Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA EDUCACIONAL PARA O ENFRETAMENTO AO FRACASSO
ESCOLAR Páginas 41 a 54
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CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA EDUCACIONAL PARA O
ENFRETAMENTO AO FRACASSO ESCOLAR
Andreia Maia Accioly Moura1
Resumo - O presente artigo propõe identificar as práticas da psicologia educacional, que
podem desmistificar as razões historicamente postas para o fracasso escolar. Para tanto,
foi realizado uma pesquisa bibliográfica que abordou três pontos principais: o primeiro
sobre a história do fracasso escolar, trazendo uma análise crítica para o entendimento
deste fenômeno; o segundo sobre as contribuições que a psicologia deu a educação ao
longo dos últimos anos e que reforçavam a ideia da queixa escolar como atributo
individual e por fim trouxe para o debate uma perspectiva de atuação crítica para o
enfretamento ao fracasso escolar, que propõe um trabalho de análise coletiva das
situações vivenciadas no dia a dia escolar que produzem o fracasso escolar. Desta forma
a psicologia educacional assume um novo compromisso de construir uma prática diversa,
onde o trabalho do psicólogo não estaria mais unicamente direcionado para o “aluno
problema”, que apresenta distúrbios de aprendizagem e de comportamento e que
possibilite a análise coletiva das relações sociais que atravessam o espaço escolar e seus
atores, deixando de ser uma psicologia do escolar e passando a estar comprometida com
as questões fundamentais da educação.
Palavras-chave: Fracasso Escolar; Psicologia; Educação.
ABSTRACT - The present article proposes to identify the practices of the educational
psychology that can demystify the reasons historically put for the school failure. For that,
a bibliographical research was carried out that addressed three main points: the first on
the history of school failure, bringing a critical analysis to the understanding of this
phenomenon; The second on the contributions that psychology gave to education over the
last few years and which reinforced the idea of the school complaint as an individual
attribute and finally brought to the debate a perspective of critical action for the failure to
1 Graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB, 2006). Possui
especialização em Psicopedagogia Institucional pelo Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa
(CINTEP,2017). Psicóloga Escolar na Rede Municipal de Ensino de João Pessoa/PB.
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school failure, which proposes a work Of collective analysis of the situations experienced
in the day to day school that produce the school failure. In this way the educational
psychology assumes a new commitment to build a diverse practice, where the
psychologist's work would not be solely directed to the "problem student" that presents
learning and behavioral disorders and that allows the collective analysis of the social
relations that they cross The school space and its actors, from being a school psychology
to being committed to the fundamental issues of education.
Keywords: School Failure; Psychology; Education.
INTRODUÇÃO
O estudo sobre o fracasso escolar na educação brasileira passou a ser comum nas
últimas décadas, devido à recorrência de evasões e repetência, entre outros problemas que
surgem no processo de escolarização da classe pobre da população brasileira.
Entender os motivos que geram o fracasso e buscar soluções para enfrentá-lo, vem
sendo tarefa não só da educação, mas também de outras ciências que tentam compreender
e modificar este fenômeno. Dentre estas ciências está a Psicologia.
A história da relação entre Psicologia e Educação nos revela que estes saberes até
a década de 70, inseridos e orientados por uma sociedade neoliberal, compreendiam os
problemas apresentados pelos alunos como questões exclusivamente individuais,
apoiados principalmente na teoria da carência cultural.
A Psicologia auxiliou a Educação a classificar e avaliar os sujeitos ao trazer para
o espaço escolar uma prática baseada no modelo clínico, que tem como objetivo restaurar
as condutas inadequadas. (ROCHA, 1999). Esta prática vem sendo discutida e criticada
a partir da década de 80, e tem como principal referência os estudos de Patto, que trouxe
como contribuição a elucidação do fracasso escolar como uma produção social, que busca
naturalizar as situações de exclusão.
Apesar dos muitos avanços que a psicologia educacional já alcançou nos últimos
anos, ainda é frequente os encaminhamentos, por parte dos professores, de alunos a
psicólogos que trabalhamnas escola ou fora delas com queixas referentes ao
comportamento do aluno – distraído, hiperativo, não se concentra, agressivo,
bagunceiro... – e relatos de dificuldade de aprendizagem, sempre colocando sobre o aluno
e sua família o peso e a responsabilidade por tal situação.Também é frequente ouvir nos
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relatos dos professores que os alunos que tem assistência familiar para realizar as tarefas
de casa e acompanhar as atividades escolares têm mais sucesso nas avaliações,
corroborando com a ideia de que o êxito do aluno está diretamente ligado a participação
de sua família no seu processo de escolarização.
