Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas
Escola de Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo
Beatriz Junqueira Kipnis
Orientador Marcus Viniacutecius Peinado Gomes
Co-orientador Fernando Burgos Pimentel dos Santos
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social
Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica e Poliacuteticas Puacuteblicas
SAtildeO PAULO
2015
2
Sumaacuterio
1 Introduccedilatildeo 4
2 Referencial Teoacuterico8
21 Poliacuteticas Puacuteblicas 8
211 O que satildeo Poliacuteticas Puacuteblicas
e quais os seus processos 8
212 O que e quem estaacute incluso no
ldquopuacuteblicordquo tratado pelas Poliacuteticas Puacuteblicas 10
213 A produccedilatildeo de conhecimento e
a importacircncia das praacuteticas cotidianas 12
22 Contextos Onde as Poliacuteticas Puacuteblicas acontecem 17
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero 18
3 Metodologia 23
31 Realismo Criacutetico e a Violecircncia de Gecircnero 23
32 Anaacutelise Criacutetica do Discurso 27
33 A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas 32
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados 34
4 A Anaacutelise 38
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil 38
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise 41
43 Manifestaccedilotildees Discursivas da Estrutura Social 43
44 Elementos Extra-discursivos 52
5 Consideraccedilotildees Finais 64
51Implicaccedilotildees para a Praacutetica 68
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa 69
6 Referecircncias Bibliograacuteficas 70
7 Anexos 74
3
Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores
Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando
Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante
a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse
trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde
pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao
Patrick pela matildeo estendida cotidianamente
4
1 Introduccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros
desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas
Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de
mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012
30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram
viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia
ou 261 mulheres estupradas por hora
Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis
para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo
de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees
especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva
em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos
agriacutecola e urbano
A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas
regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico
Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo
das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais
urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo
influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse
problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade
dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo
porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta
comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo
Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma
lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre
violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados
puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da
invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a
5
existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as
mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a
violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os
contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre
violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema
Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os
sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos
para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores
implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil
Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de
sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta
pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma
renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como
um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico
(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves
Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser
tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e
mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas
ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha
estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia
entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social
machista todavia presente na sociedade brasileira
Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um
grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a
melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma
vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma
recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas
e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
2
Sumaacuterio
1 Introduccedilatildeo 4
2 Referencial Teoacuterico8
21 Poliacuteticas Puacuteblicas 8
211 O que satildeo Poliacuteticas Puacuteblicas
e quais os seus processos 8
212 O que e quem estaacute incluso no
ldquopuacuteblicordquo tratado pelas Poliacuteticas Puacuteblicas 10
213 A produccedilatildeo de conhecimento e
a importacircncia das praacuteticas cotidianas 12
22 Contextos Onde as Poliacuteticas Puacuteblicas acontecem 17
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero 18
3 Metodologia 23
31 Realismo Criacutetico e a Violecircncia de Gecircnero 23
32 Anaacutelise Criacutetica do Discurso 27
33 A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas 32
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados 34
4 A Anaacutelise 38
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil 38
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise 41
43 Manifestaccedilotildees Discursivas da Estrutura Social 43
44 Elementos Extra-discursivos 52
5 Consideraccedilotildees Finais 64
51Implicaccedilotildees para a Praacutetica 68
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa 69
6 Referecircncias Bibliograacuteficas 70
7 Anexos 74
3
Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores
Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando
Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante
a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse
trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde
pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao
Patrick pela matildeo estendida cotidianamente
4
1 Introduccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros
desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas
Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de
mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012
30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram
viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia
ou 261 mulheres estupradas por hora
Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis
para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo
de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees
especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva
em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos
agriacutecola e urbano
A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas
regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico
Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo
das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais
urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo
influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse
problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade
dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo
porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta
comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo
Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma
lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre
violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados
puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da
invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a
5
existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as
mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a
violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os
contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre
violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema
Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os
sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos
para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores
implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil
Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de
sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta
pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma
renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como
um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico
(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves
Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser
tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e
mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas
ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha
estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia
entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social
machista todavia presente na sociedade brasileira
Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um
grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a
melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma
vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma
recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas
e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
3
Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores
Professores Marcus Vinicius Gomes e Fernando
Burgos pelo conhecimento e amizade passados durante
a pesquisa e por me desafiaram intelectualmente nesse
trabalho Aos meus pais Ana Paula e Andreacute que desde
pequena me mostraram a beleza da pesquisa E ao
Patrick pela matildeo estendida cotidianamente
4
1 Introduccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros
desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas
Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de
mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012
30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram
viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia
ou 261 mulheres estupradas por hora
Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis
para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo
de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees
especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva
em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos
agriacutecola e urbano
A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas
regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico
Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo
das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais
urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo
influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse
problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade
dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo
porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta
comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo
Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma
lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre
violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados
puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da
invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a
5
existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as
mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a
violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os
contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre
violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema
Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os
sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos
para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores
implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil
Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de
sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta
pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma
renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como
um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico
(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves
Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser
tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e
mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas
ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha
estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia
entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social
machista todavia presente na sociedade brasileira
Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um
grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a
melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma
vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma
recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas
e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
4
1 Introduccedilatildeo
A violecircncia contra a mulher eacute um problema que atinge o Brasil com nuacutemeros
desastrosos Segundo estudo do Laboratoacuterio de Anaacutelises Econocircmicas Histoacutericas
Sociais e Estatiacutesticas (LAESER 2014) em 2012 houve 103794 mil notificaccedilotildees de
mulheres que sofreram violecircncia domeacutestica sexual dentre outras Entre 2011 e 2012
30607 mulheres sofreram violecircncia sexual dentre as quais 22884 mulheres foram
viacutetimas de estupro (LAESER 2014) o que significa 62 mulheres estupradas por dia
ou 261 mulheres estupradas por hora
Houve mudanccedilas significativas em termos dos aparatos legais disponiacuteveis
para combater a violecircncia de gecircnero e consequentemente um movimento de expansatildeo
de instituiccedilotildees ligadas a esse trabalho como delegacias especializadas e organizaccedilotildees
especiacuteficas para mulheres No entanto nos pareceu que esse avanccedilo ainda natildeo leva
em consideraccedilatildeo uma possiacutevel diferenccedila entre violecircncia de gecircnero em contextos
agriacutecola e urbano
A premissa da pesquisa era que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessas
regiotildees agriacutecolas ficam mais escondidas ndash ou invisiacuteveis ndash agraves accedilotildees do poder puacuteblico
Tambeacutem parece que outras loacutegicas permeiam esse lugar fazendo com que a situaccedilatildeo
das mulheres viacutetimas da violecircncia seja diferente daquelas que habitam regiotildees mais
urbanizadas e portanto criando praacuteticas diferentes que influenciam e satildeo
influenciadas pelas poliacuteticas puacuteblicas que pretendem abordar o problema Esse
problema estaacute presente nas aacutereas urbana e agraacuteria do Brasil poreacutem a quase totalidade
dos dados produzidos sobre o tema estatildeo concentrados na aacuterea urbana sobretudo
porque natildeo haacute nenhuma coleta de dados especiacutefica para a aacuterea agraacuteria e na coleta
comum esta aacuterea apresenta muita subnotificaccedilatildeo
Corroborando com esta ausecircncia nas poliacuteticas puacuteblicas haacute tambeacutem uma
lacuna na literatura sobre violecircncia contra a mulher no que tange as diferenccedilas entre
violecircncia de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Aleacutem disso ausecircncia de dados
puacuteblicos sobre a violecircncia de gecircnero no ambiente agriacutecola reforccedilam a ideia da
invisibilidade desta questatildeo Eacute esta aparente tensatildeo que motivou essa pesquisa sobre a
5
existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as
mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a
violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os
contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre
violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema
Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os
sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos
para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores
implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil
Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de
sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta
pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma
renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como
um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico
(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves
Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser
tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e
mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas
ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha
estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia
entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social
machista todavia presente na sociedade brasileira
Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um
grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a
melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma
vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma
recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas
e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
5
existecircncia dessas diferenccedilas e se os aparatos estatais levam ou natildeo em conta as
mesmas na hora de elaborar e implementar poliacuteticas puacuteblicas para combater a
violecircncia de gecircnero Dessa maneira a pergunta que orientou esse trabalho eacute os
contextos agriacutecola e urbano influenciam a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Por meio de uma anaacutelise criacutetica do discurso analisamos os sentidos sobre
violecircncia contra a mulher e as poliacuteticas puacuteblicas relacionadas a este tema
Constatamos que este problema puacuteblico estaacute em constante negociaccedilatildeo sendo que os
sentidos do que eacute violecircncia de gecircnero quais satildeo suas causas e quais satildeo os caminhos
para combatecirc-la satildeo sentidos construiacutedos e reconstruiacutedos pelos formuladores
implementadores e stakeholders diversos como ONGs e sociedade civil
Nesse sentido substanciando as poliacuteticas puacuteblicas haacute uma negociaccedilatildeo de
sentido sobre a violecircncia contra a mulher O tema entra na agenda nos anos setenta
pelo alto nuacutemero de assassinatos de mulheres e comeccedila a acontecer uma
renegociaccedilatildeo de sentidos quanto agrave violecircncia contra a mulher que antes era vista como
um problema da esfera privada e passa a ser enfrentada como um problema puacuteblico
(BANDEIRA 2014) Jaacute em 1985 as Delegacias Especiais de Atendimento agraves
Mulheres satildeo criadas pela nova negociaccedilatildeo de que esse problema precisava ser
tratado por mulheres E somente em 2005 depois de diversas negociaccedilotildees e
mudanccedilas legais foi criada a Lei Maria da Penha como resultado dessas
ressignificaccedilotildees do problema As mudanccedilas juriacutedicas como a Lei Maria da Penha
estatildeo trazendo mudanccedilas graduais importantes Poreacutem ainda existe uma distancia
entre a lei e os elementos praacuteticos que acabam reproduzindo a estrutura social
machista todavia presente na sociedade brasileira
Apesar do grande avanccedilo na questatildeo a questatildeo rural permanece como um
grande silecircncio sendo que a ausecircncia de dados sobre o contexto rural dificulta a
melhor compreensatildeo destas relaccedilotildees sociais Esta eacute uma limitaccedilatildeo da pesquisa uma
vez que prejudicou uma anaacutelise mais profunda sobre o contexto agriacutecola Assim uma
recomendaccedilatildeo desta pesquisa para a administraccedilatildeo puacuteblica eacute a produccedilatildeo de pesquisas
e dados sobre o tema de forma a subsidiar o debate puacuteblico e a consequente
elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
6
Nesse sentido este trabalho busca contribuir iniciando uma discussatildeo acerca
da invisibilidade das mulheres em contextos agriacutecolas e da especificidade das
manifestaccedilotildees do machismo nesse contexto Fica evidente ao longo do trabalho a
necessidade de gerar dados sobre violecircncia de gecircnero nas aacutereas agriacutecolas afim de que
o problema possa ser melhor compreendido e tambeacutem de se aprofundar poliacuteticas
puacuteblicas que atendam essa populaccedilatildeo para que os profissionais da temaacutetica de gecircnero
comecem a entender melhor o problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas agriacutecolas
levando a mais e melhores poliacuteticas puacuteblicas para atender a essa populaccedilatildeo
Os achados da pesquisa mostraram que natildeo haacute grande diferenccedila nos elementos
discursivos em relaccedilatildeo aos contextos urbano e agriacutecola poreacutem existe uma diferenccedila
nas manifestaccedilotildees do discurso em accedilatildeo e seus elementos extra-discursivos Com essa
conclusatildeo temos evidecircncias de que a estrutura social do machismo permeia ambos
contextos agriacutecola e urbano poreacutem pode ser manifestado de maneiras distintas
apesar da uniformidades dos discursos de quem trabalha em organizaccedilotildees voltadas
para o combate agrave violecircncia de gecircnero Tal distinccedilatildeo seria suficiente para a existecircncia
de poliacuteticas puacuteblicas distintas jaacute que o machismo se manifesta de maneiras distintas
Para chegar a essas consideraccedilotildees a pesquisa apresenta inicialmente uma revisatildeo da
literatura para delimitar o conceito de poliacuteticas puacuteblicas de quem estamos falando
enquanto ldquopuacuteblicordquo como esse processo de significaccedilatildeo estaacute em negociaccedilatildeo e o
contexto em que ele se insere A seguir haacute uma discussatildeo metodoloacutegica que busca
delimitar o campo ontoloacutegico do trabalho o Realismo Criacutetico e em seguida expor as
diferentes possibilidades epistemoloacutegicas e explicar a escolha da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso como maneira de estudar essa ontologia A partir dessa especificaccedilatildeo
