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“Filtro Paris” e as Produções de Sentido1
Josiane dos SANTOS2
Ádria Costa SIQUEIRA3
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP
Resumo:
Este trabalho busca realizar uma análise sobre as produções de sentido e discurso
provocadas pela implementação da ferramenta denominada “Filtro Paris” nas fotografias
dos perfis dos usuários da rede social Facebook em homenagem aos mortos e feridos do
atentado realizado pelo Estado Islâmico na França. Ao mesmo tempo o Brasil se deparava
com a maior tragédia ambiental de sua história, o desastre do Rio Doce da cidade de
Mariana em Minas Gerais. Para isso utilizamos as metodologias de Análise de Discurso e
Estudo de Caso. Observamos a existência de discursos por parte da rede social em produzir
sentido em relação ao fato histórico no qual atingiu um país simbólico e de sentindo estrito
por se tratar de ataque terrorista, ao mesmo tempo vários internautas questionam a escolha
do Facebook em se solidarizar por uma única tragédia gerando assim novos sentidos.
Palavras-chave: Facebook; Análise de discurso; Filtro Paris; Tragédia em Mariana; Redes
Sociais.
INTRODUÇÃO
Na noite do dia 13 de novembro de 2015, a cidade de Paris, capital da França, sofreu
uma série de ataques coordenados, com explosões e tiroteios em diferentes locais da cidade.
Foram atingidos, restaurantes, bares e uma casa de show chamada Bataclan.
Ao todo, foram confirmados 130 mortos e 352 feridos, sendo 99 em situação crítica
de saúde. Sete terroristas morreram. O atentado foi ordenado pelo grupo terrorista Estado
Islâmico o qual assumiu em seguida a autoria. Para os terroristas, a justificativa do atentado
1 Exemplo: Trabalho apresentado no DT 07 – Comunicação, Espaço e Cidadania do XXI Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016.
2 Estudante do Programa de Pós-Graduação de Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em
Jornalismo do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Email: [email protected]
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é a seguinte: "A França é a capital da abominação e da perversão e o país e todos aqueles
que seguem seu caminho devem saber que permanecem o principal alvo”4. Em resposta ao
ataque, o governo francês ordenou ataque ao Estado Islâmico na Síria, por meio de mísseis
matando 130 pessoas, sendo grande parte das vítimas eram crianças.
No dia seguinte ao atentado, a rede social Facebook, implementou uma ferramenta
para que seus usuários pudessem modificar suas fotos de perfil. O filtro com as cores da
bandeira francesa modifica a foto do perfil de cada usuário para ficassem com as cores da
bandeira. A ferramenta busca de forma simbólica homenagear os mortos do atentado
terrorista em Paris, deixando disponível para seus usuários adotar ou não o uso para mostrar
o pesar pelo acontecido.
Outras tragédias ocorreram no mesmo período e ano. Algumas com maior ou menor
quantidade de mortos, porém de grande importância e comoção humana. No dia 05 de
novembro de 2015 tivemos o princípio do maior desastre ambiental vivido no Brasil. A
tragédia ambiental do Rio Doce na cidade de Mariana no estado de Minas Gerais, a qual
inundou de lama extensas áreas ambientais, levando a morte e contaminação de nossa fauna
e flora da região, além de atingir propriedades e pessoas durante todo seu trajeto em direção
ao mar no estado do Espírito Santo. Ao todo 19 pessoas foram mortas e 12 estão
desaparecidas.
No dia 31 de outubro, outro ato terrorista derrubou um avião Russo no Egito,
matando 224 pessoas. Em 03 de abril de 2015, 147 estudantes forma mortos e 80 ficaram
feridos em uma universidade localizada no Quênia na África Ocidental. O atentado também
foi provocado por terroristas do Estado Islâmico.
Assim, não queremos padronizar o comportamento ou sentimento adequado a cada
situação de tragédia seja aqui, Paris, Oriente Médio, África ou em qualquer lugar. Nosso
objetivo é discutir os diferentes discursos produzidos pelo uso e justificativa do não uso do
Filtro Paris.
Em meio a estas e outras tragédias que acontecem diariamente mundo a fora nos
deparamos com discursos difundidos pelas diversas mídias que definem e delimitam a
formação de novos discursos. Nos principais meios de comunicação predominavam
abordagens voltadas para a cobertura dos acontecimentos trágicos ocorridos na cidade de
Paris e secundariamente e de forma superficial algumas informações sobre a tragédia de
Mariana.
4 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151114_ataque_paris_atualiza_rb
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Os usuários e a própria rede social receberem críticas dos demais internautas e da
imprensa por conta de outros acontecimentos trágicos que ocorreram paralelamente aos
recentes atentados de Paris, e que não tiveram um símbolo representativo que os
homenageassem.
