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8/20/2019 Fichamento Boaventura Renovar a Teoria Critica e Reinventar a Emancipação Social - Exames - Arthur-Fagundes
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Enviado por Arthur-Fagundes
17/09/2014
7240 Palavras
SANTOS, BOAVENTURA DE SOUSA. RENOVAR A TEORIA CRÍTICA E REINVENTAR A
EMANCIPAÇÃO SOCIAL. SÃO PAULO: BOITEMPO, 2007.
Cap. I: A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS: PARA
UMA ECOLOGIA DE SABERES :
“emancipação social é um conceito absolutamente central na modernidade ocidental, sobretudo
porque esta tem sido organizada por meio de uma tensão entre regulação e emancipação social, entre
ordem e progresso, entre uma sociedade com muitos problemas e a possibilidade de resolvê-los em
outra melhor, que são as expectativas. (…) Isso é novo, já que nas sociedades antigas as experiências
coincidiam com as expectativas: quem nascia pobre morria pobre; quem nascia iletrado morria
iletrado. (p. 17 – 18)
“Nossa situação é um tanto complexa: podemos afirmar que temos problemas modernos para os quais
não temos soluções modernas. E isso dá ao nosso tempo o caráter de transição: temos de fazer um
esforço muito insistente pela reinvenção da emancipação social.” (p. 19)
“pode muito bem afirmar que não há atualmente uma só idéia nova produzida pelas ciências sociais
hegemônicas. As ciências sociais estão passando por uma crise, porque a meu ver estão constituídas
pela modernidade ocidental, (…). A crise desse paradigma [colonialista] é geral e por isso inclui, com
contornos distintos, todas as correntes até agora em vigor. Portanto, parece-me correto que se fale de
uma crise geral das ciências sociais.” (p. 19)
“Além disso, nossas grandes teorias das ciências sociais foram produzidas em três ou quatro países do
Norte.
Então, nosso primeiro problema para quem vive no Sul é que as teorias estão fora de lugar: não se
ajustam realmente a nossas realidades sociais.” (p. 19)
“Hoje vivemos um problema complicado, uma discrepância entre teoria e prática social que é nociva
para a teoria e também para a prática. Para uma teoria cega, a prática social é invisível; para uma
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prática cega, a teoria social é irrelevante.” (p. 20)
“não é simples mente de um conhecimento novo que necessitamos; oque necessitamos é de um novo
modo de produção de conhecimento. Não necessitamos de alternativas, necessitamos é de um
pensamento alternativo às alternativas”. (p. 20)
“Isso é ainda mais urgente, e por isso precisamos fazer uma reflexão epistemológica, já que em nossos países se vê cada vez mais claro que a compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão
ocidental do mundo. E por isso nos falta um conhecimento tão global como a globalização. Esse é o
contexto em que nos encontramos hoje: é um desafio enorme para as novas gerações de cientistas
sociais”. (p. 20)
“É uma divisão de trabalho eficaz nas ciências sociais, porque depois as grandes organizações
internacionais olham o mundo pelos olhos dos cientistas sociais do centro, do Norte. Por
consequência, as teorias sociais reproduzem as desigualdades entre o Norte e o Sul.” (p. 21)
“Esses temas me levaram a uma reflexão epistemológica. Primeiro, não é fácil desenvolver um projeto
internacional fora dos centros hegemônicos, pois somos muito dependentes de seus autores. Em
segundo lugar,quando se trabalha
no Sul, o que vemos é que as ciências em geral, e as ciências sociais em particular, convivem com
diferentesculturas. Na Índia, por exemplo, a sociologia convive com o hinduísmo, como aqui
convivemos com os pressupostos da cultura ocidental, e na África com tantas culturas africanas. Nãohá ciência pura, há um contato cultural de produção de ciência.” (p. 23)
“Isso é muito importante, já que aprendemos com nossa epistemologia positivista que a ciência é
independente da cultura; entretanto, os pressupostos culturais das ciências são muito claros. Vamos,
portanto, discutir como podemos, no que diz respeito à ciência, ser objetivos mas não neutros; como
devemos distinguir entre objetividade e neutralidade. Objetividade, porque possuímos metodologias
próprias das ciências sociais para ter um conhecimento que queremos que seja rigoroso e que nos
defenda de dogmatismos; e, ao mesmo tempo, vivemos em sociedades muito injustas, em relação àsquais não podemos ser neutros. Devemos ser capazes de efetuar essa distinção, que é muito
importante.” (p. 23)
" fica claro que não podemos buscar a solução para alguns desses problemas nas ciências sociais,
porque se as usamos de maneira convencional elas se tomam parte do problema e não da solução.
Temos de reinventar as ciências sociais porque são um instrumento precioso; depois de trabalhá-las
epistemologicamente, devemos fazer com que elas sejam parte da solução e não do problema. Ou
seja:não é um problema das ciências sociais, mas sim do tipo deracionalidade subjacente a elas. Com
efeito, a
racionalidade que domina no Norte tem tido uma influência enorme em todas as nossas maneiras de
pensar, em nossas ciências, em nossas concepções da vida e do mundo.” (p. 25)
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“Epistemicídio: a morte de conhecimentos alternativos” (p. 30)
“Essa falta, essa ausência, é um desperdício de experiência. A maneira pela qual procede a Sociologia
das Ausências é substituir as monoculturas pelas ecologias, e o que lhes proponho são cinco
ecologias, em que podemos
inverter essa situação e criar a possibilidade de que essas experiências ausentes se tornem presentes.”