traccedilamos os objetivos da pesquisa para entatildeo comeccedilarmos a pesquisa de campo em
Goiaacutes e em Satildeo Paulo A proacutexima etapa consiste na anaacutelise do campo agrave luz da
bibliografia e metodologia levantadas afim de descrever o contexto dos formuladores
e implementadores de poliacuteticas puacuteblicas para combater a violecircncia de gecircnero Nessa
fase da pesquisa como descrevemos na metodologia (seccedilatildeo 3) e nas anaacutelises do
campo (seccedilatildeo 4) descobrimos como na praacutetica a existecircncia de soluccedilotildees reais que
levam em consideraccedilatildeo as diferenccedilas de violecircncia contra a mulher nas zonas agraacuteria e
rural satildeo muito poucas Logo a anaacutelise do discurso inclui ainda reflexotildees sobre essas
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
7
diferenccedilas no entanto a seccedilatildeo que discorre sobre as soluccedilotildees sendo formuladas ou
implementadas se concentra mais nas aacutereas urbanas uma vez que essa foi a realidade
com a qual nos deparamos no campo Por fim encerramos discorrendo sobre os
achados e contribuiccedilotildees desta pesquisa assim como quais satildeo os horizontes para
novas pesquisas sobre o tema
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
8
2 Referencial Teoacuterico
21Poliacuteticas Puacuteblicas
211 O que satildeo poliacuteticas puacuteblicas e quais os seus processos
Poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendido como a soma de accedilotildees e decisotildees que
ocorrem por parte de atores puacuteblicos ndash estatais ou natildeo ndash e natildeo puacuteblicos para resolver
uma situaccedilatildeo definida como um problema coletivo (SUBIRATS et al 2012) Saravia
(2006 P29) define poliacutetica puacuteblica como
()um sistema de decisotildees puacuteblicas que visa a accedilotildees ou omissotildees
preventivas ou corretivas destinadas a manter ou modificar a realidade de
um ou vaacuterios setores da vida social por meio da definiccedilatildeo de objetivos e
estrateacutegias de atuaccedilatildeo e da alocaccedilatildeo de recursos necessaacuterios para atingir os
objetivos estabelecidos
Isso significa que poliacutetica puacuteblica atraveacutes da accedilatildeo ou inaccedilatildeo age com
determinada finalidade e isso ocorre atraveacutes de um processo de definiccedilatildeo de
prioridades Encontramos evidecircncias ao longo da pesquisa de que esta inaccedilatildeo eacute
tambeacutem uma escolha em relaccedilatildeo ao problema da violecircncia de gecircnero em aacutereas
agriacutecolas Os entrevistados em geral tinham tido pouco ou nenhum contato com
mulheres de aacutereas agriacutecolas e se sentiam pouco agrave vontade para comentar sobre a
violecircncia contra mulheres nessas aacutereas Nesse sentido a falta de accedilatildeo foi uma escolha
poliacutetica tambeacutem por decidir natildeo se produzir dados acerca dessa violecircncia ndash como
seraacute demostrado ateacute haacute dois anos natildeo havia nenhuma iniciativa especificamente
direcionada para esse puacuteblico Enfim o impacto disso eacute um ciclo vicioso de falta de
poliacuteticas puacuteblicas gerando falta de dados sobre o problema que criam um discurso de
justificativa para a inaccedilatildeo
Uma poliacutetica puacuteblica passa por algumas etapas importantes que satildeo
sistematizadas em fases mas natildeo ocorrem necessariamente em ordem cronoloacutegica e
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
9
podem ser simultacircneas De acordo com Saravia (2006) essas fases satildeo agenda
elaboraccedilatildeo formulaccedilatildeo implementaccedilatildeo execuccedilatildeo acompanhamento e avaliaccedilatildeo A
agenda eacute a fase em que determinada situaccedilatildeo se transforma em problema puacuteblico
(SARAVIA 2006) ou seja quando o Estado decide realizar alguma decisatildeo puacuteblica
sobre determinado problema seja ela atraveacutes da accedilatildeo ou da omissatildeo A elaboraccedilatildeo eacute
quando satildeo traccediladas as diferentes alternativas de accedilatildeo do Estado frente a esse
problema (SARAVIA 2006) Depois a formulaccedilatildeo eacute quando uma alternativa eacute
escolhida e aprofundada para lidar com o problema (SARAVIA 2006) Em seguida
acontece a implementaccedilatildeo dessa alternativa isto eacute a preparaccedilatildeo em termos de
recursos materiais e humanos para realizar a poliacutetica puacuteblica (SARAVIA 2006) A
execuccedilatildeo por sua vez eacute a accedilatildeo em si a praacutetica do planejamento realizado (SARAVIA
2006) Depois o acompanhamento eacute o monitoramento da poliacutetica puacuteblica enquanto
ela estaacute em fase de execuccedilatildeo para poder fazer alteraccedilotildees se necessaacuterias e corrigir o
rumo de acordo com os objetivos pretendidos (SARAVIA 2006) Por fim a
avaliaccedilatildeo eacute a verificaccedilatildeo do desempenho da poliacutetica puacuteblica depois que ela foi
executada e pode ser medida em termos de eficiecircncia eficaacutecia e efetividade
Eacute importante ressaltar que todas as etapas das poliacuteticas puacuteblicas satildeo
influenciadas pelo discurso uma vez que poliacutetica puacuteblica natildeo eacute o resultado de uma
anaacutelise meramente racional e cientiacutefica e sim influenciada por julgamentos de valor e
significados atribuiacutedos aos problemas puacuteblicos embora a poliacutetica puacuteblica aconteccedila
atraveacutes dessas etapas a poliacutetica se realiza na negociaccedilatildeo dos significados Saravia
(2006) ressalta nesse sentido a importacircncia das instituiccedilotildees no processo das poliacuteticas
puacuteblicas como podemos perceber no trecho
Os estudos de poliacutetica puacuteblica mostram a importacircncia das insituiccedilotildees
estatais tanto como organizaccedilotildees pelas quais os agentes puacuteblicos (eleitos ou
administrativos) perseguem finalidades que natildeo satildeo exclusivamente respostas
a necessidades sociais como tambeacutem configuraccedilotildees e accedilotildees que estruturam
modelam e influenciam os processos econocircmicos com tanto peso como as
classes e os grupos de interesse (SARAVIA 2006 p 37)
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
10
Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas dentro de um contexto
organizacional que influencia o desenho e o resultado que se atinge com uma poliacutetica
puacuteblica
212 O que e quem estaacute incluso no ldquopuacuteblicordquo tratado pelas poliacuteticas puacuteblicas
Como vimos na seccedilatildeo anterior existe uma negociaccedilatildeo sobre a definiccedilatildeo o que
satildeo problemas puacuteblicos e decidir a partir da definiccedilatildeo do problema como seratildeo
combatidos Nesse sentido uma das questotildees que vecircm agrave tona na delimitaccedilatildeo do
problema eacute a negociaccedilatildeo do sentido de lsquopuacuteblicorsquo uma vez que este natildeo eacute um conceito
consensual se tratando de um sentido tambeacutem em disputa (FREDERICKSON 1991)
Algumas perspectivas diferentes satildeo possiacuteveis para ressaltar a multiplicidade de
interpretaccedilotildees diferentes do que eacute entendido como puacuteblico De acordo com
Frederickson (1991) as principais perspectivas satildeo pluralista do public choice
legislativa do cliente e cidadatilde
A perspectiva pluralista eacute aquela que entende como puacuteblico a manifestaccedilatildeo da
interaccedilatildeo entre grupos de interesses que disputam o poder poliacutetico
(FREDERICKSON 1991) Esses grupos seriam meras agregaccedilotildees de pessoas com
interesses individuais sendo o interesse de cada grupo a aglomeraccedilatildeo dos interesses
particulares dos participantes Em decorrecircncia da disputa entre grupos de interesse o
interesse puacuteblico seria o grupo que vencesse tal luta Frederickson (1991) ressalta
como risco dessa perspectiva que o interesse puacuteblico resultante da disputa de grupos
de interesse natildeo seja a representaccedilatildeo efetiva tanto dos indiviacuteduos dentro dos grupos
quanto daqueles que natildeo fazem parte de grupos por natildeo serem interessantes
politicamente ou economicamente para tais aglomeraccedilotildees
Por sua vez a perspectiva do public choice manteacutem a ideia pluralista de que
um grupo eacute soacute uma agregaccedilatildeo de pessoas e que portanto o indiviacuteduo faz um caacutelculo
racional para aumentar sua eficiecircncia no setor puacuteblico (FREDERICKSON 1991)
Isso implica em uma visatildeo dos servidores puacuteblicos como maximizadores de interesses
particulares e que natildeo estariam interessados em maximizar o interesse coletivo
Enfim essa visatildeo entende o puacuteblico e o seu interesse como o do maior nuacutemero de
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
11
pessoas sendo utilitarista e consequentemente gerando a exclusatildeo de quem natildeo tem
recursos para fazer a escolha puacuteblica e a desconfianccedila nas motivaccedilotildees dos
governantes
Jaacute a perspectiva legislativa eacute aquela em que os administradores puacuteblicos
operam o que eacute decidido pelo legislativo (FREDERICKSON 1991) Este por sua vez
seria a arena de representaccedilatildeo legiacutetima do interesse puacuteblico O autor
(FREDERICKSON 1991) ressalta entretanto que na praacutetica as leis satildeo ambiacuteguas e
permitem interpretaccedilotildees diferentes por parte dos administradores puacuteblicos Aleacutem
disso haacute um conflito de forccedila em relaccedilatildeo ao que eacute exigido pelo executivo que os
administradores puacuteblicos executem em detrimento do legislativo No mais haacute outro
dilema nessa concepccedilatildeo porque representaccedilatildeo natildeo eacute algo que se encerra no
legislativo havendo outras arenas representativas como os grupos de interesse
anteriormente citados
Outra visatildeo possiacutevel eacute de puacuteblico como cliente em que os indiviacuteduos satildeo
consumidores dos serviccedilos puacuteblicos Isso implica no contato direto entre clientes e
burocratas de niacutevel de rua o que leva ao impasse de que os burocratas precisam
colocar as necessidades dos clientes como mais importantes e ao mesmo tempo
precisam ser imparciais impessoais (FREDERICKSON 1991) Aleacutem disso falta
verba para que a qualidade e quantidade dos serviccedilos puacuteblicos oferecidos atendam agraves
demandas dos clientes De acordo com Frederickson (1991) essa perspectiva seria
fraca porque clientes natildeo conseguem funcionar como puacuteblico isto eacute cada indiviacuteduo
agindo como cliente natildeo se articula enquanto grupos para defender seus interesse e os
burocratas podem se organizar enquanto grupo de interesse e conseguir suplantar os
clientes
Por fim podemos enxergar o puacuteblico como cidadatildeo o que significa que o
puacuteblico tem interesse proacuteprio e coletivo (FREDERICKSON 1991) Essa visatildeo
implica no papel da Administraccedilatildeo Puacuteblica de colocar em praacutetica os valores definidos
por uma constituiccedilatildeo No entanto essa perspectiva natildeo enxerga o legislativo como
arena de representaccedilatildeo final dos interesses puacuteblicos sendo que todos satildeo cidadatildeos e
devem ser contemplados pela administraccedilatildeo puacuteblica sendo ou natildeo minorias Entatildeo
faria parte do dever da administraccedilatildeo puacuteblica criar um arcabouccedilo institucional
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr
12
possibilitador de participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos e tambeacutem advogar pelos direitos de
minorias sem poder representativo A Administraccedilatildeo Puacuteblica tambeacutem deve nessa
perspectiva desenvolver e manter sistemas capazes de captar e responder os puacuteblicos
coletivos ou natildeo tendo em vista sempre o interesse do coletivo maior sem ferir os
direitos das minorias (FREDERICKSON 1991)
No mais a perspectiva do puacuteblico como cidadatildeo exige um entendimento da
cidadania de ambos os lados isto eacute a administraccedilatildeo puacuteblica deve enxergar o puacuteblico
como cidadatildeos mas os cidadatildeos precisam agir como tais Isso exigiria segundo
Frederickson (1991) o entendimento pelos cidadatildeos da constituiccedilatildeo e portanto dos
valores defendidos pela mesma e tambeacutem a capacidade de raciocinar moralmente
compatibilizando interesses particulares e coletivos tendo como medida o documento
constitucional Aleacutem disso seria essencial a crenccedila dos cidadatildeos em direitos
ldquonaturaisrdquo e natildeo na ideia de que a maioria teria poder legiacutetimo mas que todos tecircm
que ter esses direitos miacutenimos garantidos sendo ou natildeo parte da maioria
(FREDERICKSON 1991)
A reflexatildeo de Frederickson (1991) vai aleacutem de uma categorizaccedilatildeo sobre os
diferentes significados de puacuteblicos construiacutedos pela interaccedilatildeo do Estado e seus
cidadatildeos ao contraacuterio ressalta que a visatildeo sobre o que eacute lsquopuacuteblicorsquo natildeo eacute definido a
priori no ciclo de poliacuteticas puacuteblicas ao contraacuterio eacute negociada neste processo Neste
sentido a pluralidade normativa da visatildeo de lsquopuacuteblicorsquo faz parte da estrateacutegia
organizacional de determinado oacutergatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica Isso porque as
praacuteticas cotidianas da organizaccedilatildeo transparecem determinado tratamento de puacuteblico e
acabam resultando em uma estrateacutegia organizacional que produz uma poliacutetica puacuteblica
com determinado vieacutes para o que eacute considerado puacuteblico
213 A produccedilatildeo de conhecimento e a importacircncia das praacuteticas cotidianas
Continuando esse o argumento da disputa de significados o conhecimento
tambeacutem eacute uma construccedilatildeo social e como tal estaacute sujeito a poderes em conflito e
mudanccedilas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo influenciadas por essa construccedilatildeo social do
conhecimento uma vez que as situaccedilotildees dependem de uma significaccedilatildeo social para
13
serem consideradas como problemas puacuteblicos e portanto entrarem na agenda de
governo Nesse sentido o que eacute considerado como conhecimento vaacutelido faz parte de
uma ideia que a sociedade tem do que eacute legitimamente visto como conhecimento ou
natildeo e isso varia de acordo com tempo e lugar (SPINK 2001) Desde o berccedilo as
universidades satildeo um local onde essa tensatildeo entre conhecimento legitimado ou natildeo
persiste no cotidiano e satildeo espaccedilos em que a luta pelo reconhecimento da
heterogeneidade de conhecimentos muitas vezes fica em um segundo plano vis-agrave-vis
o conhecimento produzido pela proacutepria academia e desvinculado muitas vezes da
realidade cotidiana do objeto estudado (SPINK 2001)
Essa dicotomia entre produccedilatildeo de conhecimento nas universidades e na
praacutetica reduziu apenas recentemente sobretudo pela forccedila dos movimentos sociais
Eles mostraram que a sociedade civil produz conhecimentos relevantes para se
organizar e enfrentar os seus problemas do dia-a-dia sem necessariamente estarem
ligados ao conhecimento hegemocircnico do meio acadecircmico (SPINK 2001) Cresceu a
partir de entatildeo a noccedilatildeo de multiplicidade de conhecimentos e a importacircncia da
universidade reconhecer a importacircncia e estudar esses conhecimentos produzidos na
praacutetica
A construccedilatildeo desse leque de conhecimentos segundo Spink (2001) se daacute
sobretudo pela praacutetica vivida pelos grupos sociais na resoluccedilatildeo de problemas
enfrentados no cotidiano e que natildeo foram solucionados por organizaccedilotildees externas
Assim cada lugar eacute constituiacutedo de um contexto proacuteprio que tanto possibilita quanto
compele a produccedilatildeo de determinados conhecimentos
Dentro desses contextos uacutenicos de produccedilatildeo de conhecimento existem as
praacuteticas do cotidiano que fazem as organizaccedilotildees se construiacuterem enquanto tais e satildeo
tambeacutem por elas influenciadas As poliacuteticas puacuteblicas satildeo produzidas por organizaccedilotildees
e seus arranjos entre si ou seja satildeo influenciadas pelos contextos e praacuteticas do
mesmo Essas praacuteticas satildeo definidas por Schatzki (2007) como o conjunto de accedilotildees
estruturadas por uma organizaccedilatildeo Nessa visatildeo natildeo eacute a estrutura organizacional que
molda completamente as accedilotildees de seus constituintes mas uma relaccedilatildeo dialeacutetica em
que estruturas sociais e atores se influenciam mutuamente para formar as praacuteticas
desenvolvidas rotineiramente em uma organizaccedilatildeo As praacuteticas incluem segundo o
14
autor quatro fenocircmenos principais
(1) understandings of (complexes of know-hows regarding) the actions
constituting the practice for example knowing how to email and to recognize
emailing and knowing how to deliver and recognize lectures (2) rules by
which I mean explicit directives admonishments or instructions that
participants in the practice observe or disregard (3) something I call a
teleological-affective structuring which encompasses a range of ends
projects actions maybe emotions and end-project-action combinations
(teleological orderings) that are acceptable for or enjoined of participants to
pursue and realize and (4) general understandings for example general
understandings about the nature of work about proper teacherndashstudent
interactions or about the commonality of fate (SCHATZKI 2007)
As praacuteticas podem portanto ser definidas como participantes ativas da
estrateacutegia organizacional A estrateacutegia enquanto praacutetica eacute um conceito que faz a
conexatildeo entre a caracteriacutestica ativa e dialeacutetica das praacuteticas cotidianas e a proacutepria
formulaccedilatildeo de estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo Esse conceito estaacute ligado a uma
visatildeo construtivista das estrateacutegias dentro de uma organizaccedilatildeo isto eacute as estrateacutegias
natildeo satildeo estaacuteveis ao longo do tempo passam por um processo de definiccedilatildeo e
redefiniccedilatildeo conforme ganham ou perdem legitimaccedilatildeo interna e externa ao ambiente
organizacional (SOUZA 2009)
Nesse sentido as estrateacutegias de uma organizaccedilatildeo podem mudar ou
permanecer ao longo do tempo de acordo com a relaccedilatildeo dupla entre agentes e
estrutura esta sendo composta de recursos disponiacuteveis normas e regras presentes e
entendimento compartilhado (SOUZA 2009) Os recursos disponiacuteveis podem ser
materiais como o ambiente fiacutesico de uma organizaccedilatildeo ou imateriais como a
capacitaccedilatildeo para exercer uma atividade dentro da mesma Esses recursos satildeo objeto
de uma luta permanente porque satildeo eles que possibilitam a dominaccedilatildeo de uma
estrateacutegia ou seja quem deteacutem mais recursos acaba tendo mais poder na hora de
defender sua posiccedilatildeo vis-agrave-vis uma estrateacutegia organizacional (SOUZA 2009) As
15
normas e as regras podem ser formais como o estatuto de uma associaccedilatildeo que prevecirc
condutas permitidas eou exigidas para a participaccedilatildeo ou informais construiacutedas e
aceitas no cotidiano sem que sejam transcritas como o tipo de comportamento
considerado adequado dentro de determinada organizaccedilatildeo Satildeo as normas e regras
que constituem a legitimaccedilatildeo ou natildeo de estrateacutegias isto eacute elas permitem ou natildeo a
aceitaccedilatildeo de uma estrateacutegia em detrimento do que eacute aceito formal e informalmente no
ambiente organizacional (SOUZA 2009) Aleacutem disso haacute um entendimento
compartilhado em uma organizaccedilatildeo que significa as estrateacutegias isto eacute traduz
subjetivamente a estrateacutegia para uma dimensatildeo simboacutelica que eacute compreensiacutevel para a
realidade de seus agentes
Isso significa que formular e implementar estrateacutegias dentro de uma
organizaccedilatildeo satildeo processos inseridos dentro de um contexto permeado por
significaccedilotildees dominaccedilotildees e legitimaccedilotildees de discursos no cotidiano dos agentes e
portanto haacute uma tensatildeo constante e um diaacutelogo entre processos e contexto em que o
mesmo influencia e eacute influenciado pelos processos de definiccedilatildeoredefiniccedilatildeo de
estrateacutegia (SOUZA 2009) Assim podemos dizer que as organizaccedilotildees natildeo produzem
estrateacutegias no vaacutecuo jaacute que as praacuteticas que as constituem soacute satildeo significadas quando
satildeo ativadas pelos agentes e possibilitadas pelo contexto interno e externo agrave
organizaccedilatildeo tornando o contexto um elemento essencial para estudar as estrateacutegias
em organizaccedilotildees
Dessa forma poliacuteticas puacuteblicas podem ser entendidas como uma estrateacutegia
constantemente definida e redefinida em funccedilatildeo das negociaccedilotildees sobre os sentidos
dos problemas puacuteblicos A estrutura organizacional se torna entatildeo natildeo apenas
relevante para a determinaccedilatildeo da capacidade material de resoluccedilatildeo de um problema
social mas tambeacutem delimita um lugar simboacutelico sobre as possibilidades de accedilatildeo para
enfrentaacute-lo
22 Contextos onde as poliacuteticas puacuteblicas acontecem
No acircmbito dessa pesquisa pretendemos nos focar em principalmente dois
contextos diferentes que permeiam o processo de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de
16
poliacuteticas puacuteblicas enquanto estrateacutegias de organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica
Podemos falar nos lugares e na diferenciaccedilatildeo entre contextos urbano e agriacutecola como
fator que influencia e eacute influenciado pelo ciclo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia
Os contextos impactam nas praacuteticas e arranjos materiais disponiacuteveis em
determinado lugar (SPINK 2001) O lugar eacute onde ocorre a troca entre contexto
praacuteticas e arranjos como contextos agriacutecola e urbano estruturas organizacionais e
negociaccedilatildeo de sentidos e estrateacutegias para lidar com problemas puacuteblicos De acordo
com Milton Santos (2001) os lugares satildeo espaccedilos esquizofrecircnicos porque satildeo onde se
verificam os vetores da globalizaccedilatildeo e tambeacutem da contraordem O papel do lugar eacute
