 3 I e 3 C;
14ª afirmativa – 2 DF, 1 D, 2 I e 8 CF;
15ª afirmativa – 1 DF, 3 D, 3 I, 4 C e 2 CF;
16ª afirmativa – 3 DF, 4 D, 1 I, 3 C e 2 CF.
A análise das respostas mostrou que os alunos tinham dificuldade em delimitar o papel
da experimentação e não conseguiam definir se a experimentação era geradora ou
confirmadora de teorias. Outro ponto problemático diz respeito ao caráter provisório ou não das
teorias científicas. Por exemplo, todos os alunos discordaram da afirmação 1: “as afirmações
científicas e os enunciados científicos são necessariamente verdadeiros e definitivos” Porém na
afirmativa 7: “Todo conhecimento científico é provisórias”. Apenas 3 alunos concordaram com a
afirmação, 1 não soube responder e o restante discordou.
Outro fato contraditório percebido nas respostas dos alunos se refere à análise das
afirmações 3 e 14: “O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está
apoiado em fatos que o comprovam” e “Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes,
direcionar a pesquisa cientıfica para resultados relevantes”. Dos 13 alunos, 7 concordaram com
a primeira afirmação, 5 discordaram e apenas 1 não soube responder. Já em relação à
segunda, além dos 7 que concordaram com a primeira mais um aluno admitiu ser correta a
afirmativa. Do restante, apenas dois se mostraram indecisos. Percebe-se que para boa parcela
desses alunos, a ciência se apresenta como objetiva e confiável por se basear em fatos, porém
esses alunos admitem também que ela pode se basear em idéias metafísicas e não-científicas.
Na afirmativa 10: “A evolução da Ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e
proposição de novos modelos, teorias, concepções”, 7 alunos aceitaram a idéia ali exposta,
indicando que, para eles, a ciência evolui apenas com o desenvolvimento de teorias novas.
Porém é preciso considerar que 6 alunos responderam negativamente a esta proposição.
É importante confrontar o resultado do questionário com a avaliação dos planos de aula
construídos pelos alunos. Essa atividade foi feita pelos alunos em suas casas. Eles entregaram
o material à professora de Instrumentação para o Ensino antes do início do minicurso. Com
exceção de um aluno, todos os outros propuseram iniciar e discutir o tema a partir de uma
análise experimental. As descrições das aulas traziam embutida a idéia que aquele
36
conhecimento poderia ser obtido simplesmente a partir de apuradas observações. O único
aluno que não utilizou este caminho propôs iniciar a aula com uma biografia de Newton, em
seguida, enunciar a Lei, para depois fazer uso de experimentos capazes de confirmá-la,
utilizando-se da experimentação de forma a confirmar a teoria proposta.
A análise das questões preliminares está de acordo com os trabalhos de Gil-Pérez, et al.
(2001), Fernández (2000), Sandoval e Cudmani (1993). Esses autores defendem que a
problemática em torno à visão de ciência dos alunos se deve, em geral, pelas imagens
deturpadas de ciência ainda presentes nos livros didáticos de Ensino Médio, e, em particular,
pela visão de ciência apresentada pelos próprios professores de Ensino Médio. A imagem
ingênua apresentada pelos meios de comunicação, também é capaz de influenciar a visão de
ciência desses alunos. (SANDOVAL e CUDMANI 1993, PESSOA e ARROIO, 2008, FISCH,
1997).
A análise da pesquisa preliminar levou à estruturação do primeiro encontro, de modo a
introduzir debates capazes de gerar discussões para as etapas seguintes do minicurso.
Iniciou-se o minicurso com a apresentação de quatro textos retirados de livros didáticos.
Neles os autores fazem referência ao trabalho da Ciência e a natureza da mesma. Foi entregue
um material impresso contendo os textos e questões relativas à interpretação dos mesmos. Os
alunos responderam as questões na presença do professor. O objetivo era avaliar a opinião
desses alunos das afirmativas apresentadas.
Os textos desatacados foram os seguintes:
i. O estudo da natureza é realizado: “1o) pela observação cuidadosa e
crítica do fenômeno no seu local de ocorrência; 2o) pela experimentação, que
consiste na observação do fenômeno em condições preestabelecidas e
cuidadosamente controladas, por exemplo, em laboratório, na ausência de
ar. O método experimental de análise nos leva a encontrar certas relações
denominadas leis Físicas [...]”. (ROBORTELLA et al 1985, p.207)
ii. “Em resumo, o método da apreensão do conhecimento da Física é o
seguinte: a) observação dos fenômenos, b) medida de suas grandezas, c)
indução ou conclusão de leis ou princípios que regem os fenômenos. Esse
método de conhecimento é denominado método experimental”. (RAMALHO
et al, 1997, p.13)
iii. “O método científico é a combinação de três operações que visam
descobrir as regras que regem os fenômenos naturais: observação,
experimentação e raciocínio. A observação é o primeiro passo para o
37
entendimento de um fenômeno. É um exame cuidadoso dos fatores e
circunstâncias que parecem influenciá-lo.” (PENTEADO, 1998, p.4)
iv. “Observação e experimentação são o ponto de partida e ao mesmo
tempo o teste crucial na formulação das leis naturais. A Física, como ciência
natural, parte de dados experimentais. Por outro lado, o bom acordo com a
experiência é o juízo supremo da validade de qualquer teoria científica.”
(NUSSENZVEIG, 2003, p.3).
Após o trabalho com os textos, os alunos foram convidados a decifrarem a natureza
intrínseca do experimento “caixa preta”, Fig. 1. Os alunos em dupla (devido ao número ímpar
de alunos houve um trio) foram convocados a agirem como cientistas para determinar o
funcionamento da “caixa preta”.
Fig. 1: Experimento do universo “caixa preta”.
A caixa foi construída em madeira, com algumas peças como: pregos e parafusos de
metal. Ela consistia em duas hastes de madeira unidas, não fixamente, uma a outra por um
pequeno disco de madeira preso fixamente a haste lateral, em um dos seus extremos. A outra
haste se encontra pregada ao disco, paralelo a ele, porém de maneira a ficar livre para
rotacionar pelo prego que a prende. O sistema simula o funcionamento do eixo de uma
bicicleta para fazer a haste frontal fazer o movimento de entrar e sair da caixa enquanto gira-se
a haste lateral em seu próprio eixo.
Neste momento, de total liberdade e independência de ação, os participantes não
contaram com qualquer ajuda ou orientação. A metodologia de trabalho foi livremente
escolhida por eles. Após encontrar uma explicação para a “caixa preta”, os alunos tinham que
descrever por escrito o método que usaram para chegar à resposta final e, também, um
desenho descrevendo o modelo que haviam construído.
Ao final da atividade, todos os grupos expuseram seus modelos para o restante da
turma, respondendo as perguntas dos outros alunos e também do professor. Após esta etapa
foi retomada a discussão dos textos do início do minicurso, confrontando os mesmos com a
opinião dos alunos e com a atividade da “caixa preta”.
38
Os encontros foram filmados, de modo a permitir uma análise mais detalhada da fala,
postura e inter-relacionamento dos alunos. Com a observação cuidadosa da gravação da
atividade da “caixa preta” e das respostas dadas pelos alunos aos questionamentos presentes
no material impresso, foi possível perceber que estes alunos não tinham uma idéia bem
estruturada sobre o que significa empirismo. Eles afirmaram que a ciência é empirista, mas
durante a discussão defenderam que algumas vezes os cientistas elaboram teorias a partir de
postulados e que essas teorias podem ser verdadeiras mesmo sem comprovação
experimental.
Eles defenderam que a observação e a experimentação têm papel fundamental nas
teorias, por vezes gerando as teorias e por outras as comprovando. Porém percebeu-se certa
confusão sobre o que poderia ser considerado observação.
ALUNO A: “O próprio ato de se questionar sobre um fenômeno desconhecido ocorrido
seria uma forma de observação”.
ALUNO B: ”Os textos tratam do método científico, a ciência é construída com base nesse
método”.
ALUNO C: “Uma teoria só é aceita quando o teste experimental desta é realizado e dá
respostas comprobatórias”. A fala desse aluno se fez presente na de vários outros.
O experimento da caixa preta forneceu importantes dados para análise. Na descrição do
processo seguido para obtenção da resposta final do experimento, todos os grupos disseram
que inicialmente observaram o orifício da caixa, a sacudiram, giraram-a, enfim, a manipularam
para depois lançar hipóteses sobre seu funcionamento. Durante a execução do experimento
um grupo se distinguiu dessa descrição. Esse grupo pegou a caixa fez alguns pequenos
movimentos e partiu para a construção do modelo, fazendo analogias com equipamentos
conhecidos. Esse mesmo grupo ao perceber que seu modelo original não explicava
plenamente o funcionamento da caixa, acrescentou um “elástico” extra para dar conta dos
fenômenos.
Fig. 2: Alunos interagindo com a “caixa preta”.
Durante a apresentação dos modelos para a turma, apenas um grupo desistiu do seu
39
modelo original, admitindo que o de um outro grupo era o melhor. Os demais não entraram em
consenso quanto ao melhor modelo, cada um dos três grupos restantes achou que o seu
modelo era o melhor.
Na análise da filmagem do momento em que os alunos elaboravam seus modelos, foi
percebido que um dos grupos não realizou muitos testes para elaborarem do modelo final. Um
dos alunos, ao observar o movimento de uma das hastes ao passo que girava a outra, afirmou
de imediato que já sabia como funcionava e em seguida partiu para o esboço do modelo.
Mais tarde este aluno afirmou ter usado uma analogia com equipamentos mecânicos já
conhecidos, nesse caso reforçando a idéia que conhecimentos a priori influenciam na criação
da nova teoria sobre a caixa preta.
No segundo encontro, foi retomado o assunto da aula inicial, através da leitura de
algumas das respostas dadas pelos alunos. Nessas leituras, foi possível retomar os pontos de
vista deles mesmos a respeito da experimentação e sobre a observação dando margem a
introdução das idéias de René Descartes e de Francis Bacon sobre a Natureza da Ciência.
Abordando o tema do conhecimento prévio presente em toda observação humana e
dando início às discussões das idéias de Immanuel Kant sobre a não existência de observação
neutra na Ciência, foram utilizadas figuras de interpretação dupla, Fig. 3 e Fig. 4. A Fig. 3
apresenta um rosto de senhora idosa que, se observada com detalhe, se transforma no rosto
de uma jovem simplesmente ao se fazer a rotação da imagem. Já na Fig. 4 tem-se a imagem
de uma paisagem formada por várias outras imagens ocultas. Nessa figura, os alunos são
convidados a determinar os animais que estão ocultos na imagem principal.
Após a primeira tentativa, foi mostrado a eles quais animais encontram-se presentes na
imagem.
Fig. 3: Figura de interpretação dupla.
40
Fig. 4: Múltiplas imagens presentes em um único quadro.
Após esta atividade de interação, foram apresentados alguns fatos históricos para
respaldar a discussão realizada. Assim, foi apresentada a divergência de representação da Lua
observada por Galileu e da mesma Lua observada por seu contemporâneo Thomas Harriot. A
representação de Christoph Clavius, contemporâneo de Galileu e decano de matemática do
Colégio Romano, também foi discutida. Clavius, apesar de ter confirmado as observações de
Galileu, teve dificuldade de aceitar que a Lua tivesse relevo irregular. Ele supôs que a
superfície da Lua era lisa com regiões de densidade variada.
O segundo encontro foi encerrado com uma discussão sobre a posição de David Hume
em relação à indução na Ciência.
Aluno C: Nunca parei para pensar nisso. Para mim se tratava apenas de um processo
lógico. Como se faz em deduções matemáticas.
Durante as discussões travadas ao longo do segundo encontro, os alunos mostraram não
possuir uma idéia clara sobre o significado da indução na ciência. Aparentemente nunca
tinham se conscientizado que uma proposição geral baseada em dados experimentais trata-se
de uma indução cientifica. Quanto às questões referentes à observação neutra na ciência, os
alunos manifestaram um misto de incerteza e não reflexão sobre o tema. Os alunos se
posicionaram de maneira vaga e incerta quanto à observação dos fenômenos ser ou não
neutra e livre de pressupostos. Já quanto à questão do método científico, apenas o aluno B, já
mencionado acima, apresentou estranheza à contestação da existência de um método
científico único. Talvez esse fato seja devido a 7 dos alunos participantes afirmarem, no
questionário preliminar, que já haviam tido contato com história da Ciência, seja em curso ou
em leituras pessoais.
O terceiro encontro se iniciou com a retomada das idéias de Immanuel Kant. Foi
discutido o significado de juízos analíticos e sintéticos11 e que, para Kant, não é possível para o
11 Para Kant juízos analíticos são os conhecimentos que temos antes mesmo da experiência sensível e que não se alteram após a experiência. Sobre eles se estruturam os conhecimentos adquiridos pela experiência, denominados juízos sintéticos.
41
homem conhecer “a coisa em si”, só lhe é acessível “a coisa para nós”. Esta discussão foi feita
a partir de uma citação de Kant.
“Para nós é completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si, independentes de toda receptividade da nossa sensibilidade. Não conhecemos delas senão a maneira que temos de percebê-las; maneira que nos é peculiar; mas que tão pouco deve ser necessariamente a de todo ser, ainda que seja a de todos os homens.” (KANT, 1987, p.59).
Como motivador de reflexão foi proposto aos alunos a seguinte questão: “O elétron em si
é o nosso objeto do conhecimento ou a idéia de elétron desenvolvida por nós mesmos que é o
objeto da Ciência?"
Este questionamento teve o intuito de levá-los a pensar em como o trabalho científico se
auto alimenta de seus modelos teóricos. O objeto real “elétron” é totalmente desconhecido. O
elétron conhecido e que fornece dados à ciência é o modelo idealizado, que obviamente está
de acordo com os dados experimentais, porém não pode ser tomado como realidade na
plenitude da palavra.
Nessa discussão foi abordada as idéias de Kant em torno à “coisa em si” e “a coisa para
nós”. Os alunos ficaram bastante reservados na discussão de se o elétron ou o bóson de Higgs
são objetos que existem e fazem parte do real ou se são criações humanas no sentido de,
como objetos do conhecimento, constituírem-se construções do observador. Os alunos
recusaram fortemente a segunda consideração.
O ALUNO E chegou a afirmar que o elétron existe sim, podendo não ser como o
descrevemos, mas algo real concreto tem que existir para produzir os fenômenos observados.
Após essas discussões foi proposto aos alunos, que a partir de uma lista previamente
apresentada pelo professor, eles apontassem quais palavras mais se adequavam às suas
concepções de ciência.
Objetividade / subjetividade; certeza / incerteza; confirmação experimental / metafísica;
ordem / caos; progresso / estagnação; busca dos por quês? / busca do como?
Foi possível perceber que eles encontraram dificuldades em construir suas opções. Por
exemplo, ficaram um tanto indecisos ao dizer se a ciência deveria ser totalmente objetiva ou se
haveria espaço para a subjetividade.
Nesse momento houve certa relutância em responder qual item seria mais apropriado
para a visão de ciência que eles tinham.
Aluno A: penso que a ciência deve ser objetiva, mas, após ter estudado Mecânica
Quântica no semestre passado, percebi que os conceitos modernos são muito confusos. Para
mim eles não pareceram nada objetivos.
No duelo certeza x incerteza, eles ficaram muito confusos. O aluno D, por exemplo,
declarou que a palavra correta deveria ser certeza, mas que por ter estudado Física quântica
42
ficava em dúvida se não deveria usar a palavra incerteza.
Também manifestaram confusão na dupla caos e ordem. Nenhum dos alunos conseguiu
afirmar qual seria a palavra mais adequada.
Todos defenderam que a ciência trabalha com eliminação da metafísica e que deve se
basear em confirmações experimentais.
Quanto à “busca dos por quês?” ou a “busca do como?” foram unânimes em admitirem
as duas como importantes.
A partir dessa discussão foi apresentado o positivismo de Augusto Comte.
Após essa apresentação foram discutidos o papel da experimentação na ciência,
abordando as características confirmacionista do empirismo e refutacionista de Popper. Nessa
parte do minicurso foram usados, como mecanismos de motivação, vídeos tirados dos
noticiários locais (Entrevistas e matérias da Globo News) sobre a inauguração do acelerador de
partículas inaugurado na fronteira entre França e Suíça, o LHC.
Nessa entrevista ao físico brasileiro Sergio Novaes da UNESP (Universidade do Estado
de São Paulo) são feitos comentários de grande valor para o minicurso, pois tratam
diretamente das noções epistemológicas da comunidade científica representada ali pelo
cientista. Nela, ele fala sobre a importância da detecção do Bóson de Higgs e das
conseqüências de sua possível não observação.
Após esta apresentação foram iniciadas as discussões sobre os temas dessa parte do
minicurso, destacando trechos da entrevista como, por exemplo: “A Física, ao contrário da
matemática e da engenharia, usa a natureza para validar suas teorias.”; “[...] Se a natureza,
dessa vez, não sustentar todas essas teorias que estão envolvidas [...] como fica daqui para
frente? Muda a Física, mudam as teorias?” (Rosana Cerqueira, repórter Globo News, 2008) e
“Hoje em dia tem-se plena confiança que, mesmo que não se descubra essa partícula, vai ter
que se descobrir algum mecanismo que desempenhe o mesmo papel que ela desempenha no
modelo padrão.” (SÉRGIO NOVAIS, GLOBO NEWS, 2008).
Essas frases foram usadas para dar início às discussões a respeito do trabalho de
Thomas Kuhn. Também, debatemos o papel da experimentação na Física atual e introduzimos
a idéia dos Programas de Pesquisa Científica de Irme Lakatos.
A afirmação feita em um dos vídeos de que “A Física, ao contrário da matemática e da
engenharia, usa a natureza para validar suas teorias” (Rosana Cerqueira, repórter Globo News,
2008) causou grande estranheza nos alunos. Todos defenderam que essa afirmação era
equivocada.
Foi usado mais um outro vídeo que tratava da divergência de grupos de cientistas contra
a realização do experimento a que o acelerador se destina, com depoimento do físico André
Sznagder da UERJ (Universidade estadual do Rio de Janeiro).
A principal controvérsia é sobre a possibilidade de criarem-se buracos negros com as
43
colisões. Para o físico, não há motivos para alarde, pois estas reações já acontecem na
natureza a bilhões de anos e o planeta continua sua existência.
Isso mostra bem a não unanimidade da comunidade de cientistas sobre os temas da
ciência. Deste vídeo extraímos a motivação para tratar este mesmo tema, a não unanimidade
da Ciência, afastando a idéia de que, na história da Física, tudo se desenvolveu tranqüila e
progressivamente sem divergências ou sobressaltos.
Para finalizar o terceiro encontro foi lido o texto de Lakatos.
“Um físico da era pré-einsteiniana toma a mecânica de Newton e sua lei da gravidade e cria uma teoria secundária N, como as condições iniciais aceitas, I, e calcula, com sua ajuda, o percurso de um pequeno planeta recentemente descoberto, p. Mas o planeta desvia-se do percurso calculado. Por acaso, nosso físico considera que o desvio era proibido pela teoria de Newton e, portanto que, uma vez estabelecido, refuta a teoria N? Não. Ele sugere que deve haver um desconhecido planeta p’, que perturba o percurso de p. Ele calcula a massa, órbita etc. de seu hipotético planeta e pede então a um astrônomo experimental que teste sua hipótese. O planeta p’ é tão pequeno que mesmo os maiores telescópios disponíveis não podem observá-lo; o astrônomo experimental pede uma verba de pesquisa para construir um ainda maior. Em três anos o novo telescópio está pronto. Se o desconhecido planeta p’ for descoberto será uma nova vitória para a ciência newtoniana. Mas não é. Nosso cientista abandona a teoria de Newton e sua idéia de um planeta perturbador? Não. Ele sugere que uma nuvem de poeira cósmica esconde-nos o planeta. Calcula a localização e as propriedades dessa nuvem e pede uma verba de pesquisa para mandar um satélite testar seus cálculos. Se os instrumentos do satélite registrarem a existência da nuvem conjectura i, o resultado será visto como uma notável vitória para a ciência newtoniana. Mas a nuvem não é descoberta. O nosso cientista abandona a teoria de Newton, junto com sua idéia do planeta perturbador e a idéia da nuvem que o esconde? Não. Ele sugere que há algum campo magnético naquela região do universo que perturbou os instrumentos do satélite. Um novo satélite é enviado. Se o campo magnético for encontrado, os newtonianos celebrarão uma vitória sensacional. Mas ele não é. Isto é visto como uma refutação da Física newtoniana? Não. Uma outra engenhosa hipótese auxiliar é proposta ou a história toda é enterrada nos valores empoeirados de publicações periódicas e a história nunca mais será mencionada.” (LAKATOS, 1974, p. 100-1).
As propostas de Paul Feyerabend, Gaston Bachelard e Edgard Morin foram
apresentadas aos alunos no último encontro. Houve a preocupação de retomar com os alunos
a idéia de que todos os filósofos apresentados viveram num tempo e espaço específicos,
respondendo questões específicas apresentadas naquele contexto.
O ultimo encontro foi iniciado com discussão sobre a Física Quântica, destacando os
“Princípios da Incerteza” e o “Principio de Complementaridade”. Foi feita uma rápida
44
repassagem pelo desenvolvimento histórico da Teoria Quântica e sua evolução para a
Mecânica Quântica.
Ao ser tratado o Principio de Incerteza, foi exposto aos alunos o ponto de vista de
Heisenberg, sobre a realidade ou não do objeto do conhecimento na Física Moderna. Para
Heisenberg, não podemos conhecer o real, mas apenas o resultado de nossa intervenção nele,
pela interferência estrutural do sujeito no objeto em que o próprio ato de observar altera o
comportamento do objeto estudado. Com isto, o princípio da neutralidade entre sujeito e objeto
é desmontado.
Foi lido o texto abaixo, para suscitar discussões no grupo:
“Quando queremos ter clareza sobre o que se deve entender pelas palavras ‘posição do objeto’, por exemplo, do elétron [...], então é preciso especificar experimentos definidos com o auxılio dos quais se pretenda medir a ‘posição do elétron’; caso contrario, a expressão não terá nenhum significado” (HEISENBERG, apud CHIBENI, 2005).
Os alunos apresentaram reações bem significativas a esta abordagem relativa ao objeto
do conhecimento ser encarado como uma criação do próprio observador.
Aluno C: “É difícil compreender como o objeto do conhecimento pode ser criado por mim
mesmo. O elétron tem que existir para que eu o estude. Ou algo que faça os efeitos que ele
faz”.
O Princípio da Complementaridade, também, suscitou questionamentos quanto à questão
da realidade de algo que se mostre de uma maneira ou de outra dependendo do experimento
escolhido.
Na seqüência, foram apresentados os pensamentos de Paul Feyerabend, Gaston
Bachelard e Edgard Morin como visões mais modernas e enquadradas no complexo panorama
da Ciência contemporânea.
A discussão do texto a seguir, de Edgard Morin, causou o interessante impacto nos
alunos. Inicialmente eles estanharam o fato de um pensador realizar aquela afirmação. Depois
acabaram concordando com a idéia contida na frase, talvez influenciados pelas discussões já
travadas durante o curso.
“Uma teoria não é o conhecimento; permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada. É a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema” (MORIN, 2003, p. 256).
A partir desse ponto foi apresentado como as outras áreas do conhecimento humano, a
arte, a história e até mesmo a psicologia e alguns problemas sociais contemporâneos aos
cientistas podem influenciar no seu trabalho e vice-versa.
Esta relação entre as diferentes áreas do conhecimento humano começou pela
apresentação de como artistas levaram para seus trabalhos as questões trazidas pela ciência
45
do início do século XX. .
O surrealismo foi um dos movimentos em que essa questão se colocou de forma muito
clara. Ao apresentar e discutir os quadros surrealistas, percebeu-se que os alunos não se
surpreenderam com a exposição, mas, ao contrário, demonstraram alguma satisfação em ver
estabelecida esta ligação.
Com a obra de Salvador Dali de 1931, “A persistência da memória ou relógios moles”, foi
muito fácil extrair dos alunos a sua ligação com a questão da relatividade do tempo e do
espaço levantada pela Teoria da Relatividade.
Fig. 5: “A persistência da memória ou relógios moles” (19 31) - Salvador.