(p 32)
1 - A ecologia dos saberes. Não se trata de "descredibilizar" as ciências nem de um fundamentalismo
essencialista "anticiência"; como cientistas sociais, não podemos fazer isso. O que vamos tentar fazer
é um uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Ou seja, a possibilidade de que a ciência entre
não como monocultura mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes (p. 32 – 33)
2 - a ecologia das temporalidades. O importante é saber que, embora haja um tempo linear, também
existem outros tempos. (p. 33 – 35)
3 - a ecologia do reconhecimento. O procedimento que proponho é descolonizar nossas mentes para
poder produzir algo que distinga, em uma diferença, oque é produto da hierarquia e o que não é. (p.
35)
4 - a ecologia da "transescala", muito importante hoje para o FSM e para todo o nosso trabalho, e que
constitui a possibilidade de articular em nossos projetos as escalas Locais,nacionais e globais. Como
cientistas sociais, fomos criados na escala nacional, como a política, como tudo (…). Hoje temos de
ser capazes de trabalhar entre as escalas, articular análises de escalas locais, globais e nacionais. (p.
36)5 - a ecologia das produtividades: na recuperação e valorização dos sistemas alternativos de produção,
das organizações econômicas populares, das cooperativas operárias, das empresas autogestionadas, da
economia solidária etc., que a ortodoxia produtivista capitalista ocultou ou desacreditou. (p. 36)
"Quero me
dedicar agora a analisar a crítica da razão proléptica. A crítica da razão proléptica é feita por outra
sociologia insurgente, a Sociologia das Emergências. Enquanto a razão metonímica é confrontada
com a Sociologia das Ausências, a razão proléptica é enfrentada pela Sociologia das Emergências."(p. 37)
"Somos muito céticos a respeito das possibilidades da emergência. Entre o nada e o tudo - que é uma
maneira muito estática de pensar a realidade - eu lhes proponho o "ainda não". Ou seja, um conceito
intermédio que provém de um filósofo alemão, Ernst Bloch: o que não existe mas está emergindo, um
sinal de futuro. "(p. 37)
" na Sociologia das Emergências temos de fazer uma ampliação simbólica (...). Às vezes somos
culpáveis de "descredibilizar". (p. 37)
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"A razão que é enfrentada pela Sociologia das Ausências torna presentes experiênciasdisponíveis, mas
que estão produzidas como ausentes e é necessário fazer presentes. A Sociologia das Emergências
produz experiências possíveis, que não estão dadas porque não existem alternativas para isso, mas são
possíveis e já existem como emergência." (p. 38)
"Não se trata de um futuro abstrato, é um futuro do qual temos pistas e sinais; temos gente envolvida,
dedicando sua vida - muitas vezes morrendo - a essas iniciativas. A Sociologia das Emergências é aque nos permite abandonar essa ideia de um futuro sem limites e substituí-la pela de um futuro
concreto, baseado nessas emergências: por aí vamos construindo o futuro." (p. 38)
"O último problema é que a Sociologia das Ausências e a
Sociologia das Emergências vão produzir uma enorme quantidade de realidade que não existia antes.
Vamos nos confrontar com uma realidade muito mais rica,ainda muito mais fragmentada, mais
caótica. Como encontrar sentido em tudo isso? Se nós mesmos estamos rechaçando o conceito de
progresso como tempo linear,como idéia de que há um sentido único da História, é possível pensar um
mundo novo sem estarmos seguros de que ele surgirá? Não temos receitas para esse mundo. (...) Nós
estamos ainda mais abertos: hoje dizemos que outro mundo é possível, um mundo cheio de
alternativas e possibilidades." (p. 38)
"Essa fragmentação vai nos levar a outra questão:como gerar sentido a partir disso? (...) Não é
possívelhoje uma epistemologia geral, não é possível hoje uma teoria geral. A diversidade do mundo é
inesgotável, não há teoria geral que possa organizar toda essa realidade. Estamos em um processo detransição, e provavelmente o possível seja o que chamo um universalismo negativo: neste momento,
neste trajeto, não necessitamos de uma teoria geral. Não é possível, e tampouco desejável, mas
necessitamos de uma teoria sobre a impossibilidade de uma teoria geral. Estamos de acordo que
ninguém tem a receita, ninguém tem a teoria." (p. 39)
"Isso vai criar outra maneira de entender, outra maneira de articular conhecimentos, práticas, ações
coletivas, de articular sujeitos coletivos. Mas não podemos permanecer com uma fragmentação total, é
necessário criar inteligibilidade recíproca no interior da pluralidade. (p. 39)
"Não posso reduzir toda a
heterogeneidade do mundo a uma homogeneidade que seria de novo uma totalidade que deixaria de
fora muitas outras coisas. Então não é possível a teoria geral." (p. 39)
"Mas como produzir sentido?Minha proposta é um procedimento de tradução." (p. 39)
"A tradução é um processo intercultural, intersocial. Utilizamos uma metáfora transgressora da
tradução linguística: é traduzir saberes em outros saberes, traduzir práticas e sujeitos de uns aos
outros, é buscar inteligibilidade sem "canibalização", sem homogeneização. "(p. 39)
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“é preciso criarinteligibilidade sem destruir a diversidade. É necessário não preferir uma palavra a
outra, mas traduzir [seus significados e objetivos finais] e ver quais são as diferenças e quais as
semelhanças.” (p. 40)
"há muitas linguagens para falar da dignidade humana, para falar de um futuro melhor, de uma
sociedade mais justa. Cremos que esse é o princípio fundamental da epistemologia que lhes proponhoe que chamo a Epistemologia do Sul,que se baseia nesta idéia central: não há justiça social global sem
justiça cognitiva global, ou seja, sem justiça entre os conhecimentos. Portanto é preciso tentar uma
maneira nova de relacionar conhecimentos; é por isso que lhes proponho o procedimento da tradução.