natildeo soacute onde se vive mas um lsquoespaccedilo vividorsquo em que satildeo reproduzidas eou
reavaliadas processos do passado e onde se projeta o futuro (SANTOS 2001) Nesses
lugares ocorrem os embates entre soluccedilotildees imediatistas e visotildees finaliacutesticas
conjuntura e estrutura (SANTOS 2001)
A ideia de lugar compreende a importacircncia dos processos construiacutedos e que
constroem um contexto Schatzki (2005) em sua teoria sobre como satildeo construiacutedos
os fenocircmenos sociais afirma que estes estatildeo ligados aos lugares
Sites however are a particularly interesting sort of context What
makes them interesting is that context and contextualized entity constitute one
another what the entity or event is is tied to the context just as the nature and
identity of the context is tied to the entity or event (among others)(p 468)
Essa definiccedilatildeo eacute entatildeo especificada ao social em que o lugar ldquodo social eacute
composto de nexos de praacuteticas e arranjos materiaisrdquo (SCHATZKI 2005 p471) As
praacuteticas seriam as atividades humanas e os arranjos materiais incluem as pessoas os
artefatos outros organismos e coisas
Os fenocircmenos sociais fazem parte das teias formadas dentro dos lugares e da
relaccedilatildeo entre eles sendo ao mesmo tempo produto e alimento desses lugares As
organizaccedilotildees de acordo com o autor (SCHATZKI 2005) seriam um desses
fenocircmenos sociais Fazendo parte dessa teia as organizaccedilotildees satildeo constituiacutedas por
praacuteticas sobreviventes previamente de outras organizaccedilotildees (vindas com as
17
experiecircncias passadas dos indiviacuteduos que a constituem) e uma mistura de praacuteticas do
presente que satildeo alteradas ou natildeo para materializar a razatildeo de existecircncia da
organizaccedilatildeo e arranjos materiais velhos e novos (SCHATZKI 2005 p476) Schatzki
(2005) ressalta que trecircs pontos satildeo essenciais para compreender uma organizaccedilatildeo
identificar as accedilotildees que a compotildeem identificar o conjunto de praacuteticas e arranjos
materiais em que as accedilotildees estatildeo inseridas identificar as outras teias de conjuntos de
praacuteticas e arranjos que se ligam agrave teia que compotildee a organizaccedilatildeo
Podemos clarificar ainda mais a ideia de lugares com a contribuiccedilatildeo de Spink
(2001) que define lugar como ldquoponto de partida para refletir sobre a organizaccedilatildeo
porque permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano
e fora dos muros das organizaccedilotildeesrdquo (SPINK 2001 p18) Esse termo tambeacutem foca
nos processos construiacutedos pelos indiviacuteduos suas relaccedilotildees e o contexto nos quais
participam e as organizaccedilotildees como parte desses processos em que haacute tensotildees e natildeo
como uma entidade que existe sem a accedilatildeo de pessoas Aleacutem disso Spink (2001)
ressalta a importacircncia da construccedilatildeo social dos sentidos que damos agraves accedilotildees e
materialidades que compotildeem o cotidiano o que dialoga com a ideia de Schatzki
(2005) de como compreender as accedilotildees dos indiviacuteduos
Assim pretendemos compreender as regiotildees agriacutecola e urbana como lugar
que satildeo indissociaacuteveis daquilo que os constituem (Spink 2001 SCHATZKI 2005)
enquanto praacuteticas e arranjos constitucionais observaacuteveis materialmente a partir de
organizaccedilotildees puacuteblicas O estudo das organizaccedilotildees que formulam e implementam
essas poliacuteticas puacuteblicas eacute importante para entender quais os conjuntos de praacuteticas e
arranjos materiais que formam o contexto das poliacuteticas puacuteblicas em questatildeo e se
existem ligaccedilotildees e sobreposiccedilotildees entre praacuteticas eou arranjos materiais dessas
organizaccedilotildees
221 Cidades Urbanas e Agriacutecolas
Precisamos entatildeo definir o que satildeo regiotildees agriacutecolas e regiotildees urbanas como
lugar no qual as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas Santos (1996) trouxe essa nova
tipologia de cidades agriacutecolas e urbanas porque as mudanccedilas econocircmicas impactaram
18
a organizaccedilatildeo do espaccedilo geograacutefico de tal forma que as atividades urbanas e rurais
existem em todas as regiotildees Assim natildeo haacute mais uma separaccedilatildeo em aacutereas rurais e
urbanas de acordo com distinccedilatildeo econocircmica sendo que o novo ldquocriteacuterio de distinccedilatildeo
seria devido muito mais ao tipo de relaccedilotildees realizadas sobre os respectivos
subespaccedilosrdquo (SANTOS 1996 p 67)
Segundo ele ldquonas regiotildees agriacutecolas eacute o campo que sobretudo comanda a
vida econocircmica e social do sistema urbano enquanto nas regiotildees urbanas satildeo as
atividades secundaacuterias e terciaacuterias que tecircm esse papelrdquo (SANTOS 1996 p 68)
Apesar dessa predominacircncia que permite a distinccedilatildeo existem nos dois tipos de
regiotildees cidades e zonas de atividade rural mas nas regiotildees agriacutecolas a cidade existe
para suprir as necessidades do campo e das pessoas que o habitam enquanto nas
regiotildees urbanas as zonas de atividade rural existem para suprir as necessidades das
cidades e as pessoas que a habitam (SANTOS 1996) Assim essa tipologia eacute
importante para definir os contextos das poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia jaacute que loacutegicas diferentes as constituem apontando praacuteticas e arranjos
materiais tambeacutem diversos
23 Gecircnero Machismo e Violecircncia de Gecircnero
As discussotildees sobre gecircnero na academia tecircm sido concentradas em uma
perspectiva discursiva que distingue completamente sexo de gecircnero colocando o
primeiro como parte de uma esfera bioloacutegica e o segundo como uma construccedilatildeo
social desvinculada da primeira (CAROLAN 2005) Nesse sentido Carolan (2005)
aponta um risco de gerar um reducionismo ao julgar gecircnero apenas como uma
construccedilatildeo social sem levar em consideraccedilatildeo os elementos extra-discursivos que
dialeticamente significam e ressignificam os papeis de gecircnero Segundo Carolan
(2005 p5)
Sociology has been correct to take care so as to not legitimate
ideologically-driven biological determinism and the socio-political
ramifications that accompany such proclamations My concern however is
19
that this apprehension toward determinism has become too one-sided With
all of our handringing about the dangers of ldquobringing nature back inrdquo to
sociological analyses due to its deterministic undertones we remain
incorrigibly blind to the other side of the coin to the appalling prospects of
an equally dangerous cagemdashcultural determinism In our rush to condemn the
fixed-biological we often (mistakenly) overly prescribe mutability and fluidity
to the socio-cultural We must thus stay vigilant to all prescriptions of
determinismmdashbiological and otherwisemdashwhile concomitantly remaining open
to the multidirectional causal potentials that constitute a stratified rooted
and emergent reality
Dessa forma eacute importante levar em conta tanto os niacuteveis discursivos quanto
extra-discursivos da construccedilatildeo de gecircnero dentro de uma estrutura social que dialoga
com esses elementos Assim os elementos extra-discursivos podem ser tanto
bioloacutegicos como apontados no trecho acima mas podem ser tambeacutem outras
materialidades que podem ser causa e efeito ao mesmo tempo da construccedilatildeo social
dos papeis de gecircnero como a desigual inserccedilatildeo no mercado de trabalho e os salaacuterios
desiguais para as mesmas posiccedilotildees Por exemplo se as mulheres tecircm menor inserccedilatildeo
no mercado de trabalho isso eacute fruto de uma construccedilatildeo social dos papeis de gecircnero
mas tambeacutem reforccedila os mesmos papeis em um jogo dialeacutetico porque as mulheres
ficam em uma posiccedilatildeo pouco empoderada acerca de como decidir a alocaccedilatildeo dos
recursos em casa e mais vulneraacuteveis para conseguir materialmente sair de casos de
violecircncia
Nesse contexto o machismo pode ser entendido como uma estrutura social
subjetiva construiacuteda a partir da existecircncia de gecircnero como uma classificaccedilatildeo criada
socialmente mas que alimenta e eacute alimentada por materialidades extra-discursivas O
machismo se configura entatildeo como algo abstrato que natildeo pode ser visto
materialmente Como coloca Sayer (1998 p 159-160)
()unobservable natural forces as well as structures of a language or
tules of a game can be and frequently are described and known Thus while
20
the unobservable wind can be known to be responsible for the flying hat or the
swirling leaves the rules of grammar facilitating the speech acts of some
group or the secret code used by children to send messages to each other
may each be quite unproblematically retroducible andor describable By
demonstrating the empirical adequacy of theories of gravitational and
magnetic fields social rules and relations structures of languages and so
forth these items can be known whether or not they can be directly observed
O machismo pode ser considerado como um item abstrato conforme
apresentado por Sayer (1998) que podem ser conhecidos mesmo que natildeo possam ser
observados diretamente Para fazer isso devemos tentar acessar a estrutura social
pelas suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-discursivas Especificamente
sobre as relaccedilotildees de gecircnero Sayer discorre sobre como podemos observaacute-la na
praacutetica (SAYER 1998 p160)
Even a single maintained hypothesis can be continually assessed by
examining the range of phenomena it bears upon In other words the
empirical adequacy of any hypothesis can be progressively checked-out by
deducing such implications as follow with regard to any domain for which
such implications hold and can in practice be observed Where it is argued
for example that gender relations in many societies are such that mechanisms
are reproduced which serve to discriminate against women in favout of men
this assessment can be checked out against detectable patterns occurring in
for example factories homes schools and universities and any other place
where the mechanism will conceivably reveal its effects
Podemos entatildeo acessar a estrutura social machista sobretudo atraveacutes de pelo
menos dois tipos de manifestaccedilotildees materiais ou seja as diferenccedilas objetivas como a
distribuiccedilatildeo de recursos e bens e subjetivas como se daacute a percepccedilatildeo da sociedade
sobre os papeis de gecircnero (GOMES 2014a) Corroborando Lorente (2015) tambeacutem
apresenta o machismo como uma estrutura social
21
Inequality is a construction based on the male design of society and
developed to determine the relationships within it It is neither an error nor an
uncontrolled drift It is a decision to establish a structure of power that
provides benefits and privileges to those in a superior position men and
denies rights and opportunities to those in an inferior position women
Violence against Women (VAW) is an instrument to maintain this structure
part of the tools to guarantee that it works () Violence against women is
different from other forms of violence due to its motivations goals
circumstances and meaning It is the only violence supported by social and
cultural ideas and the only one that is accepted and justified by part of
society (LORENTE 2015)
A violecircncia de gecircnero surge entatildeo como uma manifestaccedilatildeo dessa estrutura
social machista com implicaccedilotildees objetivas e subjetivas A violecircncia fiacutesica e
patrimonial podem ser entendidas como uma manifestaccedilatildeo material da estrutura
social enquanto outras violecircncias como a psicoloacutegica satildeo mais subjetivas e ligadas ao
asseacutedio moral (TRERJ 2013) uma forma de apreciaccedilatildeo negativa mais ligada ao
discurso poreacutem com implicaccedilotildees objetivas fortes como a proibiccedilatildeo da mulher de sair
de casa e trabalhar ou o desenvolvimento de doenccedilas psicoemocionais como
depressatildeo Aleacutem disso a violecircncia de gecircnero de todos os tipos estaacute permeada por
manifestaccedilotildees objetivas e subjetivas objetivas na vulnerabilidade em termos de
recursos materiais das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia e subjetivas na exposiccedilatildeo agrave
apreciaccedilatildeo da famiacutelia da comunidade e das instituiccedilotildees puacuteblicas para atender a essas
mulheres que muitas vezes reproduzem papeis tradicionais de gecircnero ligados agrave
estrutura social machista
Afim de compreendermos a estrutura social machista nos diferentes contextos
agriacutecola e urbano vamos nos apoiar metodologicamente no Realismo Criacutetico sobre a
qual nos debruccedilaremos na seccedilatildeo a seguir Esta metodologia nos permite acessar
aspectos da estrutura social atraveacutes de suas manifestaccedilotildees Assim poderemos
compreender melhor as dialeacuteticas entre estrutura social manifestaccedilotildees discursivas e
22
manifestaccedilotildees extra-discursivas e do discurso em accedilatildeo Dessa maneira pretendemos
informar a accedilatildeo do Estado para combater essa estrutura social machista sobretudo a
sua manifestaccedilatildeo enquanto violecircncia de gecircnero
23
3 Metodologia
A partir da revisatildeo da literatura entendemos que as poliacuteticas puacuteblicas e suas
estrateacutegias satildeo definidas e redefinidas em um processo de embate entre discursos e
significaccedilotildees Este processo estaacute inserido em um lugar que influencia e eacute influenciado
pela negociaccedilatildeo de sentidos Especialmente no que diz respeito agrave violecircncia contra a
mulher estamos examinando para uma estrutura social machista e procurando
entender como os contextos influenciam a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para aacutereas agriacutecolas e urbanas de acordo com as diferentes manifestaccedilotildees da
estrutura social nesses contextos Desta forma a pergunta de pesquisa que surge para
este trabalho eacute A estrutura social do machismo se manifesta da mesma maneira
nos contextos agriacutecola e urbano
Dela decorrem os seguintes objetivos secundaacuterios
a) Haacute ou natildeo diferenccedilas na manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em
termos de violecircncia de gecircnero nas zonas urbana e agraacuteria
b) Como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo impactadas e impactam a
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
Conforme discutiremos mais adiante nesse capiacutetulo e na seccedilatildeo 4 de anaacutelise
dos dados encontramos poucas evidecircncias de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas agraacuterias de Goiaacutes e Satildeo Paulo Entretanto este
silecircncio eacute um interessante achado de pesquisa pois foi possiacutevel compreender como a
ausecircncia dessas poliacuteticas impacta a vida das mulheres desse contexto Esta anaacutelise
fica mais evidente quando debruccedilamos sobre as poliacuteticas puacuteblicas disponiacuteveis para as
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em aacutereas urbanas e que ainda assim natildeo tecircm seus
direitos garantidos como iremos perceber na anaacutelise das entrevistas
31 Realismo Criacutetico e a violecircncia de gecircnero
Escolhemos e o Realismo Criacutetico como ontologia ou seja como teoria do
conhecimento cientiacutefico porque acreditamos que ele nos ajudaraacute a compreender
24
melhor como os contextos agraacuterio e urbano influenciam e satildeo influenciados na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mas tambeacutem por uma questatildeo normativa
Acreditamos na perspectiva ontoloacutegica do realismo criacutetico de que os seres humanos
satildeo agentes com capacidade accedilatildeo sobre a realidade e que tambeacutem satildeo produtores de
significados e tambeacutem na necessidade natildeo soacute de explicar o mundo mas de modificaacute-
lo
No entanto acrescenta-se agrave nossa existecircncia dialeacutetica enquanto seres humanos
com o mundo a noccedilatildeo de que este existe independentemente da nossa apreensatildeo
semioacutetica ou natildeo dele sendo este o principal ponto de divergecircncia do criacutetico realismo
em relaccedilatildeo ao construtivismo (BHASKAR 2012 FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Isto significa que a estrutura social eacute composta de loacutegicas agraves quais damos
sentidos e tambeacutem loacutegicas que natildeo apreendemos e interpretamos estando latentes
para essa interpretaccedilatildeo mas ainda assim influenciando e sendo influenciadas por
nossa accedilatildeo no mundo
O realismo criacutetico tambeacutem se enquadra nas nossas perspectivas de pesquisa
porque ele apresenta uma ontologia estratificada como uma estrateacutegia para evitar o
tradeoff entre agentes e estrutura (BHASKAR 2012) Isso porque o realismo criacutetico
coloca trecircs niacuteveis da vida social o real o atual e o empiacuterico que interagem entre si
dialeticamente (BHASKAR 2012) desde modo natildeo estamos lidando com uma
situaccedilatildeo em que a estrutura social define tudo nem que os agentes definem tudo
ambos satildeo relevantes e se influenciam mutuamente
Para melhor entendermos essas esferas vamos defini-las O real consiste na
esfera abstrata das estruturas sociais ou naturezas (FAIRCLOUGH 2010 GOMES
2014b) Esses integrantes do plano real satildeo objetos latentes ou seja que tecircm um
potencial Isso reforccedila a ideia de que mesmo estruturas semioacuteticas existem antes dos
atores (FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b BHASKAR 2012) A esfera do atual
eacute permeada pelas praacuteticas sociais ou seja o que acontece quando elementos do
mundo real satildeo ativados e produzem transformaccedilotildees ou reproduccedilotildees
(FAIRCLOUGH 2010 GOMES 2014b) Esse plano atual eacute o que faz a mediaccedilatildeo
entre o plano real e o plano empiacuterico que por sua vez consiste nos eventos sociais e
accedilotildees Ou seja o empiacuterico eacute uma parte dos outros planos que eacute experimentado
25
efetivamente por agentes (FAIRCLOUGH 2010)
Eacute importante ressaltar que o processo causal colocado pelo realismo criacutetico
natildeo eacute o mesmo que o positivismo empiacuterico defende isto eacute a identificaccedilatildeo de
regularidades entre causa e efeito Na verdade o processo causal seria o estudo do
que ativa os poderes latentes do real para produzir mudanccedila (FAIRCLOUGH 2010
BHASKAR 2012) Aleacutem disso quando e se esses poderes satildeo ativados os efeitos
dessa ativaccedilatildeo varia de acordo com o tempo e espaccedilo (FAIRCLOUGH 2010
GOMES 2014b)
Uma ontologia baseada no Realismo Criacutetico ressalta a importacircncia dos
discursos e tambeacutem eacute uma abordagem que busca natildeo soacute entender a realidade mas
modificaacute-la como abordamos anteriormente Mas quais as implicaccedilotildees para a anaacutelise
das poliacuteticas puacuteblicas
O processo das poliacuteticas puacuteblicas sobre o qual discorremos anteriormente eacute
perpassado em todas as etapas pelos discursos dos atores envolvidos tanto interna
quanto externamente ao processo Aleacutem disso as poliacuteticas puacuteblicas satildeo um meio de
mudar a realidade como proposto pelo Realismo Criacutetico
Como vimos a violecircncia de gecircnero eacute um termo que passou por diferentes
significaccedilotildees ao longo do tempo e diferentes atores envolvidos Por exemplo antes
era visto pela sociedade e apreendida pelo Estado como uma situaccedilatildeo da esfera
privada e se restringia agrave violecircncia fiacutesica e hoje em dia passou a ser visto pelo Estado
como um problema puacuteblico considerando diferentes formas de violecircncia contra a
mulher No primeiro periacuteodo o movimento feminista brasileiro natildeo era detentor do
discurso dominante e lutava para conseguir visibilidade ao tema isto eacute para que
fosse considerado como um problema puacuteblico Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo o
resultado do conflito entre discursos de diferentes atores e a significaccedilatildeo dada agraves
situaccedilotildees muda conforme o resultado desse conflito
Aleacutem disso podemos situar nosso referencial teoacuterico em termos da
estratificaccedilatildeo do Realismo Criacutetico A esfera do real no tema em questatildeo eacute permeada
pelas relaccedilotildees desiguais de poder entre gecircneros A esfera real pode ser acessada por
suas manifestaccedilotildees na esferas atual e empiacuterica
Na esfera do atual podemos pensar nas praacuteticas sociais que transformaram
26
uma situaccedilatildeo no caso a violecircncia contra as mulheres em problema puacuteblico passiacutevel
de intervenccedilatildeo via poliacuteticas puacuteblicas voltadas para lidar com a violecircncia de gecircnero
atraveacutes da sua inclusatildeo na agenda puacuteblica Isso pode ser visto pela dificuldade de se
tratar a violecircncia de gecircnero atraveacutes das instacircncias legais e juriacutedicas usuais Isto eacute
essas instacircncias tradicionais estavam permeadas por uma loacutegica machista que
precisava ser formalmente desfeita para poder comeccedilar a se abordar a questatildeo a partir
de outra perspectiva A violecircncia de gecircnero ter sido vista como uma questatildeo da esfera
domeacutestica e portanto privada tambeacutem faz parte desse machismo da esfera real que
precisou do aparato legal para caracterizaacute-la enquanto problema da esfera puacuteblica
Nesse sentido entra a importacircncia dos contextos urbano e agriacutecola dos territoacuterios
como elementos influenciadores e influenciados pelas poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia fornecendo um contexto sobre o qual os discursos
satildeo construiacutedos Certamente estes natildeo satildeo os uacutenicos lugares que influenciam os
discursos sobre a violecircncia de gecircnero e consequentemente as estrateacutegias para
combatecirc-lo (ie as poliacuteticas puacuteblicas)
Por fim a esfera do empiacuterico consiste no discurso em accedilatildeo por meio das
poliacuteticas puacuteblicas Um exemplo foi o conturbado processo de aprovaccedilatildeo da LMP
(MACIEL 2011) e tambeacutem as tentativas de provar sua inconstitucionalidade que
teve que ir ao STF pela AGU (MACIEL 2011) para conseguir ser aprovado