O presente trabalho buscará compreender a formação discursiva transmitida pela
rede social, Facebook, quando disponibilizou para seus usuários a possibilidade de
modificar suas fotos de perfil com a implementação do uso do Filtro Paris, como também
os discursos secundários gerados pelos usuários que utilizaram ou criticaram a ferramenta.
Para nosso estudo utilizaremos as metodologias de Estudo de Caso (YIN, 2001) e
Análise de Discurso (Orlandi, 2005).
O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um
fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real,
quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente
evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas. (YIN,
2001)
Discurso é a linguagem em movimento (Orlandi, 2005). O analista de discurso (AD)
procura compreender como o objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc)
funciona e como produzem sentidos (Orlandi, 2005).
A escola francesa de análise de discurso faz uso de três áreas de conhecimento – a
Linguística, a Ciências Sociais e a Psicanalise – sendo entremeio dessas disciplinas. Orlandi
(2005) explica o modo como AD utiliza essas três disciplinas para constituir sua própria
teoria: a Linguística por não considerar a exterioridade (história influencia o funcionamento
da língua), a Ciências Sociais por considerar a linguagem como transparente, e a psicanálise
por fazer uso da ideologia sem se absorver dela. A análise de discurso não é a
complementação dessas três disciplinas, ela, dentro de sua teoria, proporciona novas formas
compreensão do objeto simbólico.
“Em suma, a análise do discurso visa a compreensão de como um
objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de
significância para e por sujeitos. Essa compreensão por sua vez,
implica em explicar como o texto organiza os gestos de
interpretação que relacionam sujeito e sentido. Produzem-se novas
práticas de leitura.” (Orlandi, 2005, p. 24-25)
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Por meio da análise de discurso, pretendemos discutir os diferentes discursos e
efeitos de sentidos ocasionados pelo objeto simbólico, Filtro Paris, aos usuários da rede
social Facebook.
Para entender essa “sensação” de proximidade dos brasileiros com a França
recorremos a memória discursiva (o que a França representa para nós brasileiros), o
imaginário social do país que se constroem, principalmente pela mídia, por meio de
diversos discursos e o o momento histórico e político que o país estava passando no
momento do atentado terrorista fazendo assim observações sobre as condições de produção
deste discurso.
Tragédia de Mariana
A ruptura da Barragem de Fundão da empresa mineradora Samarco Mineração S.A,
controlada pela empresa brasileira Vale do Rio Doce e a empresa anglo-australiana BHP,
localizada na cidade de Mariana em Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015
ocasionou um dos maiores danos ambientais no Brasil. O “mar” de lama tóxica -
equivalente a 20.000 piscinas - devastou o pequeno distrito de Bento Rodrigues
ocasionando mortes de moradores e destruição da fauna e flora da região, que até o presente
momento ainda são incertos.
Considerado o maior desastre da história dos últimos 100 anos5, a lama chegou até o
estado de Espírito Santos contendo vários metais com altos níveis de concentração, as
amostras foram analisadas pelo Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental. O
Grupo é uma iniciativa pesquisadores cujo objetivo é executar análises colaborativa dos
impactos ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem de rejeitos6.
Nos primeiros resultados divulgados pelo Grupo, foram coletadas amostras em 10
pontos ao longo do percurso atingido pela lama. Nas amostras foram mensuradas as
concentrações em de alumínio dissolvido, arsênio, ferro dissolvido, manganês, selênio,
cádmio, chumbo, lítio, níquel e zinco. Apesar dos resultados apontarem altas concentrações
manganês, arsênio e chumbo, os próprios pesquisadores afirmaram que não se pode
constatar se esses resultados são devido a lama oriunda do rompimento da barragem ou se
já estavam presentes no ambiente antes do fato.
5 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-
em-100-anos 6 Informações no site http://giaia.eco.br/
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Atentado em Paris
Paris, capital da França, sofreu seu segundo atentado, em menos de um ano, no dia
13 novembro de 2015. No primeiro atentado de 2015, terroristas invadiram a sede da revista
Charlie Hebdo matando 12 pessoas. A revista sátira semanal fez uma charge com o líder do
Estado Islâmico. Outras polêmicas também já envolveram a revista e que, inclusive, gerou
desencadeou outro atentado. Após a publicação de charge sobre o profeta Maomé, a sede da
revista foi incendiada em 2011.