Para tratar das questões da realidade dos objetos observados e do Princípio da
Complementaridade, foram usadas as imagens das telas de René Magritte, Fig. 6 e Fig. 7.
Fig. 6: “A traição das imagens” (1928-1929). Fig. 7: “O império das luzes” (1954).
Acompanhando a Fig. 6 foi apresentada a curiosa colocação do próprio Magritte a
respeito de sua pintura:
“Já fui suficientemente censurado por causa dele! E afinal... consegue enchê-lo? Não, é apenas um desenho, não é? Se tivesse escrito por baixo do meu quadro ‘isto é um cachimbo’ estaria a mentir” (MAGRITE, 1928-29).
Nessa imagem e no texto de Magrite ele explicita a diferença entre uma representação e
um objeto real. O charuto na imagem é uma representação e não o próprio charuto.
O quadro da Fig. 7 foi utilizado como analogia para falar que o complementar não é
excludente, mas que, apesar de ser usado para falar da complementaridade da Física
46
Quântica, nesta ultima dois fenômenos conceitualmente contrários não ocorrem ao mesmo
tempo, ao contrario do que é representado simultaneamente no quadro do Magrite.
Já a relação entre os problemas específicos dos cientistas e outras áreas do
conhecimento, foi colocada com a leitura de dois textos a respeito do trabalho de Einstein na
questão do sincronismo de relógios distantes e quanto à elaboração do principio da
complementaridade por Bohr (GALISON, 2005).
Primeiro texto:
“[...] defendo a tese de que, ao menos no que concerne a simultaneidade, Einstein a redefiniu a partir de necessidades práticas existentes em seu tempo como, por exemplo, a sincronização dos horários de partida e chegada dos trens”. (GALISON, 2005)
Destacou-se com os alunos, que o mesmo Galison continua em seu texto afirmando que
Einstein era uma pessoa completamente inserida no seu tempo e conhecedor dos
acontecimentos importantes de sua época. O seu trabalho no escritório de patentes o colocava
em contato com os problemas técnicos da época, o que o ajudou em sua jornada e, segundo o
próprio Galison, até na sua maneira de escrever seus artigos.
O outro texto usado foi:
“Bohr teria sofrido profunda influência dos trabalhos do filosofo William James, pela leitura do livro princípios da psicologia, de 1890. James discutiu o problema da consciência em pacientes histéricos. Apresentou experiências psicológicas desenvolvidas com esses pacientes concluindo que quando essas pessoas apresentavam um determinado comportamento, um outro comportamento oposto ficava adormecido, ou seja, os estados de consciência desses pacientes nunca conviviam simultaneamente”. (GUERRA, REIS e BRAGA, 2005).
Com a apresentação desse último texto foi evidenciada a semelhança entre estas idéias
e a do Princípio de Complementaridade de Bohr, em relação aos fenômenos quânticos.
Estas colocações causaram grande interesse nos alunos que inicialmente ficaram
surpresos com os fatos destacados nos textos.
Aproveitando todas as contrariedades, especulações e flutuações nas noções de ciência
que foram abordadas até aqui, foi apresentado um artigo do encarte Ciência Hoje do Jornal do
Brasil de 08 de março de 2009. Essa matéria apresentava uma pesquisa realizada entre 2006
e 2007, sobre a opinião de alunos dos cursos de Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História
e Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. Nesse artigo, opinaram
sobre questões relativas a ciência, de onde foi extraída a questões: “A ciência pode dar
respostas confiáveis sobre os fenômenos físicos, químicos e biológicos?”
Os resultados que constavam do artigo eram os seguintes: 70,3% dos alunos de Física
consultados disseram que sim; das ciências biológicas, 61,6% diziam acreditar que a ciência
pode dar essas respostas; dentre os de Geografia, 41,8% disseram que sim; já dentre os de
47
Filosofia, somente 40,3% confiavam nas respostas dadas pela ciência.
Em princípio, os alunos acharam os dados da pesquisa bastante curiosos e disseram que
não haviam pensado nisso. Disseram que acreditam na ciência, mas por vezes ela pode ser
manipulada e gerar resultados que devem ser questionados.
Por fim foram estruturadas concepções que trouxessem uma visão mais moderna sobre a
Natureza da Ciência.
Foram apresentadas e discutidas as seguintes idéias. Em todos os pontos os alunos
foram convidados a discutir e opinar. As proposições apresentados foram:
• É humanamente impossível conhecer a verdade última da natureza.
• Não existe um método que se possa considerar infalível e que seja capaz de conduzir o
homem às verdades universais.
• Todo método apresenta alguma falibilidade, assim como toda verdade se mostra
relativa diante da complexidade da natureza e da existência humana.
• Nem a Ciência é capaz de responder a todas as perguntas sobre a natureza e sobre o
ser, nem a Filosofia da Ciência é capaz de conciliar os conflitos e resolver as
inconsistências da Ciência.
• Ambas as áreas do conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não
alcançarem este intento, diga-se de passagem, impossível.
Avaliação final
Para completar a avaliação do minicurso foram propostas aos alunos, ao final do curso,
quatro questões. O objetivo era de perceber se as colocações manifestadas na pesquisa
preliminar seriam reafirmadas ou não ao final do curso.
Para avaliar os resultados do minicurso, foram propostas questões em que os alunos
dariam suas opiniões sobre as questões:
1) Se uma pessoa lhe pedisse para explicar o que é a ciência? O que você diria a ela?
2) Se essa pessoa lhe perguntasse: O que é método científico? Como você responderia a
essa questão?
3) Ao falar sobre ciência com um aluno, você afirmou que o conhecimento científico é
confiável. Esse aluno ouvira falar que a ciência não apresenta verdades definitivas. Pensando
nessas duas situações, o aluno lhe perguntou: Como pode a ciência ser provisória e confiável
ao mesmo tempo? Crie uma resposta para seu aluno.
4) Você reproduziria a experiência da caixa preta com seus alunos num curso de Física?
Para que tipo de discussão você a usaria?
Ao analisar as respostas podemos destacar que os alunos manifestaram algumas
percepções em relação à ciência diferentes das do inicio do curso.
O aluno A respondeu a questão 1 da seguinte forma – “É uma forma humana de produzir
conhecimento à respeito do mundo real, tal como são também a Filosofia, a religião e a arte”.
48
Para a questão 2 o mesmo aluno A respondeu – “É o procedimento adotado pelo
cientista no seu processo de produção do conhecimento”.
Já o aluno D respondeu – “Diria que não existe tal método, existem diferentes maneiras
de se chegar a uma teoria científica”.
As respostas dadas a questão 3 foram bem interessantes e demonstraram a mudança de
concepção proporcionada pelo curso:
Aluno A – “Ser confiável é diferente de produzir verdades definitivas. Uma verdade
definitiva, como o termo diz é definitiva, impossível de alteração, diferentemente do que é
confiável, um cão é confiável até que ele morda alguém”.
Aluno B – “A ciência produz respostas que nos dão uma aproximação do que se quer
conhecer. Essas respostas valem e funcionam para uma série de aplicações e objetivos
teóricos, entretanto para outras perguntas, pode ser que as respostas não satisfaçam a
segunda pergunta, ainda que para a primeira pergunta funcionem”.
Aluno C – “A ciência não é a busca da verdade absoluta. Ela procura adequar-se a
necessidade humana e esta muda de tempos em tempos. Em geral, quando uma teoria é
construída ela dá conta das necessidades de conhecimento dos homens, porem quando a
necessidade de conhecimento é maior, uma nova teoria pode aparecer, substituindo ou
englobando a anterior”.
Aluno B – “Ela é confiável dentro do contexto social, histórico e temporal em que estamos
inseridos, e é valida até que seja provado que ela não é válida”.
Aluno D – “A ciência tem um modelo de algo que, de fato, funciona aplicado ao mundo
prático, mas a qualquer momento pode mudar”.
Aluno E – “A ciência cria modelos para explicar o mundo e esses modelos são válidos até
surgirem modelos melhores, por isso é provisória. O fato de ser confiável é que ela procura
definir coerentemente os seus modelos”.
Para a questão 4 foi separada a seguinte resposta:
Aluno D – “sim. Mostraria a dificuldade que é chegar a uma teoria em que mais de um
modelo pode servir para explicar o fenômeno”.
Num balanço geral, o minicurso proporcionou significativos debates sobre a ciência com
os alunos. Percebe-se que os conceitos e conteúdos abordados não eram de todo
desconhecidos por eles, mas havia uma grande confusão na articulação entre os conceitos e
as concepções de ciência ainda fortes neles. Estas concepções são o fruto de todo o processo
de formação de que os alunos são produto.
Percebe-se que os alunos apenas reproduzem o que foram ensinados durante todos os
anos de formação básica. Eles apresentam exatamente a idéia de uma ciência objetiva,
descontextualizada e formada por grandes gênios que aparecem repentinamente e mudam o
rumo das coisas.
49
CAPÍTULO V
COMENTÁRIOS FINAIS
As impressões dos diferentes momentos do minicurso mostram que aqueles alunos não
desconheciam totalmente os termos epistemológicos e o nome de alguns filósofos. Porém esse
conhecimento era apenas superficial e de origem informal, mostrando-se confuso nas suas
falas.
O desconhecimento efetivo ou formal desses assuntos se mostrou como um entrave para
que eles pudessem formular idéias mais claras e apropriadas do trabalho científico. A
relutância que apresentaram em aceitar que os resultados obtidos com o estudo do elétron são
devidos ao modelo teórico e não confirmam que o elétron de fato existe e que é como
imaginamos é um exemplo de como os conhecimentos apropriados da natureza da ciência
poderiam gerar idéias menos ingênuas da ciência.
Com o conhecimento das idéias dos autores trabalhados, assim como, do significado de
conceitos como empirismo, indução, dedução entre outros, pode-se perceber que uma nova
consciência do trabalho científico começou a se formar nas mentes desses alunos. O minicurso
deu um suporte melhor à visão de ciência deles. Obviamente eles não se tornaram
conhecedores profundos de Filosofia da Ciência, mas certamente pensaram sobre a ciência e
problematizaram sua visão. Um dado posterior ao minicurso confirma essa avaliação. Um
alunos enviou um e-mail fazendo um convite para que o minicurso fosse apresentado em uma
escola de Ensino Médio na qual ele estava estagiando. Afirmara, também, que os professores
dessa escola haviam acolhido bem a sua idéia de aplicação do curso, porém de forma bem
menos profunda, pois seria para alunos secundaristas. Nesse e-mail ele menciona:
“Acho que ela (referindo-se a aula de Filosofia da Ciência) poderia ser bem interessante para os alunos (secundaristas), pois eles ainda têm uma visão de que a Física é uma coisa extremamente "exata" e imutável (eu sei porque eu também tinha isso muito forte até o seu curso, e, confesso, ainda tenho um pouco) e também para eles entenderem um pouco do processo de "construção" da Ciência e das teorias”.(ALUNO D, 2009)
O desenvolvimento do minicurso mostrou que o trabalho sistemático com temas de
epistemologia, junto ao debate em torno aos trabalhos dos filósofos da Ciência selecionados,
possibilitou a construção de um rico espaço de reflexão em torno ao processo de construção
do conhecimento científico.
As impressões obtidas são bastante positivas quanto às reflexões e questionamentos
provocados nesses alunos. Conforme o minicurso se desenvolvia, os alunos se envolviam cada
vez mais nas discussões trazidas pelo professor. Alguns, inclusive, o procuravam ao final dos
encontros, para continuarem algumas das questões lançadas durante o curso.
50
Na avaliação final do minicurso, quatro alunos explicitaram que durante as discussões
sobre o trabalho dos filósofos da Ciência eles lembraram do experimento da “caixa preta”.
Todos afirmaram que essa foi a atividade mais interessante do minicurso e que os momentos
mais enfadonhos foram aqueles em que o professor/pesquisador apenas apresentava
conceitos sem colocar questões para eles debaterem.
Esta argumentação dos alunos quanto aos encontros em que foram apresentados
conceitos com pouca interação são muito procedentes, porém se fez necessário que alguns
conceitos fossem assim apresentados. A extensão do curso e o reduzido tempo de sua
aplicação não permitiram uma total interação entre assuntos e opiniões dos alunos, como seria
desejável e importante.
Outra questão importante a ser destacada é que, o último dia, em que foram abordados
os princípios da Mecânica Quântica, assim como idéias de Paul Feyerabend, Gaston
Bachelard, Edgard Morin, também foi avaliado pelos alunos como uma ótima aula. Eles
justificaram essa afirmação dizendo que foram abordadas idéias bastante novas para eles,
como a realidade ou não dos objetos do conhecimento da Ciência e da apresentação das
influências não-científicas nas elaborações de teorias.
O fato de criar-se ambiente favorável às discussões foi apontado pelos alunos como um
ponto muito positivo do minicurso. E o fato de, no último dia, tentar-se levantar os pontos
importantes para se ter uma visão mais coerente do trabalho científico foi muito elogiado pelos
alunos.
Aluno C: “Considerei muito interessantes as questões colocadas no último dia de curso e
que nos fez pensar sobre como definiríamos ciência, e como ela poderia ser provisória e
confiável ao mesmo tempo. Nunca tinha pensado nisso”.
Aluno E: “O ultimo dia foi muito interessante por ter abordados os difíceis conceitos da
Mecânica Quântica e por ter feito um fechamento entre os conceitos atuais de ciência.
Confesso que até este resumo final eu me encontrava um pouco confuso. Agora acredito ter
entendido”.
O minicurso pode não ter trazido novidades radicais, como um dos alunos afirmou na
avaliação final, mas ajudou os alunos a organizar alguns conhecimentos confusos e
desordenados. Também aprofundou um pouco mais algumas noções do trabalho científico e
criou um ambiente pouco comum aos graduandos de Física, que é o da discussão da Ciência
em suas características de base filosófica e ontológica.
Apesar do sucesso do minicurso, foram detectados alguns problemas. Primeiro, como já
foi citado, a relação entre conteúdo e tempo do minicurso, outra é a pouca leitura realizada
pelos alunos dos textos indicados, talvez por ser um curso informal em meio às disciplinas
51
árduas que estavam exigindo o tempo e dedicação deles, e por último o fato de algumas aulas
terem sido expositivas, tornando-as um tanto cansativas.
Considerando que apesar das falhas, o minicurso apontou para a importância do estudo
de epistemologia da Ciência por parte dos alunos, propõe-se que haja disciplinas especificas
de epistemologia da Ciência nos cursos de formação de professores.
Seria importante que houvesse duas disciplinas obrigatórias de epistemologia da Ciência
na grade curricular dos cursos de Física. Estas duas disciplinas poderiam ser seqüenciadas,
epistemologia da Ciência I e II, por exemplo, e serem oferecidas nos mesmos períodos em que
os alunos estivessem cursando as práticas de ensino.
De maneira geral, o minicurso mostrou a relevância do ensino de História e Filosofia da
Ciência para os graduandos em Física, o que pode ser estendido para os alunos das demais
áreas de ciências em geral.
52
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Ensino, Editora Livraria da Física, São Paulo, 2006.
59
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO PRELIMINAR DE LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA.
Caro aluno!
Este questionário tem por finalidade fazer um levantamento do grau de compreensão que os estudantes de Física têm sobre a natureza do trabalho científico, das questões relativas à capacidade de conhecimento humano e dos critérios de validade do conhecimento adquirido pela ciência.
Marque com um X a opção que melhor expressa a sua opinião em cada item, de acordo com as opções: (CF) Concordo fortemente; (C) Concordo; (I) Indeciso; (D) Discordo; (DF) Discordo fortemente. Evite marcar muitas vezes Indeciso.
1 As afirmações científicas e os enunciados científicos são necessariamente verdadeiros e definitivos. CF C I D DF
2 As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência, ou seja, a experiência é a fonte do conhecimento científico.
CF C I D DF
3 O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está apoiado em fatos que o comprovam. CF C I D DF
4 As leis da Ciência representam a realidade do mundo físico por isso seus enunciados são definitivos CF C I D DF
5 A elaboração de Leis e Princípios científicos dispensa obrigatoriamente a criatividade, a intuição e a imaginação do pesquisador.
CF C I D DF
6 Existem investigações científicas que dispensam a realização de experimentos. CF C I D DF
Nome: __________________________________________________________ nº. __________
Formação em que está inscrito:
� Licenciatura
� Licenciatura e Bacharelado
Previsão de término
(ano): ______________
Já trabalha atualmente no magistério?
� Sim
� Não
Teve em sua graduação alguma disciplina de Filosofia e História da Ciência?
� Sim � Não
Você já leu e/ou costuma ler sobre História e Filosofia da Ciência?
� Sim � Não
60
7 Todo conhecimento científico é provisório. CF C I D DF
8 Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos teóricos para só depois realizar uma testagem experimental.
CF C I D DF
9 Quando dois cientistas observam os mesmos fatos, eles devem chegar obrigatoriamente às mesmas conclusões. CF C I D DF
10 A evolução da ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e proposição de novos modelos, teorias, concepções.
CF C I D DF
11 Tudo aquilo que não é passível de comprovação experimental não pode receber a designação de conhecimento científico. CF C I D DF
12 Leis e Princípios que entram em conflito com observações ou resultados experimentais devem ser rejeitados imediatamente, CF C I D DF
13 Através da ciência e de seu método pode-se responder a todas as questões. CF C I D DF
14 Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes, direcionar a pesquisa cientıfica para resultados relevantes. CF C I D DF
15 A Ciência não trata da realidade do mundo, mas da funcionalidade de seus modelos explicativos. CF C I D DF
16 O conhecimento científico se distingue do não-cientıfico pelo fato de usar o “método científico”. CF C I D DF
Fontes do questionário: MOREIRA, Marco Antonio; MASSONI, Neusa Teresinha; OSTERMANN, Fernanda, “História e Epistemologia da Física” na Licenciatura em Física : Uma Disciplina que Busca Mudar Concepções dos Alunos Sobre a Natureza da Ciência , Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 29, n. 1, p. 127-134, 2007. KÖHNLEIN, Janete F. Klein; PEDUZZI, Luiz O. Q. Uma Discussão Sobre a Natureza da Ciência no Ensino Médio: Um Exemplo com a Teoria da Relatividade Restrita , Cad. Brás. Ens. Fís., v. 22, n. 1: p. 36-70, abr. 2005.
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APÊNDICE B
RELATÓRIO DE ATIVIDADE DO EXPERIMENTO CAIXA PRETA. 16/04/2009 1ª Aula
Experimento “Caixa preta”
Atividade:
Desenvolver um modelo teórico capaz de fornecer uma boa compreensão do universo “Caixa Preta” e que forneça uma explicação satisfatória de seus “fenômenos”.
Tempo: __30 min____ Nome da equipe: _ _
Grupo de pesquisa: (Nome dos participantes, num máximo de 5.)
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Orientações:
1. De posse do experimento, elaborem um modelo explicativo para o experimento que
seja capaz de reproduzir os “fenômenos” que o experimento apresenta;
2. Pensem nas diversas características apresentadas pelo experimento e eliminem de
seu modelo todas as imperfeições que perceberem;
3. Façam no papel quadriculado um esboço simples do modelo;
4. Não se preocupem se o modelo é ou não exatamente igual ao que pode ser o
mecanismo intrínseco do experimento, pensem apenas se ele é capaz de reproduzir
os “fenômenos” apresentados por ele.
Procedimentos: (Enumere os passos seguidos pela equipe no processo de investigação)
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APÊNDICE C
MATERIAL DIDÁTICO USADO NOS ENCONTROS
1º dia, 16/04/2009.
1) Os recortes de textos a seguir foram retirados de livros didáticos conhecidos de Física para o ensino médio e tratam da natureza da investigação científica. Leia-os atentamente e coloque, nos espaços reservados, a sua interpretação sobre do que cada um deles trata, ou seja, interprete-os.
v. O estudo da natureza é realizado: “1o) pela observação cuidadosa e crítica do fenômeno
no seu local de ocorrência; 2o) pela experimentação, que consiste na observação do fenômeno em condições preestabelecidas e cuidadosamente controladas, por exemplo, em laboratório, na ausência de ar. O método experimental de análise nos leva a encontrar certas relações denominadas leis físicas [...]”. (ROBORTELLA et al 1985, p.207)
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vi. “Em resumo, o método da apreensão do conhecimento da Física é o seguinte: a) observação dos fenômenos, b) medida de suas grandezas, c) indução ou conclusão de leis ou princípios que regem os fenômenos. Esse método de conhecimento é denominado método experimental”. (RAMALHO et al, 1997, p.13)
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vii. “O método científico é a combinação de três operações que visam descobrir as regras que regem os fenômenos naturais: observação, experimentação e raciocínio. A observação é o primeiro passo para o entendimento de um fenômeno. É um exame cuidadoso dos fatores e circunstâncias que parecem influenciá-lo.” (PENTEADO, 1998, p.4)
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viii. “Observação e experimentação são o ponto de partida e ao mesmo tempo o teste crucial na formulação das leis naturais. A Física, como ciência natural, parte de dados experimentais.
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Por outro lado, o bom acordo com a experiência é o juízo supremo da validade de qualquer teoria científica.” (NUSSENZVEIG, 2003, 4ª ed, p. 3)
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2) De que tratam, em especial, os textos apresentados?
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3) Quis são suas impressões quanto aos aspectos do trabalho da ciência que foram observados nesses recortes de livros didáticos? Você acha que a ciência é bem representada pelos aspectos apresentados nesses textos? Explique.
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4) Há algum deles que você não concorda? Qual ou quais e por quê?
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2º dia, 30/04/2009.
1) É possível ao homem conhecer os mecanismos intrínsecos da natureza, ou seja, conhecer a verdade última das coisas?
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2) Como podemos nos certificar de que um determinado conhecimento científico é verdadeiro e confiável?
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MÉTODO RACIONAL- DEDUTIVO DE DESCARTES:
1ª. Regra da evidência - Receber escrupulosamente as informações, examinando sua racionalidade e sua justificação. “Não aceitar como verdadeira alguma coisa sem a reconhecer evidentemente como tal”. 2ª. Regra da análise - Dividir cada uma das dificuldades que se examina em tantas partes quanto possível e necessário para reduzir variáveis e melhor resolver o problema. 3ª. Regra da síntese - Começar do mais simples, daquele que não passível de divisão, ao mais complexo. 4ª. Regra da verificação - Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista. Através da ordem alcança-se um conhecimento verdadeiro.
MÉTODO EMPÍRICO-INDUTIVO DE BACON:
1ª. Observação pura e livre de pressupostos e preconceitos;
2ª. Formulação de uma hipótese a partir das observações;
3ª. Teste experimental a ser realizado inúmeras vezes até obter um número confiável de
dados.
4ª. Divulgação ou difusão dos dados obtidos para que a comunidade de pesquisadores possa
testar a hipótese;
5ª. Formular uma teoria e extrapolar seu alcance, por indução, a uma lei natural.
Obs.: Descartes acreditava na capacidade individual dos filósofos naturais, em especial dele mesmo, para alcançar as verdades escondidas. Já Bacon acreditava que o conhecimento só seria possível se toda a comunidade de pesquisadores participasse das investigações. Para ele os conhecimentos universais eram um encargo além da capacidade individual de cada um, mas possível para uma coletividade. 3) O racionalismo ou o empirismo poderiam isoladamente dar solução à busca de conhecimento confiável?
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4) É realmente possível realizar observações com uma mente livre de conhecimentos a priori?
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5) Se determinado fenômeno se apresenta sempre que certas condições são estabelecidas, poderemos daí extrapolar uma lei natural? O que você pensa do principal mecanismo de desenvolvimento de leis e teorias da ciência, a indução?
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PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:
Francis Bacon (1561–1626)
• Novun organum, (1620).
Galileu Galilei (1564-1642)
• O Ensaiador, (1623);
• Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, (1632);
• Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências, (1638).
René Descartes (1596–1650)
• Discurso do Método, (1637).
Isaac Newton (1642–1727)
• Principios matemáticos da filosfia natural, (1687);
• Óptica, (1704).
David Hume (1711–1776)
• Tratado da Natureza Humana, (1740);
• Investigação sobre o Entendimento Humano, (1748).
Immanuel Kant (1724–1804)
• Crítica da razão pura, (1781).
Bacon Galileu Descartes Newton Hume Kant 1620 1623 1637 1687 1748 1781
67
3º dia, 07/05/2009.
