PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS
MESTRADO PROFISSIONAL
I SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E
NARRATIVAS
Local de Realização:
Auditório do Curso de História – Centro Histórico
Dias 19 e 20 de maio de 2015
CADERNO DE RESUMOS EXPANDIDOS
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A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM CAXIAS: PASSADOS POSSÍVEIS DE SE
PRESERVAR
Joana Batista de Souza
Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao
indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo
sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva
ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura
brasileira, compreendida como múltipla e plural”(Horta, 1999,p.9). O objetivo aqui é
discutir sobre parte da pesquisa de Mestrado, na qual busco refletir sobre a metodologia
da Educação Patrimonial no contexto escolar das escolas públicas de Caxias-MA
gerando um diálogo entre os indivíduos e o patrimônio cultural. Cabe assim questionar.
Qual a relação da metodologia da Educação patrimonial com preservação do patrimônio
local? De início nos reportamos ao chamado Patrimônio Histórico, que segundo
Françoise Choay é uma parte do patrimônio cultural. A expressão designa um bem
destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias,
constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se agregam
por seu passado comum: obras e obrasprimas das belas artes e das artes aplicadas,
trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos (CHOAY,
2001).É, então, uma estratégia por meio das quais grupos sociais e indivíduos narram
sua memória e sua identidade, buscando para elas um lugar público de reconhecimento,
na medida mesmo em que as transformam em “patrimônio”. Transformar objetos e
estruturas arquitetônicas em patrimônio cultural significa atribuir-lhes uma função de
“representação”, que funda a memória e a identidade. Nesta perspectiva a Educação
Patrimonial pode ser aplicada como objeto de estudo a cerca que tem sido indicado para
o ensino por possibilitar a compreensão do aluno, identificando o passado nos vários
espaços de convivência, ”a escola, casa, comunidade, trabalho, lazer - , e igualmente por
situar os problemas significativos do presente (BITTENCOURT, 2009, p.168). Para
Horta (1999), a metodologia da Educação Patrimonial pode ser desenvolvida no
ambiente formal de ensino (escolas) ou informal (comunidade, associações de bairro,
museus, parques ambientais) e também se adequar a qualquer tipologia de patrimônio,
ou seja, “qualquer evidência material ou manifestação da cultura, fotografias,
documentos, sítios arqueológicos, prédios históricos, reservas ambientais, monumentos,
paisagens naturais, praças, festas e comemorações, rituais, parques ecológicos, por
exemplo, são considerados patrimônios culturais Nos dias atuais, é cada vez maior a
preocupação com a preservação do patrimônio histórico e cultural de uma sociedade, de
um lugar. As dimensões e as características que definem o nosso tempo e espaço geram
discussões constantes sobre o que, como e para quem preservar. Por tal, este trabalho se
propõe levantar os possíveis desafios à efetivação da Educação Patrimonial no espaço
escolar a partir da percepção de que a preservar o patrimônio cultural se apresentam
como essencial para os sujeitos históricos, na medida em que possibilita o reencontro
com as raízes das suas comunidades e a reafirmação das suas identidades. Nesse sentido
o trabalho se torna relevante ao problematizar questões como: qual a relação da
Educação patrimonial com preservação do patrimônio local? E como aproximar o aluno
de sua própria história ou da história de sua cidade? Como articular a prática da
Educação Patrimonial com o ensino de História? Ao pensarmos a História como uma
disciplina dinâmica, o ensino de História também é dinâmico à medida que traz para
sala de aula, temáticas atuais para a produção de novos saberes, resultando no estímulo
à interação, a socialização do aluno e principalmente que o mesmo se perceba como um
ser social e valorize seu ambiente e suas experiências. O ensino de História pode fazer
escolhas pedagógicas capazes de possibilitar ao aluno refletir sobre seus valores e suas
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práticas cotidianas e relacioná-los com problemáticas históricas inerentes ao seu grupo
de convívio, à sua localidade, à sua região e à sociedade nacional e mundial. (PCN,
p.34, 1998). É dentro dessa perspectiva que podemos traçar uma relação do que é vivido
e experienciar essas vivências dos alunos à medida que os mesmos possam expandir seu
conhecimento da relevância histórica que Caxias tem no cenário maranhense atribuída
em grande parte relacionado ao patrimônio arquitetônico herdado da influência
portuguesa. Caxias no Maranhão nasceu das Aldeias Altas, por volta de 1716, às
margens do rio Itapecuru nas terras mais planas e mais altas. Seu processo de
urbanização inicia-se com a chegada dos jesuítas que formaram as primeiras missões
catequéticas. Elevada à categoria de Vila (1811), é denominada Caxias das Aldeias
Altas, passando à categoria de cidade, com a denominação de Caxias (1836), em
consequência do aumento populacional, resultante do desenvolvimento econômico no
século XIX, onde era a principal exportadora de algodão para a Europa. O patrimônio
edificado de Caxias é um testemunho do processo de urbanização da cidade e
concentração de riquezas proporcionadas pelo ciclo de exportação do algodão e
instalação de manufaturas e dos trilhos de ferro por onde passaram, artigos de luxo,
cargas de alimentos e de ideais, sobretudo após o fato de alguns conjuntos
arquitetônicos do período colonial brasileiro terem sido considerados patrimônios
culturais da humanidade pela UNESCO. Esses “lugares”, considerados lugar de
memórias em Caxias fazem referências a uma cidade provinciana com aspectos
modernos e uma riqueza material e opulência resultante das influências vindas da
Europa Ao longo do processo de modernização das cidades, percebemos uma intensa
desvalorização do patrimônio edificado local e também o desconhecimento com relação
ao patrimônio cultural. De acordo com as políticas de preservação criadas pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –INPHAN, geralmente atuam com o
objetivo de reforçar uma identidade coletiva, visando à educação e a formação de
cidadãos. Esse é o discurso que costuma justificar a constituição desses patrimônios e o
desenvolvimento de tais políticas públicas de preservação (FONSECA, 2005); mas, na
prática é preciso criar mecanismos que viabilizem e estreitem de fato a relação entre
patrimônio e sociedade. Fazse necessário então, definir a Educação patrimonial, na qual
se constitui uma prática educativa social que visa à organização de estudos e atividades
pedagógicas interdisciplinar, com o objetivo de, interagir com diversas áreas do
conhecimento visando à análise dos bens culturais que implica explicações múltiplas
sobre o sentido do passado, e da memória, associados à política e a educação ambiental,
ao direito e ao desenvolvimento tecnológico, industrial e social. (PELEGRINI, 2009, p.
36). Diante da necessidade de salvaguardar o patrimônio cultural material da cidade de
Caxias, se torna necessário despertar no aluno para que eles conheçam as
peculiaridades, singularidades e particularidades do local. Como aproximar o aluno de
sua própria história ou da história de sua cidade? Para Jaime Pinski e Carla Pinki para
despertar no aluno o sentimento de pertencimento ao mundo em que vive é
imprescindível que, cada estudante precisa se perceber, de fato como sujeito histórico, e
isso só se consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados
fizeram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos. (PINSKI,
2010, p.21) Par os autores esse trabalho deve começar na sala de aula, por ser
teoricamente um espaço de aprendizagem, de sociabilidades e vivência dos indivíduos
dentro e fora do ambiente escolar. Por isso, a (re)elaboração do passado e a consequente
reconstrução da memória, como fatores importantes para a composição do presente,
exigem o resgate de elementos que darão formas ao espaço vivido e vivenciado, cujos
elementos se apresentam como objetos de identificação de uma sociedade, de uma
cultura. Dessa forma, as contribuições de Rüsen (2001),Schmidt, Barca, Martins (2011),
Cerri (2011), nos mostra que o sentido de preservar um lugar, está ligado à sua
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formação histórica adquirida pelo que eles chamam de Consciência Histórica. Assim
para eles, entende-se a consciência histórica como uma atitude de orientação de cada
pessoa no seu tempo, sustentada refletidamente pelo conhecimento da História. Os
desafios de educar para o patrimônio comungam com as discussões sobre como e para
que preservar. Nesse sentido este trabalho continua com o debate de ampliação dos usos
da Educação Patrimonial e disponibilizar subsídios para que se ampliem as práticas
educativas a partir do processo educacional que se articulam as possibilidades de
desenvolver a sensibilidade e a consciência dos indivíduos para a importância da
preservação desses bens culturais em sala de aula e posteriormente. Palavras - Chave:
História. Ensino. Educação Patrimonial.
REFERÊNCIAS:
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sentindo a cidade de Caxias. In: MELO, Salânia; PESSOA, Jordânia. (org.) Percorrendo
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BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.
São Paulo, Cortez Editora, 2008.
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Contexto.2013 CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência história. - Rio
de Janeiro: Edita FGV, 2011 CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano
Vieira Machado. São Paulo: Unesp.
FUNARI, P. P. A.; PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de
Janeiro: Zahar, 2006. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. 7. Ed.
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HORTA, Maria de Lourdes Parreira. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília:
IPHAN/ Museu Imperial, 1999.
SCHIMDT, Maria Auxiliadora, BARCA, Isabel, MARTINS, Estevão de Rezende
(Org.). Jörn Rüsen e Ensino de História.- Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
REFLEXÕES SOBRE GÊNERO NO MOVIMENTO REGGAE EM SÃO LUÍS:
UM OLHAR NA IDENTIDADE E ATUAÇÃO DA MULHER.
Thalisse Ramos de Sousa
Esta produção tenciona refletir sobre a atuação da mulher no movimento reggae de São
Luís através de suas múltiplas identidades considerando as variáveis de raça, classe e
gênero. Atualmente, é marcante a presença das mulheres nos salões de reggae de São
Luís, porém, mesmo sendo presença constante, e reconhecido alguns progressos, a
situação de coadjuvantes perdura até os tempos atuais, pois no reggae, os homens ainda
são os verdadeiros protagonistas. São eles os donos de radiolas, os dj´s, os proprietários
dos bares, os apresentadores de programas de reggae no rádio, enfim as pessoas que
lideram o reggae em São Luís. Com esta análise pretendemos contribuir para o resgate
da atuação feminina no reggae e participar do esforço de dar a Elas o estatuto que lhes
foi negado. Elas participaram desde o começo, porém os relatos sobre o reggae narram
apenas os feitos dos homens. E as mulheres, como ficam? Meu esforço soma-se a outros
esforços que têm por finalidade tirar do silêncio a voz da mulher. Anseio em obter
respostas para questionamentos como: Quem são as personagens destas histórias? Onde
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elas estão hoje? Como significam sua atuação no espaço do reggae? Como a macro
história está contida nas micros histórias? Qual o lugar social que lhe é reservado?
Quais os discursos que as constroem? Como o discurso feminino é articulado com
outros discursos que configuram redes de saberes? Tratar deste objeto de estudo pode
ser visto como um exemplo de inclusão dos sujeitos invisíveis e de reconhecimento de
que as vozes das mulheres e das minorias (maiorias) silenciosas (silenciadas) estão
ocupando espaços que precisam ser desvelados. As discussões teóricas, em torno das
relações de gênero, decorrentes da construção social e histórica dos sexos, tiveram seu
espaço no movimento feminista como uma nova forma de entender a relação de
dominação a que as mulheres eram submetidas. Os estudos de Joan Wallace Scott
(1995), em fins da década de 60 do século XX, trouxeram à tona preocupações que
enfatizavam a importância da relação homem-mulher no espaço social. A maneira como
a mulher se comporta na sociedade e desempenha seus papéis, nada tem de natural ou
biológico, mas, são construções que se dão a partir das relações sociais. Simone de
Beauvoir (1949), em sua famosa frase – “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher”
– inaugurou os fundamentos do conceito de gênero. Lutando contra o essencialismo
biológico, onde a anatomia era o destino, ela mostrou que ser homem ou ser mulher
consiste numa aprendizagem. Saffioti (2000) nos orienta que a categoria gênero também
é relacional e só pode ser captada na trama das relações sociais e no processo histórico.