(p. 40)
""Não há nenhuma cultura que seja completa, e então é preciso fazer tradução para ver a diversidade
sem relativismo, porque os que estamos comprometidos com mudanças sociais não podemos ser
relativistas. Mas é preciso captar toda a riqueza para não desperdiçar a experiência, já que só sobre a
base de
uma experiência rica não desperdiçada podemosrealmente pensar em uma sociedade mais justa. "(p.
41)
"Esse procedimento de tradução é um processo pelo qual vamos criando e dando sentido a um mundo
que não tem realmente um sentido único, porque é um sentido de todos nós; não pode ser um sentido
que seja distribuído, criado, desenhado, concebido no Norte e imposto ao restante do mundo, ondeestão três quartos das pessoas. É um processo distinto, e por isso o chamo a Epistemologia do Sul,que
tem consequências políticas – e naturalmente teóricas - para criar uma nova concepção de dignidade
humana e de consciência humana. (p. 41)
Cap 2: Uma nova cultura política emancipatória
"As grandes teorias às quais nos acostumamos - o marxismo e outras correntes e tradições - não
parecem nos servir totalmente neste momento." (p.51).
"O materialismo histórico converteu o capitalismo em m fator de progresso, e isso nos trouxe problemas pelo fato de essa ideia ter deixado de fora uma questão que, para nós, é fundamental: a
questão colonial." (p.51)
"colonialismo é capitalismo, e é muito importante que recordemos isso. "(p. 51)
"Podemos dizer que na matriz da modernidade ocidental há dois modelos, dois tipos de conhecimento
que podemos distinguir da seguinte maneira: o conhecimento da regulação(CR) e o conhecimento da
emancipação (CE)." (p.52)
"Mas houve na matriz ocidental outro conhecimento, o CE que tem um ponto A (que é a ignorância)
chamado colonialismo, ou seja, a incapacidade de reconhecer outro como igual, a objetivação do
outro (transformar
o outro em objeto), e o ponto B (que é o saber) que é o que chamamos de autonomia solidaria. Aqui o
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conhecer vai do colonialismo à autonomia solidaria." (p.53)
Pergunta p. 54: o que você aprende vale o que desaprende ou esquece?
"O primeiro desafio é reinventar as possibilidades emancipatórias que havia nesse conhecimento
emancipador: uma utopia crítica. Vivemos hoje em um mundo dominado por utopias conservadoras."
(p. 54)
"Há dois problemas teóricos muito importantes: o do silêncio e o da diferença. "(p. 55)
"Por isso quando queremos tentar um novo discurso ou teoria intercultural, enfrentamos um problema:há nos oprimidos aspirações que não são preferíveis pois são consideradas improváveis depois de
séculos de opressão." (p.55)
"A diferença é outro desafio muito importante, porque a tradução tem alguns problemas -além da
reciprocidade - como, por exemplo, a ideia da incomensurabilidade. o diálogo intercultural, temos de
produzir uma luta contra duas frentes. Uma é a politica da hegemonia: não há outras culturas críveis.
A outra é a politica da identidade absoluta." (p. 55-56)
"Um debate interessante hoje na filosofia versa sobrea possibilidade de uma filosofia africana. É um
grande debate entre tradicionalistas e modernistas."(p.56)
"O debate hoje é como reconhecer isso, quais são as idéias na filosofia africana que não podem ser
expressas na ocidental. "(p.57)
"O terceiro desafio é distinguir entre objetividade e neutralidade.É a idéia de que devemos ter uma
distância crítica em relação à realidade, mas, ao mesmo tempo, não
podemos nos isolar totalmente das conseqüências da natureza do nosso saber, porque ele está
contextualizado culturalmente." (p.57)"a capacidade de ação científica é muito maior que a capacidadade previsão das consequências da
ação científica. "(p.57)
"Se queremos ter uma ati-tude pragmática para observar as conseqüências, para intervir na realidade,
temos de enfrentar essa discrepância que existe na ciência moderna, mas não existe, por exemplo, da
mesma maneira em outros saberes." (p.57)
"O quarto desafio é a necessidade de nos concentrarmos em como desenvolver subjetividades rebeldes
e não apenas subjetividades conformistas." (p.57)
"há uma dimensão que chamamos racional dos argumentos; mas há também uma dimensão mítica emtodos os saberes, que é a crença, a fé na validade de nossos conhecimentos. "(p.58)
"Todos temos as duas: a corrente fria éa consciência dos obstáculps; a corrente quente é a vontade de
ultrapassá-los." (p.58)
"O objetivo da Sociologia das Ausências e do procedimento da tradução é a tentativa de criar uma
Epistemologia do Sul. Essa epistemologia tem uma exigência que não incluímos muito facilmente em
nossas teorias, o pós-colonialismo. É a idéia de que a modernidade ocidental tem uma violência
matricial - a violência colonial. "(p.58)
"Será que podemos dizer que o colonialismo passou, e que com poucas exceções só há países
independentes? Não. Em nossas teorias temos de incluir a perspectiva pós-colonial, que tem duas
idéias muito categóricas. A primeira é que terminou o colonialisno politico, mas não o
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colonialismo social ou cultural; vivemos em sociedades nas quais não se pode entender a opressão ou
a dominação, a desigualdade, sem a idéia de que continuamos sendo, em muitos aspectos, sociedades
coloniais. Não é um colonialismo politico,é de outra índole, mas existe. Aníbal Quijano, sociólogo
peruano, fala da colonialidade do poder. O outro princípio do pós-colonialismo é uma primazia na
construção teórica das relações Norte-Sul para tentar pensar o Sul fora dessa relação. É preciso
analisar muito detalhadamente essa relação para tentar criar alternativas, porque o Sul imperial é um
produto do Norte. Há um Sul imperial e um Sul antiimperial, contra-hegemónico, emancipatório Por isso, para uma Epistemologia do Sul é necessário saber o que é o Sul, porque no Sul imperial está o
Norte. É preciso criar esse Sul contra-hegemónico, e o pós-colonialismo é, a meu ver, muito
importante, pois tem também uma terceira idéia: das margens se vêem melhor as estruturas de poder."
