-
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
NVEL MESTRADO
JEANINE FERRAZZA MEYER
FAMLIAS E SUAS AES PEDAGGICAS DE ACOLHIMENTO: A
TRAJETRIA DOS MENINOS EM FASE DE DESLIGAMENTO DA ASSOCIAO
SANTO - ANGELENSE LAR DO MENINO RUMO S SUAS FAMLIAS
So Leopoldo
2009
-
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
NVEL MESTRADO
JEANINE FERRAZZA MEYER
FAMLIAS E SUAS AES PEDAGGICAS DE ACOLHIMENTO: A
TRAJETRIA DOS MENINOS EM FASE DE DESLIGAMENTO DA ASSOCIAO
SANTO - ANGELENSE LAR DO MENINO RUMO S SUAS FAMLIAS
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como requisito para a obteno do Ttulo de Mestre em Educao. Apoio FAPERGS.
Orientador: Prof. Dr. Danilo R. Streck
So Leopoldo
2009
-
2
CATALOGAO NA FONTE
M612f Meyer, Jeanine Ferrazza
Famlias e suas aes pedaggicas de acolhimento : a trajetria dos meninos em fase de desligamento da Associao Santo-Angelense Lar do Menino rumo a suas famlias / Jeanine Ferrazza Meyer. So Leopoldo : UNISINOS, 2009.
113 f.
Dissertao (mestrado) Universidade do Vale dos Sinos - UNISINOS. Programa de Ps-Graduao em Educao, 2009
1. Incluso familiar 2. Excluso familiar 3. Abrigamento 4. Acolhimento 5. Educao popular I. Ttulo.
CDU: 316.6
Responsvel pela catalogao: Bibliotecria Fernanda Ribeiro Paz CRB 10 /1720
-
3
EM ALGUM LUGAR SOBRE O ARCO-RIS (Somewhere Over The Rainbow - Isreal Kamakawiwo'ole)
Em algum lugar sobre o arco-ris, Bem l no alto
E os sonhos que voc sonhou. Uma vez em um conto de ninar.
Em algum lugar sobre o arco-ris, Pssaros azuis voam
E os sonhos que voc sonhou. Sonhos realmente se tornam realidade.
Algum dia eu vou desejar por uma estrela,
Acordar onde as nuvens esto muito atrs de mim, Onde problemas derretem como balas de limo.
Bem acima dos topos das chamins onde voc me encontrar. Em algum lugar sobre o arco-ris, pssaros azuis voam
E o sonho que voc desafiar, realmente se torna realidade. Por que, por que eu no posso?
Bom, eu vejo rvores verdes e Rosas vermelhas tambm,
Eu vou assisti-las florescer pra mim e pra voc. E eu penso comigo: Que mundo maravilhoso!
Bem, eu vejo cus azuis e eu vejo nuvens brancas
E o brilho do dia. Eu gosto do escuro e eu penso comigo: Que mundo maravilhoso!
As cores do arco-ris, to bonitas no cu, Tambm esto no rosto das pessoas que passam.
Eu vejo amigos apertando as mos Dizendo, "como vai voc?"
Eles esto realmente dizendo, eu, eu amo voc; Eu ouo bebs chorando e eu os vejo crescer.
Eles vo aprender muito mais Que ns saberemos E eu penso comigo:
Que mundo maravilhoso
Algum dia eu vou desejar por uma estrela, Acordar onde as nuvens esto muito atrs de mim,
Onde problemas derretem como balas de limo. Bem acima dos topos das chamins onde voc me encontrar.
Em algum lugar, sobre o arco-ris, pssaros azuis voam E o sonho que voc desafiar, realmente se torna realidade...
Por que, por que eu no posso?
QUALQUER ATO DE AMOR POR MENOR QUE SEJA, UM TRABALHO PELA PAZ.
(MADRE TERESA DE CAUCUT)
-
4
Dedico esse estudo de Dissertao minha me,
Nizarete, a qual sempre me incentivou que, estudar
sempre algo bom e prazeroso, e sei que seu sonho
tambm ser Mestre. Me esse ttulo seu. Obrigada por
confiar e sonhar comigo. Ao meu pai, Rui, que de
modo diferente, mas no menos carinhoso, contribuiu
para que eu pudesse realizar meu desejo; minha irm,
Janessa, que mesmo longe deu fora para que no
desistisse; s minhas avs, Nilza e Iralia, que
carinhosamente com palavras sempre me confortaram;
s minhas amigas, por me suportarem nos momentos de
angstia dessa caminhada e a todos que desejam e
trabalham por um mundo melhor (sonhadores como
eu).
-
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Dr. Professor Danilo R. Streck, que
soube conduzir as orientaes com calma e
amorosidade (obrigado por compartilhar comigo seus
saberes), Instituio Lar do Menino, s Famlias e os
Meninos. Sem eles esse desejo jamais seria possvel
muito obrigada e s pessoas que por algum motivo
pensaram que eu no pudesse dar conta, obrigada
tambm, pois com esses desafios tornei esse estudo
concreto. A todos que, direta ou indiretamente,
colaboraram na execuo deste trabalho.
-
6
SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................... 1 SITUANDO O LEITOR: ASPECTOS DO MUNICPIO, A RELEVNCIA DA PESQUISA, SEU CONTEXTO E A ESCOLHA DO PERCURSO METODOLGICO................................................................................................... 1.1. A ESCOLHA DO TEMA E A TRAJETRIA PESSOAL DA INVESTIGADORA.................................................................................................... 1.2 A ROTINA DOS MENINOS NO LAR.............................................................. 1.3 PARCEIROS DO LAR DO MENINO............................................................... 1.4 CENAS REAIS DE UM COTIDIANO: DO TEMA PARA O PROBLEMA............................................................................................................... 1.5 A CONTEXTUALIZAO E O ABRIGAMENTO........................................ 1.6 O ECA E OS CONSELHOS TUTELARES...................................................... 1.7 O PROBLEMA..................................................................................................... 1.8 OBJETIVOS......................................................................................................... 1.8.1 OBJETIVO GERAL......................................................................................... 1.8.2 OBJETIVOS ESPECFICOS...........................................................................
2 TIPO DE ESTUDO: O PERCUSRO METODOLGICO................................. 2.1 LOCAL E OS SUJEITOS DO ESTUDO........................................................... 2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA........................................................................... 2.3 MTODO DE COLETA DOS DADOS............................................................. 2.3.1 ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA........................................................ 2.3.2 OBSERVAO PARTICIPANTE................................................................. 2.4 ORGANIZAO E ANLISE DE DADOS..................................................... 2.5 ALGUNS PRESSUPOSTOS............................................................................... 2.6 RUMO S FAMLIAS: A ANLISE DAS ENTREVISTAS E A OBSERVAO PARTICIPANTE.......................................................................... 2.6.1 GOLF 16V TURBO........................................................................................... 2.6.2 FAMLIA GOLF 16V TURBO........................................................................ 2.6.3 PORSCHE 911................................................................................................... 2.6.4 FAMLIA PORSCHE 911................................................................................ 2.6.5 AUDI................................................................................................................... 2.7 ALGUMAS CONSIDERAES........................................................................
3 DILOGO COM OS TERICOS......................................................................... 3.1 A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE E A EXCLUSO SOCIAL............... 3.2 O CONTEXTO HISTRICO DA INFNCIA NO BRASIL, O (IN) TENSO FATOR DE EXCLUSO SOCIAL E AS AES PEDAGGICAS........................................................................................................ 3.3 A EXCLUSO SOCIAL NOS (ENTRE) LUGARES DA POBREZA E O SEU ATRAVESSAMENTO, PELA EDUCAO................................................. 3.4 PEDAGOGIA DOS VNCULOS: A CONTRIBUIO DA PSICOLOGIA
08 13 14 16 19 19 22 25 27 27 27 28 28 28 30 31 34 34 35 37 38 39 39 42 46 48 52 55 55 61 67
-
7
NO ENTENDIMENTO DAS ESTRUTURAS FAMILIARES.............................. 4 CONSIDERAES FINAIS DA PESQUISA: FAMLIAS E OS IMPASSES DOS MODELOS DE ATENDIMENTOS DA ASSISTNCIA.............................. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................... ANEXOS..................................................................................................................... APNDICES...............................................................................................................
