Download - Fundamentos Teóricos Metodológicos Da Eja
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
METODOLÓGICOSDA EJA
Prof. José Renê Felipe de Araújo.
OBJETIVOS
Ao final desta unidade, o (a) estudante deverá
1. compreender as premissas que fundamentam a andragogia;
2. identificar as diferenças entre a andragogia e a pedagogia;
3. compreender as contribuições fornecidas pela andragogia e pela pedagogia à prática pedagógica.
Desde a antiguidade, todos grandes mestres, tais como Confúcio e Lao Tse, na China; Aristóteles, Sócrates e Platão, na Grécia; Cícero e Quintilien, em Roma, interessaram-se pela educação de adultos e não de crianças!
Para eles, a aprendizagem era um processo de investigação ativa e não um processo de recepção passiva de um determinado conteúdo.
Apesar dessa herança milenar ainda não tínhamos, até recentemente, teorias, estudos e escritos sobre a educação de adultos.
O modelo que predominava tem bases na pedagogia, sob o qual os educadores erigiram o currículo e desenvolveram suas práticas educativas.
As escolas surgiram na Europa, no início do século VII, e, originalmente, destinavam-se à educação de crianças, principalmente de jovens rapazes, a fim de prepará-los para o sacerdócio.
As escolas monásticas europeias se tornaram dominantes entre os séculos VII e XII, quando surgiram as primeiras universidades: a primeira, em Bolonha (Itália) no final do século XI, e depois em Paris, no século XII (KNOWLES, 1980).
Tal evento propiciou o nascimento de outras universidades na Europa. Dessa forma, estendeu-se todo sistema pedagógico desenvolvido nas escolas para as universidades.
O termo pedagogia tem sua origem no grego: paid = criança e agogus = conduzir, guiar.
Assim, pedagogia significa, literalmente, a arte e a ciência de ensinar crianças.
Segundo Knowles (1980), os pressupostos pedagógicos sobre ensinar e aprender foram, inicialmente, baseados em observações de monges que ensinavam às crianças pequenas habilidades originalmente simples, quais sejam: ler e escrever.
A disseminação de escolas primárias por toda Europa e América do Norte e, através do mundo, foi realizada, sobretudo, por missionários religiosos nos séculos XVIII e XIX, ação que contribuiu, consequentemente, para a adoção e consolidação do modelo pedagógico, sob o qual repousava, até pouco tempo atrás, a organização do nosso sistema educativo.
Quando a educação de adultos começou a ser organizada na Europa e nos Estados Unidos, após a primeira guerra, esse modelo era o único existente, e começou a ser questionado por educadores de adultos.
Isto porque esses educadores experenciavam problemas decorrentes da relação ensinar-aprender com adultos, posto a sua diferença com a educação com crianças, ao qual estavam habituados.
Assim, os professores encontraram resistência às estratégias desenvolvidas prescritas pela pedagogia, tais como leituras, questionários, exercícios gramaticais, dentre outros (KNOWLES, 1980), as quais eram transpostas, sem nenhuma adequação, para o público adulto como se fossem crianças.
É nesse contexto que surgiram as primeiras ideias sobre a aprendizagem dos adultos.
Em 1926, com a criação da Associação Americana de Educação para Adultos, estudos científicos foram desenvolvidos pelos pesquisadores, dentre outros, Edward L. Thorndike, que publicou as obras intituladas Adult Learning (1928); Adult Interests (1935); Herbert Sorenson publicou Adult Abilities (1938); nesse mesmo ano, Eduard C. Lindeman publicou The Meaning of Adult Education.
De acordo com Knowles (1990), Lindeman se interessou por investigar como os adultos aprendem, foi fortemente influenciado por John Dewey (1859-1952), e estabeleceu cinco pressupostos chaves para a educação de adultos, os quais ulteriormente deram suporte para pesquisas e, hoje, constituem os fundamentos da teoria moderna de aprendizagem para adultos, quais sejam:
a) os adultos são motivados a aprender quando descobrem que seu principal interesse e que suas necessidades poderão ser satisfeitas, por essa formação (curso, aperfeiçoamento, treinamento).