1) Quais destes Aspectos você considera relevantes ao trabalho científico? Enumere-os: Objetividade / Subjetividade; Certeza / Incerteza; Confirmação experimental / Metafísica; Ordem / Caos; Progresso / Estagnação; Busca pelo Por quê? / Busca pelo como?
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O POSITIVISMO
► Renuncia a procura da origem e o destino do universo;
► Renuncia a busca pelas causas íntimas dos fenômenos;
► Preocupa-se unicamente em descobrir as leis e relações invariáveis da natureza;
► Dá excepcional importância aos dados experimentais;
► Recusa fortemente o uso de idéias não comprováveis experimentalmente nas explicações cientificas;
► Torna o determinismo científico uma das questões decisivas para a legitimidade das
proposições da ciência. FALSIFICACIONISMO
► Defende que os cientistas não deveriam se preocupar com a justificação de suas teorias, mas com o levantamento de possíveis refutações das mesmas.
► Entende as teorias científicas com conjecturas provisórias que, enquanto resistirem às
tentativas de refutação, permanecerão apenas como as proposições mais aceitáveis. ► Defende ainda que não seria possível confirmar a veracidade de uma teoria
simplesmente pela constatação de que suas previsões se verificaram. ► Determina que as teorias devem ser eliminada, caso ela seja negada por algum teste
experimental ou lógico. 2) Qual aspecto do trabalho experimental você considera mais relevante, a busca pela confirmação de teorias ou da refutação das mesmas? Explique?
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PARADIGMA KUHNIANO
► Um paradigma na ciência nada mais é que uma “macroteoria” aceita de forma geral por toda a comunidade científica, ou por grande parte dela e que se mostrar eficiente e abrangente o suficiente para responder o maior número de questões possíveis.
► O estado de Ciência normal é aquele em que o paradigma vigente é bem sucedido em
todos os casos em que é solicitado. ► O estado de crise é aquele em que problemas sérios, ou uma grande quantidade de
anomalias, compromete a credibilidade da teoria/paradigma. Nessa etapa é que, a comunidade cientifica envolvida no paradigma, em geral, tenta de todas as formas salvar tal teoria.
► A última fase representa a etapa de quebra do paradigma vigente, o que Kuhn chamou
de revolução científica, nela se estabelece uma nova teoria mais abrangente, capaz de responder às questões antigas e àquelas que a anterior havia falhado, ou seja, estabelece-se um novo paradigma.
3) Como você acha que a ciência se desenvolve, por crescimento de um paradigma científico já existente ou pelo surgimento de teorias inovadoras que desbancam os anteriores? Explique?
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PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:
Comte (1798–1857)
• Curso de filosofia positiva, em 6 volumes, (de 1830 à 1842).
Albert Einstein (1879-1955)
• Sobre a eletrodinãmica dos corpos em movimento, (junho, 1905);
Karl Raimund Popper (1902-1994)
• Conjecturas e Refutações. O crescimento do conhecimento científico, (1963);
Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)
• A estrutura das revoluções científicas. (1962);
Imre Lakatos (1922-1974)
• Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970);
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4º dia, 14/05/2009.
1) Se uma pessoa lhe pedisse para explicar o que é a ciência? O que você diria a ela? 2) Se essa pessoa lhe perguntasse: O que é método científico? Como você responderia a essa questão? 3) Ao falar sobre ciência com um aluno, você afirmou que o conhecimento científico é confiável. Esse aluno ouvira falar que a ciência não apresenta verdades definitivas. Pensando nessas duas situações, o aluno lhe perguntou: Como pode a ciência ser provisória e confiável ao mesmo tempo? Crie uma resposta para seu aluno. 4) Você reproduziria a experiência da caixa preta com seus alunos num curso de física? Para que tipo de discussão você a usaria?
CONCEPÇÕES ATUAIS DE CIÊNCIA
• É humanamente impossível conhecer a verdade última da natureza.
• Não existe um método que se possa considerar infalível e que seja capaz de conduzir o homem às verdades universais.
• Todo método apresenta alguma falibilidade, assim como toda verdade se mostra
relativa diante da complexidade da natureza e da existência humana.
• Nem a Ciência é capaz de responder a todas as perguntas sobre a natureza e sobre o ser, nem a filosofia da ciência é capaz de conciliar os conflitos e resolver as inconsistências da ciência.
• Ambas as áreas do conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não
alcançarem este intento, diga-se de passagem, impossível. A FILOSOFIA DA CIÊNCIA E A PRÓPRIA CIÊNCIA SÃO REAL IZAÇÕES HUMANAS IMPRESCINDÍVEIS
• Se não são capazes de nos mostrar as verdades absolutas, são muitíssimo valiosas para o crescimento humano na sua relação com o universo.
• Se não nos fornece a verdade, nos dá meios de nos aproximarmos dela cada vez mais.
• Mais importante que os resultados obtidos é o processo de progressão da Ciência. Os
resultados se encontram em constante mudança e são, por isso, provisórios.
• A filosofia da ciência nos mostra que o reconhecimento da verdade ou não é inacessível ao homem.
70
• O que podemos concluir quanto à Ciência é que ela não é um conhecimento verdadeiro, provado através de observações e experimentos. Ela é um processo contínuo de busca por um aumento do valor científico do conhecimento humano.
PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:
Gaston Bachelard (1884 1962) • O novo espírito científico, (1934); • A formação do espírito científico, (1938) Imre Lakatos (1922-1974) • Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970); • Provas e refutações. (1976); • A Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, (1977); • Matemática, Ciências e Epistemologia, (1978); Paul Karl Feyerabend (1924-1994) • Contra o Método, (1975); Mário Augusto Bunge (1919) • Ciência, o seu método e filosofia, (1960); • Filosofia da Física (1973); • Epistemologia, (1980); • Mitos, fatos e as razões, (2004); Edgar Morin (1921) • Introdução ao Pensamento Complexo, (2005); • Os Sete saberes necessários a educação do futuro, (2000).
A2
HHHÁÁÁ FFFIIILLLOOOSSSOOOFFFIIIAAA NNNAAA FFFÍÍÍSSSIIICCCAAA!!!???
UUUmmmaaa iiinnntttrrroooddduuuçççãããooo dddaaa FFFiii lllooosssooofff iiiaaa dddaaa
CCCiiiêêênnnccciiiaaa pppaaarrraaa gggrrraaaddduuuaaannndddooosss eeemmm ccciiiêêênnnccciiiaaasss
nnnaaatttuuurrraaaiiisss...
A3
INTRODUÇÃO
A FILOSOFIA DA CIÊNCIA E O ENSINO DE FÍSICA
Os estudantes de Ciências em geral não conseguem vislumbrar uma ligação entre o
estudo de filosofia da Ciência e o próprio estudo das Ciências. Como entender que há
relevância em estudar Filosofia, em meio a tantas derivadas, integrais, teorias e postulados
Físicos? Além do fato de, algumas vezes, estes estudantes não saberem diferenciar História da
Ciência de Filosofia da Ciência.
“Qual a capacidade do homem de conhecer?”, “Qual o real valor das teorias ditas
científicas?”, “Qual o papel da ciência na sociedade?” essas questões surgem no dia-a-dia do
trabalho científico e na rotina de sala de aula, nos cursos das áreas de Ciências naturais. Seja
na graduação ou nos cursos de ensino médio, a Natureza da Ciência é algo que, mesmo que
indiretamente ou desapercebidamente, é passado e transpassado de professor para aluno
através da “fala”, do discurso e das idéias defendidas por ele na sua prática cotidiana.
Ao afirmarmos que Galileu descobriu sua teoria da queda dos corpos abandonando
esferas de diferentes massas do alto da torre de Pisa, estamos assumindo a visão de um
Galileu empirista que usa da experimentação como base de trabalho para o desenvolvimento
de teorias.
Segundo Mário Bunge12, mesmo quando dizemos que não nos interessamos por Filosofia
estamos assumindo uma Filosofia implícita, e por isso mesmo, imatura e incontrolada.
O próprio Albert Einstein reafirma a importância que ele mesmo sempre percebeu no
estudo de Filosofia, afirmando:
“Foi dito freqüentemente e com certeza não sem razão que o
cientista seria um mau filósofo. Por que não haveria então de ser o mais
correto também para o físico deixar o filosofar para os filósofos? Isto
talvez se aplique em épocas nas quais os físicos crêem possuir um
sólido e inquestionável sistema de conceitos e leis fundamentais, mas
não nos dias atuais, quando os fundamentos da Física como um todo se
tornaram problemáticos. Nestas épocas, nas quais a experiência o
obriga a buscar uma base nova e mais sólida, o físico não pode
simplesmente relegar `a Filosofia a análise crítica dos fundamentos,
uma vez que apenas ele sabe e sente melhor que ninguém onde o
sapato lhe aperta; na busca por novos fundamentos é mister que ele
12 Mário Augusto Bunge, físico e filósofo argentino, foi professor de Física teórica e de Filosofia de 1956 à 1966 em La Plata, em seguida, trabalhou na Universidade de Buenos Aires e atualmente leciona na McGill University no Canadá como professor de Lógica e Metafísica.
A4
procure se esclarecer o melhor possível acerca da necessidade e
legitimidade dos conceitos por ele usados”( Einstein, 2006, p. 9).
O propósito deste livro/texto é de discutir como a Filosofia da Ciência (Epistemologia)
está presente no dia-a-dia do ensino de Física, mesmo que passando despercebido pelos
professores. Também tem-se como objetivo abordar alguns temas da Natureza da Ciência,
utilizando-se alguns filósofos da ciência que se mostraram mais convenientes para a proposta
deste trabalho.
Buscamos abordar os temas usando exemplos da historia da Física como pontos de
apoio ao entendimento dos assuntos e para despertar maior interesse dos leitores, fugindo de
detalhamentos extensos das idéias dos Filósofos e dando mais ênfase à representatividades
das suas idéias no trabalho científico.
A5
CAPÍTULO I
A FILOSOFIA PODE RESPONDER AS QUESTÕES BÁSICAS COLO CADAS SOBRE A CIÊNCIA E SOBRE O CONHECIMENTO?
Devido ao distanciamento que existe entre o estudo de Ciências naturais e o estudo da
natureza da Ciência nos cursos de graduação das áreas de Física, Química, Matemática e
Biologia, muitas questões importantes não são sequer pensadas pelos graduandos destas
disciplinas, no que diz respeito aos processos usados na busca do conhecimento e quanto aos
objetivos e implicações deste conhecimento.
Questões como: O que deveria ser a Ciência para melhor servir a sociedade? (questão
ética); O que deveria ser a Ciência para melhor alcançar seus objetivos? (questão de
metodologia) são os tipos de questões tratadas pela Filosofia, e que pertencem à Ciência e
devem ser amplamente discutidas por todos, principalmente por aqueles que estão inseridos
em carreiras ligadas a Ciência.
Outra questão importantíssima levantada pela teoria do conhecimento – epistemologia13 –
é “o que é realmente possível do ponto de vista da capacidade do conhecimento humano?”.
No intuito de introduzir estes assuntos, colocamos nesse capítulo inicial apenas uma idéia
geral de algumas visões de ciência. Ao final deste trabalho encontram-se dicas de leituras para
o devido aprofundamento.
O REALISMO E O INSTRUMENTALISMO
Ao longo da história da Filosofia foram desenvolvidas várias posições diferentes sobre a
própria capacidade da epistemologia de responder a problemas como o da capacidade do
homem de conhecer a “verdade” e sobre a própria definição de verdade.
Duas maneiras de se pensar a Ciência são as que tomam o viés realista ou o
instrumentalista14.
O realismo admite que o mundo existe independentemente de nós conhecedores, e é da
forma que é independentemente de nosso conhecimento teórico. Para o realista, a Ciência visa
descrições de como o mundo realmente é. O realismo envolve tipicamente a noção de
verdade.
Do ponto de vista realista, a teoria cinética dos gases, por exemplo, descreve os
fenômenos das partículas como realmente são. A teoria cinética é interpretada como afirmando
que os gases são realmente feitos de moléculas em movimentos aleatórios colidindo uma com
a outra e com as paredes do recipiente que os contém.
13 Área da Filosofia que trata da natureza do trabalho científico e do conhecimento humano. 14 Definição adotada por Alan F. Chalmers em “O que é Ciência afinal?” (2001).
A6
Já o instrumentalismo envolve também uma noção de verdade, mas de forma mais
restrita. As descrições do mundo observável serão verdadeiras ou falsas se descritas
corretamente ou não. As elaborações teóricas, no entanto, são projetadas para nos dar um
controle instrumental do mundo observável e não devem ser julgadas em termos de verdade
ou falsidade, mas antes em termos de sua utilidade como instrumentos.
O instrumentalismo envolve uma distinção clara entre os conceitos aplicáveis a situações
observáveis e os conceitos teóricos. O objetivo da Ciência é produzir teorias que sejam
esquemas ou instrumentos convenientes para ligar um conjunto de situações observáveis com
outro. As descrições do mundo que envolvam entidades observáveis descrevem realmente
como o mundo é, mas as descrições de sistemas que envolvam conceitos teóricos não o
fazem. Estes últimos devem ser entendidos como ficções úteis que facilitam nossos cálculos.
Formas mais radicais dessas duas maneiras de se pensar a Ciência surgiram com o
desenvolvimento científico e, também, com as ideologias surgidas nos círculos opositores a
certas posturas filosóficas adotadas em decorrência deste desenvolvimento.
O MECANICISMO E O NATURALISMO
O naturalismo é uma doutrina que preconiza a volta à natureza e à simplicidade primitiva,
quer nas instituições sociais, quer na maneira de viver. É uma escola filosófico-literária
conhecida por ser a radicalização do realismo, baseando-se na observação fiel da realidade e
na experiência, mostrando que o indivíduo é determinado pelo ambiente e pela
hereditariedade.
O mecanicismo é uma teoria filosófica que surge impulsionada pelo desenvolvimento das
mecânicas de Galileu e Newton. Segundo essa proposta todos os fenômenos que se
manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados. Esta doutrina admite que
determinado conjunto de fenômenos, ou mesmo toda a natureza, se reduz a um sistema de
determinações mecânicas. O movimento é concebido como algo determinado por lei causal
rigorosa, onde para toda causa se sucede um efeito previamente determinável.
FORMAS DE COMPREENDER O CONHECIMENTO
Varia formas de encarar o problema da natureza do conhecimento foram criadas através
dos tempos, como o:
• Relativismo que assume a existência de várias opiniões diferentes, todas igualmente
válidas;
• Dogmatismo onde pode haver várias opiniões, porém, só há uma correta;
• Ceticismo na qual existem várias opiniões, mas nenhuma é digna de crédito;
• Ecletismo em que há diversas opiniões, mas nenhuma é completa então faz-se um misto
entre o que cada uma tem de melhor.
A7
Quando, em algumas situações, nos é exigido o posicionamento quanto a assuntos que
dizem respeito à Natureza da Ciência, muitas vezes nos colocamos de acordo com uma
dessas formas, diretamente, indiretamente ou até mesmo confusamente, assumindo opiniões
contraditórias de um momento para o outro devido ao desconhecimento de epistemologia.
Há alguns problemas em se adotar uma ou outra das possibilidades apresentadas
anteriormente.
O ecletismo, por exemplo, constrói um emaranhado de idéias de posições filosóficas
diferentes que, ao serem unidas em uma, podem agrupar em um único arcabouço teórico,
ideologias incompatíveis.
O ceticismo por sua vez não proporciona resposta alguma.
O dogmatismo e o ecletismo impedem cada uma a sua maneira, a discussão filosófica
efetiva.
Com tantas idéias divergentes, fica difícil encontrar respostas coerentes sobre a natureza
do conhecimento humano. Há, porém um critério importante descoberto pela Filosofia da
Ciência, através de sua história. É este o chamado “principio de impotência” (MARTINS, 1999).
Para entendermos esse principio, vamos recordar o princípio de conservação, na Física.
A lei de conservação das massas, por exemplo, afirma que é impossível criar ou destruir a
matéria; a de conservação de energia determina que é impossível construir um moto perpétuo,
a lei de conservação das cargas elétricas deixa claro que é impossível criar ou destruir uma
carga elétrica e assim por diante.
O principio de impotência epistemológico determina que:
• O ser humano não possui a capacidade de reconhecer, intuitivamente a verdade.
• É impossível se construir uma Ciência puramente dedutiva.
• A indução não tem justificativa lógica (problema da indução de Hume)15.
Os “princípios de impotência” são parâmetros muito importantes para se ter uma noção
menos ingênua do trabalho científico. Pode-se perceber que algumas idéias de senso comum
tornam-se questionáveis, como a idéia de que se pode alcançar a verdade sobre a natureza e
a questão da indução de teorias gerais de conclusões experimentais particulares. Sendo assim,
ao tentarmos responder a questão levantada pelo titulo deste capítulo, concluímos que o que é
possível à Filosofia é determinar o que é impossível ao homem alcançar. O que se tem para o
momento de mais “sólido” na Filosofia sobre o tema é o “principio de impotência”.
Ao contrário do que se possa pensar, ele é muito valioso para o estudo do conhecimento.
Para o homem, saber o que não lhe é possível alcançar é algo muito importante e o coloca,
atualmente, em grande vantagem com relação aos seus antecessores.
15 O problema da indução será discutido no capítulo III, onde detalharemos melhor o trabalho de David Hume. Adiantando a discussão, podemos dizer simplificadamente que há um problema lógico, apontado por Hume, em se partir de conclusões de experiências pontuais e, daí, tirar leis gerais da ciência.
A8
CAPÍTULO II
O ENVOLVIMENTO ENTRE FILOSOFIA E FÍSICA
A ligação entre Filosofia e Ciência é muito antiga. Temos como berço de nossa Filosofia,
assim como de nossa Ciência, a Grécia. Todo o nosso modo de pensar e agir em termos
filosóficos e científicos tem como referência o pensamento grego.
Para os antigos gregos, Filosofia e Ciência eram coisas indissociáveis. Em princípio o que
predominava entre os povos gregos era a consciência mítica, bastante marcante nos poemas
de Homero e Hosíodo que por volta de 700 a.C. registraram por escrito grande parte da
mitologia antiga. Porém tal situação muda e a consciência racional começa a dominar o
pensamento grego. Esta importante mudança na maneira de pensar ocorreu por vários fatores
em que os principais foram: a passagem da Grécia tribal para a Pólis (cidade-estado grega)
aumentando o convívio entre os indivíduos, facilitando as trocas e vendas de produtos e com
isso diminuindo o tempo dedicado ao trabalho rural; o aparecimento da escrita e da moeda
devido à expansão comercial. Estas transformações culminaram com o surgimento da figura do
cidadão e do filósofo.
O filósofo era aquele que refletia sobre todas as questões da existência humana. A
Ciência era uma delas.
Filósofos como Tales, Pitágoras e Aristóteles eram, à luz da divisão atual de disciplinas,
também matemáticos, astrônomos, físicos.
OS FILÓSOFOS NATURAIS
Os primeiros filósofos gregos que, modernamente, receberam o nome de pré-socráticos
por serem anteriores a Sócrates e também por terem projetos filosóficos diferentes dos que
surgem com Sócrates e Platão, foram os primeiros “filósofos naturais” de que se tem registro.
Seu interesse era de desvendar a natureza e os processos naturais pelo uso da razão e não
mais através do mito e da crença religiosa como seus antecessores haviam feito. Esta
nomenclatura de filósofos da natureza foi usada até o século XIX, quando passou-se a chamar
estes pesquisadores de cientistas.
A principal questão para os filósofos naturais era saber o que estava por trás da
constituição de todas as coisas e como ocorriam todas as transformações que eles
observavam na natureza. O que constitui toda a matéria que conhecemos?
Por algum motivo eles tinham em mente que nada surge do nada e que algo primordial
deveria existir. Algo elementar que dava origem a tudo e era responsável por todas as
transformações que ocorrem na natureza.
Os três filósofos de Mileto, colônia grega na Ásia Menor, atual Turquia.
A9
• Tales (625 – 580 a.C.) – Foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o
marco inicial da filosofia ocidental. Considerava a água como substância elementar, aquela que
dava origem a todas as coisas. È possível que ele tenha chegado a esta conclusão devido a,
em suas muitas viagens, ter visto que após as cheias do rio Nilo a terra se renovava, a
vegetação crescia e tudo prosperava (GAARDER, 1995).
Deixou um legado muito importante para a geométrica, como: as demonstrações de que
os ângulos da base de dois triângulos isósceles são iguais; do teorema que diz que se dois
triângulos são iguais, quando têm dois ângulos e um lado respectivamente iguais entre si; de
que todo diâmetro divide um círculo em duas partes iguais; de que ao unir-se qualquer ponto
de uma circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo retângulo em
C, Fig. 1; também chamou a atenção de seus conterrâneos para o fato de que se duas retas se
cortam, então os ângulos opostos pelo vértice são iguais e que quando duas retas transversais
cortam um feixe de retas paralelas, as medidas dos segmentos correspondentes determinados
nas transversais são proporcionais, o que hoje chamamos de Teorema de Tales, Fig. 2.
Fig. 1: Segmentos em uma circunferência. Fig. 2: Proporcionalidade entre os segmentos.
• Anaximandro (610 – 547 a.C.) – Acreditava que o nosso mundo era apenas mais um
dos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nessa alguma coisa que é o infinito16.
Acreditava em um elemento primordial, mas não definiu que elemento era este, talvez por
acreditar que fosse algo completamente diferente do que dele se criava, logo, não poderia ser
um elemento tão trivial como a água.
• Anaxímenes (550 – 526 a.C.) – Para ele o ar era a substância primordial que dava
origem aos demais elementos, água (quando mais comprimido), terra (se comprimido ao
extremo) e fogo (se rarefeito ao máximo).
Estes filósofos embora discordassem quanto à “substância primordial” (que constituía a
essência do universo), concordavam no que dizia respeito à existência de um “princípio único"
para essa natureza primordial.
16 Não sabemos o que Anaximandro entendia por infinito.
A10
• Pitágoras de Samos (570 – 497 a.C.) – Foi um filósofo e matemático grego, fundou
uma escola mística e filosófica, o pitagorismo, cujos princípios foram determinantes para
evolução geral da matemática e da filosofia ocidental. Os principais enfoques, dessa escola,
eram: harmonia matemática, doutrina dos números e dualismo cósmico essencial. Aliás,
Pitágoras foi o criador da palavra "filósofo". Segundo o pitagorismo, a essência, que é o
princípio fundamental que forma todas as coisas é o número. Os pitagóricos não distinguem
forma, lei e substância, considerando o número o elo entre estes elementos. Para esta escola
existiam quatro elementos: terra, água, ar e fogo.
• Parmênides da ilha de Eléia. (540 – 480 a.C.) – Para ele, o mundo sempre existiu e
considerava qualquer transformação real das coisas como impossível. As transformações
aparentes que vemos seriam “ilusões dos sentidos” que, ele como filósofo, deveria desvendar.
Pode-se classificá-lo como um racionalista, pois, apesar de todas as impressões que tinha do
mundo, acreditava unicamente em sua capacidade de raciocínio, em sua razão.
• Heráclito de Éfeso (540 – 480 a.C.) – Ao contrário de Parmênides, ele acreditava na
fluidez da natureza. Tudo está em constante transformação no mundo, “tudo flui”.
Existiria, assim, uma razão universal que a tudo dirige, o logos (razão). Para Heráclito
tudo está colocado no mundo aos pares antagônicos: claro e escuro, bem e mal, fome e
plenitude, sede e saciedade, sendo que tais opostos se complementam.
• Empédocles (494 – 434 a.C.) – Acreditava que tanto Parmênides quanto Heráclito
tinham razão. Um único elemento não poderia se transformar em outro. Para ele, haviam
quatro elementos básicos. As diferentes combinações deles teriam dado origem a tudo que
existe. Havia ainda duas forças básicas: o amor17 que une e a disputa que afasta.
Ele diferencia Elementos básicos de forças básicas da natureza, da mesma forma que
fazemos até hoje.
• Anaxágoras (500 – 428 a.C.) – Admita diversas partículas elementares e invisíveis ao
qual denominava germens. Para ele todas as coisas podem ser divididas em elemento cada
vez menores e, até mesmo nas menores coisas, “Há um pouco de tudo em tudo”.
Afirmou que a Lua não tem luz própria e que o Sol não era um deus e sim uma massa
incandescente.