Em novembro, novamente a cidade de Paris sofreu novos atentados. Em ação
sincronizada dos terroristas do Estado Islâmico, restaurante uma casa de show e o estádio
de futebol State de France foram os principais alvos e os locais que tiveram o maior número
de vítimas totalizando 130 mortos.
Filtro Paris
Em meio as redes sociais como Snapchat, Twitter e Facebook existe
atualmente uma nova ferramenta na qual os usuários podem optar por modificar a foto do
perfil, de forma opcional, com sugestões disponibilizadas. O Facebook desde junho de 2015
vem disponibilizando para seus usuários filtros que alteram as fotos dos perfis de seus
usuários. A ferramenta sobrepões as fotografias com imagens semitransparentes, no caso
bandeiras de países ou de movimentos sociais, formando novas imagens, que não apenas
mudam a cor, mas também transmite ideologias e discursos por parte de quem optam por
utiliza-las. A primeira bandeira aplicada nesta ferramenta foi o “Filtro Arco-Íris” com o
objetivo de comemorar a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em legalizar o
casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo país. Ao todo 26 milhões de pessoas
aderiam a mudança de seus avatares mostrando apoio a comunidade LGBT. O segundo
filtro disponibilizado pela rede é o nosso objeto de estudo. Em solidariedade aos atentados
terroristas ocorridos na França o Facebook disponibilizou o filtro com a bandeira francesa e
novamente foi utilizado por muitos usuários.
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Figura 1: Filtro arco-íris
Fonte: Reprodução do Facebook
Figura 2: Filtro Paris
Fonte: Reprodução do Facebook
A escolha do Facebook em disponibilizar o filtro com a bandeira de um país específico em
um mundo com tantas mortes acontecendo a todo momento e a decisão destes internautas
por utilizar esta modificação em seus perfis, gerou um amplo debate em várias redes sociais
e na sociedade. Questões voltadas em refletir sobre o quanto cada internauta estava
realmente comovido com o atentado ocorrido? Porque colocar a bandeira a bandeira
francesa em vez de ser a bandeira mineira por estarmos passando por uma grave tragédia
ambiental? Quais mortes, desastres, violências ou atentados ocorridos mundo a fora que
deveriam ou não receber homenagens e pesares? Porque ligar para um país com uma
cultura tão distante da nossa enquanto muitas violências acontecem nos presídios, com
gays, crianças e mulheres em nosso país?
Diferentes olhares e sentidos foram gerados pela utilização desta ferramenta por
consequência inúmeros discursos foram gerados. Em resposta alguns sites e usuários
criaram novas imagens e filtros com novos discursos. Usuários passaram a criar por conta
própria, o que não foi feito pelo Facebook, o “Filtro Mariana”, com a imagem da bandeira
de Minas Gerais para assim também mostrar solidariedade a grande catástrofe ambiental e
seus mortos. Outro filtro criado também pelos usuários foi o “Filtro Lama” com o objetivo
de relacionar ao “mar de lama” que seguiu destruindo a cidade de Mariana.
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Parte dos internautas passaram a utilizar um destes diferentes filtros mostrando suas
ideologias sobre os acontecimentos do período, criando uma espécie de disputa em
solidariedade as tragédias questionando ao mesmo tempo, quais delas mereciam receber
mais piedade e apoio social. Muitos usuários reclamavam que as pessoas e a mídia em
geral estava produzindo dando mais atenção para o atentado francês do que ao rompimento
da barragem da Saramaco. Muitos internautas chegaram a comentar em postagens
dedicadas aos ataques de Paris, sobre a necessidade de maior atenção a tragédia de Mariana
por parte da mídia.
“O conceito de ciberespaço diz respeito a uma estrutura infoeletrônica
transnacional de comunicação de dupla via em tempo real, multimídia ou não, que
permite a realização de trocas (personalizadas) com alteridades virtuais (humanas
ou artificial-inteligentes); ou, numa expressão conceitual, a uma estrutura virtual,
transnacional de comunicação interativa.” (TRIVINHO, 2003, p.168)
Alguns sites produziram conteúdos voltados também para o debate, trazendo
reflexões referentes ao que ocorriam no mundo virtual. É o caso do site da BBC7 e site
Sensacionalistas8. O primeiro relatando um quadro de toda a polêmica e o outro também,
porém, de forma satírica.
7 http://festasemribeirao.com.br/paris-x-mariana-fla-flus-semelhantes-dominaram-redes-sociais-em-outros-paises/ 8 http://www.sensacionalista.com.br/2015/11/14/para-evitar-polemica-facebook-vai-lancar-avatar-com-bandeiras-da-
franca-e-de-minas/
Figura 3: Filtro Mariana
Fonte: Reprodução do Facebook
Figura 4: Filtro da Lama
Fonte: Reprodução do Facebook
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As condições de produção, o imaginário e a memória discursiva (interdiscurso) se
conectam na formação do discurso. As condições de produção envolvem o contexto sócio
histórico e ideológico na formulação do discurso. No caso do discurso solidário em favor de
Paris, simbolizado pelo Filtro Paris, há forte apelo ideológico pelo que o país representa no
cenário mundial.