As formas como homens e mulheres se vêem vai depender das circunstâncias, das
representações coletivas e da ideologia dominante. Assim, os papéis normativos, os
comportamentos atribuídos a homens e mulheres e a relação entre os sexos não são
discursos neutros, mas representações construídas repletas de significado e de relações
de poder. Assim, é importante ressaltarmos que em nossa sociedade, a qual tem
produzido historicamente papéis sexuais de forma hierárquica e dicotomizada,
reproduzidos na família, na escola, na igreja, nas empresas e em outras instituições, não
é algo natural, mas fruto das relações sociais. Portanto, exploração e machismo não são
manifestações inatas, mas construídas no contexto das relações sociais, permeadas pelas
relações de classe, gênero e etnia. As relações de gênero implicam desigualdade e
dominação: inscrevem-se em relações de poder em que “o princípio masculino é tomado
como medida de todas as coisas” (Bourdieu, 1999, p.03). Portanto, integram um
complexo sistema de dominação masculina, fortemente institucionalizado e
internalizado, e estruturam todos os aspectos da vida social, justamente por está presente
em todos os processos sociais, gênero, pode ser utilizado para debater questões como
raça, classe, identidade, etnicidade e outros, expressando-se na cultura, ideologia,
violência, sexualidade, reprodução, divisão do trabalho, organização do estado e nas
práticas sociais e de lazer, como é o caso do reggae em São Luís. As questões de gênero
são pouco discutidas no movimento reggae, o que impede questionamento de certos
valores e práticas, que acabam por levar a um comportamento discriminatório e
reprodutivo das diferenças, entre eles o “ocultamento” da mulher na sociedade que
reflete-se na historiografia atual, mas esta tem atravessado um processo de renovação
teórico-metodológico nas últimas décadas. Tem-se deixado de fazer historiografia
apenas descrevendo acontecimentos de caráter político ou simplesmente provendo uma
narrativa destacando os aspectos econômicos da vida social. As relações sociais
emergem para primeiro plano, ganham importância na contemporaneidade. Como
resultado desse processo, a pesquisa historiográfica tem valorizado o uso de aportes
teóricos e fontes históricas “que busquem valorizar outros personagens através da
análise do processo social e da expansão de concepção de documento histórico” (Burke,
1992). Essa ampliação na concepção de fonte histórica, que agora não se limita apenas a
documentos e considera também memória, testemunhos orais, fotos, filmagens, entre
outros, beneficia a historiografia no entendimento de estruturas menores da sociedade e
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imputa significância às singularidades, o que impacta em estudos de particularidades
sociais. Seguindo esta perspectiva, temos como recursos metodológicos para esta
pesquisa observação participante através de vivências nas festas de reggae, análises de
fontes escritas mediante consultas em documentos oficiais (leis e políticas) e não
oficiais ( jornais e revistas de época, fotos, vídeos, programas de rádio), além de
entrevistas com participantes (homens e mulheres) do movimento reggae, membros da
cadeia produtiva e representantes de entidades de classe ou sociedade civil organizada,
utilizando a técnica de História Oral, pois “mesmo os que trabalham com períodos
anteriores têm alguma coisa a aprender com o movimento da história oral e precisam
estar conscientes dos testemunhos e tradições embutidos em muitos registros
históricos”. (BURKE, 2000, p.72). O trabalho irá inicialmente contextualizar o
surgimento do reggae sob influência da revolução cultural ocorrida nos ano 60 e 70,
como uma nova linguagem capaz de enfatizar a necessidade de paz e transformação
social. Os cantores de reggae tornaram-se porta vozes das mazelas do terceiro mundo,
propondo inclusão de sujeitos até então marginais como o negro, o pobre e as mulheres,
que neste momento, assim como vários movimentos sociais começam a estabelecer as
bases do movimento feminista. Em seguida será feita uma abordagem sobre a
consolidação e expansão do reggae em São Luís, principalmente nos anos 80 e 90,
explanando sobre sua forma peculiar de estruturação e apropriação em terras
ludovicense relacionando o impacto da construção dessa identidade regueira e a forma
de participação das mulheres no movimento. Por fim, será analisada a identidade da
mulher regueira considerando os múltiplos aspectos que permeiam seu cotidiano
(maternidade, sexualidade, trabalho, religião etc) a fim perceber como elas representam
sua atuação no movimento reggae e como são representadas. Há uma necessidade
urgente de tirar do “anonimato” quem são essas mulheres que participam do movimento
há quase 40 ano, registrar suas memórias, feitos, protagonismos, revelar suas ambições
e necessidades e assim pagar uma dívida histórica dando o reconhecimento e a
visibilidade devida, fornecendo subsídios para a criação de políticas e ações que
possam transformar a realidade social na qual elas se encontram e começar a escrita de
uma nova história, dessa vez mais justa e igualitária.
BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda
Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.
CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, 2003.
POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, 1992.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. “Rearticulando Gênero e Classe Social”, In: BRUSCHINI,
Cristina e Costa, Albertina de O. Uma Questão de Gênero. Rio de Janeiro, Editora Rosa
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Silva, Carlos Benedito Rodrigues da. Da Terra das primaveras à ilha do amor: reggae,
lazer e indentidade cultural. São Luís: EDUFMA, 1995.
Silva, Carlos Benedito. Ritmos da Identidade: Mestiçagem e sincretismo na cultura do
Maranhão. Doutorado: Ciências Sociais. SP. Orientadora: Dr° Terezinha Bernardo.
PUC, 2000
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JOSÉ CUPERTINO E A UMBANDA EM SÃO LUÍS: ABORDAGENS E
PERSPECTIVAS SOBRE A INSERÇÃO DO CULTO NA CAPITAL
MARANHENSE NA DÉCADA DE 1960.
Márcia Andrea Teixeira da Silva
A presente pesquisa visa analisar o processo de inserção das manifestações
umbandistas nos terreiros de São Luís na década de 1960, por intermédio do vereador
José Cupertino, com o objetivo de compreender a dinâmica sociocultural e o processo
histórico dos terreiros de Umbanda em São Luís. No objeto em análise aborda-se a
História Cultural devido ao fato desta corrente teórica possuir uma ampla abordagem de
temas e estudos sobre manifestações populares, como por exemplo: comportamentos,
costumes, dentre outros aspectos das distintas estratificações socioculturais. Vale
ressaltar que os estudos sobre as representações vêm obtendo um espaço considerável
na produção historiográfica, especialmente, por estabelecer enquanto objeto de pesquisa
um amplo leque de possibilidades, viabilizando dessa forma, o diálogo entre as
disciplinas e distintos campos de investigação. Faz-se necessário destacar que há um
forte debate entre a relação memória popular e história oral. Montenegro (2001, p.16)
explica que os problemas de caráter epistemológico que remetem a questão do
empirismo e a prática histórica ortodoxa; a forma do material da história oral; o
testemunho individual; a narrativa ou autobiografia, não são autossuficientes, o que
importa na história oral, segundo o autor, não são os fatos acerca do passado, mas toda a
trajetória em que a memória popular é construída e reconstruída. A perspectiva histórica
estabelece direta relação com a memória, para Halbachs (1990, p.80) deve-se
compreender a história como uma construção que, ao resgatar o passado (campo
também da memória), aponta para formas de explicação do presente e projeta o futuro.
O operar, próprio do fazer histórico na sociedade, localizaria em cada indivíduo um
procedimento interior semelhante (passado, presente e futuro) através da memória. Em
que pese às questões acerca dos conceitos de identidade, elementos fundamentais na
presente pesquisa, Stuart Hall (2005) analisa a crise na pós-modernidade tomando como
núcleo as modificações estruturais que desconstroem e fragmentam vários segmentos
inerentes às identidades de classe, religião, nacionalidade, etnia, gênero e raça. O autor
discute que esses segmentos traçavam uma localização sólida do indivíduo social, no
entanto, as paisagens culturais estáveis que demarcavam esses territórios passaram por
um processo de desintegração desses sujeitos, o que Hall denomina de deslocamento e
descentração do sujeito. O estudo de Hall (2005) corrobora para o objeto em análise,
pois em meio à discussão da inserção da umbanda, por intermédio do vereador e
radialista José Cupertino, tendo em vista que durante parte de sua trajetória na
religiosidade afro-brasileira ele era conhecido como curandeiro, logo, atenta-se para o
olhar de vanguarda do vereador, que perpassa por um processo de descentramento do
sujeito curandeiro, coibido pelos órgãos da segurança, quanto à dinâmica de festividade
em seu terreiro. E assim permite um deslocamento de sua identidade enquanto
curandeiro e passa a ser umbandista exatamente no contexto em que a prática religiosa é
reconhecida enquanto religião no cenário nacional. Temos, portanto, um panorama das
práticas de apropriação e representação (CHARTIER, 1988) no campo da religiosidade
afro-brasileira, especificamente no Maranhão. Diante do exposto o presente estudo visa
desenvolver processualmente uma estrita relação com os conceitos de memória e
identidade na perspectiva histórica das representações umbandistas em São Luís, e visa,
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dessa forma, valorizar o patrimônio sócio cultural maranhense/brasileiro. No que tange
à questão da relação deste estudo com os aspectos metodológicos do ensino de História,
atenta-se para necessidade de trabalhar as referências historiográficas em consonância
com os parâmetros curriculares nacionais, sob o ponto de vista da conscientização dos
alunos em relação às identidades culturais de cada grupo, de cada povo, de cada
indivíduo, uma vez que a Umbanda, e outras manifestações religiosas afrodescendentes,
ainda são reconhecidas pela maioria do corpo discente a partir de um olhar etnocêntrico.
No tocante a metodologia, a pesquisa visa estudar a Umbanda em São Luís na década de
1960 através de jornais, do Diário Oficial do período, referências bibliográficas, além
do resgate da memória a partir de entrevistas com umbandistas e seus familiares, e de
pessoas ligadas a José Cupertino, importante divulgador desta manifestação religiosa e
possível introdutor do culto no período anteriormente citado. Intenciona-se também
observar a trajetória política do vereador, através de documentação da Câmara, com o
intuito de perceber os projetos por ele implementados e a relação com a umbanda, além
de perceber as alianças políticas que viabilizaram o funcionamento dos terreiros do
culto em São Luís na década de 1960. Assim, é possível verificar que a presente
pesquisa tem sua relevância para a produção historiográfica maranhense, contribuindo
não apenas para os estudos sobre cultura popular, mas também para as questões do
ensino, por desenvolver uma abordagem que visa resgatar a memória de grupos
inseridos nas religiões afro-brasileira e cujos valores precisam ser passados para outras
gerações.
Palavras-chave: Umbanda. José Cupertino. São Luís
REFERÊNCIAS
BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens.
Rio de Janeiro. Vozes: 2004.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa:
Difel, 1988.
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP
& A, 2005.
MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória: a cultura popular
revisitada. 3ª edição. São Paulo: Contexto, 2001.
POLLACK, Michael. Memória e Identidade Social. Revista Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.
SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda – Caminhos da devoção
brasileira. São Paulo: Ática, 1994.
BRECHAS DO CATIVEIRO: PRÁTICAS EDUCATIVAS DE MULHERES
ESCRAVAS NO MARANHÃO OITOCENTISTA.
Elaine Regina Mendes Lisbôa
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Tratar acerca do papel da mulher ao longo do processo histórico, tem sido uma
preocupação recente dos pesquisadores das ciências humanas e sociais, tendo-se em
vista a sua posição considerada secundária em um contexto de dominação masculina no
qual os papéis sociais eram legitimados a partir do ser homem ou ser mulher, cor da
pele e do nível da instrução. No entanto, novos caminhos começam a proporcionar
desconstruções de mitos, através de olhares diferenciados à fontes, assim como os
vários entrecruzamentos possíveis entre elas, discutindo-se narrativas históricas que
dirigem-se ao passado e proporcionam elementos que problematizam representações
desses "acontecimentos" no tempo presente. Instigadas a partir das discussões da
História Social e da História Cultural, a referida abordagem, passou a ser objeto de
estudo de historiadores que buscam trazer para as cenas históricas abordagens e sujeitos
"presos", até então, aos bastidores das tramas sociais. Como afirma Pollak (p.4, 1989)
acerca da existência de uma "predileção atual dos pesquisadores pelos conflitos e
disputas em detrimento dos fatores de continuidade e de estabilidade deve ser
relacionada com as verdadeiras batalhas da memória". Novos estudos passaram a se
preocupar com "novos sujeitos do novo passado" (SARLO, 2007, p.16), um exemplo
são as mulheres e escravos. É nessa perspectiva que busca-se refletir acerca das
relações de gênero e escravidão no que se refere às praticas educativas do Maranhão
Oitocentista. Então, abordar essas temáticas, configura-se enquanto um desafio para a
historiografia, uma vez que analisa-se documentos da época que estão imbricados de
intenções que legitimam as vivências de uma sociedade escravocrata, elitista e
patriarcal, legitimando assim, a "ausência" de fontes escritas que façam referência as
mulheres escravas, enquanto sujeito. A partir dessa problemática, as pesquisadoras e os
pesquisadores da área procuraram perceber as lutas, as vivências e as resistências dessas
mulheres, todavia, de acordo com o entendimento de Maria Odila Leite da Silva Dias o
que dificultava o estudo da história das mulheres era a ausência de fontes ou a
invisibilidade destas. E a proposta era a de buscar as minúcias, de ler nas entrelinhas, de
garimpar o metal precioso das fontes em meio a abundante cascalho. (DIAS, 1992).