• Demócrito (460 – 370 a.C.) – Para ele, as partículas elementares eram como pedrinhas
minúsculas, indivisíveis e eternas que ele chamou de “átomos” (indivisíveis), isto pois: 1º - se
fossem divisíveis a matéria se diluiria eternamente até sumirem completamente; 2º - se não
fossem eternas, haveria a possibilidade de algo surgir do nada. Para possibilitar as diversas
transformações percebidas na natureza, essas partículas tinham que ser de várias formas,
possibilitando assim diversas combinações.
17 Não entender por amor o sentimento que hoje conhecemos por este nome, mas como uma força de coesão da natureza.
A11
Com sua teoria atômica, Demócrito coloca, temporariamente, um ponto final na filosofia
natural grega. Com isso concordou com Heráclito de que na natureza “tudo flui”, devido às
diversas transformações que observamos, ao mesmo tempo que, em parte, aceitou
Parmênides no sentido de que há algo que permanece eterno e imutável, os átomos.
Apesar de toda evolução científico-tecnológica alcançada nos dias de hoje, ainda
procuramos uma partícula elementar, o “átomo de Demócrito”, só que agora com nomes e
características diferentes como quarks, bósons etc., ou seja, ainda buscamos o elemento
responsável pela criação de todas as coisas. A idéia de um mundo formado por partículas
elementares ainda domina nossa mente, até a energia e a luz são constituídas de pacotes
(“partículas”) de energia, os quantum.
Com Demócrito, a proposta filosófica dos filósofos naturais dá uma pequena pausa,
retornando após Sócrates e Platão com Aristóteles, que teve uma atuação filosófica muito
vasta e que abrangia, além das pesquisas da natureza, os estudos sobre a ética, política,
metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, entre outros temas. Nesse período em que
surgem Sócrates e Platão havia se iniciado em Atenas um novo foco de atenção dos filósofos
que é o próprio homem e sua posição na sociedade.
SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES, OS PILARES DA FILOS OFIA OCIDENTAL.
Atenas se tornou o centro cultural grego. Com o desenvolvimento paulatino de uma
democracia onde o povo era chamado a participar de assembléias e tribunais, tornou-se cada
vez mais necessário instruir ido povo porém , na democracia Grega (demo = povo e kracia =
governo), nem todos podiam participar. A participação política era restrita a 10% dos habitantes
da cidade. Ficavam excluídos da vida pública, entre outros, estrangeiros residentes em Atenas
(os chamados metecos), escravos e mulheres.
É nesse novo aspecto social que surgem os grandes representantes da filosofia
Ateniense:
• Sócrates (470 – 399 a.C.) – Filósofo ateniense, um dos mais importantes ícones da
tradição filosófica ocidental, e um dos fundadores da atual Filosofia Ocidental. Ele foi
moralmente, intelectualmente e filosoficamente diferente de seus contemporâneos atenienses.
Enquanto os filósofos pré-Socráticos procuravam responder à questões do tipo: "O que é
a natureza ou o fundamento último das coisas?" Sócrates, por sua vez, procurava responder à
questão: "O que é a natureza ou a realidade última do homem?"
Sócrates chegou a conclusão de que o homem é a sua alma - psyché, é a sua alma que o
distingue de qualquer outra coisa, dando-lhe, em virtude de sua história, uma personalidade
única. E por psyché Sócrates entende nossa sede racional, inteligente e eticamente operante,
ou ainda, a consciência e a personalidade intelectual e moral. Esta colocação de Sócrates
acabou por exercer uma influência profunda em toda a tradição européia posterior, até os dias
de hoje.
A12
O CONFLITO ENTRE HERÁCLITO E
PARMÊNIDES
Os pontos de vista de Heráclito e
Parmênides quanto a natureza intima das coisas
eram diametralmente oposto. Para Heráclito o ser
é a mudança, tudo está em constante movimento
e a estaticidade é uma ilusão, ele acreditava na
percepção dos sentidos; já na visão de
Parmênides o movimento é que é uma ilusão, pois
algo que é não pode deixar de ser e algo que não
é não pode passar a ser. Sendo assim, não há
mudança no real, apenas no mundo ilusório dos
nossos sentidos.
Sócrates defendeu a imortalidade da alma e que teria recebido, em certo momento de
sua vida, uma missão especial do deus Apolo, a defesa do logos18 apolíneo "conhece-te a ti
mesmo".
A sua grande máxima, “tudo que sei é que nada sei”, expressa o seu saber de que, por
mais que tenha conhecimento, há sempre muito mais a se aprender.
Diz-se que Sócrates acreditava que as idéias pertenciam a um mundo que somente os
sábios conseguiam entender, fazendo com que o filósofo se tornasse o perfeito governante
para um Estado. Essa mesma idéia seria posteriormente modificada e utilizada por seu
discípulo Platão.
A atuação de Sócrates se realizava nas praças e locais públicos de Atenas, onde se
dedicava ao que ele próprio chamava de “dar a luz às idéias”. O método socrático consistia de
uma prática baseada em perguntas, respostas e mais perguntas em que, utilizando um
discurso caracterizado pela maiêutica (levar uma pessoa, por seu próprio raciocínio à solução
de sua dúvida) e pela ironia, levava o seu interlocutor a entrar em contradição, para levá-lo a
chegar à conclusão de que o seu conhecimento é limitado.
Podemos imaginar que, com isso, ele tenha irritado muitos pseudo-sábios de sua época,
fato que culminou com a sua condenação à morte por envenenamento.
• Platão (427 – 347 a.C.) – Filósofo grego, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles,
fundador da Academia, escola fundada por volta de 387 a.C. junto a um jardim a noroeste de
Atenas em que segundo a tradição pertencera a uma personagem mitológica, o guerreiro
Academos. Lá eram debatidos todos os temas do saber até então conhecidos: matemática,
geometria, história, música, astronomia, além da própria filosofia e se praticava também
exercícios físicos regularmente.
Sua filosofia é de grande importância e
influência para o mundo ocidental. Platão
ocupou-se com vários temas, entre eles
Ética, Política, Metafísica e Teoria do
Conhecimento.
O problema que Platão propôs-se a
resolver foi a tensão entre as idéias de
Heráclito e Parmênides. Em linhas gerais,
Platão desenvolveu a noção de que o
homem está em contato permanente com
dois tipos de realidade: a inteligível e a
sensível. Para Platão, o mundo concreto
percebido pelos sentidos, mundo sensível, é
18 Razão.
A13
uma pálida reprodução do mundo das Idéias, mundo perfeito, abstrato que seria a morada da
alma. Cada objeto concreto que existe está no mundo sensível e é apenas uma cópia
imperfeita do que se encontra em perfeição no mundo das idéias. Por exemplo, existem
diversos cavalos diferentes no mundo sensível, porém todos são reconhecidos como cavalos
por existir, no mundo das idéias, o ideal de cavalo imutável, perfeito e que independe de
qualquer outra característica física mutável.
Para Platão o formato, cavalo é o que há de eterno e imutável e que reside no mundo das
idéias. Já as diversas aparências, cores, defeitos etc. representam a parte fluida e mutável do
mundo sensível. Ele não elege um elemento físico como básico. Eterno e imutável são os
modelos espirituais ou abstratos, a partir dos quais todos os fenômenos são formados.
• Aristóteles (384 – 322 a.C.) – Aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é
considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico.
Ele deixou contribuições fundamentais em diversas áreas do conhecimento humano,
destacando-se: Ética, Política, Física, Metafísica, Lógica, Psicologia, Poesia, Retórica,
Zoologia, Biologia, História Natural.
A pesar de discípulo de Platão, Aristóteles discordou de muitas das idéias de seu mestre.
Ele não acreditava em um mundo das idéias e outro mundo do sensível. Para ele, a “forma” era
o que garantia a essência de cada ser ou objeto. A “forma” cavalo é aquilo que confere a este
ser as características de relinchar, galopar e ter o formato que tem. Já as demais diferenças
que existe entre os cavalos estão ligadas ao que ele chamou de “substância” ou “matéria”.
Para ele, as “formas” ou “idéias”, se usarmos o termo platônico, não se encontram em um
mundo especial, à parte, mas dentro do próprio objeto ou ser formado por esta “forma” e
“substância”. Ou seja, ele acreditava que tudo está inevitavelmente unido, “forma” e
“substância”, assim como alma e corpo.
Outro ponto importante da Filosofia de Aristóteles é que a experiência sensível,
observação, seria o grau máximo de realidade para compreender a natureza, ao contrario de
Platão que vê na razão o grau máximo de realidade para este intento.
Aristóteles, ao lado de Sócrates e Platão, figura entre os mais influentes filósofos gregos.
Transformou a filosofia e mesmo o olhar da Ciência de seu tempo construindo um dos
principais fundamentos da filosofia ocidental. Suas idéias foram acolhidas pelo ocidente por
volta do Século XII19, e perduraram até o Séc. XVII, quando ocorre a revolução metodológica
iniciada por Galileu que promove a autonomia da Ciência e o seu desligamento da Filosofia
tornando-se uma área independente e com princípios próprios.
19 Os escritos de Aristóteles foram descobertos pelos europeus, através dos árabes, nos conflitos ocorridos durante as cruzadas. Com traduções muito impregnadas com as ideologias panteístas, doutrina segundo a qual o mundo é um conjunto de manifestações ou emanações de Deus, esses textos só foram aceitos pelo ocidente após as traduções feitas diretamente do grego por São Tomas de Aquino, obviamente adaptados às idéias do cristianismo (ARANHA E MARTINS, 1994).
A14
Ao apresentar uma nova forma de estudar a natureza, através de especulações que se
mostrem verificáveis experimentalmente, Galileu une a área do conhecimento conhecida como
técnica (Guerra et al, 1997), com o conhecimento teórico especulativo e a descrição
matemática de suas teorias.
FILOSOFIA DA CIÊNCIA OU EPISTEMOLOGIA
As especulações sobre a Ciência continuaram a fazer parte da filosofia, porém o seu
interesse recaiu sobre questões em torno à natureza do conhecimento, as limitações do
homem quanto a aquisição de conhecimento e como o homem deveria proceder para alcançar
este conhecimento. Mas, é somente no Século XX que se constituiu uma disciplina acadêmica
independente com um corpo profissional de investigadores. Esta é a área da Filosofia que
conhecemos como Teoria do conhecimento ou Epistemologia da Ciência e que se desenvolve
rapidamente com o surgimento de nomes como, Karl Popper, Thomas Kuhn e outros.
Epistemologia é uma palavra que vem do grego epistéme (‘Ciência’; ‘conhecimento’), + o
+ logia, (‘estudo’) e estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.
Pode-se dizer que a epistemologia se origina em Platão quando ele opõe a crença ou opinião
ao conhecimento. A crença é um determinado ponto de vista subjetivo. O conhecimento é
crença verdadeira e justificada. Este conhecimento consiste em descrever, explicar e predizer
uma realidade, isto é, analisar o que ocorre, determinar porque ocorre dessa forma e utilizar
tais conhecimentos para antecipar uma realidade futura. Este é um dos assuntos a ser
abordado nos próximos capítulos.
A15
CAPÍTULO III
O RACIONALISMO CARTESIANO E O EMPIRISMO BACONIANO
No período que conhecemos como Idade Média (Séc. V até o Séc. XV), todo
conhecimento científico estava vinculado à religião. A filosofia aristotélica ganhou força entre os
eclesiásticos até se tornar a única maneira aceitável de compreender a natureza. Isso ocorreu
porque esta filosofia apresentava características que favoreciam a manutenção da fé religiosa.
Aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, diversas
transformações em várias áreas da vida humana assinalam o final da Idade Média e o início da
Idade Moderna (a partir do sáculo XVI). A esse período deu-se o nome Renascimento ou
Renascença marcado por transformações bem evidentes na cultura, sociedade, economia,
política e religião, e significou uma ruptura com as estruturas medievais.
Em geral, o termo "Renascimento" é mais empregado para descrever seus efeitos nas
artes, na filosofia e nas ciências, em virtude da redescoberta e revalorização das referências
culturais da Antigüidade Clássica, que direcionou o movimento para um ideal humanista e
naturalista. Mas neste período há fortes mudanças econômicas devido às grandes
navegações, Mercantilismo, que trouxe tanto desenvolvimento comercial e expansão territorial,
quanto descobertas e novidades vindas das novas terras, além de uma grande necessidade de
desenvolvimento técnico.
Frente a tantas descobertas e mudanças, os intelectuais questionavam a antiga maneira
de pensar, que já não fornecia explicações satisfatórias para o novo mundo que começava a
florescer. Ocorre ainda a valorização da classe profissional dos “Práticos“ (Engenheiros) que
eram os responsáveis pelo grande desenvolvimento técnico desde a Idade Média. As práticas
técnicas destes homens começaram a despertar grande interesse dos intelectuais que viam a
necessidade de um conhecimento da natureza que fosse mais prático e útil à sociedade.
Impulsionados por este ideal surgem importantes pensadores como Francis Bacon
(1561–1626) e René Descartes (1596–1650).
Bacon e Descartes, ambos fortemente influenciados pelo grande desenvolvimento técnico
ocorrido em seu tempo e desapontados com a ineficiência do velho modo de pensar da filosofia
natural de sua época, elaboraram, cada um à sua maneira, as suas resposta às questões que
os afligiam.
A16
Francis Bacon (1561–
1626), político e filósofo
inglês, destacou-se com
uma obra onde a Ciência
era exaltada como
benéfica para o homem.
Em suas investigações,
ocupou-se especialmente
da metodologia científica e do empirismo, sendo
muitas vezes chamado de"fundador da Ciência
moderna".Sua principal obra filosófica é o Novum
Organum onde apresenta uma nova maneira de
se fazer Ciência.
FRANCIS BACON
Bacon acreditava que ao se afastar
todos os preconceitos, dogmas e “ídolos” do
trabalho de investigação, seria possível
realizar uma investigação pura e neutra,
única capaz de propiciar explicações
verdadeiras da natureza. Para ele, os
homens dedicados a estudar a natureza
deveriam seguir um método único em seus
trabalhos. Seguir rigorosamente esse
método proporcionaria as condições ideais
para o ’descortinar’ da natureza.
O método proposto por Bacon se
baseia em observações e registros dos
fenômenos onde, dos dados colhidos pelos
sentidos, elaboram-se as hipóteses sobre a natureza de determinado fenômeno. Após
elaboração e execução de experimentação e confirmação das hipóteses levantadas, de forma
reta e ordenada, chega-se aos princípios de máxima generalidade, conforme Fig. 3.
Bacon defendia que era fundamental que todos os resultados das pesquisas fossem
difundidos, assim outros pesquisadores poderiam tanto testar as proposições levantadas,
quanto prosseguir com trabalho já iniciado. Para Bacon, as leis universais capazes de explicar
a natureza só seriam alcançadas após longo e árduo trabalho coletivo. Algo tão importante não
poderia surgir de apenas um investigador solitário, mas da coletividade de pesquisadores.
Fig. 3 : Diagrama do método Científico Baconiano.
Caso as hipóteses não se confirmassem, voltaria-se a elaborar novas hipóteses que
seriam testadas experimentalmente.
Bacon argumentava que a experiência sensível da natureza era a principal e única fonte
A17
René Descartes (1596–
1650), filósofo, físico e
matemático francês.
Tornou-se reconhecido
sobretudo por seu trabalho
revolucionário na filosofia e
na Ciência, mas também
obteve reconhecimento matemático por sugerir a
fusão da álgebra com a geometria,fato que gerou
a geometria analítica e o sistema de coordenadas
que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma
das figuras-chave na Revolução Científica.
confiável de conhecimento. Apesar de valorizadas, a razão e a lógica, ocupavam um papel
secundário, seriam úteis apenas na análise e formulação teórica posterior às experimentações.
RENÉ DESCARTES
Em contrapartida temos a proposta de
Descartes. Esse pensador acreditava que o
conhecimento puro e perfeito só seria
possível por meio de dedução lógica, o uso
de uma razão treinada (ARANHA e
MARTINS, 1994). Assim como Bacon,
Descartes percebeu a necessidade de um
método que possibilitasse a descoberta dos
princípios que regem os processos naturais.
O método elaborado por Descartes,
inspirado em sua filosofia racionalista,
estava ligado às regras e preceitos da razão
treinada, necessárias ao desenvolvimento
lógico que possibilitaria alcançar o conhecimento último por detrás da realidade.
O seu método, chamado de racional-dedutivo, considera que a partir dos pressupostos
básicos estabelecidos a priori (anteriormente) pode-se conhecer a Natureza. O objeto da
investigação não precisa ser deduzido de nenhuma outra coisa senão da razão pura.
Ele desenvolveu regras para que não houvesse engano no processo dedutivo. O
‘substrato material’ que dá suporte a este empreendimento seria a matemática (aritmética e
geometria) (KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).
Simplificadamente, podemos apresentar o método cartesiano de investigação com os
seguintes passos ou preceitos:
1. Primeiro preceito: Regra da evidência - Receber escrupulosamente as informações,
examinando sua racionalidade e sua justificação. Em principio, duvida-se de tudo o que
é percebido, de forma a possibilitar a verificação da boa procedência daquilo que se
investiga. “Não aceitar como verdadeira alguma coisa sem a reconhecer evidentemente
como tal.”
2. Segundo preceito: Regra da análise - Dividir cada uma das dificuldades que se examina
em tantas partes quanto possível e necessário para reduzir variáveis e melhor resolver
o problema.
3. Terceiro preceito: Regra da síntese - Começar do mais simples, daquele que não é
passível de divisão, ao mais complexo.
4. Quarto preceito: Regra da verificação - Enumerar e revisar minuciosamente as
conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista. Através
A18
da ordem alcança-se um conhecimento verdadeiro.
Para Descartes, a experimentação não tem a mesma importância primordial e geradora
das leis e teorias, como o era para Bacon. Fundamentalmente, o papel dela é corroborar as
tais teorias.
PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE BACON E DESCARTES
Apesar das divergências fundamentais entre as filosofias de Bacon e Descartes, é
possível traçar paralelos entre ambas. Tanto Bacon como Descartes acreditavam na
capacidade humana de conhecer a verdade última por detrás da natureza e que era realmente
possível ao homem desvendar os mecanismos intrínsecos do funcionamento do mundo. Para
ambos, a palavra verdade era encarada na sua forma absoluta.
O conhecimento, para eles, deveria se mostrar útil à humanidade. O receio de que novos
enganos, como os cometidos no passado, voltassem a ocorrer fizeram com que esses
pensadores vissem a necessidade da existência de “um método” que garantisse que o
conhecimento adquirido, pelo empirismo para um e pela razão para o outro, fosse correto e
confiável. A principal divergência deles está justamente na questão do método e na maneira
como cada um acredita que o conhecimento se revela ao homem.
CRÍTICAS ÀS DUAS FILOSOFIAS
Tanto o empirismo-indutivo de Bacon como o racionalismo-dedutivo de Descartes
apresentam problemas cruciais na sua aceitação como regra de procedimento para o trabalho
da Ciência. Obviamente, esses problemas só foram percebidos pelos Filósofos da Ciência
posteriores a eles.
Começando pelo racionalismo dedutivo, quando se quer provar as proposições de uma
teoria, cai-se necessariamente em um de três casos: em uma regressão infinita, em um círculo
vicioso ou em proposições indemonstráveis.
Para podermos provar uma teoria de forma dedutiva ela deve ser deduzida a partir de
premissas. Se quisermos basear a teoria em premissas que não pertencem à própria teoria, o
que seria desejável, essas poderiam ser provadas ou não. Para provar uma premissa sempre
precisaremos de alguma outra que justifique esta, sendo assim sempre existirá algo a ser
provado (regressão infinita).
Podemos pensar em uma teoria em que todas as premissas são aprovadas a partir de
outras já existentes dentro da própria teoria. Sendo assim não há como confirmar a validade
desta teoria que se baseia em si mesma (ciclo vicioso). Do contrário teremos que elaborar uma
teoria apoiada em premissas indemonstráveis. Nesse caso não há como confirmar a validade
dessas premissas para avaliar a coerência dessa teoria.
Essa analise nos mostra que é impossível chegar a conclusões totalmente confiáveis,
logicamente falando, através de métodos unicamente dedutivos. Contrariando assim o que
A19
David Hume (1711-1776)
filósofo e historiador
escocês. Foi juntamente
com Adam Smith e
Thomas Reid, entre outros,
uma das figuras mais
importantes do chamado
iluminismo escocês. É visto por vezes como o
mais radical dos chamados empiristas
britânicos. A influente filosofia de Hume é
famosa pelo seu profundo ceticismo.
acreditava Descartes não se pode chegar às “verdades universais” pelo simples uso da razão.
Já o empirismo indutivo de Bacon, também apresenta problemas. Primeiro na questão da
indução como meio de se obter leis universais e segundo na impossibilidade de se ter uma
investigação experimental neutra, imparcial e livre de pressupostos teóricos, uma vez que o
próprio processo de isolar variáveis para controlar um fenômeno necessita de algum
conhecimento a priori por parte do pesquisador.
Começando pela questão do indutivismo,
David Hume (1711-1776), grande defensor do
empirismo, toma como ponto principal da critica
que faz à indução a impossibilidade de inferir
qualquer coisa que transcenda ao produto da
experiência.
Para ele, do ponto de vista lógico, não é
possível assegurar a validade de um enunciado
geral a partir de enunciados singulares, pois
sempre pode existir a possibilidade de uma
refutação futura, não considerada.
Por mais comprovado que seja um
enunciado científico não se pode provar sua veracidade, pois, com toda certeza, este pode
mostrar-se falível futuramente e ser objeto de correção, ou descarte (SILVEIRA, 1996). Para
ele,
“[...] embora não exista meio de demonstrar a validade dos
procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal
que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de
tais procedimentos indutivos. Como estes procedimentos parecem ter
legitimidade prática, o homem os adota. Sem embargo, isto não quer
dizer que falte fundamentação racional para as leis científicas, que elas
não se apóiem na lógica e na experiência, embora ultrapassem tanto
uma como outra, dado seu caráter de generalidade irrestrita.” (MAGEE,
1973, p.23, apud, KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002, p.3).
Por exemplo, só porque todos os pombos que vimos durante a vida são brancos
(observações pontuais) não podemos dizer que só existem pombos brancos (enunciado geral),
pois sempre poderá surgir um pombo negro em algum momento.
A questão da causalidade é uma noção muito criticada por Hume. Segundo ele é possível
dizer que uma pedra cai ao solo por força da gravidade, porém nunca experimentamos esta lei,
A20
o que experimentamos é o fato de as coisas caírem e não as causas que as fazem cair. O que
nos é cabível perceber é o fato de um acontecimento se suceder temporalmente ao outro, mas
não podemos estabelecer o nexo causal entre o segundo e o primeiro. Daí a sua tese de que a
indução, na verdade se deve a questões psicológicas humanas e não a realidade dos fatos
(HUME, 1973).
Já quanto à questão da neutralidade na investigação cientifica, podemos dizer que toda
observação investigativa já está impregnada de idéias a priori. Quando realizamos uma
observação com intuito da descoberta, a fazemos dentro de certos parâmetros controlados, por
exemplo, se formos analisar a queda de um corpo, o faremos tentando minimizar a resistência
do ar, usaremos um cronômetro, já nos preocuparemos com o sincronismos entre os
detectores. Todas essas preocupações representam conceitos estabelecidos previamente,
anteriores a experiência realizada.
Na História da Ciência, temos alguns bons exemplos de como as interpretações de
observações científicas estão impregnadas de conceitos e concepções a priori.
A representação feita por Galileu Galilei (1564-1642) de suas observações da superfície
lunar, com o auxilio de sua luneta, apresenta uma clara distinção daquelas feitas por um de
seus contemporâneos. O Astrônomo inglês Thomas Harriot,(1560-1621) realizou as mesmas
observações que Galileu apenas poucos meses antes, no entanto, a sua representação da Lua
é claramente distinta das dele. Observemos as Figs. 4 e 5 a seguir.
Fig. 4 : Representação da Lua feita por Galileu. Fig. 5 : Representação da Lua feita por Harriot.
A Fig. 4 mostra claramente as crateras da lua, já a Fig. 5 apresenta algo mais parecido
com manchas no solo da Lua. Para o historiador Samuel Y. Edgerton Jr., “[...] Harriot não
dispunha de condições para interpretar a geografia da Lua sem o treinamento artístico que teve
Galileu” (REIS et ali, 2006).