75 81 85 89 98
-
8
RESUMO
O abrigamento uma medida aplicada pela Promotoria Pblica e pelo Juizado da
Infncia e Juventude como um recurso pedaggico, com o objetivo de auxiliar famlias
economicamente pobres a se reestruturarem e protegerem os infantes dos riscos scio-
familiares, sob o respaldo Legal do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei Federal
8.069/1990, Art. 227.
A medida aplicada com o intuito de proteo e disponibilizar a criana, amplo
desenvolvimento saudvel nas relaes sociais, familiares e escolares. Sob essa medida, os
meninos so retirados das ruas e abrigados em uma Instituio que acolhe e trabalha de forma
pedaggica as relaes e comportamento que os levaram para as ruas. Cabe aqui ressaltar que
esses meninos no residem nas ruas, mas sim, passam o maior tempo nela, deixando de
frequentar a escola.
Ao ocorrer o abrigamento desses meninos em Instituies que os acolhem por
determinao Judicial, esses Lares provisrios proporcionam uma rotina educacional que aps
o desligamento da mesma, estimulam os meninos e suas famlias a seguirem. Buscando
resgatar os vnculos familiares que se formou nos primeiros anos de vida dos infantes, mesmo
sabendo que suas estruturas familiares so complexas.
A presente pesquisa voltou-se a crianas e adolescentes (meninos) que se encontram
em situao de abrigamento, mas em fase de desligamento, para buscar compreender as aes
pedaggicas presente no acolhimento dos meninos pelas suas famlias no processo de
desligamento da Associao Santo Angelense Lar do Menino. Os resultados indicam que os
atores da pesquisa vivem s margens aflitivas da pobreza e da privao de bens e direitos
assegurados por lei, buscando melhorar as condies econmicas para melhor atend-los e o
vnculo familiar estabelecido entre si positivo. As famlias demonstram amor e carinho. No
foi relatado nenhum episdio de violncia contra os meninos por parte das mesmas.
Palavras Chave: Incluso e Excluso Familiar; Abrigo; Educao Popular; Pobreza;
Desligamento; Acolhimento.
-
9
RESUMEN
El acogimiento es una medida de la Defensa Pblica y del Juzgado de la Infancia y
Juventud como un recurso pedaggico, con el objetivo de auxiliar a las familias sin recursos
econmicos a reestructurarse y proteger a los nios de los riscos sociofamiliares, bajo el
respaldo legal del Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), la Ley Federal n 8.069/1990,
Art. 227.
La medida se aplica con la intencin de proteger y ofrecer al nio un amplio y
saludable desarrollo en sus relaciones sociales, familiares y escolares. De acuerdo con esa
medida, se recogen a los nios de las calles y se les pone al abrigo seguro en una Institucin
que los acoge y acta pedaggicamente en lo que se refiere a las relaciones y actitudes
comportamentales que los llevaron hacia las calles. Adems, cabe poner de relieve que esos
nios no viven en las calles, sino que pasan la mayor parte del da en ellas y, por eso, se
ausentan de la escuela.
Cuando esos nios son acogidos en Instituciones que los reciben por determinacin
judicial, esos hogares provisionales ofrecen una rutina educativa que, tras el cierre del periodo
de acogida, estimulan a los nios y sus familias a darle continuidad. Se busca de esa manera el
rescate de los vnculos familiares adquiridos por los nios en sus primeros aos de vida,
aunque sea conocida la complejidad de las estructuras familiares de origen.
La presente investigacin se volc hacia nios y adolescentes (varones) que se
encuentran en situacin de acogimiento, pero ya en la fase de desligamiento de la Institucin
de acogida, con el objetivo de mejor comprender las acciones pedaggicas presentes en el
acogimiento de los nios por sus familias durante el proceso de desligamiento de la
Associao Santo-Angelense Lar do Menino. Los resultados indican que los sujetos de la
investigacin viven al borde de una situacin aflictiva de pobreza y privacin de bienes y
derechos garantizados por la ley. Sin embargo, se busca mejorar las condiciones econmicas
para bien atenderlos, percibindose que el vnculo familiar establecido entre ellos mismos es
positivo. Las familias les demuestran amor y cario. No hubo ningn relato sobre violencia
familiar contra los nios.
-
10
Palabras clave: Inclusin y Exclusin Familiar; Abrigo; Educacin Popular; Pobreza;
Desligamiento; Acogimiento.
LISTA DE SIGLAS
CASE - Centro de Atendimento Scio-Educativo
CEDICA - Conselho Estadual dos Direitos das Crianas e do Adolescente
COHAB - Conjunto Habitacional/ Companhia Habitacional
CRP - Conselho Regional de Psicologia
ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente
FASE - Fundao de Atendimento Scio-Educativo
FEBEM - Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor
FENAMILHO - Feira Internacional do Milho
FUNDIMISA - Indstria de Fundio e Usinagem
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IESA - Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo ngelo
JA - Jornal do Almoo
JIJ - Juizado da Infncia e Juventude
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
LOAS - Lei Orgnica da Assistncia Social
MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social
MP - Ministrio Pblico
ONGs - Organizao No Governamental sem fins lucrativos
PBF - Programa Bolsa Famlia
PIB - Produto Interno Bruto
RS - Rio Grande do Sul
SJDS - Secretaria da Justia e do Desenvolvimento Social
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia.
UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos
URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses
URISAN - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses Campus Santo
ngelo
-
11
INTRODUO
A pesquisa que constru foi constituda a partir do meu interesse em compreender, com
mais profundidade, as relaes de acolhimento das famlias para com seus filhos que se
encontram em situao de abrigamento, mas em fase de desligamento da Associao Santo -
Angelense Lar do Menino RS. Vagabundos, preguiosos, assim que escutei por um bom
tempo a sociedade se referir aos pobres (famlias), introjetando esses estigmas nas pessoas,
suas crias (filhos); no muito longe so estigmatizados como os coitadinhos (pelas pessoas
um pouco mais humanas e religiosas), futuros marginais, ladrozinhos, pivetes entre outros.
Hoje, essas pessoas recebem inmeras designaes: excludos, marginalizados,
injustiados e outras, mas nunca so designadas pelos seus nomes prprios,
anulados/invisibilizados enquanto cidados. Alguns nem registro possuem certido de
nascimento o que direito bsico e gratuito de todos (no somente dos pobres), por falhas
nas polticas pblicas sociais essas pessoas ficam alheias aos seus direitos/deveres de
cidados.
Convm salientar aqui que uma das designaes que mais se aproxima da que
me autorizo, quando me refiro a essas pessoas, que o Padre Franciscano Roberto Lettiere
se reportou em uma palestra ministrada no canal de televiso Rede Vida, onde tive a
oportunidade em assistir, relatando suas obras e a luta social pelos Sofredores de Rua.
Sofredores, porque a busca pela sobrevivncia dura e cruel, no como uma historinha ou
roteiro de novela/filme, em que, no final, os protagonistas sempre se do bem.
Aqui, no mundo real, os Sofredores de Rua, podem ser considerados todas as
pessoas que buscam nas ruas sua sobrevivncia: mendigos, meninos (as) de rua, meninos (as)
na rua, famlias catadoras de papel e/ou lixo, etc.
relevante salientar, que para ns, essa investigao importante para compreender
as questes que levam os meninos para as ruas e a pedirem trocos nas portas dos
supermercados, shoppings, bares e semforos, gerando assim, situaes de risco social, uma
vez que esto vulnerveis nas ruas. No buscamos, nesse estudo, culpados, e nem lamentar a
situao atual em que os sujeitos aqui estudados se encontram.
Confesso que por algum tempo tambm me deixei levar pela opinio do senso comum,
acreditando que as famlias eram as culpadas pela situao em que seus filhos se encontravam
e que no se importavam com a educao e alimentao das crianas, forando-as, assim, a
sarem para as ruas na busca de uma refeio ou vesturio. A partir do momento em que
-
12
passei a trabalhar com esses meninos e suas famlias, esse pr-conceito foi arrebatado e
delimitei que estudaria essa problemtica com um enfoque direcionado s famlias e suas
estruturas complexas.