No processo discursivo, o emissor pode antecipar as representações do receptor por
meio de formações imaginárias que se constroem nas imagens que o sujeito faz dele
mesmo, de seu interlocutor e do objeto do discurso (ORLANDI, 2005).
Nas formações imaginárias sobre França ou Paris, outros discursos recentes e
históricos nos trazem a memória sobre esses lugares e ajudam a construir imaginários e
outros discursos. Nesse processo, a ideologia e os efeitos imaginários trabalham na
produção de sentidos. “Ideologia não é o ‘x’, mas o mecanismo de produzir ‘x’”
(ORLANDI, p.56, 1994).
Assim, não queremos padronizar o comportamento ou sentimento adequado a cada
situação de tragédia seja aqui, Paris, Oriente Médio, África ou em qualquer lugar. Nosso
objetivo é discutir os diferentes discursos produzidos pelo uso e justificativa do não uso do
Filtro Paris.
Próximo ao mesmo tempo distante
As histórias de colonização do continente americano relacionam muito com
Inglaterra, Espanha, França, Portugal e Holanda. Os colonizadores oriundos desses países
exploraram de diferentes formas os recursos e o povo americano.
Figura 5: França e Mariana
Fonte: BBC
Figura 6: França e Mariana
Fonte: Site Sensacionalistas
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A ideologia e os discursos trabalham na produção de sentidos sobre esse fato. Os
discursos assumidos diante deste acontecimento não é a origem. Houve outros discursos já
ditos que nos apropriamos e nos permitiu construir novos discursos.
A proximidade, a ideologia e os discursos trabalham na produção de sentidos sobre
esse fato. Os discursos assumidos diante deste acontecimento não é a origem. Houve outros
discursos já ditos que nos apropriamos e nos permitiu construir novos discursos.
Os efeitos de sentidos por discursos em momentos de tragédia têm relação direta
com a ideologia do sujeito. Orlandi explica que a ideologia é a interpretação de sentidos,
naturalização dos que a história produz e por ela (ideologia) novas formas materiais são
constituídas.
“A ideologia é interpretação de sentidos em certa direção, determinada pela
relação da linguagem com a história, em seus mecanismos imaginários. Ela não é,
pois, ocultação mas função necessária entre linguagem e mundo. Linguagem e
mundo se refletem, no sentido da refração, do efeito (imaginário) necessário de
um sobre o outro [...]” (ORLANDI, 1994, 57).
Orlandi (2006) denomina esse processo de esquecimento número um resultado de
como somos afetados pela ideologia. “Quando nascemos os discursos já estão em processo
e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que
não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam [...]” (p. 21).
Os outros dizeres já ditos sobre Paris, nesse caso, realizados pelos meios de
comunicação, cinema, história, livros, redes sociais, teatro, o que nos ajudaram a construir
outros discursos e o imaginário que se tem sobre Paris. Podemos citar o romantismo
retratados nos filmes, a liberdade e igualdade relatadas nos acontecimentos históricos do
Iluminismo e da Revolução Francesa.
Sobre o imaginário, Orlandi (2015) destaca a importância da imagem na
constituição do dizer “[...] Ele é não ‘brota’ do nada: assenta-se como as relações sociais e
são se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de
poder [...]” (p.40).
As redes sociais trazem também outros dizeres já ditos pelos meios de comunicação,
por outros usuários, sendo importante na constituição dos discursos. O artigo publicado
pelo site Observatório da Imprensa utilizou a pesquisa da agência norte-americana Quartz
que mostra o ranking mundial dos países que mais consumem notícias pelo Facebook. O
Brasil apareceu em primeiro lugar com 67%.
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O artigo destaca a variedade de meios de informação dentro do ambiente virtual
(blogs, sites, portais, posts, páginas) e menciona a importância de atentar que o Facebook
não produz conteúdo, mas sim dissemina notícias elaboradas por terceiros (Júnior, 2015).
Atentando aos dois pontos mencionados no artigo, uma problemática envolve a
ideologia e a formação discursiva dos usuários dessa rede. O Facebook e outras empresas
de internet, têm utilizado de algoritmos para selecionar as informações de acordo com o
perfil de cada usuário. Esse mecanismo denominado de Filtro bolha cria uma seleção de
informações uniformizando o feed de notícias de cada usuário. Ou seja, se o usuário acessa
frequentemente notícias dos grandes veículos de comunicação como O Globo, Estado de
São Paulo, Folha de São Paulo e Veja, notícias veiculadas por outros meios não aparecerão
para ele, somente os que ele acessa frequentemente.
