Download - Condicionantes naturais e antropogênicos das inundações na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
FERNANDO SOUZA DAMASCO
CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGÊNICOS DAS
INUNDAÇÕES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:
BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCÂNTARA (RJ)
NITERÓI
2014
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FERNANDO SOUZA DAMASCO
CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGÊNICOS DAS
INUNDAÇÕES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:
BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCÂNTARA (RJ)
Monografia apresentada à Coordenação do
Curso de Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em
Geografia.
Orientadora:
Prof.a Dr.a Sandra Baptista da Cunha
Niterói, RJ
2014
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FERNANDO SOUZA DAMASCO
CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGÊNICOS DAS
INUNDAÇÕES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:
BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCÂNTARA (RJ)
Monografia apresentada à Coordenação do
Curso de Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em
Geografia.
Aprovada em 27 de maio de 2014
BANCA EXAMINADORA
Prof.a Dr.a Sandra Baptista da Cunha – UFF
Orientadora
Prof.a Dr.a Carla Maciel Salgado – UFF
Prof.a Dr.a Cristiane Nunes Francisco – UFF
Niterói, RJ
2014
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Ao povo sofrido de São Gonçalo, numa singela tentativa de que não molhem mais os
seus pés em águas de valão, mas tornem a sentir e experimentar a “ribeira desse rio”.
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AGRADECIMENTO
O melhor agradecimento é aquele que parte de uma sincera recordação. Recordar vem
do latim re-CORDIS, isto é, voltar a passar pelo coração.
Recordo os mapas do DNOS, cedidos gentilmente pelo Arquivo Nacional e, por isso,
agradeço.
Recordo a presteza dos funcionários das bibliotecas onde este trabalho foi tomando
forma: Biblioteca do Instituto de Geociências da UFF, Biblioteca do Arquivo Nacional,
Biblioteca do PPGG/UFRJ, Biblioteca do Comando Militar do Leste, Biblioteca Pública de
Niterói, Biblioteca do INEA, Biblioteca do Instituto Baía de Guanabara; a todos eles, agradeço.
Recordo a gentileza do Edson Falcão do INEA em fornecer os dados meteorológicos da
Estação Colubandê e, por isso, agradeço.
Recordo a disponibilidade da Prof. Ana Valéria da FFP/UERJ na cessão dos dados da
estação climatológica da FFP/UERJ e, por isso, agradeço.
Recordo a gentileza da bióloga Thais Gallo no fornecimento de vários dados
geográficos do município de São Gonçalo, fundamentais para a realização deste trabalho; a
ela também agradeço.
Recordo-me do Luciano Lucas, debaixo de sol, ajudando-me a aferir as seções
transversais, mesmo não sendo de sua obrigação; imensamente, agradeço.
Recordo as orientações, as críticas precisas e a inspiração científica da Prof. Sandra
Cunha; pelo seu fôlego constante em transformar esta pesquisa em um trabalho de excelência e
por todo o seu contributo na minha formação, agradeço.
Recordo-me dos professores que, ao longo da graduação, proporcionaram-me novas
visões/experimentações de mundo, dentre os quais posso destacar: Carlos Alberto Silva, Carla
Salgado, Cristiane Francisco, Amélia Cristina, José Carlos Milléo, Marli Cigagna e Rogério
Haesbaert. A todos eles, agradeço.
Recordo os professores da Universidade do Minho, que me auxiliaram a construir o
objeto de pesquisa: António Bento, Maria Manuela Laranjeira, Maria José Caldeira e Miguel
Sopas Bandeira; mesmo longe, agradeço.
Recordo os amigos de boa prosa da UFF: Denise Caxias, Caio Varela, Liliane
Ronquette, Leonardo Amora, Ana Cláudia Bliggs, Luisa Scheider, Victor Maluf; pela ajuda
cotidiana, agradeço.
Recordo meus alunos do PVS/Fundação CECIERJ, que me fazem reconstruir minhas
concepções geográficas e alargar minhas concepções de mundo, de vida e de existência; por
cada aula, agradeço.
Recordo do meu pai acreditando no meu potencial, há 11 anos, inscrevendo-me para o
processo seletivo do Colégio Pedro II; recordo-me dele caminhando comigo em cada etapa,
cada conquista, cada realização; recordo-me ainda da sua ajuda na aplicação dos diagnósticos
de análise hidromorfológica; por tudo isso, nunca será bastante agradecer.
Recordo minha mãe, contando-me de quando meu avô ainda pescava nas águas do rio
Alcântara; por todo o seu empenho em me dar sempre o melhor, agradeço.
Recordo-me da tia Kátia, esforçando-se para garantir meu bem-estar nas fases
decisivas deste trabalho e, por isso, agradeço.
Recordo minha avó, Maria Helena, doce flor, cuidando de mim desde os 7 meses de
vida até hoje; por seu exemplo de elegância, cordialidade, simpatia e respeito ao próximo,
agradeço.
Recordo-me docemente da minha companheira de vida, Amanda, sempre muito
compreensiva nos momentos de ausência, paciente nas angústias e radiante nas conquistas; por
toda a sua dedicação a mim e aos meus projetos, de coração, agradeço.
Recordo, por fim, os moradores de São Gonçalo, que são a alma deste trabalho; por
cada história de rio, cada entrevista, cada paisagem compartilhada, agradeço.
Recordo-me que sou geógrafo e, por isso, não canso de agradecer.
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Na ribeira desse rio
ou na ribeira daquele,
Passam meus dias a fio;
nada me impede, me impele. (...)
Vou vendo o que o rio faz:
quando o rio não faz nada,
vejo os rastros que ele traz
numa sequência arrastada
do que ficou para trás. (...)
Vou na ribeira do rio,
que está aqui ou ali;
e do seu curso me fio,
porque se o vi ou não vi,
ele passa e eu confio.
Fernando Pessoa (letra) e Dorival Caymmi (música), Na ribeira desse rio.
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RESUMO
O presente trabalho objetivou investigar os principais condicionantes naturais e
antropogênicos para a ocorrência de enchentes na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara
(RJ). A bacia está localizada na borda leste da Baía de Guanabara, drena uma superfície
de 168,37 km² e contempla três municípios: São Gonçalo onde está a maior parte de
sua área, Itaboraí e Niterói. O uso da terra é predominantemente urbano, sendo a
ocupação completamente desordenada. Ao longo da bacia, os rios principais e
contribuintes recebem uma elevada carga de esgotos domésticos e efluentes industriais
sem tratamento, conformando um quadro de elevada degradação ambiental. Os
frequentes eventos de inundação geram consequências gravosas à população, em termos
de danos e perdas materiais e imateriais. Inicialmente, a análise dos dados
pluviométricos da região da bacia hidrográfica permitiu concluir que a bacia, por se
inserir em região tropical de grande instabilidade climática, é naturalmente suscetível a
episódios de enxurradas. O estudo das características morfológicas da bacia indicou que
o relevo condiciona diretamente a ocorrência de inundações, sobretudo pela grande
extensão das planícies fluvio-marinhas e do maciço de Itaúna, no baixo curso, que
desvia a drenagem e diminui a velocidade do fluxo. A morfometria da bacia,
caracterizada pela baixa declividade dos canais, pela pequena amplitude altimétrica e
pela sua forma alongada, conforma um quadro natural de suscetibilidade às inundações.
A análise dos documentos cartográficos históricos e dos dados de obras no ambiente da
bacia permitiu delimitar quatro períodos principais de características distintas de
intervenção (as primeiras canalizações, as obras do DNOS, as obras dos anos 1960-80 e
as dinâmicas atuais). Essa periodização embasou o entendimento da lógica dos ajustes
nos canais e suas influências na dinâmica das inundações. A realização do diagnóstico
de degradação hidromorfológica, a partir da avaliação do leito, das margens e da
planície fluvial, permitiu inferir que o alto grau de alteração geomorfológica da bacia
interfere diretamente na dinâmica e intensidade das inundações, sugerindo a hipótese de
que os trechos mais degradados são aqueles mais acometidos pelas inundações.
Palavras-chave: Inundações urbanas, degradação ambiental, ajustes nos canais,
geomorfologia fluvial antrópica.
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ABSTRACT
This study aimed to investigate the main natural and anthropogenic conditions for the
floods occurrence in the Guaxindiba / Alcantara (RJ) basin. The watershed is located on
the eastern edge of the Guanabara Bay, draining an area of 168.37 km² and comprises
three cities: São Gonçalo where most of its area, Itaboraí and Niterói. The land use is
predominantly urban, and completely disorganized occupation. Throughout the basin,
the main rivers and tributaries receive a high load of domestic sewage and industrial
effluents without treatment, constituting a framework of high environmental
degradation. Frequent flood events generate serious consequences for the population, in
terms of material and immaterial damages and losses. Initially, the analysis of rainfall
data of the watershed region showed that the basin, by inserting in the tropical region of
great climatic instability, is naturally susceptible to episodes of flash floods. The study
of the morphological characteristics of the basin indicated that relief directly influences
the occurrence of floods, especially the large expanse of river-sea plains and the Itauna
massive, on the lower course, diverting drainage and slows the flow. The morphometry
of the basin, characterized by low slope channels, small amplitude altimetry and its
elongated shape, forms a natural framework of susceptibility to flooding. Analysis of
historical cartographic documents and data works in the basin environment allowed
delineate four main periods of distinct characteristics of intervention (the first
channelization, the DNOS works, the 1960-80-works and the current dynamics). This
periodization guided the fellowship understanding the logic of adjustments in the
channels and their influence on the dynamics of floods. Making the diagnosis of
hydromorphological degradation, based on the evaluation of the riverbed, the banks and
fluvial plain, allowed to infer that the high degree of geomorphological change in the
basin directly affects the dynamics and intensity of floods, suggesting the hypothesis
that stretches more degraded are those most affected by the floods.
Keywords: urban floods, environmental degradation, channel adjustments,
anthropogenic fluvial geomorphology.
11
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 Localização e detalhe da área de estudo..............................................................18
Fig. 2 Bairro do Alcântara atingido pelo transbordamento das águas do rio Alcântara,
ocasionado pelas intensas precipitações de abril de 2010. A linha azul indica o local do leito do
rio em situação normal de vazão..........................................................................................19
Fig. 3 Rua Navarro da Costa, nas proximidades imediatas da margem direita do Canal
Isaura Santana, no bairro Jardim Catarina (baixo curso da bacia hidrográfica)
completamente alagada....................................................................................................19
Fig. 4 Modelo conceitual adotado..................................................................................24
Fig. 5 Esquema visual da diferenciação entre enchente e inundação............................26
Fig. 6 Fluxograma representando a metodologia de investigação................................44
Fig. 7 ZCAS atuando em 12/01/2011, episódio que causou inúmeros danos à Região
Serrana do Estado do Rio de Janeiro...............................................................................48
Fig. 8 Sistemas de circulação perturbada na região Sudeste.........................................48
Fig. 9 Normais climatológicas da estação principal do Rio de Janeiro em dois
períodos: 1931-1960 e 1961-1990...................................................................................49
Fig. 10 Evolução da pluviosidade anual para a Estação Climatológica Principal do Rio
de Janeiro (1851 a 1990...................................................................................................49
Fig. 11 Localização dos postos pluviométricos utilizados por Salgado et al. (2007).....51
Fig. 12 Localização da Estação Climatológica da FFP/UERJ........................................51
Fig. 13 Totais anuais de precipitação registrados na Estação Climatológica da
FFP/UERJ........................................................................................................................53
Fig. 14 Totais pluviométricos mensais registrados entre os anos de 2005 e 2012 na
Estação Climatológica da FFP/UERJ..............................................................................53
Fig. 15 Desvio padrão dos totais pluviométricos médios mensais da Estação
Climatológica da UERJ/FFP...........................................................................................54
Fig. 16 Comparação entre os totais pluviométricos médios mensais da Estação
Climatológica da UERJ/FFP (2005-2012) e as Normais Climatológicas 1961-1990
(INMET) para a Estação principal do Rio de Janeiro.....................................................54
Fig. 17 Mapa do baixo curso do rio Alcântara. Observe-se a curva que faz o rio
provavelmente por influência da presença do maciço de Itaúna.....................................56
12
Fig. 18 Geomorfologia da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara....................................58
Fig. 19 Planície flúvio-marinha no baixo curso............................................................62
Fig. 20 O maciço de Itaúna visto da Baía de Guanabara...............................................62
Fig, 21 Declividade da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara........................................73
Fig. 22 Representação sombreada do relevo da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara.74
Fig. 23 Canais projetados pela Comissão de Morais Rêgo para a Baía de Guanabara,
com destaque para o Rio Guaxindiba..............................................................................77
Fig. 24 Canal extravasor de Cangurupi, que faz a ligação entre as bacias dos rios
Guaxindiba e Macacu......................................................................................................78
Fig. 25 Ponte sobre o Rio Alcântara. Fonte: Góes, 1934............................................78
Fig. 26 Panfleto do loteamento Jardim Catarina (1953)..............................................81
Fig. 27 Canal Isaura Santana completamente assoreado, com lixo nas margens,
gigogas (Eichhornia crassipes) no leito e fluxo lento.....................................................81
Fig. 28 Comparação entre a rede de drenagem na década de 1940 e em 1966...........82
Fig. 29 Comparação da rede de drenagem em 1966 e 1975.........................................84
Fig. 30 Morador aponta para canal de primeira ordem manilhado..............................85
Fig. 31 Degradação hidromorfológica dos canais e ocorrência de
enchentes.........................................................................................................................86
Fig. 32 Perfil longitudinal do rio Alcântara....................................................................90
Fig. 33 Canalização parcial para a construção de um shopping Center no alto curso do
rio Alcântara........................................................................................................91
Fig. 34 Canal Isaura Santana, no baixo curso do rio Alcântara, completamente tomado
por gigogas (Eichhornia crassipes) e tifas (typha domingensis), com velocidades de
fluxo muito baixa...............................................................................................92
Fig. 35 Seções transversais levantadas no rio Alcântara................................................95
Fig. 36 Fixação de uma das margens do rio
Guaxindiba..........................................................................................................96
Fig. 37 Crianças observam o rio Camarão da janela de sua casa, cujos alicerces estão
fincados no leito do rio..........................................................................................96
Fig. 38 Rio Goianã, no alto curso da sub-bacia do rio Guaxindiba, onde a mata ciliar foi
completamente destruída e o rio retificado....................................................................100
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Parâmetros indicadores de degradação hidromorfológica ....................................... 35
Tabela 2: Informações sobre as cartas topográficas utilizadas ....................................... 41
Tabela 3: Informações sobre os documentos históricos utilizados na avaliação da alteração dos
canais ............................................................................................................................... 42
Tabela 4: Valores referenciais para a análise hidromorfológica ............................................. 43
Tabela 5: Impermeabilização das unidades geomorfológicas da bacia hidrográfica pelo processo
de urbanização .................................................................................................................. 65
Tabela 6: Classificação dos parâmetros morfométricos ........................................................ 66
Tabela 7: Ordem hierárquica e Relação de Bifurcação ......................................................... 67
Tabela 8: Compilação dos parâmetros morfométricos .......................................................... 69
Tabela 9: Resultados da análise hidromorfológica do leito dos canais fluviais ....................... 89
Tabela 10: Resultados da análise hidromorfológica das margens dos canais fluviais .............. 93
Tabela 11: Dados morfométricos das seções transversais ..................................................... 95
Tabela 12: Resultados da análise hidromorfológica das planícies fluviais .............................. 98
Tabela 13: Resultados finais da análise hidromorfológica .................................................... 99
14
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 16
1.1 Área de estudo ...................................................................................................... 17
1.2 Objetivos ............................................................................................................... 18
1.3 Estrutura do trabalho ........................................................................................... 21
2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................ 22
2.1 A ruptura homem/natureza nas cidades ............................................................... 22
2.1.1 A teoria do risco: aproximações ..................................................................... 23
2.2 Inundações e enchentes: além da etimologia ....................................................... 26
2.2.1 Tipologia das inundações ............................................................................... 27
2.3 Condicionantes naturais ....................................................................................... 28
2.3.1 Processos hidrológicos e a ocorrência de inundações .................................... 28
2.3.2 Estudo das inundações na interface com a geomorfologia ............................ 29
2.3.3 Características morfométricas e comportamento hidrológico da bacia
hidrográfica ............................................................................................................. 30
2.4 Condicionantes antropogênicos ........................................................................... 31
2.4.1 Conflito cidade/rio e a dinâmica das obras de engenharia ............................. 32
2.4.2 Degradação hidromorfológica dos canais e os eventos de inundação ........... 34
3 OBTENÇÃO DOS DADOS ........................................................................................ 39
4 CONDIÇÕES CLIMÁTICAS RELACIONADAS À OCORRÊNCIA DE
INUNDAÇÕES .............................................................................................................. 46
4.1 Condições climáticas regionais ............................................................................ 46
4.2 Caracterização da precipitação na região de São Gonçalo ................................ 51
5 CONDIÇÕES MORFOLÓGICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA .......................... 56
5.1 EMBASAMENTO GEOLÓGICO .......................................................................... 56
5.2 Feições geomorfológicas ...................................................................................... 58
5.2.1 Relevos de agradação ..................................................................................... 60
5.2.2 Relevos de degradação ................................................................................... 61
5.4 Urbanização e impermeabilização das unidades geomorfológicas ..................... 62
6 CONDIÇÕES MORFOMÉTRICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA ....................... 66
6.1 Propriedades lineares ........................................................................................... 67
6.1.1 Ordem hierárquica .......................................................................................... 67
6.1.2 Relação de bifurcação .................................................................................... 68
6.1.3 Número total de canais e frequência de canais de primeira ordem ................ 68
6.2 Propriedades areolares ........................................................................................ 69
6.2.1 Área e perímetro ............................................................................................. 69
6.2.2 Comprimento e largura da bacia .................................................................... 70
6.2.3 Índices de forma ............................................................................................. 70
6.3 Propriedades do relevo ......................................................................................... 71
6.4 Relação dos elementos quantificados ................................................................... 72
15
7 ALTERAÇÃO DOS CANAIS POR OBRAS DE ENGENHARIA ........................... 76
7.1 Lógica da navegabilidade e as primeiras canalizações ....................................... 77
7.2 Secar terras úmidas: as obras do DNOS no contexto do crescimento urbano dos
anos 1940-60 ............................................................................................................... 80
7.3 As mudanças empreendidas nos anos 1960-80 .................................................... 84
7.4 Dinâmicas atuais do território ............................................................................. 84
8 DEGRADAÇÃO HIDROMORFOLÓGICA DOS CANAIS POR AÇÃO
ANTRÓPICA ................................................................................................................. 87
8.1 Situação do leito fluvial ........................................................................................ 89
8.1.1 Desenvolvimento do canal fluvial .................................................................. 90
8.1.2 Curso longitudinal .......................................................................................... 90
8.1.3 Estruturas do leito fluvial ............................................................................... 93
8.2 Situação das margens fluviais .............................................................................. 93
8.2.1 Seções transversais ......................................................................................... 94
8.2.2 Estruturas das margens ................................................................................... 95
8.4 Situação da planície fluvial .................................................................................. 98
8.4.1 Características do uso da terra ........................................................................ 99
8.5 O quadro de degradação dos canais e a ocorrência de enchentes na bacia
hidrográfica ................................................................................................................ 99
9 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ................................................................. 102
10 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 105
10.1 Referências bibliográficas ................................................................................ 105
10.2 Referências cartográficas ................................................................................. 112
16
1 INTRODUÇÃO
O risco é inerente à vida. Ao longo da história, o ser humano moldou a sua vida
e os seus hábitos pela ocorrência de fenômenos naturais desastrosos. A partir da
Revolução Industrial e com o apogeu da cidade como se concebe hoje, os fenômenos
naturais tiveram suas consequências gravosas intensificadas, uma vez que os grandes
aglomerados urbanos cresceram acompanhados pelo crescimento das vulnerabilidades.