Esses aspectos constituem-se como pontos de partida ideais para a organização das atividades de aprendizagem do adulto;
b) a forma de aprendizagem dos adultos está centrada sobre a realidade.
É por essa razão que a formação deve ser concebida em torno de situações reais e não em torno de conteúdos, unidades e disciplinas;
c) a experiência é o principal recurso para a aprendizagem dos adultos, por isso que a análise de experiência é o método basilar na educação de adultos;
d) os adultos aspiram profundamente conduzir-se a si mesmos.
Dessa forma, o papel do professor é iniciar um processo de investigação bilateral, no lugar de lhes transmitir os conhecimentos e depois avaliá-los;
e) as diferenças individuais se aprofundam com a idade; os professores devem, consequentemente, considerar essas diferenças e variar as estratégias educativas, o tempo de duração das atividades, o lugar, o ritmo de aprendizagem.
Knowles (1990) destaca que Eduard Lindeman (1926) não opôs a educação de adultos à educação de jovens, mas à educação tradicional.
Afirma que se pode deduzir que os jovens, também aprenderão melhor se considerarmos suas necessidades, seus interesses, seus objetivos, as situações reais da experiência destes, de autodeterminação e suas diferenças individuais.
Em 1940, apesar da descoberta da maior parte dos elementos que poderiam permitir a elaboração de uma teoria completa acerca da educação de adultos, todos esses elementos estavam no estado das ideias, de conceitos e de princípios dispersos.
Entretanto, durante as décadas de 1940 e 1950, essas noções foram esclarecidas, unificadas e integraram uma verdadeira explosão de conhecimentos no interior de diferentes disciplinas das ciências humanas.
Knowles (1990) considera que um dos campos do conhecimento que mais contribuiu à construção de uma teoria da aprendizagem de adultos foi a psicoterapia, uma vez que os pacientes em reeducação são principalmente adultos.
Muitos teóricos da aprendizagem também avaliaram como relevantes as contribuições trazidas por Sigmund Freud (1856-1939), o qual jamais elaborou uma teoria da aprendizagem, mas seus estudos demonstraram a influência do subconsciente sobre o comportamento.
Seus conceitos, tais como: ansiedade, censura, obsessão, regressão, agressividade, sistema de defesa, projeção, e transferência influenciaram a compreensão sobre o bloqueio ou a motivação da aprendizagem (KNOWLES,1990).
Carl Jung (1875-1961) preconizava uma concepção holística da consciência humana, a qual possuía quatro maneiras de extrair a informação da experiência e, assim, alcançar a assimilação do conhecimento, a saber: a sensação, o pensamento, a emoção e,a intuição.
A importância primordial do autoconceito no desenvolvimento humano (e de aprendizagem) foi reforçada por todas as disciplinas da psiquiatria, na medida em que estas se distanciavam do modelo biomédico e se dirigiam ao modelo educativo (KNOWLES, 1990).
Nesse sentido, a psicologia do desenvolvimento trouxe à teoria da aprendizagem (dos adultos) um volume de conhecimentos sobre as transformações ocorridas nas diferentes fases da vida, nos domínios da capacidade física e mental, os principais interesses do indivíduo, os comportamentos, os valores, a criatividade e os estilos de vida.
A partir de 1949, começam as tentativas de integrar os diferentes conceitos, noções e resultados de pesquisa sobre a educação de adultos em um mesmo programa.
Na Europa, desenvolve-se, tempos depois, o conceito de uma teoria unificada de educação de adultos que nomearam andragogia em distinção à pedagogia.
Canário (1999, p. 134) afirma que “[...] a diferenciação entre a pedagogia (marcada por modalidades directivas, tal comosão habitualmente propostas às crianças) e a andragogia (preocupada em respeitar e desenvolver a autonomia dos adultos) fundamentar-se-ia menos em razões de natureza teórica ou praxeológica e mais em razões de natureza social [...]”. Faça uma análise crítica da afirmação feita por
Canário. Nessa análise, posicione-se contra ou a favor em relação ao que o referido autor anuncia quanto à pedagogia e à andragogia. Fundamente sua análise à luz do que é discutido pelos autores ao longo da Unidade III.