Os meios de comunicação fazem uso do Gatekeeper, conceito jornalístico para
seleção de notícias que julgam ser importantes e que merecem ser publicadas pelo veículo.
Se juntarmos o filtro do Facebook mais o Gatekeeper do jornalismo, a seleção fica ainda
mais restrita e compromete a diversidade de discursos que se pode ter sobre determinado
assunto.
A ideologia está presente em quem utilizou o Filtro Paris quanto aos que criticaram
os usuários que utilizaram e na criação de símbolos que também se solidarizam aos outros
acontecimentos também trágicos.
As condições de produção diferentes em torno da palavra Paris podem diferenciar
diversas formações discursivas. “A formação discursiva se define como aquilo que numa
formação ideológica dada – ou seja -, a partir de uma posição dada em uma conjuntura
sócio-histórica dada determina o que pode e deve ser dito.” (Orlandi, 2005, p. 41).
A rede social determina o que pode e deve ser dito, interferindo no que sentimos.
Aos que criticaram, passou a ser uma dor seletiva, chorar por uns e não se solidarizar com
outros, inclusive de seu próprio país. Como se pudéssemos redigir uma cartilha de
comportamento de sofrimento para dores e tragédias que aconteçam aqui, ali, outro lugar,
no ocidente, oriente, na França, no Brasil, no Sudão ou no Japão.
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Considerações finais
As redes sociais possibilitaram a manifestação de pensamentos e ideologias de seus
usuários. O que antes seus posicionamentos e opiniões ficavam restritos aos seus meios
sociais agora com as redes sociais as interações ficaram multigrupais criando novos trocas
de informações.
Com as mídias sociais determinando o que nos “interessa” por meio do Filtro Bolha
algumas realidades se distanciam de nós ou até mesmo nem chegamos a conhecer.
Recebemos conteúdos selecionados que irão contribuir na formação discursiva moldando
ideologias dos indivíduos gerando novos discursos. Como afirma Orlandi (2007), nenhum
discurso é novo, todo discurso é atravessado por outros discursos.
A grande adesão do uso do Filtro Paris se deu pela ideologia do Facebook em
apoiar as vítimas somente dos atentados de Paris.
Apropriação de discurso já dito pelos meios de comunicação tornando a compaixão
e solidariedade seletiva. Por meio do gatekeeper, os meios de comunicação selecionam os
fatos que julgam ser importantes e que seriam de interesse público.
O Filtro Bolha juntamente com o gatekeeper restringe ainda mais a variedade de
conteúdos fazendo com que os usuários fiquem limitados aos seus perfis de consumo de
informação. Sendo assim, nos habituarmos a acessar determinados páginas meios de
informações sugeridos pelo Facebook, Nos pesquisadores agora nos deparamos com novos
horizontes de pesquisa e por isso necessitam de mais estudos com novos métodos e técnicas
para que assim possamos compreender melhor essa nova rede de contados na
comunicação.
Referências bibliográficas
DUARTE, J; BARROS A (org) Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. 2.
Ed. São Paulo: Atlas, 2002.
ORLANDI, E P. Discurso, imaginário social e conhecimento. Em Aberto, v. 14, n. 61, p.
52-59,1994.
_____________________. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 7. ed.
Campinas, SP: Pontes, 2005. 100 p
_____________________. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho
simbólico. 5ª. Ed, Campinas, SP: Pontes: Editores, 2007. 156 p.
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ORLANDI, E P (org.); LAGAZZI, Suzy (coorg.). Discurso e textualidade. 2. ed.
Campinas, SP: Pontes, 2010. 214 p. (Introdução às ciências da linguagem)
ROBERTO J, P. Cerca de 70% dos brasileiros ativos no Facebook se informam pela
rede social. 2015. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/e-noticias/cerca-
de-70-dos-brasileiros-se-informam-pelo-facebook/>. Acesso em: 26 nov. 2015.
TRIVINHO, E: Epistemologia em ruínas: a implosão da Teoria da Comunicação na
experiência do ciberespaço. In. Martins, Francisco M.; Silva, Juremir M. (orgs) Para
navegar no século 21. 3 ed. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003.
YIN, R K. Estudo de caso: planejamento e métodos / Robert K. Yin; trad. Daniel Grassi -
2.ed. -Porto Alegre : Bookman, 2001.