A falta de planejamento urbano e de conscientização sobre o risco levou a ocupação de
grandes áreas de planícies de inundação. A ocupação do leito maior dos rios tornou-se
uma constante na geografia urbana brasileira.
A partir da Teoria do Risco (FAUGÈRES, 1989), caberia aos cientistas
pensarem o risco em uma relação sequencial de conceitos: o risco, o perigo e a crise. O
risco e o perigo estão mais ligados à prevenção, enquanto a crise está mais ligada a
gestão e a mitigação das consequências de desastres. Rebelo (2001) representa a análise
do risco sobre três pilares: a observação das condições de ocorrência dos fenômenos, a
cartografia do risco e a modelagem e simulação de cenários, através dos Sistemas de
Informação Geográfica (SIGs). A análise do risco perpassa a complexidade dos
fenômenos, sua potencialidade, a probabilidade de ocorrência, as pressões e os custos
envolvidos na prevenção e o limiar (o risco máximo – limiar entre o risco e o perigo).
As inundações constituem um dos grandes problemas dos espaços urbanos no
Brasil, evidenciando uma clara desarmonia na relação sociedade/natureza. Geógrafos,
urbanistas, planejadores, engenheiros e outros profissionais têm se dedicado em buscar
soluções (estruturais ou não) para o problema, muito embora exista o hábito de apontar
as causas, não sendo fácil encontrar trabalhos que abordem propostas ou diretrizes para
amenizar essa questão.
No quadro dos corredores fluviais urbanos, os eventos naturais são
intensificados pela intervenção antrópica, seja pelo local de construção das moradias,
seja pelas alterações na morfologia dos canais ou pelo despejo de seus efluentes
domésticos. No estado do Rio de Janeiro, especificamente, a ocorrência de inundações
repentinas (flashfloods) tem ceifado vidas e gerado uma série de problemas sanitários,
sociais e econômicos.
17
1.1 Área de estudo
Localizada na borda leste da Baía de Guanabara e drenando uma superfície de
168,37 km², a bacia em estudo é formada pela sub-bacia do rio Alcântara e pela sub-
bacia do rio Guaxindiba e engloba grande parte do município de São Gonçalo e
pequenos trechos dos municípios de Niterói e Itaboraí (figura 1). A sub-bacia do rio
Alcântara conforma uma área de 103 km². O rio principal, rio Alcântara, possui 25 km
de extensão e margeia a RJ-104 até cruzar o bairro de Alcântara, importante centro
econômico da cidade de São Gonçalo. Já a sub-bacia do rio Guaxindiba apresenta uma
área de 65,37 km², correndo o rio principal por uma extensão de 29 km, cortando cerca
de 5 bairros. As nascentes, por parte do Rio Alcântara, localizam-se na Serra Grande,
em Niterói, a cerca de 200 metros de altitude. As nascentes do Rio Guaxindiba, por sua
vez, localizam-se no bairro do Anaia a aproximadamente 120 metros de altitude. A
bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara está sob atuação do Comitê de Bacia da Baía de
Guanabara e, mais especificamente, é gerida pelo Subcomitê Leste.
Os dois rios encontram-se após o bairro de Jardim Catarina e seguem para a
Área de Proteção Ambiental de Guapimirim (APA-Guapi), onde deságua como Rio
Guaxindiba na Baía de Guanabara. Ao longo de seu curso, apresentam diversas
canalizações, a destacar o Canal de Guaxindiba, localizado no baixo curso, pouco antes
do rio adentrar no ecossistema manguezal.
O uso da terra é predominantemente urbano, sendo a ocupação completamente
desordenada. A população do município de São Gonçalo, de acordo com dados do
Censo Demográfico de 2010 do IBGE, é de 999.728 habitantes. Ainda de acordo com o
Censo 2010, de um total de 258.290 domicílios, 15,47% (39.981) não possuíam rede de
esgoto. Ao longo de seu curso, os rios principais e os contribuintes recebem uma
elevada carga de esgotos domésticos e efluentes industriais sem tratamento, fazendo
com que as águas cheguem muito poluídas ao baixo curso e à Baía de Guanabara.
Os rios, ao longo de seus cursos, encontram-se em avançado estágio de
degradação. Muitos canais foram retificados no decorrer do processo de urbanização.
Acrescente-se o fato do processo de ocupação da bacia ter sido marcado pela autogestão
habitacional, quando, sem supervisão das autoridades competentes, os próprios
moradores executam obras de caráter público (pontes de madeira improvisadas,
contenção e concretagem de margens, pinguelas etc.), além de casas construídas em
áreas inadequadas. Atualmente, as ações de manejo dos rios baseiam-se apenas na
18
dragagem esporádica dos canais, não havendo nenhum tipo de política orgânica que
pense a bacia hidrográfica numa perspectiva integrada. Além disso, é importante
destacar que grande parte do município de São Gonçalo não dispõe de sistemas
eficientes de coleta de lixo, o que faz com que as margens dos rios tornem-se áreas de
depósito de dejetos e entulho.
No Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR do Município de São
Gonçalo (SÃO GONÇALO, 2008), foram identificados 32 trechos de recorrência de
inundações na bacia, 8 deles considerados de risco altíssimo. De acordo com Salgado et
al. (2007a, 2007b), todo o município de São Gonçalo é rotineiramente afetado por
grandes eventos de inundação.
Nas diversas ocasiões de inundação, o nível das águas chega a alcançar um
metro acima do nível das ruas, invadindo residências e estabelecimentos comerciais,
causando diversos danos, materiais e imateriais, à população. No evento de abril de
2010, foram registradas 9 mortes somente em São Gonçalo, em decorrência das chuvas
que assolaram especialmente os municípios da borda leste da Baía de Guanabara. Nessa
ocasião, vários trechos do município foram tomados pelas águas do rio Alcântara
(figuras 2 e 3).
1.2 Objetivos
A investigação tem como objetivo geral identificar os condicionantes climáticos
e antropogeomorfológicos para a ocorrência de inundações na bacia dos rios
Guaxindiba/Alcântara. Especificamente, com a pesquisa objetiva-se ainda:
1 Relacionar as características pluviométricas do município de São Gonçalo com a
ocorrência de inundações na bacia;
2 Identificar as principais influências das condições morfológicas e morfométricas
dos canais no desenvolvimento de inundações;
3 Avaliar o grau de alteração nos canais por obras de engenharia;
4 Mensurar o grau de degradação dos canais pela ação antrópica;
5 Relacionar a alteração dos canais e a degradação à ocorrência e intensidade das
inundações.
19
F
Figura 1: Localização e detalhe da área de estudo.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
20
Figura 2: Bairro do Alcântara atingido pelo transbordamento das águas do rio Alcântara,
ocasionado pelas intensas precipitações de abril de 2010. A linha azul indica o local do leito do
rio em situação normal de vazão. Fotografia: Jornal O São Gonçalo, 08/04/2010.
Figura 3: Rua Navarro da Costa, nas proximidades imediatas da margem direita do Canal Isaura
Santana, no bairro Jardim Catarina (baixo curso da bacia hidrográfica) completamente alagada.
Fotografia: Sidney M. Mafort, 06/04/2010.
21
1.3 Estrutura do trabalho
De modo a contemplar os objetivos propostos, o trabalho foi organizado de
modo a combinar a análise das características naturais da bacia com o impacto da
ocupação humana. O intuito não foi estabelecer uma escala de valoração entre tais
fatores, mas estabelecer uma investigação complexa sobre a problemática das
inundações, abarcando, por um lado, a dinâmica e a suscetibilidade do meio natural e,
por outro, a efetividade da ação humana e as vulnerabilidades desencadeadas.
O trabalho está organizado em 10 capítulos: os três primeiros englobando a
introdução, o referencial teórico e a metodologia; os cinco seguintes (cap. 4, 5, 6, 7 e 8)
contemplam o desenvolvimento da pesquisa e os resultados obtidos; os dois capítulos
finais referem-se às considerações finais e às referências bibliográficas.
Especificamente em relação ao desenvolvimento, no capítulo 4 foram analisadas
as condições climáticas da bacia hidrográfica, sobretudo, naqueles aspectos que podem
ser relevantes ao desenvolvimento de inundações, sobretudo, a precipitação.
No capítulo 5, através do estudo das características do embasamento geológico e
das principais feições geomorfológicas, realizou-se a análise morfológica da bacia. O
capítulo é complementado pelo capítulo 6, que aborda a análise morfométrica da bacia.
Os dois capítulos oferecem uma visão global do relevo da bacia hidrográfica.
Os capítulos seguintes, por sua vez, dedicam-se à avaliação do fator antrópico.
No capítulo 7, foram analisadas as principais alterações na rede hidrográfica ao longo
do século XX.
A degradação resultante dessas alterações é o tema do capítulo 8. A partir da
observação das feições do leito, das margens e da planície fluvial, construiu-se um
arcabouço empírico capaz de fornecer um quadro completo da situação
hidromorfológica da bacia.
22
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A ruptura homem/natureza nas cidades
Ao longo da história da humanidade, diversas concepções de natureza foram
gestadas, desde os tratados da Antiguidade Clássica até as mais recentes discussões
sobre sustentabilidade. Nessas reflexões, o papel do homem esteve vinculado aos
diferentes paradigmas de entendimento de mundo vigentes.
A partir do apogeu do paradigma renascentista do antropocentrismo, o homem é
colocado no centro da existência e em torno dele gira todo o mundo concebido. Surge,
então, a noção de que a natureza deveria ser dominada pelo homem e de que tudo que se
relaciona com ela se opõe ao humano: o cultural surge como oposição ao selvagem.
A natureza se define, em nossa sociedade, por aquilo que se opõe à
cultura. A cultura é tomada como algo superior e que conseguiu
controlar e dominar a natureza. (...) A natureza é, em nossa sociedade,
um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem, muito embora
saibamos que nem todos os homens são proprietários da natureza
(PORTO-GONÇALVES, 2002).
Essa noção foi basilar no desenvolvimento das cidades tal como conhecemos
hoje. A partir da Revolução Industrial, quando o operariado passa a se localizar em
torno das fábricas, surge a concepção moderna de cidade, nascida na precariedade e sob
o jugo de esconder, camuflar ou mudar tudo aquilo que fosse natural.
Marx, em suas análises sobre o sistema capitalista e a organização do operariado
no século XIX, faz referência ao metabolismo na relação do homem com a natureza,
implicando uma noção de “troca material” entre eles. O humano se diferencia do animal
por conseguir mentalizar e planejar sua ação transformadora (trabalho) na natureza, de
forma a ser ele o único capaz de instrumentalizar a natureza de uma forma tão
elaborada. Historicamente, o ser humano se organizou sob diversas organizações sociais
e modos de produção, pois seu trabalho e sua relação com a natureza só ocorre de forma
social, conjunta e mediada. Após tanto tempo de existência no planeta, este ser social já
deveria ter desenvolvido profundas formas de se planejar para se inserir dentro do ritmo
metabólico da natureza. Contudo, este planejar só se dá socialmente e depende
igualmente de um tipo de organização social ou modo de produção que seja favorável a
isso.
23
O trabalho é, antes de qualquer outra coisa, um processo entre o
homem e a natureza, um processo pelo qual o homem através das suas
próprias ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele e a
natureza. Ele encara os materiais da natureza como uma força da
natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem ao
seu próprio corpo, aos braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de
apropriar os materiais da natureza de uma forma adaptada às suas
próprias necessidades. Através deste movimento, ele atua sobre a
natureza externa e a modifica, e assim simultaneamente altera sua
própria natureza... Ele [o processo do trabalho] é a condição universal
da interação metabólica entre o homem e a natureza, a perpétua
condição da existência humana imposta pela natureza. (MARX1 apud
FOSTER, 2005).
Como o sistema capitalista é marcado pela propriedade privada, a natureza não
pertence a todos, mas apenas a quem possui recursos para dominá-la, seja a classe
dominante, seja o Estado. Nesse contexto, os trabalhadores estariam submetidos a uma
constante alienação, que se projeta sob a forma de uma falta de consciência do
trabalhador sobre os impactos que ele causa sobre a natureza, pois a mesma já não o
pertence mais, ela passa a ser apenas a matéria-prima do proprietário. Este é o início da
ruptura metabólica, quando o poder de decisão sobre os rumos do trabalho social (do
coletivo) é passado apenas para as mãos de quem é proprietário e, portanto, controla as
forças produtivas.
Todo este processo se intensifica na sociedade moderna, principalmente com o
fenômeno da urbanização. A cidade se constrói enquanto lócus do consumo social e,
consequentemente, também o lócus da ruptura metabólica, onde diariamente os seres
humanos gerem sem ter absoluto controle dos impactos na natureza (na produção e no
consumo). A cidade funciona, então, como uma grande consumidora de materiais
orgânicos e inorgânicos e também como uma grande produtora de resíduos, os quais a
natureza não dá conta de sintetizar por conta do volume e da concentração.
2.1.1 A teoria do risco: aproximações
Os riscos sempre acompanharam a história humana e, também por isso, seu
estudo envolve várias áreas do conhecimento que, interdisciplinarmente, constroem a
teoria do risco. Discutida por muitos autores, a teoria vêm sendo formulada ao longo
dos anos e aplicada às mais diversas ciências e aos mais variados estudos de caso.
1 MARX, K. Capital. São Paulo: Difel, 1985.
24
Na Geografia, no entanto, parece haver certa resistência a utilizar uma teoria do
risco, de modo que os geógrafos, ao estudar os riscos, sobretudo, naturais, vêm
formulando seus próprios conceitos e noções. Esses conceitos e noções por vezes não
estão articulados em uma teoria sobre os riscos e, portanto, não têm sustentação.
Ademais, esta gama de conceitos iguais com diversas definições confunde a
comunidade científica, não contribuindo para a coesão dos estudos sobre os riscos
naturais, fundamentais ao ordenamento do território e à própria vida humana.
De acordo com Cutter (1993), a falta de estudos teóricos sobre os riscos naturais
faz com que haja uma dificuldade incrível de se conceituar adequadamente as noções e
os conceitos inerentes à esta temática. Some-se a este fato a dificuldade em se traduzir
alguns termos que só têm verdadeiro sentido nas línguas inglesa e francesa. Quando
traduzidas para a língua portuguesa, estas palavras tendem a perder o seu sentido ou
terem uma considerável redução do seu significado (TELES, 2010; VARNES, 1984).
Para alguns autores, o risco seria equivalente ao produto de um perigo e da
vulnerabilidade, isto é, o risco como uma relação ou produto (UNISDR, 1990;
WESTEN et al., 2006):
R = H . V ou
Outros encaram o risco de uma forma mais genérica, de modo a não esgotar as
possibilidades conceituais. De acordo com a sua concepção, o risco pode ser entendido
em função do hazard e da vulnerabilidade. Deste modo, aproximam-se da teoria de
Faugères (1990, 1991), um dos únicos cientistas e se debruçarem na construção de uma
teoria do risco (DAUPHINÉ, 2001; REBELO, 2003; TELES, 2010):
Risco = f (hazard, vulnerabilidade)
Veyret (2007), insere a noção de “percepção” no conceito de risco, definindo-o
como a “percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um grupo
social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele”.
A partir das contribuições da UNDRO/ONU (1979), IPT (2007), de Veyret
(2007), partindo-se do pressuposto do “risco” como um conceito amplo e dependente de
um “perigo” e de uma “vulnerabilidade”, pode-se chegar às seguintes conceituações:
Risco – É a possibilidade de ocorrência de consequências gravosas, econômicas
ou mesmo para a segurança das pessoas, em resultado do desencadeamento de um
fenômeno caracterizado como hazard.
25
Perigo – Desregulação de um estado de normalidade, causado pela ocorrência de
um fenômeno com uma determinada magnitude (a que está associado um potencial
destrutivo), num determinado período de tempo e numa dada área.
Vulnerabilidade – Grau de exposição, sensibilidade e fragilidade de uma
população à ocorrência de um fenômeno (natural ou induzido pelo Homem) com
determinada magnitude ou intensidade. Pode ser humana, socioeconômica ou ambiental.
Suscetibilidade – Indica a potencialidade de ocorrência de processos naturais e
induzidos em uma dada área, expressando-se segundo classes de probabilidade de
ocorrência.
Os riscos naturais são comumente referidos como aqueles no qual o fenômeno
que gera os danos tem sua origem na natureza. Esse tipo de risco foi o primeiro a assolar
a vida humana, sobretudo, a ocorrência de tempestades, incêndios e outros que
assustavam e mudavam a rotina das comunidades primitivas.
Figura 4: Modelo conceitual adotado.
Fonte: Fernando Damasco, 2013.
Na atualidade, a ocorrência de riscos naturais é motivo de estudo e investigação
pela comunidade científica. Embora a humanidade não possua a veleidade de eliminá-
los, os riscos podem ser previstos, geridos e analisados nos seus pormenores, de forma
que o planejamento e o ordenamento do território, a partir de uma análise ex-ante dos
cenários, possam criar estratégias de prevenção e controle de consequências danosas.
Diversos autores têm abordado os riscos inerentes aos corredores fluviais, bem
como àqueles relacionados aos processos hidrológicos especificamente, não havendo
um consenso sobre a nomenclatura a ser utilizada.
26
Alguns autores utilizam a terminologia risco hidrológico, referindo-se aos riscos
que derivam de possíveis perturbações no ciclo hidrológico, em variadas escalas de
análise e envolvendo os mais variados processos hidrológicos (precipitação, infiltração,
percolação, escoamento superficial, evaporação etc.).
Arnaud-Fassetta et al. (2009) destacam-se por referir-se ao risco fluvial,
definindo-o como “a integração de riscos direta ou indiretamente relacionados com a
ação de fluxos de água superficiais: inundação, erosão vertical ou lateral e assoreamento
do canal, avulsão do canal sobre a planície fluvial, poluição e grandes enxurradas”.
2.2 Inundações e enchentes: além da etimologia
Na literatura científica, é muito comum encontrar-se os termos enchente e
inundação como sinônimos. No entanto, essa generalização pode causar equívocos nas
ações arquitetadas durante o planejamento, comprometendo uma eficiente gestão
ambiental.
A necessidade de um esclarecimento parte da própria etimologia das palavras. O
termo enchente deriva do verbo encher, que por sua vez vem do latim implere, pleno,
completo, repleto, formada por in – em, e plenus – cheio, do grego pléos – cheio. Já o
termo inundação deriva do verbo inundar, que provem do latim inundare, cobrir de
água em movimento, alagar, submergir, formada por in – em, e por unda – onda, em
onda (NASCENTES, 1955; CUNHA, 1982).
Pela própria etimologia da palavra, pode-se concluir que o termo enchente
refere-se ao ato de completar um vão, tornar repleto, o que, aplicado à geomorfologia
fluvial pode ser interpretado como movimento natural do rio entre cheia e vazante,
durante o qual ocorrem picos, quando o nível das águas pode alcançar o leito maior. No
que se refere às inundações, a definição etimológica traz a noção de alagamento,
submersão, sob a forma de onda, o que se aplica aos eventos urbanos nos quais as águas
dos rios avançam pela planície fluvial, alagando ruas, casas e prédios, tendo a água que
ser escoada pelos sistemas de drenagem urbana (figura 5). Às inundações está
intimamente ligada a noção de superação da capacidade de descarga da calha do rio e o
extravasamento das águas para os terrenos marginais (CÂNDIDO, 2007; IPT, 2007).
27
Figura 5: Esquema visual da diferenciação entre enchente e inundação. No primeiro esquema, o
canal fluvial em comportamento normal, na média histórica; depois, logo abaixo, o canal em
situação de enchente, isto é, com nível da água acima da média histórica, mas sem
transbordamento para a planície fluvial; por último, o canal fluvial em situação de inundação.