ANDRAGOGIA
Segundo Smith (1996, 1999), o termo andragogia foi originalmente formulado pelo professor de gramática alemã Alexander Kapp, em 1883, o qual usou a palavra andragogia para descrever a teoria educativa de Platão, em alemão der Andragogik.
Andragogia tem por etimologia as palavras gregas andros – homem (significando ser humano adulto) e agogus – guia.
O termo desapareceu por quase um século e somente em 1921 se encontraram referências sobre seu uso no relatório do especialista em ciências sociais, o alemão Eugen Rosenstock, professor na Academia de Ciências Sociais de Frankfurt, o qual argumenta que a:
[...] educação de adultos requer professores, métodos e filosofia que lhes são próprias, o termo andragogia deve ser usado para, especialmente se referir coletivamente a estas exigências Nottingham Andragogy Group, 1983, p. 5, apud SMITH, 1996, p.2).
Knowles diz que quem lhe falou pela primeira vez acerca da andragogia foi o educador iugoslavo Dusan Savicevic.
Foi o primeiro estudioso a introduzir essa concepção nos Estados Unidos por meio de um artigo intitulado “Andragogia, e não pedagogia” (Andragogie, et non pédagogie), publicado em 1968, na revista Adult Leadership.
O americano Malcom Shepherd Knowles (1913- 1997) influenciou o campo da educação de adultos ao construir um arcabouço de pressupostos sobre a aprendizagem dos adultos, no qual enfatiza a distinção entre o modelo pedagógico destinado às crianças do modelo andragógico postulado para os adultos.
Smith (1996, 1999) assinala que a andragogia propalada por Knowles é fundamentada sob cinco premissas centrais, as quais dizem respeito às características dos educandos adultos e que se distinguem dos educandos crianças no processo ensino e aprendizagem sob o ponto de vista da pedagogia tradicional. São elas:
São elas: Auto-conceito (self-concept) – na
medida em que a pessoa amadurece, sua autopercepção move-se de uma personalidade dependente para um ser humano autodirecionado;
b) Experiência – no processo de amadurecimento, a pessoa acumulará experiências que se transformarão em subsídios ao processo de aprendizagem;
c) Vontade de aprender – na medida em que a pessoa amadurece, sua vontade de aprender se orienta para responder aos papéis sociais que tem a desempenhar;
d) Orientação para a aprendizagem – quando uma pessoa amadurece, sua perspectiva de tempo muda, assim, o conhecimento deve ter aplicação imediata a fim de resolver seus problemas quotidianos;
e) Motivação para aprender – a motivação de uma pessoa adulta para aprender é interna (SMITH, s. n, 1996; 1999, tradução nossa).
De acordo com Smith (1996, 1999), essas premissas, bem como as diferenças apontadas entre a andragogia e a pedagogia, são objetos de consideráveis debates.
Essas críticas, segundo o supracitado autor, podem ser encontradas nos escritos de Davenport (1993), Jarvis (1977), Tennant (1996), dentre outros estudiosos.
Vejamos a seguir os postulados desses dois modelos, segundo Knowles (1984, 1990).
O modelo pedagógico segundo Knowles(1984, 1990)
Nesse modelo, ao professor é outorgada a decisão sobre o que será ensinado, qual conteúdo deverá ser ministrado, como o fará e se este foi assimilado.
É uma formação conduzida pelo professor, ao estudante cabe segui-la.
Para funcionar esse sistema, Knowles (1980, p. 52- 56, tradução nossa) assinala os seguintes postulados:
a) Necessidade de saber – se os estudantes visam progredir, devem aprender o que o professor lhes ensina.
O professor desempenha o papel central, o qual assume a completa responsabilidade sobre as decisões que dizem respeito ao que deve ser ensinado, como e quando deve ser ensinado.