Esse estudo prope-se a investigar e a compreender as aes pedaggicas de
acolhimento (in) excluso, das famlias que foram pesquisadas, a partir de um olhar
pedaggico, sem desprezar os aspectos sociais, econmicos e psicolgicos, para com os
meninos em processo de desligamento do abrigo Lar do Menino, que acolhe crianas e
adolescentes em situao de risco scio-familiar, determinados por Lei.
O fato que, cada vez mais, visvel o aparecimento de jovens e crianas noite, pelo
centro da cidade e isso provoca discusses na mdia, tornando-se um espao de estudo ainda
mais amplo a ser explorado no meio acadmico.
A investigao qualitativa, de cunho descritivo, utilizando como apoio, a entrevista
semiestruturada e a observao participante na Instituio.
O primeiro captulo situa o leitor, no contexto da cidade de Santo ngelo/RS e na
investigao; relato a minha trajetria profissional e pessoal e apresento um panorama sobre a
rotina dos meninos no Lar. Evidencio algumas cenas do cotidiano dos meninos, os motivos
pelos quais os garotos so abrigados; apresento uma entrevista com a Sra. Luciane Escouto
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Crianas e do Adolescente do Estado do
Rio Grande do Sul (CEDICA/RS), expondo sobre os 18 anos do Estatuto da Criana e do
Adolescente. Os objetivos gerais e os especficos esto descritos neste captulo, bem como a
pergunta norteadora pensada ao longo dessa investigao.
No segundo captulo, est metodologia e as abordagens utilizadas, a organizao das
informaes apuradas nas entrevistas, compreenso do material coletado, a partir da prpria
fala das famlias e dos meninos, como pretendem acolh-los, a percepo da infncia, os
projetos de vida, a importncia da educao continuada aps o desligamento do Lar e a rotina
das crianas em casa e no turno inverso a escola.
O terceiro captulo refere-se aos tericos utilizados como suporte para a compreenso
do estudo, como as questes da infncia (importncia da estrutura familiar nos primeiros
anos de vida e a constituio psquica da criana), pobreza, (in) excluso e a pedagogia
tendo, como autor de referncia Paulo Freire.
E por fim as Consideraes Finais do Estudo quarto captulo buscando uma
abordagem nos impasses dos modelos de assistncia social no Brasil e a definio de
meninos na rua e de rua, a seguir, constam as referncias bibliogrficas, os anexos e os
apndices (roteiro das entrevistas, algumas fotos da instituio e da rotina dos meninos nela,
-
13
trabalhos de leitura realizados no ano de 2006), incluindo-se o Termo de Esclarecimento
Livre e Consentido.
-
14
1 SITUANDO O LEITOR: ASPECTOS DO MUNICPIO, A RELEVNCIA DA
PESQUISA, SEU CONTEXTO E A ESCOLHA DO PERCURSO METODOLGICO
A pesquisa foi realizada no municpio de Santo ngelo, que tem como marco de sua
fundao o ano de 1706. O municpio foi presenteado com o ttulo de a Capital das Misses
do Rio Grande do Sul, e atualmente tem 76.746 habitantes segundo os dados estatsticos do
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. O Prefeito atual o Sr. Eduardo
Debacco Loureiro e o municpio est distante da capital, Porto Alegre, 442 km.
Santo ngelo depende economicamente da agricultura, sendo a soja e o milho a
principal moeda para as transaes comerciais. No perodo de dois em dois anos, nosso
municpio sedia a Feira Internacional do Milho - FENAMILHO. Esse acontecimento
movimenta vendas no campo logstico, industrial, gastronmico e agronegcios.
A cidade possui diversas instituies, abrigos e clubes de servio que desenvolvem
aes de proteo infncia e juventude. Por esta razo, esta investigao tem como
objetivo, o processo de desligamentos dos meninos abrigados por motivos scio-protetivos,
entre 07 a 16 anos, que esto no abrigo da Associao Santo - Angelense Lar do Menino,
procurando-se verificar as condies e o sentido de acolhimento destes meninos, conforme
prev a legislao brasileira. A nfase, por isso, recai nas famlias que supostamente deveriam
acolh-los, embora se considere tambm o que pensam os prprios garotos e os profissionais
envolvidos com eles.
Esse tema apresenta relevncia de investigao no municpio e nessa instituio e
acredito ser pertinente esta pesquisa para possveis melhoramentos em relao a esta temtica.
Da a pertinncia da investigao. Aps a explorao e realizadas as consideraes finais, os
dados sero devolvidos para a instituio e para as famlias que iro participar da pesquisa,
com o intuito de auxili-los no processo pedaggico.
A devoluo dos dados apurados para a instituio tem o objetivo de, pelo dilogo,
ajudar a equipe, que trabalha com os meninos e suas famlias, a buscar novas estratgias
pedaggicas e de trabalho, aps o desligamento dos meninos, conforme solicitao da
instituio para a pesquisadora. Os resultados apurados e analisados com a investigao sero
devolvidos no ms de Dezembro/2009.
-
15
1.1 A ESCOLHA DO TEMA E A TRAJETRIA PESSOAL DA INVESTIGADORA
A escolha dessa temtica tem influncias da prxis do dia a dia como psicloga
Clnica/Social. Formei-me no ano de 2001, pela URISAN - Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Misses, Campus Santo ngelo. Durante o processo de formao na
graduao, atuei em um projeto na cidade de Salvador-Ba, denominado Universidade
Solidria/UNISOL, antigo Projeto Rondon. No governo do ex - Presidente Fernando
Henrique Cardoso, esse projeto foi reformulado e retomado, sob a direo da Dra. Ruth
Cardoso, a qual nessa oportunidade conduziu trabalhos voltados incluso social e reduo
da pobreza, possibilitando que alunos de diferentes estados, cidades e universidades pudessem
desenvolver projetos em determinadas regies que apresentam significativa miserabilidade.
Fui selecionada juntamente com uma graduanda do curso de Servio Social da URI
Campus Frederico Westphalen/RS. Em equipe, trabalhamos diversas questes de incluso e
excluso com meninos e meninas em situao de miserabilidade e risco social, no ano de
2001, nos meses de janeiro e fevereiro. Esta experincia motivou-me a ingressar nesse campo
e atuar junto a esses meninos que se encontram vulnerveis enquanto sujeitos na fase de
crianas.
Quando aqui me refiro a sujeitos na fase de crianas, porque, pelo dilogo,
observa-se que esses meninos (muitos deles) no se sentem pertencentes a essa fase, embora
estando cronologicamente e biologicamente na fase infantil, pois atuam nas ruas, pedindo
trocos para levarem aos mais velhos. Deixam de estudar e de aproveitar a infncia para
auxiliar na economia domstica, passando tambm por outras situaes de risco uma vez que
esto nas ruas.
Mais tarde, ainda na graduao, participei de uma seleo para ocupar 01 vaga de
psicloga na antiga Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), hoje Fundao de
Atendimento Scio - Educativo (FASE), com uma unidade na cidade de Santo ngelo/RS, o
Centro de Atendimento Scio - Educativo (CASE). Durante o ano de 2001, pude trabalhar
nessa instituio e atuar em prol destes meninos, oferecendo atendimentos clnicos para eles e
atendimento social para as suas famlias.
A escolha do campo emprico - Lar do Menino - deu-se ao meu vnculo de trabalho
como psicloga social/clnica no ano de 2006, quando estava exercendo minhas
competncias, porm devido a problemas financeiros da instituio, no foi possvel a re-
-
16
contratao dos meus servios, bem como a organizao futura de uma equipe
multidisciplinar.
Essa equipe seria composta por psicloga, assistente social e um mdico clnico
geral. Ento os meninos no precisariam sair o tempo todo da instituio para essas consultas
de rotina. Na atual realidade, os garotos so atendidos no Posto de Sade Municipal do Bairro
e/ou no Hospital do Quartel.