Ainda a respeito da Lua de Galileu, Christoph Clavius (1538-1612), decano de
matemática do Colégio Romano, não teve a mesma interpretação que Galileu quanto à
superfície irregular da Lua. Embora Clavius tivesse confirmado as observações de Galileu, ele
divergia de suas interpretações para os fatos observados. “Em especial, Clavius ainda estava
A21
fortemente ligado às idéias de Aristóteles e não conseguia aceitar que a Lua tivesse relevo
irregular. Em vez disso supunha que sua superfície era lisa e tinha regiões de densidade
variada” (MACLACHLAN, 2008, p.54).
Outro exemplo simples é o dos trabalhos de investigação das ondas eletromagnéticas
realizado por Heinrich Hertz, em 1888. Se ele estivesse totalmente livre de preconceitos ao
fazer suas observações, então seria obrigado a:
“[...] registrar não apenas as leituras nos vários medidores, a
presença ou ausência de faíscas nos vários locais críticos nos circuitos
elétricos, as dimensões do circuito etc., mas também a cor dos
medidores, as dimensões do laboratório, a meteorologia, o tamanho de
seus sapatos e todo um elenco de detalhes “claramente irrelevantes”,
isto é, irrelevantes para o tipo de teoria na qual Hertz estava interessado
e que estava testando” (CHALMERS, 2001).
Um dos motivos pelo qual a concepção empirista-indutivista parece ter ficado tão
profundamente arraigada à investigação científica é que os cientistas a utilizaram como critério
de demarcação entre Ciência e não Ciência. Criou-se o mito de que o conhecimento científico
derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e confiável porque é provado.
Conforme vimos, o uso da palavra “provado” não é muito apropriada, pois, logicamente, não há
como comprovarmos a validade universal de nenhum enunciado, seja por indução ou pelo uso
da razão.
Sendo assim o que nos resta é o que chamamos de “princípios de impotência”
epistemológicos que, conforme mencionado no capitulo I, são parâmetros muito importantes
para se ter uma noção menos ingênuas do trabalho científico (MARTINS, 1999).
Ao percebermos que as leis físicas de conservação são princípios de impotência, fica
muito mais simples de se perceber a importância dos princípios de impotência epistemológicos.
Relembrando os princípios de impotência epistemológicos, temos que:
1. O ser humano não possui a capacidade de reconhecer, intuitivamente a verdade;
2. É impossível se construir uma Ciência puramente dedutiva;
3. A indução não tem justificativa lógica.
Não há no homem nenhum sentido que garanta a este o conhecimento da verdade ou o
reconhecimento da falsidade de uma proposição. Assim como não há, segundo Hume,
nenhuma base filosófica que apóie generalizações a partir de uma série de observações.
Podemos citar como uma confusão resultante das idéias ingênuas da ciência, o “rótulo”
empirista que muitos livros trazem do trabalho de Galileu.
Ele se colocou claramente contra o caráter da filosofia Aristotélica vigente à sua época
A22
propondo uma pesquisa científica baseada em experimentações e em formulações
matemáticas para descrever suas idéias. Apesar disso, ele não baseava seu trabalho nos
moldes experimentais de Bacon, que foi seu contemporâneo, assim como Descartes. Galileu:
“Não acreditava que a natureza seria revelada ao homem
exclusivamente por meio de exaustivas experiências. Seu modo de
estudá-la era um pouco mais complexo. Ao pensar em realizar
experimentos, Galileu não desejava simplesmente coletar dados.
Procurava também analisar o fenômeno estudado de forma a elaborar
uma analise quantitativa que mostrasse relações matemáticas entre as
diferentes grandezas escolhidas para a investigação” (BRAGA et al,
2004).
Sendo assim, Galileu desenvolveu uma metodologia completamente diferente de Bacon e de
Descartes, uma vez que não se baseou apenas na experimentação ou na razão, mas em
ambas.
A23
CAPÍTULO IV
DO MECANICISMO AO CIENTIFICISMO
Desde os antigos gregos até Newton, a busca da filosofia natural era alcançar a
compreensão sobre a verdade última da Natureza. Neste intuito, os filósofos tinham como
questão principal a ser respondida: como tornar possível ao homem alcançar a verdade?
Em busca desse propósito trabalharam, dentre muitos outros filósofos da Natureza:
Bacon, Descartes, Galileu e o próprio Isaac Newton (1642–1727). Todos desenvolveram
maneiras ou metodologias para descortinar os princípios intrínsecos da Natureza.
Bacon e Descartes desenvolveram filosofias que restringiam o trabalho de pesquisa a um
único e fundamental princípio, respectivamente, o empirismo e o racionalismo. Já os trabalhos
de Galileu e Newton apresentam maneiras diferenciadas de investigar e compreender esta
mesma Natureza.
Galileu, como já foi mencionado no capítulo anterior, Não era um empirista como Bacon e
nem um racionalista como Descartes. Ele acreditava que estas ideologias filosóficas
isoladamente não eram capazes de realizar o intento da ciência.
Assim como Galileu, Newton baseou seu trabalho tanto na coleta de dados, quanto na
análise racional do fenômeno, procurando elaborar relações matemáticas entre as diferentes
grandezas escolhidas para a investigação.
Os Principia20 (1687) possuem um caráter mais teórico-matemático com características
bem mais racionalistas que em sua outra grande obra intitulada Óptica (1704). Nessa obra
percebemos um Newton mais experimental e bem menos matemático (BRAGA et al, 2004).
Nos Principia, Newton estabelece um novo método de trabalho por meio das “Regras de
Raciocínio em Filosofia”, estabelecendo parâmetros para que o trabalho de investigação da
natureza se mostre frutífero e confiável. As regras são:
• Não se devem atribuir à natureza mais causas do que as que sejam verdadeiras e
bastem para explicá-la21;
• Os efeitos naturais de mesma espécie têm as mesmas causas;
• As qualidades corporais que se verificam dentro da nossa experiência devem ser
julgadas como qualidades universais aplicáveis a todos e quaisquer corpos;
• Proposições que se baseiam em experiências devem prevalecer sobre aquelas que não
20 Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. Escrito em latim por Newton, por isto chamamos apenas de Principia. 21 Percebemos aqui o princípio de parcimônia que já encontramos no Século XIV em William de Ockha (1285–1347), Monge Franciscano, filósofo da lógica e teólogo escolástico inglês. Este princípio é conhecido como princípio de Ockhan ou Navalha de Ockhan que afirma que “Dentre duas hipóteses distintas que explicam bem um mesmo fenômeno devemos escolher sempre a mais simples.”.
A24
Immanuel Kant (1724–1804)
Filósofo alemão considerado
como o último grande filósofo
do princípio da era moderna,
indiscutivelmente um dos
seus pensadores mais
influentes.
Realizou numerosos trabalhos sobre ciência.
Operou, na epistemologia, uma síntese entre o
Racionalismo continental de René Descartes e a
tradição empírica inglesa de Francis Bacon e
David Hume.
se basearam.
Estas regras são tão importantes quantos as suas quatro leis da Física clássica (as três
leis da mecânica mais a lei de gravitação universal) e que tem servido de parâmetro para o
estabelecimento de metodologias de investigação em diversas ciências.
A sua obra influenciou decisivamente gerações de filósofos e cientistas que se seguiram
dando o arcabouço teórico que faltava ao conhecimento de filosofia natural de sua época. O
grande sucesso de suas teoria fez crescer ainda mais a certeza no poder da razão humana,
que já vinha se desenvolvendo desde o início da Idade Moderna.
A culminância dessa nova maneira de ver o homem e sua relação com ele mesmo e com
a natureza aconteceu no Século XVIII, que ficou conhecido como o Século das Luzes ou
Iluminismo.
A marca característica do Iluminismo é a vitória da razão sobre os dogmas religiosos que
limitavam o conhecimento humano. O racionalismo e o empirismo dão o substrato filosófico
dessa reflexão. A justificativa do poder da razão veio das idéias claras e distintas de Descartes
e a valorização da experimentação foi levantada por Bacon, Galileu e Newton entre outros.
Essas duas concepções foram capazes de dar aos pensadores desta época a “certeza” de que
é possível ao homem conhecer.
Mas nem tudo eram Luzes, o problema do indutivismo colocado por Hume, fez com que
um dos filósofos mais importantes do Iluminismo, Immanuel Kant (1724-1804), ficasse
profundamente inquieto. Ele considerava as ponderações de Hume irrefutáveis, porém não as
podia aceitava.
IMMANUEL KANT
Por volta de 1770, com 46 anos, Kant
leu a obra de David Hume. Ficou tão
intrigado com as argumentações dele que,
durante 10 anos não publicou nada. Mas,
em 1781, apresentou a solução de sua
dúvida na obra "Crítica da Razão Pura", um
dos livros mais importantes e influentes da
moderna filosofia.
O trabalho filosófico de Kant foi
influenciado pelo racionalismo francês
(Descartes), pelo empirismo inglês (Francis
Bacon e David Hume) e pela ciência físico-
matemática de Isaac Newton. As questões
que preocupavam Kant eram a dicotomia
criada entre o racionalismo e o empirismo, que disputavam o título de única maneira confiável
A25
de se alcançar a verdade sobre a natureza e o ceticismo criado por Hume quanto à capacidade
de conhecer do homem.
Perceberemos que, a partir de Kant, o foco do trabalho dos filósofos da ciência, deixou de
ser a busca do melhor “método” para se alcançar o conhecimento. Eles passaram a se
preocupar com o próprio conhecimento. Suas questões mais fundamentais passam a ser: “Qual
o verdadeiro valor do conhecimento? O que é conhecimento?”. A própria idéia de conhecer a
verdade última dos fenômenos, nutrida pelos filósofos da natureza desde a Grécia antiga,
também cai por terra com Kant.
Para Kant, nenhum conhecimento precede a experiência, mas nem por isso todo ele se
origina da experiência. O nosso conhecimento é um composto daquilo que recebemos por
impressões e daquilo que temos em nossa própria faculdade de conhecimento. Tanto os
sentidos como a razão fazem parte do processo de investigação e, portanto, não há sentido na
experiência sensível sem conhecimento a priori.
Kant antecipou um tema recorrente entre os filósofos da ciência do século XX: qualquer
experimento é antecedido por pressupostos; o cientista está sempre armado com teorias.
"Todo o nosso conhecimento é impregnado de teoria, inclusive nossas observações" (Popper,
1975, p. 75).
Para Kant existem juízos analíticos, que são os conhecimentos que temos a priori, antes
mesmo da experiência sensível e que não se alteram após a experiência. A idéia de tempo e
de espaço são exemplos de juízos analíticos.
Exemplo: Os corpos são extensos; O conceito de extensão já faz parte do conceito de
corpo, portanto, é um juízo analítico.
Para ele a própria geometria euclidiana também representava um conhecimento direto
sendo, portanto, a priori ou juízo analítico (DAHMEN, 2006).
É nos juízos analíticos de espaço, tempo e na geometria euclidiana que Kant se apoiava
para, sobre estes parâmetros, estruturar os conhecimentos adquiridos pela experiência,
denominados juízos sintéticos.
Exemplo: Os corpos têm peso; o conceito de peso não está contido no de corpo.
Concluindo, todo juízo analítico é a priori e todo juízo sintético é a posteriori.
Kant acreditava que não é possível para o homem compreender a realidade por trás dos
fenômenos, a coisa-em-si (noumenon). Apenas é dado ao homem condições de perceber o
que os fenômenos mostram, a coisa-para-nós. Ao pensar desta forma ele estava concordando
com Hume no que tange ao problema de não termos a capacidade de induzir leis gerais de
experiências sensíveis pontuais. Porém, ao afirmar que o conhecimento é obtido através da
elaboração racional do homem, concordava com o racionalismo. O conhecimento nasce com a
experiência, porém é formatado pela razão humana.
A26
Seguido este raciocínio, conclui-se que ao observarmos um fenômeno, o que nos chega
aos nossos sentidos não é um retrato fiel da realidade, mas apenas o que nossa razão é capaz
de interpretar, dentro das formas da sensibilidade que são o tempo e o espaço. Sendo assim,
não é dado ao homem condições de conhecer a tão procurada verdade última por trás dos
fenômenos naturais.
Notas de aula (Braga, 2007)
Fig. 6 : Esquema simplificado da visão de Kant sobre a aquisição de conhecimento.
No diagrama da Fig. 6 observamos o nomenon ou a-coisa-em-si, o conhecimento
intangível ao homem, a natureza como ela é realmente. Esta natureza se apresenta aos
nossos sentidos e é interpretada de acordo com os nossas formas da sensibilidade. De posse
dessas observações e interpretações formulamos nossos conceitos e princípios donde criamos
a-coisa-para-nós, ou seja, concluímos o que é aquele fenômeno e a que classificações do
conhecimento o enquadramos.
Fazendo uma analogia simples, para Kant, a razão age como um óculos de lente
vermelha que nos faz ver os objetos com coloração avermelhada. Ao tentarmos interpretar o
que vemos, iremos dizer que os objetos são vermelhos, a coisa-para-nós. Porém eles não o
são, mas o que eles são, a coisa-em-si, não nos é possível perceber.
Dessa forma, podemos pensar em Kant como um filósofo relativista na medida em que
este não se debruça sobre idéias absolutas e imutáveis do conhecimento, mas sim em
conceitos adquiridos na experiência sensível de uma realidade em constante transformação.
Nessa categoria colocamos também o empirismo de Hume, uma vez que suas idéias sobre a
indução é que influenciaram Kant em seu Criticismo lógico.
Com isso chegamos ao Século XIX, período marcado por um desenvolvimento técnico e
científico nunca visto antes.
No século anterior, a certeza de que a razão iria levar a humanidade à superação de seus
problemas e ao desenvolvimento dominava o mundo acadêmico. No Século XIX, esta fé na
capacidade humana toma as ruas e domina a sociedade.
A27
Isidore Auguste Marie
François Xavier
Comte (1798–1857) filósofo
francês, propositor da
Sociologia e o fundador do
Positivismo.
Seu interesse pelas ciências
naturais era conjugado pelas questões históricas e
sociais. Ele pensou a ciência de forma objetiva,
clara e livre de qualquer subjetividade ou idéia que
não fosse passível de comprovação experimental.
A revolução industrial ocorrida no Século XVIII foi marcada pelo desenvolvimento técnico
do homem em dominar os fenômenos térmicos em seu proveito. Este domínio ocorreu de
maneira puramente empírica, todo o conhecimento teórico sobre o funcionamento das
máquinas térmicas só veio a ocorrer 100 anos depois do início da mesma.
Já o século XIX é marcado por uma inversão total nesta ordem de acontecimentos. Este é
um período de grande fertilidade científica e, como a indústria era a grande alavanca de
crescimento, o desenvolvimento dos modelos teóricos para as maquinas térmicas e as grandes
descobertas ocorridas no campo da eletricidade e do magnetismo, rapidamente se revertiam
em melhorias técnicas e novos equipamentos para a indústria.
Apenas um ano após Michael Faraday (1791-1867) apresentar sua teoria da indução
eletromagnética à Royal Institution, os primeiros motores elétricos já eram fabricados.
É neste meio que surge outro pensador que marcaria fortemente o pensamento ocidental.
AUGUSTE COMTE
Desde o Século XVII que os filósofos
imaginavam uma ciência livre de
explicações que envolvessem causas ou
agentes ocultos, impossíveis de serem
experimentalmente testados. Um dos
primeiros filósofos naturais a se preocupar
com essas questões foi Newton, que
afirmava não tecer hipóteses que não
fossem comprovadas pela experimentação.
Os filósofos iluministas tomaram posse
dessa idéia e a transformaram em
“bandeira” ideológica para as ciências.
Nesse período, a fé na razão e no conhecimento científico era tão grande que se desenvolveu
o que ficou conhecido como cientificismo, concepção segundo a qual a ciência é a única capaz
de fornecer conhecimento legitimo e o seu “método” o único capaz de possibilitar a obtenção
desse conhecimento.
Mas ainda faltava uma reflexão filosófica mais elaborada. Foi nesse sentido que Auguste
Comte, na primeira metade do Século XIX, desenvolveu uma filosofia que abordava
fundamentalmente este aspecto da ciência. No Curso de Filosofia Positiva, série de 6 volumes
de livros escritos entre1830 e 1842, Comte desenvolveu a filosofia positivista.
A28
O termo positivo designa o real em oposição ao ilusório, a certeza em oposição à
indecisão, ou seja, aquilo que se opõe ao modo teológico ou metafísico22 de explicar o mundo.
Segundo o positivismo o espírito humano deve reconhecer a impossibilidade de obter
noções absolutas, renunciando a procura da origem e o destino do universo ou a conhecer as
causas íntimas dos fenômenos e preocupar-se unicamente em descobrir suas leis e suas
relações invariáveis e semelhanças sucessivas entre eventos particulares. O positivismo
retoma o trabalho desenvolvido pelos empiristas do século XVII. Admite a critica feita por Kant
ao uso da metafísica nas explicações cientificas, no século XVIII, e leva às últimas
conseqüências o papel reservado à razão na busca das leis invariáveis que regem os
fenômenos. E, nesse ponto, torna o determinismo científico23 uma das questões decisivas para
a legitimidade de uma teoria ou proposição da ciência.
Para Comte, a ciência deveria zelar e garantir a marcha progressiva da sociedade. O
progresso humano dependeria diretamente da questão de ordem e de sistematização dos
saberes.
É curioso perceber que, mesmo sendo influenciado pelo pensamento iluminista, a sua
idéia de ordem e progresso pode ser considerada como uma reação conservadora a revolução
francesa, onde o lema era liberdade, igualdade e fraternidade.
Partindo da percepção histórica do progresso humano, Comte formulou a Lei dos Três
Estados. Observando a evolução das concepções intelectuais da humanidade, percebeu que
esta evolução passa por três estados teóricos diferentes: o estado 'teológico', o estado
'metafísico' ou 'abstrato' e o estado 'positivo', onde:
• No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, deuses;
• No segundo, já se encontra o uso da razão, mas ainda há a presença do sobrenatural
nos fundamentos das explicações científicas, metafísica;
• No terceiro, os fatos são explicados segundo leis gerais de ordem inteiramente positiva
sem o uso de idéias que não sejam comprovadas através da experiência.
Nesse período histórico, vivia-se uma época de classificações e especializações no
conhecimento humano. Comte idealizou então, para o conhecimento humano, a existência de
apenas seis áreas da ciência e determinou que cada uma delas, como eram criações
humanas, estavam sujeitas as três etapas da evolução.
De maneira ordenada, indo da menos complexa para a de maior complexidade temos: a
Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia e a Sociologia.
22 O filósofo Andrônico de Rodes (~ 130 - 60 a.C.) que ao organizar os escritos de Aristóteles (65 a.C.), o fez de forma que, espacialmente, aqueles que tratavam de temas relacionados à Física (Physis) viessem antes dos outros temas relacionados à ética e à política, entre outros semelhantes. Assim, eles vinham além da física (Meta = depois, além). Neste sentido, a metafísica é algo intocável, que só existe no mundo das idéias sem existência real no mundo físico. Aristóteles mesmo nunca utilizou esta palavra. 23 Um dos critérios de avaliar a validade de uma teoria é a capacidade de prever novos fenômenos ou novos aspectos relacionados a esta teoria.
A29
Notas de aula (Braga, 2007)
Fig. 7: Diagrama de aumento do grau de complexidade das Ciências, segundo Comte.
Observemos a Fig. 7. Para Comte, quanto mais complexa a área da ciência menos ela
está ligada a deduções lógicas para seu desenvolvimento e mais necessita da indução para o
seu avanço. Dessa forma a matemática seria a ciência menos complexa, por ser puramente
dedutiva, já a sociologia representa a mais complexa das ciências, uma vez que trabalha com o
intricado mundo do próprio ser humano e suas relações interpessoais.
Tomando como exemplo a Física, temos o período teológico marcado pela determinação
do deus Sol, deus Lua etc. na explicação dos fenômenos naturais. O estágio metafísico é bem
representado pela ciência grega, onde as explicações dos fenômenos eram dadas pelos
elementos da natureza e por tendências naturais dos corpos de irem a seu lugar natural, teoria
aristotélica dos movimentos naturais (reveja o capítulo 2).
A etapa positiva da Física se iniciou com o espírito de pesquisa de Galileu. Galileu não se
ocupou de explicações infrutíferas da origem dos fenômenos, se atendo apenas em explicar o
seu funcionamento, as leis que regem tais eventos.
Podemos perceber claramente a influência positivista em nossa maneira de pensar e agir
ainda hoje. A própria forma com que somos educados é uma maneira positivista de ver a
educação das ciências. O modo linearmente ordenado e progressivo com que são
apresentados os conhecimentos, eliminando os percalços históricos e filosóficos do
desenvolvimento cientifico, a eliminação de quaisquer idéias subjetivas nas elaborações das
teorias e a idéia de uma ciência neutra política e socialmente são exemplos da herança
positivista no ensino de ciências.
Diferentemente das ciências humanas, os alunos de áreas cientificas podem formar-se e
trabalhar com ciências sem nunca ter lido uma só linha de um livro escrito pelos fundadores de
tal ciência. Quantos alunos de graduação em Física já leram alguma coisa escrita pelo próprio
Newton ou por quaisquer outros cientistas?
Estudamos em livros didáticos preparados especialmente para que não tenhamos
conhecimento de todos os erros cometidos, de todas as incertezas, e da utilização de conceitos
A30
metafísicos por estes cientistas. Perpetua-se, assim, a idéia ingênua de que a ciência é
objetiva, imparcial e livre de idéias de caráter não racional.
Uma rápida analise histórica da vida desses cientistas nos mostra claramente que o
trabalho da ciência é cheio de altos e baixos, de abstrações, erros, acertos e, sim, de idéias
inventivas e criativas, nem sempre fáceis de serem comprovadas experimentalmente.
A31
CAPÍTULO V
A CIÊNCIA NA VIRADA DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
No Século XIX o conhecimento científico-tecnológico desenvolveu-se com uma
abrangência e velocidade nunca antes vista. É nesse século que a Ciência desenvolvida por
Galileu, Descartes e Newton se consolida e atingem o seu auge. Se os séculos XVII e XVIII
foram os séculos do desenvolvimento da mecânica, a ponto da natureza ser imaginada como
uma máquina, o Século XIX foi o século do eletromagnetismo.
Graças aos trabalhos do dinamarquês Hans Christian Ørsted (1777-1851), do francês
André-Marie Ampère (1775-1836) e, principalmente, dos britânicos Michael Faraday (1791-
1867) e James Clerk Maxwell (1831-1879) a luz, a eletricidade e o magnetismo foram
unificados na teoria eletromagnética, o que levou o desenvolvimento tecnológico a níveis
impensáveis no período da primeira revolução industrial. É nesse momento histórico que nasce
o conceito de campo (elétrico, magnético, eletromagnético) que encontrou forte resistência
entre aqueles que defendiam a ação à distância.
As áreas da Física também apresentaram descobertas e desenvolvimentos
extraordinários. A questão da natureza intrínseca da matéria era um dos temas que mais
intrigavam os físicos do final do Século XIX. Curiosamente, após tantas discussões filosóficas a
respeito de não se buscar as causas últimas das coisas e sim se ater à descrição de como o
mundo funciona, os físicos desse século voltam a fazer às mesmas perguntas que os antigos
gregos se faziam.
Nessa tentativa de descobrir a natureza da matéria, muitos trabalhos foram realizados. O
alemão Wilhelm Roentgen (1845-1923), investigando os raios catódicos, anunciou, em 1895, a
descoberta de uma nova radiação, que denominou raios X, o francês Henri Becquerel (1852-
1908) descobridor do fenômeno da radiatividade, 1896. Outros feitos importantes foram à
descoberta do elétron pelo inglês Joseph John Thomson (1856-1940) em 1897.
A crença na Ciência, ao final do Século XIX era tão grande que permitiu ao renomado
físico britânico William Thompson, Lorde Kelvin (1824-1907), afirmar que quase todas as
questões já haviam sido respondidas, apenas algumas “nuvens” pairavam no céu da Física.
Na realidade, havia mais problemas a serem resolvidos do que a fé pretensiosa do Lorde
Kelvin permitia aceitar. As grandes dúvidas existentes ao final do século XIX e início do século
XX estavam relacionadas: à estrutura da matéria, à radiação (onda ou partícula), ao efeito
fotoelétrico, à interação entre matéria e radiação, à questão da luminescência, e ao espectro de
emissão luminosa (MARTINS, 2001).