Nesse contexto, não está presente a necessidade, por parte dos estudantes, em saber como poderão empregar o que foi adquirido nas suas vidas.
b) A percepção do estudante sobre si – o professor enxerga o estudante como um ser dependente e, por sua vez, o estudante se percebe da mesma forma.
Percepção esta que se modifica gradativamente e progressivamente na medida em que este vai amadurecendo.
c) O papel da experiência – a experiência do estudante é pouco utilizada como recurso no processo de aprendizagem.
Em contrapartida, a experiência que é considerada é a do professor, do autor do manual ou do produtor dos recursos audiovisuais.
É por essa razão que os métodos clássicos de ensino estão no centro do modelo pedagógico.
d) O desejo de aprender - os estudantes estão dispostos a aprender o que lhes é dito que deve aprender a fim de avançar para o nível posterior; essa prontidão ocorre em função da idade.
e) A orientação para aprendizagem – desenvolvesse em torno de um determinado sujeito/ tema/conteúdo.
Os estudantes percebem a aprendizagem como um processo de aquisição do que está prescrito no índice (geralmente, disposto no livro) sobre esse sujeito/ tema/conteúdo.
Desse modo, o currículo é consequentemente organizado de acordo com as unidades e sequência lógica do conteúdo programático desse sujeito/tema/conteúdo.
f) A motivação para aprender – os estudantes são motivados por estímulos exteriores, tais como notas, aprovação ou reprovação do professor ou dos pais, pela competição por prêmios, dentre outros.
Modelo andragógico segundo Knowles(1984, 1990)
Antes de explicitarmos os postulados considerados por Knowles sobre a andragogia, observemos como este define o que é um ser adulto.
Para esse autor, um adulto deve conjugar quatro diferentes dimensões:
A primeira, a pessoa se define pela dimensão biológica – nós nos tornamos biologicamente adultos quando atingimos a etapa da reprodução da espécie, isto é, no início da adolescência, quando o corpo registra a maturidade física;
Segunda, a dimensão jurídica – quando podemos, em consonância com a Lei, exercer nossos direitos e deveres constitucionais, quando respondermos por nossos atos e ações sem solicitar a autorização de outrem;
Terceira, a definição social – sob o olhar da sociedade, tornamo-nos adultos quando começamos a desempenhar nossas funções sociais como pessoas adultas, isto é, trabalhar, casar, votar, dentre outros papéis estabelecidos e reconhecidos pela sociedade que dizem respeito a autonomia do indivíduo;
Quarta, a definição psicológica – psicologicamente nos tornamos adultos quando tomamos consciência que somos responsáveis por nossas vidas, por conduzirmo-nos a nós mesmos, que somos responsáveis por nossas decisões.
As premissas basais do modelo andragógico são distintas daquelas apontadas no modelo pedagógico, sobretudo no que concerne à metodologia de ensino. São elas:
Necessidade de saber Os adultos precisam saber o motivo, a razão pela qual
devem aprender determinado conteúdo. Tough (1979, apud KNOWLES, 1990) ressalta que, no
momento em que uma pessoa adulta toma a iniciativa de seguir um curso, ela analisa os benefícios, as vantagens que essa formação lhe trará, quais são as suas necessidades, o que lhe impulsiona para realizar tal formação e refletirá sobre as consequências do abandono dessa decisão.
Para Charlot (1996), é preciso responder a uma questão primeira, qual seja: “que sentido o fato de ir à escola tem [...] e de aprender coisas [...]; o que a incita a estudar?” (p. 49).
Nesse contexto, uma das principais funções do professor consiste em contribuir com a pessoa no processo de tomada de consciência (aqui na acepção freiriana) acerca da sua “necessidade de aprender”.
O papel do docente será o de explicar aos estudantes quais são os objetivos, as vantagens, os benefícios dessa formação, como esta pode colaborar no trabalho, como pode melhorar a qualidade de vida, de que forma pode utilizar esses conhecimentos na sua vida.
A percepção do estudante sobre si
O estudante adulto tem consciência de ser responsável por suas próprias decisões e por sua vida.