Fonte: Goerl & Kobiyama (2005).
2.2.1 Tipologia das inundações
As inundações podem ser classificadas a partir de diferentes aspectos da sua
ocorrência. A Defesa Civil brasileira classifica os eventos em função da sua magnitude,
isto é, entre inundações excepcionais, grande magnitude, normais ou pequena
magnitude (IPT, 2007; GOERL & KOBIYAMA, 2005).
No entanto, pode-se estabelecer um sistema de classificação a partir do padrão
evolutivo dos eventos de inundação. Nessa abordagem, os eventos são classificados
como inundações graduais e inundações bruscas.
As inundações graduais, também chamadas de lentas ou de planície, decorrem
de uma situação anterior de cheia e possuem baixo potencial destrutivo. Por muitas
vezes, não geram muitas perdas em vidas porque, devido à lentidão da subida do nível
das águas, permitem a evacuação das áreas atingidas.
As águas elevam-se de forma paulatina e previsível, mantém em
situação de cheia durante algum tempo e, a seguir, escoam
gradualmente. Normalmente, as inundações graduais são cíclicas e
nitidamente sazonais” (CASTRO, 2003).
28
De acordo com Mediondo (2005), as inundações bruscas são caracterizadas pela
curta duração e pela rápida elevação da onda de inundação e, consequentemente, do
nível das águas e têm como principal causa uma chuva torrencial. As inundações
bruscas são muito frequentes em bacias hidrográficas com grande desnivelamento
altimétrico e vales profundos. Nestes cenários, os fluxos superficiais arrastam uma
grande carga sedimentar proveniente de margens e terrenos afetados pela erosão lateral.
Por isso, possuem grande capacidade de destruição (PLATE, 2002).
2.3 Condicionantes naturais
Os fatores que influenciam na ocorrência de inundações podem ser classificados
em transitórios (chuvas, saturação do solo e evaporação), fatores permanentes
(morfometria da bacia e geologia) e os fatores permanentes e transitórios, caracterizado
pelo uso da terra (RODDA2 apud FRANCISCO, 1991). Neste trabalho, optou-se pela
classificação entre condicionantes naturais e condicionantes antropogênicos, sobretudo,
porque objetiva destacar o papel da ação humana no desencadeamento de eventos
desastrosos de inundação.
Apesar da maior parte das inundações de que se têm notícia ocorrerem no meio
urbano, a urbanização não pode ser colocada como o único fator desencadeador de tal
processo. Na verdade, as características naturais da bacia podem ter influência
fundamental no desenvolvimento dos canais. Por isso, a investigação das características
dos processos hidrológicos, da morfologia e da morfometria do relevo tornam-se
fundamentais.
2.3.1 Processos hidrológicos e a ocorrência de inundações
O desenvolvimento de inundações está diretamente relacionado com a dinâmica
do funcionamento dos processos hidrológicos, sobretudo, precipitação, infiltração e
escoamento superficial.
De acordo com Francisco (1991), “a condição básica para ocorrência de
inundações é a entrada de água na bacia hidrográfica”. Dessa afirmação, deriva a ideia
de que o volume de precipitação é um importante desencadeador de eventos de
inundação, muito embora Cooker (1974) defenda que a ocorrência de fortes chuvas não
2 RODDA, J. C. The Flood Hydrograph. In: CHORLEY, R. J. (coord.). Introduction to
Physical Hidrology. London: Metheun, 1969.
29
significa que acontecerá uma inundação, uma vez que partes da precipitação vão sendo
perdidas pelos outros processos hidrológicos que não o escoamento superficial
(evaporação, interceptação, infiltração).
Dentre esses outros processos, a infiltração ganha especial destaque. De acordo
com Coelho-Netto (1994), o termo infiltração foi proposto inicialmente por Horton
(1945) “para expressar a água que molha ou que é absorvida pelo solo”. As
características dos materiais que compõem o solo e da cobertura podem diminuir ou
intensificar a quantidade de água infiltrada, condicionando o volume e intensidade do
escoamento superficial. De acordo com Bigarella & Suguio (1990), quando cessa a
infiltração devido à saturação dos espaços vazios do solo, inicia-se o escoamento
superficial.
O escoamento superficial é definido por Suguio (1998) como “fenômeno pelo
qual as águas meteóricas correm pela superfície do terreno”. O escoamento caracteriza-
se, portanto, como um processo natural que, com as características naturais dos rios
mantidas, não apresentaria maiores problemas. No entanto, com a urbanização e o
avanço das áreas impermeáveis, os volumes escoados se tornam exponencialmente
maiores que os infiltrados o que desencadeia tantos eventos desastrosos.
2.3.2 Estudo das inundações na interface com a geomorfologia
Os fatores que controlam a dinâmica hidrológica de uma bacia estão diretamente
relacionados com as suas características geomorfológicas e geológicas (LIMA, 1986).
Os processos hidrológicos são diretamente afetados pelas variações na morfologia,
podendo ser intensificados ou mitigados de acordo com os diferentes estágios de
evolução da paisagem.
Na verdade, a bacia hidrográfica deve ser analisada como um sistema aberto, em
constante equilíbrio dinâmico (LIMA, 1986). Nela, atuam em diferentes proporções e
escalas, a erosão, o transporte e a deposição, como também processos de natureza
endógena. Assim, a bacia constitui uma área limitada por formações geomorfológicas
de altitude, tendo a confluência de uma rede de drenagem como referência. É, portanto,
um sistema geomorfológico, hidrográfico, pedológico, biogeográfico e socioambiental.
30
Na análise da bacia hidrográfica, várias metodologias de estudo são empregadas,
por profissionais das diversas áreas de estudo. No âmbito da Geografia, ganham
destaque aquelas que debruçam-se sobre o entendimento da evolução do modelado e
dos padrões de drenagem, das características físicas da bacia e aqueles que priorizam o
estabelecimento de relações intrínsecas entre a morfologia e a morfometria
(CHRISTOFOLETTI, 1969).
A investigação da evolução do relevo tem grande importância no entendimento
doas atuais processos que moldam a paisagem, podendo ser de grande interesse para o
ordenamento do território e para a prevenção de riscos naturais. A Geomorfologia,
enquanto ciência própria de estudo do modelado, possui diversas metodologias de
análise do relevo, desde os pressupostos fundamentais, expostos nas teorias clássicas de
Davis, Penck, King e Hack, como também dos geomorfólogos contemporâneos. Para
Casseti (2005), a importância do relevo para o entendimento da dinâmica da paisagem
explica-se a partir de três pressupostos: a relação de forças contrárias (processos
endógenos e exógenos); as relações morfopedológicas; e as relações
antropomorfológicas.
A investigação geomorfológica abre-se, portanto, a novos horizontes,
contemplando também a apropriação de relevo pelas mais diversas sociedades ao longo
da história. As inundações poderiam ser mais bem estudadas pelos geomorfólogos
fluviais, uma vez que tais eventos têm influência direta na alteração das formas
principais do leito, das margens e da planície (BAKER et al., 1989). Em eventos
extremos, o próprio curso do rio pode ser alterado.
2.3.3 Características morfométricas e comportamento hidrológico da
bacia hidrográfica
Horton (1945) foi o primeiro a fazer estudos relacionados a aspectos físicos e
quantitativos das bacias hidrográficas. Souza (2005) aponta que, após os contributos
hortonianos, muitos autores dedicaram-se à temática, destacando-se Strahler (1952,
1964), Chorley (1957), Morisawa (1962) e Zãvoianu (1985).
De acordo com Horton (1945), a análise morfométrica de bacias hidrográficas
pode ser entendida em Geomorfologia como processos sistemáticos e racionais, cuja
preocupação é a de medir as formas do relevo, ou seja, a morfometria das bacias de
drenagem.
31
A partir da década de 1950, novos parâmetros foram definidos, conforme
apresentado nos estudos de Strahler (1952, 1964), Tolentino et al. (1968) e
Christofoletti (1969, 1970, 1977, 1978, 1980), dentre outros. Preocupado com o
entendimento da importância e descrição dos variados aspectos da
análise morfométrica das bacias de drenagem, Christofoletti (1969) desenvolveu um
trabalho bastante completo, integrando os índices e parâmetros desenvolvidos.
Lourenço (1988) dividiu os fatores morfométricos em cinco classes distintas:
propriedades lineares (que relacionam-se mais diretamente aos canais de drenagem);
propriedades areolares (relacionados à forma e à extensão das bacias de drenagem); as
propriedades de relevo; o estudo dos declives; relações entre os elementos
quantificados.
Horton (1945), pioneiro dos estudos de morfometria, deduziu que a área e a
densidade da drenagem são altamente correlacionados com a descarga máxima da
inundação. Morisawa (1962) sugeriu que o volume do escoamento superficial é função
da área, do comprimento total dos canais, da circularidade e da taxa de relevo da bacia.
Zãvoianu (1985) propõe que o tempo total de duração das inundações e o tempo
de elevação das águas são diretamente proporcionais à área da bacia e ao comprimento
do canal principal e inversamente proporcional à declividade média da bacia ou do
canal principal.
De acordo com Souza (2005), a morfometria da bacia hidrográfica é responsável
pela suscetibilidade morfométrica ao desenvolvimento de inundações. A autora elencou
15 parâmetros morfométricos e os relacionou diretamente com a ocorrência e
intensidade das inundações.
2.4 Condicionantes antropogênicos
Os estudos acerca dos efeitos da atividade humana sobre o meio ambiente
tiveram como primeiro marco, de acordo com Gregory (1992), a obra Man and Nature
or physical geography as modified by human action, publicada em 1864 por George
Marsh.
Rodrigues & Gouveia (2013) e Vieira & Cunha (2003) destacam a obra de
Goudie (1992; 1993; 1994) como um enorme contributo no sentido de sistematizar o
conhecimento geomorfológico que deveria ser acessado para avaliar os efeitos das ações
32
antrópicas na superfície terrestre, relacionando, inclusive com a ocorrência de riscos
naturais (GOUDIE & ALCÂNTARA-AYALA, 2010).
Rodrigues & Gouveia (2013) ressaltam, ainda, que a intervenção antrópica no
ambiente biofísico interfere diretamente nos padrões dos materiais e processos da
superfície:
a geomorfologia assume importância fundamental nos estudos
urbanos, pois grande parte dos problemas ambientais nesse meio é
resultante de mudanças produzidas pela ação antrópica, nas formas,
na localização e constituição dos materiais superficiais e nos
balanços dos processos geomorfológicos (RODRIGUES &
GOUVEIA, 2013).
2.4.1 Conflito cidade/rio e a dinâmica das obras de engenharia
O processo de urbanização que se desenvolveu no Brasil, sobretudo a partir da
segunda metade do século XX, não veio acompanhado de políticas efetivas de
planejamento e gestão territoriais, de modo que as populações foram ocupando áreas
impróprias sem a supervisão das autoridades, constituindo ambiências insalubres e
complexos espaços de risco nas cidades.
Os rios, devido à sua praticidade para a função excretora, constituem-se como
elementos muito sensíveis e mais impactados pela ação humana. Associado ao alto grau
de impermeabilização do solo trazido pelo padrão asfalto/concreto, este quadro de
degradação gera eventos extremos de inundação que causam consequências gravosas à
população.
Para tanto, as populações desenvolveram medidas no intuito de mitigar esses
eventos calamitosos. Tucci (2006) classifica essas medidas entre as medidas não
estruturais, caracterizadas por se referirem a uma noção ex-ante de planejamento do
território, e as estruturais, mais ligadas ao planejamento ex-post.
Em outras palavras, o autor define as medidas não estruturais como aquelas que
se preocupam com a prevenção, como os mapeamentos e zoneamentos de áreas de
inundação. Por sua vez, as medidas estruturais buscam a intervenção e a modificação do
ambiente fluvial, sobretudo, a partir das obras de engenharia.
De um modo geral, essas intervenções têm como objetivo principal minimizar os
impactos das inundações causadas pelo alto grau de impermeabilização do solo. No
entanto, em muitos casos, essas obras redirecionam os fluxos superficiais, criando novos
padrões de drenagem. Ao mesmo tempo que o volume do escoamento difuso, do
33
escoamento em subsuperfície e da infiltração são diminuídos, há uma intensificação do
escoamento superficial porque as intervenções não permitem a infiltração da água no
solo e criam leitos pluviais nas ruas nos grandes eventos de precipitação (FUJIMOTO,
2008).
Desde os anos 1960, muitos investigadores têm estudado as alterações nos rios
por ações antrópicas, sobretudo na tentativa de elucidar as causas, características,
localização e temporalidade dos efeitos ambientais concernentes às mudanças nos
canais (CHIN & GREGORY, 2005; GREGORY, 2006; RODRIGUES, 2010; CUNHA,
2012, entre outros). Essas mudanças denunciam diferentes graus de degradação que, por
sua vez, refletem o uso da terra de toda a bacia hidrográfica.
No âmbito dos canais fluviais, a canalização é a intervenção mais flagrante sobre
o meio físico. Cunha (1995a; 2012), citando Keller (1976) e Brookes (1985), define
canalização como “todas as obras de engenharia praticadas no canal fluvial com a
finalidade de controle das cheias, melhoria na drenagem e manutenção da navegação,
redução da erosão nas margens ou desvio para a construção de estradas”. A autora ainda
apresenta a sumarização proposta por Brookes (1988), que divide a canalização nos
seguintes processos: alargamento e aprofundamento da calha, retificação do canal e
construção de canais artificiais, construção de diques e a remoção de obstáculos no
canal.
A canalização modifica o canal, ocasionando muitas vezes o estrangulamento da
seção do rio, devido aos vários tipos de obras realizadas. A eficiência do fluxo é
prejudicada, uma vez que as obras tendem a ignorar as variáveis morfométricas e
morfológicas dos canais fluviais. Cunha (2012) ressalta ainda que os efeitos sobre os
ambientes fluviais englobam mudanças no ambiente do próprio trecho canalizado, a
jusante da canalização e na planície de inundação. É necessário, portanto, que sejam
avaliadas as mudanças, no intuito de verificar a espacialidade das alterações e sua
correlação com a ocorrência de riscos naturais, subsidiando projetos de planejamento e
recuperação dos canais.
As alterações nos canais ocorrem de forma diferenciada no espaço, apresentando
características distintas de acordo com a sua localização, de modo que as respostas do
sistema são complexas (SCHUMM, 1973). Conforme apresentado por Chin & Gregory
(2001), as alterações variam também em característica e grau de intervenção, de modo
que cada bacia, de acordo com as condições históricas de ocupação apresenta um padrão
espacial próprio.
34
2.4.2 Degradação hidromorfológica dos canais e os eventos de inundação
A degradação do ambiente tem sido o foco de muitas pesquisas na Geografia a
partir da década de 1990. De acordo com Guerra & Guerra (1997) a degradação
ambiental é:
(...) causada pelo homem, que, na maioria das vezes, não respeita os limites
impostos pela natureza. A degradação ambiental é mais ampla que a degradação
dos solos, pois envolve não só a erosão dos solos, mas também a extinção de
espécies vegetais e animais, a poluição de nascentes, rios, lagos e baías, o
assoreamento e outros impactos prejudiciais ao meio ambiente e ao próprio
homem.
Cunha & Guerra (1997) propuseram que a degradação ambiental não pode ser
analisada apenas sob o ponto de vista físico, uma vez que deve ser entendida de forma
global, integrada, holística, levando-se em conta as relações existentes entre a
degradação natural e a sociedade, que pode ser a causadora dessa degradação ambiental.
Muito embora os autores tenham defendido uma abordagem holística, trabalhos
específicos sobre os aspectos físicos da degradação ambiental são relevantes e podem,
inclusive, subsidiar e referenciar futuros estudos holísticos sobre a temática.
Nesse sentido, o estudo da degradação hidromorfológica ganha relevância. O
termo degradação hidromorfológica foi utilizado no Plano Hidrológico da parte
espanhola da “demarcação” hidrográfica do Douro (BUNED, 2009) e foi definido
como a degradação da morfologia fluvial causada pelos reiterados procedimentos de
limpeza e correção dos rios, aliados à regulação artificial dos regimes hidrológicos e à
redução do transporte de sedimentos, de modo a limitar a capacidade de regeneração
natural do sistema fluvial.
De um modo geral, a degradação hidromorfológica é causada pelas medidas
estruturais empreitadas pelo Estado ou pelos moradores no sistema autogestionário,
desconsiderando, em ambos os casos, a dinâmica natural do rio e as suas variações
espaciais e temporais. A partir da análise dos sistemas fluviais, pode-se levantar alguns
parâmetros que servem como indicadores de degradação hidromorfológica.
Para efeito de correlação, esses parâmetros, a sua definição e a sua influência na
degradação dos canais, encontram-se sintetizados na tabela 1.
35
Tabela 1: Parâmetros indicadores de degradação hidromorfológica
PARÂMETRO DE
DEGRADAÇÃO DEFINIÇÃO
INFLUÊNCIAS NO QUADRO DE DEGRADAÇÃO
HIDROMORFOLÓGICA DOS CANAIS DE DRENAGEM
Sinuosidade
“É uma propriedade inerente ao rio meandrante, que reflete
a intensidade do meandramento do canal. A sinuosidade
aumenta com a distância a partir da fonte, acompanhando a
diminuição da declividade e o aumento da participação dos
sedimentos pelíticos no correspondente registro sedimentar”
(SUGUIO, 1998).
A literatura indica que a presença de canais retos na natureza são
raros, existindo apenas aqueles controlados por linhas tectônicas ou
por cordões arenosos. De acordo com Cunha (1995b), as “formas
meandrantes representam um estágio de estabilidade do canal,
denunciando um certo ajustamento entre todas as variáveis
hidrológicas; no entanto, esse estado de equilíbrio, representado
pela formação dos meandros, poderá ser alterado pela ocorrência
de um distúrbio na região, como, por exemplo, a atuação do
homem”. Portanto, quanto mais reto estiver o rio, com exceção
daqueles situados nas áreas acima, mais degradado tende a ser o
ambiente onde se localiza.
Barras
“Barra arenosa ou cascalhosa, total ou parcialmente
submersa pelas águas, acumuladas pelas correntes fluviais
em diferentes partes do canal.” (SUGUIO, 1998).
As barras fluviais são feições presentes em todos os tipos de
canais, desde os retilíneos até os meandrantes. Portanto, a sua
ausência no perfil dos canais indica a degradação
hidromorfológica, tendo como principal rebatimento o aumento da
velocidade do fluxo.
Troncos e ilhas
“Ilha fluvial é aquela que é circundada apenas por água
doce, aparecendo no leito de um rio. Sua origem pode estar
ligada à própria sedimentação fluvial” (GUERRA &
GUERRA, 1997).
A presença de troncos e ilhas deve ser analisada quanto à sua
origem. Os troncos e ilhas que se fazem presentes no leito do canal
pela dinâmica natural, isto é, por árvores que tombaram no leito em
ocasiões de tempestade e, no caso das ilhas, por sedimentação
natural, indicam a presença de dinâmica natural do rio. No entanto,
de acordo com Cunha (2008), se as ilhas foram formadas por
contribuição do lixo, acabam por reduzir a capacidade do canal,
favorecendo as inundações e piorando a qualidade da água.
36
Barragens
As barragens são barreiras artificiais construídas em um
curso de água para retenção/represamento de água.
A construção de barragens limita a continuidade do fluxo, o
transporte de sedimentos e migração da biota (MORISAWA,
1985). Esse tipo de obra rompe a sequência natural dos rios em três
áreas distintas: na montante (nível de base levantado altera a forma
do canal e a capacidade de transporte sólido, quando ocorre
assoreamento na desembocadura e no fundo do vale principal e
afluentes); no reservatório (mudança da situação lótica para lêntica,
margens de abrasão, aumento da carga de fundo e de suspensão,
provocando assoreamento do reservatório); a jusante (entalhe do
leito, erosão nas margens e deposição a jusante) (CUNHA, 1995a).