A32
No final do século XIX, o estudo de alguns desses problemas e as tentativas de continuar
a unificar a Física desencadearam novos campos de pesquisa, como a Física Relativística e
Física Quântica.
“O primeiro passo no desenvolvimento da teoria quântica foi dado
por Max Planck, há cem anos - mais exatamente, em 1900. Nos
primeiros anos do Século XX, a teoria quântica começou a resolver
diversos problemas: a radiação do corpo negro foi explicada por
Planck; Einstein utilizou a teoria quântica para explicar o efeito
fotoelétrico e o calor específico dos sólidos; e Bohr desenvolveu um
modelo atômico quântico que explicou o espectro descontínuo emitido
pelos átomos. Mas esses primeiros passos eram apenas um início.
Apenas na década de 1920 a teoria quântica se transformou na
Mecânica Quântica, com uma compreensão mais profunda da
dualidade onda-partícula, graças a De Broglie, Schrödinger,
Heisemberg, Bohr e outros. A teoria quântica nos permitiu
compreender muitos fenômenos importantes, como a estrutura de
átomos e moléculas (que forma a base de toda a química), a estrutura
de sólidos e suas propriedades, a emissão e absorção de radiações.
Apenas através da teoria quântica podemos compreender alguns dos
mais importantes fenômenos da Física” (MARTINS, 2001).
Ambos as campos de pesquisa surgidos dessas “nuvens” de dúvidas do final do século
XIX, foram responsáveis por uma verdadeira revolução científica e filosófica que mudaria toda
a visão de mundo das gerações seguintes.
A idéia da relativização do tempo e do espaço com relação a velocidade de
deslocamento, a descontinuidade da matéria, a desconstrução das certezas na visão de uma
Ciência probabilística influenciaram, além do meio científico, a filosofia e as artes.
EINSTEIN E A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA EM SUA OBRA
O relacionamento de Albert Einstein (1879-1955) com a filosofia já é bem conhecido e
está relatado em inúmeros trabalhos (KARAM, 2006; DAHMEN, 2006; LUIZ O.Q. PEDUZZI,
2008). Já aos 16 anos ele havia lido as três principais obras de Kant. Na universidade, leu os
principais trabalhos de Mach (1838-1916), Schopenhouer (1788-1860) entre outros. Depois da
graduação, montou com dois amigos a “Academia Olympia”, um pequeno “círculo” de estudos
e debates científico-filosóficos em que eram discutidas as obras de Hume, Mach, Pearson
(1857-1936) e Poincaré (1854-1912) além de diversos temas contemporâneos que os
interessavam (KARAM, 2006).
A33
Ernst Mach (1838-1916)
físico e filósofo austríaco. De
1864 a 1867 foi professor de
matemática em Graz. Depois
(1867-95) lecionou física na
Universidade de Praga.
Suas obras filosóficas e científicas exerceram
profunda influência no pensamento do Séc. XX.
Mach defendeu uma concepção positivista onde
nenhuma proposição das Ciências naturais é
admissível se não for verificável empiricamente.
Estas discussões filosóficas influenciaram o jovem Einstein na elaboração de seus artigos
de 1905. A influência empirista é muito marcante no trabalho de Einstein, levando-o a rejeitar a
existência do Éter, uma substância que a tudo permeia e que seria responsável pela
propagação das ondas eletromagnéticas. Essa substância apresentava uma característica
muito peculiar e se mostrava como um elemento metafísico para aqueles que se esforçavam
em expurgar da ciência tais idéias sem comprovação empírica.
Encontramos em textos escritos por
Einstein uma grande importância dada às
obras de Hume e Mach. Hume o influenciou
fortemente com a questão da causalidade
onde, empiricamente, experimentamos os
efeitos ou fenômenos, mas não as leis que
descrevemos como causas desses
fenômenos. Já Ernst Mach, ao afirmar que
um cientista não deve tentar explicar o
mundo, mas apenas descrevê-lo e que todo
conhecimento científico é constituído de
abstrações construídas pelos cientistas,
baseadas em suas percepções sensoriais. A
obra de 1905 de Einstein está muito claramente ligada às idéias desses dois pensadores. Ao
descrever os fenômenos da luz fazendo uso da idéia da constância da sua velocidade, que era
algo impensável em termos de postulado na época, Einstein acolhe as críticas de Mach sobre a
livre abstração na criação das teorias, aceitando apenas a utilização de conceitos possíveis de
serem observados.
Em sua maturidade Einstein começa a apresentar uma postura de ruptura com o
Empirismo. É possível fazer a diferenciação filosófica de suas primeiras obras, onde assume o
empirismo positivista como ideologia de trabalho e abandonando especulações inobserváveis,
com seus últimos trabalhos.
“[...] Já foi sugerido que a negação clara do empirismo por
Einstein foi uma reação psicológica às pesadas críticas à relatividade
escritas por Mach e publicadas após a sua morte” (MARTINS, 1981, p.
106, tradução nossa).
O próprio Einstein tece criticas a aspectos da filosofia de Mach que em sua juventude
aceitava como inspiradores. Em uma carta escrita a seu amigo Michel Besso ele aponta sua
opinião quanto ao principal erro de Mach:
A34
“Mach defendeu que todos os conceitos, mesmo os mais
fundamentais, só poderiam existir se viessem de nosso conhecimento
empírico, ou seja, eles nunca seriam logicamente necessários... Eu
vejo um erro neste ponto de vista, uma vez que ele crê que a Ciência é
uma mera ordenação de material empírico; dessa forma, ele não
reconhece a liberdade presente na construção e formação dos
conceitos científicos. Mach acredita que estes sejam descobertos e não
inventados. Ele foi tão longe que chegou a considerar as “sensações”
não apenas como material a ser investigado, mas como se elas
mesmas fossem os tijolos do mundo real; dessa forma ele acreditou
que poderia superar a diferença entre Física e Psicologia. Se ele fosse
até às últimas conseqüências de seu pensamento, deveria não só
rejeitar o atomismo como a própria idéia de realidade física”
(EINSTEIN, 1948, apud KARAM, 2006, p. 4).
Também tece criticas a David Hume afirmando:
“Aquilo que vou dizer torna-se então mais claro: Hume, por sua
crítica lúcida, possibilita um progresso decisivo da filosofia. Mas causa,
sem responsabilidade de sua parte, um real perigo, porque esta crítica
suscita um “medo da metafísica” errado, por realçar um vício da
filosofia empírica contemporânea. Este vício corresponde ao outro
extremo da filosofia nebulosa da antiguidade, quando ela pretendia
poder dispensar os dados sensíveis, ou até mesmo desprezá-los”
(EINSTEIN, 1998, p. 47).
Einstein também critica o racionalismo de Platão e o de Descartes e afirma que é na
filosofia de Kant que identifica um nítido progresso para resolver o clássico embate entre
racionalismo e empirismo. Apesar dessas considerações, ele também apresenta suas críticas à
filosofia kantiana.
Para Einstein, transformar conceitos do campo empírico em conceitos necessários cria o
risco de dar a eles uma existência independente e a ilusão de que devem ser vistos como
imutáveis, o que pode vir a representar um sério perigo para o progresso da Ciência.
Com o advento da teoria da relatividade, a epistemologia de Kant recebeu um forte golpe.
As bases da estruturação do conhecimento de Kant, conhecimentos a priori ou juízos analíticos
deixam de ser conhecimentos universais e se mostram como características relativas ao estado
de movimento do observador.
A35
O espaço e o tempo absolutos de Newton, que formavam as bases seguras para Kant,
passam a ser um conceito unificado de espaço-tempo que se mostra relativo. Logo, ambos não
são idéias universais e não podem servir de base a priori para a compreensão do
conhecimento empírico. Além disso, o universo não mais é representado pela geometria
euclidiana, o “senso comum” não é mais capaz de interpretar as novas idéias sobre a natureza,
o que colocou em xeque as bases da filosofia kantiana.
Einstein era um realista, acreditava na existência de um mundo externo independente de
nossa percepção. Para ele, as teorias da ciência seriam livres invenções do pensamento em
que se pode chegar a uma resposta correta em meio a inúmeros modelos teóricos, mas estes
devem representar a realidade e a ela se adaptarem.
“Conceitos nada mais são que construções livres, associadas
intuitivamente a complexos de experiências sensíveis com um grau de
segurança suficiente para uma dada aplicação, de modo a não restar
dúvidas quanto à aplicabilidade ou não de uma lei para um particular
caso vivenciado (experimento)... Com esta liberdade não se vai porém
muito longe; não se trata aqui de algo semelhante a liberdade de um
romancista,mas sim muito mais a liberdade de um homem a quem foi
proposto um bem concebido jogo de palavras cruzadas. Ele pode, na
realidade, sugerir qualquer palavra como solução, mas só há uma que
realmente soluciona a charada como um todo” (EINSTEIN, 2006).
Curiosamente podemos perceber uma postura filosófica inconsistente de Einstein ao
tratar a mecânica newtoniana e a mecânica quântica (DAHMEN, 2006). Einstein, em sua crítica
à mecânica newtoniana, censura sua incapacidade de se livrar de conceitos absolutos de
espaço-tempo, crítica inicialmente lançada por Mach. Porém, em relação à mecânica quântica
ele censura, justamente, sua incapacidade de fazer previsões determinísticas.
Talvez por assumir uma posição ainda presa às idéias determinísticas tal como
imaginadas por Laplace24 (1749-1827), é que alguns autores vêem Einstein não como o
primeiro dos físicos modernos, mas como o último dos físicos clássicos.
Talvez possamos afirmar, correndo o risco de sermos levianos, que o maior legado
deixado por Einstein em termos filosóficos seja a visão relativística de tempo e espaço. A
postura assumida por Einstein no final de sua carreira nos remete a pensar se realmente
24 Seguindo a tradição mecanicista instaurada por Galileu e Newton, Laplace via na ciência de seu tempo a possibilidade de vislumbrar todas as ocorrências passadas ou futuras do universo estando de posse das suas condições iniciais apresentando uma forma extrema de causalidade mecanicista, o determinismo. Veja o box sobre “O Demônio de Laplace”.
A36
O DEMÔNIO DE LAPLACE
Experimento mental concebido pelo físico Pierre Simon Laplace que representa sua crença em
um determinismo absoluto nas leis científicas. Nesse experimento, ele imaginou um intelecto
superior, um semideus onisciente e onipresente que possui a habilidade de fazer cálculos incríveis e
têm acesso às variáveis que determinam o estado inicial do universo em um instante inicial t0.
Segundo a teoria de Laplace, esse ser, posteriormente denominado de “O Demônio de
Laplace”, seria capaz de prever o comportamento futuro e passado, os movimentos dos maiores
corpos do universo e dos menores átomos; para tal intelecto nada seria incerto. Passado e futuro
seria presente perante seus olhos.
existe um padrão de trabalho que faça com que os pensadores das diversas Ciências
alcancem o conhecimento sobre a natureza.
De certa forma, podemos fazer um paralelo da trajetória filosófica de Einstein e
Newton no que tange à irregularidade epistemológica. Guardadas as devidas diferenças,
ambos não se prenderam a uma metodologia “engessada”. Ambos se mantiveram fiéis aos
princípios científicos que particularmente acreditavam.
Nos próximos capítulos veremos que ainda há muito a se discutir sobre este assunto.
A37
Karl Raimund Popper
(1902-1994) filósofo da
ciência austríaco
naturalizado britânico. É
considerado por muitos como
o filósofo mais influente do
Século XX a tematizar a
ciência.
Foi também um filósofo social e político de
estatura considerável, um grande defensor da
democracia liberal e um oponente implacável do
totalitarismo. Ele é talvez melhor conhecido pela
sua defesa do falsificacionismo como um critério
da demarcação entre a ciência e a não-ciência, e
pela sua defesa da sociedade aberta.
CAPÍTULO VI
PRINCÍPIOS DE VERIFICABILIDADE DAS TEORIAS CIENTÍFI CAS E OS CRITÉRIOS DE DEMARCAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E NÃO-CIÊNCIA
Com o advento da teoria da relatividade de Einstein e a revolução quântica, início do
Século XX, o positivismo recebe um duro golpe e se instaura um estado de insegurança no
campo do conhecimento e a necessidade de reavaliação do conceito de ciência, dos critérios
de certeza, da relação ciência-realidade e da validade dos modelos científicos (ARANHA e
MARTINS, 1994).
Nessa tentativa de repensar a ciência, surgem pensadores que voltam seus olhares para
esse sentido, como é o caso dos participantes do Círculo de Viena. Esse grupo foi formado em
1928, tendo como principal integrante Carnap (1891-1970). A proposta central dos integrantes
do grupo era que a experiência deve ser transcrita em forma de proposições que são
verdadeiras enquanto exprimíveis e possuem significado enquanto mensuráveis. Os autores do
Circulo de Viena representam a tendência neopositivista ou do empirismo lógico.
A partir desse momento histórico-filosófico a epistemologia muda de direção indo em
busca de critérios de demarcação entre o que é científico e o que deve ser considerado não-
científico. Além da determinação de parâmetros que avaliem, dentre duas ou mais teorias
rivais, aquela que apresenta maior cientificidade.
Um autor de grande importância para a epistemologia do Século XX, e que sofreu
inicialmente grande influência de Carnap, foi Karl R. Popper.
KARL POPPER
Popper defendia que os cientistas não
deveriam se preocupar com a justificação de
suas teorias, mas com o levantamento de
possíveis refutações das mesmas. Para ele,
as teorias científicas sempre serão
conjecturas provisórias que, enquanto
resistirem às tentativas de refutação,
permanecerão apenas como as proposições
mais aceitáveis.
Ele defendia ainda que não seria
possível confirmar a veracidade de uma
teoria simplesmente pela constatação de
que suas previsões se verificaram. Uma
A38
teoria que possui experimentos que a confirmam deverá permanecer apenas como uma teoria
ainda não contrariada pelos fatos. Porém deverá ser eliminada, caso ela seja negada por
algum teste experimental ou lógico. Conforme já visto, não é possível chegar a leis e teorias
universais por deduções lógicas apenas com base em observações pontuais verdadeiras. Por
outro lado, é possível realizar deduções lógicas partindo de proposições singulares como
premissas, para chegar à falsidade de leis e teorias universais por dedução lógica.
Por exemplo, “Todos os planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do Sol” é uma
proposição científica, universal porque afirma que os planetas de fato se movem em elipses e
elimina órbitas que sejam quadradas, por exemplo. No momento que uma órbita diferente da
elíptica é observada, observação pontual, a proposição de Kepler torna-se falsa.
O valor científico de uma teoria é avaliado por Popper através de sua abrangência e pelo
grau de falsificabilidade apresentada pela mesma. Quanto mais geral for a teoria, maior o seu
poder explicativo, além disso, o fato de ser mais abrangente a torna mais facilmente refutável,
ou seja, seu valor científico aumenta. Por exemplo, ao avaliarmos as duas proposições que se
seguem, exemplo usado por A. Chalmers (2001), a proposição 2 apresenta uma amplitude de
atuação muito maior que a proposição 1, e também se apresenta muito mais facilmente
passível de ser contestada.
1) Não há vida em Marte
2) Não há vida fora do planeta terra
Ao afirmarmos que não há vida fora da Terra estamos tirando a possibilidade de vida em
qualquer outro planeta, o que torna a proposição mais abrangente que a 1. Porém, ao mesmo
tempo, a proposição é mais vulnerável. Se for detectada a vida em qualquer outro planeta que
não a Terra, esta proposição será refutada, sendo assim, a proposição 2 apresenta maior
“valor” científico que a 1.
Popper utiliza, ainda, a refutabilidade como critério de demarcação entre o que é científico
e o que não passa de especulação, ou seja, a possibilidade de refutação de uma teoria
determina sua validade como científica. O que não pode ser refutado não deve ser entendido
como proposição de valor para a ciência.
Embora não se considerasse um positivista, podemos identificá-lo claramente mais
próximo desta via de pesquisa do que da tradição metafísica ou dedutiva. Ele mesmo cunhou o
termo "Racionalismo Crítico" para descrever a sua filosofia. Esta designação é um indício da
sua forte crítica e rejeição do empirismo clássico e do indutivismo na ciência.
Para Popper a verdade última da natureza é inalcançável. No entanto devemos nos
aproximar dela por tentativas e o estado da ciência sempre será provisório, pois ela é feita por
A39
teorias que podem ser refutadas futuramente, colocando em cheque todo o conhecimento
adquirido.
CRITICAS AO FALSIFICACIONISMO
A ciência não repousa sobre um sólido leito firme de pedras. A estrutura de suas teorias
se encontra erguida sobre terreno arenoso em que fincamos estacas o mais firme que
podemos para que resistam, ao menos por algum tempo. A base empírica de uma ciência
objetiva não é, exatamente “absoluto” (CHALMERS, 2001).
Sabemos que uma teoria deve ser experimentalmente testada, porém há algo mais
envolvido no processo, algo além daquelas afirmações que constituem a própria teoria. Ela, a
experiência, terá que ser auxiliada por conhecimentos anteriores a ela, tais como leis e teorias
governando o uso de qualquer instrumento usado, por exemplo. É exatamente o fato de as
proposições de observação serem falíveis e sua aceitação apenas temporárias e aberta à
revisão, que derruba a posição falsificacionista.
“Às teorias não podem ser conclusivamente falsificadas porque as
proposições de observação que formam a base para a falsificação
podem se revelar falsas à luz de desenvolvimentos posteriores.
Falsificações conclusivas são descartadas pela falta de uma base
observacional perfeitamente segura da qual elas dependem”
(CHALMERS, 2001, p.92).
Um bom exemplo histórico, usado por Chalmers (2001), é a observação de Galileu e a
sua descrição quanto às luas de Júpiter. Os opositores de Galileu insistiam em que as
manchas que ele tinha interpretado como Luas eram aberrações atribuíveis ao funcionamento
do telescópio. Contra estas acusações ele se defendeu argumentando que, se as luas fossem
aberrações, então deveriam aparecer luas perto dos outros planetas também.
Outro exemplo, também apresentado por Chalmers (2001), diz respeito à questão das
órbitas da Lua e posteriormente a de Mercúrio.
“Nos primeiros anos de sua vida, a teoria gravitacional de Newton
foi falsificada por observações da órbita lunar. Levou quase cinqüenta
anos para que essa falsificação fosse desviada para outras causas que
não a teoria. Mais tarde em sua vida, a mesma teoria foi tida como
inconsistente com os detalhes da órbita do planeta Mercúrio, embora
os cientistas não abandonassem a teoria por essa razão. Concluiu-se
que nunca foi possível explicar essa falsificação de um modo que
protegesse a teoria de Newton” (CHALMERS, 2001, p.97 e 98).
A40
Thomas Samuel Kuhn
(1922-1996) físico
Americano cujo trabalho
tornando-se um marco
importante no estudo do
processo que leva ao
desenvolvimento científico.
Formou-se em Física em 1943, em Harvard.
Recebeu desta mesma instituição o grau de
Mestre em 1946 e o grau de Doutor em 1949,
ambos na área de Física. Após o Doutoramento
lecionou uma disciplina de Ciências para alunos
de Ciências Humanas em Harvard, disciplina que
o obrigou a familiarizar-se com História da
Ciência. Este fato o levou a se interessar pela
historia e pela filosofia da ciência.
Uma teoria não pode ser conclusivamente falsificada, porque há possibilidade de que
alguma parte da complexa situação do teste seja responsável por uma previsão errada e não a
teoria em teste (CHALMERS, 2001).
THOMAS KUHN
Segundo Kuhn, a ciência se
desenvolve percorrendo determinadas
fases. A primeira representa o
estabelecimento de um paradigma25, uma
teoria que se mostrar eficiente e abrangente
o suficiente para responder o maior número
de questões possíveis sobre os fenômenos
estudados. Seria nada mais que uma
“macroteoria” aceita de forma geral por toda
a comunidade científica, ou grande parte
dela, e a partir do qual se realiza a atividade
científica, onde o objetivo seria ampliar esta
teoria ao máximo possível.
A segunda fase é o estado de ciência
normal, em que o paradigma vigente é bem
sucedido em todos os casos em que é
solicitado. Podem ocorrer pequenas falhas em alguns casos, o que Kuhn chama de anomalias
que, porém, não comprometem o paradigma.
A fase de crise é aquele em que problemas sérios, ou uma grande quantidade de
anomalias, compromete a credibilidade da teoria/paradigma. Nessa etapa é que, a comunidade
científica envolvida no paradigma, em geral, tenta de todas as formas salvar tal teoria.
A última fase representa a etapa de quebra do paradigma vigente, o que Kuhn chamou de
revolução científica, onde se estabelece uma nova teoria mais abrangente capaz de responder
às questões antigas e àquelas que a anterior havia falhado, ou seja, estabelece-se um novo
paradigma. Em geral, a nova teoria nasce de indivíduos ou grupos que não compartilham
diretamente da comunidade científica do paradigma que está em decadência.
Dentro da idéia de paradigma e ciência normal de Kuhn, a passagem do paradigma
newtoniano para o einsteniano pode ser tomada como exemplo. Einstein se encontrava fora da
comunidade acadêmica quando estabeleceu sua teoria revolucionária.
25 Podemos tomar como referências de paradigmas científicos, a Mecânica Newtoniana, a Relatividade de Einstein e a teoria quântica.
A41
Para Kuhn existe uma "incomensurabilidade" entre os paradigmas. A natureza diversa de
cada paradigma os faz incompreensíveis mutuamente se tentarmos entender a segunda em
termos da primeira. Não se pode entender plenamente a Mecânica einsteniana se nos
mantivermos presos ao tempo e espaço absolutos da teoria de Newton.
Segundo ele a ciência não é apenas um jogo entre razão e experiências sensíveis.
Existem questões sociais e ideológicas, há diálogo, debate, tensões e lutas entre os
defensores de distintos paradigmas. As mencionadas revoluções, como o nome já nos faz
imaginar, não ocorrem pacificamente, pois a aceitação de um novo paradigma em substituição
ao anterior é muito difícil e demorada.
Tal fato demonstra que os cientistas não são só racionais, objetivos, pois nem a eles é
possível afastar-se de todos os paradigmas e compará-los de forma objetiva. Tais cientistas
sempre estão imersos em um paradigma e interpretam o mundo conforme os princípios do
mesmo.
Thomas S. Kuhn percebeu que o estudo das ciências estava atrelado a uma perspectiva
formalista, que apenas levava em conta a lógica do desenvolvimento científico.
Havia uma outra perspectiva, a historicista em que a ciência é entendida como uma
atividade concreta que se dá ao longo do tempo e que em cada época histórica apresenta
peculiaridades e características próprias.
Apesar de defender que a ciência se constrói historicamente, Kuhn proclamou que um
bom ensino de ciências seria aquele pautado no fortalecimento dos jovens no paradigma
vigente e no treinamento dos mesmos na resolução de problemas já solucionados pela ciência.
Ele chegou a afirmar que o ensino de Historia e Filosofia da Ciência só deveria ser ministrado
às mentes já maduras no conhecimento científico, pois ao colocar os neófitos em ciência em
contato com as controvérsias, erros, confusões e oscilações da historia científica poderia
enfraquecê-los em suas convicções.
Kuhn mencionou alguns critérios que poderiam ser usados para avaliar se uma teoria é
melhor que uma teoria rival. Eles incluem:
• Precisão de previsão, especialmente da previsão quantitativa;
• Equilíbrio entre os assuntos esotéricos (conhecidos apenas pelos especialistas) e os
cotidianos;
• Número de problemas diferentes resolvidos;
• Simplicidade, escopo e compatibilidade com outras especialidades.
Estes critérios constituem os valores da comunidade científica e representam, em última
análise, valores psicológicos ou sociológicos.
A42
CRITICAS A TEORIA KUHNIANA
Kuhn é bastante criticado em suas teorias, por contemporâneos como o próprio Popper.
Algumas das criticas direcionadas a ele dizem respeito ao caráter relativista de suas
idéias, onde os critérios demarcatórios da ciência estão atrelados a cada comunidade científica
em particular, ao caráter sociológico e psicológico da mesma.