Dessa forma, desenvolve uma necessidade psicológica de ser tratado e visto como indivíduo capaz e autônomo, resistindo e não admitindo situações nas quais outros lhes imponham sua vontade ou tomem decisões que as consequências lhes afetem.
Embora os adultos possam totalmente conduzir-se a si mesmos em várias dimensões da sua vida (tais como: pais, esposos, filhos, trabalhadores, cidadãos), quando participam de um curso, um treinamento ou qualquer situação de educação, trazem de volta o condicionamento adquirido das experiências escolares anteriores, e exercem, nesse momento, o papel de dependência e solicitam que o professor lhe diga o que deve ser feito e como deve ser feito.
O equívoco que se pode incorrer é compreendermos que essa atitude responde a uma necessidade real e, assim, começarmos a tratá-los como crianças, isto é, dizemos o que deve ser feito e como se deve fazê-lo.
Dessa maneira, poderemos produzir um conflito entre o modelo intelectual (o estudante é um ser dependente) e sua necessidade psicológica mais profunda, de conduzir-se a si mesmo.
Quando essa situação ocorre, por muitas vezes o estudante tentará escapar dela, provavelmente este pode ser um dos motivos de muitos decidirem abandonar a formação.
Na base dessa decisão estará a não compreensão do processo, que é essencialmente psicológico, sobretudo pelo docente.
Nesta perspectiva, o papel a ser desempenhado pelo docente, que compreende esse processo, será o de contribuir com os adultos no movimento de passagem da percepção de estudante dependente para aquele que sabe conduzir-se a si mesmo no seu processo de aprendizagem.
Compreendemos que a premissa apontada por Knowles, qual seja: conduzir-se a si mesmo, como característica determinante que atesta a maturidade, a independência ou não de um indivíduo adulto, não possa ser empiricamente comprovada, dada sua subjetividade.
Entretanto entendemos que a essência do argumento posto por esse autor diz respeito à tendência dos docentes a “infantilizar” as pessoas adultas nas situações educativas.
Infelizmente, ainda, encontramos professores que transpõem por muitas vezes
[...] intuitivamente, para a educação de jovens e adultos, um conhecimento adquirido em experiências prévias de educação infantil, que vivera seja no papel quando criança ou já como professora adulta (RIBEIRO, 1999, p. 2).
O papel da experiência
Os adultos chegam a uma formação, a uma situação educativa com uma ampla bagagem de experiências, muito maior que as dos jovens, ou melhor dizendo, com outros tipos de experiências.
Essas experiências são acumuladas ao longo da vida, mas, comparadas às dos jovens, são diferentes daquelas vivenciadas na juventude em outro período. São, digamos, diferenças geracionais, as quais a educação de adultos deve considerar.
Por um lado, deve-se compreender que, no interior de um grupo de adultos, as diferenças individuais são mais acentuadas que dentro de um grupo de jovens e esses grupos são heterogêneos.
Essa heterogeneidade entre adultos e jovens concerne ao centro de interesses distintos, à cultura, às expressões utilizadas, à forma com que estes aprendem, à motivação e aos objetivos de vida.
Essas diferenças são também produtos do exercício dos vários papéis desempenhados por esses adultos na sociedade, tais como: trabalhador, esposo, pai, dentre outros.
De outro lado, isso implica que, no decorrer de uma formação, a experiência dos adultos constitui um rico recurso disponível para aprendizagem.
Isto explica porque, muitas vezes, os docentes preferem os métodos experimentais e as atividades interativas (discussão em grupo, exercício de simulação, exercício de resolução de problemas etc.) aos métodos clássicos de ensino.
No entanto não podemos esquecer os efeitos negativos que poderá eventualmente trazer o acúmulo de experiências, por exemplo, reforçar as tendências a certos hábitos, a preconceitos, os quais nos tornam herméticos às ideias novas.
Nesse sentido, os professores deverão procurar estratégias que contribuam à análise desses hábitos e à reflexão sobre a possibilidade de abertura para novas ideias, à revisão do padrão de valores, ao desenvolvimento da sensibilidade acerca de escalas dogmáticas do pensamento.