Estas questões ainda tão presentes no dia a dia escolar, trouxeram as principais
indagações deste trabalho: Como pode atuar a psicologia educacional no sentido de
desmistificar as razões historicamente postas para o fracasso escolar? E quais as
contribuições da psicologia educacional para o enfrentamento ao fracasso escolar?
Para tanto, com o objetivo de identificar como os psicólogos educacionais
vêmatuando para desmistificar a relação entre fracasso escolar e o fracasso do escolar, foi
realizado uma pesquisa bibliográfica a cerca deste tema, abordando primeiro um relato
breve da história do fracasso escolar no sistema de ensino brasileiro. Em seguida
aprofundou-se o debate para entender a relação entre psicologia e educação a partir de
uma visão histórico-crítica, tendo como referência principal as contribuições de Patto. E
por fim trouxe para o debate uma perspectiva de atuação crítica para o enfrentamento ao
fracasso escolar, que compreende este como resultado de uma série de fatores, entre eles
questões sociais e individuais, incluindo a responsabilidade do professor, da escola e do
próprio sistema de ensino.
Para transformar as situações de fracasso em sucesso é necessário, portanto, um
trabalho de análise coletiva, onde todos os atores envolvidos no processo de escolarização
da criança participem.
A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR NO SISTEMA DE ENSINO
BRASILEIRO
O fracasso escolar no Brasil surgiu nas últimas décadas do século XX, quando
teve inicio o processo de democratização do ensino, garantindo a população pobre acesso
à escola pública, direito previsto pela Constituição Federal de 1988.
Garantir o acesso a escola passou a ser o principal objetivo do sistema de ensino.
Contudo o que vivenciamos na prática é uma realidade de altos índices de repetência e
evasão escolar. O que nos mostra que garantir o acesso não significa garantir a
permanência e o sucesso escolar.
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Esta realidade traduz o desafio atual do sistema de ensino, que é garantir o acesso
a uma educação pública de qualidade a toda a população. Ou seja, compreender o fracasso
e escolar e buscar estratégias de enfrentamento.
Fracasso na visão de Ferreira (1998) pode ser entendido como: desgraça, desastre,
ruína, perda, mau êxito, malogro. Seria portanto, o mau desempenho do aluno na escola,
caracterizado, no entendimento do senso comum, como reprovação e evasão escolar.
Desta forma o fracasso escolar pode ser compreendido como uma
responsabilidade exclusiva do aluno. Sendo, portanto, um simples reflexo do seu
desempenho durante o ano letivo. Esta concepção vigorou no Brasil durante muito tempo.
Contudo esta é uma análise simplista e superficial. Para compreender melhor este tema é
preciso fazer uma reflexão mais ampla e profunda sobre a produção do fracasso escolar,
bem como do sistema de ensino brasileiro.
A partir da década de oitenta diversos estudos começam a discutir hipóteses que
justificam o fracasso do aluno. Patto, ao fazer uma análise histórica, social e política sobre
as possíveis causas do fracasso escolar, aponta três fases. A primeira, na virada do século
– 1900, onde as explicações são de cunho racista e médica; A segunda fase (1930 - 1960)
traz explicações de natureza biopsicológica e a terceira (1970) traz a teoria da carência
cultural, a qual sugeria que as pessoas com histórico de fracasso escolar tinham problemas
em seus ambientes de origem, o que as impedia de progredir. Esta teoria, na época,
ganhou muita força por explicar as possíveis causas para os altos índices de insucessos
da população pobre nas escolas.
Ao absorver estas teorias o sistema educacional buscou justificar a má qualidade
do ensino oferecido aos pobres e o mau gerenciamento das ações educacionais
direcionadas a esta população, atribuindo aos alunos à incapacidade de aprender, visto
que os mesmos não teriam capacidade para ter êxito nas suas atividades escolares devido
aos problemas “herdados” do seu ambiente de origem.
Além disso, atribuiu às crianças dificuldades ou distúrbios que justificassem o
mau desempenho, retirando assim da escola e do sistema de ensino a responsabilidade
pelo fracasso do aluno e atribuindo unicamente a este tal responsabilidade.