A instituio conta com os servios de um casal, Sr. V. e Sra. V., que atuam como os
Pais Sociais1 destes meninos, 24 horas por dia, seis dias na semana. Os meninos permanecem
no Lar, de domingo a sexta feira. O Lar conta tambm com os servios de uma assistente
social.
Na sexta-feira, quando retornam da escola s 17h30min, eles arrumam as mochilas
com algumas peas de roupas e calados. Em seguida aguardam que um familiar venham
busc-los. Nem todas as famlias os buscam. Os maiores de 13 anos tm permisso do
Conselho Tutelar para irem sozinhos para casa. Os meninos ficam com suas famlias, ento,
desde sexta-feira, tardinha, at domingo s 17h30min; tempo mximo permitido para que se
ausentem do Lar.
O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei Federal 8.069/1990, dispe na sua
estrutura, mais precisamente no Art. 227 o seguinte:
dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar a criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e a convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.
Com respeito ao ECA, a diretoria do Lar do Menino foi orientada a contratar uma
assistente social, mediante sugesto do Juizado da Infncia e Juventude, pois os meninos que
esto no processo de desligamento com a instituio necessitam muito de acompanhamento
junto a suas famlias.
Na afirmao dos pais sociais, em conversa, durante uma visita que lhes fiz, afirmam
que, mesmo com a contratao da assistente social, a gente sente falta de te uma psicloga
aqui...que trabalhe junto com os guris e ajude ns...(sic),relataram que toda a mudana
1 Expresso utilizada nacionalmente para designar o casal que desempenha as funes da famlia biolgica dos meninos. Essa funo perigosa do ponto de vista psquico mas no entraremos aqui, nessa discuo.
-
17
positiva do comportamento e socializao, em razo da assistncia psicolgica que estava
sendo realizada, alguns regrediram devido entrada de novos meninos na Casa2.
1.2 A ROTINA DOS MENINOS NO LAR
A rotina da instituio se d a partir da organizao escolar dos meninos. Todos esto
matriculados e frequentando uma escola que geograficamente se encontra o mais prximo
possvel da Casa, tendo em vista o bem-estar dos garotos, sendo ainda, uma exigncia do
Ministrio Pblico e do Juizado da Infncia e Juventude, assegurado pelo ECA, no Art. 53,
que ao legislar afirma que:
a criana e o adolescente tm direito educao, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exerccio da cidadania e qualificao para o trabalho, assegurando-se-lhes: I igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; II direito de ser respeitado por seus educadores; III direito de contestar critrios avaliativos, podendo recorrer s instncias escolares superiores; IV direito de organizao e participao em atividades estudantis; V acesso a escola pblica e gratuita prxima de sua residncia [...].
Os meninos so divididos em dois grupos para frequentar as aulas, um grupo pela
manh e outro, tarde, de acordo com a faixa etria. No turno inverso escola, desenvolvem
atividades laborais e ocupacionais permitidas por lei, como o cultivo de uma horta para venda
comunidade, organizao dos quartos, banheiros, lavanderia; fazem os temas de casa e
assistem televiso. Aps o almoo, todos organizam as louas e a cozinha. Em seguida, os
demais vo escola.
Logo que terminam o almoo, a Sra. V. apenas sugere aos meninos o que deve ser
limpo na cozinha e, por alguns minutos, descansa, enquanto os garotos lavam as louas,
panelas, copos, talheres e todos os demais utenslios utilizados para fazer o almoo. Enquanto
uns secam as louas, outros varrem o refeitrio e alguns passam pano no cho e limpam o
fogo.
Essas atividades fazem com que eles passem a assumir uma postura mais responsvel
com as normas que regem uma famlia. uma atividade pedaggica, pois, aprendem valores
de cooperao e solidariedade, que muitos deles no tm quando ingressam no Lar, mas
desenvolvem ali.
2 Denominarei Casa, o Lar do Menino de Santo ngelo/RS, pois essa expresso utilizada pela grande maioria dos moradores da nossa cidade.
-
18
Muitas vezes almocei com os meninos; a comida muito boa e preparada com total
higiene. Um exemplo de como a alimentao farta e o cardpio variado: toda a sexta-feira
tem galeto assado ou churrasco com arroz, salada de maionese, suco natural ou refrigerante,
em seguida sempre h uma sobremesa.
Antes de cada refeio, um dos meninos realiza um agradecimento a Deus pelo
alimento do dia. Era agradvel almoar com eles, pois nos divertamos e, nesse perodo, eu
no ocupava o lugar de psicloga, o que permitia uma aproximao mais informal.
Eles adoravam, e me perguntavam coisas como: onde eu morava, se eu tinha filhos, se
eu gostava de bailes, se eu me dava bem com meus pais, que tipo de msica eu escutava, se
eu j tinha escutado hip hop, como era fazer psicologia, entre tantas outras. Sempre respondia
a todas, pois nunca me senti agredida ou invadida na minha privacidade.
O momento do almoo permitia que me olhassem de uma maneira mais natural e isso
fortaleceu nossos vnculos, mostrando que sou uma pessoa que, embora estivesse ocupando
um espao profissional, que exigia certo distanciamento dos problemas que apresentavam,
podia haver uma relao de confiana estabelecida.
Com o privilgio de almoar com os meninos, pude ento observar como eles agiam
de maneira madura e atenciosa com a Sra. V., pois realizavam todas as tarefas, sem brigas ou
discusses. Tudo como ela havia sugerido.
Do mesmo modo atencioso tratavam tambm o Sr. V.. Sempre o auxiliavam nas
tarefas da limpeza do ptio, poda das rvores, recolhimento dos lixos, cuidados com a horta,
entre outras.
Cabe ao Sr. V., na Casa, tambm, a tarefa de ir s reunies dos pais nas escolas dos
meninos - porque seus responsveis poucas vezes comparecem, mesmo sendo convidados3,
receber o boletim, escutar a queixa do servio pedaggico da escola quando apresentam
comportamento inadequado e/ou quando apresentam dificuldade na aprendizagem, lev-los ao
mdico/dentista, entre outras funes.
importante o papel dos pais sociais no processo de escolarizao dos infantes, pois,
embora o Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei Federal 8.069/1990 e no Titulo IV Das
Medidas Pertinentes aos Pais ou responsvel, no Art. 129, prev j que so aplicveis aos pais
ou responsveis as seguintes medidas: V Obrigao de matricular o filho ou pupilo e
acompanhar sua freqncia e aproveitamento escolar.
3 No perodo em que trabalhei no Lar, mandvamos bilhetes para os pais comparecerem nas reunies, mas era rara as vezes que um pai ou uma me fossem at a escola de seu filho para manter - se informados da situao escolar da criana.
-
19
Na prtica, observa-se que as famlias, nem sempre (ou raramente) cumprem este
papel, por razes averiguadas neste trabalho.
As relaes afetivas que se estabelece entre os pais sociais (Sr. V. e Sra. V.) e os
meninos so tpicos de uma famlia; observamos momentos de conflitos, discusses, trocas de
carinho e aconselhamento.
Os conflitos e as discusses ocorrem geralmente, quando solicitado aos
garotos que organizem suas roupas e calados nos roupeiros. Outro momento significativo de
discusso tambm hora do banho, pois muitos dos meninos relutam para banhar-se.
A Casa comporta de 13 a 15 crianas e adolescentes, entre as idades de 07 a 16 anos,
mas houve relato de um caso em que um menino de 05 anos foi abrigado, devido ao
cumprimento de uma medida scio-protetiva determinada pelo MP e JIJ.
Os meninos, que possuem idade acima de 12 anos, frequentam oficinas de
informtica, cestaria de jornal e marcenaria, por meio de uma parceria com a Prefeitura, que
cede ao Lar um espao nessas oficinas e a Sra. Presidenta do Lar do Menino, que se
responsabiliza pelo transporte dos alunos.
Em observncia Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Lei n 9.394/1996 (Brasil, 1997
p.7) ao preconizar que:
A educao dever da famlia e do estado, inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio consciente da cidadania e sua qualificao para o trabalho.