A utilização da experiência é o cerne da educação de adultos, uma vez que esta concerne à identidade dos estudantes.
As crianças, os adolescentes, os jovens balizam grande parte da sua identidade a parâmetros exteriores, que podem ser a família, a igreja, a escola que frequentam.
Na medida em que amadurecem, estes passam a se definir pelas experiências vividas.
Para as crianças, os adolescentes e os jovens, a experiência significa o que lhes chegou.
Vejamos como Knowles (1984,1990) nos exemplifica essa situação: quando se tem 9 anos, 12 anos, 14 anos, se alguém lhe pergunta quem você é, você começará a responder que é filho de Maria e Antônio; no entanto, para nós adultos a experiência define o que somos.
Assim, quando temos 28 anos, 35 anos, se alguém nos pergunta quem somos, respondemos: meu nome é Pedro, concluí o ensino médio, trabalho como gerente na empresa X, e, em 2005, concluí a graduação em Administração de Empresas.
Assim, nossa experiência integra a nossa identidade, posto que “na atual sociedade capitalista, tal identidade é construída fundamentalmente por meio do trabalho e da identidade profissional” (PERES, 2006, p. 67).
Desse modo, na educação de adultos, quando refutamos, ignoramos a experiência ou subestimamos e não a valorizamos, o adulto poderá ter a impressão que não é tão somente a sua experiência que recusamos, mas a sua pessoa na totalidade (KNOWLES, 1990).
Isto posto, observa-se a importância de utilizarmos a experiência dos estudantes, adultos como recurso para a aprendizagem.
Este princípio é essencial para a valorização dessas pessoas; as quais, muitas vezes, possuem frágil percepção sobre as suas capacidades, competências, potencialidades e dispõem de poucos recursos para sustentar sua dignidade, a exceção da sua experiência.
O desejo de aprender O modelo andragógico supõe que os adultos estão
prontos para aprender quando sentem uma necessidade de saber ou fazer algo eficazmente em alguma dimensão da sua vida.
Os conhecimentos e as competências podem lhes possibilitar uma maior preparação para enfrentar situações reais, as quais podem advir do mundo do trabalho, da educação dos filhos, entre outras.
Entretanto não podemos esperar que isso aconteça espontaneamente; muitas vezes podemos elaborar estratégias que induzam os estudantes a avaliarem onde estão, onde querem e precisam chegar como atores partícipes da sua aprendizagem.
Orientação para aprendizagem
Contrariamente às crianças e aos adolescentes, para os quais a aprendizagem é orientada em torno de um sujeito (na escola, por exemplo), os adultos orientam sua aprendizagem em torno da vida ou de uma atividade ou de um problema.
Eles estão dispostos a investir energia para aprender, quando estimam que essa formação educativa proporcionará subsídios, os quais os ajudarão a enfrentar e a resolver problemas que encontram em suas vidas quotidianas.
Os adultos assimilam melhor os conhecimentos, as competências, os valores e as atitudes quando estas são apresentadas em um contexto de aplicação, em situações específicas, aquelas postas pela comunidade, pelo trabalho, pela congregação religiosa etc.
Desse modo, é melhor organizar as aprendizagens em torno das situações da vida do que de acordo com as unidades programáticas presentes nos livros didáticos.
Nesse contexto, para Carl Rogers (1969, apud KNOWLES, 1990),
[...] o papel do professor é, por conseqüência facilitar a aprendizagem e, o elemento central para se conseguir é estabelecer uma relação pessoal com o estudante. Nessa relação, o professor deverá possuir três qualidades, quais sejam: ele deve ser
1) natural e autêntico, 2) atentivo, sem, contudo ser possessivo, confiante
e respeitoso, e 3) compreensivo e aberto, sensível e sempre estar
disponível à escuta (p. 88-89).
No mesmo sentido de ideias, Freire (1987) afirma que
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas” (grifo do autor) (p.68).
Desse modo, a prática educativa de um educador que se constitui como mediador da aprendizagem, um educador problematizador, um
[...] educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 1987, p. 83-84).