Tambeacutem a atual dificuldade de conseguir a aceitaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da LMP por
parte dos operadores juriacutedicos (MACIEL 2011) demonstra a penetraccedilatildeo do
machismo em nossa sociedade Como podemos ver pelo retrato das questotildees
anteriormente citadas ainda estamos lidando basicamente com violecircncia sexual
apesar da tipificaccedilatildeo abranger outros tipos de violecircncia como as psicoloacutegicas e
morais que ainda ocorrem cotidianamente e satildeo naturalizadas denunciando a forccedila
do machismo na esfera do real Enfim essa uacuteltima esfera assim como as demais e a
relaccedilatildeo entre elas poderatildeo ser melhor retratadas quando partirmos a anaacutelise da
pesquisa de campo em que teremos contato com os agentes
De acordo com o realismo criacutetico podemos pensar em problemas a partir de trecircs
domiacutenios o real o atual e o empiacuterico (FAIRCLOUGH 2010) No tema em questatildeo
a esfera do real pode ser entendida como a estrutura social do machismo isto eacute uma
27
desigualdade de gecircnero que estaacute latente no funcionamento da sociedade e acaba sendo
reforccedilada pelos domiacutenios do atual e do empiacuterico Nesse trabalho o domiacutenio do atual
seriam os discursos sobre a desigualdade de gecircnero e a violecircncia de gecircnero que satildeo
manifestaccedilotildees da estrutura social machista ou para reforccedilar essa estrutura ou para
tentar transformaacute-la Por fim o domiacutenio empiacuterico satildeo nesse caso as poliacuteticas e accedilotildees
puacuteblicas formuladas eou implementadas para combater a violecircncia contra a mulher
32 Anaacutelise Criacutetica de Discurso
Afim de buscarmos nosso objetivo que eacute entender as diferenccedilas entre
poliacuteticas puacuteblicas em contextos agriacutecola e urbano utilizaremos a metodologia da
ACD Segundo a ACD o discurso eacute ativo isto eacute que influencia tanto a percepccedilatildeo da
realidade quanto o comportamento de pessoas dentro de uma organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004) Eacute importante destacarmos a diferenccedila entre texto e discurso
Textos satildeo todas as peccedilas linguiacutesticas sejam escritas ou faladas Jaacute discursos satildeo
enunciados de locutores que utilizam textos para tentar exercer influecircncia sobre
terceiros (ALVES 2006) O conceito de discurso organizacional engloba duas
maneiras diferentes de olhar para o discurso conversas e diaacutelogos ou narrativas e
histoacuterias Quando se trata de conversas significa a troca de mensagens entre duas ou
mais pessoas que ao realizarem uma interconexatildeo temporal ou significativa entre
textos moldam outras conversas eou accedilotildees futuras E diaacutelogo seria a possibilidade de
gerar novos significados atraveacutes de momentos de questionamento do contiacutenuo de uma
conversa Jaacute as narrativas percebem a construccedilatildeo social do sentido sendo estas visotildees
de mundo construiacutedas pelo locutor e seus interlocutores As histoacuterias satildeo por sua vez
a reinterpretaccedilatildeo de fatos atraveacutes do olhar de cada locutor interlocutor
A anaacutelise discurso eacute uma ferramenta interessante para analisar poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que nos permite entender a poliacutetica atraveacutes das pessoas que
formulam eou implementam a poliacutetica Conhecendo as pessoas que fazem uma
poliacutetica puacuteblica acontecer e analisando suas conversas diaacutelogos e histoacuterias podemos
entender a significaccedilatildeo dada pelas pessoas dos processos que vivenciam Ou seja eacute
possiacutevel sair de um discurso formal para analisar quais satildeo as relaccedilotildees de poder no
28
acircmbito de uma poliacutetica puacuteblica e quais satildeo os sentidos dados para os temas
trabalhados que impedem ou proporcionam mudanccedilas materiais na evoluccedilatildeo de uma
poliacutetica puacuteblica
Algumas perspectivas epistemoloacutegicas satildeo possiacuteveis na anaacutelise de discurso
organizacional sendo as principais abordagens a positivista a construtivista e a poacutes-
modernista (PUTNAM et al 2004) e a criacutetico realista (FAIRCLOUGH 2010) Antes
de definir essas abordagens eacute importante diferenciarmos as perspectivas possiacuteveis
para a linguagem A ldquolinguagem em usordquo eacute aquela visatildeo que aborda o discurso como
tendo uma funccedilatildeo na criaccedilatildeo de uma ordem social no cotidiano da organizaccedilatildeo Seu
foco estaacute portanto na anaacutelise de discurso no momento presente da organizaccedilatildeo
(PUTNAM et al 2004 pg 9) Jaacute a abordagem da ldquolinguagem em contextordquo leva em
conta fatores histoacutericos e sociais que influenciam a produccedilatildeo disseminaccedilatildeo e
consumo de textos (PUTNAM et al 2004 pg 10) Ou seja leva em consideraccedilatildeo o
passado e os possiacuteveis efeitos futuros do discurso organizacional Dentro dessa
diferenciaccedilatildeo podemos esclarecer de onde derivam as diferentes abordagens
metodoloacutegicas A ldquolinguagem em usordquo eacute utilizada pelos positivistas e a ldquolinguagem
em contextordquo eacute a abordagem levada em consideraccedilatildeo pelos construtivistas (PUTNAM
et al 2004)
O pensamento positivista se preocupa em identificar padrotildees nas interaccedilotildees
discursivas Dessa maneira tratam o discurso como principal variaacutevel de anaacutelise e
natildeo acreditam que o discurso tenha caraacuteter poliacutetico Buscam entatildeo identificar uma
narrativa uacutenica ou um conjunto de significados compartilhados entre membros de
uma organizaccedilatildeo (PUTNAM et al 2004)
A abordagem construtivista por sua vez estuda como o discurso constitui e
reconstitui arranjos sociais dentro dos diferentes contextos das organizaccedilotildees Essa
perspectiva defende a natureza poliacutetica do discurso pela sua utilizaccedilatildeo para produzir
manter ou resistir a diferentes formas de poder Desse modo como afirma Gomes
(GOMES 2014b) o domiacutenio do discurso eacute em si um recurso de poder e faz parte da
luta pela hegemonia
Dentro do guarda-chuva da abordagem construtivista existe um ramo
chamado anaacutelise criacutetica do discurso cuja metodologia considera importante ambos os
29
tipos de linguagem sendo a ldquolinguagem em usordquo importante para identificar como
regras e estruturas em interaccedilotildees discursivas constituem identidades e levam agrave sua
institucionalizaccedilatildeo e a lsquolinguagem em contextorsquo importante para compreender os
diferentes significados para o mesmo texto dependendo do contexto em que o
discurso estaacute inserido A Anaacutelise Criacutetica do Discurso (ACD) enxerga as organizaccedilotildees
como sendo os locais onde ocorrem a luta entre os discursos pela dominaccedilatildeo sendo
que cada grupo luta para que seus interesses moldem exerccedilam eou resistam ao
controle social dentro da entidade Assim o foco dessa perspectiva eacute como o discurso
constitui e eacute constituiacutedo pelas praacuteticas sociais
Os poacutes-modernistas criticam a anaacutelise criacutetica do discurso uma vez que se
voltam novamente ao texto ou seja agrave lsquolinguagem em usorsquo e apontam para a
bipolaridade da anaacutelise criacutetica do discurso que exclui todos os discursos fora da
loacutegica de poder e resistecircncia Essa abordagem defende que os textos satildeo repletos de
metaacuteforas para organizar e representar uma gama de significados variados que
estariam marginalizados Para isso a desconstruccedilatildeo dos textos eacute a principal
ferramenta dessa perspectiva
Apesar da resistecircncia dos poacutes-modernistas agrave anaacutelise criacutetica do discurso
entendemos que essa metodologia eacute interessante para essa pesquisa uma vez que ela
nos permite entender os significados e a disputa de poder embutida nessas
significaccedilotildees Mas para aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso nos permite
compreender as consequecircncias materiais dessa disputa do poder (GOMES 2014b)
Aleacutem disso outro ponto interessante que diferencia a Anaacutelise Criacutetica do
Discurso eacute a incorporaccedilatildeo de trecircs niacuteveis de discurso micro meso e macro (OSWICK
PHILLIPS 2012) Assim o discurso estaacute dentro de uma situaccedilatildeo dentro de uma
instituiccedilatildeo e dentro da sociedade respectivamente (OSWICK PHILLIPS 2012) Em
outras palavras
Based on these three different levels undertaking CDA involves (i)
the examination of the language in use (the text dimension) (ii) the
identification of processes of textual production and consumption (the
discursive practice dimension) and (iii) the consideration of the institutional
30
factors surrounding the event and how they shape the discourse (the social
practice dimension) (OSWICK PHILLIPS 2012 p 457)
Nesse sentido a Anaacutelise Criacutetica do Discurso relaciona esses trecircs niacuteveis ao
mesmo tempo que incorpora uma visatildeo criacutetica do discurso homogecircneo Busca dessa
forma compreender seus fundamentos para interrogaacute-lo e gerar mudanccedila social
como veremos na proacutexima seccedilatildeo
A escolha da ACD se deve primeiramente porque acreditamos que a realidade
social natildeo pode ser vista com um olhar positivista tentando encontrar padrotildees nas
interaccedilotildees discursivas olhando tambeacutem somente para o discurso como variaacutevel
relevante na produccedilatildeo de significados Nesse trabalho queremos analisar a produccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nos contextos agraacuterio e
urbano natildeo buscando encontrar padrotildees em cada contexto mas para entender
qualitativamente como o contexto e o discurso se relacionam entre si para produzir
significados que influenciam nessa produccedilatildeo de poliacuteticas Portanto optamos por esse
olhar que inclui o contexto como fator essencial em conjunto com as interaccedilotildees
discursivas
A anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma perspectiva que considera as relaccedilotildees
dialeacuteticas de poder na criaccedilatildeo e significaccedilatildeo de discursos (GOMES 2014b) e que
pretende enxergar o mundo a partir de um olhar criacutetico do que ele deveriapoderia ser
olhando para os discursos e para as suas manifestaccedilotildees na praacutetica e em elementos
extra-discursivos como forma de refletir sobre uma estrutura social que natildeo
conseguimos materializar Ou seja ela eacute uma opccedilatildeo ontoloacutegica porque queremos
olhar para essa estrutura social criticamente no sentido de entendermos o que eacute e
tambeacutem projetar como poderia ser a partir do entendimento do porquecirc as poliacuteticas
puacuteblicas satildeo desenhadas e implementadas da maneira como satildeo nesses contextos
agraacuterio e urbano Isto eacute natildeo queremos ser relativistas e afirmar que entendendo a
relaccedilatildeo entre interaccedilotildees discursivas e os contextos diferentes as realidades satildeo
justificaacuteveis por si soacute pois olhamos normativamente para as poliacuteticas puacuteblicas em
especial aquelas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nessa pesquisa Isto eacute a
anaacutelise criacutetica do discurso pode ajudar a entender como o capitalismo neoliberal
31
impede em algumas medidas a emancipaccedilatildeo humana para entatildeo tentar informar
estrateacutegias de como mitigar ou acabar com essas limitaccedilotildees (FAIRCLOUGH 2010)
No contexto de poliacuteticas puacuteblicas sobre violecircncia contra a mulher seria o caso de
entender quais satildeo as manifestaccedilotildees da estrutura social machista para tentar informar
decisotildees de poliacuteticas puacuteblicas que possam efetivamente gerar mudanccedilas nessa
estrutura social
Assim a anaacutelise criacutetica do discurso eacute uma abordagem relacional ou seja seu
objeto natildeo eacute o discurso em si mas as relaccedilotildees sociais e as disputas de poder entre
essas relaccedilotildees em que o discurso eacute parte integrante pela produccedilatildeo reproduccedilatildeo e
transformaccedilatildeo de significados (FAIRCLOUGH 2010) Aleacutem disso sua perspectiva eacute
dialeacutetica no sentido que estuda as relaccedilotildees entre objetos que natildeo satildeo inteiramente
separaacuteveis ou seja suas naturezas satildeo parcialmente definidas pela relaccedilatildeo com o
outro Nesse sentido natildeo exclui a importacircncia dos elementos extra-discursivos
ressaltando seu caraacuteter transdisciplinar (FAIRCLOUGH 2010) O termo criacutetica
remete a uma abordagem normativa que aponta para a realidade como algo passiacutevel
de mudanccedila e nesse sentido busca estudar tanto o que existe quanto o que poderia
existir idealmente (FAIRCLOUGH 2010)
Deste modo para a anaacutelise criacutetica do discurso trecircs esferas satildeo importantes o
texto o discurso e o contexto social (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Essas
esferas interagem entre si conforme o esquema abaixo
Tabela 1 Diaacutelogo entre Diferentes Esferas na ACD
32
O sujeito locutor se encontra numa posiccedilatildeo social ou seja num lugar no
espaccedilo social em que ele possui um certo grau de agecircncia (PHILIPPS SEWELL
JAYNES 2008) A partir dessa posiccedilatildeo social o locutor fala ou escreve um texto que
se transforma em discurso no momento em que o locutor tenta mudar ou manter a
ordem social atraveacutes desse texto Esse discurso por sua vez produz conceitos que se
expressam na cultura refletindo sobre a maneira como ele e seus interlocutores
enxergam o mundo e se relacionam entre si Por fim esse discurso se transforma em
objeto quando se torna parte de uma ordem praacutetica (PHILIPPS SEWELLJAYNES
2008) sendo usado para fazer sentido das relaccedilotildees sociais e condiccedilotildees materiais do
contexto social voltando ao iniacutecio do ciclo
33A emancipaccedilatildeo como chave entre as esferas
A Anaacutelise Criacutetica do Discurso foi escolhida nesse trabalho pelo potencial de
emancipaccedilatildeo (FAIRCLOUGH 2010) que essa perspectiva epistemoloacutegica nos
permite uma vez que pretende analisar a estrutura social atraveacutes de suas
manifestaccedilotildees discursivas e extra-discursivas afim de informar maneiras de mudar a
estrutura social machista Para melhor entender como as esferas se relacionam no
ciclo do realismo criacutetico com a emancipaccedilatildeo dos cidadatildeos podemos fazer uso da
Texto
Discurso
Cultura
Objeto
Posiccedilatildeo Social
(Contexto)
Elaboraccedilatildeo proacutepria a partir de dados de PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008
33
noccedilatildeo de emancipaccedilatildeo de Zygmunt Bauman (BAUMAN 2001) Segundo o autor haacute
uma diferenccedila importante a ser ressaltada entre a liberdade de jure e a liberdade de
facto que ocorrem na modernidade
Bauman (2001) explica que na modernidade os indiviacuteduos natildeo tecircm sua
identidade ligada a instituiccedilotildees sociais ou princiacutepios universais No lugar disso hoje
haacute uma autoconstruccedilatildeo fluiacuteda das identidades isso significa que haacute uma valorizaccedilatildeo
das diferenccedilas e que a identidade eacute continuamente definida e redefinida pelos proacuteprios
indiviacuteduos
Nesse sentido parece que chegamos ao auge da liberdade humana
(BAUMAN 2001) poreacutem na verdade essa liberdade eacute tecircnue Isso porque houve um
esvaziamento das funccedilotildees do Estado em relaccedilatildeo agraves escolhas dos indiviacuteduos ou seja
cada um escolhe sua identidade e seu modo de vida e deve se responsabilizar por
essas escolhas (BAUMAN 2001) A consequecircncia disso eacute uma esfera puacuteblica
constituiacuteda por aglomeraccedilotildees de anseios individualizados mas que natildeo conseguem
afetar a agenda puacuteblica porque natildeo ultrapassam a barreira de demandas individuais
para uma demanda maior e comum (BAUMAN 2001)
Entatildeo as pessoas satildeo chamadas cada vez menos a buscar respostas para suas
demandas na sociedade e no Estado mas em si mesmas (BAUMAN 2001) e seu
fracasso ou sucesso tambeacutem eacute de sua inteira responsabilidade Entatildeo surge a
diferenciaccedilatildeo de Bauman quanto aos tipos diferentes de liberdade amenizando o auge
da liberdade que supostamente vivemos
Os indiviacuteduos tecircm liberdade de escolha e satildeo responsabilizados pelas mesmas
poreacutem natildeo encontram recursos praacuteticos para realizar suas escolhas (BAUMAN
2001) Daiacute a contraposiccedilatildeo entre liberdade de jure e liberdade de facto A primeira
corresponde agrave liberdade formal muitas vezes colocada em lei que os indiviacuteduos
teriam agrave sua disposiccedilatildeo Mas a liberdade de facto ou seja a realizaccedilatildeo dos seus
anseios e decisotildees natildeo ocorre muitas vezes porque faltam condiccedilotildees materiais para
que isso aconteccedila Nessa contradiccedilatildeo que a condiccedilatildeo de emancipaccedilatildeo dos indiviacuteduos
natildeo eacute atingida porque natildeo conseguem efetivar a autodeterminaccedilatildeo de seus destinos
Essa questatildeo da emancipaccedilatildeo se torna relevante quando discutimos o realismo
criacutetico porque no tema estudado existe essa contradiccedilatildeo entre o que eacute de jure que faz
34
parte da esfera atual e o de facto que estaacute na esfera empiacuterica das condiccedilotildees extra-
discursivas dos indiviacuteduos de saiacuterem de um problema no caso a violecircncia de gecircnero
34 A pesquisa de campo e a coleta de dados
Para darmos continuidade agrave pesquisa fizemos algumas visitas de campo A
coleta de dados qualitativos foi com base em um roteiro semiestruturado que se
encontra disponiacutevel nos anexos Antes de cada entrevista foi acordado com cada
entrevistado a o termo de consentimento para uso das mesmas tambeacutem em anexo As
conversas foram gravadas a partir do consentimento dos entrevistados e transcritas agrave
posteriori Depois selecionamos os trechos mais relevantes para a pesquisa e
organizamos segundo os temas mais recorrentes Em seguida organizamos esses
temas recorrentes de acordo com a estratificaccedilatildeo ontoloacutegica do realismo criacutetico
Dessa forma primeira etapa da coleta de dados foi realizada em Janeiro de
2015 em Goiaacutes Ateacute 2014 existia uma Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres e
Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEMIRA) Nessa secretaria havia e haacute ainda na nova
superintendecircncia haacute uma accedilatildeo da Secretaria Federal de Poliacuteticas para as Mulheres de
unidades moacuteveis para mulheres do campo e da floresta No caso de Goiaacutes consiste
em disponibilizar ocircnibus que iam de Goiacircnia para as cidades do interior com equipes
multidisciplinares para fazer palestras sobre violecircncia de gecircnero informar a
populaccedilatildeo e dar assistecircncia (meacutedica psicoloacutegica juriacutedica) agraves mulheres que
procurassem a equipe Nas eleiccedilotildees de 2014 Marconi foi reeleito governador de
Goiaacutes no entanto mudou a estrutura das suas secretarias dissolvendo a SEMIRA e
colocando a pasta das mulheres numa secretaria muito mais ampla a Secretaria da
Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do
Trabalho
A pesquisa de campo em Goiaacutes aconteceu em trecircs cidades Caldas Novas
Goiacircnia e Professor Jamil Os oacutergatildeos e entidades entrevistados em ordem
cronoloacutegica foram CREAS Secretaria Estadual da Mulher Desenvolvimento Social
Igualdade Racial Direitos Humanos e Trabalho Equipe de Unidades Moacuteveis
35
DEAM Centro Popular da Mulher Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica e Secretaria
Municipal da Mulher de Professor Jamil
Comeccedilamos a parte de campo da pesquisa em Caldas Novas cidade a 167
quilocircmetros de Goiacircnia com 70473 habitantes sendo da 2759 zona rural e 67714
da zona urbana (IBGE 2015) Caldas Novas natildeo possui um oacutergatildeo especiacutefico da
prefeitura para lidar com a violecircncia de gecircnero O uacutenico oacutergatildeo responsaacutevel por
receber as viacutetimas desse tipo de violecircncia eacute o CREAS que atende mulheres idosos
crianccedilas e adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
A seguir realizamos entrevistas na Secretaria da Mulher do Desenvolvimento
Social da Igualdade Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho em uma Delegacia
Especializada em Atendimento agrave Mulher e no Observatoacuterio de Seguranccedila Puacuteblica da
Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica de Goiaacutes Goiacircnia eacute a capital de Goiaacutes com
aproximadamente 1302001 habitantes em 2010 (IBGEb 2015) Desse nuacutemero
1297155 estavam em aacuterea urbana e 4846 na zona rural (IBGEb 2015)
Finalmente a uacuteltima entrevista de campo em Goiaacutes foi em Professor Jamil Eacute
uma cidade a 70 quilocircmetros de Goiacircnia com 3239 habitantes sendo 978 da zona
rural e 2261 da zona urbana (IBGEc 2015) A cidade foi indicada pela equipe de
unidades moacuteveis da Secretaria da Mulher do Desenvolvimento Social da Igualdade
Racial dos Direitos Humanos e do Trabalho pela lideranccedila forte na cidade
Aleacutem da pesquisa de campo em Goiaacutes a segunda parte do campo consistiu em
conhecer tambeacutem a situaccedilatildeo de Satildeo Paulo Primeiramente buscamos informaccedilotildees
sobre as poliacuteticas puacuteblicas existentes para combater a violecircncia de gecircnero na esfera do
governo estadual de Satildeo Paulo Foi muito dificultosa essa busca uma vez que natildeo haacute
secretaria especiacutefica e mesmo em sites de busca encontramos escassas referecircncias
como o Hospital Peacuterola Byington como accedilatildeo puacuteblica destinada a esse puacuteblico
especiacutefico Depois de muitas pesquisas encontramos no site da Secretaria de Justiccedila e
Defesa da Cidadania uma Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas para a Mulher (SAtildeO PAULO
2015) Achamos simboacutelico essa coordenaccedilatildeo aleacutem de ser pouco visiacutevel estar listada
em uacuteltimo lugar na lista de coordenaccedilotildees da secretaria e contar apenas com duas
pessoas em sua equipe
36
Infelizmente natildeo foi possiacutevel realizarmos entrevista com ningueacutem da equipe
do Peacuterola Byington pois devido a uma reforma do local a equipe natildeo aceitou nos
receber para uma entrevista Apesar disso tentamos em trecircs tentativas explicar que o