Os garotos eram atendidos (at Maro de 2008) por uma professora de matemtica,
voluntria, que realizava aulas de reforo escolar em uma sala da Casa, onde h quatro
computadores, quadro, giz, apagador, mesas, cadeiras, ventiladores, boa iluminao natural,
lpis, borrachas, canetas, folhas, cadernos, entre outros materiais necessrios para a realizao
das tarefas escolares (fotos nos apndices).
Hoje, a instituio conta com o apoio de duas estagiarias do curso de Magistrio do
Colgio Odo Felipe Pippi, que auxiliam os meninos nas tarefas da escola e no processo de
alfabetizao.
A educao no Lar, sempre obteve prioridade. um processo que auxilia no reforo
escolar desses meninos abrigados e nos leva a imaginar o ponto de partida de uma
transformao, mas no conseguimos visualizar o ponto de chegada: se aps o seu
desligamento no continuarem a ser estimulados por suas famlias a estudar, ento, esse ponto
-
20
de chegada talvez nunca seja alcanado. Possivelmente, essa transformao social fique inerte
em relao justia social.
1.3 PARCEIROS DO LAR DO MENINO
A Casa mantida financeiramente em grande parte pelo Lions Clube, e, em parte, por
doaes da Prefeitura Municipal Secretaria de Assistncia Social, Mercados, em especial, o
Pag-Menos, que era um parceiro significativo do Lar, no perodo em que trabalhei na
Instituio, pois toda semana levava frutas, verduras e legumes em grande quantidade. Hoje o
mercado que estabeleceu parceria o Supermercado e Fruteira So Lus; a comunidade em
geral auxilia tambm com alguns alimentos no perecveis. Em determinados meses aumenta
o nmero de doaes devido ao pagamento de cestas bsicas e produtos de higiene e limpeza,
por penas alternativas, quando o Juiz determina.
1.4 CENAS REAIS DE UM COTIDIANO: DO TEMA PARA O PROBLEMA
A premncia de se estudar e provocar dilogos sobre (in) excluso familiar torna-se
cada vez mais um assunto pertinente pesquisa, tendo em vista a situao socioeconmica do
nosso pas, que pressiona famlias a buscarem meios de sustentabilidade econmica, os quais
muitas vezes colocam em risco a segurana e a integridade das crianas e dos adolescentes.
Para compreendermos os aspectos econmicos e sociais das famlias, e o
funcionamento entre seus membros, devemos estar atentos para as mudanas que sofre a
sociedade. No campo econmico, nos ltimos 05 anos, a regio das Misses vem sofrendo
sucessivas perdas na agricultura, em funo do clima, ora prejudicado por inmeras chuvas,
ora pela estiagem, acarretando, em algumas propriedades rurais, perdas quase que totais nas
lavouras de soja e milho. No ano de 2008, foi enfrentada mais uma vez a estiagem.
O empobrecimento da nossa regio, provocado pela quebra das safras do milho e da
soja, proporciona o aparecimento visibilidade de crianas e adolescentes, com
significativa presena nas ruas do municpio, na tentativa de contribuir com a renda familiar.
Especialmente no ms de dezembro, so mais visveis essas crianas nas ruas do nosso
municpio. Penso que seja devido s festas de final de ano, e como o Natal uma data que
sensibiliza ainda mais as pessoas a ajudar os menos favorecidos, essas crianas so
-
21
beneficiadas com as esmolas que ganham pelas ruas, alguns trocados e restos e sobras dos
alimentos e bebidas que ficam sobre as mesas nos bares e restaurantes.
Sem dvida, quem frequenta o centro de Santo ngelo, principalmente noite, no
perodo natalino, nota expressivamente a quantidade de crianas mendigando o que estudos
apontam como negativo recebem esmolas fomentando a mendicncia. Isso no um ato
pedaggico emancipador para esses meninos.
Com relao ao problema social e econmico dessas famlias, cabe destacar a posio
da Senhora Vera Debonni4, sobre os dezoitos anos da vigncia do Estatuto da Criana e do
Adolescente. No seu discurso, relata com preciso a respeito da comunidade e alguns rgos
do governo para com o ECA.
Segundo a Juza:
As pessoas no tm conhecimento sobre os direitos assegurados s crianas e aos adolescentes que rege o estatuto, e mais, algumas pessoas at conhecem, mas no respeitam, porque sabem que a justia e os que fiscalizam as denncias nem sempre cumprem o papel de apurar as mesmas. E ento a justia no tem como apurar e punir essas pessoas que colocam em risco a segurana e a integridade fsica das crianas... Mas quando chega at o nosso conhecimento, apuramos e punimos sim, quem descumpre com suas obrigaes enquanto famlia que deveria cuidar e zelar pelas suas crianas e jovens (DEBONNI, 2008).
Nessa mesma ocasio estava presente tambm a Sra. Luciane Escouto5 Presidenta do
Conselho Estadual dos Direitos das Crianas e do Adolescente, que discorreu sobre a
fiscalizao precria dos Conselhos Tutelares e tambm das famlias das crianas e
adolescentes.
A Presidenta do CEDICA/RS tocou no ponto nevrlgico da questo: necessrio
assegurar proteo infncia sem esquecer, no entanto, o amparo famlia, propondo
ainda, a aplicao de um diagnstico a fim de detectar os reais problemas desse grupo
social.
4 Vera Debonni, Juza da Infncia e Juventude (JIJ) da Comarca de Porto Alegre/RS em entrevista no Jornal do Almoo (JA) para emissora gacha de televiso RBS TV, este sendo exibido no horrio do meio-dia, juntamente com a Sra. Luciane Escouto Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Crianas e dos Adolescentes, e outros convidados, abordando como tema central o Estatuto da Criana e Adolescentes (ECA) e a atuao, fiscalizao e execuo dos Conselhos Tutelares junto s famlias, crianas e adolescente que necessitam dos seus servios. Esta exibida no dia 14 de Julho de 2008, de veras importncia, para dar orientao s famlias, bem como seus direitos e deveres. 5 Presidente h pouco mais de um ms, a pedagoga Luciane Escouto foi eleita presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Crianas e dos Adolescentes. Coordenadora de projetos sociais da rede Marista do Estado, ela acredita que aes articuladas entre governo e sociedade civil auxiliam no processo de transformao social. * O Conselho Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente (CEDICA), institudo pelo pargrafo 2 do art. 260 da Constituio do Estado, rgo pblico, normativo, deliberativo e controlador das polticas e das aes estaduais voltadas para a infncia e juventude.
-
22
Segundo a Presidenta:
Nessa perspectiva de apurar cada denncia que os Conselhos Tutelares recebem e executam quase um ato herico, pois no tm uma estrutura capaz de manter um bom andamento dos trabalhos...nem se quer os Conselhos tem nmeros de viaturas adequados carros para se deslocarem e registrar as denncias...o que nos deixa com total vergonha...e concordo com a Juza porque o ECA foi elaborado para garantir a segurana das crianas e adolescentes, mas na prtica, nossa! vergonhoso no respeitam...as famlias so o problema e no temos um rgo ou conselho que fiscalize ou faa um diagnstico dessas famlias (ESCOUTO, 2008)
Acredito serem pertinentes essas colocaes para respaldar ainda mais a relevncia
dessa pesquisa com as famlias. Vemos nessas falas as expectativas que se colocam sobre as
famlias, sem levar em conta, muitas vezes as condies sociais e econmicas dessas e o
sentido que elas atribuem ao acolhimento.
No precisamos olhar para longe. Basta observar os meninos nos semforos, quando
paramos com os automveis. Seguidamente batem nos vidros e perguntam: tem um troco a
tia? Ou nas portas dos supermercados e padarias, sadas dos cinemas, portas de shoppings,
enfim, esto por toda parte, pedindo dinheiro, troco, para auxiliar na economia domstica de
suas famlias.
Essa situao comprova uma dura realidade que vemos em toda a Amrica Latina, em
especial, no Brasil: crianas que ao invs de estarem na escola, preferem (ou no, pois alguns
so obrigados pelas famlias, o que no observado nos sujeitos dessa pesquisa) ficar nas
ruas, deambulando e garantindo ao final do dia uma renda extra para suas famlias. Segundo
Ferrari6, aps uma conversa informal em frente ao cinema, num sbado, noite, onde eu e
algumas amigas estvamos na fila para assistir ao filme Tropa de Elite, disse que: ... no
ganhamo muito, s vezes s 15,00, a chegamo em casa e a brigam com nis... Ferrari (12
anos) estava acompanhado de Lamborghini7 seu amigo (10 anos).