Conforme Patto (1992,p12)
A afirmação da patologia generalizada das crianças pobres, a
patologização de suas dificuldades escolares tem algumas
consequências que convém destacar: dispensa a escola de sua
responsabilidade; induz a uma concepção simplificadora do aparato
psíquico dos pobres.
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As três teorias enfatizam o sujeito como centro da causa do fracasso escolar, sem
considerar as relações sociais, as relações de poder e a ideologia que impulsiona tais
relações, dando espaço ao discurso do senso comum que promove preconceitos e
estereótipos sociais.
Aliado a esta compreensão do fracasso escolar, como responsabilidade do aluno,
está um sistema de ensino assentado numa lógica neoliberal que legitima os ideais de
competência e produtividade e contribui com o alargamento dos níveis de desigualdade e
injustiça social, naturalizando as situações de exclusões.
Neste enquadre a escola assume uma importante função, que é de moldar e
docilizar os sujeitos para se adaptarem e se conformarem com as situações de exclusão
que lhes são impostas. “O ajustamento dos homens a ‘novas condições e valores de vida’
exigia a produção de comportamentos adaptados a funções, o que não significava uma
dificuldade insuperável” (CARVALHO, 1997, p286). Este trabalho passou a ser
executado pela escola, com o objetivo de produzir em série cidadãos conformados e
preparados para seguir diante das injustiças sociais sem questioná-las.
Desta forma, a educação atendendo as regras da sociedade neoliberal, assume um
discurso igualitário, onde as oportunidades são ofertadas igualmente a toda a população.
O que na prática não é verdade, pois as escolas públicas sofrem com um processo de
sucateamento, fruto da má gestão das políticas públicas e da insuficiência dos recursos
aplicados na educação pública o que gera um abismo entre as classes sociais.
Conforme Gentilli (2001, p36) “ a norma tem sido, quase sempre, a de oferecer
educação pobre aos pobres, permitindo apenas às elites a possibilidade de acesso a uma
educação de excelência.” O que existe, na verdade, como reflexo dessas teorias e práticas
são escolas públicas onde as relações são autoritárias, burocratizadas e hierarquizadas
produzindo um engessamento em seus alunos, que por fim são culpabilizados pelo baixo
desempenho escolar e social.
De acordo com Fernandes et al (2006, p148,149) ,“é a história já contada da
exclusão social que se enraíza nessa escola, cheia de práticas que incluem as crianças
pobres e suas famílias em um cotidiano improdutivo e enfadonho.”
As diferenças individuais são utilizadas para justificar as dificuldades produzidas
por um sistema educacional perverso que oferece escolas de má qualidade, com estrutura
física inadequada, material e livros didáticos insuficientes, salas superlotadas, professores
que sofrem com a desvalorização da profissão, entre tantos outros problemas que
atravessam as práticas educacionais diariamente e produzem um ensino ineficaz e
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consequentemente aumentam os índices de fracasso escolar nas escolas públicas
brasileiras.
Ao analisar tais teorias e práticas a partir de uma abordagem sócio-histórica Maria
Helena Souza Patto (1992) mostra em seus estudos que na verdade o fracasso escolar é
produto da demanda apresentada pela sociedade capitalista, que busca naturalizar as
situações de exclusão produzindo conformismo e passividade sobre a população
marginalizada. A partir daí surge a compreensão do fracasso escolar como uma produção
social e não mais como fruto do desempenho individual do aluno.
A RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
Para justificar o fracasso escolar, traduzido nos altos índices de repetência e
evasão, a educação buscou a ajuda de outras ciências a fim de explicar os motivos que
levavam os alunos a não aprenderem, foi neste momento que buscou o apoio da
psicologia.
A história da Psicologia nos mostra que este saber, também influenciado pela
demanda neoliberal, trouxe contribuições marcantes para a educação e para reforçar o
discurso sobre o fracasso escolar. Apoiado no conceito de normalidade que surge com
muita força no período republicano, a psicologia vai dispor de teorias e ferramentas para
auxiliar na classificação do normal e do patológico. Contribuindo para avaliar as aptidões
individuais e selecionar os que merecem um lugar no sistema de ensino. (PATTO, 2003,
p32)
A psicologia ajudou na construção de um saber que busca justificar as diferenças
sociais a partir das competências individuais, retirando assim do sistema político e social
qualquer responsabilidade por tais diferenças. Abrindo espaço para a formulação de
teorias que enaltecem a competência e o mérito individual, demanda produzida pela
sociedade neoliberal.