(p.59)
"Dessa teoria pós-colonial advém outra coisa importante:é preciso provincializar o Norte "(p.59)
"essa idéia de provincializara Europa a essencializa, e muitos dos estudos pós-coloniais dominantes
vêm de autores que pertencem à diáspora do colonialismo inglês. Nosso colonialismo é ibérico, muito
diferente do colonialismo anglo-saxão. Portugal, ao mesmo tempo que centro de um império, foi uma
colônia informal da Inglaterra. Em nossas sociedades, o pós-colonialismo se aplica, em alguns
aspectos, tanto aos colonizadores como aoas colonizados "(p.60)
"Não estamos tentando criar
um pensamento de vanguarda; o que estamos fazendo é compreender o mundo e transformá-lo junto
com os movimentos e as associações que compartilham essa paixão conosco." (p.60)
"renovar a teoria social e política em diferentes níveis. Um nível é uma concepção mais ampla de
poder e de opressão. "(p.60)"Devemos ver de forma mais ampla. Entre os cientistas sociais, cada um tem sua opção. A minha é
que não se deve ficar tão centrado na estrutura ou na ação e sim na rebeldia ou no conformismo. As
estruturas pertencem à corrente fria, que é necessária, mas tem havido até agora uma maneira
reducionista de ver esses obstáculos estruturais. Por isso, no trabalho eu faço distinção entre seis
espaços estruturais, nos quais se geram seis formas distintas de poder. São espaços-tempo, formas de
sociabilidade que implicam lugares mas também temporalidades, duração, ritmos "(p.61)
"Mas o importante é que, se estamos tentando fazer uma teoria política nova, uma democracia radical
de alta intensidade, sabemos que isso será somente por meio da democratização de todos os espaços.Então, minha definição de democracia é: substituir relações de poder por relações de autoridade
compartilhada. É um trabalho democrático muito mais amplo do que se pensava até agora." (p.62)
"A segunda inovação teórica é: necessitamos construir a emancipação a partir de uma nova relação
entre o respeito da igualdade e o princípio do reconhecimento da diferença. "(p.62)
"temos de tentar também uma renovação teórica: as sociedades capitalistas têm vários sistemas, mas
os seis
espaços diferentes podem ser reduzidos a duas formas de domínio hierarquizado. Os dois sistemas são
o sistema de desigualdade e o sistema de exclusão. "(p.63)
"O trabalho é atualmente um recurso global sem que haja um mercado global de trabalho. Esse é para
mim o fator sociológico que está por trás desse intercâmbio cada vez maior entre o sistema de
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desigualdade e o sistema de exclusão. "(p.64)
"Por outro lado, o segundo fator ao qual também não temos dado importância - devemos re-construir a
teoria por meio dele - é que há formas híbridas que se identificam com elementos de desigualdade e
de exclusão: as duas mais importantes para nós são o racismo e o sexismo. "(p.64)
"Sabemos que hoje a etnização da força de trabalho, ou a racialização - importar imigrantes de outras
culturas na Europa, por exemplo -, é uma forma de desvalorizar a força de trabalho, e os trabalhadores
imigrantes compartilham a exclusão com o sistema de desigualdade porque trabalham para ele."(p.64)
"Nós também tivemos uma idéia errônea - e por isso me expressei contra o conceito de progresso -, a
idéia dessa forma linear que fazia pensar que tudo passava de uma fase para outra fase melhor. Não: a
opressão, tal como a emancipação, a subjetividade, é um palimpsesto em que as formas mais extremas
de desigualdade e de exclusão convivem com outras mais inclusivas e menos extremas. Por isso é
preciso ter uma teoria sociológica, política, que dê conta dessas especificidades. "(p;65)
"O terceiro avanço teórico que o FSM nos permite ver -o primeiro é um conceito mais amplo
de opressão, o segundo é essa nova relação entre o princípio de igualdade e o do reconhecimento da
diferença - é toda a relação entre inconformismo, rebeldia, revolução e transformação social.E aqui há
um aspecto importante, a relação entre ação direta e ação institucional, entre as ações ilegais pacíficas
e as ações institucionais. Entre a legalidade e ai legalidade temos de reconstruir uma dialética, porque
as classes dominantes sempre a tiveram: impõem a legalidade mas nunca a cumpriram, sua hegemonia
se baseia em uma dialética às vezes nada sutil entre legalidade e ilegalidade, entre legalidade e
impunidade, entre legalidade e imunidade. Creio que se queremos pensar a emancipação social temos
de entrar nisso. A outra questão que o FSM nos traz com bastante força é que, provavelmente, nãodevemos nos martirizar tanto - porque isso não é muito produtivo - em discussões gerais sobre as
vantagens relativas de uma estratégia reformista ou uma revolucionária. As duas estão em crise em
sua forma moderna, é preciso repensá-las, e provavelmente necessitamos de outros padrões. Os
movimentos que se reúnem no FSM se dizem revolucionários, se dizem reformistas ou nem uma coisa
nem outra, porque os dois são eurocêntricos, produto do Ocidente. É preciso criar outra forma de
insurgencia. Quando começamos a ter um conhecimento da prática global, da globalização alternativa,
é que nos damos conta deque o que antes acreditávamos ser universal de fato é local, é ocidental.