O Projeto Razes pertence Associao Evanglica, entidade social sem fins
lucrativos que, em meados de 1995, passou a atender crianas e jovens em situao de
miserabilidade; hoje dispe de um site com informaes sobre pesquisas e dados da pobreza
no Brasil. Essas pesquisas apontam que em 1999, 22% (37 milhes) da populao estavam
abaixo da linha da pobreza e em 2000, o nmero de indigentes era 16,31% e 32,74% dos
brasileiros vive em situao de miserabilidade, e o nmero de crianas pobres de 45,99%.
6 Ver o subcaptulo 2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA no segundo captulo PERCURSO METODOLGICO. 7 Os dois meninos fazem parte do Lar, e nessa noite estavam garantindo um troco a mais.
-
23
No Rio Grande do Sul, 37,41% vivem com renda inferior a 1/2 salrio mnimo
conforme a pesquisa Aspectos Qualitativos da Pobreza no RS, de Flvio Cominn e Izete
Bagolin, do Departamento de Economia da UFRGS.
Outro dado significativo da UNICEF e da Campanha da Fraternidade da Igreja
Catlica revela que morrem, no Brasil, 16 jovens de 10 a 18 anos por dia, vtimas de porte
ilegal de armas, trfico de drogas e homicdios. Muitos desses dados no so apontados pelos
veculos de comunicao.
Sob o ponto de vista de Demo (2002, p. 10) renda mnima e salrio mnimo no so
polticas protetoras dos direitos sociais dos cidados, mas, ao contrrio, mquinas de excluir.
E podemos comprovar atravs dos dados apurados acima pelas pesquisas.
Na nossa cidade no foi possvel levantar esses nmeros, pois ao entrar em contato
com a Secretaria de Ao Social de Santo ngelo informaram-nos que no h pesquisas que
apontem esses dados.
Sabemos tambm, que no ano de 2008 onde estvamos levantando os dados
ocorreriam as eleies municipais e todas as prefeituras protegem-se, no repassando nenhum
dado que possa prejudicar sua campanha/imagem poltica. Sem esses dados, fica difcil
precisar nesse momento, o quanto Santo ngelo possui de sujeitos em situao de
miserabilidade. Mas basta olhar a poucos metros e j avistamos, no centro da cidade,
mendigos e crianas pedindo esmolas trocos para auxiliar suas famlias (criana
exercendo papel de adultos).
1.5 A CONTEXTUALIZAO E O ABRIGAMENTO
Partindo desse olhar, o objeto dessa pesquisa so as famlias dos meninos em
situao de abrigamento, por medidas scio-protetivas, determinadas por lei e em processo de
desligamento da Associao Santo-Angelense Lar do Menino.
O abrigamento dos meninos tem como objetivo proteger a criana e o
adolescente dos mais variados riscos/perigos que possam correr, quando esto deambulando
pelas ruas e pedindo esmolas ou trocos e tambm a partir da no frequncia escolar. No caso
da incluso desses meninos nessa Casa, a medida s aplicada aps alguns contatos verbais
do Conselho Tutelar com o menino e sua famlia.
No ECA, o Ttulo V Do Conselho Tutelar, captulo I Disposies Gerais,
Art. 131 conceitua o Conselho Tutelar como: rgo permanente e autnomo, no
-
24
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criana e
do adolescente, definidos por lei.
Por essa razo, no ocorrendo comprometimento familiar, o Conselho Tutelar entra
em contato com a equipe da Promotoria Pblica e do JIJ, que formalmente intima a famlia e
o menino para comparecerem ao Frum, a fim de averiguar a situao familiar. Caso no
ocorram mudanas no cumprimento do acordo estabelecido, o Juiz determina o abrigamento,
estipulando o perodo que o menino ficar no abrigo.
A Casa um lar de passagem de curto perodo (segundo a Presidncia da Instituio).
No mximo os garotos deveriam permanecer por um ano, mas geralmente o tempo longo:
aproximadamente de 03 anos ou at que o garoto alcance os 16 anos. Durante esse perodo,
espera-se que a Instituio trabalhe/prepare a(s) famlia(s) e o(s) menino(s) para a incluso
familiar desligamento do Lar.
Segundo Peruzzolo (2002, p. 250), essa preparao gradativa para o desligamento
pode ocorrer objetivando a volta famlia de origem ou famlia substituta. Mas no havendo
possibilidade de armar vnculos familiares, as crianas vo crescendo dentro da Instituio at
alcanar a idade de 18 anos. Neste perodo, j adolescentes, so desligados da Instituio
mesmo no estando preparados para iniciar um novo momento de suas vidas, sozinhos; isto ,
sem a tutela, os cuidados, o carinho, e muitas vezes, sem nenhuma referncia externa ao
abrigo que possa acolh-los nos momentos futuros.
Observei que esses meninos (geralmente) no esto cientes do real motivo do
abrigamento nessas Casas, por trs motivos: o JIJ no comunica com clareza, as famlias
dizem aos garotos sempre a mesma coisa: que para o bem deles, e os prprios garotos
utilizam-se de mecanismos psquicos de defesa para fantasiar sua estadia na Casa e assim,
diminuir seu sofrimento emocional.
Ao ocorrer o abrigamento por motivos protetivos, essas crianas passam por situaes
constrangedoras. Na escola, por exemplo, sempre lhes perguntam por que esto no Lar, essas
perguntas j vm mescladas com um cunho de maldade e curiosidade. Maldade porque como
nosso municpio no de porte grande, quando realizado esse questionamento curioso, a
noticia se espalha muito rpido na escola e geralmente os meninos acabam por ter amizades
limitadas, ou seja, pouco colegas/amigos. Durante os atendimentos que realizei, sempre
havia essa queixa por grande parte dos meninos.
Observa-se ainda, a ciso com o vnculo familiar. Em decorrncia, alguns meninos
sentem-se deprimidos, o que pode lev-los a uma srie de sintomas e conflitos psicolgicos,
como baixa autoestima, melancolia, agressividade, comodismo, angstia, entre outros.
-
25
Uma de minhas funes determinadas no contrato quando fazia parte da instituio,
consistia em trabalhar a incluso/acolhimento desses meninos junto s suas famlias. Embora
tivesse todo apoio da Casa, desde os materiais para utilizao com os meninos at estrutura
fsica, mesmo assim, era difcil trazer as famlias para realizar reunies; trabalho este que
acredito ser fundamental para a permanncia dos meninos nos seus ncleos familiares e na
boa conduta.
A dificuldade em obter a concorrncia das famlias ocorria porque algumas mes e
pais trabalhavam nos horrios em que eu estava de trabalho e depois das 18 horas, eles diziam
que ficava muito difcil (sic), porque tinham que preparar a janta e organizar a casa. E
algumas delas, embora no trabalhassem, afirmavam no dispor de tempo8 para ir ao Lar.
Segundo relatos dos antigos pais sociais, em conversa informal, os mesmos contam
que muitas famlias, vo at a Casa e perguntam para eles como que se faz para que seus
filhos entrem para o Lar do Menino. O casal explica que somente mediante ordem do JIJ,
que podem residir ali.
Durante o perodo em que trabalhei na Casa, presenciei a seguinte cena: numa tarde de
muito calor, em pleno dezembro, uma me bateu na porta do Lar e logo foi atendida pela Sra.
M.(ela era me social), que um tempo depois me chamou e disse: essa me qu deix o filho
aqui, mas expliquei que no somos ns que pegamo a Promotoria. (sic). Olhei para a me
e em seguida para o menino e lhe perguntei quantos anos tinha. Respondeu-me erguendo os
dedinhos e mostrou que tinha apenas 04 anos.
Ento convidei os dois a adentrar e explanei as regras da Casa e que no nos cabia a
deciso de acolh-lo, uma vez que a justificativa da me foi que no podia mais sustentar seus
filhos, que no total eram seis, sendo esse que ali estava o quinto. Mostrou a barriga e disse
que estava esperando mais um. Orientei-a para que procurasse o Servio Social da Prefeitura e
que solicitasse acompanhamento mdico para fazer pr-natal e tambm algum programa
social que pudesse assistir a essa famlia.