Conforme Fernandes (2006, p 146)
Diversos estudos têm demonstrado que a psicologia firmou
compromisso com a produção do fracasso escolar ao atender a uma
demanda de construção de explicações do baixo desempenho social de
camadas empobrecidas da população. A sociedade caracterizada pelo
modo de produção capitalista, necessariamente dualizada, precisava
explicar cientificamente a distribuição dos indivíduos na escala social.
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Por traz de um discurso igualitário e da afirmação de que a todos eram
dadas as mesmas oportunidades foi se criando, ao longo do último
século, um fosso cada vez maior entre as classes sociais. A psicologia
foi chamada a participar da produção de teorias que, com base nas
diferenças individuais, explicassem a alocação dos indivíduos de um
lado ou de outro desse fosso.
Surge então a necessidade de classificar os sujeitos para enquadrá-los em um
determinado segmento social. Coube, portanto, a psicologia a tarefa de buscar técnicas
que permitissem a elaboração de diagnósticos eficientes. Os testes psicológicos
assumiram importante função, visto que permitiam e permitem a classificação e rotulação
dos sujeitos, traçando perfis definidos e dando a condição humana finitude,
estigmatizando e limitando as possibilidades de existência dos sujeitos.
No espaço escolar os testes e qualquer outra forma de avaliar são utilizados com
o único fim de justificar o fracasso escolar a partir da culpabilização das vítimas, ou seja,
joga-se sobre os alunos a responsabilidade pelo fracasso de todo um sistema político e
econômico que é refletido em todos os serviços de assistência social, inclusive na
educação.O fracasso escolar torna-se, portanto um mecanismo de exclusão social
assumindo a forma dos chamados problemas de aprendizagem.
Neste momento o apoio que a psicologiada à educação serve para justificar a
desigualdade estrutural e promover o controle do corpo socialatravés de métodos
compatíveis com a ideologia neoliberal, que permitem o controle social por parte dos que
estão no poder. (PATTO,2003)
PSICOLOGIA EDUCACIONAL: TECENDO UM NOVO CAMINHO CONTRA
O FRACASSO ESCOLAR
No entanto ao longo dos últimos anos as críticas ao modelo clínico de atuação do
psicólogo escolar aumentaram e paralelo a isto ganhou força o pensamento crítico que
busca uma aproximação diferenciada entre a Psicologia e Educação. A psicologia
educacional passa, portanto, por um processo de reconstrução da sua prática a partir da
análise crítica das práticas que estavam sendo reproduzidas e que reforçavam a
culpabilização do aluno pelo fracasso escolar.
Segundo Fernandes et al(2006, p 147),
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Romper com esse processo é um caminho que requer a afirmação de
outros compromissos e deve estar marcado por uma luta pela
transformação social e contra a injustiça. É necessário descontruir os
processos de produção do fracasso escolar. É necessário desmontar
práticas focalizando os mecanismos que se engendram no cotidiano
escolar para, a partir de sua recusa, inventar novas possibilidades de
gerir a produção de conhecimento construindo alianças com outros
saberes. São tarefas urgentes que devem escapar do olhar tecnicista que
se coloca sobre a vivência escolar e seus efeitos. Aponta-se para a ideia
de que esse caminho seja marcado pela inventividade e pela construção
de práticas produtoras de autonomia afetando as relações de poder as
quais atravessam o cotidiano escolar.
Alguns autores como Machado (2000), Fernandes (2006), Rocha (1999),
trouxeram grandes contribuições para se repensar eresignifcar a prática da psicologia
educacional e auxiliar na análise e busca de novos caminhos e estratégias de atuação,
rompendo com as relações cristalizadas/naturalizadas e promovendo novas ligações com
outros saberes e práticas.