nosso foco era uma conversa com algueacutem da equipe e natildeo necessariamente conhecer
a estrutura fiacutesica Mesmo assim ningueacutem se disponibilizou a conceder uma entrevista
para a pesquisa
No mais conseguimos trecircs entrevistas em Satildeo Paulo com a coordenadora de
uma subsecretaria de poliacuteticas para as mulheres com uma delegada de uma Delegacia
Da Mulher (DDM) da Grande Satildeo Paulo e com uma representante do Nuacutecleo
Especializado de Promoccedilatildeo dos Direitos da Mulher (NUDEM) Como surgiu em Satildeo
Paulo a necessidade de manter anonimato de alguns entrevistados optamos por
manter a uniformidade da pesquisa e natildeo identificar nenhum dos entrevistados Tendo
em vista que foram bastante entrevistados decidimos adotar nomes fictiacutecios para os
mesmos a fim de situar melhor o leitor em relaccedilatildeo agraves citaccedilotildees presentes na anaacutelise
dos discursos
Tambeacutem com o intuito de facilitar a leitura codificamos com cores a partir
das caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo em que o entrevistado trabalha Sendo assim a cor
azul se refere a profissionais de assistecircncia social mais geral isto eacute sem foco para o
Tabela 2 Quadro de Entrevistados
Fonte Autoria proacutepria
37
atendimento a mulheres Por sua vez a cor roxa eacute para sinalizar os entrevistados que
trabalham no primeiro ou terceiro setor em organizaccedilotildees voltadas especificamente
para mulheres em um sentido amplo O laranja eacute para organizaccedilotildees policiais e por
fim o verde representa as instacircncias do poder judiciaacuterio especiacuteficas para mulheres
38
4 A Anaacutelise
41 As poliacuteticas puacuteblicas de violecircncia de gecircnero no Brasil
Por traacutes desses nuacutemeros preocupantes haacute uma construccedilatildeo de sentidos sobre o
eacute violecircncia contra a mulher suas causas consequecircncias e qual o desenho adequado
das poliacuteticas puacuteblicas O tema definitivamente entrou na agenda puacuteblica brasileira
somente no final dos anos setenta com o aumento do nuacutemero de assassinatos de
mulheres de classe meacutedia e a visibilidade dada agrave questatildeo pela miacutedia e autoridades
(BANDEIRA 2014) o que natildeo implica que os sentidos da violecircncia contra mulher
natildeo estejam em constante negociaccedilatildeo Nessa mesma eacutepoca a violecircncia contra a
mulher se transformou na principal bandeira do movimento feminista brasileiro
(BANDEIRA 2014) Bandeira (2014) relata que a partir disso e com a abertura
democraacutetica a sociedade civil se aliou agrave academia para pressionar politicamente em
prol de uma resposta do Estado a esse problema Podemos perceber que a violecircncia
de gecircnero nesse periacuteodo era entendida como violecircncia sexual sobretudo cometida por
maridos e ex-companheiros
A primeira mudanccedila foi a transformaccedilatildeo dos ldquocrimes de violecircncia sexual
como crimes contra a pessoa natildeo mais contra os costumesrdquo (BANDEIRA 2014 pg
452) Logo em seguida 1985 foram criadas delegacias proacuteprias para esse problema
as Delegacias Especiais de Atendimento agraves Mulheres com a visatildeo de era necessaacuterio
endereccedilar o problema das mortes das mulheres com um olhar feminino com maior
prioridade do que a violecircncia mais ampla sofrida no dia-a-dia pelas mulheres Essa
medida deu visibilidade agrave violecircncia sobretudo pelo criaccedilatildeo de um canal que
possibilitou o aumento de denuacutencias por parte das viacutetimas
Nos anos noventa comeccedilaram as accedilotildees de Casas de Abrigo para receber
mulher em risco de vida hoje contando com 80 espalhadas pelo paiacutes (BANDEIRA
2014) Apesar de o novo contexto poliacutetico de redemocratizaccedilatildeo nesse periacuteodo ter
aberto ldquonovos canais institucionais e estruturas de alianccedilas ineacuteditos para o movimento
feminista brasileirordquo (MACIEL 2011 p97) houve um retrocesso em termos de
poliacuteticas puacuteblicas para combater agrave violecircncia de gecircnero A mesma foi enquadrada na
39
Lei nordm 909995 que discorre sobre o julgamento de crimes de ldquomenor potencial
ofensivordquo (BANDEIRA 2014) e portanto busca a conciliaccedilatildeo das partes e prevecirc
uma pena de no maacuteximo dois anos de reclusatildeo (BANDEIRA 2014) Nesse mesmo
ano foram criados os Juizados Especiais Criminais que ldquose tornaram rapidamente o
escoadouro de denuacutencias de agressotildees contra a mulher nos acircmbitos domeacutestico e
familiarrdquo (MACIEL 2011 p103) mas operando em uma loacutegica de impunidade dos
agressores e desatenccedilatildeo agraves viacutetimas Bandeira (2014) ressalta a opiniatildeo generalizada
dos operadores juriacutedicos de que era desnecessaacuterio criar uma lei especiacutefica para tratar
da violecircncia de gecircnero (BANDEIRA 2014)
Esse cenaacuterio mudou principalmente pela pressatildeo internacional uma vez que o
Brasil assinou compromissos com tratados e convenccedilotildees internacionais de Direitos
Humanos que tratavam da violecircncia de gecircnero de maneira ampla (BANDEIRA
2014) Isto eacute o Brasil foi movido a ressignificar a violecircncia de gecircnero incluindo
tambeacutem a violecircncia psicoloacutegica e moral como parte desse quadro caracterizando a
violecircncia de gecircnero como violaccedilatildeo dos direitos humanos (MACIEL 2011) e servindo
de base para a criaccedilatildeo da Lei Maria da Penha (BANDEIRA 2014) Segundo
Bandeira (2014) essa lei significou uma ldquonova forma de administraccedilatildeo legal dos
conflitos interpessoais embora ainda natildeo seja de pleno acolhimento pelos operadores
juriacutedicosrdquo (BANDEIRA 2014)
Essa lei trouxe pela primeira vez o reconhecimento da mulher como parte
lesada nos casos de violecircncia de gecircnero e a obrigaccedilatildeo de o Estado responder a esse
crime natildeo atraveacutes de mediaccedilatildeo de conflitos no acircmbito privado mas de garantias de
direitos no acircmbito puacuteblico agraves viacutetimas O projeto inicial foi feito pela CFMEA e
entregue agrave Secretaria Especial de Poliacuteticas para Mulheres em 2004 que depois o
encaminhou para o Legislativo (MACIEL 2011) Esse primeiro projeto natildeo tratava
da retirada de competecircncia dos Juizados Especiais Criminais para tratar de violecircncia
de gecircnero e natildeo estabelecia a criaccedilatildeo de outra instacircncia juriacutedica especiacutefica para tratar
da mesma (MACIEL 2011) Nesse meio tempo em 2003 o Executivo Federal
sancionou por meio da Lei n107782003 a obrigatoriedade de notificaccedilatildeo por toda a
rede de sauacutede puacuteblica e privada de todos os casos de violecircncia contra a mulher
(BANDEIRA 2014) No ano seguinte em 2004 lanccedilado o primeiro Plano Nacional
40
de Poliacuteticas Puacuteblicas para as Mulheres (MACIEL 2011) Ainda antes da aprovaccedilatildeo
da Lei Maria da Penha em 2005 foi implementado o Ligue 180 pela SPM que
encaminhava as denuacutencias para a Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica ou para o
Ministeacuterio Puacuteblico (BANDEIRA 2014) Somente em 2006 foi aprovada LMP no
contexto relatado por Maciel
O calendaacuterio das eleiccedilotildees presidenciais e legislativas foi decisiva para
ampliar a capacidade de pressatildeo poliacutetica o movimento conseguiu a
aprovaccedilatildeo nas duas casas legislativas do substituto o Projeto de Lei n
372006 que afastava formalmente a competecircncia dos Juizados para o
tratamento dos processos oriundos de violecircncia domeacutestica (MACIEL 2011
p103)
A Lei Maria da Penha trata violecircncia de gecircnero como problema puacuteblico a
garantia dos direitos fundamentais e ldquotodas as oportunidades e facilidades para viver
sem violecircncia preservar a sauacutede fiacutesica e mental e o aperfeiccediloamento moral
intelectual e social assim como as condiccedilotildees para o exerciacutecio efetivo dos direitos agrave
vida agrave seguranccedila e agrave sauacutederdquo (MENEGHEL 2013 p692)
A Lei Maria da Penha foi um marco no histoacuterico do tratamento do Estado agrave
violecircncia de gecircnero pois foi pioneira na tipificaccedilatildeo da violecircncia Como coloca
Meneghel
A Lei Maria da Penha tipificou a violecircncia denominando-a violecircncia
domestica e a definiu como qualquer accedilatildeo ou omissatildeo baseada no gecircnero que
cause morte lesatildeo sofrimento fiacutesico sexual psicoloacutegico e dano moral ou
patrimonial agraves mulheres ocorrida em qualquer relaccedilatildeo iacutentima de afeto na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida
independentemente de coabitaccedilatildeo (MENEGHEL 2013 p693)
Depois de aprovada a lei no entanto o movimento feminista brasileiro se
deparou com uma nova agenda a de garantir a efetividade da implementaccedilatildeo da Lei
41
Maria da Penha Nesse sentido foi criado em 2007 pela alianccedila entre organizaccedilotildees
de mulheres e nuacutecleos universitaacuterios o Observatoacuterio Nacional de Implementaccedilatildeo e
Aplicaccedilatildeo da Lei Maria da Penha ldquopara produzir analisar e divulgar informaccedilotildees
sobre a aplicaccedilatildeo da Lei pelas delegacias Ministeacuterio Puacuteblico Defensoria Puacuteblica
poderes Judiciaacuterio e Executivo e redes de atendimento agrave mulherrdquo (MACIEL 2011
p104) No mesmo ano o Programa Nacional ade Seguranccedila Puacuteblica com Cidadania
do governo federal colocou como objetivo a criaccedilatildeo de Juizados de Violecircncia
Domeacutestica e Familiar (MACIEL 2011) Esse plano incluiacutea tambeacutem a necessidade de
capacitaccedilatildeo especiacutefica de agentes puacuteblicos para lidar com essas viacutetimas (MACIEL
2011) Jaacute em 2008 a ldquoCampanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violecircncia contra
as Mulheresrdquo foi realizada em parceria com a SPM e teve ampla adesatildeo da esfera
puacuteblica estatal e natildeo estatal nacional e internacional (MACIEL 2011)
Ou seja a accedilatildeo coletiva do movimento feminista brasileiro pressionou
primeiramente o poder Legislativo para incluir na agenda de poliacuteticas puacuteblicas o
problema da violecircncia de gecircnero Depois da vitoacuteria da aprovaccedilatildeo da Lei Maria da
Penha comeccedilou a pressionar os poderes Executivo e Judiciaacuterio para garantir que a
mesma fosse efetiva
42 Contextualizaccedilatildeo da Anaacutelise
O objetivo desse trabalho eacute compreender os diferentes sentidos dados agrave violecircncia
de gecircnero nos contextos urbano e agriacutecola Para entendermos melhor esse objetivo e
como iremos trabalhar para atingi-lo eacute necessaacuterio explicitar como ele estaacute
relacionado aos diferentes domiacutenios do Realismo Criacutetico (vide seccedilatildeo da metodologia
em que delimitamos esses domiacutenios e mostramos como se relacionam entre si) O
nosso foco nas evidecircncias de cada domiacutenio especificamente no tema de violecircncia de
gecircnero vai nos ajudar a analisar em seguida os dados coletados na pesquisa jaacute que
essas evidecircncias satildeo a ponte para a compreensatildeo dos domiacutenios abstratos
42
Domiacutenio Evidecircncias
Real Machismo
Atual Discursos sobre desigualdade de gecircnero e
violecircncia de gecircnero
Empiacuterico Poliacuteticas e accedilotildees puacuteblicas
Elementos extra-discursivos
Entatildeo precisamos entender quais os sentidos atribuiacutedos pelos entrevistados agrave
violecircncia de gecircnero Isso eacute relevante porque os sentidos atribuiacutedos delimitam a
compreensatildeo do problema no caso a violecircncia de gecircnero A maneira como o
problema eacute compreendido afeta quais os tipos de poliacuteticas puacuteblicas construiacutedas ou a
ausecircncia delas Essas poliacuteticas puacuteblicas por sua vez podem alterar a estrutura social
ou reforccedilar a mesma voltando para o domiacutenio do real Aleacutem disso essas poliacuteticas
puacuteblicas satildeo afetadas pelos elementos extra-discursivos como orccedilamento estrutura
fiacutesica e recursos humanos que por sua vez podem ser tanto causados por ou
causadores da estrutura social machista Ou seja podemos pensar que os locus de
formulaccedilatildeo eou implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia satildeo esvaziadas de recursos como consequecircncia da falta de importacircncia dada
ao problema devido agrave estrutura social machista que permanece mas ao mesmo tempo
como instrumento de manutenccedilatildeo dessa mesma estrutura
Tambeacutem eacute interessante retomarmos as caracteriacutesticas da Anaacutelise Criacutetica do
Discurso para relacionaacute-las agraves entrevistas realizadas Primeiramente realismo criacutetico
eacute relacional (FAIRCLOUGH 2010) o que no caso significa que a estrutura social do
machismo os discursos sobre desigualdade de gecircnero e violecircncia de gecircnero e os
elementos extra-discursivos natildeo podem ser analisados separadamente Isto se deve ao
fato de que cada elemento interage com os demais sendo afetado e afetando-os
mutuamente Entatildeo natildeo podemos falar em machismo sem justificar sua existecircncia
Tabela 3 Os Domiacutenios do Realismo Criacutetico e suas Evidecircncias
Fonte Autoria proacutepria
43
enquanto estrutura social via suas manifestaccedilotildees tanto discursivas quanto extra-
discursivas Mas tambeacutem natildeo podemos pensar nessas manifestaccedilotildees sem entender a
relaccedilatildeo delas com a estrutura social que pode ser geradora eou influenciada pelos
discursos e elementos extra-discursivos
Aleacutem disso a anaacutelise criacutetica do discurso eacute dialeacutetica (FAIRCLOUGH 2010) Isso
significa que o machismo e a violecircncia de gecircnero natildeo podem ser analisados como
uma relaccedilatildeo causal uacutenica por exemplo a estrutura social machismo gera a violecircncia
de gecircnero No caso a estrutura social machista tem como uma das suas
consequecircncias manifestaccedilotildees como a violecircncia de gecircnero mas esta violecircncia atua
reproduzindo a estrutura social machista ou entatildeo transformando a mesma
Para entender melhor as entrevistas realizadas agrave luz da ontologia do realismo
criacutetico dividimos a anaacutelise da pesquisa em duas partes principais as manifestaccedilotildees
discursivas da estrutura social e suas manifestaccedilotildees extra-discursivas Na primeira
seccedilatildeo iremos partir do plano geral das manifestaccedilotildees do machismo e em seguida focar
na manifestaccedilatildeo especiacutefica de violecircncia de gecircnero E na segunda parte iremos
descrever e analisar questotildees de recursos humanos fiacutesicos e orccedilamentaacuterios
43 Manifestaccedilotildees discursivas da estrutura social
Durante a pesquisa encontramos evidecircncias de diferentes sentidos dados
pelos atores sobre desigualdade de gecircnero Mesmo com suas diferenccedilas a principal
referecircncia dos entrevistados eacute a cultura de que o mundo em geral eacute machista e o
Brasil o eacute com mais intensidade
Percebemos que a desigualdade entre os gecircneros envolve discursos que
acabam encontrando entraves durante as falas dos entrevistados Por exemplo
segundo Faacutebio a mulher eacute vista pela sociedade como sexo fraacutegil apesar ser na praacutetica
mais forte porque ldquose um homem pega uma gripe ele cai na cama e natildeo levanta pra
nada a mulher taacute de gripe ela taacute limpando casa taacute lavando vasilha taacute fazendo
almoccedilordquo Ele comeccedila o seu discurso preocupado com a visatildeo da sociedade de que a
mulher eacute um sexo fraacutegil e inferior ao homem demonstrando um discurso contraacuterio agrave
estrutura social machista No entanto ele muda seu discurso no meio da frase
44
justificando sua posiccedilatildeo contraacuteria a essa estrutura com exemplos de atividades
colocadas pela estrutura social machista como atividades de mulher limpar lavar
cozinhar
Luiz reforccedilou sua crenccedila no que seria a igualdade de gecircnero a ser perseguida
diante do discurso de Faacutebio
Natildeo significa vocecirc ser submisso vocecirc saber como deve ser conduzida
uma relaccedilatildeo um casamento Eacute questatildeo de respeito mesmo O significado forte
da famiacutelia o que significa famiacutelia Ou qual eacute a figura do pai qual eacute a figura
da matildee O que eacute a figura do homem dentro da sociedade o que eacute a figura da
mulher dentro da sociedade Entatildeo trabalhar essa questatildeo da igualdade eacute
muito difiacutecil porque a gente natildeo pode confundir com certas libertinagens E
tem mulheres hoje mal instruiacutedas que natildeo tecircm uma instruccedilatildeo pra que isso
aconteccedila
Nesse discurso Luiz reforccedila as figuras do homem e da mulher da estrutura
social machista pois atribui um sentido normativo agrave ideia de relaccedilatildeo casamento e
famiacutelia isto eacute coloca como sendo relaccedilotildees positivas onde existem claramente os
papeis da mulher e do homem e consequentemente coloca como relaccedilotildees negativas
relaccedilotildees que natildeo seguem esse padratildeo estabelecido socialmente Seu discurso
evidecircncia o machismo da esfera real podemos dizer que aqui se manifesta
inconscientemente quando afirma que a igualdade entre os gecircneros eacute ameaccedilada por
ldquolibertinagensrdquo que segundo ele decorrem de uma falha da mulher por falta de
ldquoinstruccedilatildeordquo de cumprir seu papel enquanto ldquofigura de mulherrdquo dentro de uma
relaccedilatildeo Nesse sentido tambeacutem haacute evidecircncias de que o sentido construiacutedo por ele de
um relacionamento eacute heteronormativo em que necessariamente deve haver a ldquofigura
do homemrdquo e a ldquofigura da mulherrdquo o que faz parte tambeacutem da estrutura social
machista
Esse reforccedilo dos papeis sociais desiguais seria explicado segundo Roberta
pela educaccedilatildeo sexista que ainda existe no Brasil em que homens e mulheres satildeo
educados diferentemente pelas famiacutelias e pelas escolas Ela explica que ldquogeralmente
45
os brinquedos que aguccedilam a criatividade da crianccedila satildeo masculinos a menina ainda
brinca com boneca com panelinha enfim com as lides domeacutesticasrdquo
Aleacutem disso outro fator apontado como importante para a desigualdade entre
os gecircneros eacute o arcabouccedilo juriacutedico que historicamente privilegiou os homens porque
segundo a Talita ldquonoacutes temos um paiacutes muito marcado pelo machismo nossa lei que
trata especificamente sobre o assunto eacute ainda muito jovem noacutes nos deparamos com
muitas injusticcedilas antes da existecircncia da Lei Maria da Penha ateacute algumas deacutecadas
atraacutes a mulher sequer votavardquo
Em contraposiccedilatildeo Ana Paula contou uma anedota para justificar que as
causas da desigualdade de gecircnero vatildeo aleacutem de leis
Aiacute eu chamei uma amiga a faxineira uma pessoa muito humilde
terceirizada () e aiacute eu perguntei lsquofulana vocecirc tem relaccedilatildeo com o seu
marido quandorsquo Aiacute ela ficou sem graccedila ela disse aiacute doutora E eu lsquoDiz pra
eles quandorsquo lsquoQuando ele querrsquo E aiacute eu acho que haacute um tempo longo entre a
cultura e a lei
A cultura nessa fala pode ser vista como parte da esfera atual em que os seres
humanos ativam as estruturas do domiacutenio real construindo sentidos a partir delas
Nesse caso o domiacutenio do real eacute a estrutura social machista que eacute ativada por meio da
cultura nesse caso citado por Ana Paula com evidecircncias de elementos de
sexualidade que influenciam e satildeo influenciados pela estrutura social desigual entre
homens e mulheres Jaacute a lei agrave qual Ana Paula se refere a Lei Maria da Penha faz
parte do domiacutenio do empiacuterico ou seja uma legislaccedilatildeo fruto de eventos e accedilotildees da
sociedade Quando a entrevistada diz que ldquohaacute um tempo longo entre a cultura e a
leirdquo ela mostra evidecircncias de que o domiacutenio do empiacuterico pode trazer inovaccedilotildees
como a Lei Maria da Penha Poreacutem isso natildeo significa que a lei necessariamente
revolucione a estrutura social como a cultura que nesse caso que continua
reproduzindo um comportamento sexual machista em que o homem determina
quando quer ter relaccedilotildees sexuais e a mulher natildeo tem voz
Na pesquisa surgiram dois sentidos dados agrave maneira como o machismo se
46
manifesta na sociedade relativos ao grau de instruccedilatildeo e agrave estrutura econocircmica O
primeiro foi reforccedilada pelos funcionaacuterios do CREAS visitado por Talita e por Rafael
Segundo os entrevistados quanto mais educaccedilatildeo e mais informaccedilatildeo chegam ateacute as
pessoas menos machistas elas satildeo Rafael afirmou que a falta de instruccedilatildeo das
mulheres da aacuterea rural decorrente de uma menor escolaridade e maior isolamento
seriam geradoras de uma subnotificaccedilatildeo de casos de violecircncia (vide seccedilatildeo 2) na zona
agraacuteria Ele conta que essa subnotificaccedilatildeo ldquoeacute incentivada primeiro no meu ponto de
vista pela questatildeo cultural da proacutepria mulher natildeo procurar que ela eacute mais
desprovida de informaccedilatildeo e tudo maisrdquo Consequentemente a diferenccedila nas
manifestaccedilotildees do machismo nas aacutereas rural e urbana seria a intensidade porque
segundo estes entrevistados a aacuterea rural teria um vatildeo de instruccedilatildeo e informaccedilatildeo
recebida em relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana
Aqui temos dois elementos da esfera real dialogando entre si O grau de instruccedilatildeo
estaacute relacionado agrave estrutura social diferente entre aacutereas agraacuterias e urbanas E a
estrutura social machista tambeacutem se localiza no plano real como mencionamos
anteriormente Assim uma desigualdade estrutural de instruccedilatildeo agravaria uma outra
desigualdade de gecircnero no caso justificando elementos discursivos (atual) e extra-
discursivos (empiacuterico) que reforccedilam uma dupla desigualdade evidenciando uma
minoria dentro das minoria das mulheres as mulheres da zona agraacuteria
Por outro lado Laura e Roberta afirmaram a importacircncia das estruturas
econocircmicas na manifestaccedilatildeo do machismo Roberta colocou a questatildeo da composiccedilatildeo
da renda familiar porque ldquona aacuterea rural o homem continua sendo chefe de famiacutelia