Canalização
Cunha (1995a; 2012), citando Keller (1976) e Brookes
(1985), define canalização como “todas as obras de
engenharia praticadas no canal fluvial com a finalidade de
controle das cheias, melhoria na drenagem e manutenção da
navegação, redução da erosão nas margens ou desvio para a
construção de estradas”.
A canalização modifica o canal, ocasionando muitas vezes o
estrangulamento da seção do rio, devido aos vários tipos de obras
realizadas. A eficiência do fluxo é prejudicada, uma vez que as
obras tendem a ignorar as variáveis morfométricas e morfológicas
dos canais fluviais. Cunha (2012) ressalta ainda que os efeitos
sobre os ambientes fluviais englobam mudanças no ambiente do
próprio trecho canalizado, a jusante da canalização e na planície de
inundação.
Pontes Construções erigidas sobre um curso d’água a fim de
permitir a passagem de pedestres e viaturas.
As pontes muitas vezes funcionam como “sérias barreiras ao fluxo,
tornando-se causas potenciais para elevação dos níveis das águas e
consequentes inundações, principalmente quando houver obstrução
por lixo ou sedimentos” (ARAÚJO, 2006).
37
Soleiras (riffles) e
depressões (pools)
São feições que ocorrem ao longo do leito fluvial e definem
margens de erosão e deposição. Nos canais retilíneos, são
formados pela homogeneidade no volume do material do
leito. Nos meandrantes, devido à dinâmica de erosão e
deposição das margens.
De acordo com Cunha (2008), “canais artificiais apresentam
formato bastante regular (morfologia simétrica), com alteração nas
taxas de erosão e na relação largura/profundidade. Nos rios
naturais, essas seções transversais são irregulares, apresentando
soleiras (riffles) e depressões (pools)”.
Diversidade do fluxo
“O fluxo laminar ocorre quando a água escoa ao longo de
um canal reto, suave, a baixas velocidades, fluindo em
camadas paralelas acomodadas umas sobre as outras. (...) O
fluxo turbulento é caracterizado por uma variedade de
movimentos caóticos, heterogêneos” (CHRISTOFOLETTI,
1981).
Pela definição, a diversidade do fluxo é uma característica de rios e
canais meandrantes. O fluxo homogêneo e laminar tende a ocorrer
em canais retos, raríssimos na natureza, mas recorrentes em
ambientes artificializados. Portanto, este é um bom indicador de
degradação hidromorfológica, uma vez que em um rio sem
condicionamento geológico para ser reto, onde ocorra o fluxo
laminar, é presumível que houve intervenção por obras, não
caracterizando um ambiente com a mesma diversidade
hidromorfológica presente nos ambientes naturais.
Tubulações Conjunto de tubos ou canos instalados no leito ou nas
margens de um canal fluvial.
A presença de tubos e canos nas margens causam a sua
desestabilização, desencadeando, muitas vezes, processos erosivos
que causam o alargamento da calha. Quando instalados no leito
fluvial, remobilizam o material de fundo, alterando a dinâmica da
carga de fundo, o que pode gerar novos pontos de acumulação,
diminuindo a velocidade do fluxo, contribuindo com a degradação
hidromorfológica. Ademais, frequentemente, a presença desses
canos é um indicador de despejo de efluentes domésticos e
industriais no rio.
38
Vegetação e erosão das
margens
“Erosão das margens e do leito de um rio por atividade do
rio.” (SUGUIO, 1998). “Trabalho contínuo das águas
correntes na superfície terrestre. A dissecação feita pela
erosão fluvial está em função do nível de base, do
comprimento do perfil longitudinal, da natureza das rochas,
do clima etc.” (GUERRA & GUERRA, 1997).
“A área marginal de proteção dos rios e canais é importante
elemento de preservação e para a estabilidade do regime
hidrológico. Dessa forma, margens vegetadas são indícios de
redução da largura do canal e menor atuação da erosão marginal”.
Faixa ciliar
“As matas ciliares têm importante papel na ecologia e na
hidrologia de uma bacia hidrográfica, pois auxiliam na
manutenção da qualidade da água, na estabilidade dos solos
das margens, evitando a erosão e o assoreamento, no
desenvolvimento e sustento da fauna silvestre aquática e
terrestre ribeirinha e na regularização dos regimes dos rios
através dos lençóis freáticos. Elas absorvem ainda
quantidades de adubos e defensivos agrícolas excedentes
das lavouras, que de outra forma iriam poluir os rios, pois
estas matas funcionam como um filtro do escoamento
superficial das chuvas” (SELLES, 2001).
A ausência das matas ciliares leva à desestabilização das margens e
ao aumento da erosão lateral, contribuindo com o alargamento da
calha e com o assoreamento do leito, o que intensifica as
consequências dos eventos de inundação. De igual modo, o rio fica
mais vulnerável a contaminações por efluentes domésticos e
industriais. A população tem mais acesso ao rio, aumentando a
possibilidade de despejo de lixo e outros materiais no leito do rio.
A função ecológica de barreira é, por fim, prejudicada.
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
39
3 OBTENÇÃO DOS DADOS
A caracterização do regime pluviométrico na bacia privilegiou o estudo das
condições climáticas regionais, associada à análise dos dados de postos meteorológicos.
Os estudos de Brandão (1992) e Amador (1997) foram considerados devido à
abundância de dados climatológicos apresentados para a cidade do Rio de Janeiro, no
caso da primeira autora, e para a região da Baía de Guanabara, no caso do segundo.
Foram, em seguida, analisados os dados de precipitação da estação climatológica da
FFP/UERJ, localizada no bairro do Patronato, entre as coordenadas 22º49’55,97’’S e
43°04’25,52’’W, que está em funcionamento desde o ano de 2004. Os dados da estação
Colubandê, pertencente ao Sistema de Alerta de Cheias do Instituto Estadual do
Ambiente (INEA) começaram a ser coletados em meados de 2012, não apresentando,
portanto, uma série de dados consistente e, por esse motivo, foi descartada.
Neste item, também foram utilizadas as análises da precipitação feitas por
Salgado et al. (2007a, 2007b) utilizando dados de estações localizadas no entorno do
município. Por fim, para efeito de comparação, foram utilizadas as Normais
Climatológicas (1961-1992) do INMET (BRASIL, 1992).
Para identificar as principais influências da morfologia dos canais no
desenvolvimento de inundações, foi realizada a caracterização do ambiente biofísico. A
geologia e a geomorfologia foram caracterizadas com base nos produtos cartográficos
do Projeto Rio de Janeiro (CPRM, 2001) e d’O Estado do Ambiente (INEA, 2011),
além dos trabalhos de campo, nos quais se pôde observar e confirmar muitas das feições
do relevo.
A análise da morfometria, de acordo com a metodologia de Christofoletti (1969,
1980), reorganizada por Lourenço (1988), foi subdividida em três categorias:
propriedades lineares, propriedades areolares e as propriedades do relevo. As
propriedades lineares e areolares (redução do número e do comprimento de canais,
índice de circularidade da bacia, fator de forma, compacidade, entre outros) foram
determinados pela análise de cartas topográficas relativas à área da bacia na escala
1:50000 (tabela 2) e pela manipulação dos dados no sistema de informação geográfica
ESRI ArcMap 10.0. A análise da morfometria do relevo contou com a elaboração do
mapa de declividade, gerado através de interpolação com o ArcGIS, a partir dos dados
de hidrografia (gerada a partir de imagem de satélite Quickbird do ano de 2006 cedida
40
pela Prefeitura Municipal de São Gonçalo), das curvas de nível com espaçamento de 20
metros e de pontos cotados, estes últimos com base nas cartas topográficas 1:50000 do
IBGE – folhas Itaboraí e Petrópolis – e do DSG – folhas Maricá e Baía de Guanabara.
Para verificar o grau de alteração nos canais por obras de engenharia, foi
priorizada a identificação de quatro formas principais de intervenção nos canais:
retificações, alargamentos, aprofundamentos e desvios. A avaliação contou com a
análise documental de mapas do acervo do extinto Departamento Nacional de Obras de
Saneamento (DNOS) disponíveis para consulta no Arquivo Nacional, com as
aerofotogrametrias da FUNDREM (1975), as cartas topográficas da Baía de Guanabara
(DSG, 1969, 1987) e da imagem de satélite Quickbird de 2006 (tabela 3). O relatório
deixado por Góes (1934) foi fundamental para o levantamento histórico das obras,
sobretudo no que diz respeito àquelas levadas a cabo pelo engenheiro Morais Rêgo.
A avaliação das alterações foi realizada pela sobreposição das drenagens, de
modo a verificar quais foram os setores do rio mais impactados e qual a possível relação
das intervenções com a ocorrência de inundações.
A mensuração da degradação do hidromorfológica dos canais pela ação
antrópica abrangerá as três principais feições fluviais: 1) leito fluvial (desenvolvimento
do canal fluvial, curso longitudinal, estruturas do leito fluvial); 2) margem fluvial (perfil
transversal e estrutura das margens); 3) planície aluvial (uso da terra e faixa ciliar).
A avaliação foi realizada através de trabalhos de campo, durante os quais fez-se
a análise da degradação dos canais, com base em metodologias desenvolvidas por
agências ambientais de países referenciais em gestão de cursos d’água (MEIER, G. et
al., 2012, 2013; ENVIRONMENT AGENCY, 2003; BARBOUR et al., 1999;
PARSONS, M. et al., 2001) com as adaptações necessárias ao ambiente tropical. A
avaliação foi visual e consistiu na análise, a partir de pontes, de 7 trechos de 250 metros
do rio a jusante e a montante. Os trechos escolhidos estão representados na figura 31. O
formulário de análise é composto por 21 parâmetros que são quantificáveis de 0 a 4,
sendo que quanto mais próximo de 4, mais o canal se aproxima de suas condições
naturais, quanto mais próximo de zero, mais degradado ele se encontra (tabela 4).
Esses valores de referência foram definidos a partir da análise da bibliografia nacional e
internacional sobre degradação de canais, conforme está sintetizado na tabela 1. A
partir da média entre os parâmetros, chega-se a uma nota para o trecho, estabelecendo-
se cinco classes de degradação hidromorfológica, conforme propõe Meier (2012):
41
crítico (0,0-0,4), avançado (0,5-1,4), intermediário (1,5-2,4), inicial (2,5-3,4) e natural
(3,5-4,0).
Para a avaliação do grau de degradação das margens, foram aferidas as seções
transversais do rio principal em três pontos nas proximidades de pontos recorrentes de
alagamento e nas proximidades dos trechos canalizados. As seções foram aferidas
através de pontes com auxílio de uma trena para medição da largura e divisão da
distância em partes iguais. Em seguida, utiliza-se uma corda métrica com um peso para
aferição das profundidades. Em gabinete, os dados são processados através do software
Microsoft Excel para a elaboração dos perfis.
A partir dos contributos da literatura científica levantada, por fim, os fatores
regime, alteração dos canais e degradação ambiental foram relacionados à ocorrência de
inundações. Os procedimentos metodológicos descritos foram sumarizados em um
fluxograma, que pode ser conferido na figura 6.
Tabela 2: Informações sobre as cartas topográficas utilizadas
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
NOME ESCALA ANO AUTORIA AEROFOTOS
Baía de
Guanabara 1 : 50000 1987 DSG Aerofotos Cruzeiro S. A. , 1982
Petrópolis 1 : 50000 1979 IBGE Superintendência de Geodésia, 1966
Itaboraí 1 : 50000 1974 IBGE IBGE/FURNAS, 1969
Maricá 1: 50000 1966 DSG DSG, 1962
42
Tabela 3: Informações sobre os documentos históricos utilizados na avaliação da alteração dos
canais
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
TIPO
NOME ESCALA ANO AUTORIA
ANO
DAS
AERO-
FOTOS
FONTE
Mapa Gráfico da
distribuição
dos serviços
na baixada do
Macacu
1 : 50000 1900
(atribuída) Desconhecida ---
Arquivos
do DNOS
guardados
no
Arquivo
Nacional
Mapa
Município de
São Gonçalo 1 : 50000 1932
Departamento
de
Engenharia
do Distrito
Federal
---
Arquivos
do DNOS
guardados
no
Arquivo
Nacional
Mapa
Município de
São Gonçalo 1 : 50000 1938 Desconhecida ---
Arquivos
do DNOS
guardados
no
Arquivo
Nacional
Planta
aerofoto-
gráfica
Planta
aerofotográfica
de Niterói,
Maricá e
Saquarema
1 : 50000
Déc. de
1940
(atribuída)
Desconhecida ---
Arquivos
do DNOS
guardados
no
Arquivo
Nacional
Planta
aerofoto-
gráfica
Planta
aerofotográfica
da Região
Metropolitana
do Rio de
Janeiro
1 : 50000 1976 FUNDREM 1975
Arquivos
do DNOS
guardados
no
Arquivo
Nacional
Carta
topográ-
fica
Baía de
Guanabara 1 : 50000 1969 DSG 1966
DSG
Carta
topográ-
fica
Baía de
Guanabara 1 : 50000 1987 DSG 1982
DSG
Imagem
de
satélite
Imagem
de satélite
Quickbird
2,4 m
(resolução
espacial)
2006 --- ---
Prefeitura
Municipal
de São
Gonçalo
43
Tabela 4: Valores referenciais para a análise hidromorfológica
Feição Parâmetro Observação Nota
Leito
Sinuosidade
Reto 0
Curvo 1
Sinuoso 2
meandrante 4
Barras
Nenhuma 0
poucas 2
Muitas 4
Estruturas especiais (troncos, ilhas
etc.)
Nenhuma 0
Poucas (1-3) 2
Muitas (>3) 4
Barreiras artificiais (limitando a
continuidade do fluxo, sedimentos e
migração de biota, ex. barragens,
vertedouros etc.)
muitas (>3) 0
Poucas (1-3) 2
nenhuma 4
Canalização
Total 0
Parcial 2
Não há 4
Passagens
Muitas (>3) 0
Poucas (1-2) 2
Nenhuma 4
Corredeiras e piscinas Não 0
Sim 4
Diversidade do fluxo Homogêneo 0
Heterogêneo 4
Fixação do leito Artificial 0
Natural 4
Diversidade dos substratos Homogêneo 0
Heterogêneo 4
Estruturas do leito (poços, troncos,
cascatas)
Nenhum 0
Poucos (1-3) 2
Muitos (>3) 4
Margens
Forma do perfil transversal Simétrico 0
assimétrico 4
Profundidade do perfil transversal
Encaixado 0
Moderado 2
Plano 4
Variabilidade da largura Não 0
Sim 4
Tubulações Sim 0
Não 4
Erosão das margens
Intensa 0
Fraca 2
Nenhuma 4
Pontes
Sim 0
Não 4
Sem veg./com fix. 0
Sem veg. /sem fix. 1
44
Vegetação/fixação das margens
Herbáceas 3
Arbóreo-arbustiva 4
Planície
Uso da terra predominante
Urbano 0
Agrícola 1
Pastagem/
terreno baldio 2
Mata/floresta 4
Faixa ciliar
Nenhuma 0
Aberta 2
Densa 4
Estruturas com influência negativa Sim 0
Não 4
Fontes: MEIER, G. et al., 2012, 2013; ENVIRONMENT AGENCY, 2003; BARBOUR et al.,
1999; PARSONS, M. et al., 2001. Organização: Fernando Damasco, 2014.
45
Figura 6: Fluxograma representando a metodologia de investigação. Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
46
4 CONDIÇÕES CLIMÁTICAS RELACIONADAS À OCORRÊNCIA DE
INUNDAÇÕES
A ocorrência e a intensidade das precipitações condicionam diretamente os picos
de vazão. Desse modo, o entendimento do regime pluviométrico é fundamental,
sobretudo, em áreas de grande irregularidade pluviométrica.
De acordo com Monteiro (1976), os desvios de precipitação, como as estiagens,
são eventos que desestabilizam o balanço hídrico e interferem diretamente no
abastecimento dos grandes centros urbanos. O autor, no entanto, salienta que o estudo
da dinâmica dos aguaceiros têm grande relevância no sudeste brasileiro, já que algumas
cidades mais vulneráveis vêm acumulando os mais diversos tipos de perdas e danos.
Neste capítulo, será caracterizado o quadro climático regional da área da bacia
dos rios Guaxindiba/Alcântara para, em seguida, através da análise da bibliografia
específica e da coleta e análise de dados provenientes da estação climatológica mais
próxima, definir os principais elementos que caracterizam a pluviosidade da bacia.
4.1 Condições climáticas regionais
As condições climáticas regionais condicionam o regime pluviométrico. Essas
condições dependem de fatores estáticos (posição geográfica, topografia) e dinâmicos
(sistema de circulação, aspectos térmicos e pluviométricos).
A região da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara encontra-se situada em zona
tropical, caracterizada pela intensa radiação solar – a incidência, de acordo com Amador
(1997), varia de 0,39 a 0,37 cal/cm3/m (ondas curtas) e 0,3 cal/cm³/m (ondas longas). A
grande disponibilidade de superfícies líquidas devido ao Oceano Atlântico e à Baía de
Guanabara se traduz em altos índices de evaporação. A bacia encontra-se ainda a
barlavento da Serra do Mar, o que contribui para os índices mais elevados de
precipitação, devido ao aumento da turbulência do ar pela ascendência orográfica.
O clima da região da Baía de Guanabara foi definido inicialmente por Nimer
(1977) como tropical quente superúmido com subseca. Amador (1997) classificou como
quente e úmido, caracterizado pela ocorrência de fortes aguaceiros em curtos períodos
de tempo (até 200 mm em 24 horas). Oliveira (2012) classificou como subtropical
47
úmido, relacionando-o a dois fenômenos atmosféricos da escala global: a passagem das
frentes frias e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS).
A presença da ZCAS (figura 7) pode ser identificada por uma banda de
nebulosidade que se estende desde o sul da região Amazônica até a região central do
Atlântico Sul.
A ZCAS pode ser considerada como o principal sistema de grande
escala responsável pelo regime de chuvas sobre o Brasil durante o
verão austral, que vai de outubro a março. As observações indicam
que ela tende a se posicionar mais ao norte no início do verão,
deslocando-se posteriormente para o sul, podendo variar de 10 a 15
graus de latitude. Isto resulta em situações distintas para determinados
locais, conforme a região onde ela estaciona. (MACEDO JUNIOR et
al., 2013).
A dinâmica climática é caracterizada ainda pela presença de ventos de E-NE do
anticiclone semifixo do Atlântico Sul. Nimer (1972, 1977) identifica três tipos de
correntes de circulação perturbada que instabilizam o tempo do sudeste brasileiro: o
sistema de correntes perturbadas do sul (formado pela influência do anticiclone polar), o
sistema de correntes perturbadas de oeste (trazidos por linhas de instabilidades
tropicais) e o sistema de correntes perturbadas de leste (figura 8).
O choque entre o sistema de circulação do anticiclone móvel polar e o sistema de
circulação do anticiclone tropical semifixo do Atlântico Sul se dá sobre o sudeste
brasileiro. Além disso, trata-se de uma área de transição entre os climas quentes das
baixas latitudes e os climas temperados das médias latitudes.
Nimer (1972) aponta ainda que o ritmo do clima é marcado por duas estações
principais: a chuvosa e a seca, ou aquela que as precipitações são frequentes e aquela
em que são esparsas. No entanto, o autor entende que o fato climático mais importante
reside na forte oscilação entre as temperaturas do inverno e do verão.