Nesta perspectiva surge uma nova forma de atuar no ambiente escolar que se opõe
as práticas já instauradas de avaliações diagnósticas, aconselhamentos e instrumentação
técnica, voltadas exclusivamente para o aluno e sua família. O psicólogo agora vai buscar
entender a queixa escolar através da analise das práticas docentes, dos relatos dos
professores, dos alunos e da família.Para isso Machado (2004) propõe a formação de
“pequenos grupos nos quais são criados espaços de expressão e comunicação, em que a
criança fala de seu aprendizado, de sua vida escolar e mostra as suas potencialidades
cognitivas e expressivas.” (p 52)
É a partir de uma analise contextualizada da queixa escolar que se constrói uma
nova forma de compreender e enfrentar o fracasso escolar, rompendo com as práticas
psicologizantes já naturalizadas. Esta ruptura só será de fato possível se todos os atores
que convivem no espaço escolar participarem ativamente da analise e questionamento de
tais práticas existentes no cotidiano escolar.
Segundo Machado(2009, p 34)
Dessa forma, procuramos trazer questionamentos às explicações
‘psicologizantes’que colocam o aluno, sua família e mesmo os
educadores como culpados pelos problemas educacionais, contribuindo
para o resgate do papel ativo e dirigente que todos eles possuem na
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reflexão, no estudo e na definição dos caminhos e recursos necessários
à resolução das dificuldades. Portanto, colocar em questão as
explicações psicologizantes, podendo indaga-las. A indagação interfere
nas relações de poder/saber, na criação coletiva de sentido para os
acontecimentos do dia a dia.
Aos poucos uma nova forma de atuar na escola vai se delineando, uma prática
voltada muito mais para a análise dos processos educacionais aos quais a criança é
submetida, do que para as questões individuais da criança tida como problemática. É um
trabalho que “busca compreender as maneiras pelas quais as dificuldades, sobretudo das
crianças pobres que frequentam as escolas públicas, são produzidas pelas condições
escolares.” (MEIRA, 2000, p 56)
Nesta perspectiva, a psicologia assume um outro papel, seu olhar não está mais
voltado unicamente para o problema, vai além, busca entende-lo dentro do seu contexto
e não mais isolado. Assim, a práxis psicológica deve enfatizar “[...] um trabalho geral, de
grupo, de contextualização, de relações dinâmicas, de mobilização das instituições que se
escondem nas organizações, favorecendo o pensar ou mesmo a democratização das
relações.” (ROCHA, 1999, p 185).
Entender, portanto, a realidade posta através da queixa escolar de forma
contextualizada, passa a ser uma importante função do psicólogo educacional. Machado
(2003) utiliza a expressão “campo de força” para referir-se a esta realidade, entendendo
este campo como um espaço onde diversas forças atuam simultaneamente produzindo
saberes, praticas e processos de subjetivação. A atuação do psicólogo deve estar focada
no campo de forças que produz o “aluno problema”.
De acordo com Machado (2003, p13)
Esse campo não é uma causa externa daquilo que se produz. Pensar esse
campo de forças é um grande passo em relação a visão que justifica os
acontecimentos tendo como causa algo localizado apenas no corpo do
sujeito, pois, pesquisando esse espaço de produção, temos acesso não
mais a causa meramente individuais ou provenientes da relação
professor-aluno, mas às várias práticas nas quais o encaminhamento
fora engendrado. Passamos a falar da sensação de incapacidade da
criança, da depositação do saber dos professores em especialistas, da
aflição das mães, pois seus filhos não aprendiam, da necessidade de um
projeto pedagógico para os alunos com comprometimentos, da
montagem das classes, da atribuição de aulas aos professores, do
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funcionamento do recreio, da rotina, da participação dos pais nos fóruns
de poder da escola, das decisões políticas sobre a educação, etc.
A análise de um campo de forças implica em problematizar, junto aos professores,
familiares e alunos, as forças que produzem tal realidade, ou seja, as práticas e políticas
que estão instauradas na escola. Afetando assim, estas forças e possibilitando a mudança
da realidade cristalizada.
As forças estão em constante movimento e por isso produzem uma realidade
dinâmica, demandando novas formas de atuação onde o psicólogo deve acompanhar tais
mudanças para atualizar sua prática sem se prender a modelos ou padrões definidos. Deve
atuar em um campo de intervenções de analise coletiva, o que implica envolver não só a
organização, como também as instituições que permeiam as relações entre os sujeitos e
que dão vida aos fatos, papéis e funções. (ROCHA, 1999, p189)
O que se propõe é um trabalho de grupo/coletivo em que os sujeitos possam
desenvolver suas potencialidades e construir relações mais significativas. Para isso é
importante que a prática da Psicologia Educacional considere tanto os fatoressociais que
estão presentes na escola como os aspectos subjetivos produzidos por estes fatores.