mesmo que a legislaccedilatildeo tenha mudadordquo Aleacutem disso ela afirma que a estrutura do
trabalho do campo que eacute direcionada pelo homem aumenta seu poder na relaccedilatildeo
com a mulher Segundo Laura esse poder seria explicitado na maneira mais aberta de
o machismo se manifestar na aacuterea rural Segundo ela ldquoo cara diz lsquoeu natildeo querorsquo
lsquovocecirc natildeo vairsquo lsquoassim natildeo podersquo lsquoporque eu sou homemrsquo lsquoeu que faccedilo issorsquo lsquoessa eacute
a sua tarefarsquo isso (o machismo) eacute claro no mundo rural existe uma abertura maior
para se dizerrdquo
Outras evidecircncias da manifestaccedilatildeo do machismo na divisatildeo das tarefas
domeacutesticas e na proacutepria convivecircncia com a famiacutelia esteve presente no discurso da
47
Ana Paula Segundo ela a mulher tem na nossa sociedade a responsabilidade com a
casa e com a famiacutelia enquanto o homem fica mais livre dessas obrigaccedilotildees Um
exemplo que ela apresenta eacute ldquoateacute no meu bairro eu me irrito porque os homens vatildeo
beber no bar como que os homens vatildeo beber no bar e as mulheres tatildeo em casa
lavando passando cozinhando cuidando dos filhos no saacutebadordquo
Vitoacuteria mostrou que na aacuterea urbana a manifestaccedilatildeo do machismo estaacute
relacionada agrave sexualidade da mulher porque segundo ela as outras desigualdades de
gecircnero seriam dadas como conquistadas apesar de natildeo o serem efetivamente Por isso
ela afirma que ldquo(o machismo) fica essa coisa escondida escamoteadardquo O sentido
dado por Vitoacuteria ao falar de machismo ldquoescondidordquo nos remete ao domiacutenio do real
Isto eacute na aacuterea urbana avanccedilos foram sido logrados como a entrada da mulher no
mercado de trabalho gerando maior independecircncia financeira aumento gradual da
participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres dentre outros Contudo essas mudanccedilas estatildeo no
campo do atual e do empiacuterico mas natildeo foram suficientes para mudar a esfera do real
levando agrave permanecircncia da estrutura social machista Ou seja o machismo permanece
ldquoescondidordquo em partes da vida social como na sexualidade da mulher que acabam
reforccedilando uma relaccedilatildeo desigual com a mulher colocada em situaccedilatildeo inferior ao
homem
Depois de um olhar mais geral para as manifestaccedilotildees do machismo agraves quais os
entrevistados deram sentidos olhamos mais especificamente nas entrevistas uma de
suas manifestaccedilotildees a violecircncia de gecircnero que perpassa pelos vaacuterios tipos de
violecircncia descritos na Lei Maria da Penha Na conversa com a equipe do CREAS
nos foi relatado que quase natildeo chegam queixas da zona agraacuteria mas a conclusatildeo da
equipe eacute de que a violecircncia na zona agraacuteria eacute mais psicoloacutegica do que fiacutesica Essa
conclusatildeo se baseia no seguinte discurso construiacutedo pela equipe
Entatildeo ela vem na cidade ela faz a compra ela vem matricular os
filhos na escola e soacute volta no outro ano E ela estaacute ali a alegria dela Agraves vezes
a gente percebe quando a gente atende uma mulher do campo ela sempre
traz uma manga uma fruta que ela que colhe E isso faz com que ela fique
realmente responsaacutevel pelos filhos pela casa por algumas coisas ali que
48
beneficiam muito o homem Por isso que a violecircncia fiacutesica natildeo acontece
Porque para acontecer a violecircncia fiacutesica precisa de muita ira E ela natildeo estaacute
vendo o que estaacute acontecendo aqui na cidade Quando o marido vem entregar
o leite se ele daacute um litro de leite para uma menininha ali Se ele tem um
casinho ali ou outro ali vocecirc entendeu Ele fica mais solto Ele eacute
responsaacutevel por suprir toda a necessidade ali da zona rural mas ela fica ali
cuidando de tudo
Nessa fala temos evidecircncias de que a construccedilatildeo de sentidos sobre as causas
da violecircncia de gecircnero acabam voltando para a estrutura social machista e colocando
a mulher como culpada pela situaccedilatildeo Isso porque o discurso coloca a ira como causa
da violecircncia fiacutesica e depois a ira como algo gerado pela insatisfaccedilatildeo da mulher com
os comportamentos do homem Assim a fala comeccedila com um tom normativo
positivo de que a mulher eacute feliz no campo e de que na aacuterea rural a violecircncia fiacutesica
natildeo ocorre mas depois acaba culpabilizando as mulheres da aacuterea urbana pela
violecircncia fiacutesica que ocorre na cidade porque se ocorre eacute em decorrecircncia de seus
comportamentos que geram a ira no homem
Segundo a Roberta as mulheres da zona rural sofrem um tipo de violecircncia que
eacute menos comum na aacuterea urbana a violecircncia patrimonial Isso ocorre porque apesar
de a mulher trabalhar no campo com a produccedilatildeo de alimentos e tarefas domeacutesticas
ela natildeo tem remuneraccedilatildeo pelo trabalho realizado e o homem acaba sendo quem tem
posse do patrimocircnio da famiacutelia e quem decide todos os gastos
Vitoacuteria por outro lado tem outro discurso
()violecircncia de gecircnero eacute violecircncia de gecircnero em todos os lugares
Mas assim eacute que eu acho que eacute difiacutecil de falar mas acho que natildeo acho que
assim (pausa) talvez uma outra questatildeo diferente talvez na aacuterea rural vocecirc
tenha mais essa questatildeo da concretude da questatildeo da localidade a violecircncia
ser fiacutesica domeacutestica natildeo eacute uma coisa tatildeo refinada quanto na aacuterea urbana
que hoje vocecirc vecirc violecircncias na internet vocecirc tem tecnologia para usar para
isso
49
Podemos entatildeo depreender que as diferenccedilas em termos da violecircncia de
gecircnero nas zonas rurais e urbanas satildeo ainda muito pouco compreendidas como
podemos perceber pela pluralidade de concepccedilotildees em termos do que acontece e pelas
notificaccedilotildees natildeo chegarem ateacute os locais que trabalham com mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Existem divergecircncias tambeacutem quanto ao que eacute poliacutetica de gecircnero e
consequentemente como ela deveria ser executada Para Ana Paula poliacutetica de
gecircnero eacute uma poliacutetica que reconhece a vulnerabilidade do gecircnero feminino frente ao
masculino e a partir disso tem um enfoque na equiparaccedilatildeo das desigualdades em
todas as secretarias e natildeo apenas em uma secretaria de poliacuteticas para as mulheres
especificamente
Em contraste a essa visatildeo Roberta defende a necessidade de um oacutergatildeo
especiacutefico para tratar da poliacutetica de gecircnero uma vez que existem especificidades
dessa poliacutetica puacuteblica que a organizaccedilatildeo seria responsaacutevel por garantir Segundo ela
Se jaacute houvesse a equidade de gecircnero seja no trabalho na casa enfim nas
relaccedilotildees natildeo precisaria mesmo de um organismo Mas como a mulher tem
questotildees especiacuteficas como a sauacutede da mulher o trabalho da mulher a
capacitaccedilatildeo entatildeo noacutes temos que ter poliacuteticas puacuteblicas desenvolvidas em um
espaccedilo puacuteblico e que esse espaccedilo se comunique com os demais porque as
poliacuteticas satildeo transversais Quando noacutes falamos de mulher noacutes estamos
falando de sauacutede de educaccedilatildeo de seguranccedila que satildeo poliacuteticas que estatildeo
sendo desenvolvidas em outras aacutereas institucionais Mas a importacircncia da
concentraccedilatildeo em um organismo eacute porque esse organismo vai fazer a
articulaccedilatildeo com os demais promover essa transversalidade e de fato
implementar essas poliacuteticas especiacuteficas
Eacute interessante notar tambeacutem que haacute uma diferenccedila nos discursos quanto agrave
igualdade de gecircnero que foi apontada pela maioria dos entrevistados como o objetivo
da poliacutetica de gecircnero Segundo Vitoacuteria a igualdade buscada por esse tipo de poliacutetica
50
seria material ou seja efetivar as igualdades da lei entre homens e mulheres Jaacute para
Talita essa poliacutetica seria responsaacutevel por ldquotentar adequar todas essas diferenccedilas e
natildeo igualar todos porque natildeo somos iguais mas tentar equilibrar para que todos noacutes
possamos viver pacificamente e sem existir essa relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo que haacute
muitas vezes entre homem e mulherrdquo
O sentido dado por Roberta a poliacuteticas transversais eacute de que estamos falando
de uma poliacutetica que envolve diferentes segmentos da atuaccedilatildeo puacuteblica e por isso de
vaacuterios atores envolvidos na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
gecircnero Nesse sentido existe a necessidade de ldquofazer um processo de convencimento
dos gestores sobre a importacircncia dessas poliacuteticasrdquo
Essa ideia foi explicada tambeacutem por Vitoacuteria quando relatou o desafio na
praacutetica de lidar com o caraacuteter transversal da poliacutetica de gecircnero
O desafio eacute a visatildeo de poliacutetica de gecircnero Muita gente fala a gente
estaacute com tanta preocupaccedilatildeo por que a gente vai se preocupar com isso
Como se fosse o acessoacuterio ou o a mais neacute o plus Acho que essa visatildeo ela eacute
de todas as instacircncias no executivo no legislativo e dentro da defensoria haacute
esse visatildeo de que natildeo peraiacute a gente tem pouca gente pouco dinheiro entatildeo a
gente vai investir no que realmente eacute importante E isso nunca eacute a mulher
Entatildeo eu acho que vocecirc vai ver isso em todos os lugares que vocecirc visitar
porque eacute essa a visatildeo a sociedade vecirc assim Entatildeo isso eacute soacute a reproduccedilatildeo de
como a sociedade enxerga as questotildees de mulher as questotildees de mulher satildeo
sempre ah mulher eacute sensiacutevel mulher reclama muito mulher natildeo sei o que
natildeo eacute tatildeo grave assim exagera
As organizaccedilotildees agraves quais foi dado o papel de realizar uma poliacutetica puacuteblica
transversal com o vieacutes de gecircnero satildeo a Subsecretaria de Poliacuteticas para as mulheres de
Goiaacutes a Secretaria da Mulher em Professor Jamil a Coordenadoria de Poliacuteticas para
as Mulheres do estado de Satildeo Paulo e o Nuacutecleo Especializado de Promoccedilatildeo de
Direitos da Mulher Os sentidos dados agrave transversalidade pelos entrevistados mostra
que o papel construiacutedo dessas organizaccedilotildees seria o de articular outras organizaccedilotildees do
51
Estado e conscientizaacute-las para as desigualdades de gecircnero dentro e fora das
organizaccedilotildees A partir dessa construccedilatildeo de sentidos do que eacute transversalidade e
atribuiccedilatildeo desse papel a organizaccedilotildees voltadas para a questatildeo da mulher estaacute
diretamente relacionado aos recursos materiais que satildeo destinados a essas
organizaccedilotildees (sobre os quais aprofundaremos na seccedilatildeo 4) porque satildeo vistas como
organizaccedilotildees paralelas agravequelas consideradas como ldquoprincipaisrdquo como podemos notar
no discurso da Vitoacuteria em que ela afirma que as dificuldades de atuaccedilatildeo do nuacutecleo
passam em geral pelo sentido secundaacuterio e marginal dada agrave questatildeo de gecircnero Ou
seja esses elementos discursivos e extra-discursivos acabam distorcendo a questatildeo da
transversalidade Isso porque a mesma surgiu de jure (BAUMAN 2001) como uma
maneira conseguir resolver problemas complexos tratando-os de maneira transversal
e acabou sendo utilizada de facto (BAUMAN 2001) como uma ferramenta para a
reproduccedilatildeo da estrutura social machista devido agrave impressatildeo que se cria de que o
problema de gecircnero estaacute sendo resolvido pela existecircncia dessas organizaccedilotildees com o
enfoque em gecircnero mas na praacutetica elas natildeo satildeo empoderadas nem na agenda nem no
orccedilamento
Portanto esses diferentes sentidos dados ao que eacute machismo violecircncia de
gecircnero poliacutetica de gecircnero transversalidade e a que servem e como deve ser
realizadoscombatidos satildeo importantes para entender quais os tipos de poliacuteticas
puacuteblicas efetivamente colocadas em praacuteticas (PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008)
por essas diferentes organizaccedilotildees (vide seccedilatildeo 3 em que mostramos como os
elementos extra-discursivos dialogam com os discursos) Aleacutem disso nessa seccedilatildeo
encontramos evidecircncias de que a estrutura social machista tem uma forccedila muito
grande pois apesar algumas ressignificaccedilotildees (de a mulher natildeo ser sexo fraacutegil) ela
permanece latente no discurso voltando a reproduzir a estrutura de desigualdade de
gecircnero Nesse sentido os contextos agriacutecola e urbano parecem natildeo mudar a existecircncia
dessa estrutura social mas vamos averiguar a seguir se esses contextos apontam
diferenccedilas em relaccedilatildeo aos elementos extra-discursivos
52
44 Elementos extra-discursivos
Nessa seccedilatildeo iremos analisar os principais elementos extra-discursivos que
surgiram durante as entrevistas e se relacionam com os discursos apresentados
(PHILIPPS SEWELL JAYNES 2008) Satildeo eles a Lei Maria da Penha sobre a qual
discorremos no referencial teoacuterico a estrutura fiacutesica das organizaccedilotildees os recursos
humanos disponiacuteveis e as accedilotildees ou poliacuteticas puacuteblicas resultantes de suas atuaccedilotildees
A Lei Maria da Penha por ser um marco juriacutedico em relaccedilatildeo ao tratamento do
Estado agrave violecircncia de gecircnero em seus diferentes tipos surgiu em todas as entrevistas
como base para o trabalho realizado pelos diferentes organismos Do ponto de vista
das soluccedilotildees segundo Vitoacuteria foi importante para fortalecer os movimentos sociais
que lutavam pela questatildeo da mulher e abrir espaccedilo entatildeo para que esses movimentos
exigissem esse olhar dentro de diferentes instituiccedilotildees como a defensoria puacuteblica
Contudo Ana Paula reforccedila que a Lei Maria da Penha foi precedida por algumas
leis que na verdade ainda natildeo satildeo de conhecimento pela populaccedilatildeo em geral Ela
relata um caso que lhe aconteceu na delegacia da mulher
Eu tinha recebido uma ocorrecircncia que era um homem que tinha
enfiado uma faca na esposa dele casada haacute 30 anos porque ela comprou um
conjunto de panelas e ele discordava do entendimento dela de como se gastava
o dinheiro Entatildeo que ela era uma vagabunda dizendo ele Soacute que essa
vagabunda trabalhava era uma enfermeira padratildeo no hospital de Diadema e
ele estava haacute onze anos E aleacutem de trabalhar e sustentar ele ela lavava
passava cozinhava e ela entendeu que com o salaacuterio dela dava pra comprar
um conjunto de panelas Aiacute ele puxou a faca pra ela veio uma ocorrecircncia
falando da tentativa de homiciacutedio o filho falou lsquonatildeo vou testemunhar conta
meu pai ainda que eu ache que a minha matildee corre risco com elersquo A matildee natildeo
quer vem falar lsquonatildeo foi soacute um desentendimentorsquo ela vem de um ciclo de
violecircncia E eu natildeo ia ter nenhuma testemunha no inqueacuterito natildeo ia dar certo o
flagrante e aiacute eu falei bom ela natildeo vai dormir em casa porque a nossa
preocupaccedilatildeo natildeo pode ser em fazer um papel deve ser o de garantir a
53
seguranccedila da mulher E aiacute o marido vira pra mim e fala lsquoeu natildeo vejo motivo
para conceder o divoacuterciorsquo E aiacute eu tive um surto com ele porque eu falava lsquoo
senhor vive na idade da pedrarsquo Porque quando eu nasci jaacute tinha a lei do
divoacutercio mas para eles natildeo Ele ainda achava que ele tinha o direito de dar ou
natildeo o divoacutercio E isso foi em 73 E aiacute a gente comeccedila a olhar e ver quantos
anos demoram para uma populaccedilatildeo se apropriar daquela legislaccedilatildeo se eacute que a
lei pegue porque no Brasil tem lei que natildeo pega natildeo eacute um paiacutes seacuterio Mas a lei
Maria da Penha veio ele conhece a lei mas ele natildeo conhece a lei do divoacutercio
E isso eacute regra
Ou seja a Lei Maria da Penha que estaacute no domiacutenio do empiacuterico ou seja o
que eacute efetivamente experimentado pelos atores natildeo garante o entendimento de outras
leis que mudaram as relaccedilotildees familiares em termos legais e os direitos igualados de
jure (BAUMAN 2001) entre homem e mulher Entatildeo antes da Lei Maria da Penha
houve uma sucessatildeo de leis que reforccedilavam a estrutura social machista no domiacutenio do
real Mesmo com as novidades da Lei Maria da Penha portanto natildeo foi possiacutevel
revolucionar a esfera do real e isso fica evidente com a permanecircncia de outras leis
anteriores no imaginaacuterio das pessoas Aleacutem disso Ana Paula tambeacutem expocircs a
dificuldade de se implementar a Lei Maria da Penha de facto (BAUMAN 2001)
Entatildeo a gente tem dispositivos como autoridade policial civil deveraacute
garantir a seguranccedila da mulher e aiacute o tema da minha dissertaccedilatildeo aquela vez
foi a seguranccedila da mulher na Lei Maria da Penha Porque ela eacute linda mas
como que uma delegada com trecircs policiais garante a seguranccedila de alguma
mulher Eu queria saber porque o policial geralmente vai no foacuterum busca
laudo leva laudo e etc Um tem que ficar na delegacia porque geralmente os
homens natildeo respeitam as mulheres mesmo as mulheres policiais aiacute tem que ter
toda uma loacutegica dentro da poliacutecia e da questatildeo socioloacutegica da poliacutecia de que eacute
melhor ter uma forma ostensiva em determinados momentos do que ter que usar
a forccedila entatildeo eacute melhor ter policiais homens armados do que ter que ser duro
com o indiviacuteduo que vira e fala lsquoeu natildeo respeito mulherrsquo e eles falam isso E
54
natildeo eacute um desacato agrave autoridade policial civil eacute uma relaccedilatildeo de que eles natildeo
respeitam o gecircnero feminino como igual E isso eacute muito complicado Aiacute sobra
um policial que natildeo pode sair de viatura porque se natildeo eacute viatura
descaracterizada E aiacute eu tenho que garantir a seguranccedila da mulher Aiacute eu
tenho que colocar ela em um abrigo Qual abrigo Ah a prefeitura de Satildeo
Paulo agora parece que melhorou o sistema de abrigamento Eacute melhorou mas
pra isso a gente precisa fazer boletim de ocorrecircncia em uma delegacia que
esteja aberta 24 horas e a gente natildeo tem delegacia da mulher aberta 24 horas
Ou seja faltam recursos humanos e orccedilamentaacuterios para manter a delegacia
funcionado bem e por 24 horas elementos do domiacutenio empiacuterico e a proacutepria lida
diaacuteria da delegada mulher com o machismo a impede de realizar seu trabalho sem ter
o acompanhamento de um homem Satildeo evidecircncias de que a criaccedilatildeo de delegacias
especializadas apesar de terem sido um avanccedilo estaacute longe de apresentarem uma
transformaccedilatildeo agrave estrutura social desigual uma vez que a distribuiccedilatildeo material
insuficiente impacta na reproduccedilatildeo das desigualdades de gecircnero
Mostrando essa dificuldade por um outro vieacutes Talita afirmou que a Lei Maria
da Penha fez com que as pessoas olhassem para as delegacias da Mulher como uma
ldquoceacutelula de expansatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo quando segundo ela a delegacia da
mulher e uma ldquodelegacia como qualquer outra a gente estaacute aqui para prender o
agressor investigar concluir processo e encaminhar ao poder judiciaacuteriordquo Esse
discurso de Talita mostra que o sentido dado por ela agrave delegacia especializada eacute de
uma delegacia como qualquer outra Isso implica que mesmo havendo uma tentativa
de jure (BAUMAN 2001) em trazer ferramentas no domiacutenio do empiacuterico para
combater a violecircncia contra a mulher de facto (BAUMAN 2001) a delegacia da
mulher sendo vista pelos atores que dela participam como uma delegacia da mulher
acaba sendo uma forccedila de manutenccedilatildeo da estrutura social machista no domiacutenio do
real
Outro discurso importante sobre a Lei Maria da Penha que surgiu na pesquisa
de campo foi a Joana O sentido atribuiacutedo por ela agrave Lei Maria da Penha eacute de ceticismo
porque de acordo com ela as mulheres voltam com um papel de medida protetiva
55
que natildeo serve para nada assim como a tornozeleira natildeo salva a mulher Segundo
Joana se o homem quer matar a mulher natildeo vai ser isso que vai impedi-lo e nem haacute
recursos suficientes para que o poder puacuteblico impeccedila que isso aconteccedila em sua cidade
e seus arredores
Inclusive na entrevista ouvimos pela uacutenica vez durante a pesquisa viacutetimas de
violecircncia de gecircnero duas mulheres que vieram fugidas para a cidade do Uma veio de
Trindade (Goiaacutes) fugindo agrave noite com os seis filhos e sua matildee do marido que a
agredia psicologicamente e fisicamente A secretaacuteria a ajudou quando chegou
encaminhando-a para atendimento psicoloacutegico no CRAS e conseguindo um emprego
para ela recomeccedilar a vida Ateacute hoje ela estaacute laacute escondida do marido e segundo ela
ela jaacute tinha procurado duas vezes delegacias comuns por serem as disponiacuteveis na sua
regiatildeo e que a Lei Maria da Penha e a medida protetiva natildeo ajudaram em nada a
situaccedilatildeo
Para Joana esse eacute um exemplo de vaacuterios que a levam a construir um sentido
de que as mulheres quando natildeo querem mais ficar com os maridos e conseguem
largam tudo e fogem Isso porque segundo ela as mulheres que fazem denuacutencias as
fazem na esperanccedila de mudar o comportamento dos seus parceiros para continuar
com eles e natildeo para que eles sejam presos Isso coloca em evidecircncia que de facto
(BAUMAN 2001) a lei natildeo consegue mudar a estrutura social
Queremos compreender melhor a distribuiccedilatildeo material que as organizaccedilotildees
entrevistadas possuem hoje para realizarem seu trabalho As pesquisas em Goiaacutes e em
Satildeo Paulo foram conduzidas nos locais de trabalho dos entrevistados o que
possibilitou conhecermos sobre o espaccedilo em que essas poliacuteticas estatildeo sendo
realizadas e a dimensatildeo das equipes por traacutes das mesmas Escolhemos descrever essas
condiccedilotildees de algumas organizaccedilotildees que melhor contribuem para nossa interpretaccedilatildeo e