Para isso, os currículos deveriam ser construídos em observância às necessidades dos estudantes adultos, assim como as estratégias educativas, as quais devem estar voltadas para o desenvolvimento do pensamento crítico sobre o conteúdo, de modo que o estudante possa fazer as adequações necessárias em situações reais da vida (PEW, 2007).
A motivação para aprender Para Brennen (2006), a motivação pode ser definida como
o nível de esforço que a pessoa é capaz de empregar para a realização de um determinado objetivo.
De acordo com Knowles (1990), os adultos são sensíveis às motivações exteriores (melhor emprego, melhores salários, promoções, educação dos filhos, dentre outros).
No entanto são as pressões interiores (internas) que constituem o maior fator de motivação, tais como: o desejo de elevar sua satisfação profissional, de melhorar a sua qualidade de vida, de sentir-se valorizado, de potencializar a autoestima, dentre outros.
Tough (1979, apud KNOWLES, 1990) ressalta que toda pessoa, geralmente, é motivada para progredir e se desenvolver, porém essa motivação é frequentemente bloqueada por obstáculos, tais como: percepção negativa de sua potencialidade e capacidade como estudante, ausência de ocasiões e de recursos, obrigações temporais, bem como os programas educacionais que não consideram os princípios fundamentais da educação de adultos tampouco as especificidades dessa população.
EPISTEMOLOGIA DA
EDUCAÇÃO POPULAR EM
PAULO FREIRE
OBJETIVOS
refletir sobre o diálogo como fundamento da concepção libertadora da educação;
compreender a teoria e o método da educação popular em Paulo Freire;
refletir sobre a conscientização como conceito central da pedagogia libertadora.
O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR
O movimento Educação Popular foi uma das formas de mobilização de massas adotadas no Brasil, praticando procedimentos de natureza política, social e cultural de mobilização e conscientização dos sujeitos (FREIRE, 1980).
A Educação Popular propõe uma pedagogia da liberdade, cujo objetivo é preparar o sujeito para um juízo crítico da própria existência e da realidade histórica em que se encontra.
No trabalho com educação popular, não se pode prescindir do conhecimento de uma pergunta fundamental:
“quem é este ser com quem irei dialogar, tendo em vista as três ações basilares dos processos de ensino e aprendizagem, quais sejam: a ação humana, a ação educativa e a ação pedagógica?”.
Essas ações se fazem presentes na práxis da educação popular e devem ser corporeificadas pelos seus sujeitos, educadores e educandos, a fim de que o diálogo encontre um lugar fértil para a sua efetivação.
Essa pergunta expressa a necessária relação sujeito/sujeito, isto é, relação intersubjetiva que aproxima as consciências para atuarem sobre o objeto cognoscível - aquele passível de ser conhecido pelo agir da inteligência humana – tendo em vista que a dialética da educação popular propõe o desenvolvimento pelo sujeito da consciência de si e da consciência do mundo
Paulo Freire, como o mais importante idealizador da Educação Popular, coloca-se na posição do intelectual que, confiando no poder da educação como ação política e libertadora e no seu potencial transformador dos seres humanos e do mundo, acredita na possibilidade de superação das contradições existentes entre opressor e oprimido.
Tais contradições se expressam, basicamente, pelas desigualdades sociais existentes entre as elites e as classes populares.
A proposta da educação popular é criar as condições para que ambos, opressores e oprimidos, juntos, possam superar as desigualdades sociais e construir uma sociedade mais igualitária para todos.
Neste sentido, não se trata de mudar de posição, pretendendo um assumir o lugar do outro, passando da condição de quem é oprimido para tornar-se opressor; mas devem juntos, e pelo diálogo, unir forças para eliminar as condições objetivas, sobretudo aquelas de natureza histórico-social, que os separam e os colocam em posições contrárias.
Os oponentes de Paulo Freire (1980) argumentavam que “a consciência crítica é anárquica e que melhor seria que a situação concreta de injustiça não se constituísse num ‘percebido’ claro para a consciência dos oprimidos” (p. 23-24).
Para eles, a conscientização de uma situação existencial de injustiça poderia levar os homens a um “fanatismo destrutivo”.