(MEIRA, 2000)
Cunha (1994) aponta em sua tese de doutorado algumas questões que devem ser
observadas na prática do Psicólogo Educacional, quais sejam elas:
A realidade educacional vivenciada pelo aluno deve ser compreendida
através de uma análise histórico-crítica, para que se busquem novas formas
de agir sobre esta realidade e que produzam efeitos transformadores na
vida de todos os envolvidos;
O psicólogo deve atender as demandas de professores, alunos, familiares,
de forma diferenciada, mas com o único objetivo de solucionar as queixas
escolares. Impedindo assim de que sua prática se cristalize, para isso o
psicólogo deve buscar soluções criativas e construtivas;
A Psicologia Educacional deve considerar o sujeito e suas relações tanto
com o ambiente escolar (social), quanto suas questões individuais,
devendo, contudo superar as concepções individualizantes e as práticas
tecnificadas da Psicologia;
Deve buscar referencias dentro da própria Psicologia para compreender
como se dá no sujeito a aprendizagem dos aspectos sociais e institucionais,
buscando uma prática que considere os aspectos psicológicos e sociais;
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Analisar profundamente como o sujeito se relaciona e se situa no ambiente
escolar, bem como analisar as práticas instauradas que buscam solucionar
os problemas e dificuldades existentes, a fim de promover a transformação
destas práticas através de soluções abertas e criativas.
Tanamachi (2000) faz um importante alerta sobre a formação do psicólogo
educacional como um importante fator na construção de novas possiblidades de atuação
no ambiente escolar. É um momento inicial para a formação dos futuros psicólogos que
estarão atuando diretamente nas escolas, portanto deve ser um momento de preparação
teórico-prático e de investigação de novos conhecimentos para a construção de uma
prática crítica capaz de compreender a realidade da Educação e da própria Psicologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas a psicologia Educacional vem se distanciando do discurso
sobre o fracasso escolar onde este era entendido como um problema do aluno e
consequentemente da sua família.
A partir das contribuições de Patto muitos estudos demonstraram que o fracasso
escolar é uma produção social, trazendo a tona a construção de teorias e práticas que
atendem a uma demanda da sociedade capitalista, que naturalizam as situações de
exclusão.
A psicologia, que durante muito tempo legitimou essas práticas de exclusão ao
disponibilizar teorias, técnicas e práticas com o objetivo de avaliar, diagnosticar e
classificar os alunos que não conseguiam aprender,agora busca constituir uma prática
crítica, propondo uma análise coletiva do “aluno problema” e para isto é fundamental a
participação do professor, para que ele também sinta-se parte do processo de produção e
de transformação do fracasso escolar.
Para modificar esta demanda que vem sendo dirigida, a psicologia educacional,
de diagnósticos, avaliações, atendimentos individuais, entre outras, que buscam isolar as
crianças do processo de ensino-aprendizagem e retirar da escola a responsabilidade pela
situação do aluno é preciso também que esta psicologia entenda os homens e suas relações
como produções sociais, retirando assim o foco do individual e colocando sobre o
coletivo, buscando analisar todas as relações que atravessam o espaço escolar e que
constituem os sujeitos.
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Desejando, portanto, construir uma prática diversa, onde o trabalho do psicólogo
não estaria mais unicamente direcionado para o “aluno problema” que apresenta
distúrbios de aprendizagem e de comportamento e que possibilite a análise coletiva das
relações sociais que atravessam o espaço escolar e seus atores, deixando de ser uma
psicologia do escolar e passando a estar comprometida com as questões fundamentais da
educação, é quefaz-se necessário modificar o compromisso desta, que não deve mais
assujeitar-se a ideais políticos que geram exclusão e submissão. A psicologia educacional
deve, portanto, auxiliar a pedagogia na formação de sujeitos autônomos e livres. Para isto
é preciso deixar de lado práticas que limitam a existência humana e produzem sujeitos
adaptados a uma “des” ordem mundial.
É importante também repensar a formação dos profissionais da Psicologia
Educacional, trazendo para estes uma perspectiva histórico-crítica, permitindo assim uma
análise aprofundada do papel que eles desempenham na sociedade, qual o lugar que
ocupam e a que demanda vem atendendo.
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