A análise das Normais Climatológicas (1961-1990) do INMET aferidas na
Estação Climatológica principal do Rio de Janeiro (figura 9) permite aferir que o
regime de chuvas na região da Baía de Guanabara é nitidamente marcado pela
existência de um período chuvoso no verão; no inverno, os totais mensais decaem para
cerca de 50 mm, havendo também a diminuição dos dias de chuva (PDRH-BG, 2005).
Percebe-se também que a normal de 1961-1990 mostrou-se mais chuvosa que a de
1931-1960.
Brandão (1992) analisou a evolução secular da precipitação na estação
climatológica principal do Rio de Janeiro, em um espaço de tempo de 140 anos (figura
48
10). A autora verificou que os desvios pluviométricos anuais negativos são muito
expressivos até 1940. A partir de 1940 e até 1990 predominam desvios positivos. A
pesquisa também apontou para uma tendência, a partir de 1940, de ocorrência de chuvas
mais concentradas, em uma possível relação com o avanço da urbanização.
Cerca de 60% dessas chuvas diárias (40 mm) ocorreram no período de
1940 a 1990. Este dado é muito significativo, e pode indicar uma
tendência a chuvas mais concentradas a partir dos anos 1940. (...) Há
uma acentuada tendência de redução de dias de chuva desde o início
do século atual, sendo que a década de 1980 apresenta a média
decenal mais baixa deste século. Isto pode ser um indício de que as
chuvas tendem a estar mais concentradas, pois a ocorrência de dias
com chuva tende à redução (BRANDÃO, 1992).
Amador (1997) utilizou médias mensais relativas à altura total das chuvas no
período de 1931 a 1975, de 59 estações distribuídas no território fluminense, 15 das
quais no entorno da Baía de Guanabara. O autor, juntamente com a análise dos dados
apresentados por Brandão (1992) pôde concluir que as maiores frequências absolutas de
chuva máxima em 24 horas concentram-se nos intervalos entre 40-60 mm e 60-80 mm e
que embora possam ocorrer em qualquer mês, são mais comuns entre outubro e abril.
As chuvas com maior concentração, ou seja, até 80 mm/24 horas ocorrem com mais
frequência de janeiro a abril.
49
Figura 7: ZCAS atuando em 12/01/2011, episódio que causou inúmeros danos à Região Serrana
do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: CPTEC/INPE.
Figura 8: Sistemas de circulação perturbada na região Sudeste.
Fonte: Nimer, 1972.
50
Figura 9: Normais climatológicas da estação principal do Rio de Janeiro em dois períodos:
1931-1960 e 1961-1990.
Fonte: INMET, 1992.
Figura 10: Evolução da pluviosidade anual para a Estação Climatológica Principal do Rio de
Janeiro (1851 a 1990).
Fonte: Brandão, 1992.
51
4.2 Caracterização da precipitação na região de São Gonçalo
Há uma grande dificuldade na caracterização do regime de chuvas porque o
município de São Gonçalo não dispõe de nenhuma estação meteorológica com uma
série histórica considerável de dados pluviométricos. As únicas estações começaram a
operar muito recentemente: a primeira, em maio de 2004, no campus da Faculdade de
Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e a
segunda, em maio de 2012, no bairro do Colubandê, às margens do rio Alcântara.
Nesse sentido, a análise do regime partiu inicialmente das contribuições de
trabalhos referentes a áreas próximas (SALGADO et al., 2007b; PDRH-BG, 2005) e em
trabalhos pioneiros sobre o próprio município de São Gonçalo, sobretudo, sobre o
regime anual (ARMOND et al., 2010; BERTOLINO et al., 2007; SALGADO et al.,
2007a).
Salgado et al. (2007b) caracterizaram a precipitação numa perspectiva espaço-
temporal com base em séries históricas (1968-2002) de estações pluviométricas
localizadas no entorno do município de São Gonçalo (figura 11). Os autores
selecionaram postos pluviométricos próximos às áreas de nascentes dos principais rios
que convergem para o município.
Em relação aos totais pluviométricos, os autores identificaram três períodos
distintos, 1968-1980, 1981-1996 e 1997-2002, sendo o último o mais chuvoso em todas
as estações. Os autores concluíram que houve predomínio de anos com desvio negativo
no primeiro período, desvio positivo no segundo e uma sequência de desvios negativos
no último período. Percebeu-se também, a partir da seleção de “anos-padrão” para cada
posto pluviométrico, “uma considerável variação da pluviosidade” (SALGADO et al.,
2007b).
O regime anual de chuvas também foi caracterizado. A primavera como a
estação com maior número de dias com chuva (acima de 55 dias). No verão, as chuvas
também são frequentes. O outono possui poucos dias com chuvas e o inverno é a
estação menos chuvosa.
Para uma análise mais acurada do regime pluviométrico, foi utilizada a série
histórica disponível da Estação Climatológica da UERJ/FFP, localizada entre as
coordenadas geográficas 22°49’56’’S e 43°4’25’’N (figura 12), que abrange os anos
entre 2005 e 2012. Embora a estação não esteja localizada na área da bacia, está inserida
no município de São Gonçalo e é a mais próxima com uma série histórica considerável.
52
Figura 11: Localização dos postos pluviométricos utilizados por Salgado et al. (2007).
Fonte: Salgado et al., 2007.
Figura 12: Localização da Estação Climatológica da FFP/UERJ em relação à bacia dos
rios Guaxindiba/Alcântara.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
53
A estação Colubandê, operada pelo INEA, apesar de estar localizada na área da
bacia, só possui uma série de seis meses de dados, o que é insignificante para retratar a
dinâmica das precipitações na bacia. Esses dados também não são coincidentes no
tempo com os da Estação da FFP/UERJ, de modo que se tornam inviáveis quaisquer
tentativas de análises comparativas, mesmo que por períodos curtíssimos de tempo.
Os dados mostram que os totais pluviométricos anuais não ultrapassam os 1400
mm (figura 13). Para o período analisado a média anual ficou em 1035 mm, já esperada
para a área de estudo em virtude de sua localização a barlavento da Serra do Mar.
O período chuvoso é bem marcado e está localizado entre os meses de outubro e
abril, quando os totais mensais ultrapassam os 100 mm. Em relação ao total
pluviométrico, constatou-se que a maior parte do período seco concentra-se nos meses
de maio a setembro, sendo o mês de agosto extremamente seco (figura 14).
Os anos mais chuvosos foram 2008 e 2010, nos quais, respectivamente, 88% e
89% do total pluviométrico ocorreu durante o período chuvoso, numa clara correlação
com a atuação da ZCAS, que atua no período de novembro a março e foi muito intensa
nestes dois anos (MACEDO JUNIOR et al., 2013). Nos anos mais secos, isto é, 2006 e
2012, o período chuvoso correspondeu a apenas 67,03% e 60,9%, respectivamente, do
total precipitado.
A irregularidade das chuvas é marcante, sobretudo, no período chuvoso. O mês
de dezembro de 2006, por exemplo, apresentou total precipitado de 88,6 mm, enquanto
no mesmo mês do ano seguinte o total aferido foi de 193,9 mm – mais de 100 mm de
diferença. Essa constatação pode ser mais bem verificada pela análise do desvio padrão
dos totais pluviométricos médios mensais (figura 15), que denunciam uma
irregularidade muito grande nos meses de novembro, março e abril, enquanto os meses
mais secos, junho e julho, tendam a apresentar maior normalidade na ocorrência de
chuvas. O mês de agosto se destaca como aquele que apresenta o menor desvio da
quantidade precipitada em relação à média para o mês.
Na comparação com as Normais Climatológicas da estação Rio de Janeiro
(INMET), os dados apresentam uma significativa similaridade, apresentando valores
mais altos em janeiro e mais baixos em fevereiro, além do mês de agosto ter
apresentado índices menores de precipitação (figura 16). Essa discrepância pode estar
relacionada à exiguidade de dados na estação da UERJ/FFP, em relação às normais.
54
Figura 13: Totais anuais de precipitação registrados na Estação Climatológica da FFP/UERJ.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
Figura 14: Totais pluviométricos mensais registrados entre os anos de 2005 e 2012 na Estação
Climatológica da FFP/UERJ.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
55
Figura 15: Desvio padrão dos totais pluviométricos médios mensais da Estação Climatológica
da UERJ/FFP.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
Figura 16: Comparação entre os totais pluviométricos médios mensais da Estação
Climatológica da UERJ/FFP (2005-2012) e as Normais Climatológicas 1961-1990 (INMET)
para a Estação principal do Rio de Janeiro. Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
56
5 CONDIÇÕES MORFOLÓGICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA
A bacia hidrográfica foi consagrada pelos ambientalistas e pela legislação
nacional como a unidade básica de gestão do Meio Ambiente. Para tanto, ela é a base
para a realização de estudos com diversos enfoques e que subsidiam a gestão
responsável dos recursos naturais.
No âmbito da Geomorfologia, a análise dos padrões de drenagem, bem como das
formas do modelado terrestre revestem-se de especial importância para análise da
evolução das paisagens, entendendo dinâmicas do passado para simular ou inferir
questões sobre quadros futuros.
A análise morfológica da bacia engloba o entendimento da evolução do relevo
ao longo da história, bem como a análise das relações entre as formas e os
processos que as formaram e que continuam a modelar a superfície. De igual
modo, a observação da Geomorfologia Fluvial permite correlacionar os processos
de erosão, transporte e deposição promovidos pelos rios, e suas implicações na
paisagem.
Nesse sentido, o presente capítulo, ao analisar a morfologia da bacia, pretende
verificar as possíveis influências do aparato geomorfológico no desenvolvimento e
intensidade das inundações.
5.1 Embasamento Geológico
A bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara, que faz parte da Bacia da Baía de
Guanabara, drena uma grande área formada por rochas pré-cambrianas, rochas alcalinas
mesozoicas/cenozoicas, depósitos continentais cenozoicos, além de materiais
sedimentares holocênicos fluviais, coluviais, marinhos e fluvio-marinhos.
No pré-cambriano, Amador (1997), citando Almeida (1969), afirma que, como
ainda não tinha acontecido a deriva continental, havia uma imensa plataforma de
terrenos muito antigos, a Plataforma Sul-americana, que se formou no pré-cambriano.
O Complexo Paraíba do Sul, de acordo com Ferrari (1990), é uma sequência
metassedimentar e migmatizada, assentada sobre as unidades geomorfológicas
57
anteriores. Esse complexo pode ser encontrado em toda a bacia de forma espalhada e
difusa, funcionando como a camada inferior do perfil morfoestratigráfico.
O alto curso é caracterizado pela formação Suíte Rio de Janeiro, formada por
granitoides tardi-colisionais transcorrentes do Proterozóico.
Na bacia, não são encontrados registros de materiais do mesozoico. Entretanto, a
transição do mesozoico para o cenozoico está marcada pela presença do magmatismo
alcalino. Esse processo está relacionado à Reativação Wealdeniana (ALMEIDA, 1967)
na Serra do Mar, que foi a ocorrência de eventos diastróficos, ligados ao equilíbrio
isostático da crosta terrestre e a deriva dos continentes. Esse evento foi responsável pela
ruptura continental entre Brasil e África, ocasionando o surgimento do Oceano
Atlântico.
A porção da bacia ocupada pelos maciços alcalinos está localizada no baixo
curso: trata-se do Complexo Alcalino de Itaúna, um corpo elíptico, localizado no
município de São Gonçalo, abrangendo uma área de cerca de 6km². Essa formação
provavelmente é a responsável pela grande curva que faz o Rio Alcântara, na altura dos
canais Isaura Santana e Guaxindiba, sendo um condicionante importante na ocorrência
de enchentes, tendo em vista que a velocidade das águas diminui muito para contornar
um ângulo de quase 90°, ocasionado pela presença do maciço (figura 17).
Figura 17: Baixo curso do rio Alcântara. Observe-se a curva que faz o rio provavelmente por
influência da presença do maciço de Itaúna. Fonte: Fernando Damasco, 2014 com base nas cartas
Maricá (DSG, 1966) e Baía de Guanabara (DSG, 1987).
58
No seu baixo curso, a bacia está preenchida por sedimentos fluviais e marinhos
regressivos do Holoceno (AMADOR, 1997). Esses sedimentos fazem referência a um
ambiente de planície de maré e progradação do litoral, servindo como substrato para o
desenvolvimento de manguezais.
Todo o médio curso conforma uma grande extensão de depósitos alúvio-
coluviais, que preenchem os alvéolos dos principais sistemas fluviais da bacia. Os
materiais aluviais, compostos por areias finas estratificadas ou por sedimentos finos
argilo-siltícos ou síltico-argilosos (MEIS & AMADOR, 1972). Corresponderiam, de
acordo com Biagarella (1971), a pequenas oscilações climáticas holocênicas, com
implicação na modificação do regime hidrológico. Os materiais coluviais, por sua vez,
são formados essencialmente por solifluxão ou escoamento superficial. Os colúvios
capeiam as colinas côncavo-convexas e os sedimentos do Pleistoceno Superior.
5.2 Feições geomorfológicas
A geomorfologia da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara compõe um quadro
com oito unidades geomorfológicas distintas (DANTAS, 2000), conforme pode ser
verificado na figura 18. De modo a facilitar a análise, dividir-se-á as formas em relevos
de agradação e relevos de degradação, de modo a ressaltar os processos
geomorfológicos que podem influenciar a ocorrência de inundações.
59
Figura 18: Geomorfologia da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara
Fonte: O Estado do Ambiente, INEA, 2001.
60
5.2.1 Relevos de agradação
5.2.1.1 Planícies flúvio-marinhas do baixo curso
No baixo curso, predominam as planícies flúvio-marinhas, formadas por terrenos
argilosos orgânicos de delta dominado por maré (figura 19). A declividade é
praticamente nula e constitui-se em um terreno muito mal drenado, com padrão de
canais bastante meandrantes e divagantes, sob influência de refluxos de marés.
Essa formação geomorfológica tem grande influência na ocorrência de
inundações porque os solos argilosos tendem a absorver água e a planície flúvio-
marinha acumula os sedimentos em suspensão, de modo que a velocidade das águas
diminua bruscamente, o que é denunciado pelo meandramento excessivo do rio no
trecho. Na bacia em questão, esse meandramento foi completamente substituído pelos
canais de Guaxindiba e Isaura Santana. No entanto, devido à baixa declividade e à falta
de manutenção da canalização, essas obras não tiveram nenhuma funcionalidade efetiva.
5.2.1.2 Planícies colúvio-alúvio-marinhas do médio curso
As planícies colúvio-alúvio-marinhas do médio curso conformam terrenos
argilo-arenosos das baixadas. Trata-se de uma superfície subhorizontal, com gradientes
muito suaves. É um sistema deposicional continental, formado por processos fluviais e
de encosta, mas também marinho, oriundo das regressões guanabarinas. Pode-se notar
na paisagem também a presença de superfícies de aplainamento e pequenas colinas, que
se ajustam ao nível de base das baixadas.
Essas planícies, por possuírem gradientes muito suaves, apresentam uma
capacidade de descarga muito baixa, favorecendo a infiltração. Como a cidade de São
Gonçalo está assentada sobre esse domínio, a impermeabilização excessiva do solo
contribui para que os eventos de inundações sejam desencadeados.
61
5.2.2 Relevos de degradação
5.2.2.1 Tabuleiros da sub-bacia do Rio Goianã
Na sub-bacia do rio Goianã são encontrados tabuleiros pertencentes à formação
Macacu. Constituem-se como formas de relevo suavemente dissecadas, com extensas
superfícies de gradientes suaves ou colinas tabulares, com topos planos e alongados e
vertentes retilínias nos vales encaixados em “forma de U”, resultantes da dissecação
fluvial recente.
5.2.2.2 Domínios colinosos do alto e médio curso
No alto e médio curso, predominam os domínios colinosos. No alto curso, pela
margem esquerda do Rio Alcântara predomina o domínio de colinas dissecadas,
morrotes e morros baixos, com cotas altimétricas que variam entre 100 e 288 metros,
apresentando vertentes côncavo-convexas e topos arredondados. Neste domínio, são
encontrados ainda morros dissecados com vertentes retilínias côncavas e topos aguçados
ou alinhados, recobertos por depósitos coluviares.
Pela margem direita do rio Alcântara predomina o domínio suave colinoso, com
cotas altimétricas entre 122 e 170 metros. Nesse domínio, predominam colinas pouco
dissecadas e vertentes convexas e topos arredondados ou alongados com expressiva
sedimentação de colúvios e alúvios.
No médio curso, contornando a planície alúvio-colúvio-marinha, está o domínio
das colinas isoladas que, de acordo com Dantas (2000), são formas de relevo residuais,
com vertentes convexas e topos arredondados ou alongados, com sedimentação de
colúvios, remanescentes do afogamento generalizado do relevo produzido pela
sedimentação flúvio-marinha que caracteriza as baixadas litorâneas. Na bacia, esse
domínio apresenta cotas altimétricas que não ultrapassam 120 metros.
62
5.2.2.3 Maciço Intrusivo Alcalino de Itaúna
O maciço intrusivo de Itaúna (figura 20), localizado no baixo curso, é um
maciço alcalino que possui vertentes côncavas e topos arredondados e que preserva uma
borda circular (resquícios de uma cratera vulcânica erodida).
De acordo com Dantas (2000), possui altitudes modestas (280 m) e formato
dômico, alongado na direção SW-NE, bastante erodido na face NE. Destaca-se da
planície de mangue adjacente e da baixada fluvio-marinhas e colinas isoladas, onde se
assenta a cidade de São Gonçalo.
5.4 Urbanização e impermeabilização das unidades geomorfológicas
Dentre os seus 168,3 km², a bacia apresenta 64,1 km² de áreas
impermeabilizadas, o que representa 38,1% da sua área total. O processo de urbanização
se desenvolveu, sobretudo, nas áreas planas, às planícies dos rios principais. Esse fato
explica o fato das unidades de planícies apresentarem maior expressividade na
impermeabilização da bacia (tabela 5).
O domínio suave colinoso é aquele que ocupa maior extensão territorial.
Entretanto, apresenta apenas 13,4% de sua área urbanizada. As áreas desse domínio,
todavia, são caracterizadas por ocupações irregulares, formando aglomerações sub-
normais, que oferecem muitos riscos à população residente.
As planícies flúvio-marinhas têm a maior parte de sua área (55,3%) composta
por áreas impermeabilizadas, o que representa 15,4% da área impermeabilizada da bacia
hidrográfica. Essa unidade merece especial destaque devido a sua grande fragilidade,
tendo em vista a diversidade ecológica dos ecossistemas manguezais. Esses ambientes
estão muito suscetíveis a aterramentos com fins de ocupação urbana.
63
Figura 19: Planície flúvio-marinha no baixo curso.
Fotografia: Estação Ecológica da Guanabara, 2012.
Figura 20: O maciço de Itaúna visto da Baía de Guanabara.
Fotografia: PMSG, 2010.
64
As planícies alúvio-colúvio-marinhas representam a unidade geomorfológica
com maior expressão na impermeabilização da bacia – suas áreas impermeáveis
perfazem 27,8% das áreas impermeabilizadas da bacia. Essa unidade de planície exerce
influência crucial e direta nos volumes de escoamento superficial, devido aos baixos
volumes infiltrados.
Devido ao elevado índice de impermeabilização dessa unidade geomorfológica,
as taxas de infiltração nessas áreas são baixas, favorecendo o incremento do escoamento
em superfície. As águas escoadas dessa região somente atingem o rio principal em seu
baixo curso, que está assoreado e muito degradado (conforme será trabalhado no
capítulo 8). Além disso, a presença da grande curva realizada pelo rio na altura do
Maciço de Itaúna, reduzindo a sua velocidade, também funciona como um elemento
dificultador da eficiência da descarga. Com todo esse quadro hidromorfológico, em
eventos de elevada precipitação e, sobretudo, se a maré na Baía de Guanabara estiver
alta, o fluxo acumulado nessa área da bacia é retido e não é eliminado da bacia,
ocasionando pontos de inundação.