Vale ressaltar, ainda, que muitas dessas fontes foram e, são mal conservadas, ou
mesmo, destruídas com a intenção de apresentar uma história "universal", sendo assim
faz-se necessário analisar outras histórias dessas mulheres escravas que estão
escondidas "por baixo" de narrativas essencialmente masculinas. Através dessa análise,
percebe-se que o cotidiano dessas mulheres escravas estava permeado por negociações e
conflitos, evidenciando as brechas e adaptações entre a norma e o vivido, entre o que
era posto como regra para as escravas e como elas as vivenciavam, como afirma de
Certeau (1990), nessa brecha se insinuam as reformulações, os desvios, as apropriações
e as resistências, assim exemplifica-se essa ideia a partir das negociações entre os
discursos de exclusão ao espaço escolar, expressos nas Leis e Regulamentos da
Instrução Pública no Maranhão Império, e o vivido nas práticas de uma parcela de
cativas que frequentavam as escolas ou outros espaços de sociabilidade, em seu
cotidiano, permeados de processos de aprendizagem. Para tanto, é necessário analisar
diversas formas que envolveram essas mulheres em processos educativos, visto que se
aprende em espaços formais de educação, assim como em outros espaços. Através desse
entendimento, o referido trabalho problematiza as vivências das mulheres escravas no
Maranhão Oitocentista em dimensões diferenciadas e complementares de processos
educativos: a educação aprendida nas instituições públicas e particulares da Província
do Maranhão, assim como no espaço privado, nas ruas e em outros espaços de
sociabilidade. Nesse sentido, havia interesses mútuos em processos educativos de
escravos, uma vez que para Fonseca (2002) podem ser entendidos como estratégias
educacionais as atividades que buscavam introduzir nos escravos as habilidades
necessárias à sua atuação como trabalhador e a naturalização das relações entre
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dominador e dominado, tornando- os produtivos e submissos, para que não viessem a
representar uma ameaça à vida dos senhores. E segundo Cruz (2009, p.126) apesar da
escravidão, os negros também eram influenciados por processos educativos que
moldavam aspirações de civilidade, integração social e liberdade. As instituições
educativas, a Igreja, o Estado estavam em harmonia com os interesses do país e da
Província do Maranhão, pautados em um projeto civilizador moldavam a instrução com
o intuito de demarcar claramente a divisão econômica e sociocultural, além de
estabelecer os papéis sociais. Esse discurso refletia o comportamento a ser seguido pela
elite, pelos pobres e pelos escravos. De acordo com Abrantes (2014) a capital da
Província exigia um disciplinamento do espaço urbano e de seus habitantes,
especialmente os escravos e os livres pobres, conforme os padrões de civilidade
europeus. Em consonância com essa ideia, os processos educativos no caso das
mulheres escravas que trabalhavam no espaço privado estavam direcionados para
"prepará-las" ao convívio com a elite, tornando-as minimamente "disciplinadas". Por
isso, a disponibilidade institucional de aprendizagem estava direcionada ao
oferecimento dos trabalhos manuais, como evidencia-se por meio do anúncio do
Internato e Externato Maranhense de N. S.de Vitória: "(...) escravas de menor idade,
para aprenderem custura chã labyrinthos, bordados, rendas, engomar, e outros serviços e
brendas próprios de sua condição" (Publicador Maranhense, 07/01/1869). Outra
possibilidade de aprendizagem dava-se também através da idéia de impregnação
defendida por Magalhães ( 1996) transmitindo o conhecimento pelas vivências do
cotidiano, assim o dia-a-dia ensinava diversas atividades à essas mulheres. Dessa forma,
a referida pesquisa trata de grupos excluídos das narrativas historiográficas oficiais,
proporcionando assim uma grande motivação ao ser investigada, visto que evidencia-se
vários silêncios, lacunas, não ditos que instigam o profissional a buscar "respostas"
através do diálogo com várias fontes, estabelecendo assim o paradigma indiciário, o
qual segundo Carlo Ginzburg (2003, p. 143-179) considera uma possibilidade
metodológica de construção do conhecimento por meio da coleta dos indícios e
pormenores, muitas vezes considerados, em outras metodologias, aspectos
insignificantes para a compreensão de determinadas problemáticas. Portanto, a
metodologia de trabalho perpassa pela coleta e análise de fontes primárias (leis,
regulamentos, ofícios, relatórios, documentos escolares, periódicos), referências
bibliográficas do momento estudado, assim como referências contemporâneas sobre o
tema, com intuito de perceber, por meio do entrecruzamento das fontes, como esses
sujeitos escravizados vivenciaram práticas educativas em meio ao discurso de
"superioridade" da elite branca. E partir disso, perceber construções de novas
abordagens que deslocam a mulher escrava do patamar apenas de submissão e
exploração, percebendo-as enquanto sujeitos em processos de busca por sua autonomia.
Palavras-chave: Mulheres Escravas. Práticas Educativas. Maranhão Oitocentista.
REFERÊNCIAS:
ABRANTES, Elizabeth Sousa. A educação do “Bello Sexo” em São Luís na segunda
metade do século XIX. São Luís: Editora: UEMA, 2014.
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1990, [Tradução: Ephraim Ferreira Alves].
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DIAS, Maria Odila Leite da Silva, Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva
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FONSECA, Marcus Vinícius. Educação e Escravidão: um desafio para a análise
historiográfica. Revista Brasileira de História da Educação n° 4 jul./dez. 2002
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Fontes Primárias
Periódico Maranhense: O Publicador Maranhense 1869
DOS ESPAÇOS DO QUARTEL AOS LABIRINTOS DO BORDEL: QUANDO A
ORDEM E A DESORDEM SE ENCONTRAM (SÃO LUÍS 1905-1915)
Ricardo de Jesus Pacheco Silva.
O tema apresentado faz parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em História, Ensino e Narrativa (PPGHEN) pela Universidade Estadual Do
Maranhão (UEMA), cujo projeto de pesquisa aprovado tem como título: “DO
QUARTEL AO BORDEL: das entranhas da ordem às vísceras do prazer” (São Luís
1905-1945). Essa temática aqui exposta faz referência à primeira metade do século XX,
entretanto, a proposta da pesquisa aqui apresentada será direcionada aos anos que
seguem de 1905 a 1915. O espaço de estudo está inserido no centro da capital do
Maranhão, São Luís, abrangendo, principalmente, o bairro do Desterro que hoje faz
parte do Centro Histórico da capital maranhense e que nesse período reunia outros
bairros além desse, como o Portinho e a Praia Grande. A pesquisa, entretanto, foca
principalmente, a área para onde foi remanejado o quartel da Polícia Militar do Estado
(PME), instalado nas dependências do Antigo Convento das Mercês a partir de 1905
(FARIA, 2007), e os espaços de negociação do amor venal, ou seja, ruas e quarteirões
onde estavam localizados bordéis, boates, casa de cômodos e cabarés. A análise,
entretanto, desses espaços, não está direcionada a um estudo da prostituição, como
também não se trata de um ensaio sobre a instituição militar. A pretensão desta pesquisa
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está direcionada à interpretação de uma realidade constituída por múltiplas relações
estabelecidas por militares e meretrizes pertencentes a uma sociedade historicamente
determinada, com seus valores, princípios morais e visão de mundo. A ideia é analisar
as múltiplas relações vivenciadas e compartilhadas por militares e meretrizes nesse
período do século XX, experiências essas, constituídas a partir da dinâmica que
contrapõe o símbolo da ordem, o militar da PME, e a prostituta, a imagem da desordem
(SILVA, 2008), numa rede de sociabilidade tecida por práticas e representações.
Relações que, de certa forma, são aqui analisadas a partir do momento em que o
Comando Geral da Polícia Militar do Estado e seu efetivo são transferidos para o Centro
de São Luís, no bairro do Desterro em 1905, acomodando-se no antigo Convento das
Mercês. A pretensão visa entender como essas relações foram possíveis, e de que forma
elas foram sendo construídas, além, é claro, dos reflexos produzidos na instituição
militar, no meretrício e na sociedade da época. Entendendo essa realidade e suas faces
sob o olhar e o caminhar minucioso do policial militar que emerge das vivências e
experiências compartilhadas com as negociadoras do amor venal, nos espaços de
transitoriedade do prazer. Além dessa questão central, pretende-se compreender de que
forma essas relações foram se consolidando, tendo em vista que esses espaços já
estavam submetidos a mecanismos de vigilância e controle, eram com grande
frequência monitorados por policiais da secretaria de segurança pública, os policiais
civis, delegados e os guardas de quarteirões, entre outros (CAMPOS, 2001). Vale
também frisar a reação da sociedade da época ao se deparar com o convívio de militares
da PME e meretrizes que habitavam o centro de São Luís, em locais próximos as
chamadas casas de famílias e o quartel geral da Polícia Militar do Estado. Em linhas
gerais, essas relações, entre militares e meretrizes, que tem início logo após a
implantação do quartel no bairro do Desterro e que se estenderá até a implantação da
ZBM na década de 40 do século XX é o foco central da pesquisa que estou
desenvolvendo pelo Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativa na
UEMA e que culminará em uma dissertação a ser apresentada como etapa final para
obtenção do título de mestre. Entretanto, a proposta aqui apresentada vai se limitar a
analisar alguns aspectos dessas relações que entrelaçam militares e meretrizes
compartilhadas no período que vai de 1905 a 1915. Vale também frisar que a intenção é
acompanhar esse militar em suas relações construídas no cotidiano ao entrelaçar dever,
desejo e prazer nas múltiplas experiências compartilhadas e vivenciadas nos espaços de
cumprimento de suas obrigações e nos locais de sociabilidade do amor venal. E dessa
forma entender uma sociedade historicamente localizada, com suas práticas e
representações, regidas por valores, princípios, visão de mundo e concepção de
realidade. A pesquisa, de certa forma, tem haver com um trabalho inacabado, iniciado
durante a minha produção monográfica que priorizou as décadas de 1950 e 1960 do
século XX. E nesse período o quartel já estava funcionando a algumas décadas e a ZBM
já havia sido instituída legalmente. Nesse primeiro trabalho o ponto principal foi
também o militar visto a partir de suas relações compartilhadas com meretrizes nos
lugares de negociação do prazer. Agora, nessa nova pesquisa que culminará em um
trabalho dissertativo pelo PPGHEN da UEMA, faço um recuo temporal e amplio o
espaço de estudo para entender de que forma essa relações começaram a ser construídas
e quais mecanismos foram instituídos, a priori, na tentativa de neutralizar as práticas
vivenciadas por militares da PME e que eram consideradas uma violação ao decoro da
própria instituição a que pertenciam. A intenção é buscar a compreensão de uma
realidade multifacetada a partir da análise do cotidiano de sujeitos historicamente
localizados, e assim, compreender a sociedade de sua época. Dessa forma, a pesquisa
propõe o resgate dessas relações entre militares e meretrizes como ponto de partida para
compreensão de grupos sociais e indivíduos, aqui pensados como atores principais da
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dramaturgia do seu cotidiano. Será utilizado o gênero, como categoria instrumental para
análise dessa realidade histórica, pois nos possibilita repensar homem e mulher a partir
das relações construídas pelos mesmos, nunca pensados de forma isolada, mas como
produtos socioculturais. Nesse sentido, o militar aqui analisado é o epicentro dessas
relações de gênero e deve ser sublinhado a partir do seu aspecto relacional com a
meretriz. Numa palavra, a compreensão de qualquer um dos dois, homem ou mulher só
poderá existir se forem analisados a partir das relações compartilhadas por ambos,
nunca de forma separada (SHOIET, 1997) É preciso ainda destacar que operar com
relações de gênero focando o masculino é algo escasso na historiografia maranhense. O
que se tem priorizado, nas relações que envolvem o masculino e feminino, é em grande
parte centrado na mulher. Sendo assim, pretendemos, a partir dessas relações,
concentrar os holofotes em formas distintas de masculinidades (CONNELL, 2013)
produzidas por esse militar, sujeito este constituído a partir de suas múltiplas relações
com o outro, aqui em especial a meretriz. E assim, entender esse mosaico de relações e
utilizá-lo na compreensão de sua realidade, revendo princípios, valores,
comportamentos, visões de mundo, práticas de sociabilidades que possam descortinar
aspectos da sociedade de seu tempo. Vale lembrar que uma rica documentação de
registros militares compilados nos Boletins Regimentais está disponível no Quartel
Geral da PMMA (Polícia Militar do Maranhão), localizado no Bairro do Calhau. Essa
documentação registra, de forma detalhada, as alterações diárias dos militares e suas
punições que estão compiladas em um acervo que data de 1900 aos dias atuais. Além
dessa documentação que é a principal fonte de pesquisa, temos também acesso as fontes
jornalísticas, documentos jurídicos, políticos, registro e relatórios de médicos e
sanitaristas. Sendo assim, acredito na relevância dessa pesquisa, pois além de operar
com o gênero, enquanto categoria de análise histórica, e enfatizar os discursos e práticas
que constroem diferentes masculinidades, ela também é uma contribuição para
sociedade maranhense que pode através de trabalhos científicos, aqui em especial de
história, utilizá-lo na compreensão de sua realidade, e dessa forma, rever princípios,
valores, comportamentos, visões de mundo práticas de sociabilidades e representações
que ainda hoje ecoam em nossa sociedade e que podem ser rechaçadas, extirpadas,
ampliadas, revista, modificadas, fortalecidas ou mesmo excluída, dependendo da forma
que elas possam ou não contribuir para melhorias do nosso quadro social.
Palavras-Chaves: Relações de gênero. Policial militar. Meretriz.
REFERÊNCIAS:
CAMPOS, Marize Helena. Maripozas e pensões: um estudo da prostituição em São
Luís do Maranhão na primeira metade do século XX. Dissertação (Mestrado em
História) – USP, São Paulo, 2001, p. 21.
CONNEL, Robert W; MESSERSCHMID, James W. “Masculinidade Hegemônica:
repensando o conceito”. Estudos Feministas, 21 (1), jan. abr 2013. Pp1
FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos
policiais no universo luso-brasileiro (século XVIII e XIX). Tese (Doutorado em
História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2007, p. 210-211.
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SILVA, Ricardo de Jesus Pacheco. Militares e meretrizes: a ordem e a desordem numa
linha tênue. Monografia (Graduação em História) - Universidade Federal do Maranhão,
São Luis, 2008, p. 14.
SHOIET, Rachel. Enfoques femininos e sua história: desafios e perspectivas. In:
MATOS, Maria Izilda S. de; SOLER, Maria Angélica (orgs.). Gênero em debate:
trajetória e perspectiva na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p. 63.
.241-282.
A VISÃO DE TÚNDALO COMO EXPRESSÃO DA MEMÓRIA CRISTÃ DO
ALÉM MEDIEVAL
Bianca Trindade Messias- Bolsista FAPEMA.