Outra critica forte diz respeito à aparente parcimônia com que Kuhn descreve as quebras
de paradigma, sem mencionar o embate que ocorre entre a nova e a antiga teoria, até que se
estabeleça a melhor. Enquanto análise sociológica, que é básica dentro do relato de Kuhn, ele
oferece pouca coisa à guisa de teoria e não oferece qualquer sugestão de como distinguir as
formas aceitáveis e as inaceitáveis de ciência para se alcançar um consenso.
A43
Irme Lakatos (1922-1974)
filósofo da matemática e da
física, formado pela
Universidade de Debrecen
em 1944. Ele se tornou um
communista ativo durante a
Segunda Guerra Mundial.
Depois da guerra continuou seus estudos
doutorando-se na Universidade de Debrecen em
1948. A filosofia da matemática de Lakatos foi
inspirada por Hegel, pela dialética de Marx, pela
teoria do conhecimento de Karl Popper bem como
o trabalho do matemático George Polya.
CAPÍTULO VII
OS PROGRAMAS DE PESQUISA E O PLURALISMO METODOLÓGIC O
Como vimos no Capítulo V, a teoria de Popper traz a idéia de que os cientistas deveriam
eliminar imediatamente uma teoria quando provas inegáveis de refutação surgissem contra ela,
ou seja, assim que ela fosse comprovadamente negada deveria ser substituída por outra teoria
mais completa. No entanto, para Kuhn, a ciência consiste de períodos de ciência normal, em
que os cientistas trabalham seguindo um paradigma, grande teoria, buscando expandi-la ao
máximo até que, com o surgimento de dificuldades conceituais graves, é abandonada e
substituída por uma outra tão diversa desta primeira que ambas sejam mutuamente
incomensuráveis26.
IRME LAKATOS
A grande contribuição de Lakatos para
a filosofia da ciência foi a harmonização
desses dois pontos de vista contraditórios,
resolvendo o conflito entre a percepção
falsificacionista de Popper e a estrutura da
ciência revolucionária de Kuhn.
Para Lakatos, o que chamamos de
"teorias" são na verdade grupos de teorias
ligeiramente diferentes que compartilham
algumas idéias que são sua base, o que
chamou de núcleo forte. A mecânica
Newtoniana é um exemplo de núcleo forte
em que diversas outras teorias menores se
apóiam.
A esses grupos ele deu o nome de Programas de pesquisa. Os cientistas que
participaram de um programa tenderão a proteger o núcleo teórico forte, de todas as tentativas
de refutação. Eles desenvolvem, então, o chamado cinturão protetor, formado por teorias
auxiliares que protegem o núcleo forte de ataques. Dessa forma, são as teorias do cinturão
protetor que ficam sujeitas as críticas, desviando a atenção para elas e isolando o núcleo forte.
Em vez de perguntar se uma hipótese é verdadeira ou falsa, Lakatos perguntava se um
26 A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de compará-los objetivamente de maneira a concluir que um é melhor do que o outro.
A44
programa de investigação é progressivo ou degenerativo. Um programa de investigação
progressivo é marcado pela sua capacidade de crescimento, juntamente com a descoberta de
novos fatos. Um programa degenerativo de investigação é marcado pela falta de crescimento,
com estagnação teórica, o que a leva a não geração de novos fatos.
Lakatos, também, apresentou "regras metodológicas" que orientam sobre a heurística
negativa, caminhos a serem evitados no processo de investigação e sobre a heurística positiva,
instruções sobre os caminhos que os cientistas participantes devem seguir para o sucesso do
programa de pesquisa.
Se um programa de investigação se mostra degenerativo e enfrenta perigo de ser
refutado, ele pode ser substituído por outro mais progressivo. Para Lakatos, é isto que
acontece nos períodos de revolução, na epistemologia de Kuhn, porém não de maneira
imediata como este último deixa transparecer.
Da mesma forma, podemos perceber com clareza alguns pontos de semelhança das
idéias de Popper na epistemologia de Lakatos, obviamente guardadas as devidas modificações
conceituais. A idéia de refutação também existe em Lakatos, porém de forma distinta à do
falsificacionismo. Ele admite que as teorias não são abandonadas imediatamente após uma
refutação.
Na verdade, para Lakatos, a comunidade científica envolvida em um programa de
pesquisa tenta proteger ao máximo o núcleo forte do programa e não será uma simples
refutação isolada que os fará abandoná-lo. Para ele, um programa de pesquisa nunca é
abandonado pelos seus seguidores sem antes um esforço imenso para tentar salvá-lo.
Lakatos criou uma alegoria para exemplificar esta idéia:
“A história é sobre um caso imaginário de mau comportamento
planetário. Um físico da era pré-einsteiniana toma a mecânica de
Newton e sua lei da gravidade, N, como as condições iniciais aceitas, I,
e calcula, com sua ajuda, o percurso de um pequeno planeta
recentemente descoberto, p. Mas o planeta desvia-se do percurso
calculado. Por acaso, nosso físico considera que o desvio era proibido
pela teoria de Newton, e, portanto, que, uma vez estabelecido, refuta a
teoria N? Não. Ele sugere que deve haver um desconhecido planeta p’,
que perturba o percurso de p. Ele calcula a massa, órbita etc. de seu
hipotético planeta e pede então a um astrônomo experimental que teste
sua hipótese. O planeta p’ é tão pequeno que mesmo os maiores
telescópios disponíveis não podem observá-lo; o astrônomo
experimental pede uma verba de pesquisa para construir um ainda
maior. Em três anos o novo telescópio está pronto. Se o desconhecido
A45
Paul Karl Feyerabend
(1924-1994) filósofo da
ciência austríaco. Tornou-se
famoso pela sua visão
anarquista da ciência e por
sua suposta rejeição da
existência de regras
metodológicas universais.
É uma figura influente na filosofia da ciência, e
também na sociologia do conhecimento científico.
Para alguns uma grande mente da epistemologia,
para outros um perigo às convicções da ciência.
planeta p’ for descoberto será uma nova vitória para a ciência
newtoniana. Mas não é. Nosso cientista abandona a teoria de Newton
e sua idéia de um planeta perturbador? Não. Ele sugere que uma
nuvem de poeira cósmica esconde-nos o planeta. Calcula a localização
e as propriedades dessa nuvem e pede uma verba de pesquisa para
mandar um satélite testar seus cálculos. Se os instrumentos do satélite
registrarem a existência da nuvem, o resultado será visto como uma
notável vitória para a ciência newtoniana. Mas a nuvem não é
descoberta. O nosso cientista abandona a teoria de Newton, junto com
sua idéia do planeta perturbador e a idéia da nuvem que o esconde?
Não. Ele sugere que há algum campo magnético naquela região do
universo que perturbou os instrumentos do satélite. Um novo satélite é
enviado. Se o campo magnético for encontrado, os newtonianos
celebrarão uma vitória sensacional. Mas ele não é. Isto é visto como
uma refutação da Física newtoniana? Não. Uma outra engenhosa
hipótese auxiliar é proposta ou a história toda é enterrada nos valores
empoeirados de publicações periódicas e a história nunca mais será
mencionada” (Lakatos, 1974, p. 100-101).
Na alegoria criada por Lakatos, percebemos que as leis de Newton são preservadas a
todo custo e para isso criam-se diversas teorias auxiliares, que formam o cinturão protetor.
A força do programa de pesquisa é muito grande no íntimo dos cientistas que nele estão
envolvidos e abandonar velhos conceitos é algo extremamente difícil. Outro pensador que
também apresenta o trabalho científico como estando intimamente influenciado pelas
concepções arraigadas dos seus integrantes é Paul Feyerabend.
PAUL FEYERABEND
Feyerabend inicia seu trabalho com a
suposição de que historicamente não existe
um método científico universal, uma vez
que os pontos de vista científicos não
garantem conclusões completamente
confiáveis que surjam de um método
universal. A idéia de uma metodologia
rígida a ser seguida, limita as atividades
dos cientistas e dessa maneira restringe o
progresso científico.
A46
Para ele o sucesso dos cientistas está tradicionalmente envolvido com elementos não-
científicos, tais como inspiração que tem como ponto de partida pensamentos míticos ou fontes
religiosas.
Feyerabend defendeu ser a ciência uma atividade humana anárquica em sua essência.
Não há uma única regra metodológica que, mesmo coerente e bem fundamentada
epistemologicamente, não tenha sido quebrada em algum momento da História da Ciência.
Essas violações são necessárias para o progresso da Ciência. Os grandes saltos que se
verificam na história da Física só aconteceram porque alguém decidiu transgredir regras
metodológicas (MASSONI, 2005).
Ele defende o que chamou de “anarquismo epistemológico” como a oposição a um
princípio único, absoluto e fechado para o trabalho científico, se colocando contrário a tradições
rígidas que determinam padrões universais de validade para as teorias científicas. Para ele, a
única abordagem que não inibe o progresso é “tudo vale”. Esta expressão determina sua
postura de concordância com uma metodologia pluralista onde o cientista em operação decide
a melhor maneira de proceder para o tipo de trabalho que pretende realizar.
Feyerabend propõe que a ciência deve optar pela contra-indução, no lugar da indução.
Feyerabend admitiu, assim como Lakatos, que por vezes para a manutenção de uma
teoria os cientistas lançam mão de hipóteses secundárias à teoria central, que ajudam a
preservá-la de possíveis complicações.
Para Feyerabend, a ciência é puramente uma elaboração da mente humana na tentativa
de compreender o mundo real. Quanto mais evoluímos no conhecimento, menos conteúdo
empírico está envolvido nas teorias e quando encontramos uma teoria que, aparentemente não
apresenta problemas, possivelmente ela sofreu aproximações capazes de sustentá-la.
Utilizando a Teoria Quântica como exemplo, Feyerabend afirmou que:
“Com base em nossas considerações, também se torna evidente
que o êxito aparente não pode ser visto como sinal de verdade e de
correspondência com a natureza. Muito ao contrário, surge a suspeita
de que a ausência de dificuldades maiores se deve a uma redução do
conteúdo empírico, provocada pela simples eliminação de alternativas
e dos fatos passíveis de se verem descobertos com o auxílio de tais
alternativas” (FEYERABEND, 1975, p. 55).
Segundo Feyerabend uma teoria estabelecida poderia influenciar a interpretação natural
dos fenômenos observados. O que o faz concordar em parte com Kant no que tange a
existência de idéias a priori, porém para ele estas idéias são os proprios preconceitos,
ideologias e idéias religiosas do cientista.
A47
Feyerabend atacou algumas idéias epistemológicas como a do critério de consistência,
que determina que toda nova teoria deve ser consistente com as anteriores. Ele parte da tese
de que, sendo compatível com as velhas teorias, não haverá acréscimo de validade ou de
verdade à nova teoria, uma vez que esta última não pode fornecer possibilidades alternativas.
Se dentre duas teorias de igual poder explicativo, escolhermos como sendo a melhor aquela
que apresenta maior capacidade de se compatibilizar com as teorias antigas, estaremos
fazendo mais uma escolha estética do que racional. Esta será também uma escolha
conservadora, pois, dessa forma, os cientistas não terão de abrir mão de certos preconceitos
tão fortemente estabelecidos.
Feyerabend criticou também o falsificacionismo, argumentando que nenhuma teoria
interessante é completamente consistente com todos os fatos relevantes da ciência. Dessa
forma, nenhuma teoria da ciência sobreviveria.
A posição de Feyerabend é geralmente vista como radical, pois implica que a filosofia não
consegue prover uma descrição geral da ciência, nem possibilita descobrir um método de
diferenciação entre ciência e não-ciência. Isso também implica em que as recomendações
filosóficas podem ser ignoradas pelos cientistas, se o seu objetivo é o progresso.
A48
CAPÍTULO VIII
IMPLICAÇÕES FILOSÓFICAS DA MECÂNICA QUÂNTICA
Nos capítulos anteriores, apresentamos diferentes concepções de ciência, de método
científico e do conceito de verdade no decorrer do desenvolvimento científico. Dessas diversas
mudanças, talvez o golpe mais violento tivesse sido o das idéias trazidas a público por Albert
Einstein em seus artigos de 1905. Porém a Teoria da Relatividade não era a única inquietação
no mundo físico e filosófico que os homens do início do Século XX se defrontariam.
O SURGIMENTO DA MECÂNICA QUÂNTICA
Com o surgimento da Mecânica Quântica (MQ) na década de 1920, a Filosofia da Ciência
se deparou com teses e teorias que impulsionaram alguns filósofos a repensarem suas bases,
gerando, talvez, mais mudanças e desconforto que qualquer outro acontecimento em toda a
história da ciência.
As implicações físicas e epistemológicas da MQ são enormes e suas questões de
divergências entre seus fundadores bastante complexas. O princípio de toda essa história pode
ser datado de 1900 com a proposta do quanta de Max Planck (1858-1947).
A proposta de Planck ganhou um reforço, quando, em 1905, Einstein a utilizou para
interpretar os fenômenos apresentados no efeito fotoelétrico. Ele defendeu que aquele
fenômeno era o resultado de uma colisão de quantuns de luz com os elétrons da placa
metálica, e, dessa forma, considerou que a luz naquele experimento se comportava como
formada de pacotes de energia, os fótons. Esta tese foi extremamente polêmica, pois desde a
experiência da dupla fenda de Thomas Young (1773-1829), havia sido estabelecido que a luz
era formada por ondas.
Com Einstein, a antiga controvérsia para a natureza da luz (composição corpuscular x
ondulatória) foi reformada, porém de uma maneira muito intrigante. A tese de Einstein implicava
em pensar que a luz tinha um comportamento dual. Era extremamente difícil para as mentes
clássicas dos físicos do início do século XX aceitar que a luz poderia ser representada por
modelos tão divergentes como os de onda e partícula. Analisando esse período da historia da
Física ficamos tentados a interpretá-lo à luz do paradigma kuhniano, porém não podemos
esquecer das considerações de Lakatos, quanto à vitória de um programa de pesquisa sobre o
outro. O próprio Planck não aceitou de imediato as suas conclusões. Por mais dez anos ele
permaneceu interpretando a constante h como um artifício matemático. Apenas em 1910
passou a defender a descontinuidade da energia. (Guerra e al, 2005).
A49
“Uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus
oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus
oponentes finalmente morrem e uma nova geração cresce familiarizada
com ela” (Popper, 19..., apud KUHN, 1991).
A questão se complica ainda mais quando Louis De Broglie (1892-1987), em 1924,
imagina que, se a luz pode se mostrar como onda e partícula, porque não um elétron, até então
visto apenas como partícula, não pode se apresentar como onda? Esse foi um feito
especialmente valioso para a Física, pois trouxe à tona uma idéia que mudaria totalmente os
rumos da teoria quântica, dando origem a sua segunda fase de desenvolvimento; a Mecânica
Quântica. Em suas deduções matemáticas De Brogie associou um comprimento de onda ao
momento de uma partícula, em uma relação inversa, conforme box a seguir.
Fortemente influenciado por esta idéia, o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961),
apenas dois anos após a publicação do artigo de De broglie, pública na Annalen der Physik:
"Quantisierung als Eigenwertproblem", um artigo onde trouxe a público sua equação de
mecânica ondulatória. Essa equação tem uma importância capital na Teoria da Mecânica
Quântica, de tal forma que talvez possamos dizer que seu papel é similar ao da segunda Lei de
Newton na Mecânica Clássica.
A mecânica ondulatória de Schrödinger foi um grande sucesso. Sua equação foi capaz de
reproduzir os resultados de De Broglie, de explicar a famosa fórmula empírica de Balmer
(1825-1898) que determina o comprimento das linhas espectrais do átomo de hidrogênio e
ainda resolver o problema das órbitas quantizadas do átomo de Niels Bohr (1885-1962) ,
proposto em 1913. Além do fato de conseguir reproduzir todos os resultados anteriores da
teoria quântica (Filho, 2002).
DEDUÇÃO DE BROGLIE
Partindo da equação relativística de energia e a equação de Planck:
2mcE = e fhE .=
onde, após a substituição, temos:
fhmc .2 =
De Broglie utiliza ainda a equação clássica da velocidade de uma onda fv .λ= . Nela,
considerando c a velocidade de propagação de ondas eletromagnética no vácuo, a equação anterior
fica λc
f = .
λc
hmc .2 = → ( )λh
mc = → Por fim: p
h=λ
Momento P
A50
Na verdade, a mecânica ondulatória de Schrödinger foi a segunda formulação da MQ a
surgir. Ela se baseava em um posicionamento clássico diante da natureza associando noções
matemáticas com conceitos físicos familiares, o que agradou bastante aos físicos mais
conservadores da época.
A primeira formulação da MQ aconteceu em 1925, um ano antes da apresentação da
equação de Schrödinger, pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) e foi chamada de
Mecânica Matricial. Foi o físico alemão naturalizado britânico Max Born (1882-1970) que pela
primeira vez usou a denominação de Mecânica Quântica, atribuindo este nome ao formalismo
desenvolvido por Heisenberg (Guerra e al, 2005).
Devido à complexidade matemática da mecânica matricial, que contava com operações
utilizando o formalismo matricial além de elementos de números complexos, a mecânica
ondulatória de Schrödinger passou a ser amplamente utilizada e a formulação de Heisenberg
gradualmente abandonada.
Heisenberg foi aluno de Bohr no Instituto de Física Teórica de Copenhague, que veio a se
tornar o principal centro de debates sobre Física quântica do século XX. Seu formalismo da
mecânica matricial foi uma idéia amplamente aceita por Bohr.
No cerne do formalismo de Heisenberg estava a idéia de que não era interessante limitar
seus cálculos às analogias com o mundo macroscópico, então ele eliminou a idéia de órbitas e
se concentrou na descrição puramente matemática das partículas atômicas. Na visão quântica
de Heisenberg, um elétron passou a ser visto apenas como uma matriz de números complexos
sem interpretação física. Para ele, o que podemos fazer é descrever relações matemáticas que
nos dão acesso ao comportamento da natureza (Guerra e al, 2005).
Apesar da aparente “vitória”, a mecânica ondulatória de Schrödinger sofreu duras críticas
e um dos críticos mais contundentes foi Niels Bohr.
Alguns físicos, como Max Born, passaram a interpretar as funções de onda que
resultavam da equação diferencial de Schrödinger com um caráter probabilístico. É nesse
momento que a Mecânica Quântica assume de vez o seu caráter estatístico. Embasados nessa
nova visão probabilística da MQ é que Bohr e Heisenberg trouxeram a público o que ficou
conhecido como a interpretação de Copenhague da MQ. Esta interpretação tem como pilares
principais o Princípio da Incerteza de Heisenberg e o Princípio da Complementaridade de Bohr.
O PRINCÍPIO DA INCERTEZA
Formulado inicialmente em 1927, o Princípio da Incerteza impôs restrições à precisão
com que podemos efetuar medidas de posição e velocidade de uma partícula. Ou seja, o
produto da incerteza associada ao valor de uma coordenada x i com a incerteza associada ao
correspondente momento linear p i não pode ser inferior à constante de Planck normalizada.
A51
EXEMPLIFICANDO O PRINCÍPIO DA INCERTEZA
Para se encontrar a posição de um elétron é necessário fazê-lo interagir com algum
instrumento de medida, direta ou indiretamente. Faz-se, então, incidir sobre ele algum tipo de
radiação. É necessário que a radiação tenha comprimento de onda da ordem da incerteza com que
se quer determinar a posição. Neste caso, quanto maior a freqüência da radiação, menor
comprimento de onda, maior será a precisão.
Isso implica em maior energia cedida ao elétron, conforme lei de Planck.
ν.hE =
Esse elétron, em virtude do efeito Compton, sofrerá um recuo tanto maior quanto maior for essa
energia. Ao contrário da mecânica clássica, a conseqüência será uma alteração não totalmente
previsível na velocidade desse elétron, e consequentemente do seu momento linear.
2h≥∆∆ ii px
Não existe aqui uma relação de igualdade entre as grandezas. Não se trata de uma
equação fechada, mas uma inequação com infinitas possibilidades de solução.
Resumidamente, o enunciado do princípio de incerteza pode ser: quanto maior a precisão
ao se medir uma das grandezas, forçosamente mais imprecisa será a medida da grandeza
conjugada.
Podemos perceber que, com a concepção de mundo mecanicista clássica, este tipo de
raciocínio seria impensável. É bastante difícil imaginar a Física, desde Galileu até Einstein, sem
a presença de idéias determinísticas na sua forma ampla.
Para que tal mudança conceitual fosse possível foi necessária uma radical mudança
filosófica na maneira como os cientistas vêem a natureza, a própria ciência e o seu papel
individual no desenvolvimento científico.
Tanto a Teoria da Relatividade de Einstein como a Física Quântica e a posterior
Mecânica Quântica apresentaram fatos que derrubaram vários axiomas da ciência moderna.
Como ficam as idéias da neutralidade dos resultados empíricos, da realidade desses
resultados, da objetividade das observações, da relação entre os dados experimentais e dos
conceitos teóricos e a relação sujeito objeto em uma experimentação com as novas teses da
Física Quântica?
A idéia de sistema isolado ficou totalmente prejudicada com as novas propostas da Física
Quântica, pois não é só a questão do equipamento, do erro experimental ou do erro sistemático
do observador que estão influenciando na experimentação. Considera-se, com o Princípio da
Incerteza, que o próprio ato de observar altera o comportamento do objeto estudado. Com isto,
o princípio da neutralidade entre sujeito e objeto é desmontado. Heisenberg defendeu, por
A52
exemplo, que não podemos conhecer o real, mas apenas o resultado de nossa intervenção
nele pela interferência estrutural do sujeito no objeto.
“Quando queremos ter clareza sobre o que se deve entender
pelas palavras ‘posição do objeto’, por exemplo, do elétron
(relativamente a um dado referencial), então é preciso especificar
experimentos definidos com o auxılio dos quais se pretenda medir a
‘posição do elétron’; caso contrario, a expressão não terá nenhum
significado” (HEISENBERG, apud CHIBENI, 2005).
Assim, a noção de Lei passa aos poucos a ser substituída pelas noções de sistema,
estrutura, modelo e processo, uma vez que já não mais nos encontramos no campo das
certezas em termos de inferências universais sobre o funcionamento da natureza.
Na nova Mecânica Quântica, os estados das partículas são definidos por meio das
funções de onda probabilísticas, ou seja, elas determinam probabilidades de posição e de
velocidade de uma partícula, nunca valores exatos. O determinismo Laplaciano em sua
totalidade, conforme citamos anteriormente, não é possível na Física Quântica. O demônio de
Laplace é exorcizado de vez da Física Moderna pelo Princípio da Incerteza de Heisenberg.
O PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE
O princípio da complementaridade foi enunciado por Niels Bohr em 1927, porém pouco
antes do anuncio de Heisenberg sobre a incerteza. Bohr pretendia com esse Princípio colocar
um ponto final na dúvida a respeito da dualidade onda-partícula.
O Princípio da Complementaridade assevera que as naturezas da matéria e da energia
são duais e os aspectos ondulatório e corpuscular não são contraditórios, mas sim
complementares. Esses aspectos nunca se manifestariam simultaneamente em um
experimento, mas sempre em perfeito acordo com o tipo de instrumento de medição a ser
usado. Dessa forma, na experiência da dupla fenda a natureza evidenciada da luz é
ondulatória, ao passo que no experimento do efeito fotoelétrico, a natureza ressaltada é a
corpuscular,
Esse princípio foi primeiro enunciado em um congresso na Itália, em homenagem a
Alessandro Volta inventor da pilha, e depois discutido na Conferência de Solvay, em Bruxelas.
Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), que presidia a conferência, e Einstein ficaram
extremamente indignados com a possibilidade de transformar em princípio o indeterminismo
proposto por Bohr.
A53
Fig. 8: Congresso de Solvay, 1925.
A INTERPRETAÇÃO DE ESCOLA DE COPENHAGUE E SEUS OPOS ITORES
Podemos entender por idéias da escola de Copenhague, Basicamente, como idéias de
Bohr e Heisenberg sobre a MQ.
Resumidamente, a interpretação de Copenhague defende que só podemos conhecer as
características do corpo estudado no momento da interação com o mesmo, ou seja, no instante
da medição. Para Bohr, as partículas não possuem propriedades bem definidas, mas, ao
contrário, assumem as propriedades apenas no momento em que são observadas. Sem um
instrumento para realizar as medições de posição e velocidade, estas características
simplesmente não existem. Outra questão defendida por Bohr é o da não localidade de
eventos, uma vez que não trabalhamos com posicionamentos locais, como na Física clássica,
mas com probabilidades de um objeto estar em certa região do espaço em estudo.