Esta hipótese é refutada por Paulo Freire, argumentando que “não é a conscientização que pode levar o povo a “fanatismos destrutivos”. Pelo contrário, a conscientização é que lhes possibilita inserir-se no processo histórico como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.
Neste sentido, a hipótese de Paulo Freire é conclusiva: “se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, isso se deve ao fato de que estas são componentes reais de uma situação de opressão. Eis que se constata logicamente a opressão” (cf. pedagogia do oprimido, p. 23- 24).
A CONCEPÇÃO DE HOMEM NA ONTOLOGIA FREIRIANA
Para Paulo Freire (1980, p. 81), os seres humanos são os únicos seres, entre os “inconclusos”, capazes de ter a si mesmos e a própria atividade como objeto de sua consciência.
Ele explica que os seres humanos são criadores e transformadores que, nas relações com a realidade, produzem bens materiais, as coisas sensíveis, os objetos, as instituições sociais, suas ideias e concepções.
Diferente dos outros seres vivos, pela consciência que têm de si mesmos e do mundo e pela capacidade de objetivação do real, os seres humanos produzem cultura.
Além de incompleto e inconcluso, em verbete dedicado à ontologia freiriana, José Eustáquio Romão (cf. Dicionário Paulo Freire, 2010, p. 292) acrescenta às características de incompleto, inconcluso e inacabado, utilizados por Freire como sinônimos, um significado singular: “todos os seres são incompletos, porque necessitam
uns dos outros; são inconclusos, porque estão em evolução; e inacabados, porque são imperfeitos”
Uma das teses de Freire presente na sua ontologia e que parece sintetizar a sua concepção de ser humano é a que afirma: “os homens não somente vivem, mas existem e sua existência é histórica” (1980, p. 89).
Nesta tese está claro que viver é diferente de existir e, no contexto da ontologia freiriana, parece supor que a vida é um fenômeno predominantemente biológico enquanto que a existência humana é fenômeno predominantemente histórico, ainda que o ser humano na sua vivência desfrute dos dois fenômenos.
Os homens ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com o mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens não somente vivem, mas existem e sua existência é histórica (FREIRE, 1980, p. 89).
Para Freire, a existência dos seres humanos se dá no mundo em que eles recriam e transformam historicamente.
Tal transformação se deve ao fato de os seres humanos terem consciência da existência de si mesmos como sujeitos e da realidade do mundo no qual eles podem exercer a ação transformadora e capaz de superar as situações-limites.
É neste sentido que, no contexto da sua obra, Freire (1987, p.92) conceitua os humanos como “seres da práxis”.
A CONSCIENTIZAÇÃO COMO CONCEITOCENTRAL DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Conscientização é o conceito central das ideias de Paulo Freire sobre a teoria e a prática da Educação libertadora.
Freire percebe a profundidade do termo conscientização que alcança, na sua teoria da educação, o status de um conceito estruturante.
Na concepção de Freire, a Educação como prática da liberdade é um ato de conhecimento e uma aproximação crítica da realidade (FREIRE, 1980, p. 25).
Para ele, uma das características dos seres humanos é a capacidade de distanciarse do objeto para objetivá-lo - o que implica refletir e agir sobre o mesmo - e por consequência exercer a ação consciente sobre a realidade objetivada.
Tal capacidade significa, na teoria freiriana, a própria práxis humana, que o autor define como uma unidade indissolúvel entre ação e reflexão sobre o mundo.
A conscientização sugere uma mudança de atitude do sujeito frente à realidade e impõe como condição a sua inserção na práxis:
A conscientização requer compromisso, consciência e inserção crítica na história.
“Ela implica que os seres humanos assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo e exige que os mesmos criem sua existência com um material que a vida lhes oferece, pois está baseada na relação consciência-mundo” (FREIRE, 1980, p. 26).
Freire concebe a conscientização como um processo contínuo na história, necessário aos seres humanos, para escaparem da aderência a um mundo estático que nos possa submeter a novas obscuridades.
Atividade avaliativa.
Construa um texto