A morte sempre foi inquietante para o homem medieval, os medievos tinham a certeza
da imortalidade da alma, entretanto desconheciam o destino da mesma no pós-morte. A
população vivia num mundo arraigado de valores e regras cristãs, onde o cristianismo
ensinava as normas de conduta para um bom ordenamento social e informava o que
poderia acontecer no além-túmulo, visando a salvação de todos. Uma das formas de
educá-los era através da pregação, momento importante para a difusão dos
ensinamentos de Cristo e seus apóstolos. A Bíblia era a principal fonte de ensino, mas
além dela os clérigos utilizavam outras narrativas, como por exemplo, os relatos de
viagens imaginárias ao Além-túmulo. Estas retratavam as histórias de homens que
foram agraciados em conhecer o além, ou seja, os três reinos eternos que são o Inferno,
Purgatório e Paraíso, com o objetivo de retornar ao mundo dos vivos como testemunhas
de sua experiência. Assim, os eclesiásticos dialogavam com as memórias de Cristo,
como a ressureição, as provações e as parábolas, juntamente com as memórias dos
viajantes que foram ao Além medieval e recontavam as características dos lugares do
pós-morte, com o objetivo de torná-las vivas e presentes no cotidiano dos medievos. A
Visão de Túndalo é um exemplo de narrativa visionária ao Além, o manuscrito foi
escrito no século XII em latim ou gaélico pelo monge Marcus, de quem possuímos
poucas informações, e traduzido para vários idiomas entre os séculos XII e XVI, como o
alemão, francês, inglês entre outros. Duas versões portuguesas da visio foram traduzidas
entre o final do século XIV e início do século XV por monges cistercienses do mosteiro
de Alcaboça. A narrativa é conservada em dois códices diferentes uma no códice 244,
atualmente depositada na Biblioteca Nacional de Lisboa, traduzida por Fr. Zacharias de
Paypolle; e outro no códice 266, localizada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
traduzido por Fr. Hilário da Lourinhã. A fonte narra a viagem do cavaleiro chamado
Túndalo, proveniente da nobreza, porém aos olhos da Igreja as suas ações eram
indisciplinadas, pois não seguia a conduta cristã, como ir às missas, se confessar, fazer a
caridade, entre outras práticas. Túndalo era um exemplo de cavaleiro pecador da
sociedade feudal, porém foi privilegiado ao conhecer as penas e sofrimentos do Inferno
e Purgatório e as glórias e maravilhas do Paraíso num dia em que se sente mal e fica em
estado de morte aparente, sendo levado ao Além-túmulo por um anjo. Após visitar os
espaços do pós-morte, a sua alma voltou ao corpo, revelando aos que estavam ao seu
redor as características dos lugares vistos e depois desse momento o cavaleiro
arrependeu-se de seus pecados e converteu-se ao cristianismo. A partir da Visão de
Túndalo temos o objetivo de analisá-la como um manual pedagógico de comportamento
e transmissora de memória dos valores cristãos presentes na sociedade medieval, sendo
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a memória cristianizada interpretada como um elo de ligação entre Deus e os homens,
fazendo com que os medievos conhecessem um passado idealizado a partir do
conhecimento das Sagradas Escrituras, que enfatizam os grandes feitos de Jesus na
terra, e que os medievos tivessem desprezo pelo mundo terreno, pela presença dos
vícios que os rodeavam e os levavam a pecar. Ao mesmo tempo, as viagens ao Além
apresentavam um futuro anunciado cuja expectativa era a salvação, conforme obteve o
cavaleiro Túndalo ao final de sua narrativa. A memória é objeto de estudo da história,
através dos relatos e dos testemunhos permite que os fatos do passado sejam
reconstruídos a partir do presente, retratando as experiências, os sentidos daqueles que
vivenciaram o passado, narrando as coisas como aconteceram, ou como eles
imaginavam, selecionando, escolhendo e omitindo alguns fatos. Jacques Le Goff
(2003), em sua obra História e Memória, observou a importância da memória para a
estruturação organizacional das sociedades ao apresentar o seu caráter histórico;
destacamos a fundamentação e significados assumidos na Idade Média. Nesse período a
memória foi cristianizada, interpretada como um vínculo de conexão entre Deus e o
homem ao retomar as memórias dos grandes feitos de Jesus e seus apóstolos, a fim de
mostrar para os medievos os princípios que eles deveriam seguir para terem uma boa
conduta. A difusão das memórias ocorria por meio da oralidade, principal caminho de
comunicação do mundo dos leigos com os dos clérigos, nessa perspectiva “[...] a
oralidade funcionava no aspecto pedagógico do relato. A oralidade implica teatralidade
e improvisação por parte daquele que lia. A voz era garantidora de autoridade, assim
como a presença de um suporte escrito sobre o qual o leitor poderia fazer intervenções e
modificações ao texto segundo o desejo de causar determinada impressão sobre a
plateia”. (ZIERER, 2013, p. 114). A voz era o canal essencial de ensino para os
medievos, assim como a escrita, essa era fundamental para a legitimação dos discursos
eclesiásticos, sendo as suas fontes o relato bíblico. Assim, o escrito e o oral
encontravam-se em equilíbrio, recitar os evangelhos conforme estava escrito na Bíblia
era um privilégio divino exercitado por meio das regras mnemotécnicas, ao passo que
esquecer de alguma passagem ou até mesmo palavra era designado como manifestação
do ser maligno. Um dos temas presentes nas pregações era o Além medieval, cujo
objetivo era informar os espaços do pós-morte para onde as almas serão conduzidas
após o Juízo Final. As memórias dos relatos de viagens imaginárias e os da Bíblia
estavam conectados durante a missa, que revivia a memória litúrgica da presença de
Cristo no momento da Eucaristia. Esta era invocada pela manipulação dos objetos
sagrados e através das palavras as pessoas lembravam da existência do Pai, representado
pelo corpo e sangue de Cristo. Para além da memória litúrgica, existe a memória
transcendente a fim de apresentar o mundo sobrenatural, segundo Patrick Geary, “a
memória é uma parte da alma à qual pertence a imaginação, e todas as coisas
imagináveis são, em essência, objetos da memória”. (GEARY, 2006, p. 178). Uma das
formas de conhecer e tornar visível o Além era através da imaginação, pois, conforme
Jérôme Baschet (2006), a pregação era um verdadeiro teatro em que os clérigos
articulavam a voz e as expressões corporais a fim de prenderem a atenção daqueles que
estavam ouvindo e incitá-los a produzirem imagens mentais. Sandra Pesavento explica
que “o imaginário faz parte de um campo de representação e discursos que pretendem
dar uma definição da realidade”. (PESAVENTO, 1995, p. 15). O estudo do imaginário
não se restringe apenas as imagens mentais, mas envolve as produções dos discursos
que expressam os hábitos, os valores simbólicos e ideológicos dos grupos sociais que os
constroem atribuindo significado para a realidade social em que vivem. A Visão de
Túndalo é uma narrativa de memória e imaginação do Além, uma de suas características
é a descrição dos três reinos eternos. Primeiramente a alma do cavaleiro Túndalo foi
conduzida para o Inferno, um lugar sombrio, habitado pelo príncipe das trevas, Lúcifer e
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os demônios, nesse espaço as almas sofrem com as punições de seus pecados praticados
na terra. O Purgatório é o local intermediário entre o Inferno e o Paraíso, as almas são
destinadas conforme os pecados veniais e após a purgação ascendem para o Paraíso. O
Paraíso se opõe ao Inferno e Purgatório pela sua claridade, calmaria e está dividido em
três muros: o muro de Prata, Ouro e Pedras preciosas. No muro de Prata encontravam-se
aqueles que não cometeram o adultério, no de Ouro estavam os monges, homens e
mulheres, e os construtores da Igreja e o de Pedras Preciosas as noves ordens de anjos,
os patriarcas, os profetas da Bíblia, os apóstolos de Jesus e as virgens. A partir da
análise da narrativa Visão de Túndalo observamos que essa expressa os valores da
cultura medieval, as memórias do cavaleiro foi apropriada e selecionada pelos clérigos
por um processo de “enquadramento” (POLLAK, 1992, p. 6) para que o homem
medieval adquirisse consciência de si, de suas ações que deveriam ser realizadas no
mundo terreno para a espera de futuro próximo que será continuado no Além. Portanto,
as memórias do cavaleiro Túndalo retratam as suas experiências no Além medieval,
informando os elementos que compõem cada espaço do pós-morte, atrelados com a
imaginação das coisas vistas e sentidas revelando os elementos visíveis e indivisíveis do
cristianismo para obtenção da salvação.
Palavras- chave: Memória. Além medieval. Salvação.
REFERÊNCIAS
FONTES:
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1895, p. 97-120.
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1982-1983, p. 38-52.
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GEARY, Patrick. Memória. In. LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. V. II. Tra. De Hiário Franco Júnior. São
Paulo/ Bauru: Imprensa Oficial/ EDUSC, 2006, p. 167-181.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2003.
PESAVENTO, Sandra. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 15, n. 29, p. 9-27, 1995.
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Rio de Janeiro, v.5, n.10, 1992, p. 200-212.
ZIERER, Adriana. Da ilha dos bem aventurados à busca do Santo Graal: uma outra
viagem pela Idade Média. São Luís: Ed. UEMA, 2013.
ÀS AULAS CIDADÃOS: AS PRIMEIRAS ORDENS SOBRE A INSTRUÇÃO
PÚBLICA PARA O SERTÃO MARANHENSE DO OITOCENTOS (1827-1834)
Wild Muller dos Santos Lima Orlanda
O texto ora proposto emerge de minha pesquisa de mestrado pela Universidade Estadual
do Maranhão em História, Ensino e Narrativas (PPGHEN-2014), em andamento e busca
analisar os aspectos históricos educacionais no sertão maranhense no âmbito das
Escolas das Primeiras Letras no período de 1827 a 1841. Sendo assim, analisar a
História da Educação no Maranhão Oitocentista, na perspectiva de entender como esta
história representa, oculta, permite ou (im)possibilita, a construção historiográfica,
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social, cultural e educacional no sertão maranhense constitui uma questão fundamental a
ser discutida. Certamente, que esta pesquisa possibilite descobrir novas informações
sobre este modelo de ensino implantado no século XIX no Brasil que veio como o
consolidador do novo ideal de progresso e civilidade.
Através de uma análise do fenômeno educacional do oitocentos no Maranhão seria
possível entender e confrontar diferentes concepções de homem, sociedade e educação,
já que entre as legislações e os sujeitos a que essas leis se destinam existe um amplo
leque de experiências e representações multiplamente vivenciadas e expressadas.
Evidentemente, a realização de estudos a respeito dessa modalidade de educação
precisa, de um lado, considerar as questões sociais e educacionais mais amplas que a
circundam e, de outro, interpretar criticamente sua especificidade, destacando seus
elementos sociais, históricos, pedagógicos, legislativos e culturais.
A pesquisa se fundamenta nos seguintes procedimentos: estudo bibliográfico (fontes
secundárias) e documental (fontes primárias). Para a revisão bibliográfica inicio com a
categoria sertão, para perceber como as sociedades formam os seus sistemas de
representações temos que analisar, no nosso caso os sentidos de sertão, os sistemas de
significação que nelas estão presentes, sendo signos ou não, observar a sua natureza
mutante que foge às tentativas de enquadramento e fixação.
Nesse sentido, devemos esgarçar os muitos fios que tecem às tramas das narrativas que
o instituem, tornando-se primordial o rompimento com perspectivas de análises
apoiadas em leituras que veem o espaço como algo naturalizado, imutável e perene. Os
discursos que trazem uma ideia naturalizada de espaço, são fortemente encontrados em
visões que desconsideram ou desconhecem o fato de que a própria natureza é provida de
historicidade, negando-se a conceber que os recortes espaciais seriam atravessados por
múltiplas temporalidades. (MUNIZ, 2008, p. 33-36).
Para tanto, considero as contribuições de Francisco de Paula Ribeiro (1848), Capistrano
de Abreu (1853 e 1927), Sérgio Buarque de Holanda (1945), Gilmar Arruda (2000),
Erivaldo Neves (2003) e Nísia Trindade Lima (2013) Outros pesquisadores, estes
maranhenses, que se valem da categoria sertão, merecem destaque Maria do Socorro
Cabral (1992), Sandra Regina Rodrigues dos Santos (2010), Irisnete Santos de Melo
(2010), Alan Kardec Gomes Pachêco Filho (2011), Carlota Carvalho (2011) e
Raimundo Lima dos Santos (2014).
Tomando como base Irisnete Melo (2010), pensar no sertão maranhense do século
XIX, não é tarefa fácil a ser empreendida, na verdade é fazer uma construção de
retalhos e vestígios encontrados aqui e ali e que vão construindo o conhecimento, dentre
essas pequenas peças que se encaixam nos deparamos com relatos de viajantes, livros de
memórias e pesquisas acadêmicas. O seu sertão, aqui apresentado também é visto como
um espaço polissêmico, um espaço de ambiguidades, composto de diferentes práticas
sociais, políticas e culturais.
No que tange à pesquisa documental (fontes primárias), o processo aquisitivo de
informações está sendo desenvolvido no Arquivo Público do Estado do Maranhão
(APEM), Biblioteca Pública Benedito Leite, no site http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/maranh%C3%A3o, que abrange o Projeto de Imagens de
Publicações Oficiais Brasileiras que são publicações, emitidas anualmente durante o
Império, apresenta uma síntese das atividades em cada província..
Estão sendo utilizadas técnicas de manipulação, análise e interpretação de documentos
próprias da historiografia. Para tanto os métodos teóricos e empíricos serão essenciais
para o desenvolvimento da pesquisa. As fontes documentais pesquisadas serão Leis e
Regulamentos das Instituições Públicas no Império; Códigos da Instrução Pública no
Maranhão; Documentos como diários, ofícios, relatórios e falas encaminhados aos
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presidentes da província do Maranhão; Decreto Imperial de 26 de Março de 1824; Lei
Imperial de 15 de Outubro de 1827; as atas do Conselho Presidial do Maranhão (órgão
que auxiliava o presidente da província no trato de questões envolvendo as necessidades
provinciais) na execução da Lei de 15 de outubro 1827 na província, especialmente no
sertão maranhense.
Neste momento a pesquisa encontra-se na análise O Conselho Presidial iniciou suas
atividades em meados de 1825, com o primeiro mandato dos conselheiros, que se
estendeu até 1834, por isso o recorte temporal deste texto. Suas atas foram registradas e
são preservadas atualmente pelo Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Nesse sentido este trabalho se divide nos seguintes tópicos: discussão conceitual sobre a
categoria sertão; as fontes oficiais para a História da Educação na província (as atas do
Conselho); breve histórico do projeto Constitucional de 1823; a Constituição de 1824; a
Lei Geral da Educação de 1827 e os seus desdobramentos nas ações do Conselho.
A pesquisa encontra-se na fase de análise documental, na qual serão contemplados: as
atas do Conselho Presidial, o livro de Ordens do Conselho Presidial, livro de ordens do
Conselho Geral e Assembleia Provincial e documentos avulsos de professores do sertão
maranhense (como ofícios, relatórios, requerimentos, etc.).