As demais unidades geomorfológicas apresentam menor participação nas áreas
impermeáveis da bacia. Mesmo assim, em menor intensidade, contribuem com a
formação e o desenvolvimento do escoamento superficial, seja pela impermeabilização
antropogênica, seja pelos seus materiais constituintes, no caso dos maciços.
65
Tabela 5: Impermeabilização das unidades geomorfológicas da bacia hidrográfica pelo processo
de urbanização
Fonte: Fernando Damasco, 2014.
UNIDADES
ÁREA ÁREA IMPERMEABILIZADA
km²
% km²
% em
relação à
área total
da bacia
% em
relação à
área total
do
domínio
% em
relação à
área
impermeabil
izada total
da bacia
Planícies flúvio-
marinhas 17,9 10,6 9,9 5,9 55,3 15,4
Planícies alúvio-
colúvio-marinhas 33,4 19,8 17,8 10,6 53,3 27,8
Maciços intrusivos
alcalinos 3,4 2,0 0 0,0 0,0 0,0
Maciços costeiros e
interiores 3,7 2,2 0 0,0 0,0 0,0
Tabuleiros
18,5 11,0 7,6 4,5 41,1 11,9
Colinas Isoladas 23,1 13,7 15,3 9,1 66,2 23,9
Suave Colinoso 43,2 25,7 5,8 3,4 13,4 9,0
Colinas Dissecadas 25,1 14,9 7,7 4,6 30,7 12,0
Totais 168,3 100 64,1 38,1 --- 100,0
66
6 CONDIÇÕES MORFOMÉTRICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA
Como os cursos d’água constituem um dos mais ativos processos de estruturação
da paisagem, os estudos de drenagem têm grande relevância geomorfológica. De acordo
com Villela & Mattos (1975), as características físicas da bacia são elementos
importantes para a análise de seu comportamento hidrológico, possibilitando o
conhecimento da variação espacial dos elementos do regime hidrológico.
A análise quantitativa das bacias possibilita a comparação mais objetiva entre
canais ou entre bacias distintas. Christofoletti (1980) cita os trabalhos de Horton (1945)
como o limiar a partir do qual a análise de bacias hidrográficas começou a apresentar
maior objetividade. Nesse sentido, Souza (2005) define a análise morfométrica de
bacias hidrográficas como processos sistemáticos e racionais, cuja preocupação é a de
“medir formas de relevo”, ou seja, a geometria de bacias de drenagem (Horton, 1945).
Horton (1945), inclusive, foi o primeiro a defender que a área, a declividade dos canais
e a densidade de drenagem são altamente correlacionadas com a descarga máxima de
um pico de cheia.
Nesse trabalho, utilizou-se a classificação de Christofoletti (1980), reorganizada
por Lourenço (1988), que separa os parâmetros morfométricos em lineares, areolares e
hipsométricos (tabela 6). As propriedades lineares referem-se diretamente à rede de
drenagem (quantidade, tamanho e hierarquização dos canais). As areolares referem-se
às características superficiais, isto é, área e forma das bacias. As propriedades de relevo,
por sua vez, estão relacionadas às altitudes, às cotas e à declividade da bacia.
Tabela 6: Classificação dos parâmetros morfométricos
Lineares Areolares Hipsométricos
Ordem hierárquica
Relação de bifurcação
Nº total de canais
Frequência de canais de 1ª ordem
Área
Perímetro
Comprimento da bacia
Largura da bacia
Coeficiente de compacidade
Índice de circularidade
Fator de forma
Amplitude altimétrica máxima
Relação de relevo
Gradiente dos canais
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
67
6.1 Propriedades lineares
6.1.1 Ordem hierárquica
O primeiro parâmetro e talvez mais importante, porque dele derivam todos os
demais, é a hierarquia, definida como o “processo de se estabelecer a classificação de
determinado curso d’água (...) no conjunto total da bacia” (CHRISTOFOLETTI, 1980).
O método mais frequente é o de Strahler (1952), pelo qual atribui-se ordem 1 aos
menores canais, extremos e sem tributários, desde a nascente até a confluência; da
junção de dois canais de primeira ordem, surge um canal de segunda ordem e assim a
ordem vai aumentando a cada confluência de rios de mesma ordem.
A bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara é de 5ª ordem (tabela 7). Como a
hierarquia indica o grau de ramificação da bacia, sendo um fator importante para avaliar
a velocidade de saída da água da bacia, ela mantém relação direta com a área da bacia,
com a descarga e com a capacidade de drenagem, de modo que há uma relação de
crescimento exponencial da descarga em relação à ordem do canal (HORTON, 1945;
ZÃVOIANU, 1985).
Souza (2005) observou que quanto maior a ordem hierárquica, maior também a
suscetibilidade da bacia à ocorrência de inundações, baseando-se em Patton & Baker
(19763 apud SOUZA, 2005), que notaram haver aumento da descarga e da ordem
hierárquica com o decréscimo da taxa de escoamento.
Tabela 7: Ordem hierárquica e Relação de Bifurcação
Ordem Nº de segmentos Relação de bifurcação
1 160 ---
2 51 3,13
3 15 3,4
4 2 7,5
5 1 2,0
Total: 229 Média: 4,0
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
3 PATTON, P.C. & BAKER, V.R. Morphometry and floods in small drainage basins subject to
diverse hydrogeomorphic controls. Water Resources Research, 12(5): 941-952, 1976.
68
6.1.2 Relação de bifurcação
A relação de bifurcação, também chamada de razão de confluência, pode ser
obtida a partir da divisão do número de segmentos de uma determinada ordem
hierárquica, pelo número de segmentos da ordem imediatamente superior, sendo que o
valor é constante para todas as ordens de rios de uma bacia (HORTON, 1945).
O cálculo da relação de bifurcação (tabela 7) revelou que o índice médio é igual
a 4, apresentando o seu maior valor da 3ª para a 4ª ordem (7,5).
Christofoletti (1969) concluiu que a relação de bifurcação muda em função do
uso da terra, sendo mais expressiva em solos menos permeáveis e menor em solos mais
permeáveis. Isso pode ser observado na bacia em estudo, uma vez que o maior valor foi
encontrado na mudança da 3ª para a 4ª ordem, que ocorre no médio curso altamente
urbanizado e corresponde ao trecho da bacia com maior recorrência de eventos de
inundação.
6.1.3 Número total de canais e frequência de canais de primeira ordem
A bacia possui 229 segmentos de canais (tabela 7), divididos em cinco
diferentes ordens hierárquicas (tabela 7). Morisawa (1962) propõe que há uma relação
geométrica inversa entre o número de canais e a ordem da bacia. Um número muito
grande de segmentos de canais pode representar grandes volumes de fluxo e escoamento
e baixos valores de infiltração.
Os canais de primeira ordem perfazem 69,9% do total de canais. Morisawa
(1962) defende que quanto maior o número de segmentos de canais de primeira ordem,
maior a velocidade com que a água será conduzida para fora da bacia, ao mesmo tempo
que haveria mais chuva saindo dos divisores pelos canais, em detrimento da infiltração.
69
6.2 Propriedades areolares
6.2.1 Área e perímetro
A bacia cruza todo o município de São Gonçalo e possui trechos nos municípios
de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, perfazendo uma área de 168,37 km² (tabela 8).
A área da bacia é um dado fundamental porque expressa a potencialidade hídrica
da bacia hidrográfica quando seu “valor multiplicado pela lâmina da chuva precipitada
define o volume de água recebido pela bacia” (SILVEIRA, 2001). A área da bacia está
intimamente relacionada com a vazão, tal que Q = f (A) (SOUZA, 2005). Gregory &
Walling (19734 apud SOUZA, 2005) identificaram uma diminuição da vazão máxima
de um canal à medida que aumenta a área da bacia.
O perímetro aferido foi igual a 85,24 km (tabela 8). Zãvoianu (1985) aponta que
quanto maior o perímetro, maior o número de canais de primeira ordem, o que pode
resultar em um rápido escoamento e um grande volume de fluxo.
Tabela 8: Compilação dos parâmetros morfométricos
Parâmetro morfométrico Valor aferido
Área 168,37 km²
Perímetro 85,24 km
Comprimento da bacia 20,034 km
Largura da bacia 11,514 km
Nº total de segmentos 229
Ordem hierárquica (Strahler, 1952) 5ª
Índice de Circularidade 0,29
Fator de forma 0,42
Coeficiente de compacidade 1,84
Amplitude altimétrica 311 m
Relação de Relevo 15,52 m
Densidade Hidrográfica 1,36 canal/km²
Densidade de Drenagem 2,27 km/km²
Fonte: Fernando Damasco, 2014.
4 GREGORY, K.J. & WALLING, D.E. Drainage Basin Form and Process: A
Geomorphological Approach. Londres: Edward Arnold, 1973.
70
6.2.2 Comprimento e largura da bacia
A primeira definição para o comprimento da bacia é de Horton, 19325 (apud
HORTON, 1945), que o definiu como a distância em linha reta medida entre a
desembocadura do rio principal até a cabeceira mais distante da foz.
A bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara possui comprimento igual a 20,034 km.
O comprimento da bacia é muito utilizado para as estimativas de duração das
inundações, pois denuncia o tempo que as águas levam para percorrer toda a bacia
(SOUZA, 2005). Zãvoianu (1985) concluiu que quanto menores os valores da ordem e
do comprimento do canal, maior a energia do fluxo e vice versa.
A largura da bacia pode ser definida como a maior distância entre dois pontos
situados nos limites da bacia, aferida de forma perpendicular ao comprimento
(LOURENÇO, 1993). A bacia do Guaxindiba/Alcântara possui 11,514 km de largura,
sendo uma bacia estreita em relação ao comprimento (tabela 8).
6.2.3 Índices de forma
A forma da bacia é muito mais importante que a sua extensão para a análise
geomorfométrica porque é possível verificar as variações de fluxo durante as cheias em
determinada seção do leito (LOURENÇO, 1988). Para Villela & Mattos (1975), a forma
de uma bacia hidrográfica é importante pelo tempo de concentração, definido como o
tempo, a partir do início da chuva, necessário para que toda a bacia contribua na seção
em estudo ou, em outras palavras, tempo que leva a água dos limites da bacia para
chegar à desembocadura da mesma.
Nesse sentido, muitos são os processos desenvolvidos por vários autores, que
permitem caracterizar a forma das bacias.
O coeficiente de compacidade ou índice de Gravelius compara a forma da bacia
a de um círculo. O valor aferido na bacia em estudo foi igual 1,84 (tabela 8). O
coeficiente é variável de acordo com a forma da bacia, sendo maior quanto menos
compacta, o que implica uma concentração das águas mais lenta na foz durante a cheia.
O valor mínimo é igual a 1 e corresponde a bacias circulares e o valor aumenta ao passo
que a compacidade diminui (LOURENÇO, 1988).
5 HORTON, R. E. Drainage basin characteristics. Trans. Amer. Geophys. Union, 13: 350-361,
1932.
71
Outro índice muito utilizado para mensurar a forma da bacia é o índice de
circularidade, proposto por V. C. Miller em 19536, que é a “relação entre a área da bacia
e a área do círculo de mesmo perímetro” (CHRISTOFOLETTI, 1980). O valor máximo
é igual a 1 e corresponde às bacias perfeitamente circulares. Na bacia em estudo, o valor
aferido foi de 0,29 (tabela 8), indicando que a bacia se distancia do formado circular.
Morisawa (1962) define o índice de circularidade como a expressão areal que
melhor está relacionada com o escoamento superficial. Nesse sentido, a circularidade de
uma bacia parece independer da ordem. Chorley et al. (1957) consideram, por esse
motivo, o índice de circularidade como uma indicação limitada da forma da bacia, uma
vez que a maioria das bacias é alongada. Souza (2005) destaca ainda que quanto maior
for a ordem de uma bacia, maiores serão a área, o perímetro e o canal principal e maior
também será a probabilidade dela ser alongada.
No entanto, o índice que é considerado como mais eficaz para representar a
forma é o fator de forma. Desenvolvido por Horton em 1932, o fator de forma compara
a forma da bacia com a de um retângulo e é obtido pela relação entre a largura média e
o comprimento da bacia. O valor máximo é igual a 1 e se aproxima de um retângulo.
Quanto menor o valor, mais alongada a bacia.
Souza (2005) propõe que uma bacia com fator de forma baixo (estreita e longa) é
menos suscetível às inundações que outra de mesmo tamanho, porém com maior fator
de forma. Na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara o fator de forma atribuído foi igual a
0,42 (tabela 8), o que indica uma bacia que tende a alongada e estreita. Como o fator de
forma está muito próximo do valor mediano (0,5), este parâmetro não se revelou
satisfatório para a análise da recorrência de inundações.
6.3 Propriedades do relevo
A análise das propriedades do relevo, ou análise hipsométrica, é fundamental
porque, de acordo com Vilella e Mattos (1975-), o relevo de uma bacia hidrográfica
influencia diretamente os fatores hidrológicos, porque a velocidade do escoamento
superficial é determinada pela declividade do terreno.
A amplitude altimétrica máxima corresponde à diferença altimétrica entre a
altitude da desembocadura e a altitude do ponto mais alto situado em qualquer lugar da
6 MILLER, V. C. A quantitative geomorphic study of drainage basins characteristics in the
Clinc Mountain area. Technical Report. Dept. Geology: Columbia University, 1953.
72
divisória topográfica (CHRISTOFOLETTI, 1980). O ponto mais alto da bacia está na
Serra Grande, no limite entre os municípios de Niterói e São Gonçalo e possui 311
metros. Como a bacia tem o seu exutório na Baía de Guanabara, ao nível do mar, o
valor aferido para a amplitude altimétrica máxima na bacia foi de 311 metros (tabela 8),
denunciando que se trata de uma bacia com baixos gradientes e topografia plana, sem
encostas muito escarpadas, como evidenciam as figuras 21 e 22.
A amplitude é melhor expressa, entretanto, pela relação de relevo, também
chamada de taxa de relevo. A relação de relevo foi definida por Schumm (1956),
relacionando a amplitude altimétrica máxima de uma bacia e a sua maior extensão. Na
bacia em estudo, a relação de relevo é igual a 15,52 m (tabela 8), um valor que pode ser
considerado baixo. Segundo Souza (2005), a taxa de relevo é diretamente proporcional
ao tempo de concentração do escoamento superficial. Portanto, uma taxa de relevo
baixa e gradientes também baixos, diminuem o tempo de concentração do escoamento
superficial e aumentam o pico de enchentes.
O gradiente dos canais é definido como “a relação entre a diferença de altitude
do ponto de origem e o término do canal fluvial com o comprimento do respectivo
segmento fluvial, tendo como finalidade indicar a declividade dos cursos d’água
(CHRISTOFOLETTI, 1980). Nesse trabalho, foram analisados os gradientes de quatro
rios da bacia hidrográfica . O rio Goianã (figura 1) foi o que obteve a maior declividade
(5º), provavelmente (figura 1)porque nasce nos tabuleiros da formação Macacu. Os rios
Camarão e Alcântara (apresentaram declividade de 1º e o rio Guaxindiba apresentou
declividade quase nula (0,2º). Os baixos gradientes dos canais indicam que o tempo de
concentração do escoamento superficial é elevado, tendendo a bacia a apresentar
elevados picos de cheias.
6.4 Relação dos elementos quantificados
Sengundo Christofoletti (1980), a densidade de drenagem correlaciona o
comprimento total dos canais com a área da bacia hidrográfica. Zãvoianu (1985) explica
que é um parâmetro variável no tempo e configurado de acordo com a evolução
geomorfológica da região, com as variações climáticas e pelas intervenções antrópicas.
De acordo com Villela e Mattos (1975), o índice varia geralmente de 0,5 km/km² para
bacias com drenagem pobre, até 3,5 para bacias excepcionalmente bem drenadas.
73
No Guaxindiba/Alcântara, a densidade de drenagem encontrada foi de 2,27
km/km² (tabela 8). De acordo com Ferreira (1996), a densidade de drenagem pode
informar sobre o tempo que decorre entre a precipitação máxima da bacia e a vazão
máxima no canal principal. Bacias com densidade de drenagem expressiva como a que
está em estudo tendem a apresentar baixa capacidade de infiltração, baixa declividade e
pouca cobertura vegetal, elevado tempo de concentração do escoamento.
A densidade hidrográfica, por sua vez, é a relação entre o número de cursos
d’água e a área da bacia (HORTON, 1945; CHRISTOFOLETTI, 1980). O cálculo da
densidade hidrográfica tem como finalidade comparar a frequência ou a quantidade de
cursos d’água em um quilômetro quadrado, tendo importância expressiva porque
representa o comportamento hidrográfico de determinada área a partir da capacidade de
gerar novos cursos d’água (CHRISTOFOLETTI, 1980).
Na bacia que está sendo estudada, o valor aferido foi igual a 1,36 canal/km²
(tabela 8). De acordo com Souza (2005), a densidade hidrográfica indica a resposta da
bacia aos processos de escoamento superficial e é controlada por inúmeras variáveis
como relevo, cobertura vegetal e condições hidrológicas e geológicas do terreno.
Como a geomorfologia contribuiu com a formação de terrenos permeáveis das
planícies fluvio-marinhas, pode-se inferir, em um cenário natural e ideal, em um evento
de aguaceiro violento, as águas infiltrariam e não haveria uma concentração anormal do
fluxo. No entanto, os dados levantados apontam para o fato de que o processo de
urbanização, ao aumentar as áreas impermeáveis, corroborou o aumento da densidade
de drenagem e da densidade hidrográfica, levando a maior ocorrência de inundações na
bacia.
74
Figura 21: Declividade da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
75
Figura 22: Representação sombreada do relevo da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
76
7 ALTERAÇÃO DOS CANAIS POR OBRAS DE ENGENHARIA
O ambiente biofísico da bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara, ao longo do século
XX, foi bruscamente impactado pelo avanço dos loteamentos na cidade de São Gonçalo
e a consequente transformação do solo agrícola em solo urbano. Nesse movimento de
urbanização, muitas obras fluviais foram empreendidas no intuito de suportar a
atividade industrial aquecida dos anos 1940-50, seja para aumentar a navegabilidade dos
cursos d’água, facilitando o escoamento da produção, seja para tornar salubres as
habitações da classe operária.
O levantamento das obras realizadas nos canais e de seus impactos no ambiente
biofísico é fundamental para o entendimento pleno das incongruências da relação
sociedade/natureza, sobretudo, naquilo que impacta diretamente os sistemas fluviais. A
importância do entendimento dessas obras no município é tamanha, tendo em vista que
a população gonçalense se apropria culturalmente de seus rios tal como estão
modificados, isto é, como valões, fazendo referência clara a função excretora dos rios
urbanos no Brasil.
Definir uma data inicial das interferências humanas sobre a bacia é
extremamente difícil, uma vez que os órgãos oficiais competentes não possuem
registros consideráveis. A Prefeitura Municipal de São Gonçalo (PMSG) não possui
dados consistentes pelo fato de não possuir um arquivo organizado. Além disso, pelo
fato de a bacia hidrográfica compreender também parte dos municípios de Niterói e
Itaboraí, está sob jurisdição estadual, sob responsabilidade do Instituto Estadual do
Ambiente (INEA). Os arquivos técnicos da antiga Superintendência de Rios e Lagoas
(SERLA), órgão criado em 1975 e extinto em 2009 para dar origem ao INEA, não
fazem menção a nenhuma obra na bacia, indicando que as muitas retificações
observadas nos rios principais tenham sido executadas em um período anterior a 1975.