anaacutelise
O CREAS de uma cidade do interior do estado de Goiaacutes por exemplo fica em
uma casa teacuterrea com uma sala pequena na entrada onde satildeo recebidas as viacutetimas A
maior parte da equipe do CREAS eacute composta por homens e a entrevista foi realizada
com trecircs membros da equipe o coordenador a assistente juriacutedica e o educador social
Percebemos que aleacutem de o centro natildeo ser um espaccedilo voltado especificamente para
56
mulheres a reproduccedilatildeo da estrutura social desigual estaacute claramente manifestada na
composiccedilatildeo da equipe que eacute composta por uma maioria masculina Aleacutem disso a
estrutura fiacutesica natildeo permite diferenciaccedilatildeo entre as populaccedilotildees em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade atendidas Isto significa que homens mulheres e crianccedilas satildeo
atendidas em um mesmo local o que evidencia que no domiacutenio empiacuterico as chances
de mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia se sentirem agrave vontades para darem suas queixas
e buscarem ajuda no centro satildeo reduzidas sendo outro fator que contribui para a
manutenccedilatildeo da esfera real machista
Jaacute a Superintendecircncia de Poliacuteticas para Mulheres em Goiaacutes fica no centro de
uma cidade de Goiaacutes em uma estrutura de dois andares na avenida principal da
cidade Do lado de fora a pintura eacute roxa e estaacute bem sinalizada com campanha do
Disque-100 na fachada e a frase ldquoViolecircncia contra mulher natildeo tem desculpa tem
leirdquo O preacutedio tem uma secretaria com vaacuterias cadeiras na frente onde as pessoas se
identificam e satildeo encaminhadas para salas menores de acordo com a solicitaccedilatildeo
Enquanto esperamos pela entrevista nos abordaram quatro vezes por funcionaacuterias
diferentes perguntando se algueacutem jaacute tinha nos sido atendido Cada sala tem uma
funccedilatildeo especiacutefica assistentes sociais psicoacutelogos assistentes juriacutedicos todas de
atendimento localizadas no andar de baixo proacuteximas agrave entrada Tambeacutem no andar de
baixo no interior do preacutedio ficam as salas onde satildeo realizados trabalhos de
capacitaccedilatildeo e no andar de cima ficam as salas administrativas As condiccedilotildees materiais
desse local foram uma exceccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves demais organizaccedilotildees visitadas Isso
porque a maioria dos profissionais satildeo mulheres e o atendimento natildeo eacute em um balcatildeo
mas diretamente com psicoacutelogas ou assistentes sociais em salas privativas Essas
condiccedilotildees no entanto natildeo satildeo estaacuteveis Como conta Roberta
Essa secretaria foi criada em 1987 ela chamava Secretaria Estadual
da Condiccedilatildeo Feminina E foram muito importantes esses quatro anos no
governo Henrique Santillo foram inovadores no sentido de implementar uma
poliacutetica que era muito pouco tratada no acircmbito institucional Entatildeo foi
fantaacutestico E nesse periacuteodo governamental houve poliacuteticas de seguranccedila para
a mulher sauacutede para a mulher enfim abriu um espaccedilo importante no Estado
57
de Goiaacutes Soacute que infelizmente os governos subsequentes extinguiram a
secretaria E ela soacute veio a ser retomada no primeiro governo Marconi Perillo
isso foi no final da deacutecada de noventa E ele criou uma superintendecircncia da
mulher e ela se tornou secretaria no governo seguinte e aiacute ela jaacute vem agora
dentro de um acircmbito institucional como secretaria de estado mesmo que
acoplado a ela por razotildees de ordem principalmente econocircmica e financeira
do estado tem a secretaria da mulher junto com outras aacutereas sociais e de
direitos humanos
Ou seja eacute importante relativizar a estrutura fiacutesica e equipe que vimos porque
historicamente a pauta da mulher foi tratada como um assunto secundaacuterio como
vimos no discurso de Roberta O impacto disso eacute que quando a situaccedilatildeo financeira do
estado complica a pauta eacute uma das primeiras que recebe cortes orccedilamentaacuterios ou eacute
acoplada a outras pautas como estaacute acontecendo agora A pauta da mulher que antes
jaacute dividia uma secretaria com a de desigualdade racial hoje foi incorporada por uma
secretaria guarda-chuva chama Secretaria Cidadatilde que abarca os temas da mulher do
desenvolvimento social da igualdade racial dos direitos humanos e do trabalho Isso
mostra que quando natildeo haacute mudanccedilas no domiacutenio real as mudanccedilas no domiacutenio
empiacuterico natildeo satildeo permanentes satildeo instaacuteveis e dependem de elementos extra-
discursivos que estatildeo sujeitos agrave estrutura social do real Ou seja quando a secretaria
tem condiccedilotildees financeiras ela pode ateacute colocar a questatildeo da mulher em pauta mas
assim que acontecerem momentos econocircmicos desfavoraacuteveis a igualdade de gecircnero
natildeo permanece na agenda pois nunca foi prioridade jaacute que estaacute inserida dentro de
uma estrutura social machista
A Delegacia Especializada no Atendimento agrave Mulher de Goiaacutes por sua vez
fica em um casaratildeo de dois andares no setor central de uma cidade de Goiaacutes Tem
uma sinalizaccedilatildeo discreta e eacute guardada por um policial militar na porta Entrando na
delegacia tem uma sala com banquinhos de madeira sem encosto para as viacutetimas e
seus acompanhantes aguardarem A delegacia de uma forma geral pareceu muito
interessada em estatiacutesticas e pouco sensibilizada com as viacutetimas que tratam
exatamente por esse nome e natildeo como cidadatildes O clima de maneira geral eacute tenso haacute
58
vaacuterias mulheres chorando esperando nos banquinhos pela oportunidade de subir as
escadas da delegacia Em frente aos bancos tem um grande balcatildeo que bloqueia a
entrada para o restante do edifiacutecio onde se encontra uma secretaacuteria Tudo tem que
passar antes por ela entatildeo as mulheres viacutetimas falam na frente de todo mundo a sua
queixa Enquanto esperava pela entrevista uma mulher chegou e mostrou hematomas
no braccedilo para a secretaacuteria e recebeu como resposta ldquoVocecirc tomou banho Isso eacute
sujeira ou eacute hematoma mesmordquo Quando satildeo chamadas para subir e serem atendidas
pela escrivatilde ou delegada respondem por um grito ldquoA viacutetima pode subirrdquo o que
acaba contribuindo para a estigmatizaccedilatildeo
Essa visita nos trouxe mais evidecircncias de que fazer organizaccedilotildees
especializadas eacute um avanccedilo sim mas que mesmo que elas sejam diferentes em sua
concepccedilatildeo o problema natildeo fica totalmente resolvido Nesse sentido enquanto natildeo
promovermos mudanccedilas na estrutura social do machismo novas legislaccedilotildees ou
organizaccedilotildees iratildeo promover mudanccedilas graduais Sem atacar essas causas a delegacia
especializada eacute uma reacuteplica da delegacia comum poreacutem com delegadas mulheres
mas que reproduzem a estrutura social machista no tratamento que elas datildeo agraves
viacutetimas no ambiente em que as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia tecircm que frequentar
para ir atraacutes de seus direitos na forma como elas satildeo questionadas por estarem laacute
entre outros
Por fim fomos ateacute a Coordenadoria de Poliacuteticas para as Mulheres O
simbolismo eacute importante desde o momento de procurar essa secretaria na internet foi
muito complicado achar informaccedilotildees em sites de busca Mesmo depois de conseguir
encontrar em qual site maior a coordenadoria se encontra sua posiccedilatildeo no rol de
subsecretarias e coordenadorias da secretaria eacute a uacuteltima Aleacutem disso a entrevista em
si foi na coordenadoria que fica em um preacutedio antigo e central Descobrimos que a
coordenadoria fica no uacuteltimo andar da secretaria em uma sala mais escondida e natildeo
haacute identificaccedilatildeo da coordenadoria nos corredores como as demais do preacutedio que
estatildeo sinalizadas A coordenadoria consiste fisicamente em uma sala de reuniatildeo
acoplada ao escritoacuterio da Flaacutevia que eacute a uacutenica componente da equipe
59
Fomos tambeacutem ateacute uma cidade do interior de Goiaacutes a aproximadamente 70
quilocircmetros de Goiacircnia A Secretaria de Mulheres do municiacutepio soacute existe no nome
natildeo tem estrutura fiacutesica nem recursos financeiros apenas o cargo da secretaacuteria
Entatildeo o atendimento eacute feito na casa da secretaacuteria na sala de entrada onde tem duas
mesas de alumiacutenio juntadas e forradas com um pano um sofaacute e uma cadeira de cada
lado ao fundo tecircm equipamentos de cabelereiro profissatildeo que ela exercia Quando
chegamos laacute a sala estava cheia com pessoas se inscrevendo para o Minha Casa
Minha Vida com a ajuda da secretaacuteria e durante a conversa entraram vaacuterios cidadatildeos
de Professor Jamil e todos vinham com assuntos diversos a serem tratados por ela
Essa entrevista em Professor Jamil nos mostrou que agraves vezes apesar de
elementos extra-discursivos escassos como o caso de Joana existe a possibilidade de
tentar atacar as causas do machismo por exemplo chamando os homens para
conversarem nas rodas e promovendo o diaacutelogo mediado entre casais Mesmo assim
natildeo eacute isoladamente que se consegue combater uma estrutura social tatildeo forte quanto o
machismo
Pensando tanto nos discursos (seccedilatildeo 2) quanto nos espaccedilos e equipes
disponiacuteveis eacute possiacutevel perceber como eles se interligam com as accedilotildees dos oacutergatildeos
entrevistados Primeiramente para noacutes nenhuma das organizaccedilotildees entrevistadas
estatildeo formulando ou implementando poliacuteticas puacuteblicas no sentido que discutimos no
referencial teoacuterico de accedilatildeo organizada do Estado para combater um problema Isso
porque todas essas organizaccedilotildees realizam accedilotildees desconexas e pontuais para tentar
lidar com o problema sem atacar suas causas e reproduzindo as desigualdades de
gecircnero (domiacutenio real)
O CREAS visitado realiza atendimento de crianccedilas adolescentes mulheres e
idosos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Durante a entrevista percebemos que
existe uma confusatildeo muito grande entre os tipos de atendimento que o CREAS
realiza tanto que quando foi perguntado sobre o que eacute poliacutetica de gecircnero a resposta
foi mais sobre poliacuteticas para adolescentes em situaccedilatildeo de vulnerabilidade
Jaacute a Superintendecircncia de Mulheres visitada seria responsaacutevel por formular
poliacuteticas puacuteblicas para esse puacuteblico-alvo De acordo com Roberta
60
A nossa principal poliacutetica eacute a garantia da seguranccedila tanto que noacutes
temos desde o atendimento primaacuterio da mulher atraveacutes de uma assistecircncia
social psicoloacutegica juriacutedica ateacute o abrigamento dessa mulher viacutetima de
violecircncia Entatildeo a gente direciona as nossas poliacuteticas nesse sentido Mas
tambeacutem noacutes temos que cuidar das outras questotildees que satildeo inerentes agrave mulher
a sauacutede a educaccedilatildeo e aiacute principalmente eu vejo hoje que o nosso papel
enquanto instituiccedilatildeo puacuteblica eacute desenvolver mesmo campanhas de
sensibilizaccedilatildeo
Fora isso a superintendecircncia estaacute capacitando 2500 profissionais servidores nas
aacutereas de educaccedilatildeo sauacutede movimentos sociais que trabalham com mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia Existe tambeacutem uma equipe especiacutefica da superintendecircncia
responsaacutevel pelas duas unidades moacuteveis que a secretaria recebeu em 2013 pelo
governo federal para atender mulheres do campo As unidades comeccedilaram o trabalho
indo ateacute o interior para prover serviccedilos de assistecircncia social juriacutedica e psicoloacutegica
No entanto a equipe se deparou com uma rede muito fragilizada e incapaz de
continuar o encaminhamento das demandas das mulheres
Aleacutem disso quando chegou na zona agraacuteria a equipe percebeu que lidar com
essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia da aacuterea rural era um desafio diferente do que
estavam acostumados na capital Isso porque as unidades moacuteveis iam para o campo
mas as mulheres tinham receio de entrar ou natildeo conseguiam chegar porque satildeo
ocircnibus rosas que chamam muita atenccedilatildeo e ficam inviaacuteveis para uma mulher nessa
situaccedilatildeo procurar sem ser vista por outras pessoas da regiatildeo e isso chegar ateacute o
agressor A taacutetica adotada entatildeo pelas unidades eacute
Quando vem uma solicitaccedilatildeo do municiacutepio a gente sempre procura
saber se eacute festividade porque para noacutes eacute melhor Porque aiacute tem a unidade
moacutevel e outros serviccedilos na praccedila em que ela pode transitar Soacute a unidade
moacutevel que eacute muito chamativa natildeo funciona Eacute um ocircnibus rosa e ela fica
mais acanhada A gente sempre procura incentivar o municiacutepio a promover
outras coisas ao mesmo tempo para preservar a mulher promover a diluiccedilatildeo
61
nesse espaccedilo e garantir minimamente que ela suba na unidade
Apesar disso quando visitamos a equipe eles natildeo estavam indo a campo
porque estavam em uma fase de transiccedilatildeo Como encontraram uma realidade
diferente da que imaginavam o seu trabalho agora estaacute sendo capacitar a rede montar
material fazer reuniotildees entre outros para tentar alinhar o trabalho de todos
Manuela esclarece
Nesse sentido o trabalho da equipe vem sendo reformulado porque
incialmente a ideia era ir ao interior e ser a porta de entrada das mulheres
viacutetimas de violecircncia levar informaccedilotildees sobre os seus direitos e onde buscar
ajuda e depois ter esse trabalho continuado pelos oacutergatildeos competentes mais
proacuteximos No entanto ao irem para o campo a equipe percebeu que a rede
estava despreparada para dar continuidade ao trabalho e que portanto seria
inuacutetil fazer o trabalho como anteriormente previsto sem dar a capacitaccedilatildeo
necessaacuteria
A Secretaria de Seguranccedila Puacuteblica por sua vez faz parte da rede de combate agrave
violecircncia contra a mulher e tem um papel importante tanto pelas DEAMs quanto pelo
monitoramento e fornecimento de informaccedilotildees criminais que servem de insumo para
a Secretaria da Mulher No entanto natildeo existe uma parceria soacutelida em que ambas as
secretarias atuam conjuntamente e amplamente em termos do estado e se
responsabilizam pela situaccedilatildeo das mulheres que sofrem violecircncia
Portanto a secretaria natildeo tem poliacuteticas puacuteblicas mais amplas em relaccedilatildeo ao
combate agrave violecircncia contra a mulher porque entende que essa competecircncia eacute da
Secretaria da Mulher O que a secretaria faz eacute atuar em regiotildees especiacuteficas
dependendo do gestor que estaacute em determinada aacuterea integrada de seguranccedila (regiatildeo
onde a poliacutecia militar e a poliacutecia civil tem a mesma circunscriccedilatildeo) Como nos disse
um major da secretaria
Que tipo de accedilatildeo preventiva que vai ser implementada em
62
determinado local depende de quem Do gestor que que estaacute ali naquela
regiatildeo em identificar qual eacute o problema dele em implementar essa questatildeo da
prevenccedilatildeo
No mais percebemos que tanto os centros de referencia CREAS e aqueles de
secretariassubsecretarias de mulheres quando existem quanto as delegacias
especializadas e os dados das secretarias de seguranccedila satildeo em geral voltados para
mecanismos juriacutedicos de proteccedilatildeo agrave mulher Mesmo havendo equipes de assistecircncia
social e psicoacutelogos em algumas instacircncias o foco principal das accedilotildees desses oacutergatildeos eacute
garantir medidas protetivas eou prender agressores
Aleacutem disso nos centros de referecircncia satildeo realizados estudos de caso
multidisciplinares para determinar o encaminhamento dado agrave viacutetima De acordo com
os discursos discutidos na seccedilatildeo anterior percebemos que apesar de parecer o
procedimento ideal a ser feito pode ser uma abertura para um julgamento social da
viacutetima pelos membros da equipe
Fora esses oacutergatildeos tivemos contato com o trabalho de uma entidade do
terceiro setor cuja atuaccedilatildeo era bastante diferente dos demais O Centro Popular da
Mulher trabalha sobretudo apoiando e ajudando as mulheres a se organizarem para
reivindicarem seus direitos Em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos entrevistados a entidade parece
ser a mais presente na zona rural tanto em frequecircncia quanto em tempo de luta junto
agraves mulheres do campo
Aleacutem disso em termos de accedilotildees outra entrevista que apontou diferenccedilas foi
com a Joana cuja accedilatildeo era de busca ativa e de construccedilatildeo de espaccedilos de debate com
mulheres e homens Isso porque apesar da falta de apoio institucional da prefeitura
ela natildeo espera as mulheres buscarem ajuda No entanto isso soacute eacute possiacutevel porque ela
conhece todo mundo e fica sabendo do que acontece e entatildeo vai atraacutes do casal em
questatildeo E seu trabalho busca a conscientizaccedilatildeo das famiacutelias ela faz conversas de
roda e tambeacutem de casais em particular para tentar agir na causa do problema Suas
accedilotildees se baseiam na sua convicccedilatildeo de que a causa (seccedilatildeo 2 em que discutimos os
sentidos atribuiacutedos agraves caudas da violecircncia de gecircnero) estaacute na falta de respeito a
educaccedilatildeo machista e que isso soacute pode ser mudado se os homens estiverem
63
envolvidos nas accedilotildees de combate agrave violecircncia de gecircnero para tentar mudar o que a
sociedade pensa a maneira como a mulher eacute tratada
Nessa seccedilatildeo aprendemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas da estrutura
social machista varia de acordo com o contexto sobretudo em termos de recursos
materiais e equipe disponiacuteveis para combater a violecircncia de gecircnero nesse contexto
Aleacutem disso percebemos que as manifestaccedilotildees extra-discursivas estatildeo em constante
relaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da estrutura social como o exemplo de que as mulheres
natildeo conseguem alugar uma casa ou mudar o filho de creche afeta a possibilidade
praacutetica de sair de uma situaccedilatildeo de violecircncia Enfim discorreremos na proacutexima seccedilatildeo
com maior profundidade os resultados e as contribuiccedilotildees da pesquisa
64
5 Consideraccedilotildees Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo responder agrave pergunta Como a estrutura
social do machismo se manifesta nos contextos urbano e agraacuterio A partir desse
trabalho notamos que a estrutura social do machismo estaacute presente nos dois
contextos urbano e agraacuterio poreacutem se manifesta de jeitos diferentes No contexto
agraacuterio de acordo com os entrevistados o machismo se manifesta de forma mais
aberta com o reforccedilo dos papeis tradicionais de gecircnero de que o papel da mulher eacute
cuidar da casa e dos filhos e o homem de prover financeiramente a famiacutelia estando
em uma posiccedilatildeo de superioridade Jaacute no contexto urbano a manifestaccedilatildeo da estrutura
social machista adquire outras formas sendo que haacute uma maior inserccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho e no discurso as pessoas natildeo reproduzem os papeis de gecircnero
tradicionais poreacutem na praacutetica acabam acontecendo ainda reproduccedilotildees desses mesmos
papeis de uma forma mais suacutetil pelo modo que a mulher deve se vestir pela
educaccedilatildeo diferente dada aos filhos de diferentes gecircneros etc
Tambeacutem nos perguntamos como essas manifestaccedilotildees do machismo satildeo
impactadas e impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo
de violecircncia As manifestaccedilotildees do machismo impactam a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia porque levam a poliacuteticas com pouca
infraestrutura equipe e orccedilamento e porque abre uma brecha maior entre formulaccedilatildeo
e implementaccedilatildeo porque mesmo que se os formuladores natildeo tenham discursos
machistas no momento do discurso em accedilatildeo as accedilotildees nas delegacias especializadas
reproduzem papeis de gecircnero tradicionais e culpabilizam as mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia
Enfim queriacuteamos descobrir tambeacutem se existem ou natildeo diferenccedilas na
manifestaccedilatildeo do machismo especificamente em termos de violecircncia de gecircnero nas
zonas urbana e agraacuteria Nosso estudo mostrou via discursos que haacute muita divergecircncia
nesse ponto mas que a maioria dos entrevistados acredita que a diferenccedila eacute que no
contexto agraacuterio os tipos de violecircncia predominantes satildeo patrimonial e psicoloacutegico
enquanto no contexto urbano haacute uma maior incidecircncia de violecircncia fiacutesica
relativamente No entanto essa foi uma limitaccedilatildeo da pesquisa porque a quase-
65
totalidade dos entrevistados relatou estar discorrendo sobre algo de que natildeo conhece
por natildeo terem dados oficiais gerados sobre a violecircncia contra mulheres em zonas
agraacuterias e por natildeo terem contato com essas mulheres nas organizaccedilotildees em que
trabalham
Ao longo desse trabalho estudamos as principais referecircncias teoacutericas que
precisaacutevamos para analisar o problema em questatildeo principalmente para colocar em
evidecircncia que as poliacuteticas puacuteblicas estatildeo inseridas em lugares que influenciam e satildeo
influenciados pela construccedilatildeo de sentidos que ocorre no momento de determinaccedilatildeo de
um problema puacuteblica e de como ele seraacute tratado pelo Estado Nosso referencial
teoacuterico se juntou agrave metodologia o que permitiu natildeo soacute a organizar o conhecimento
cientiacutefico com base nas premissas da teoria mas tambeacutem a olhar para a nossa
pesquisa sempre com um olhar criacutetico de tentar enxergar as possibilidades de
mudanccedila da estrutura social
A partir do referencial teoacuterico e da metodologia demos iniacutecio ao trabalho de