O trabalho do historiador pressupõe o conhecimento da historiografia que o precede, em
função do diálogo com o já escrito que o fazer histórico exige. Dessa forma, este estudo
vai ao encontro da produção histórica realizada atualmente. O cotejar obras anteriores é
um dos efeitos de verdade da análise histórica, na medida em que o discurso do
historiador se fundamenta em outro, já conhecido. Daí a necessidade de reflexão
historiográfica que aborde de maneira crítica as produções passadas, percebendo
amarras e sentidos de uma criação intelectual, como: contexto, destinação,
alinhavamento teórico-crítico, entre outros elementos que revelam perspectivas e
posicionamentos das obras e dos autores (GALVES; BITENCOURT, 2014, p. 13).
Dando continuidade à revisão bibliográfica sobre a historiografia da educação brasileira
e maranhense, analisarei as contribuições dos autores que se empenharam em estudar o
período Oitocentista, e que de certa forma contribuíram para os estudos educacionais,
incluindo o sertão. Dando ênfase para os seguintes autores, no que se refere a
historiografia brasileira: José Ricardo Pires de Almeida (1889), Moacyr Primitivo
(1936, 1938), Dermeval Saviani (2007), Alessandra Schueler e José Gonçalves Gondra
(2008) e André Castanha (2013). Em se tratando da província do Maranhão é de
fundamental importância remeter à sua historiografia e se torna indispensável a reflexão
das obras de Jerônimo de Viveiros (1937), Maria do Socorro Coelho Cabral (1984),
Maria de Lourdes Lauande Lacroix (1983) Cesár Augusto Castro (2009), Mariléia dos
Santos Cruz (2012), Andréa Pestana de Almeida (2013) e Elizabeth de Souza Abrantes
(2014).
De posse dos resultados da pesquisa documental, nos baseando em estudos
historiográficos e nos apropriando de instrumentos que nos permitam compreender
como se efetivou o processo de criação dessas escolas, pretendo, por meio de uma
prática histórica, que segundo Certeau (2003), depende dos instrumentos que se utilizam
da sua operacionalização e do formato de intencionalidade da sua escrita, reconstruir o
processo de ensino das Escolas de Primeiras Letras no Maranhão, fazendo uma “análise
de discurso” contrapondo os documentos analisados e as seguintes obras: A esfinge do
Grajaú (1993) de Dunshee de Abranches; Os Sertões(2011) de Carlota Carvalho.
Esta análise se empenhará em identificar possíveis “contradições” ou como afirma
Barros (2011) trazer a nu as “representações” que subjazem sob as narrativas
examinadas, e para tal se valerá de técnicas semióticas, da identificação de temáticas, da
contraposição intertextual entre discursos produzidos por indivíduos que ocupem
diferentes posições da sociedade maranhense, voltadas para a educação, no período
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estudado, para posterior discussão dos resultados e elaboração da redação final de
dissertação.
Palavras chave: História; Educação; Sertão.
REFERÊNCIAS
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ENTRE A HISTÓRIA E A LITERATURA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
ACERCA DA NARRATIVA DE EDUARDO GALEANO
Liana Márcia Gonçalves Mafra
O presente trabalho tece algumas considerações acerca da pesquisa em andamento no
Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas-PPGHEN/UEMA,
partindo da possibilidade da Literatura apresentar-se como material de inquirição para
os estudos da História, considerando que os dois campos, apesar de distintos, são
formas de desvelamento e apreensão da realidade, atribuindo-lhe sentido, oferecendo o
mundo como texto, pois, como musas, Clio e Caliope, criam aquilo que cantam. De
acordo com Sandra Pesavento (2008), com o advento da História Cultural, o campo de
análise histórica ampliou e vivenciou uma significativa modificação, com incorporação de
novas documentações, novos objetos de estudo e aplicações metodológicas. Assim,
expandiu-se a perspectiva da relação entre a História e a Literatura e ambas, como
narrativas, tendo a realidade como referente, participam da criação do mundo. Desse
modo, entende-se as narrativas literárias e históricas como discursos que indagam e
respondem a respeito dos homens no mundo. Tal reflexão tem como objeto as narrativas
do escritor uruguaio Eduardo Galeano, cuja escrita sempre foi direcionada a narrar a
história ignorada da América Latina sob a ótica dos explorados, excluídos e esquecidos.
À vista disso, a presente investigação é inteiramente desenvolvida com base em
pesquisa bibliográfica e propõe-se a analisar a representação da ditadura militar na
América Latina a partir das narrativas de Eduardo Galeano, no entrelaçamento entre
literatura, história e memória, especificamente, alicerçada no último livro da trilogia
Memoria del fuego – El Siglo del Viento (1986) –, cujos temas representados na obra
abordam os fatos sociais e políticos ocorridos na América durante as ditaduras militares,
problematizando como a literatura latino-americana representou textualmente e ficou
marcada pelo regime ditatorial e de todos os problemas que dele deriva, assim como
Eduardo Galeano interpreta, ficcionalmente, história e memória, no contexto dos anos
de repressão na América Latina, tecendo-as com os fios de sua experiência pessoal,
social e política. Convém ressaltar que as transformações políticas e sociais marcaram a
literatura latino-americana produzida por vários escritores, principalmente no século
XX. Esta literatura produzida com o compromisso social é reconhecida como literatura
engajada e seus autores, cujas escritas estavam associadas à política, como Eduardo
Galeano, utilizaram-na para denunciar as injustiças e para reivindicar a liberdade,
principalmente nos tempos de ditadura. Assim, a esta pesquisa problematiza também o
papel do escritor, como intelectual da América. Como exemplo para esta explanação,
temos que Galeano, em Montevidéu, atuou como chefe de redação do semanário
Marcha e diretor do jornal Época, que foram sucessivamente fechados pelo governo
militar. Em face da perseguição, Galeano teve que se exilar em 1973, em Buenos Aires,
onde participou e dirigiu a revista Crisis, mas teve que sair novamente para o exílio. Em
sua escritura convivem o jornalismo – vértebra de sua obra –, o ensaio e a narrativa
literária, sendo, sobretudo, um cronista do seu tempo, que retrata com acuidade a
sociedade contemporânea, penetrando em suas chagas e em suas máscaras cotidianas.
Em uma de suas narrativas, Galeano refere-se à revista Marcha, publicação, que durante
décadas, deu voz ao povo uruguaio e terminou sendo silenciada em 1974 pela ditadura.
Noticias
Desde Uruguay.
Han quemado las colecciones y los archivos de Marcha.
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Clausurarla les parecía poco.
Marcha había vivido treinta y cinco años. Cada semana demostraba, con sólo existir, que no venderse
era posible.
Carlos Quijano, que la dirigió siempre, está en México. Se salvó raspando.
Marcha ya no existía y Quijano insistía en quedarse, como velándola. Llegaba a la redacción a
la hora de siempre y se sentaba ante el escritorio y ahí permanecía hasta el anochecer,
fantasma fiel en el castillo vacío: abría las pocas cartas que todavía llegaban y atendía el
teléfono, que sonaba por error. (GALEANO, 2011, p. 202.
Sobre a revista, Enrique Serra Padrós (2013) esclarece que durante a ditadura uruguaia
houve perseguição a escritores e a jornalistas. A imprensa também sofreu fortes
restrições, assim como o semanário Marcha, que, juntamente com outros, sofreu
proibições e constantes fechamentos e vários integrantes da revista foram presos,
obrigados ao exílio. Segundo Padrós, em 1977, o vice-diretor, o jornalista da revista,
Julio Castro, foi sequestrado e desaparecido. Diante das narrativas de Padrós e de
Galeano, vê-se práticas ditatoriais comuns naquele período. Diante do exposto,
considera-se que conhecimento da história através de um autor e da literatura enriquece
o campo e o ensino da história, pois a literatura tornou-se um meio de denúncia das
atrocidades cometidas pelo regime, tentando evitar o silenciamento e o esquecimento,
haja vista a censura e o fechamento de vários meios de comunicação e dos canais de
participação política. Assim, a literatura tornou-se um campo de resistência e
testemunha histórica, trazendo consigo as marcas do tempo em que foi produzida.
Sobretudo porque a literatura não é produzida no vazio, mas a partir dos discursos
vivos, onde há interação e relação entre obra, escritor e ambiente. E as fronteiras entre
as narrativas literárias e históricas tornam-se cada dia mais tênues, considerando que a
história é, com frequência, porto de partida para a literatura e a história busca na
literatura outras formas de conhecimento do passado. E este tipo de escrita qualificado
com a expressão literatura de testemunho cresceu a partir da década de 70 e, de acordo
com Alfredo Bosi (2002), tal escolha do termo prendeu-se a necessidade de abranger
um grande número de escritos situados na intersecção de memórias e engajamento.
Logo, não somente historiografia e não somente ficção, testemunho, colocando o sujeito
no centro dos estudos e modificando a percepção de subjetividade e de hierarquia dos
fatos. Beatriz Sarlo (2007) afirma que apesar da literatura não explicar e tampouco
dissolver todos os problemas colocados, há nela um narrador que sempre pensa fora da
experiência, como se além de sofrer os homens pudessem se apoderar do pesadelo. Em
observação sobre a literatura na esfera das ditaduras do Cone Sul, destaca ainda que só
houve condenação dos ditadores por conta da recordação, através dos relatos das
testemunhas e vítimas dos governos militares. A memória foi peça fundamental do
ponto de vista jurídico e da reconstrução do passado, uma vez que muitos registros
sobre os atos ditatoriais haviam sido destruídos pelo regime. Segundo Valéria de Marco
(2004), essas produções literárias têm origem na violência do Estado e na redefinição da
identidade dos autores latino-americanos durante o exílio. São relatos de sobreviventes
como fontes de reflexão historiográfica, demonstrando a necessidade de examinar as
relações entre violência, representação e produções artísticas. Desse modo, no que
concerne a Eduardo Galeano, observa-se que sua produção no período da ditadura é
política e é histórica, considerando que apresenta outras possiblidades de conhecimento
do real vivido. E suas narrativas alinham-se à recomendação de Walter Benjamin (1994)
quando afirma que os historiadores devem “escovar a história a contrapelo”,
investigando minuciosamente o que é transmitido pela interpretação oficial, removendo
os destroços do passado, remexendo as ruínas para revelar o discurso sufocado dos
vencidos. Em suma, este diálogo entre as duas áreas, literatura e história, é relevante
porque propicia maior potencialidade de revelação das experiências, a partir da
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exploração de novas linguagens, novos ângulos e temáticas. Então, antecipa-se que a
escrita de Galeano está entranhada na História e de História. Logo, depreende-se a
importância de se conhecer a América Latina a partir de um escritor, a necessidade de
explorar mais a literatura latino-americana, a novidade que ainda é a concepção da
ditadura militar através da literatura, tendo em vista que a evocação da memória é
provocada por múltiplas modalidades.
Palavras-chave: História, Literatura, Eduardo Galeano.