Participei de debates que me causaram grande impacto, porque coisas que euconsiderava um patrimônio universal não o são, e isso, a meu ver, é algo que também temos de
discutir." (p. 65-66)
"é que estamos vivendo uma nova forma de internacionalismo, e as teorias sociais não estão
preparadas para isso. "(p.66)
"É preciso conviver e entrar em conflito com o internacionalismo da globalização neoliberal. Aqui os
movimentos partem de duas idéias que me parecem muito importantes: uma é a desnacionalização do
Estado. "(p.66)
"A outra idéia que nos obriga a trabalhar bastante em termos teóricos e políticos é a desestatizaçäo da
regulação social. A crise da regulação social ocorre para substituir uma forma de regulação centrada
no Estado por outra em que o Estado é um sócio. "(p.67)
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"E há uma crise institucional: a idéia de que, por um lado, a universidade foi criada na autonomia e,
por outro, agora se busca cada vez mais que seja conduzida e administrada como uma empresa, com
critérios de eficácia que são típicos do mundo empresarial. Isso está degradando as relações entre
estudantes e professores, e está também proletarizando toda a comunidade universitária com a criação
de um mercado global de serviços universitários. "(p.69)
"quando as universidades começaram, foi necessário certo isolamento, porque com as estruturas do
poder religioso - na Europa sobretudo - era muito importante dizer que o conhecimento que estavam produzindo era neutro." (p.69)
"Mas hoje as condições são absolutamente distintas; ao contrário, necessitamos de um compromisso
político da universidade com a sociedade que a envolve. E por isso a crise de
legitimidade assinalou cinco áreas fundamentais: 1) o acesso (muitos países têm de fazer ações
afirmativas, como sistemas de cotas); 2) uma nova forma de extensão universitária, que em muitos
países está se concentrando em todas as formas rentáveis de serviços universitários para a
comunidade; é uma forma com a qual a universidade pública ganha recursos extras, mas a meu ver é
uma perversão do que deveria ser a autêntica extensão, que é solidária com as comunidades; 3) a
pesquisa-ação: vocês têm uma grande tradição na América Latina, o homem que melhor teorizou a
pesquisa social(um grande amigo e um grande sociólogo), Orlando FalsBorda, quase não passou às
gerações mais jovens e era muito importante nos anos 1960 e 70. "(p.70)
"4) outra é a ecologia de saberes, que é a inversão da extensão: é trazer outros conhecimentos para
dentro da universidade; e S) buscar uma nova relação entre a universidade pública e a escola pública."