Muitas mes j vo com os filhos, na esperana de imediatamente deix-los ali, o que
nos remete a pensar num comportamento semelhante ao da Roda dos Expostos9 no Brasil
durante os anos de 1726-1950: onde as mes largavam seus filhos recm-nascidos aos
cuidados de freiras.
Nesse caso, quem cumpre o papel das freiras so os pais sociais que cuidam e zelam
pelo bem-estar desses meninos, durante o perodo que ficam na Casa. Nega assim a
8 Era assim que as famlias se referiam no seu discurso. 9 Retomarei esse assunto no segundo captulo.
-
26
legitimidade da famlia biolgica e os garotos passam a assumir novas regras de convivncia
social e familiar o que nos primeiros meses de instituio, demonstra certa dificuldade e
rebeldia na aceitao das regras da Casa (seu novo lar).
1.6 O ECA E OS CONSELHOS TUTELARES
Cabe aqui ressaltar que no dia 10/07/2008, o Estatuto da Criana e do Adolescente
completou dezoito anos de vigncia no Brasil. Jovens e crianas de todo o pas receberam um
presente, um novo instrumento para garantia de seus direitos. Ao atingir a maioridade, o
Estatuto da Criana e do Adolescente, firma-se como uma das legislaes mais avanadas do
mundo, instituda pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Esse documento est em constante
processo de construo e reconstruo, para garantir que seus operadores ajam de forma
articulada e em redes para o cumprimento dos direitos das crianas e adolescentes.
No Brasil, existem mais de 60 milhes de crianas e adolescentes, segundo os dados do
Portal Social do Rio Grande do Sul.
Alm de uma mudana na legislao, o Estatuto trouxe ao nosso pas uma nova
forma de se perceber e respeitar esse pblico sem distino de raa, classe social ou qualquer
forma de discriminao. Os mecanismos de proteo assegurados por lei garantem
atendimento nas reas de educao, sade (fsica e emocional), trabalho e assistncia social.
Apesar de ser o marco regulador de inmeros projetos, o Estatuto da Criana e do
Adolescente ainda desconhecido, como apontam os dados do Portal Social do Rio Grande
do Sul, para a maioria das pessoas.
De acordo com a Lei ECA nenhuma criana ou adolescente pode ser alvo de
negligncia, discriminao, explorao, violncia ou opresso. Estabelece tambm a criao
de Conselhos Tutelares e varas especializadas em Direito da Juventude. Alm da
universalizao de creches e escolas pblicas.
O Estatuto assiste tambm a famlia, a comunidade e os direitos individuais de cada
jovem. As crianas e adolescentes passaram a ter deveres e no s direitos. A partir dos 12
anos, podem cumprir medidas socioeducativas de internao e j so responsveis por seus
atos.
A grande maioria dos municpios e grandes centros brasileiros possuem Conselhos
Tutelares. O Conselho composto por cinco membros, eleitos pela comunidade, que
-
27
acompanham as crianas e os jovens, decidindo junto com o Ministrio Pblico e o Juizado da
Infncia e Juventude, qual a melhor medida de proteo.
O Portal Social do Rio Grande do Sul tambm aponta que quase 90% dos municpios
brasileiros contam com Conselhos Tutelares. A grande dificuldade a falta de estrutura.
Pesquisa da Subsecretaria de Promoo dos Direitos Infanto-Juvenis; apontam que mais da
metade dos conselhos tutelares funciona de forma precria com falta de equipamento e
escassez de funcionrios qualificados.
Em alguns lugares o Conselho se rene na praa pblica, por falta de sede. So
70 mil conselheiros no pas, mas a grande maioria no possui capacitao.
Apresento, neste espao, uma entrevista concedida ao Portal Social da Secretaria da
Justia e do Desenvolvimento Social/RS, com a Presidenta do CEDICA/RS, Sra. Luciane
Escouto.
Imprensa SJDS - Qual o balano dos 18 anos do Estatuto da Criana e do Adolescente no Brasil? O Estatuto da Criana e do Adolescente firmou-se como uma das legislaes mais avanadas do mundo, porque rompeu com o paradigma anteriormente estabelecido no pas, presente nos dois cdigos de menores de nossa histria, um de 1927, conhecido por Cdigo Mello Mattos, e outro de 1979. A Constituio de 1988 consagrou garantias fundamentais, baseadas num sistema de direitos, garantias e proteo infncia e adolescncia. O modelo se fundamentou no princpio da dignidade humana se constituindo como um valor supremo e fundante do Estado Democrtico de Direito. O ECA institui a concepo de Proteo Integral em que as crianas so consideradas sujeitos de Direitos, em situao peculiar de desenvolvimento e em suas relaes com a famlia, sociedade e o Estado.
Imprensa SJDS - O Estatuto conseguiu garantir o acesso de crianas e adolescentes educao no pas durante os anos de vigncia? Historicamente a questo da creche e da pr-escola ganhou fora aps a implantao do Estatuto onde a concepo passa a ser de carter educacional e no apenas de cuidados. A lei de Diretrizes e Bases da Educao tambm foi criada aps o ECA. Tambm a matrcula da criana em escolas prximas a sua residncia aproximou-o de sua comunidade de origem. Temos pontos a avanar na estrutura de Rede de Proteo, mas estamos em processo.
Imprensa SJDS - Quais so os instrumentos mais eficazes no cumprimento das diretrizes do ECA? Como o CEDICA trabalha na execuo do Estatuto? O Estatuto da Criana e do Adolescente tem como uma de suas premissas intensificar e fortalecer as polticas pblicas. Este fortalecimento se d a partir das diretrizes, em que as aes e projetos devem ser articulados entre Governo e Sociedade Civil e harmnicos entre si. Considerando que estas aes e projetos auxiliam no processo de transformao social, desafiador trabalhar o conceito de Rede, descrito no Art. 87. Com o ECA foram criadas estruturas institucionais, Conselhos dos Direitos da Criana e do Adolescente e Conselhos Tutelares que priorizam a doutrina da municipalizao na poltica de atendimento relativo s discusses sobre os problemas pertinentes. neste contexto que o CEDICA trabalha no sentido de deliberar polticas pblicas na garantia, defesa e promoo de nossas crianas e adolescentes. Imprensa SJDS - O Estatuto ainda um documento vlido ou deve ser reformulado?
-
28
O Estatuto um documento em processo de construo e reconstruo permanente, este to complexo que no se tinha a noo real de sua operacionalidade, sendo que o mesmo instituiu o princpio da incompletude institucional. Princpio este que faz com que todos os atores do sistema de garantia de direitos ajam de forma articulada e conjunta para a efetivao dos direitos das crianas e adolescentes. Imprensa SJDS - possvel dizer que caminhamos para a consolidao dos direitos das crianas e adolescentes? Para que se tenha xito nas mudanas preciso, desenvolver um processo educacional que passa pela ampla divulgao e conhecimento do Estatuto, para ento se perseguir a consequente mudana de atitudes em prol de uma infncia e adolescncia protegida integralmente.
A opinio da Presidenta do CEDICA/RS, esclarece a funo do ECA e amplia o
panorama sobre a questo do menor (de idade) ao destacar que o xito nas mudanas necessita
de um processo educacional (para toda a populao) consistente e efetivo para a proteo da
infncia.
1.7 O PROBLEMA
A partir de experincias com as famlias e os meninos, com a problemtica
social/financeira atual e com as informaes que buscamos sobre o tema (in) excluso
familiar, surgem questionamentos e preocupaes que foram objeto da investigao.
Por essa razo, o problema de pesquisa vai ao encontro do objetivo da pesquisa
norteando os processos metodolgicos que foram empregados na busca por respostas e para
que as anlises e as consideraes finais da dissertao levem o leitor a visualizar o alguns
pontos dessa investigao.
Sendo assim, a pergunta foi formulada da seguinte forma:
Quais as aes pedaggicas presentes no acolhimento dos meninos pelas suas
famlias no processo do desligamento da Associao Santo ngelense Lar do Menino?