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O MASSACRE DE ALTO ALEGRE NA MEMÓRIA COLETIVA DE BARRA
DO CORDA: DISPUTAS, SILENCIAMENTOS E MÚLTIPLAS
REPRESENTAÇÕES
Carlos Eduardo Penha Everton
No ocaso da Monarquia e raiar da República, ao fim do século XIX, o Brasil ainda era
um país no qual o “Sertão”, em diversas partes do território, continuava a se configurar
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como uma região que teimava em permanecer esquiva a um processo civilizatório que
já havia permeado significativo período, de mais de três centúrias, entre o início efetivo
do processo de colonização e o fim do Império. É nesta perspectiva, conforme AMADO
(1995) da inserção de partes desse Sertão no processo de civilização e nacionalização
integral do território brasileiro que se justifica propor estudar o “Massacre de Alto
Alegre” (episódio ocorrido a 13 de março de 1901, no qual missionários religiosos –
eclesiásticos e leigos, totalizando cerca de duzentas pessoas, segundo números oficiais
divulgados pela imprensa da época – foram assassinados por índios Tehetehara-
Guajajara em um aldeamento religioso, na época, no território pertencente à cidade de
Barra do Corda, hoje Jenipapo dos Vieiras, no estado do Maranhão). Muito embora a
discussão macro da presente produção não esteja voltada a questionar as razões que
conduziram ao aludido fato, relacioná-lo às discussões que giram em torno de Sertão –
tanto enquanto categoria quanto como espacialidade – e sua “conquista” é algo
considerado de grande pertinência, tendo em vista que a região que serviu como palco
para o que ora se estuda é parte do que outrora genericamente era denominado como
pertencente aos sertões maranhenses, mais precisamente na cidade de Barra do Corda,
onde, no ideário popular, conforme BRANDES (1994) a ideia de Sertão – ainda
hodiernamente – é muito presente, seja na literatura local, no linguajar do homem
comum, no cotidiano do município, em nomes de estabelecimentos comerciais e em
marcas como a própria canção símbolo da cidade, a Canção Cordina, que nomina a
cidade como “Princesa do Sertão”. Assim, estudar um conflito que ocorreu nesse
município e, mais do que isso, as memórias que se construíram ou que foram silenciadas
sobre ele e algumas das possibilidades de representação acerca do mesmo, enseja a
busca do entendimento, incipiente – que seja – do sertão e alguns elementos a ele
subjacentes. No sertão barra-cordense, parte de um sertão “diferente”, de acordo com
PACHECO FILHO (2011), sobressaem-se, dentre eles: uma vegetação exuberante, um
relevo altiplano, uma hidrografia com dois rios extremamente importantes e que se
encontram na zona central de onde se povoou a cidade, assim como os traços humanos,
quais sejam os índios, primeiros elementos humanos a fazerem morada naquelas
paragens e os não-índios, aos poucos, também, “incorporados” à paisagem local. As
problemáticas atinentes a esse processo de incorporação e consolidação da presença dos
não-índios, estudadas por ZANNONI (1999) com suas instituições e cultura, e a
plenitude de tensão e conflitos, frequentes, segundo MELO (2011) disso resultantes, são
o pano de fundo para a discussão que ora se traz à tona – que só é exequível a partir da
apropriação desse conhecimento, para o que lançamos mão de pressupostos teóricos que
discutem o sertão; dos que interpretam a cartografia e a espacialidade locais, como
CARVALHO (2011), PACHECO FILHO (2011) ; daqueles que oferecem perspectivas
de conhecimento sobre os Tenetehara-Guajajara e compreensão do Massacre de Alto
Alegre (quase nenhuma a partir da visão da História, mas predominantemente da
Antropologia), como ; dos que trabalham com as categorias de História e Memória; dos
que nos embasam a tratar das representações da memória barra-cordense a partir de
visões estruturais que fogem às construídas até o presente momento, nos possibilitando
discutir relações entre outras categorias, no que tange ao conflito do Alto Alegre, como
mito, memória e suas representações. Também nos é conveniente salientar que a
materialização desta produção tem como SANTOS (1991), BRANDES (1994)
ZANNONI (1998 e 1999), GOMES (2002), MATTOS (2007), importante traço o
estudo que chamaríamos em um “quase” neologismo de etno-histórico (visto que este
ramo da pesquisa histórica apenas recentemente tem ganho maior ênfase), em função do
uso da metodologia da História com fontes orais , porém realizada sobretudo através das
incursões nos espaços das etnias Tenetehara_Guajajara e Kanela, diretamente
envolvidas nos traços de memória produzidos sobre o Massacre de Alto Alegre (o
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destaque a estas interferências se deve à realização de entrevistas com barra-cordenses
não-índios, assim como com o cineasta Murilo Santos, autor de uma produção-
documentário intitulada “O Massacre de Alto Alegre” e alguns atores). A realização dos
colóquios mencionados tem como finalidade a percepção de questões relevantes ligadas
à memória, categoria fundamental de discussão na pesquisa. Primeiramente, é relevante
que se mencione que a memória regional é profundamente marcada por nuances de
narrativas ligadas ao Massacre de Alto Alegre, em versões construídas tendo por base a
documentação escrita oficial; relatos da imprensa; diversas representações
memorialísticas das Igreja Católica (muitas das quais “martirizadoras” dos religiosos) e
da própria oralidade popular, reproduzida pelas gerações posteriores ao fato. Povoam
fortemente o referido imaginário figuras como a “Infeliz Perpetinha” (a jovem Perpétua
dos Reis Moreira, adolescente branca raptada e jamais resgatada, a quem eram
atribuídas inscrições cravadas nos caules das árvores da região, nas quais a mesma teria
feito auto-proclamações como “Infeliz Perpetinha”), assim como o índio que teria
assassinado, com requintes de crueldade, uma das freiras que seria sua
madrinha...dentre várias histórias que, com algumas variações possuem núcleos
semelhantes: índios cruéis, traiçoeiros contrastando com as lastimáveis histórias dos que
foram “covardemente” atacados, quando apenas – segundo esta memória – queriam
evangelizar e fazer o bem a essa população nativa. Na cidade de Barra do Corda,
especificamente, existem várias representações que tornam-se lugares de memória, mais
precisamente, da reprodução de uma memória extremamente desfavorável aos
indígenas. A realização anual de missas na matriz, rememorando o 13 de março de 1901
e em sufrágio da alma dos religiosos; a fachada dessa igreja, com as efígies dos
religiosos mortos, assim como as diversas representações em monumentos e imagens,
feitas pela Igreja Católica (algumas delas já não mais na cidade) servem como
atualizadoras desse fato, inclusive – percebemos – cristalizando isto nas mentes
cordinas, mesmo quando não há, individualmente, declaradamente, esse propósito.
Ainda assim, os não-índios continuam a reproduzir as ideias nocivas à construção da
imagem indígena, alimentadas pelas tensões que resultaram e foram resultantes daquele
conflito, ao qual se insiste em chamar de Massacre de Alto Alegre (que é uma nomeação
desfavorável, à qual não nos coadunamos – e por isso é reproduzida aqui sempre em
destaque, itálico – mas que nomeia o conflito à maneira da imprensa da época, que
também o nomeava como “Hecatombe de Alto Alegre”). Aos indígenas, sobretudo aos
Tenetehara-Guajajaras, artífices do processo que culminou com o fato em questão,
restou a potencialização do preconceito que sempre pesou, e muito, sobre os nativos.
Nas próprias palavras da população barra-cordense, a visão sobre eles aparece sempre
de maneira mais intolerante com essa etnia do que com o povo Kanela. Também sobrou
a eles o silenciamento (categoria importante a ser entendida dentro da própria ideia de
memória que aqui se discute) e que pode ser percebido de diversas maneiras, seja pelo
escamoteamento de sua memória das narrativas populares correntes; a ausência de uma
positivação da figura do índio nas relações de poder que resultaram nesse conflito ou ao
aniquilamento de possibilidades de reprodução das memórias desse povo,
consubstanciada em ações como a desconstrução física do cemitério no qual ficavam os
restos mortais de João Manoel Pereira dos Santos (vulgo João Caboré, líder da
sublevação, herói para os indígenas, mas considerado por autoridades eclesiásticas da
época, por exemplo, como famigerado, cruel, bárbaro e outros adjetivos desabonadores
de igual valia), que deu lugar a uma pequena praça que em nada referencia aquele ou
qualquer elemento indígena. Na tentativa de enriquecer a discussão sobre o Massacre de
Alto Alegre e, mais ambiciosamente, de oferecer um novo caminho – jamais um fim –
ao que se debate sobre essa temática é que propomos, a partir do diálogo com as
memórias conhecidas em nosso trabalho de campo e do contato que tivemos com novas
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perspectivas do que se pode (ou se deva) entender por mito uma nova reflexão sobre os
embates da memória barra-cordense, da memória do Massacre de Alto Alegre, qual seja
a possibilidade de discussão destas enquanto construções erigidas a partir de estruturas
geralmente próprias de narrativas míticas, o que nos cria (e mais ainda nos criará)
espaço para o trânsito em três categorias: mito, memória e representações (estas últimas,
que podem ser resultado tanto da apropriação de memória, ressignificação e construção
de não indígenas e indígenas). Contudo, o refinamento disto exige um aprofundamento
maior, certamente com amplitude suficiente para justificar ser construído em produção
de dimensões superiores a esta.
Palavras chave: Teneteharas-Guajajaras – História – Memória
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O ARRAIAL DO PRÍNCIPE REGENTE ENTRE A HISTÓRIA E A MEMÓRIA
DOS “SERTÕES DOS PASTOS BONS”
Paulo Eduardo de Sousa Pereira
O processo de conquista da região conhecida como “sertões dos Pastos Bons”,
apesar de alguns consideráveis estudos, ainda carece de muita pesquisa no sentido de
uma problematização mais específica das diferentes dinâmicas que atuaram na
colonização do Sul do Maranhão. Neste sentido, justifica-se minha inquietação sobre o
processo de devassamento da região do Alto Itapecuru, nos “sertões dos Pastos Bons”,
no sentido de salientar a importância do Arraial do Príncipe Regente (1807-1818), como
núcleo militar e ponto de apoio estratégico para a efetivação da conquista oficial da
região no início do XIX.
A partir das leituras de Sebastião Gomes da Silva Berford (1810) e de Francisco
de Paula Ribeiro (1815), primeiros militares exploradores a palmilharem e registrarem
oficialmente a região dos “sertões dos Pastos Bons”, compreende-se o Arraial do
Príncipe Regente para além de um núcleo militar, como a manifestação mais concreta
dos interesses da coroa portuguesa em promover o enquadramento dos altos sertões
maranhenses à dinâmica do litoral. Neste sentido, o Arraial foi implantado numa área
indistinta, tida como “inculta” e “deserta”, que geograficamente se posicionava tanto
distante da zona agronômica exportadora quanto da zona pecuarista e de subsistência.
O Arraial do Príncipe Regente representa a região de contato entre as fronteiras
econômicas que moviam as frentes de povoamento e avançavam distintamente pelo
espaço geográfico maranhense naquele início do século XIX. Seu ponto nodal é
oferecer suporte militar e estratégico para o encontro da fronteira da agroexportação que
subia do norte e a fronteira da pecuária que se espalhava a partir do sul.
O militar major Francisco de Paula Ribeiro, que implantou, em 1807, o Arraial,
é incisivo em seu “Roteiro...” (2002, p.107) quanto à importância do contato do sertão
com o litoral, afirmando que a capitania possuía duas porções distintas pelo que até se
poderiam formar duas comarcas, mas para o bom prosperar, ambas “melhor entre si
deveriam dar-se as mãos e sustentar combinadas a sua florescência comercial e
agronômica”.
O discurso de Paula Ribeiro é bem característico do ideal de nacionalidade tão
em voga no século XIX. Isto se torna bem plausível com as leituras de Candice Vidal e
Souza (1998) e Lúcia Lippi de Oliveira (1998) autoras que trabalham a concepção de
sertão a partir de um “sertão fronteira” que se situa e influencia na formação da
nacionalidade brasileira, permitindo a compreensão de como o pensamento social
brasileiro refletiu sobre as históricas distinções entre o sertão e o litoral e como o ideal
integrador que moveu o processo de conquista dos sertões maranhenses se inscreve e se
identifica com o ideal de nacionalidade e de civilidade difundido no pensamento social
brasileiro.
Outro ponto crucial é a cristalização de uma memória histórica da região a partir
do discurso instituído com o Arraial. Neste caso específico, observa-se que o contexto
histórico da região até a chegada do agente colonizador é memorizado e sacralizado
pelos emissários oficiais como um tempo de barbárie e atraso. O discurso político
oficial é de dominação, e projeta a região a um processo de ruptura com sua história
imediatamente anterior, associada à idéia de retardamento e decadência, e a lança a uma
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história constituída pela visão daquele que tem o poder de oficializar. Afinal, a história
enquanto construção social é um mecanismo que serve a um sistema de dominação e
legitimação de memórias de determinados grupos sobre outros.
Palavras chave: sertões de Pastos Bons, colonização, memória, história.
Referências
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Oral. História, São Paulo, n. 14, p. 125-136, 1995.
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BLOCH, Marc Leopold Benjamin, 1886-1944. A Apologia da história, ou, O ofício de
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Cultural do Maranhão, 1980.
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História da PUC – SP, 1993.
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maranhão, propriedades dos seus terrenos, suas produções, caráter dos seus habitantes
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nacionalizado. In: Sociedade e Cultura, vol. I , nº1, pp. 55-61, jan./jun. de 1998.
UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE
HISTÓRIA DO CENTRO DE ENSINO ESTADO DO CEARÁ EM BACABAL -
MA
Germeson Azevedo Soares
Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as práticas pedagógicas dos professores
de História do Ensino Médio do Centro de Ensino Estado do Ceará em Bacabal – MA,
já os específicos são: observar as práticas pedagógicas dos professores de História da
referida instituição escolar, identificar as metodologias e recursos utilizados no
cotidiano escolar e descrever as práticas pedagógicas dos docentes inseridos no estudo.
Trata-se de uma pesquisa de cunho científico com metodologia descritiva e enfoque
quanti-qualitativo com abordagem metodológica pautada na história oral temática, no
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qual participam como sujeitos da pesquisa, sete professores da rede estadual de ensino,
os quais lecionam a disciplina História no Ensino Médio. O presente estudo realizar-se-
á por meio do método indutivo, o que nos permite uma análise aprofundada do objeto
em estudo. Utilizar-se-ão as pesquisas qualitativas o que nos possibilitará observar o
fenômeno de perto já que esta possui um caráter exploratório, concedendo aos
colaboradores a possibilidade de expor livremente suas ideias sobre o assunto em foco.
Para o desenvolvimento da abordagem qualitativa da pesquisa se faz necessária a
técnica da observação participante porque supõe-se a reciprocidade entre o pesquisador
e pesquisado em busca de uma compreensão neste trabalho. Conforme Bogdan e Biklen
(1994): “Os investigadores qualitativos tentam interagir com os sujeitos de forma
natural, não intrusiva e não ameaçadora”. Outro aspecto a se ressaltar é em relação à
pesquisa quantitativa, objetivando apurar as opiniões dos entrevistados que será feito
através de um questionário aberto aplicado aos professores. Esclarece Fonseca (2002):
“A utilização conjunta da pesquisa qualitativa e quantitativa permite recolher mais
informações do que se poderia conseguir isoladamente”. Nesse sentido, o referido título
nasceu da observação dos professores do C. E. Estado do Ceará cuja prática pedagógica
ainda é embasada nos métodos e técnicas tradicionais de ensino. Mediante a análise das
metodologias dos docentes no processo de ensino-aprendizagem foi verificado que estas
contemplam um contexto sociopolítico, implícito na educação desta instituição. Assim,
essa experiência denota um distanciamento entre os discursos dos professores e a
realidade vivenciada em suas práticas marcadas por um contexto de desencontros entre
o tradicional e os novos paradigmas existentes no ensino da disciplina. Com isso, a
gênese desse conflito está na própria história da cidade que somente nos anos oitenta
recebe professores graduados vindos de outros estados como foi o caso da professora
Maria das Graças Ávila Brito. A partir, dos anos noventa com a criação do Programa de
Capacitação Docente (PROCAD) é que alguns professores de Bacabal e região puderam
se graduar nessa área. Todavia, até o presente momento, não há nenhum curso de
graduação específico para formar historiadores ou professores de história no município.
No que tange a relação de ensino e aprendizagem, as partes envolvidas no processo
precisam compreender a luz das novas teorias e metodologias que há sim espaços para
um novo ensino de história, voltado para todas as dimensões de vivência dos homens na
sociedade e que ele é essencialmente plural, ou seja, comporta uma variedade
significativa de experiências e essas quando são consideradas no processo educativo.
Nesse sentido Certeau (1995) afirma que: “Os alunos não conseguem dar sentido ao que
estudam, desse modo apenas entendem a universidade como meio para adquirirem um
certificado”.