(p.70)
"Penso que deve haver uma análise concreta do que é prioritário em certa demanda, mas também queas demandas são mais capazes de criar potencialidades transformadoras se se combinam, se se
articulam, se perdem sua pureza, sua identidade total, e se abrem para as lutas.(p.72)"
CAP III: Para uma democracia de alta intensidade
"As perspectivas epistemológica, teórica e política estão muito conectadas nesses desafios que
identificamos para a reconstrução de uma utopia crítica, para passar de uma teoria crítica
monocultural a outra multicultural, para distinguir entre objetividade e neutralidade, para passar da
problemática estrutura/ação à problemática ação conformista/ação rebelde, para analisar a questão do
pós-colonialismo, e também a dos dois sistemas de domínio hierarquizado que existem nocapitalismo. Dessas problemáticas surgiam alguns desafios importantes para a teoria: uma concepção
ampla do poder e da opressão; os seis espaços-tempo estruturais e suas formas de poder; a
equivalência entre o princípio de igualdade e o princípio de diferença, quando falamos dos sistemas, o
da desigualdade e o da exdusão, assim como a mescla que existe entre os dois. Nós nos referimos às
formas de ação e, continuando, vamos nos concentrar na questão da açãoi nstitucional e da ação
direta. Por outro lado, nos referimos também à emergência do Fórum Social Mundial e à necessidade
de um novo internacionalismo descentralizado, multicultural. "(p.83)
"Que instrumentos temos? Na realidade, contamos só com instrumentos hegemônicos para tentar
enfrentar tudo isso, porque os conceitos para enfrentar o novo, a descontinuidade, a ruptura, a
revolução, hoje nós não temos.Os instrumento hegemônicos que temos são as semânticas legítimas da
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convivência política e social: a legalidade, a democracia, os direitos humanos. Isso é realmente o que
temos hoje para enfrentar todos esses desafios. "(p.84)
"É um problema complicado porque, se são instrumentos hegemônicos, por definição não vão resolver
nossas inquietações, nossas aspirações, e não vão conseguir o que queremos alcançar, que é uma
sociedade mais justa, reinventar a emancipação social. Então temos de fazer um
trabalho dobrado. Por um lado, tentar ver se os instrumentos hegemônicos podem ser utilizados de
maneira contra hegemônica: se podemos desenvolver um conceito contra-hegemônico de legalidade,de direitos humanos e de democracia. E, por outro lado, ver se nas culturas e nas formas políticas que
foram marginalizada se oprimidas pela modernidade ocidental - muitas delas no próprio Ocidente,
porque a modernidade ocidental é feita de muitas modernidades, uma das quais dominou todas as
outras - podemos encontrar embriões, sementes de coisas novas." (p.84-85)
"Vamos ver qual era a situação da democracia nos anos 1960. Naquele momento, a teoria da
democracia tinha certas características, sobretudo vista de uma perspectiva crítica. Em primeiro
Lugar, havia vários modelos de democracia: a democracia representativa liberal, a democracia
popular, a democracia participativa, a democracia dos países que se desenvolviam a partir do
colonialismo. Havia, portanto, uma grande variedade de modelos democráticos. Em segundo lugar, a
discussão central da teoria crítica - da teoria da democracia em geral ,Robert Dahl, Bar-ringtonMoore
-era a questão das condições da democracia: o grande problema de discussão, então, era por que a
democracia só se fazia possível em um pequeno pedaço do mundo, em um pequeno número de
países." (p.85)
"A quarta característica desse modelo, que está centrado no Estado, é pensar que este é a solução e a
sociedade é o problema.(...) E pretende-se que esse Estado seja democraticamente forte para produzir umas ociedade civil forte. Ou
seja: há uma simetria entre uma sociedade civil forte e um Estado democraticamente forte, não há
contradição." (p.86)
"mas o que devemos entender é o que aconteceu com essa posição do Estado como solução. Há dois
processos muito claros. Um é a socialização da economia, que vai ser algo inovador no centro e
também nos países semiperiféricos da América Latina e da Ásia. (...) A economia é também gente,
trabalhadores, famílias, necessidades, aspirações, desejos, paixões, que devem ser regulados de
alguma maneira, e isso é o processo de socialização da economia. O segundo processo é a politizaçãodo Estado." (p.86-87)
"politização do Estado vai consistir na produção de quatro bemns públicos fundamentais.O primeiro é
a identidade nacional. (...) O segundo é o bem-estar individual e coletivo, a idéia do bem-estar social
que é parte do contrato. O terceiro é a segurança individual e coletiva. E o quarto é a soberania
nacional" )p.87)
"Esse modelo entrou em uma crise enorme nos últimos vinte anos, e analisaremos muito brevemente
oque sucedeu. Em primeiro lugar, dentre todos os modelos de democracia que havia apenas um
permaneceu: a democracia liberal, representativa" (p.87)
"Em segundo lugar, a tensão entre capitalismo e democracia desapareceu, porque a democracia
começou aser um regime que, em vez de produzir redistribuição social, a destrói. É o modelo
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neoliberal de democracia imposto pelo Consenso de Washington." (p.87)
"De fato, nossa definição de sociedade nas ciências sociais, a mais simples e mais complexa ao
mesmo tempo, diz que ela é
um conjunto de expectativas estabilizadas: sociedade é receber o salário no fim do mês, é o ônibus
que chega numa hora determinada, é a expectativa estabilizada.