Some-se a essa dificuldade, o fato do município de São Gonçalo ter sido
marcado pela autogestão habitacional, onde os moradores construíam suas casas por
conta própria, sem supervisão da municipalidade, ignorando qualquer legislação urbana.
A infraestrutura urbana básica era construída pelos próprios moradores no sistema de
mutirão, contando com recursos da prefeitura e, vez em quando, de políticos da região –
muitas vezes, nas proximidades das eleições.
77
7.1 Lógica da navegabilidade e as primeiras canalizações
Remontando, então, ao início do século, a primeira menção em documentos
oficiais é feita por Góes (1934) se referindo ao Rio Guaxindiba. O autor relata que o
Guaxindiba foi um dos rios contemplados pelas obras da Comissão Federal de
Saneamento e desobstrução dos rios que deságuam na Baía de Guanabara, que
compreendeu o período de 1910 a 1916, liderada pelo engenheiro Morais Rêgo.
O objetivo da comissão seria a dragagem das barras dos principais rios, a
retificação de alguns cursos, a contenção de margens e construção de diques, e a
abertura de canais na foz dos principais rios para facilitar a navegação em baixa-mar.
A retificação dos cursos naturais será projetada de modo que as águas
correntes possam desembocar na baía do Rio de Janeiro sem perigo de
represamento por falta de secção de vazão, nem receio de ação
corrosiva sobre as margens existentes ou estabelecidas artificialmente,
sendo para esse fim traçadas linhas de álveo com declividades precisas
de cada um dos terrenos atravessados. (...) Os rios e canais serão
preparados de modo que não fiquem sujeitas às devastações que as
enxurradas possam produzir, para cujo fim serão os taludes
devidamente levantados e protegidos, quando for preciso, com faxinas
e outras obras de arte adequadas, sem prejuízo de vazão das águas
excessivas dos terrenos adjacentes (GÓES, 1934).
No Rio Guaxindiba, as obras do canal da barra (figura 23) foram realizadas em
1911, tendo o canal um comprimento de 3450 m, desde a desembocadura, em áreas de
manguezal, até o início do assoalho da Baía de Guanabara. O canal tem 20 m de largura
e 2 m de profundidade, abaixo da maré mínima.
Há que se destacar que o Rio Guaxindiba foi o primeiro a ser modificado em seu
baixo curso, tendo alguns de seus canais sido retificados para secar terras e torná-las
agriculturáveis, favorecendo algumas das principais fazendas da região, tais como
Fazenda do Laranjal, Fazenda do Bom Retiro, Fazenda Guaxindiba entre outras. A
presença da fábrica de cimentos Mauá também contribuiu muito para a realização das
obras. Para escoar a produção de cimento, foi aberto o Canal de Guaxindiba, que ligava
a fábrica ao rio Guaxindiba.
O Canal de Guaxindiba (...) foi aberto pela Companhia de Cimento
Portland, na distância de dois quilômetros, desde a fábrica de
Guaxindiba até o rio, pela margem direita. Tem por principal objetivo
facilitar o transporte de cimento através do Rio Guaxindiba e Baía de
Guanabara até o porto do Rio de Janeiro na distância, aproximada, de
30 quilômetros. (PALMIER, 1940).
78
A presença da Estrada de Ferro Leopoldina, que cruza a bacia, e da Estrada de
Ferro Industrial, que ligava a fábrica de cimento à cidade de Itaboraí, também foram
fatores importantes para as intervenções nos rios, haja vista a necessidade de obras que
sustentassem a construção das pontes de passagem.
Um canal importante construído também neste contexto é o Canal do Cangurupi
(figura 24), um canal extravazador que serve de ligação entre a bacia do rio Guaxindiba
e a bacia do rio Macacu. Fadel (2006) aponta que o relatório de Morais Rêgo em 1915
indicava a “construção de um canal e dragagem do estuário que liga o Macacu ao
Guaxindiba”, numa clara referência ao Cangurupi. As pontes também já começavam a
ser construídas, como é o caso da ponte sobre o rio Alcântara, no bairro de mesmo nome
(figura 25).
O canal construído na barra do rio Guaxindiba no início do século, atualmente,
está completamente assoreado pela elevada carga de sedimentos e de lixo. O rio, no
entanto, continuou a ser dragado pela prefeitura municipal, o que deixou seu leito mais
profundo que o fundo da Baía, dificultando o escoamento das águas fluviais sobre a
coluna marinha, aumentando as inundações a montante.
Figura 23: Canais projetados pela Comissão de Morais Rêgo para a Baía de Guanabara, com
destaque para o Rio Guaxindiba. (1) Canal da barra do Rio Guaxindiba; (2) Canal do
Cangurupi. Fonte: Góes, 1934.
1 1
2
79
Figura 24: Canal extravasor de Cangurupi, que faz a ligação entre as bacias dos rios Guaxindiba
e Macacu. Fonte: GÓES, 1934.
Figura 25: Ponte sobre o Rio Alcântara. Fonte: Góes, 1934.
80
O canal de Cangurupi é palco atualmente de intensas disputas territoriais, porque
possibilita que as águas do Guaxindiba vazem pelo estuário do Macacu, que tem águas
menos poluídas. Os pescadores da foz do Macacu solicitam frequentemente à
administração da Estação Ecológica da Guanabara que feche o canal. De igual modo,
em situações de enxurradas na bacia do Macacu, as águas extravazam para a bacia do
Guaxindiba, diminuindo a velocidade do fluxo a montante.
7.2 Secar terras úmidas: as obras do DNOS no contexto do crescimento urbano
dos anos 1940-60
Não há dados concretos sobre a retificação dos canais. A partir da análise de
alguns mapas do arquivo do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS),
levantados no Arquivo Nacional, foi possível inferir que as principais retificações
devam ter ocorrido entre as décadas de 1940 e 1950. Essa presunção se dá porque na
carta Município de São Gonçalo de 1938, o rio principal e seus afluentes são
representados com seus cursos originais. Em aerofotogrametria datada
aproximadamente da década de 1940, são representados o curso original e o curso
retificado. Já na carta topográfica Baía de Guanabara (IBGE, 1969 elaboada a partir de
aerofotografias de 1962), várias retificações podem ser verificadas ao longo da bacia.
No período de 1940-60, o principal intuito das obras era sanear a planície dos
rios principais, áreas que seriam destinadas a loteamentos que seriam construídos nessa
parte do município, onde antes havia grandes fazendas. As áreas loteadas,
frequentemente, localizavam-se sobre remansos, meandros abandonados e em áreas de
inundações temporárias (leito maior excepcional e leito maior) e, portanto,
fundamentais para a manutenção da dinâmica fluvial natural. Nesse sentido, o DNOS
empreendeu uma série de obras que objetivavam secar as terras úmidas, possibilitando a
instalação dos equipamentos urbanos e controlando a propagação de doenças como a
malária (FADEL, 2006).
A retificação do rio Alcântara coincide com o início do loteamento das fazendas
do Laranjal, Júlio Lima e Luís Caçador, que deram origem ao bairro do Jardim Catarina,
considerado o maior loteamento da América Latina (figura 26).
O bairro se estende por toda a planície do rio Alcântara pela margem direita.
Estima-se que, para sanear essa região e diminuir os impactos das enxurradas, na década
81
de 1950, foi construído, em área de manguezal, o Canal Isaura Santana, localizado junto
à foz do rio Alcântara, quando vai desaguar no Guaxindiba (figuras 1 e 27). Esse canal
teve por objetivo acabar com os excessivos meandros do Rio Alcântara, em uma
tentativa de aumentar a velocidade de escoamento das águas.
O período entre os anos 1940-60 foi marcado por diversas interferências
humanas nos ambientes fluviais. Na figura 28, pode-se observar a comparação da
drenagem extraída na década de 1940 e aquela extraída em 1966. Desses documentos
cartográficos, pode-se analisar as principais mudanças empreendidas nos canais
principais neste intervalo temporal. Embora em escalas de mapeamento semelhantes, os
documentos cartográficos diferem em termos das suas finalidades. Embora haja um
pequeno deslocamento, é possível verificar que os rios, nesse intervalo temporal,
tenderam à retificação, havendo uma explícita diminuição da sinuosidade e dos
pequenos meandros. No mapeamento de 1966, constam muitos canais construídos nesse
intervalo de tempo, com destaque para o Canal Isaura Santana.
Nesse período, as obras no rio Alcântara tiveram como objetivo principal a
eliminação dos pequenos meandros do rio, criando trechos retos, por onde as águas
pudessem escoar sem dificuldade. A construção do Canal Isaura Santana em seu baixo
curso, como já referido, buscou acelerar a saída da água da bacia, evitando o curso
original que passava em áreas de manguezal. Muitos moradores passaram a residir nas
margens do rio, de forma que, de forma autônoma e desorganizada, construíam diques
naturais com sobras de materiais de construção, de modo que, em episódios de
enchentes, as águas não atingissem as suas casas.
O rio Guaxindiba, que já havia sido bastante alterado com as obras da Comissão
de Saneamento da Baixada Fluminense, teve um trecho significativo retificado, onde
hoje é cruzado pela rodovia RJ-104 (figura 1).
As retificações executados pelo DNOS resolveram o problema em curto prazo,
no entanto, não satisfazem mais as necessidades de escoamento do Rio Alcântara. Os
canais encontram-se completamente assoreados, recobertos com vegetação pantanosa. O
bairro de Jardim Catarina e alguns bairros vizinhos são frequentemente assolados por
inundações bruscas, que geram consequências gravosas à população.
82
Figura 26: Panfleto do loteamento Jardim Catarina (1953).
Fonte: Associação de Moradores e amigos do Jardim Catarina, 2013.
Figura 27: Canal Isaura Santana completamente assoreado, com lixo nas margens, gigogas
(Eichhornia crassipes) no leito e fluxo lento. Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
83
Figura 28: Comparação entre a rede de drenagem na década de 1940 e em 1966.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
84
7.3 As mudanças empreendidas nos anos 1960-80
A abertura da rodovia Niterói-Manilha, integrante da BR-101, no início dos anos
1980, atravessou o loteamento, levando a ocupação da área norte do bairro rumo às
áreas manguezais, induzindo a ocupação das margens do rio Alcântara. Essa porção do
bairro passou a ser conhecida como “Jardim Catarina Novo”, contando com uma
precária infraestrutura de serviços básicos, como esgotamento sanitário, abastecimento
de água e coleta de lixo.
Como a área está localizada em ambiente manguezal, na foz dos rios Alcântara e
Guaxindiba, a recorrência das enchentes é grande. Por este motivo, entre 1966 e 1975
(anos estimados pela análise dos mapas), foi construído um canal auxiliar para o
escoamento das águas do rio Alcântara, denominado canal de Guaxindiba (novo),
paralelo ao Canal Isaura Santana (figura 1).
Esse complexo de canais teria como principal objetivo acelerar a velocidade das
águas, diminuindo a sua concentração na bacia hidrográfica. No entanto, ao longo dos
anos, não foram feitas manutenções; as dragagens são esporádicas e insuficientes para
evitar o assoreamento desses canais, sobretudo, por lixo proveniente das áreas urbanas
de São Gonçalo. A presença desses canais funciona, então, como um impeditivo ao
fluxo do rio Alcântara, aumentando o tempo de concentração da água na bacia, o que,
associado a eventos de maré alta, podem gerar eventos repetidos de enchentes.
No período entre 1966 e 1975, no entanto, as obras cessaram e a ação do poder
público sobre os rios baseou-se principalmente nas dragagens eventuais e isoladas, sem
que haja um plano de gestão dos canais urbanos. A variação da rede de drenagem nesse
período pode ser observada na figura 29.
7.4 Dinâmicas atuais do território
As sucessivas obras de retificação na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara
transformaram a sua foz em um complexo sistema de canais, em que a água escoa por
diversas direções, ficando muitas vezes represada em situações de grandes enxurradas.
85
Figura 29: Comparação da rede de drenagem em 1966 e 1975.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
86
Desde a década de 1980, as intervenções tem se baseado apenas na dragagem
dos rios principais, na tentativa de diminuir o assoreamento e aumentar a velocidade do
fluxo. O levantamento das causas geradoras dos sedimentos e lixo é ignorado, o que
poderia levar a uma gestão específica e com bons resultados.
Estão previstas ainda as obras para construção do esgotamento sanitário da bacia
do rio Alcântara, com a construção da Estação de Tratamento de Esgoto do Alcântara,
com uma capacidade final de 2,4 m3/s no âmbito do Programa de Saneamento dos
Municípios do entorno da Baía de Guanabara (PSAM) do INEA. O projeto inclui a
canalização de um trecho do rio Alcântara com a concretagem de suas margens.
Obras não menos importantes são aquelas realizadas pelos próprios moradores.
Em muitos trechos dos rios Guaxindiba e Alcântara, é possível observar margens sobre
as quais se construíram muros ou até mesmo casas inteiras. Oficialmente, não houve
nenhum projeto de canalização ou concretamento de margens nessas bacias, no entanto,
grande parte delas está impermeabilizada devido a obras feitas pelos moradores, no
intuito de se livrar do problema das inundações, tratado com descaso pelo poder
público.
Outra prática muito recorrente é o manilhamento (figura 30). Realizado pela
prefeitura no intuito de resolver problemas de inundação referentes a canais
intermitentes ou de primeira ordem, acabam por contribuir com o desaparecimento
desses canais e com a supervazão no canal principal, intensificando as inundações no
baixo curso.
Figura 30: Morador aponta para canal de primeira ordem manilhado.
Fotografia: Jornal O São Gonçalo, 26/06/2012.
87
8 DEGRADAÇÃO HIDROMORFOLÓGICA DOS CANAIS POR AÇÃO
ANTRÓPICA
O estudo dos rios urbanos não pode prescindir da avaliação do papel do homem
como agente degradador dos ambientes fluviais. Ao longo da história, o relacionamento
das cidades com os rios sofreu grandes alterações. De fontes de água e centros de trocas
econômicas e da vida social, os córregos passaram à condição de corpos excretores, cuja
única função fica restrita ao despejo de efluentes domésticos e industriais.
Como produto das relações homem/rio nos grandes centros urbanos brasileiros,
as modificações podem ser classificadas entre diretas e indiretas. O homem age
diretamente sobre os rios, retirando ou reduzindo as matas ciliares, mudando o seu
curso, através das canalizações, construindo barramentos que alteram o regime fluvial,
despejando lixo e interferindo na qualidade da água e ocasionando assoreamento, e na
extração de cascalhos e areias. Esses ajustamentos são agressivos porque interferem
diretamente nas seções transversais, no perfil longitudinal e no padrão da drenagem. A
ação antrópica também se faz presente de forma indireta, através das diversas atividades
humanas ao longo da bacia hidrográfica, seja pela contaminação por substâncias
tóxicas, seja pela retirada de água para abastecimento. Tais situações estão
indiretamente relacionadas à relação vazão/vazão superficial (Q/Qs) e nos níveis de
qualidade da água.
Os estudos geomorfológicos devem contemplar, então, a observação e o
monitoramento das mudanças, de modo a estabelecer um arcabouço teórico-
metodológico que possa subsidiar o manejo de canais. Dessa forma, o estabelecimento
de indicadores de degradação pode ser muito útil para a análise comparada de canais e
de bacias hidrográficas.
Levando em consideração que o assoreamento, a ausência de mata ciliar, a
poluição da água e a erosão das margens são os principais indicadores de degradação,
elaborou-se uma análise que evidencie o grau de alteração dos canais, a partir da análise
das três feições principais dos ambientes fluviais – leito, margens e planície.
Neste capítulo, serão expostos os resultados obtidos na análise da degradação
hidromorfológica em 7 pontos na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara (figura 31),
conforme anteriormente especificado na obtenção de dados (capítulo 3).
88
Figura 31: Degradação hidromorfológica dos canais e ocorrência de enchentes.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
89
8.1 Situação do leito fluvial
As formas topográficas do leito fluvial, de acordo com Christofoletti (1980) são
constituídas por “toda e qualquer irregularidade produzida no leito de um canal aluvial
pela interação entre o fluxo de água e a movimentação de sedimentos”. Trata-se de um
complexo morfológico de natureza deformável e de rápida mutabilidade e que, portanto,
responde sensivelmente às alterações realizadas nos canais. Nesse item, os leitos dos
canais serão analisados a partir do desenvolvimento do canal principal, do curso
longitudinal e a partir das estruturas do leito.
Os resultados da análise hidromorfológica do leito dos rios que conformam a
bacia do Guaxindiba/Alcântara (tabela 9) apontam para um estágio avançado de
degradação. Em geral, a média geral das notas para o leito dos canais em todos os
trechos analisados gira em torno de 1,5, em uma escala que varia 0 a 4 (sendo que
quanto mais próximo de zero, mais crítico encontra-se o sistema, e quanto mais próximo
de quatro seria o rio em plena dinâmica natural. Esse resultado indica um elevado grau
de alteração dos canais, sobretudo, por intervenções humanas, como será melhor
explicado nos subitens seguintes.
Tabela 9: Resultados da análise hidromorfológica do leito dos canais fluviais
Parâmetro Nota atribuída por trecho
1 2 3 4 5 6 7
Sinuosidade 0 2 2 2 1 1 2
Barras 0 0 0 0 2 0 0
Estruturas especiais 0 0 0 4 2 2 0
Barreiras artificiais 0 2 4 4 0 0 2
Canalização 2 2 4 2 2 4 0
Passagens 2 0 4 2 0 2 0
Riffles e pools 0 0 4 4 4 4 0
Diversidade do fluxo 0 0 0 4 4 0 0
Fixação do leito 4 4 4 4 4 4 4
Diversidade dos substratos 0 0 0 0 4 0 0
Estruturas do leito 0 0 0 2 2 2 0
Valor médio 0,7 0,9 2,0 2,5 2,3 1,7 0,7
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
90
8.1.1 Desenvolvimento do canal fluvial
Na sub-bacia do rio Alcântara, o leito vai se tornando mais degradado, quanto
mais se aproxima da foz. O rio principal apresenta-se sinuoso no alto curso. No médio e
baixo curso, devido às inúmeras retificações realizadas, o rio apresenta majoritariamente
padrão reto. Cunha (2012) defende que o efeito das canalizações sobre os ambientes
fluviais englobam mudanças no próprio trecho canalizado, à jusante da canalização e na
planície de inundação. No rio Alcântara, a retificação modificou completamente o canal,
que era meandrante, como já referido nos capítulos anteriores, ocasionando em vários
pontos o estrangulamento da seção do rio, além da eficiência do fluxo ser prejudicada.
No alto curso ainda pode-se encontrar estruturas que indicam dinâmica natural,
como troncos e pequenas ilhas, o que não se verifica no baixo curso. Em vários pontos,
o leito parece ter sido remobilizado para a extração de areia.
Na sub-bacia do rio Guaxindiba, os rios apresentam padrão curvo no alto curso,
enquanto no baixo curso predominam canais retos, devido às sucessivas canalizações.
No seu alto curso, nota-se a presença de troncos no leito, indicando dinâmica natural.
No entanto, no leito dos rios Guaxindiba e Camarão, há um duto submerso de gás
natural da Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro (CEG), que impede
qualquer atividade de dragagem desses rios.
8.1.2 Curso longitudinal
A análise do perfil longitudinal (figura 32) permite concluir que o rio principal
(rio Alcântara) apresenta duas quebras principais de declive, aos 5 e aos 10 km, que
correspondem exatamente à transição das unidades geomorfológicas: dos maciços
costeiros para o domínio suave colinoso, e deste para a planície. Essas quebras aceleram
a velocidade do fluxo e favorecem o escoamento das águas rumo às planícies do baixo
curso, onde as águas tendem a se acumular muito rapidamente, concentram-se e
encontram grande dificuldade para escoar, devido aos fatores já explorados
anteriormente, sobretudo, o assoreamento e o baixo gradiente dos canais.