A renovação no ensino da disciplina história no decorrer da vida escolar é marcado
pelos vícios tradicionais da escola, como a resistência plurifacetada da coordenação
pedagógica, supervisão, direção, professores, alunos e comunidade escolar. Quando o
professor sugere no seu discurso propostas inovadoras para o ensino, acaba sendo alvo
de críticas, ensinar história segundo Karnal (2007): É uma atividade em permanente
transformações.
A discussão acerca das falhas do método tradicional de ensino começou a ser criticado
no Brasil no anos oitenta, quando surgiu como oposição propostas inovadoras, por
exemplo, a consolidação dos ideais da pedagogia Histórico-crítica e mais tarde o
processo de redemocratização do país, uma nova constituinte e nos anos noventa, a
difusão dos ideais da Educação para todos, novas Diretrizes Educacionais e os
Parâmetros Curriculares convergirem para a mudança de pensamento sobre as práticas
de ensino. Outro ponto a ser ressaltado é que nos anos noventa com a implantação da
Lei nº 9.394/96, na qual é trazida a exigência da formação de professores graduados
para ministrar as disciplinas de Educação Básica dentre elas História, observou-se uma
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corrida ascendente na busca por essa formação. A partir do contexto já apresentado
sobre a visão historiográfica e os problemas relacionados ao Ensino de História,
percebeu-se que é somente a partir da interconexão entre historiografia e linguagens que
se pode traçar um estudo crítico acerca do distanciamento entre as teorias do currículo
vigente (Ensino de História) e as práticas pedagógicas desenvolvidos pelos professores
da referida disciplina no C. E Estado do Ceará em Bacabal –MA. Diante desse dado,
faz-se necessário analisar as articulações do conhecimento historiográfico com os
aspectos metodológicos do cotidiano escolar sob a luz das teorias da Análise do
Discurso e das teorias e métodos do Ensino de História com foco na escola dos Annales.
Verificar-se-á, portanto, alguns fatores que esclarecem a dicotomia teoria-prática tão
fortemente presente no fazer pedagógico dos professores de História atualmente.
Podemos destacar a má formação dos professores nos cursos de História, com estágios
não suficientes para uma atuação competente, além de uma necessidade na formação
continuada voltada para os novos paradigmas do ensino atual de História. Observa-se,
também, que os alunos, habituados com os métodos tradicionais, como o da
“memorização dos questionários”, fazem resistência diante dos novos métodos de
ensino de História. Nas últimas décadas o que se observou com a Teoria da Escola dos
Annales é que a história é construída a partir das narrativas humanas, o que abrange a
perspectiva sobre as subjetividades dos indivíduos e a construção de um conhecimento
histórico diverso, por apresentar linguagens distintas e estruturas distantes dos fatos
isolados como era na Escola Positivista. Essa Escola tinha como característica
primordial uma visão objetiva da história, em que o historiador é um sujeito neutro, que
não deveria intervir diretamente em seu objetivo de pesquisa, mas sim, deveria trabalhar
com os fatos de uma maneira em que manteria separado o historiador e seu objeto.
Assim, os trabalhos deveriam ser embasados a partir dos documentos, os quais
deveriam ser analisados de uma forma crítica e metódica. Um ponto a se ressaltar é a
interdisciplinaridade, que também tem sido objeto de muita discursão entre professores
e pesquisadores. Embora não lhe é negada sua importância na construção do
conhecimento escolar mais amplo. A atual organização curricular proposta pelos temas
transversais não só permite essa aproximação como incentiva esse trabalho. A dúvida
está nas práticas escolares das escolas, pois para existir interdisciplinaridade tem que
haver vínculos epistemológicos entre si e um ponto comum ao mesmo objeto. Segundo
Circe Bittencourt, a interdisciplinaridade exige do docente um aprofundamento do seu
campo específico de conhecimento, da sua disciplina escolar, ao mesmo tempo
desencadeia um trabalho metodológico em conjunto. Nesse sentido, conteúdos
específicos são ensinados com um método comum a todas as disciplinas. Outro fator é a
escolha do livro didático desprovido de um conhecimento teórico do professor que faz
sua escolha baseado nas suas conveniências. Elenca-se, ainda, a ausência de um diálogo
entre o professor de história com os demais professores. Por fim, o próprio Sistema em
si com a contratação de professores de áreas afins que às vezes são obrigados a
ministrarem a disciplina História. Além disso, na década em questão foram elaborados
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quais visam unificar o currículo
ministrado nas escolas nacionais, além de trazerem uma visão mais próxima da escola
dos Annales o que não era prática das escolas brasileiras até os anos oitenta. Depois
desse período, o que se assiste no ensino de História é um choque entre a Escola
Positivista e a Escola dos Annales, causando, assim, uma confusão entre o que e como
se ensina História na escola contemporânea. Um marco também fundamental para a
escolha desta temática está relacionado com a leitura do livro Ensino de História:
fundamentos e métodos de Circe Maria Fernandes Bittencourt (2009) que fez com que
tivéssemos outra concepção desse ensino e nos motivasse à realização do presente
estudo.
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Palavras-chave: Práticas pedagógicas. Ensino. História.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2009. p. 256.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto
Editora, 1994.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Brasília: DF, 1998.
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CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. In: DE CERTEAU, M. A Cultura
no Plural. São Paulo: Papirus, 1995.
FONSECA, J. J. S. Metodologia da Pesquisa Científica. Fortaleza: UEC, 2002.
KARNAL, Leandro (org.) História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. 5.
ed. São Paulo: Contexto, 2007.
IDENTIDADES NÔMADES1: HISTÓRIA ORAL E MIGRAÇÃO NO
MARANHÃO CONTEMPORÂNEO
Áurea de Fátima Lopes Silva
Sabe-se que a migração é um fenômeno bastante conhecido, muito comum entre os
povos do mundo todo. Essas migrações acontecem por vários fatores: econômico,
sociais, religiosos, guerras, entre outros; ainda existem migrações relacionadas a
gêneros, migrações internacionais, porém a migração de que trata este trabalho está
relacionada com a saída de pessoas do interior para a capital, mais precisamente,
pessoas que saíram do município de Cururupu, no interior do Estado do Maranhão, e se
estabeleceram na capital, São Luís.
Segundo Feitosa (2006), pode-se definir migração como entrada e saída de pessoas de
seu lugar de origem para outro lugar. De acordo com Johnson (1997), migração é o
movimento físico de indivíduos dentro e entre sistemas sociais. É importante pelo efeito
que produz sobre áreas que perdem migrantes através de emigração e áreas que os
recebem por imigração. Já no campo da história, o historiador Alistair Thomson (2002)
define de maneira mais ampla o fenômeno da migração, afirmando que considera
migração tanto internacionais quanto intranacionais, como passagem física de um lugar
para o outro e essa experiência continua por toda vida do migrante e das gerações
subsequentes.
Muitos estudos apontam que a migração está diretamente relacionada à busca pela
melhoria de vida. Percebe-se também que os maiores deslocamentos ocorrem nas zonas
rurais dos estados, ou seja, as pessoas do interior dos estados migram para várias
regiões em busca de novas oportunidades nos grandes centros urbanos, alguns buscam
oportunidades em outros estados, outros buscam na capital, São Luís. Esses fenômenos
1 Trabalhamos aqui com o conceito de identidade segundo o ponto de vista das novas abordagens da
nova história cultural que entende que os sujeitos são: “conceptualizado como não tendo uma identidade
fixa, essencial ou permanente (HALL, 2006, p. 11 – 12).
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são causados, muitas vezes, pela precariedade dos serviços públicos, em determinados
municípios menores, e/ou pela falta de políticas públicas, tais como: saúde, educação,
emprego, etc.
Na Microrregião do Litoral Ocidental Maranhense, onde está localizada a cidade de
Cururupu, juntamente com os municípios de Alcântara, Apicum-Açú, Bacuri,
Bacurituba, Bequimão, Cajapió, Cedral, Central do Maranhão, Guimarães, Mirinzal,
Porto Rico do Maranhão e Serrano do Maranhão que, em sua soma, ocupam uma área
de 9.157,45080 km2
com uma população de 183.749 habitantes, sendo o município de
Cururupu detentor da maior parte da população da região, com um contingente estimado
em 33.745 habitantes, sendo urbana a maioria da população com 22.216, e a rural com
10.378 habitantes, de acordo com o Censo de 2010 (IBGE). Portanto, iremos investigar
esse fenômeno migratório do município de Cururupu para a capital São Luís, através de
um estudo de caso de uma associação cujos membros são todos migrantes desse
município e que se estabeleceram na capital, com o objetivo de compreender de que
maneira esse estabelecimento ocorreu e quais foram suas maiores dificuldades em
integrar-se a outro ambiente cultural que é o centro urbano.
A Associação Filhos e Amigos de Cururupu (AFAC) nasce a partir de uma ideia que
aqueles migrantes tiveram ao se encontrar em um evento comemorativo da Igreja
Católica, o qual celebrava o jubileu de ouro da missão dos padres canadenses em
Cururupu - Jubileu Brasil, Canadá, que foi celebrado em 2008. Os ex-alunos foram
convocados pelas freiras do Convento São José, que está localizado no bairro do
Filipinho, em São Luís, e que na época faziam parte da missão. Dessa forma, nasce a
AFAC, de início formada pelos ex-alunos do Colégio Dom Bosco2, escola fundada pela
Missão, depois ampliada para todos os filhos e amigos da cidade de Cururupu, com a
intenção de abraçar de forma mais ampla os filhos dessa cidade. O nascimento efetivo
da associação acontece em fevereiro de 2009, depois de vários encontros informais que
aconteciam para “matar” as saudades que esses ex-alunos sentiam da cidade e do tempo
de escola. Hoje, a AFAC é uma associação registrada, com personalidade jurídica, com
estatuto, sem fins lucrativos e sem ideologia político - partidária.
A metodologia que usaremos na investigação será a da História Oral, ou seja, os relatos
orais desses migrantes que compõem a associação. Acreditamos que os testemunhos
serão de fundamental importância para compreendermos o processo migratório e toda a
trajetória desses sujeitos nesse processo. Como afirma (THOMSON, 2002, p. 345), “O
testemunho pessoal oferece singulares vislumbres do interior do vivido nos processos de
migração”. Escolhemos ainda, dentre os membros, aqueles que participaram da ideia de
fundar tal associação, sobretudo, os membros que fazem ou fizeram parte das diretorias
anteriores, com o objetivo de descobrir o principal interesse da AFAC; se há, entre os
membros, uma rede de sociabilidade; se são unidos por uma mesma identidade, a de ser
cururupuense; se essa identidade é o que une os membros da AFAC. É comum aos
pesquisadores, que recorrem ao arsenal metodológico da História Oral, trabalharem com
fontes complementares, pois como assevera (THOMPSON, 1992, p. 31) “a história oral
possibilita novas versões da história”, por isso os relatos orais serão usados na pesquisa
juntamente com a análise de dados fornecidos pelos Órgãos do Governo, como o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o IMESC (Instituto Maranhense de
Estudos Socioeconômico e Cartográficos) sobre a migração e a região onde se localiza a
cidade. Esses Órgãos vão nos dar valiosas informações no que tange aos índices, à
economia etc.
Através dos relatos orais já colhidos no início da investigação, percebemos que a
Associação Filhos e Amigos de Cururupu tem como objetivo principal trabalhar em prol
2 Essa Instituição não tem nenhuma relação com a Escola Dom Bosco de São Luís.
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da cidade, através de vários aspectos, sobretudo, no cultural: resgatar algumas
manifestações culturais esquecidas; apoiar, divulgar e realizar seminários nas escolas
fomentando, de alguma forma, a importância dessas manifestações culturais; outra
preocupação é a preservação dos casarões antigos, que ainda restam na cidade e que
estão completamente abandonados pelo poder público local. Esse é o objetivo central da
AFAC. Além do núcleo em São Luís, ela mantém um outro no município de Cururupu,
com a intenção de saber, através dos próprios moradores, quais são os problemas mais
urgentes que a Cidade possui e a associação, possa cooperar. Quem melhor pode indicar
esses problemas são as pessoas que convivem na cidade, por isso, a Associação faz
reuniões periódicas em Cururupu, além das reuniões na Capital. A intenção da aAFAC é
de levar a sede para o município de Cururupu e, aqui em São Luís se tornar um núcleo.
Portanto, a análise desenvolvida nesta pesquisa visa articular as relações entre migração,
memória, narrativa e identidade, isto é, através dos relatos objetivamos melhor
compreender a migração e a atuação desses atores na construção e/ou manutenção de
suas identidades e da identidade da AFAC. Nesse sentido, GUIMARÃES NETO (2006)
afirma que a prática do historiador é redefinida perante as possibilidades de novos
territórios e de novas abordagens e metodologias nas pesquisas historiográficas
contemporâneas.
Palavras - Chave: Migração. Identidade. Cururupu.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – disponível em
http://www.ibge.com.br, acesso em janeiro de 2014.
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Cidades da Mineração: memórias e práticas
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MESQUITA, Benjamin Alvaro. Desenvolvimento econômico recente no Maranhão:
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THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução Lólio de Oliveira. Rio
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THOMSON, Alistair. História (co)movedora: História Oral e estudos de migração.
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O INDIZÍVEL NO MARANHÃO: O FUNCIONAMENTO DO SNI E DO DOPS
SEGUNDO SEUS AGENTES VISÍVEIS
Fábio Aquiles Martins de Alencar
A Ditadura Civil-Militar brasileira buscou sustentação no controle da palavra falada ou
escrita, no controle das atitudes, na construção de um discurso legitimador, na
confecção do silêncio atemorizado pelo uso da força ou pela possibilidade de seu uso.
Órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS) foram reconhecidamente instrumentos de controle e de
construção do indizível também sobre as terras maranhenses.