estabelecer um roteiro semi-estruturado para as entrevistas depois conseguir agendar
as entrevistas fazer as mesmas transcrever as entrevistas e enfim analisar tudo
como um conjunto agrave partir da metodologia do realismo criacutetico e das referecircncias
teoacutericas que buscamos Isso nos permitiu enxergar os principais temas que surgiram
ao longo das entrevistas e organizaacute-los de acordo com os domiacutenios do realismo
criacutetico real atual e empiacuterico Depois disso estabelecemos um diaacutelogo entre o
referencial teoacuterico e as entrevistas de atores de organizaccedilotildees que lidam com a questatildeo
da violecircncia de gecircnero Isso foi relevante tambeacutem em termos metodoloacutegicos porque
percebemos que existem construccedilotildees de sentidos na academia que apontamos no
referencial teoacuterico que agraves vezes natildeo chegam agrave esfera dos atores que formulam e
implementam poliacuteticas puacuteblicas ou quando chegam elas impactam a esfera do atual
(discursos) sem necessariamente serem complementadas por mudanccedilas no domiacutenio
real (estrutura social de desigualdade de gecircnero) nem nos elementos extra-
discursivos que permitem mudanccedilas efetivas no domiacutenio empiacuterico (de poliacuteticas
puacuteblicas lidar com a questatildeo da violecircncia de gecircnero)
66
Nesse sentido um dos pontos que surgiu ao longo de todas as entrevistas foi o
foco das accedilotildees levadas a cabo pelas organizaccedilotildees Tanto no domiacutenio atual dos
discursos quanto no domiacutenio empiacuterico das poliacuteticas puacuteblicas o principal sentido
dado agrave violecircncia de gecircnero eacute de que a conscientizaccedilatildeo das mulheres se faz necessaacuteria
Os discursos vatildeo desde a falta de informaccedilatildeo da mulher a ira gerada tambeacutem pela
mulher a ausecircncia da mulher enquanto cumpridora de seu papel social na famiacutelia
dentre outros foram apontados como causas para a violecircncia de gecircnero Aleacutem disso
mesmo quando os discursos natildeo eram culpabilizadores da mulher eles giravam em
torno da cultura de modo bem geneacuterico como a sociedade patriarcal e machista
como causas para a violecircncia de gecircnero
Isso implica na transformaccedilatildeo desses discursos em accedilotildees de conscientizaccedilatildeo
como campanhas produccedilatildeo de informativos palestras entre outras Eacute interessante
perceber que natildeo haacute nesses casos poliacuteticas puacuteblicas que deem conta de efetivamente
resolver o problema de uma mulher em situaccedilatildeo de violecircncia isto eacute empoderaacute-la para
sair da situaccedilatildeo com meios materiais para fazecirc-lo e com uma proteccedilatildeo efetiva do
Estado em que ela eacute tratada como cidadatilde de direitos e natildeo como viacutetima Isso
demonstra que estatildeo sendo produzidos e reproduzidos discursos na esfera atual sem
necessariamente mudar a esfera real porque falta empoderamento das mulheres em
termos de recursos extra-discursos da esfera empiacuterica Aleacutem disso o tipo de accedilotildees
adotadas por essas organizaccedilotildees acabam sendo rasas porque ao mesmo tempo em
que natildeo atacam o problema diretamente na correccedilatildeo a posteriori tambeacutem natildeo lidam
com a causa no domiacutenio real isto eacute a estrutura social
Ou seja ao lidar somente com as mulheres em termos de conscientizaccedilatildeo a
maioria das organizaccedilotildees natildeo estaacute atacando a estrutura social porque os homens
fazem parte desta e natildeo satildeo chamados para a discussatildeo Aleacutem disso algumas dessas
accedilotildees de conscientizaccedilatildeo satildeo vazias ateacute para o puacuteblico-alvo as mulheres porque
muitas vezes as mulheres que buscam a ajuda do Estado para lidar com a violecircncia de
gecircnero natildeo sabem ler ou entatildeo natildeo podem atender a essas accedilotildees por estarem em
zonas agraacuterias em que estatildeo muito mais vulneraacuteveis em termos de exposiccedilatildeo ao
agressor ou ao resto da comunidade
67
Nesse sentido tambeacutem achamos relevante em todas as entrevistas a maneira
como satildeo recepcionadas as mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia De maneira geral satildeo
montadas equipes multidisciplinares que tratam cada situaccedilatildeo casuisticamente A
primeira vista nossa impressatildeo foi de que essa era uma boa maneira de lidar com o
problema da violecircncia domeacutestica porque cada mulher estaacute inserida em um contexto
diferente Poreacutem ao longo das entrevistas notamos que o domiacutenio do real acaba
influenciando esta casuiacutestica e diminuindo seu potencial empoderador Isso acontece
porque a estrutura social machista acaba levando a anaacutelise de caso para um
julgamento social da mulher em que muitas vezes o discurso anterior ao seu
atendimento (domiacutenio atual) influencia diretamente a ajuda que ela vai receber do
oacutergatildeo (domiacutenio empiacuterico)
Explorando mais a questatildeo das zonas urbana e agraacuteria haacute evidecircncias de que a
zona agraacuteria eacute muito pouco conhecida pelas organizaccedilotildees que lidam com a violecircncia
de gecircnero Em relaccedilatildeo ao contexto urbano as organizaccedilotildees parecem convergir mais
em termos de discursos sobre as manifestaccedilotildees do machismo nas cidades e as causas
da violecircncia de gecircnero nas mesmas Poreacutem o mesmo natildeo acontece em relaccedilatildeo agraves
zonas agraacuterias
Eacute importante ressaltar que na maioria das entrevistas quando explicamos os
objetivos da pesquisa os entrevistados comeccedilavam a conversa afirmando seu
desconhecimento do que acontece na aacuterea agraacuteria mesmo quando se tratavam de
organizaccedilotildees cuja amplitude de atuaccedilatildeo de jure (BAUMAN 2001) incluiacutea essas
localidades Agravam essa questatildeo tanto elementos extra-discursivos como a falta de
profissionais e dados pouco confiaacuteveis sobre o que acontece devido agrave subnotificaccedilatildeo
como tambeacutem os discursos formados pelos atores sobre a zona agraacuteria Apesar de se
colocarem quase sempre como incapazes de comentar sobre a zona agraacuteria ao longo
das entrevistas surgiram vaacuterios discursos sobre como o machismo de manifesta no
contexto rural as suas causas e como isso se tornava violecircncia contra a mulher
Notamos entatildeo que os sentidos construiacutedos eram muito heterogecircneos em relaccedilatildeo aos
entrevistados e formados com base em um caso especiacutefico com o qual tiveram
contato ou agraves vezes sem contato nenhum com mulheres da zona agraacuteria Isso mostra
como o domiacutenio do real eacute forte na determinaccedilatildeo dos discursos e a falta da
68
experimentaccedilatildeo empiacuterica dos atores com a realidade das mulheres em situaccedilatildeo de
violecircncia em contextos agraacuterios intensifica a estrutura social machista pela
reproduccedilatildeo de discursos machistas para suprir o vaacutecuo do conhecimento sobre essa
situaccedilatildeo
Por fim todos esses pontos colocados satildeo evidecircncias que mostram como os
trecircs domiacutenios da vida social impactam na existecircncia ou natildeo de poliacuteticas puacuteblicas para
mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas zonas urbana e agraacuteria Ou seja quando se
muda os discursos sem mudar os elementos extra-discursivos nem a estrutura social
as mudanccedilas natildeo satildeo profundas o suficiente para atacar um problema complexo como
este e acabam por vezes tendo um efeito perverso de reproduzir as causas deste
mesmo problema transmitindo a impressatildeo de que ele estaacute sendo de fato resolvido
51 Implicaccedilotildees para a Praacutetica
As reflexotildees geradas nesse trabalho pretendem ser uacuteteis para mudar o
problema na praacutetica dado os objetivos criacuteticos da ACD Nesse sentido acreditamos
que um dos achados que move accedilotildees praacuteticas eacute a invisibilidade da violecircncia contra a
mulher em contextos agraacuterios Natildeo haacute dados sendo gerados sobre essas mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia ateacute porque elas natildeo costumam chegar agraves instituiccedilotildees formais
que lidam com o problema Nesse sentido apontamos para a urgecircncia dessas
instituiccedilotildees buscarem ativamente essas mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia na zona
agraacuteria para conhecerem melhor as demandas especiacuteficas desse puacuteblico e poderem
entatildeo compreender melhor o problema
Tambeacutem no que diz respeito agrave invisibilidade haacute pouca produccedilatildeo acadecircmica
utilizando a ontologia do Realismo Criacutetico para se pensar em violecircncia de gecircnero e
natildeo encontramos nenhuma bibliografia que discuta o contexto especiacutefico de mulheres
em situaccedilatildeo de violecircncia em zonas agriacutecolas A academia poderia entatildeo ajudar a
colocar esse tema na agenda e a delimitar mais detidamente as manifestaccedilotildees da
estrutura social machista nesse contexto
Enfim acreditamos que uma contribuiccedilatildeo praacutetica estaacute relacionada agraves
evidecircncias encontradas de que a maior parte dos esforccedilos do poder puacuteblico para
69
atacar a violecircncia contra a mulher estaacute focada em campanhas de conscientizaccedilatildeo
Queriacuteamos apontar que uma contribuiccedilatildeo desse trabalho eacute apontar que as campanhas
de conscientizaccedilatildeo natildeo mudam nem a estrutura social nem os elementos extra-
discursivos das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia como a necessidade de recursos
financeiros para poder sair de casa e caminhos institucionais para poder por exemplo
mudar os filhos de creche quando estatildeo nessa situaccedilatildeo
52 Limitaccedilotildees da Pesquisa
Apesar das contribuiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da pesquisa houve uma mudanccedila
no que se pretendia inicialmente estudar pela falta de dados acerca do contexto
agriacutecola e pouco contato das organizaccedilotildees com mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia
nesse contexto Dessa forma essa pesquisa eacute limitada porque apesar de querer
entender os diferentes contextos a compreensatildeo no contexto urbano foi muito maior
Nesse sentido os discursos coletados acerca do contexto agriacutecola eram
apontados pelos proacuteprios entrevistados como impressotildees infundadas por natildeo se
basearem na sua experiecircncia profissional nem em conhecimento teoacuterico pela
inexistecircncia de estudos Assim os discursos eram muito mais heterogecircneos do que os
que dizem respeito ao contexto urbano e demonstrou que natildeo haacute diagnoacutestico desse
problema e que os sentidos acerca do mesmo ainda estatildeo sendo construiacutedos pelos
profissionais que trabalham na aacuterea e por enquanto estaacute negociada mais a inaccedilatildeo do
que o como agir
Por fim como apontamos ao longo do trabalho natildeo encontramos experiecircncias
concretas de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia nas aacutereas
agraacuterias no estados de Goiaacutes e Satildeo Paulo Desta forma achamos relevante continuar
essa busca por experiecircncias que lidam com esse problema em uma pesquisa posterior
70
6 Referecircncias Bibliograacuteficas
ALVES Mario Aquino Anaacutelise Criacutetica do Discurso Exploraccedilatildeo da
Temaacutetica GVPesquisa Satildeo Paulo 2006
BANDEIRA Lourdes Maria Violecircncia de Gecircnero a Construccedilatildeo de um
Campo Teoacuterico e de Investigaccedilatildeo Revista Sociedade e Estado ndash Volume 29 Nuacutemero
2 Maio Agosto pgs 449-469 2014
BAUMAN Zigmunt Modernidade Liacutequida Jorge Zahar Rio de Janeiro
2001
BHASKAR Roy LACLAU Ernesto ldquoCritical Realism and Discourse
Theory Debate with Ernesto Laclaurdquo Em BHASKAR Roy ldquoFrom Science to
Emancipation Alientation and the Actuality of Enlightenmentrdquo London SAGE
2012
CAROLAN Michael Realism without Reductionism Toward an
Ecologically Embedded Sociology Human Ecology Review Vol 12 No 1 2005
FAIRCLOUGH Norman ldquoGeneral Introductionrdquo Em ldquoCritical Discourse
Analysisrdquo2010
FAIRCLOUGH Norman ldquoCritical Realism and Semiosisrdquo Em ldquoCritical
Discourse Analysisrdquo 2010
FREDERICKSON H Toward a Theory of The Public For Public
Administration University of Kansas Administration amp Society Vol 23 No 4
pgs395-417 Fevereiro 1991
GOMES Marcus Vinicius Peinado A Theory of Fields the role of
institutional structures and the matter of lsquofield dualityrsquo Consolidating neo-
institutionalism in the field of organizations Recent Contributions SAGE 2014a
GOMES Marcus Vinicius Peinadob ldquoCreating Meanings Changing
Contexts Contested Sustainability in the Brazilian Beef Industryrdquo Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Getulio Vargas Satildeo Paulo
2014b
IBGE Uma anaacutelise dos resultados do universo do Censo Demograacutefico 2010
2010 Disponiacutevel em
71
httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010indicadores_sociais_m
unicipaistabelas_pdftab1pdf acessado em 08032014
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=520450ampidtema=1ampsea
rch=goias|caldas-novas|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em 18022015
IBGEb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Caldas Novas
Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=520870ampsearch=g
oias|goianiagt acessado em 08062015
IBGEc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Professor Jamil
Disponiacutevel em
lthttpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=521839ampidtema=1ampsea
rch=goias|professor-jamil|censo-demografico-2010-sinopse-gt acessado em
18022015
LAESER Tempo em Curso Ano VI Vol 6 nordm 1 Janeiro 2014
LORENTE Miguel Post-Chauvinism and the meaning of Violence Against
Women Disponiacutevel em lthttpeceuropaeujusticegender-
equalityfilesdocumentsbackground_note_violence_against_women_enpdfgt
acessado em 30072015
MACIEL Deacutebora Alves Accedilatildeo Coletiva Mobilizaccedilatildeo do Direito e Instituiccedilotildees
Poliacuteticas O Caso da Campanha da Lei Maria da Penha Revista Brasileira de
Ciecircncias Sociais Volume 26 Nuacutemero 77 Outubro pgs97-245 2011
MENEGHEL Stela et al Repercussotildees da Lei Maria da Penha no
Enfrentamento da Violecircncia de Gecircnero Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva Volume 18
Nuacutemero 3 pgs691-700 2013
OSWICK C PHILLIPS N Organizational Discourse Domains Debates and
Directions The Academy of Management Annals 61 435-481 2012
PHILLIPS N SEWELL G JAYNES S Applying Critical Discourse
Analysis in Strategic Management Research Organizational Research Methods
2008 Disponiacutevel em httpormsagepubcomcontent114770 acessado em
72
08092014
PUTNAM et al Introduction Organizational Discourse Exploring the Field
Handbook of Organizational Discourse 2004 Disponiacutevel em
httpwwwsagepubcomupm-data9486_17666intropdf acessado em 09092014
SANTOS Milton A Urbanizaccedilatildeo Brasileira Editora Hucitec 2 ediccedilatildeo Satildeo
Paulo 1996
SANTOS Milton Por uma Outra Globalizaccedilatildeo ndash do Pensamento Uacutenico agrave
Consciecircncia Universal 5 ediccedilatildeo Editora Record Rio de Janeiro 2001
SAtildeO PAULO GOVERNO ESTADUAL Secretaria da Justiccedila e da Defesa
da Cidadania Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaspgovbrsitesSJDCgt acessado
em 18012015
SARAVIA Enrique Introduccedilatildeo agrave Teoria de Poliacutetica Puacuteblica Poliacuteticas
Puacuteblicas Coletacircnea - Volume 1 Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica
Brasiacutelia 2006
SAYER Andrew Abstraction A Realist Interpretation Critical Realism
Essencial Readings Routledge London and New York 1998
SCHATZKI Theodore On Organizations as they Happen Organization
Studies SAGEPUB 2006 Disponiacutevel em
lthttposssagepubcomcgicontentabstract27121863gt acessado em 20082014
SCHATZKI Theodore R Peripheral Visions The Site of Organizations
Organization Studies vol 26 no 3 p 465-484 2005
SOUZA Caio Motta Planejamento Estrateacutegico como Praacutetica Um Estudo de
Caso em uma Empresa Organizada por Projetos Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Escola de
Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo 2009
SPINK Peter O Lugar do Lugar na Anaacutelise Organizacional Revista de
Administraccedilatildeo Contemporacircnea 5 Ediccedilatildeo Especial 11-34 2001
SPINK Peter On Houses Villages and Knowledges SAGEPUB 2001
Disponiacutevel em httporgsagepubcomcontent82219 acessado em 21082014
SPINK Peter O Pesquisador Conversador no Cotidiano Psicologia e
Sociedade (Impresso) v 20 p 70-77 2008
SUBIRATS Joan et al Anaacutelisis y gestioacuten de poliacuteticas puacuteblicas Barcelona
73
Editorial Ariel 2012
TRERJ Violecircncia Domeacutestica e Familiar contra a Mulher Noacutes Vamos acabar
com ela 2 ediccedilatildeo 2013 Disponiacutevel em
lthttpwwwtjrjjusbrdocuments101361607514cartilha-lei-maria-penhapdfgt
acessado em 30072015
74
7 Anexos
71 Roteiro SEMIRA
1) Na sua opiniatildeo o que eacute poliacutetica de gecircnero Existe alguma
especificidade na hora de elaborar esse tipo de poliacutetica O que a diferencia eou
aproxima de poliacuteticas de outras aacutereas
2) O que vocecirc acredita que satildeo as causas das desigualdades de gecircnero A
SEMIRA combate as causas diretamente como
3) Como foi a evoluccedilatildeo do tratamento da questatildeo de gecircnero no Estado
Qual a estrutura organizacional da secretaria para lidar com a violecircncia de gecircnero
4) O que significa para vocecirc o fato de poliacuteticas de gecircnero serem
transversais Como isso se materializa na accedilatildeo da SEMIRA
5) Quais satildeo os desafios na hora de formular eou implementar poliacuteticas
transversais O machismo se manifesta nesses momentos na hora de lidar com outras
secretarias que natildeo atuam diretamente com a questatildeo de gecircnero
6) A mudanccedila para uma secretaria mais ampla em termos de temas
abarcados muda a maneira como a transversalidade eacute abordada Como
7) A transversalidade tambeacutem muda de acordo com os contextos urbanos
e rural Como ela se relaciona a esses contextos
8) Como o machismo se manifesta na sociedade E na aacuterea rural E na
aacuterea urbana Compare as duas Existem outros fatores culturais que diferenciam a
aacuterea rural e urbana e que influenciam a maneira como a violecircncia de gecircnero se
manifesta
9) Existe diferenccedila entre violecircncia de gecircnero nos acircmbitos rural e urbano
10) Se sim quais as implicaccedilotildees dessa diferenccedila E a secretaria incorpora
essa diferenccedila na formulaccedilatildeo das suas poliacuteticas puacuteblicas
11) O Estado consegue chegar a uma mulher viacutetima de violecircncia da
mesma maneira na aacuterea urbana e rural
12) Vocecirc sente diferenccedila na maneira como os funcionaacuterios policiais
delegados etc lidam com a violecircncia de gecircnero em zonas mais rurais ou urbanas
75
Como essa diferenccedila se manifesta e como a SEMIRA lida com a diferenccedila entre
atores parceiros
13) Como surgiu a SEMIRA Quais foram os atores importantes Qual
era e eacute a sua relaccedilatildeo da SEMIRA com outros oacutergatildeos do governo do Estado
14) Quais satildeo as poliacuteticas puacuteblicas da secretaria direcionadas para o
enfrentamento da violecircncia de gecircnero Como elas comeccedilaram Como elas
funcionam
15) Qual eacute o histoacuterico da poliacutetica dos ocircnibus multidisciplinares que vatildeo ao
campo Como foi a aceitaccedilatildeo pela populaccedilatildeo Continuidade
72 Formulaacuterio de Consentimento Entrevista
Mulheres em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social Contextos Construccedilatildeo Simboacutelica
e Poliacuteticas Puacuteblicas
Beatriz Junqueira Kipnis
FGV-EAESP
Sou Beatriz Junqueira Kipnis aluna de graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo Puacuteblica
na Fundaccedilatildeo Getulio Vargas de Satildeo Paulo Estou fazendo uma pesquisa de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica sob orientaccedilatildeo dos Prof Dr Marcus Vinicius Peinado Gomes e Prof Dr
Fernando Burgos O objetivo desta pesquisa eacute descobrir se e como os contextos
agriacutecola e urbano impactam na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para mulheres em
situaccedilatildeo de violecircncia e quais as implicaccedilotildees de semelhanccedilas e diferenccedilas dos mesmos
para o cotidiano do puacuteblico beneficiaacuterio Gostariacuteamos de contar com a sua
participaccedilatildeo voluntaacuteria para a parte de campo da pesquisa pois acreditamos que
conhecer a experiecircncia praacutetica possibilitaraacute e enriqueceraacute as anaacutelises dessa pesquisa
Para isso deixamos explicitada nossa eacutetica de pesquisa e pedimos que assine esse
formulaacuterio em caso de consentimento
1 Confidencialidade
Esta entrevista tem como objetivo coletar informaccedilotildees para esta pesquisa e
portanto possui objetivo estritamente acadecircmico Qualquer comentaacuterio opiniatildeo ou
76
avaliaccedilotildees que vocecirc fizer seratildeo tratados com confidencialidade e analisados apenas
para os interesses desta pesquisa
2 Permissatildeo para citaccedilatildeo
Eu gostaria de poder citar diretamente trechos de nossa conversa nos relatoacuterios
e publicaccedilotildees oriundas desta pesquisa Caso deseje manter seu anonimato por favor
manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
3 Participaccedilatildeo
Sua participaccedilatildeo nesta pesquisa eacute voluntaacuteria e vocecirc natildeo receberaacute nenhum
pagamento para tal
Vocecirc pode decidir a qualquer momento por qualquer razatildeo em natildeo mais
fazer parte desta pesquisa Em caso de duacutevidas ou esclarecimentos vocecirc pode fazer
perguntas a mim em qualquer momento
3 Gravaccedilatildeo
Gostaria de pedir sua permissatildeo para gravar nossa entrevista com o uacutenico
proposito de facilitar o processo de pesquisa Se vocecirc natildeo concorda com a gravaccedilatildeo
por favor manifeste sua preferecircncia antes do iniacutecio da entrevista
Assinatura do Entrevistado ___________________________________________
Data _____________________________________________
Assinatura do Pesquisador _____________________________
Data _____________________________________________
Caso tenha alguma duacutevida sobre o estudo por favor entrar em contato com
Beatriz Kipnis bjkipnishotmailcom ou Dr Marcus Gomes marcusgomesfgvbr