"O que está ocorrendo hoje é que para muita gente não há expectativas estabilizadas, e por isso tenho
dito que estamos na crise do contrato social. Estamos expulsando gente da sociedade civil para oestado de natureza, que era o estado anterior ao da sociedade civil para Locke,para Hobbes para
Rousseau." (p.88)
"Meu primeiro diagnóstico radical de nossa situação presente em nível mundial é que vivemos em
sociedades politicamente democráticas mas socialmente fascistas. Ou seja: está emergindo uma nova
forma de fascismo que não é um regime político, mas um regime social. É a situação de gente muito
poderosa que tem poder de veto sobre os setores mais fracos da população" (p.88)
"O importante agora é ver como o fato de se passar muito facilmente do sistema de desigualdade ao
sistema de exclusão está produzindo uma situação nova, que é essa de haver brutais desigualdades
sociais que são invisíveis, que estão aceitas, que estão naturalizadas, ainda que se mantenham a idéia
democrática, o Estado democrático. Por isso entramos em um processo no qual o neoliberalismo não
tem nada que ver com o liberalismo do século XIX" (p.89)
"O outro fator foi que o Estado, ao invés de ser espelho da sociedade civil, é agora seu oposto: para
criar uma sociedade civil forte temos de ter um Estado fraco.Um Estado democraticamente forte não
pode conduzira uma sociedade civil forte. Então isso nos leva
a outra característica importante que se desdobra em duas, e é o que chamo de desnacionalização doEstado, por um lado - ou seja, o Estado cada vez mais gerindo as pressões globais -, e a desestatização
da regulação social, por outro. O Estado deixa de ter o controle da regulação social, criam-se institutos
para isso, e o Estado passa a ser apenas um sócio, não tem o monopólio da.regulação social. Por isso
vamos ter o problema da relação entre reguladores e não-regulados, e frequentemente os regulados
são reféns dos reguladores. Este primeiro diagnóstico é duro, mas me parece que tem que ver
claramente com a crise do modelo. Outros aspectos que não vamos poder desenvolver em sua
totalidade são o fascismo social, que não é produzido pelo Estado mas tem a cumplicidade do Estado,
e o novo Estado de Exceção. Concluindo, dessa situação resultam algumas coisas que são desafios para nós se quisermos reinventar uma prática e uma teoria politica. Primeiro porque vemos que no
primado do direito que se anuncia por todos os lados - a reforma do sistema social, a centralidade dos
tribunais etc. - consagra-se o direito mas "desconsagram-se"outros direitos: os direitos sociais e
politicos. Em segundo lugar, é a emergência de um constitucionalismo global das empresas
multinacionais que prevalece sobre as leis nacionais e as viola freqüentemente, mas tem prioridade
sobre elas como antes a lei constitucional tinha prioridade sobre as leis ordinárias. E de tudo isso
resulta o que chamo uma democracia de baixa intensidade: vivemos em sociedades de
democracia de baixa intensidade. O problema está em compreender que a democracia é parte do
problema, e temos de reinventá-la se quisermos que seja parte da solução." (p.89-90)
"Rousseau dizia que é democrática somente uma sociedade na qual ninguém seja tão pobre que tenha
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de se vender, nem ninguém seja tão rico que possa comprar alguém. Em nossas sociedades há de fato
muita gente que tem de se vender e muita gente que tem dinheiro para comprar essa gente. Estamos
muito longe do ideal democrático de Rousseau,e por isso é preciso ver se podemos criar uma contra-
hegemonia. Mas não é fácil neste momento. Nosso propósito e minha tese central neste seminário é
que temos de reinventar a demodiversidade.(...) algumas características que é importante rever."
(p.91)
"A primeira é que esse modelo se funda em dois mercados. O mercado econômico, em que seintercambiam valores com preço, e o mercado político." (p.91)
"Vemos hoje que esses dois mercados se confundem cada vez mais, estamos entrando em um
processo no qual somente tem valor o que tem preço, e portanto o mercado econômico e o mercado
político se confundem. Com isso se naturaliza a corrupção, que é fundamental para manter essa
democracia de baixa intensidade, porque naturaliza a distância dos cidadãos em relação à política."
(p.91)
"Essas são, a meu ver, as condições dentro das quais temos de encontrar alguma alternativa. A
situação da qual partimos, realmente muito difícil, tem essas características gerais: uma cidadania
bloqueada" (p.92)
"Parece-me que com essa cidadania bloqueada está se
banalizando a participação; participamos cada vez mais do que é menos importante, cada vez mais
somos chamados a ter uma opinião sobre coisas que são cada vez mais banais para a reprodução do
poder. E isto é algo que também me parece importante: há um novo processo de "assimilacionismo"
(p.92)
"Na democracia representativa elegemos os que tomam decisões políticas; na democracia participativa, os cidadãos decidem (...) A democracia participativa, ao contrário, também tem
delegações e formas de representação: há concelhios' e delegados. Todos os estudos que temos sobre
os pressupostos participativos, por exemplo, ainda em nível local, como em Porto Alegre, mostram
claramente que todas as formas de democracia participativa têm também elementos de representação.
Vejamos quais são as condições para poder efetuar essa complementaridade, que não é de nenhuma
maneira fácil. Penso que ela inclui três problemas: a relação entre Estado e movimentos sociais; entre
partidos e movimentos sociais; e dos movimentos sociais entre si" (´.92-93)
"Existe outro fundamentalismo, inverso a esse, o fundamentalismo anti partidos políticos dosmovimentos sociais, (...) E há outro obstáculo: os partidos privilegiam totalmente a ação institucional,
dentro do quadro legal, dentro do parlamento etc. Os movimentos sociais, ao contrário, dividem-se
entre os que utilizam mais a ação institucional e os que usam mais a ação direta. E essa é, a meu ver,
uma das razões mais persistentes que dificultam enfrentar essa complementaridade. Por outro lado,
também podemos dizer que
os partidos tendem a homogeneizar suas bases sociais, eles gostam cada vez mais de fazer isso por
meio do que chamamos perda de ideologia nos acontecimentos dos quais fazem parte. Os
movimentos, ao contrário, têm temas específicos, trabalham sobre a diferença cultural, a diferença
sexual, a diferença territorial, trabalham com outros conceitos que são distintos." (p.94)
"Há muitas experiências no Sul em que a democracia participativa emerge como pressuposto
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participativo, como o plebiscito ou as consultas populares, como concelhos sociais ou de gestão de
políticas públicas - como no Brasil, onde são muito fortes neste momento -, e se começa a ver uma
complementaridade. Ainda é limitada, porque as experiências que temos de articulação entre
democracia participativa e representativa são em nível local. Temos aqui um problema de escala:
como desenvolver essa complementaridade em nível nacional e global." (p.94-95)
"Há fatores que favorecem seu surgimento, e por isso ela está aparecendo em muitos países. O
primeiro é que os partidos políticos estão perdendo o controle da agenda política: nuncadescumpriram tanto suas promessas eleitorais quando chegaram ao poder como ultimamente." (p.97)
"Essa perda do controle da agenda política somente pode ser recuperada por meio dos movimentos
populares. Não me parece que possa ser de outra forma senão por meio de uma pressão de baixo para
cima, vinda dos movimentos, e com outra característica: deve ser legal e ilegal. Não pode ser somente
uma luta institucional, tem de ser uma luta institucional e uma
luta direta." (p.98)
"O que estou sugerindo é que temos de criar uma dialética entre legalidade e ilegalidade, que de fato é
a prática das classes dominantes desde sempre: usam a legalidade e a ilegalidade quando lhes convêm.