Este trabalho visa discutir a criação e o funcionamento desses órgãos no Maranhão,
evidenciando a relação entre eles e os seus papéis de sustentáculos do regime ditatorial
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brasileiro nas décadas de 1970 e 1980 a partir, principalmente, de entrevistas realizadas
com parte dos agentes do SNI e do DOPS durante essas duas décadas, escrevendo,
dessa forma, sobre o que agora pode ser dito por quem construiu e consolidou essas
instituições, com palavras ainda vivas como nos proclama a História Oral. Por mais que
as falas dos nossos entrevistados não nos façam tentar enxergar e reproduzir as cenas de
espionagem e violência das quais talvez tenham participado, procuraremos nas suas
falas a celebração da ditadura civil-militar e dos elementos que a mesma construiu ou
tentou construir.
Vale ressaltar que tais órgãos tiveram suas gestações em momentos anteriores ao
ditatorial capitaneado pelos militares brasileiros, momentos em que o Estado brasileiro
já fazia uso do tripé formado pela vigilância, pelo cerceamento e pela repressão, embora
tenham tido nas décadas de 1960 e 1970 seu momento de maior força e duração, nos
fazendo necessitar do evidenciamento da Doutrina de Segurança Nacional como
principal arcabouço para a concretização de uma violência devidamente
institucionalizada.
A doutrinação anticomunista, tanto entre militares, quanto entre civis, expandiu-se a
partir do frustrado levante do Partido Comunista em 1935. As Escolas militares
tornaram-se verdadeiros centros de construção de discursos e práticas anticomunistas. É
durante a década de 1950 que a Doutrina de Segurança Nacional ganha parte de sua
sedimentação nas palestras proferidas por um coronel e futuro chefe do SNI, Golbery do
Couto e Silva.
O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado em junho de 1964 através da lei
4.341, objetivando dirigir, em todo o Brasil atividades de informação e contra
informação, e, de forma especial as que fossem do interesse da Segurança Nacional,
ligado diretamente ao próprio presidente da República e ao Conselho de Segurança
Nacional (CSN), e incorporando funcionários e acervo do Serviço Federal de
Informações e Contrainformações (SFICI), que havia sido criado em 1956. Conforme
D’ARAÚJO, SOARES e CASTRO (1994) a inexistência de uma estrutura de
informações eficiente contribuiu decisivamente com a queda de João Goulart, de
acordo com os militares entrevistados para a confecção da obra “Anos de Chumbo: A
Memória Militar e a Repressão”
Além da agência central e das agências regionais, o SNI dispunha de DSIs (Divisões de
Segurança Interna) em cada ministério e as ASIs (Assessorias de Segurança Interna) em
outros órgãos públicos como universidades, além da existência de uma Escola Nacional
de Informações, criada entre os anos de 1971 e 1972, que formava civis e militares que
abastecessem os centros de informação espalhados pelo país.
O já mencionado general Golbery do Couto e Silva, maior nome ligado ao SNI é o do
seu primeiro chefe e principal idealizador, pois, segundo PIERANTI, CARDOSO e
SILVA, a política de segurança nacional evidenciada durante o regime militar tem
fortes ligações com o livro “Planejamento Estratégico”, lançado em 1958 pela
Biblioteca do Exército, quando esta reuniu as conferências dirigidas pelo próprio
Golbery dentro dos muros da Escola Superior de Guerra a partir de 1952.
Enquanto ao SNI cabia a informação e a contrainformação, um dos braços armados do
regime era o DOPS, Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão utilizado,
principalmente durante as ditaduras do Estado Novo e a Civil-Militar nascida em 1964,
foi criado em 17 de abril de 1928 pela lei nº 2304, estabelecendo a repressão e o
controle de indivíduos e de grupos considerados subversivos por quem controlava o
governo, assegurando a chamada ordem. Sua atuação foi ampliada a partir da criação da
primeira Lei de Segurança Nacional, que respaldou as perseguições a comunistas e
integralistas, que constituíam os principais focos de oposição a Vargas durante seu
período constitucional.
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Recebeu a alcunha DOPS a partir de 1938, já durante a ditadura varguista do Estado
Novo, possuindo embriões nos estados, as Delegacias de Ordem Política e Social. Mas
foi durante o regime militar que esse órgão se fortaleceu de forma considerável,
contando com um número bem maior de agentes, se tornando parte integrante do amplo
sistema de segurança nacional em comunhão com as Forças Armadas.
SNI e DOPS foram importantes órgãos para a prática da vigilância, do cerceamento e da
repressão, bases sustentadoras de um estado que buscava a onipresença, interferindo nos
mais variados setores da sociedade brasileira, mas não foram as únicas. De acordo com
REZENDE (2013), o regime militar buscou variadas estratégias, como o crescimento
econômico e uma forte propaganda associada a ele, bem como utilizou-se do aparato
psicossocial.
A proclamação de valores ligados à família, à religião, à pátria, à ordem e à disciplina,
tão bem defendidos pelos discursos conservadores civis, também eram máximas
defendidas pelos militares dentro dos quartéis, que ao ouvirem os pedidos de salvação
pronunciados por bocas e faixas ostentadas por mães durante as quarenta e nove
marchas da Família com Deus pela Liberdade, tiveram que sair às ruas, retirar tudo
aquilo que contrariava o sagrado preconizado pelas famílias brasileiras, e governar a
pedidos, isto é, em nome da moral e dos bons costumes. Dessa forma, estava montada a
estratégia psicossocial do regime, devidamente coadunada com a vigilância, o
cerceamento e a repressão a todos aqueles que se distanciavam dos valores que a grande
maioria desejava, gerando assim, subterfúgios para o regime buscar legitimar uma
democracia singular, conveniente apenas à realidade brasileira. O Legítimo não poderia
ser apenas jurídico, pautado numa nova constituição e nos vários atos institucionais,
sendo necessário a continuidade de uma suposta democracia, formada pelo legislativo
com duas câmaras e dois partidos, como nas grandes democracias, mas presidida por
um defensor dos valores que haviam sendo corrompidos pelos líderes civis, que haviam
sido eleitos pelo voto direto.
Palavras-Chave: Ditadura Civil-Militar – SNI e DOPS - Legitimidade
REFERÊNCIAS
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AS PRÁTICAS DOCENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA NA ZONA
RURAL DO MUNICÍPIO DE GONÇALVES DIAS/MA: DILEMAS E
POSSIBILIDADES
Thiago de Jesus Araújo Cruz
A escola enquanto âmbito institucional formal surge tardiamente na zona rural
brasileira, apesar de o Brasil ser um país de origem predominantemente agrário, sendo a
educação em si um privilégio destinado a uma minoria que detinha o poder econômico e
que tinha como destino ocupar os postos mais importantes dentro da estrutura social de
diversas localidades pelo país afora.
Apesar de seu caráter agrário, a educação formal no meio rural não foi sequer
mencionada nos textos constitucionais até 1891, evidenciando o descaso dos dirigentes
e as matrizes culturais centradas no trabalho escravo, na concentração fundiária, no
controle do poder político pela oligarquia e nos modelos de cultura letrada europeia.
O objetivo de meu estudo é analisar a prática docente no ensino de história nas escolas
de ensino fundamental maior da zona rural do Maranhão, no munícipio de Gonçalves
Dias, ressaltando a importância de o educador lançar mão dos recursos e possibilidades
a seu alcance para dinamizar as aulas de história. Para esse empreendimento leva-se em
consideração não apenas aqueles saberes construídos em sala de aula, mas também
aqueles construídos na convivência social, na cultura, no lazer e nos movimentos
cotidianos. A sala de aula é um espaço específico de sistematização, análise e de síntese
das aprendizagens se constituindo assim, num local de encontro das diferenças, pois é
nelas que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo.
A literatura na área educacional tem mostrado a importância destacada do professor no
processo de progressão e aprendizagem dos alunos. Apesar dessa constatação, a
condição de trabalho desses profissionais tem-se deteriorado cada vez mais. No caso
específico da área rural, além da baixa qualidade e salários inferiores aos da zona
urbana, eles enfrentam, entre outras, as questões de sobrecarga de trabalho, alta
rotatividade e dificuldade de acesso à escola, em função das condições das estradas e da
falta de ajuda de custo para locomoção.
Para realização deste trabalho estão sendo utilizados diferentes procedimentos
metodológicos, tais como: revisão bibliográfica da literatura especializada,
considerando também a literatura da área de História, observações de sala de aula,
aplicação de questionários para perceber como vem se dando a construção e
reconstrução do pensamento durante o processo ensino aprendizagem nas escolas
pesquisadas. Considerando esse processo, será analisada a problemática educacional,
desde a valorização e disponibilização de recursos que a escola oferta, à formação dos
professores, até as carências cognitivas dos discentes.
A justificativa para a escolha do tema do ensino da disciplina história nas escolas de
ensino fundamental maior na zona rural da cidade de Gonçalves Dias - MA, partiu não
só de minha experiência como professor de uma escola da zona rural deste município,
mas também da percepção do difícil contexto vivenciado por docentes e discentes no
relacionamento com o processo de ensino-aprendizagem, realidade está agravada pela
soma de vários fatores, dentro os quais podemos citar, por exemplo: a desvalorização da
cultura rural dessas regiões, o clientelismo político na convocação dos profissionais da
educação que ainda é muito forte como moeda de troca, a posição insatisfatória ocupada
pelas escolas dos povoados na lista de prioridades do poder público, as dificuldades
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enfrentadas pelos professores em geral, e especificamente os de história (principalmente
os que não possuem formação na área), na sua prática pedagógica, a realidade da
clientela dessas escolas que apresentam especificidades que devem ser levadas em
consideração, a pouca participação das famílias no dia a dia da escola, currículos
incompatíveis com a realidade rural, instalações precárias, e muitos outros que vem se
somar a esse quadro de negligencia, e que são apenas um caso, dentre vários que
assolam o estado do Maranhão e até mesmo do Brasil.
A relevância de estudos dessa natureza encontra-se no fato de haver uma escassez de
estudos similares na historiografia da educação maranhense, mas lembrando que essa é
uma falha que ocorre a nível nacional, pois diante de tantos problemas educacionais, as
questões relativas à zona rural acabam sendo encaradas como de menor importância.
Esse panorama reflete o elitismo acentuado do processo educacional e a má vontade por
parte de muitas autoridades que por motivos diversos acabam encarando a educação das
camadas populares como um arremedo de um processo que não tem a pretensão de
formar uma verdadeira consciência cidadã (LEITE, 1999).
Essa concepção discriminatória acabou ganhando força a partir da primeira metade do
século XX, período em que surge um discurso urbanizador que enfatizava a fusão entre
os dois espaços, urbano e rural, por acreditar que o desenvolvimento industrial, em
curso no Brasil, faria desaparecer dentre de algumas décadas a sociedade rural, ou seja,
“o campo é uma divisão sociocultural a ser superada, e não mantida” (ABRAÃO,
1989).
No processo de análise do material coletado e na observação foram percebidas as
dificuldades enfrentadas pelo professor de história ao desenvolver sua prática
pedagógica e nesse sentido estamos propondo a construção de um capítulo que possa
apontar medidas que auxiliem no fazer desses professores.
Ainda do ponto de vista metodológico foram elaboradas algumas etapas de fundamental
importância para o desenvolvimento da pesquisa, quais sejam:
Mapeamento das escolas municipais de ensino fundamental maior da zona rural de
Gonçalves Dias;
Seleção de duas amostragens para realização do estudo a que se propõe esse
trabalho;
Elaboração de questionários a serem aplicados com os personagens envolvidos no
processo educacional, focando na dupla professores/alunos.
Observações das escolas selecionadas e da realidade de sala de aula nas aulas de
história;
Análise dos estudos teóricos compatibilizados com a realidade de sala de aula,
objetivando a elaboração final de uma proposta para o ensino de história nas
escolas trabalhadas.
Espera-se com estes resultados preliminares construir uma proposta para melhorar a
prática escolar do ensino de História das escolas da zona rural de Gonçalves Dias – MA,
pois embora exista um discurso de que a maioria dos professores tenha em sua prática
docente utilizado a reflexão crítica, sobrevivem ainda muitas limitações no que se refere
a uma efetiva prática em sala que de fato propicie uma aprendizagem na história
conforme exigências de cunho legislativo.
O processo de ensino-aprendizagem só terá significado para o professor e o aluno na
medida em que proporcionar um aprendizado que favoreça relações, conexões,
comparações, generalizações, e os outros atributos entre os elementos estruturantes da
prática escolar.
Palavras- Chave: Educação. Ensino de História. Zona rural.
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REFERÊNCIAS:
ABRAÃO, José Carlos. O Educador a caminho da roça: notas introdutórias para
uma conceituação de educação rural. Mato Grosso do Sul, 1989.
ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Saleti; MOLINA, Mônica Castagne
(orgs). Por uma educação do campo. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
BITENCOURT, Circe Maria Fernandes (org). O saber histórico em sala de aula. 9ª
Ed. São Paulo: Contexto, 2004.
BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
história e geografia. Brasília: MEC, SEF, 1997.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Nova LDB. Lei nº
9394/96.
BRASIL. Ministério da Educação – Diretrizes operacionais para a educação básica
nas escolas do campo. Brasília, DF, 2002.
FONSECA, Selva Guimarães; SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes. O ensino de
História no meio rural em produções acadêmicas nas IES mineiras (1996-2008).
http://www.lfti.com.br/EMEC/trabalhos/38/textocompletoastrogildo.pdf.
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. História, Política e Ensino. In: BITENCOURT,
Circe Maria Fernandes (org). O saber histórico em sala de aula. 9ª Ed. São Paulo:
Contexto, 2004. p.42-53.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo:
Cortez,1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: editora Paz e Terra, 1996.
SILVA, M. S. “Os saberes do professorado rural: construídos na vida, na lida e na
formação”. Dissertação de Mestrado-UFPE, Recife, 2000.