Apesar das grandes polêmicas filosóficas geradas pela MQ, é espantosa a sua
concordância com os resultados experimentais e o avanço tecnológico proporcionado. Quanto
à questão de ser uma teoria probabilística, Bohr esclarece que não é resultado de uma ciência
incompleta, mas que é uma característica da própria natureza (Guerra et al, 2005).
Essas características da natureza defendidas pela Interpretação de Copenhague foram
alvo de diversas criticas com respeito às descrições ontológicas27 e epistemológicas, assim
como em termos de descrições físicas dos fenômenos.
Tomando como exemplo a relação sujeito-objeto,
27 Ontologia é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes.
A54
[...] o deslocamento da explicação das peculiaridades dos
fenômenos quânticos para o ato de medição traz o risco latente de
subjetivização da Física. Como a historia do debate sobre a Mecânica
Quântica bem testemunha, por essa ladeira muitos efetivamente
escorregaram, puxados pelo próprio Heisenberg e por Bohr, que
facilmente passavam da tese física, em princípio defensável, de um
distúrbio físico entre o aparelho de medição e o objeto medido para a
tese filosófica duvidosa de uma interferência mútua entre este último e
os “agentes de observação”, no sentido do sujeito cognitivo, com a
suposta implicação de uma ruptura essencial, pela Mecânica Quântica,
da distinção geral entre sujeito e objeto.” (CHIBENI, 2005).
Em termos físicos podemos tomar como tentativa de contestação à interpretação de
Copenhague a experiência mental desenvolvida por Albert Einstein, Boris Podolsky (1896-
1966), e Nathan Rosen (1909-1995) conhecida como EPR que pretendia mostrar que
caracteristicas quânticas de uma partícula são definidas antes da medição e não no exato
momento da medição como pretendia a interpretação de Bohr.
Em 1962, John Stewart Bell (1928-1990) criou uma formula matemática que possibilitaria
a realização de um experimento para resolver o paradoxo do EPR, esta ficou conhecida como
desigualdade de Bell e foi derivada do pressuposto de que existem variáveis escondidas e não
existem "efeitos não-locais". Em 1982, Alain Aspect (1947) levou a cabo a experiência de EPR
e descobriu que a desigualdade de Bell era violada, rejeitando as interpretações que
postulavam variáveis escondidas e efeitos locais e, de certa forma, comprovando a
interpretação de Copenhague.
A alternativa principal à Interpretação de Copenhague é a Interpretação de Hugh Everett
III (1930-1982) dos mundos paralelos, porém a primeira continua sendo a mais aceita.
Todas as discussões surgidas em conseqüência da Mecânica Quântica elevaram em
muito os questionamentos a respeito da natureza do trabalho da Ciência. As contribuições dos
diversos pesquisadores envolvidos foram fundamentais para a retificação de inconsistências
epistemológicas e ontológicas presentes em sua elaboração, porém a possibilidade de
desenvolvimento de uma interpretação mais realista ainda se mostra bastante distante em
conseqüência da própria complexidade da teoria.
A55
Gaston Bachelard
(1884-1962) filósofo e poeta
francês que estudou
sucessivamente as ciências
e a filosofia, focando
principalmente as questões
referentes à filosofia da
ciência. Bachelard defendia
que o desenvolvimento do conhecimento humano
ocorria de forma descontínua, por rupturas
epistemológicas. Combatendo aqueles que
defendiam o continuísmo, ou seja, que defendiam
a idéia de que entre a ciência e o senso comum
não existe mais que uma diferença de
profundidade, portanto, continuidade
epistemológica.
CAPÍTULO IX
O PANORAMA ATUAL DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA
Depois do advento da Física Quântica a fronteira entre observador e observado se tornou
dinâmica, instável e mutável. As teorias científicas não mais se limitam à simples descrições
dos fenômenos observados, elas participam dos fenômenos devido a não separação da
relação sujeito-objeto, além de não mais revelarem o comum das observações, mas o
incomum. A interação entre o mundo e o homem passa a ser muito mais abrangente e estes
dois passam a ser dois elementos de um só fato sendo, portanto, uma nova abertura na visão
da realidade.
Se na Ciência Clássica o mundo era concebido como perfeito e que a ciência tinha o
intuito de desvendar suas verdades, com a Física Quântica ficou mais do que patente que essa
possibilidade inexiste. A Física Quântica revelou um mundo em que a natureza pode se mostra
mais complexa do que as mentes mecanicistas dos Séculos XVII e XVIII haviam pensado.
GASTON BACHELARD
O filósofo Gaston Bachelard (1884-
1962), acreditava que o pensamento
científico contemporâneo tem se ocupado
em assimilar as leis do acaso, das ligações
probabilísticas dos fenômenos sem ligação
com o real.
Com Bachelard (1985), despontou a
idéia da complexidade essencial dos
fenômenos. Com isso ele estabeleceu que o
ponto de ruptura entre as duas visões de
ciência se encontra justamente entre a
Física newtoniana e a relatividade
einsteiniana.
Bachelard construiu sua obra no
contexto das mudanças científicas
promovidas no início do século XX pela
Teoria da Relatividade.
A "ruptura epistemológica" entre a ciência contemporânea e o senso comum é uma das
marcas da teoria bachelardiana. Para ele, o "novo espírito científico" representa uma
descontinuidade, uma ruptura, com o senso comum. O empirismo-indutivo ingênuo dos
primeiros tempos da ciência moderna já não se aplica à nova Física.
A56
Para Bachelard, o cientista aproxima-se do objeto, na nova ciência, não mais por
métodos baseados nos sentidos, na experiência comum, mas através da teoria. Isso significa
que o método científico já não é direto, imediato, mas indireto, mediado pela razão.
Ao contrário de Karl Popper e de Imre Lakatos, o objetivo de Bachelard não é dizer aos
cientistas como devem proceder em seu trabalho. A epistemologia histórica de Bachelard
problematiza a possibilidade de definirmos de forma permanente e universal o que é ciência.
Dessa forma, a ciência é vista como uma área do conhecimento construído socialmente, cujos
critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentes ciências (LOPES, 1996).
Outro ponto marcante em Bachelard é sua defesa de que precisamos errar em ciência,
pois o conhecimento científico só se constrói pela retificação desses erros.
“Como seu objetivo não é validar as ciências já prontas, tal qual
pretendem os partidários das correntes epistemológicas lógicas, o erro
deixa de ser interpretado como um equívoco, uma anomalia a ser
extirpada. Ou seja, com Bachelard, o erro passa a assumir uma função
positiva na gênese do saber e a própria questão da verdade se
modifica” (LOPES, 1996, p.252).
Uma possível explicação para essa maneira de compreender o papel do erro como uma
fonte de aprendizado na ciência está, possivelmente, associada a sua passagem como
professor de escola secundária. Esse fato o fez um filósofo constantemente preocupado com o
ensino. Não há textos exclusivamente voltados para a educação em sua obra, mas
freqüentemente ele pontuava suas análises filosóficas com interpretações a respeito do
conhecimento científico na escola.
A preocupação com o ensino das ciências também se reflete em outro filósofo moderno
de relevância.
EDGARD MORIN
Em 1999 Edgard Morin (1921-) lançou Os Sete Saberes Necessários à Educação do
Futuro, além de outros três títulos sobre educação. Neles defendeu a incorporação dos
problemas cotidianos ao currículo e a interligação dos saberes. Criticou o ensino fragmentado e
afirmou que o ser humano é reducionista por natureza e, por isso, é preciso esforçar-se para
compreender a complexidade da natureza.
A57
Edgard Morin (1921-)
sociólogo e filósofo francês
de origem judaico-espanhola.
graduou-se em Economia
Política, História, Geografia e
Direito.
Em sua filosofia defende que
o conhecimento humano não
pode ser fragmentado e
admite que a complexidade da natureza não pode
ser simplificada. Para ele a incorporação dos
problemas cotidianos ao currículo escolar e a
interligação dos saberes são fundamentais para o
conhecimento humano, combatendo a
fragmentação e simplificação para compreender a
complexidade da natureza.
Em termos epistemológicos, a idéia da
Ciência Complexa aparece nas suas obras,
principalmente em Introdução ao
Pensamento Complexo (2005), como o
paradigma da complexidade. A Ciência
Complexa representa uma “escola” filosófica
que vê o mundo como um todo
indissociável, dessa forma, propõe uma
abordagem transdisciplinar dos fenômenos,
abandonando o reducionismo, para dar
lugar à criatividade e ao caos28.
Para Morin, a interligação de todos os
conhecimentos, combate o reducionismo e
valoriza o complexo. Admitindo que o
mundo é complexo, afirma que qualquer
tentativa de um entendimento isolado e
simplista não levará ao conhecimento da realidade. A simplificação não exprime a unidade e a
diversidade presentes no todo. Para tanto, deve-se articular os elementos da Ciência que estão
separados e unir os que estão dissociados, deve-se explorar e não ocultar as ligações de
interdependências e as complexidades da natureza.
Para ele, a ciência ainda vive imersa no maior de todos os paradigmas do ocidente que é
o cartesianismo (MORIN, 2000). O cartesianismo retomou e reforçou as idéias platônicas da
dicotomia de sujeito-objeto, corpo-alma, sentimento-razão e instaurou-se a prática reducionista
de análise da natureza, fazendo com que essas dicotomias estivessem presentes em todas as
epistemologias da ciência surgidas posteriormente.
Morin nega Descartes, ao defender que o estudo em separado de cada parte de um
sistema não levará ao entendimento do todo. Para ele, o todo é mais que a soma das partes.
Por outro lado o todo é também menor que a soma das partes, uma vez que a visão do todo
pode inibir a percepção de determinadas qualidades das partes.
Se o paradigma da Ciência Clássica apresenta uma acentuada separação entre o sujeito
e o objeto, a vida e a natureza, reduzindo o complexo ao simples, eliminando a incerteza, a
ambigüidade, a contradição dentro de um pensamento simples e de uma razão fechada, num
28 Entende-se caos não como desordem generalizada, mas a impossibilidade de determinados fenômenos ocorrerem de forma pré-determinada. Relações deterministas, às vezes muito simples, podem gerar, após muitas interações, divergências significativas partindo de condições iniciais muito próximas. Porém, muitas vezes há um padrão estatístico com relação à distribuição de probabilidade das ocorrências, o que permite alguma inteligibilidade e tratamento científico do caos.
A58
discurso estruturalista e dicotômico, o paradigma da complexidade busca uma não dualidade
desses aspectos, mas uma relação: complementar, concorrente e antagonista (MORIN,1977).
Surge, então, uma realidade indeterminada onde tudo pode acontecer. A única coisa que
pode ser prevista é a probabilidade. Probabilidade, portanto, assume o lugar da certeza.
A certeza passa a ser produzida pela incerteza e pela probabilidade. Com isso, uma
teoria científica não se limita mais à simples descrição do que é comum. Ela revela o incomum.
E este incomum tem apelado cada vez mais para uma nova racionalidade. Nas palavras do
próprio Edgard Morin:
“Uma teoria não é o conhecimento; permite o conhecimento. Uma
teoria não é uma chegada. É a possibilidade de uma partida. Uma
teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema”
(Morin 1990, p. 256).
Para Edgard Morin, o desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de
detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, a ciência está limitada pelos
paradigmas que a controlam e que podem desenvolver seus próprios erros e ilusões.
Nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro e a ilusão. Conforme
podemos observar historicamente, diversas teorias, fortemente fundamentadas na lógica e na
razão de determinado modelo de pensamento, se provaram errôneas ou ilusórias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários outros pensadores importantes deram suas contribuições para a estruturação do
conhecimento cientifico e epistemológico nesses vários séculos de desenvolvimento da ciência.
Correndo o risco de sermos injustos com diversos nomes importantes que não
exploramos nesse trabalho como Ludwik Fleck (1896-1961), Mário Bunge (1919), Stephen
Toulmin (1922), Humberto Maturana (1928), Larry Laudan (1945) entre outros, nos ateremos a
esta relação de grandes nomes da filosofia da ciência na qual viemos discutindo até aqui.
Nomes que contribuíram grandemente para o desenvolvimento do conhecimento humano.
Ao passarmos por mais de dois mil anos de Filosofia Natural ocidental, podemos começar
a tirar algumas conclusões quanto a atual noção sobre a natureza da Ciência.
Acreditamos que o que ficou patente nesse estudo é que não é humanamente possível
conhecer a verdade última da natureza, utilizando a concepção mais ampla desse termo.
Também é notório que não existe um método que se possa considerar infalível e que seja
capaz de conduzir o homem às verdades universais. Todo método apresenta alguma
falibilidade, assim como toda verdade se mostra relativa diante da complexidade da natureza e
da existência humana.
A59
Se no passado a ciência foi tida como capaz de responder a todas as perguntas sobre a
natureza e sobre o ser, a filosofia da ciência também foi interpretada como capaz de conciliar
os conflitos e resolver as inconsistências da ciência. Na verdade, ambas as áreas do
conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não alcançarem este intento, diga-se de
passagem, impossível.
Ainda assim, a filosofia da ciência e a própria ciência são realizações humanas
imprescindíveis para a humanidade. Se não são capazes de nos mostrar as verdades
absolutas, são muitíssimo valiosas para o crescimento do ser humano na sua relação com o
universo. Se não nos fornece a verdade, nos dá meios de nos aproximarmos de um
conhecimento mais coerente com o que percebemos do mundo.
Fazendo uma analogia quase poética com a noção de limite do cálculo diferencial
poderíamos dizer que a filosofia da ciência, assim como a própria ciência, nos faz tender
infinitamente ao valor limite, porém sem nunca alcançá-lo de fato.
O que podemos concluir quanto à Ciência é que ela não é uma ciência verdadeira,
provada através de observações e experimentos. O reconhecimento da verdade ou não é
inacessível ao homem.
O que a epistemologia da ciência nos diz é que ela é um processo contínuo de busca por
um aumento do valor científico do conhecimento humano. Dessa forma, mais importante que
os resultados obtidos, é o processo de progressão da Ciência. Os resultados se encontram em
constante mudança e são, por isso, provisórios.
A60
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A64
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• Novun organum, (1620).
Galileu Galilei (1564-1642)
• O Ensaiador, (1623);
• Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, (1632);
• Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências, (1638).
René Descartes (1596–1650)
• Discurso do Método, (1637).
Isaac Newton (1642–1727)
• Princípios matemáticos da filosofia natural, (1687);
• Óptica, (1704).
David Hume (1711–1776)
• Tratado da Natureza Humana, (1740);
• Investigação sobre o Entendimento Humano, (1748).
Immanuel Kant (1724–1804)
• Crítica da razão pura, (1781).
Nikolai Lobatchevski (1793-1856)
• Geometriya, (1829).
Comte (1798–1857)
• Curso de filosofia positiva, em 6 volumes, (de 1830 à 1842).
Lord Kelvin (1824–1907)
• Apresentação do trabalho sobre a teoria dinâmica do calor, (1851);
• Formulação da teoria dos circuitos oscilantes, (1853).
Georg Riemann (1826-1866)
• Sobre as hipóteses nas quais se fundamenta a geometria, (1854).
André-Marie Ampère (1775-1836)
• Memoir on the Mathematical Theory of Electrodynamic Phenomena, Uniquely Deduced
from Experience, (1826).
Hans Christian Ørsted (1777-1851)
• Comprovação dos efeitos magnéticos da corrente elétrica, (1820),
Michael Faraday (1791-1867)
• Comprovação de que uma barra de ímã girava em torno de um fio eletrizado e que um fio
suspenso eletrizado girava em torno de um ímã fixo, (1821).
James Clerk Maxwell (1831-1879)
• Tratado sobre Eletricidade e Magnetismo, (1873).
Ernst Mach (1838-1916)
A65
• A História e a Origem do Princípio da Conservação da Energia, (1872);
• A Ciência da Mecânica, (1883);
• Contribuição à Análise das Sensações, (1886);
• Princípios da Termologia, (1896);
• Conhecimento e Erro, (1905).
Wilhelm Roentgen (1845-1923)
• "Ueber Eine Neue Art von Strahlen - Sobre uma nova espécie de Raios", (1895).
Henri Becquerel (1852-1908)
• Investigação sobre a fosforescência, ( 1882-1897 )
• Descobrimento da radiação invisível emitida pelo urânio, ( 1896-1897 ).
Joseph John Thomson (1856-1940)
• Modelo atômico, (1876).
Ernest Rutherford (1871-1937)
• Radioatividade (1904);
• A estrutura elétrica da matéria (1926) .
Gaston Bachelard (1884 1962)
• O novo espírito científico, (1934);
• A formação do espírito científico, (1938).
Louis-Victor-Pierre-Raymond, 7.º duque de Broglie, (Louis de Broglie) (1892-1987)
• Os princípios físicos da teoria dos quanta, (1930);
• A Física dos núcleos atômicos, (1943);
• Física e filosofia, (1959);
• A parte e o todo, (1971);
Niels Henrick David Bohr (1885-1962)
• Sobre a constituição de átomos e moléculas, (1913);
• Anuncio do principio da complementaridade, Solvay, (1927)
Albert Einstein (1879-1955)
• O quantum e o efeito fotoelétrico, (março, 1905);
• Uma nova determinação das dimensões moleculares, (abril, 1905);
• O movimento Browniano, (maio, 1905); (o 2º artigos sobre o tema sai em dezembro, 1905);
• Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento, (junho, 1905);
• A inércia de um corpo depende de sua energia?, (setembro, 1905);
• O fundamento da Teoria Geral da Relatividade, (novembro, 1916).
Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887-1961 )
• Quantisierung als Eigenwertproblem, “Avaliando o problema da quantização”, (1926).
Werner Karl Heisenberg (1901-1976)
• Os princípios físicos da teoria dos quanta, (1930);
A66
• Física e Filosofia, (1959).
Karl Raimund Popper (1902-1994)
• Lógica da Descoberta Científica, (1934);
• Conjecturas e Refutações. O crescimento do conhecimento científico, (1963);
• Conhecimento Científico. Um Enfoque Evolucionário, (1973);
Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)
• A estrutura das revoluções científicas. (1962);
• Reconsiderando os paradigma, (1974);
Imre Lakatos (1922-1974)
• Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970);
• Provas e refutações. (1976);
• A Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, (1977);
• Matemática, Ciências e Epistemologia,(1978);
Paul Karl Feyerabend (1924-1994)
• Contra o Método, (1975);
Mário Augusto Bunge (1919)
• Ciência, o seu método e filosofia, (1960);
• Filosofia da Física (1973);
• Epistemologia, (1980);
• Mitos, fatos e as razões, (2004);
Edgar Morin (1921)
• Introdução ao Pensamento Complexo, (2005);
• Os Sete saberes necessários a educação do futuro, (2000).
A67
LEITURAS RECOMENDADAS
BACHELARD, Gaston. O Direito do Sonhar. São Paulo, Difel, 1985.
BRAGA, Marco, GUERRA, Andréa, REIS, José Cláudio. Breve Historia da Ciência Moderna, Vol. 1, 2, 3 e 4. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005.
BUNGE, M. Filosofia da Física, Edições 70, O Saber da Filosofia, Lisboa, 1973.
CHALMERS, A.F. O que é Ciência Afinal? São Paulo: Editora Brasiliense, 2001.
EINSTEIN, A. Como Vejo o Mundo. São Paulo: Círculo do Livro Ltda, 1998.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989. Título Original:
GAARDER, Jostein; O Mundo de Sofia; São Paulo, Cia. das Letras, 1995.
HEISENBERG, Werner; Física e Filosofia, Coleção pensamento científico, 2ª ed., Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1987.
KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991.
LAKATOS, I, Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes, in Crìticism and the Growth of Knowledge, 1974, p. 100-101.
MARTINS, Roberto de Andrade. O que é a ciência, do ponto de vista da epistemologia? Caderno de Metodologia e Técnica de Pesquisa, n.9, 5-20, 1999.
MORIN, E. O método I: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2003.
MORIN, Edgar. Os Sete saberes necessários a educação do futuro (2000).
PEDUZZI, L. O. Q. Sobre a utilização didática da história da ciência. In: PIETROCOLA, M. (org.). Ensino de Física. Florianópolis: Ed da UFSC, p. 151-170, SC 2001.
PEDUZZI, L. O. Q., Física Aristotélica: Por que não considerá-la no ensino da Mecânica?; Cad. Cat. Ens. Fís., v. 13, n. 1: p. 48-63. Abr. 1996.
A68
FILMES INTERESSANTES RELACIONADOS
EM NOME DA ROSA
Com 130 minutos de duração, o filme conta a história do
monge franciscano William de Baskerville (Sean Connery) que é
encarregado de investigar uma série de estranhas mortes que
ocorrem em um remoto mosteiro no norte da Itália por volta do
ano de 1327.
O personagem vivido por Sean Connery tem seu nome
derivado do escolástico William de Ockham (1285–1347), um
importante monge Franciscano, filósofo da lógica e teólogo
escolástico inglês. Este personagem trabalha como um detetive,
procurando evidências para corroborar suas hipóteses sobre
quem é o assassino dos monges. Em oposição à percepção metafísica dos monges, que
relacionavam as mortes ao livro do Apocalipse e à chegada do fim do mundo, Baskerville
procura nos fatos observáveis o apoio para sua investigação.
Fortemente influenciado pela filosofia aristotélica, que na época começava a ganhar
espaço na filosofia ocidental cristã, Baskerville utiliza claramente o que hoje se convencionou
chamar de raciocínio hipotético-dedutivo, que parte de premissas gerais, as quais orientam a
busca por evidências, que auxiliarão no desenvolvimento e no aperfeiçoamento das hipóteses
iniciais.
CONTATO
Dirigido por Robert Zemeckis e Escrito por James V. Hart e
Michael Goldenberg, o filme, com tempo de duração de 150
minutos, é Baseado em uma novela escrita em 1985 por Carl
Sagan.
No filme a doutora em astrofísica Ellie Arroway (Jodie
Foster), após grande batalha em busca de fundos para manter o
projeto de procura por sinais de vida extraterrestre, descobre e
decodifica uma mensagem enviada à Terra por seres que habitam
um sistema planetário em Vega, a 26 anos-luz de nós.
A mensagem recebida pela Dra. Ellie, quando finalmente é
decodificada, dá instruções detalhadas de como construir uma enorme máquina alienígena que
custaria algumas centenas de bilhões de dólares. Vários países do mundo se juntam para
realizar tal máquina.
A69
O filme retrata os bastidores da busca por subsídios para a pesquisa científica, as
batalhas e desavenças entre cientistas sobre determinadas linhas de pesquisa e o grande
envolvimento entre ciência, sociedade e política, além da eterna discussão entre ciência e
religião. Há ainda importantes falas das personagens que nos remetem aos meandros da
pesquisa científica moderna ficando patente que o trabalho da ciência está inequivocamente
atrelado aos fatores sociais, políticos e econômicos. O filme mostra que muitas vezes o
direcionamento das pesquisas é distorcido e deturpado por interesse outros que não os
gerados pela busca do conhecimento.
EFEITO BORBOLETA
Dirigido e roterizado por Eric Bress e J. Mackye, Efeito
Borboleta é um filme de 113 minutos em que a personagem Evan
(Ashton Kutcher), um jovem dotado da capacidade de retornar
mentalmente a seu corpo em períodos passados de sua vida,
podendo até interferir em acontecimentos passados.
Tentando resolver problemas de sua vida atual ele interfere
nos eventos passados de sua vida eliminando as origens de seus
problemas. Porém ao tentar consertar seus antigos problemas ele
acaba por criar outros novos e mais complicado, já que toda
mudança que realiza gera conseqüências em seu futuro.
É um filme envolvente que apresenta de maneira muito interessante a incapacidade do
homem de controlar todas variáveis de um acontecimento ao ponto de poder prever com
precisão as conseqüências de seus passos.
A pesar de não ser um filme sobre ciência, a idéia de imprevisibilidade do filme foi
influenciado pela moderna teoria científica conhecida como teoria do caos que está ligada a
esta imprevisibilidade dos acontecimentos, derrubando de vez o antigo dogma da causalidade
na ciência. Existe uma matéria no DVD do filme que explica, em linhas gerais, a teoria do caos.
Acesse a seção de Extras → Por trás da cena → Explicando a teoria do caos e assista.
Efeito borboleta é um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos.
Este efeito foi analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz (1917-2008). Segundo a
teoria, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas
e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.
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