Na análise do curso longitudinal, o primeiro aspecto a ser trabalhado refere-se às
canalizações. Em toda a bacia, as canalizações concentram-se no baixo curso, ocorrendo
no alto curso apenas algumas canalizações parciais (figura 33). Cabe salientar que a
bacia não apresenta trechos onde o leito tenha sido concretado. As concretagens
91
restringem-se às margens, mesmo assim em pequenos trechos, pois o tipo de
canalização predominante na bacia foi a retificação.
Ao longo dos rios, ocorrem diversas passagens, sobretudo as chamadas
pinguelas, por onde a população pode cruzar o curso dos rios. Muitas vezes, as
pinguelas funcionam como caminhos em meio à mata ciliar, por onde a população
consegue acessar o leito do rio, depositando todo tipo de lixo, desde sacolas com resto
de alimentos até móveis e eletrodomésticos de dimensões consideráveis.
As soleiras (riffles) e depressões (pools) são observáveis apenas no alto curso da
bacia. De acordo com Cunha (2003), nos rios naturais as seções tendem a apresentar
essas soleiras e depressões devido à sinuosidade do canal. Como nos rios
desnaturalizados a sinuosidade desaparece, não ocorrem tais formações.
Quanto ao fluxo, tende a ser heterogêneo no alto curso, apresentando trechos
com fluxo laminar, trechos onde ocorrem fluxos de rampa, além do fluxo ondulado fixo.
No baixo curso, o fluxo tende a se homogeneizar, apresentando-se normalmente laminar
em toda a extensão do leito. Devido à quase ausência de fluxo observada no Canal
Isaura Santana, desenvolveram-se muitas gigogas (Eichhornia crassipes) e tifas (typha
domingensis) (figura 34).
Figura 32: Perfil longitudinal do rio Alcântara.
Fonte: Fernando Damasco, 2014.
92
Figura 33: Canalização parcial para a construção de um shopping Center no alto curso do rio
Alcântara. Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
Figura 34: Canal Isaura Santana, no baixo curso do rio Alcântara, completamente tomado por
gigogas (Eichhornia crassipes) e tifas (typha domingensis), com velocidades de fluxo muito
baixa. Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
93
8.1.3 Estruturas do leito fluvial
Em toda a bacia, o leito é natural. No entanto, pode-se verificar a presença de
muitos materiais que não fazem parte da dinâmica fluvial natural, entre elas blocos de
concreto, pedaços de tijolos, visivelmente sobras de construções.
Os sedimentos de fundo apresentam-se, na maioria dos pontos analisados,
homogêneos, formados predominantemente por sedimentos finos, predominando a
fração silte-argila. No rio Guaxindiba, entretanto, verificou-se grande volume de
sedimentos mal selecionados, de granulometria diversificada. Isso se deve ao fato de
que, neste trecho, o rio possui elevada competência, carreando sedimentos de elevadas
dimensões, sobretudo, em eventos de enxurrada.
8.2 Situação das margens fluviais
As margens correspondem a uma fração importantíssima do ambiente fluvial,
pois representam a descontinuidade entre o sistema canal fluvial e o sistema planície de
inundação (CHRISTOFOLETTI, 1980). As margens abrigam a vegetação ciliar;
quando alteradas por obras de engenharia, ativam processos de ajuste do canal fluvial,
que interferem na dinâmica do sistema fluvial como um todo. Nesse item, as margens
fluviais serão analisadas através das seções transversais e da sua estrutura.
A análise hidromorfológica das margens dos rios evidenciou a intensidade com a
qual as estruturas antrópicas modificam o sistema fluvial, desequilibrando-o. Os
resultados, compilados na tabela 10, evidenciam em todos os pontos coletados a
presença de um número muito expressivo de pontes e tubulações que desestabilizam as
margens e corroboram os processos erosivos. A pouca variabilidade da largura também
é uma expressão de alteração da dinâmica natural de erosão e deposição do rio.
Tabela 10: Resultados da análise hidromorfológica das margens dos canais fluviais
Parâmetro Nota atribuída por trecho
1 2 3 4 5 6 7
Forma do perfil transversal 0 0 4 4 0 4 0
Profundidade do perfil transversal 2 0 4 4 2 2 2
Variabilidade da largura 0 0 0 4 4 4 0
Tubulações 0 0 0 4 0 0 0
Erosão das margens 4 2 1 2 0 1 2
Pontes 0 0 0 0 0 0 0
Vegetação/fixação das margens 0 0 3 4 3 3 1
Valor médio 0,9 0,3 1,7 3,1 1,3 2,1 0,7
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
94
Pela análise dos dados, é destacável o estágio crítico de degradação em que se
encontra o trecho 2, que está localizado no bairro do Alcântara, importante centro
comercial da cidade de São Gonçalo. Nesse trecho, as margens do rio Alcântara foram
completamente impermeabilizadas para a construção de estradas e condomínios
residenciais.
Por outro lado, o trecho 4, localizado na parte alta da bacia, o rio ainda apresenta
características da sua dinâmica natural, sobretudo, as matas ciliares e os movimentos de
erosão e deposição, encontrando-se ainda depósitos areias finas nas margens, o que é
raro em áreas urbanizadas.
É importante destacar que o trecho 4 dista apenas cerca de 7 km do trecho 2 no
sentido montante. Esse intervalo espacial é marcado por profundas agressões ao canal
fluvial, através de despejos de afluentes domésticos e industriais, resíduos de
construções civis e por intervenções de engenharia no próprio ambiente fluvial,
principalmente, a retificação.
8.2.1 Seções transversais
Conforme explicitado na metodologia, foram analisadas três seções transversais
de canais do rio Alcântara (figura 35).
A primeira seção, localizada no alto curso, a cerca de 3 km da nascente do rio
Alcântara, apresenta área de 120,15 m² e raio hidráulico de 1,2 m. Esse valor expressa
uma calha fluvial mais lisa que, de acordo com Cunha & Guerra (1996), oferece maior
facilidade ao escoamento do fluxo
A segunda seção apresenta área de 115,59 m² e raio hidráulico de 1,5 m. Os
valores de área expressam um estrangulamento da seção transversal neste ponto. Esta
seção apresenta quadros repetidos de enchentes, devido à avançada impermeabilidade
das áreas do entorno e à ocupação das margens por condomínios residenciais.
Na terceira seção, a área aferida foi de 138,44 m² e raio hidráulico de 1,69 m, o
que indica uma eficiência do fluxo. Essa área não apresenta registros de enchentes,
muito embora o bairro a jusante, Alcântara, ocorrem registros consecutivos, muito
provavelmente pelo afunilamento das seções molhadas subsequentes (tabela 11).
95
Tabela 11: Dados morfométricos das seções transversais
Seção Área (m²) Raio hidráulico (m)
1 120,15 1,2
2 115,59 1,5
3 138,44 1,69
Fonte: Fernando Damasco, 2014.
8.2.2 Estruturas das margens
Ao longo de toda a bacia, ocorrem casos de fixação das margens através da
concretagem, por gabião e pedras. Frequentemente, essas estruturas são realizadas para
garantir algum empreendimento, como um prédio ou estrada, sendo realizadas em
apenas uma das margens (figura 36).
Muitas são as estruturas artificiais que interferem no equilíbrio das margens. As
tubulações estão presentes em toda a bacia, sobretudo aquelas excretoras de esgoto,
além de dutos de água para abastecimento.
Nos canais de primeira ordem contribuintes do rio Alcântara, muitas famílias
construíram suas casas nas margens dos rios, estando os alicerces de suas casas fincados
no leito do rio. No rio Camarão, afluente do Guaxindiba, muitas casas avançam rumo ao
leito do rio, destruindo toda a estrutura das margens (figura 37).
96
Figura 35: Seções transversais levantadas no rio Alcântara.
Elaboração: Fernando Damasco, 2013.
97
Figura 36: Fixação de uma margem côncava do rio Guaxindiba para conter a erosão.
Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
Figura 37: Crianças observam o rio Camarão da janela de sua casa, cujos alicerces estão
fincados no leito do rio. Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
98
8.4 Situação da planície fluvial
Christofoletti (1980) define a planície fluvial como “a faixa do vale fluvial
composta de sedimentos aluviais, bordejando o curso de água, e periodicamente
inundada pelas águas de transbordamento provenientes do rio”. A planície fluvial é,
portanto, por definição, uma área natural de extravasamento das águas dos rios em
eventos de cheias.
As planícies de inundação são áreas mais baixas da planície, com drenagem
insuficiente, topografia plana e funcionam como áreas de decantação, onde os
sedimentos finos podem se depositar.
Nos grandes centros urbanos, as planícies fluviais estão completamente
ocupadas, o que tem rebatimento direto no desenvolvimento e desencadeamento de
inundações.
As planícies de inundação estudadas na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara
estão, em sua maioria, majoritariamente urbanizadas. Poucos são os trechos em que a
planície ainda é identificável. Na maioria deles, elas deram lugar a estradas, casas e
prédios. Embora sazonalmente inundadas pelas águas dos rios em ocasiões de
chuvaradas, a população acabou por tomar medidas estruturais que garantissem sua
permanência nesses locais, como as barreiras nos portões das casas e estacionamentos
de prédios com pisos permeáveis.
Os resultados, demonstrados na tabela 12, revalam o alto grau de
comprometimento das planícies de inundação. Além de o uso da terra predominante ser
urbano, a presença de estruturas negativas foi uma constante em todos os trechos
observados. Essas estruturas podem ser fábricas poluidoras, lixões, tubulações, represas
e barragens, estradas etc. É relevante também o fato de que a maior nota atribuída nesse
item foi ao trecho 4 no valor de 1,3, valor que traduz um estágio avançado de
degradação.
Tabela 12: Resultados da análise hidromorfológica das planícies fluviais
Parâmetro Nota atribuída por trecho
1 2 3 4 5 6 7
Uso da terra predominante 0 0 0 0 0 0 0
Faixa ciliar 0 0 2 4 2 2 0
Estruturas negativas 0 0 0 0 0 0 0
Valor médio 0 0 0,7 1,3 0,7 0,7 0
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
99
8.4.1 Características do uso da terra
O uso da terra na bacia é predominantemente urbano (64,1%). Apenas em alguns
canais do alto curso, encontra-se o desenvolvimento da olericultura.
O município de São Gonçalo viveu, na segunda metade do século XX, um
absurdo processo de expansão demográfica, alcançando, em 2010, uma população quase
milionária. A ausência de planejamento e fiscalização por parte do poder público
contribuiu para que a ocupação se desse de forma desordenada, em desarmonia com o
ambiente. A falta de um plano de áreas permeáveis, a inexistência de uma eficiente rede
de coleta e tratamento de esgoto, além da falta da coleta regular de lixo, contribuem
para o elevado grau de degradação dos canais.
8.5 O quadro de degradação dos canais e a ocorrência de enchentes na bacia
hidrográfica
A análise hidromorfológica de campo, realizada conforme descrito na
metodologia, classificou alguns trechos dos canais em diferentes graus de degradação
hidromorfológica, a saber: dinâmica natural (3,5-4,0), inicial (2,5-3,4), intermediário
(1,5-2,4), avançado (0,5-1,4) e crítico (0,0-0,4), conforme demonstrado na tabela 13 e
espacializado na figura 37.
Tabela 13: Resultados finais da análise hidromorfológica
Feição Médias parciais por trecho
1 2 3 4 5 6 7
Leito 0,7 0,9 2,0 2,5 2,3 1,7 0,7
Margens 0,9 0,3 1,7 3,1 1,3 2,0 0,7
Planície 0 0 0,7 1,3 0,6 0,7 0
Média final 0,4 0,4 1,5 2,3 1,4 1,4 0,5
Estágio de
degradação Crítico Crítico Avançado Intermediário Avançado Avançado Avançado
Elaboração: Fernando Damasco, 2014.
Na figura 37 são apresentados também os dados de registros de ocorrência de
enchentes pela Defesa Civil Municipal de São Gonçalo no período de 2000 a 2005.
Nesse intervalo temporal, foram registradas 122 ocorrências na área da bacia em estudo.
No entanto, é bom lembrar que esse número é incapaz de expressar a totalidade dos
eventos de inundação da bacia hidrográfica, pois nem todos os moradores recorrem à
100
Defesa Civil para registrar a ocorrência. De igual modo, a população que costuma
entrar em contato com os órgãos responsáveis são aquelas com nível de escolaridade
mais elevado e que moram em condições habitacionais mais favoráveis. Grande parcela
da população, com baixos níveis de escolarização, muitas vez por falta de acesso à
informação e por desconhecimento de seus direitos, acabam por não recorrer à
prefeitura, contribuindo com a fragilidade desses dados.
A análise dos resultados da avaliação hidromorfológica indicam que o rio
Alcântara é o mais degradado, apresentando 2 trechos considerados “críticos”. Essa
situação se explica pelo alto nível de antropização dessa sub-bacia, pelo despejo de
esgoto in natura e por essa bacia ter sido palco de inúmeras obras de engenharia durante
o século XX, como já foi referido no capítulo anterior.
O trecho 4, localizado no rio Maria Paula, foi o único com grau intermediário de
degradação. Nessa área, a urbanização é mais dispersa e as margens ainda estão
vegetadas, apesar de já se verificar grande pressão antrópica sobre o sistema fluvial.
O trecho 7, no rio Goianã, afuente do rio Guaxindiba pela margem direita,
também apresentou índice crítico, o que está relacionado à total destruição da vegetação
ciliar, à retificação do canal, à construção de casas e ruas na transição de suas margens
para a planície fluvial (figura 38).
Os resultados indicam também que o grau de degradação hidromorfológica na
bacia é diretamente proporcional à ordem hierárquica: quanto maior a ordem do
segmento de canal, mais crítico será o seu grau de degradação.
Em uma articulação com os dados espaciais de ocorrências de enchentes da
Defesa Civil do Município de São Gonçalo (figura 37), pode-se inferir que as
inundações concentram-se nas proximidades dos trechos com morfologia mais
degradada.
101
Figura 38: Trecho 7, localizado no rio Goianã, afluente do rio Guaxindiba, que apresentou grau
crítico de degradação hidromorfológica.
Fotografia: Fernando Damasco, 2013.
102
9 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A análise dos condicionantes para ocorrência de inundações na bacia dos rios
Guaxindiba/Alcântara permitiu construir todo um arcabouço teórico e empírico para o
entendimento do fenômeno das inundações urbanas. A avaliação dos condiciontes
naturais demonstrou como a bacia é naturalmente suscetível às inundações periódicas, o
que não foi levado em conta ao longo do processo de ocupação urbana. Os
condicionantes antropogênicos, por sua vez, vêm ratificar essa ideia, quando
demonstram de que forma a ocupação desordenada e a falta de planejamento e estudos
acerca das obras de engenharia podem agravar a suscetibilidade a eventos desastrosos.
O levantamento dos condicionantes abrangeu primeiramente a análise dos
condicionantes naturais, analisados à escala da bacia hidrográfica e que considerou o
regime pluviométrico, a geomorfometria e a geomorfologia.
O estudo das condições climáticas regionais permite concluir que a bacia dos
rios Guaxindiba/Alcântara, por se inserir em área tropical de grande instabilidade
climática, é naturalmente suscetível a episódios de fortes e repentinas precipitações.
A análise dos dados disponíveis mostra que a concentração das chuvaradas se dá
nos meses de verão, com relativa estiagem nos meses de inverno. Esse fato denota a
necessidade de que as medidas de alerta à população e os estágios de alerta se
intensifiquem no período chuvoso. A irregularidade das precipitações indica, no
entanto, que as medidas preventivas de gestão do risco de inundação devem ser
constantes, advertindo a população que se encontra em áreas de risco e permanecendo a
Defesa Civil e os órgãos envolvidos plenamente atentos a qualquer excepcionalidade
meteorológica. Urge também a necessidade de identificação com exatidão das áreas de
risco, bem como a realização do mapeamento do risco à inundações, que abrangeria
tanto a avaliação dos condicionantes, da suscetibilidade e da vulnerabilidade da
população.
A geologia e a geomorfologia da bacia são condicionantes importantes na
ocorrência de inundações. A presença da planície flúvio-marinha no baixo curso junto à
foz, gera um ambiente onde a velocidade do fluxo é naturalmente menor. Some-se a este
fato a presença do maciço de Itaúna, que obriga o desvio do curso do rio em um ângulo
de quase 90°, amortecendo, também, a velocidade da vazão.
Esses fatores expressam a falta de planejamento da ocupação e das obras
realizadas na bacia, de modo que, sendo esses corpos hídricos não deveriam receber
103
quantidades exorbitante de esgoto e lixo, provenientes da cidade de São Gonçalo. É
necessário, então, que se pensem políticas públicas de tratamento de esgoto na bacia
hidrográfica, bem como o levantamento e fechamento de todos as tubulações que
atualmente despejam efluentes domésticos e industriais diretamente no leito dos rios.
A análise dos parâmetros morfométricos permite concluir que a baixa
declividade dos canais, a baixa amplitude altimétrica da bacia e a sua forma conformam
um quadro de suscetibilidade natural às inundações. Os valores expressivos da
densidade de drenagem e da densidade hidrográfica sugerem que, ao aumentar a
impermeabilização do solo, o processo de urbanização contribuiu para que a bacia tenha
aumentado os índices de escoamento superficial, em detrimento da infiltração. O
aumento do número de canais, portanto, pode ter contribuído para que a bacia tenha
atenuado a sua suscetibilidade às inundações, o que deve ser melhor investigado em
análises futuras sobre as mudanças temporais desses parâmetros morfométricos.
Além dos condicionantes naturais, a investigação envolveu também a análise dos
condicionantes antropogênicos, isto é, desencadeados pela ação humana. Nesta etapa, à
escala dos canais fluviais, foram levantadas as suscessivas obras de engenharia
realizadas ao longo de todo o século XX, bem como o atual estágio de degradação
hidromorfológica em que se encontram os seus canais.
As diversas obras de engenharia que ao longo do século XX acometeram a bacia
são fatores condicionantes importantes para o entendimento das inundações. A falta de
planejamento e ordenamento territorial, que ainda ocasiona uma precária infraestrutura
urbana, associada à exploração dos cursos d’água por empresas privadas para
escoamento da produção, levaram a um elevado grau de alteração dos canais fluviais.
As obras que estão por acontecer tendem a seguir o mesmo padrão das já
realizadas: canalizar e dragar para melhor escoar. A questão ecológica é ignorada e não
há nenhum estudo geomorfológico que fundamente a escolha metodológica. Não há um
entendimento orgânico do canal fluvial como sistema ecologicamente e
geomorfologicamente complexo, com excelente potencial estético e cultural. A
tendência é que essas soluções, mais uma vez, sejam eficazes em curto prazo, mas
ineficientes para um planejamento de longo prazo.
A bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara encontra-se em um estágio avançado de
degradação hidromorfológica, marcada pela alteração brusca nos traçados dos canais
fluviais, das estruturas do leito, das margens, da faixa ciliar e de impermeabilização da
planície adjacente.
104
Os resultados da análise hidromorfológica sugerem que o avanço do grau de
degradação dos canais seja diretamente proporcional ao aumento da ordem hierárquica.
Desse modo, as políticas de planejamento, gestão e manejo dos canais, que visassem a
despoluição e a recuperação, deveriam partir dos canais de primeira ordem, até os de
ordens mais elevadas. As políticas voltadas diretamente para os canais de ordem
elevada têm se mostrado ineficientes para reduzirem a degradação e a ocorrência de
inundações.
Por fim, o resultado da análise hidromorfológica, comparado aos dados de
enchentes da Defesa Civil Municipal, sugerem ainda que as áreas onde os canais estão
mais degradados estejam também mais suscetíveis à ocorrência de inundações, hipótese
esta que poderá ser investigada em nossos estudos futuros.
105
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