Por isso não deve existir fetichismo legal. (...) de fato, todos os movimentos fundadores da
democracia foram ilegais: greves, protestos e até funerais" (p.98)
"Isso é o que devemos analisar sobre a relação movimentos/movimentos. Se os movimentos vão se
manter separados - feministas de um lado, operários, indígenas e ecologistas de outro, direitos
humanos aqui, sociedades de bairros ali -, sem articulação, não iremos muito longe. Há um excesso de
teorias de separação e muito poucas teorias de união, por uma tradição nefasta, a meu ver, na política
de esquerda: a crença deque politizar uma questão é polarizar uma diferença. Para nossa tradição, politizar significa polarizar. Dentro dos movimentos, das classes populares, é preciso buscar outra
cultura política, que tem de se basear no que chamo de pluralidades despolarizadas. Há uma
discrepância total entre a prática e a teoria da esquerda e dos movimentos na América Latina: para
uma teoria cega, a prática é invisível; para uma prática cega, a teoria é irrelevante." (p.99)
"Creio que hoje há condições para vencer algumas questões que parecem muito tenazes. De alguma
maneira o que vou propor sobre as pluralidades despolarizadas parece ir contra um novo extremismo
que existe dentro do pensamento crítico. Há três extremismos que, a meu ver, são muito nefastos. Um
ésobre o sujeito histórico: o extremismo entre os que continuam acreditando que o sujeito histórico é a
classe operária e os que acreditam que é a massa. É um extremismo muito maior que faz trinta anos,
quando se discutia o que era a classe operária, se a pequena burguesia era parte dela, qual era o papel
dos camponeses e quem eram os aliados" (p.100)
"Hoje não têm conseqüências, é um extremismo tão grande como inconseqüente, desprovido de
relevância. A mesma coisa acontece com as formas de organização: ou temos as tradicionais de
partidos e sindicatos, ou tudo é espontâneo, não pode haver uma organização porque se houver não há
democracia direta, e se não há democracia direta não há movimento popular puro. Esse extremismo é
totalmente irrelevante, mas gera muitos debates improdutivos.
Há também outro extremismo que é pensar, por um lado, que é necessário tomar o poder e, por outro,
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idéias como a de Holloway, por exemplo, que diz: "Não, não temos nada que ver com o poder, não se
deve tomar o poder, mas ignorá-lo". Continua sendo muito difícil encontrar um caminho
intermediário, e somos vários os que estamos buscando outra via, na qual a questão não é tomar ou
não o poder mas transformá-lo" (p 101)
"Essa é uma situação que traz em si toda essa tensão e oportunidade criativa que temos para poder
construir uma alternativa democrática. Por isso, penso que nessas condições temos de partir dos
conflitos.Como se mede hoje o êxito de uma luta? Por sua capacidade de mudar os termos do conflito.Por exemplo, os indígenas têm visto como seu êxito
vai de pequenas lutas culturais para a defesa da autodeterminação, da autonomia. Articulam-se as
lutas mudando os termos.Essa pluralidade despolarizada que lhes proponho terá muitas
conseqüências, e creio que o FSM é um embrião de realidades em que podemos começar a ver
algumas dessas despolarizações, pluralidades que são despolarizadas. E aqui concluo minha
exposição: se comecei epistemologicamente com a ecologia dos saberes, termino com as pluralidades
despolarizadas. Ou seja, o lado político de uma epistemologia dos saberes é a incompletude de
propostas políticas e a necessidade de uni-as sem uma teoria geral." (P.101)
"Há coisas que são totalmente inovadoras. Por exemplo, em meu país, o movimento sindical apóia o
movimento gay e este tem muita presença nas manifestações; vinte anos atrás os sindicatos nunca
tinham participadode uma marcha de orgulho gay, eram totalmente antigay e faziam uma articulação
com a Igreja Católica mais conservadora. Hoje essas articulações são pos-íveis. Para que possam ser
possíveis sem uma teoria geral que diga qual é o mais importante, é necessário o procedimento da
tradução. Trata-se de criar inteligibilidade por meio da argumentação, porque, apesar de todas as
dificuldades que enunciamos - um caminho que não é brilhante, que não tem receitas prontas, que éreversível -, é uma das tradições filosóficas mais interessantes. O que acontece coma argumentação:
eu estou a ponto de ser convencido por um argumento mas você me diz uma coisa que me ofende e eu
saio dali." (p.102)
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(2014, 09). Fichamento Boaventura renovar a teoria critica e reinventar a emancipação social.
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