1.8 OBJETIVOS
1.8.1 OBJETIVO GERAL
O grande objetivo dessa pesquisa propem-se a investigar e compreender as aes
pedaggicas de acolhimento (in/excluso) das famlias, a partir de um olhar pedaggico, sem
desprezar os aspectos sociais, econmicos e psicolgicos em que essas famlias esto
-
29
inseridas, para com os meninos em processo de desligamento do abrigo Lar do Menino, que
acolhe crianas e adolescentes em situao de risco scio-familiar, determinada por Lei.
1.8.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
Averiguar o que influenciou os meninos a sarem para as ruas;
Analisar a representao dos filhos para as famlias e o que entendem por
crianas;
Contextualizar a situao socioeconmica da famlia, levando em conta o
processo de globalizao no Brasil e suas consequncias;
Investigar o processo histrico atual da (in) excluso social, partindo do olhar
pedaggico, relacionando-o com os aspectos econmicos e,
Reconhecer, por meio das entrevistas, as prticas pedaggicas de acolhimento
utilizadas pelas famlias no processo do desligamento dos meninos;
2 O PERCURSO METODOLGICO
Nessa etapa, detalhamos o percurso metodolgico que foi percorrido na coleta e
anlise dos dados empricos, a tentativa positiva de buscar respostas aos objetivos e questes
norteadoras em relao ao tema pesquisado. Apresentamos o tipo de estudo e o contexto de
sua realizao, a seleo dos sujeitos participantes, as tcnicas utilizadas na coleta de dados
no desafio de apreenso da realidade, a tcnica de anlise dos dados e as consideraes ticas
que foram observadas na presente pesquisa.
2.1 A PROPOSTA DE PESQUISA
Essa investigao caracteriza-se como um estudo qualitativo do tipo exploratrio
descritivo, pois, na expresso de Minayo (1992), refletir qualitativamente uma realidade
pressupe pensar o indivduo e sua histria, suas relaes, suas representaes, suas crenas,
percepes e opinies emergidas de sua interpretao enquanto sujeito no mundo,
considerando-se que essa realidade pode ser mais complexa e profunda que a descrio e
anlise que dela se faz. Essa autora explica que este mtodo, alm desvelar processos sociais
-
30
ainda pouco conhecidos referentes a determinados grupos, propicia a construo de novas
abordagens, reviso e criao de novos conceitos e categorias durante a investigao,
argumentando que a pesquisa qualitativa constitui-se em entidade capaz de incorporar
questes relativas ao significado e intencionalidade como inerentes aos atos e relaes e s
estruturas sociais. Nessa perspectiva, sujeito e objeto confundem-se e se complementam na
totalidade.
Toda pesquisa exige do (a) pesquisador (a) dedicao, persistncia, alm de
qualificao, recursos humanos, financeiros, materiais, tempo, equipamentos eletrnicos e
muita leitura.
A pesquisa tambm uma atividade voltada para a soluo de problemas. Pretende-se
apresentar os dados coletados e analisados para a sociedade atravs de publicaes em jornais,
revistas, livros e etc., do margem para juntos pensarmos em solues para auxiliar os sujeitos
pesquisados sem expor os mesmos.
Atravs da investigao, no buscamos somente a resposta para o nosso problema de
pesquisa no emprego de processos cientficos e com ateno do pesquisador, observamos
questes que aparecero no decorrer da mesma e no as desprezamos.
Para Trivios, a pesquisa realizada por duas razes:
Em primeiro lugar, para se ter uma ideia mais clara, para se conhecer uma
situao problemtica que nos preocupa. E, em seguida, para modificar o mundo
em que vivemos, aprimorando-o, ou rejeitando aspectos que consideramos
negativos. Porm, ao realizar uma pesquisa, podemos descobrir que a realidade, o
fenmeno, que havia surgido como problema e sobre o qual tnhamos dvidas -,
tem aspectos satisfatrios que no podem ser ignorados (TRIVIOS 2001, p. 59).
Ou seja, toda investigao pressupe uma srie de conhecimentos anteriores e um
emprego metodolgico adequado para que tenhamos fidedignidade nos resultados finais.
Segundo Minayo (2001, p. 59), a metodologia o caminho do pensamento e a prtica
exercida na abordagem da realidade e ocupa um lugar central no interior das teorias, fazendo
contnuas referncias a elas.
Nas opes metodolgicas que utilizamos, alm da abordagem qualitativa de cunho
descritivo, tivemos tambm como base e apoio a observao participante, utilizando como
recurso tambm a entrevista semiestruturada.
-
31
A pesquisa qualitativa descritiva preocupa-se com o nvel de realidade que no pode
ser quantificado; Trabalha com um universo de significados, motivos, aspiraes, crenas,
valores e atitudes; Isso corresponde a um espao mais aprofundado das relaes.
Nas investigaes do tipo descritivo, o objetivo primordial a descrio das
caractersticas de determinada populao ou comportamento e nesta pesquisa, detalhamos
cuidadosamente ao discorrer sobre cada sujeito investigado.
Por meio da pesquisa podemos contribuir com a sociedade no somente como tom de
denncia, mas sinalizar aspectos: de violncia, negligncia, misria, desrespeito, humilhaes,
abandono, entre tantos outros, assim como aspectos positivos: laos de afetos,
relacionamentos familiares, vnculos sociais e o acolhimento, que apareceram tambm no seu
desenvolvimento.
Trivios (2001) declara que a pesquisa qualitativa deve ser de fato, interpretativa e no
um aglomerado de nmeros. No ocorreram nessa pesquisa, generalizaes, apenas
pretendemos obter generalidades, as ideias predominantes, tendncias que apareceram
definidas entre os sujeitos que participaram desse estudo.
2.2 LOCAL E OS SUJEITOS DO ESTUDO
A presente pesquisa teve como campo emprico os processos de acolhimento das
famlias dos meninos em situao de abrigamento economicamente pobres, residentes nas
periferias do municpio de Santo ngelo/RS e com idades acima de sete anos.
O objetivo da pesquisa qualitativa com os processos que se estabeleceram na relao
da investigao e no simplesmente com resultados (produto final).
Os contatos com as famlias que investigamos foram mantidos atravs de visitas ao
Lar nos dias em que as mesmas buscam seus filhos, ou seja, nas sextas-feiras e domingos,
tarde. Sempre observamos receptividade por parte das famlias em contribuir com o estudo.
Conversamos tambm com os meninos e averiguamos a possibilidade de a entrevista ser
realizada no primeiro momento em suas casas. A resposta foi positiva e notamos tambm uma
ansiedade positiva para que iniciasse brevemente a coleta de dados.
Como todas as pesquisas esto sujeitas a mudanas, esta no fugiu a regra; no nos foi
aconselhado irmos at as residncias por motivos de segurana fsica, pois alguns bairros do
municpio so demasiado violentos e no conhecemos ningum; alm, claro, das famlias
que pudesse mediar a entrada em dois deles. No primeiro momento, pensamos em solicitar
que o Conselho Tutelar nos acompanhasse nas visitas domiciliares e no nas entrevistas
-
32
mas para no expormos e/ou constrangermos as famlias; optamos por realizar as mesmas na
prpria Instituio (Lar do Menino), mediante autorizao verbal da Presidenta da Casa Sra.
L.
No primeiro momento, ocorreu tudo muito tranquilo; explanei detalhadamente para a
assistente social e para a Senhora Presidenta, como seria a coleta dos dados e o objetivo do
estudo em si. Como havamos combinado com antecedncia, nos foi verbalizado que seria
bem vinda pesquisa e que serviria como fonte de melhoramentos para a instituio.
Seguindo assim, a mesma tendncia que a ex-Presidenta do Lar havia desejado e combinado
quando autorizou a pesquisa na Casa.
Realizei ento, quatro visitas observaes participantes e pude apontar algumas
mudanas na rotina da instituio, que no faziam parte da rotina da Casa alguns anos atrs.
Percebi que, logo aps o almoo, os garotos ficam livres para atividades como: jogar jogos no
computador, assistir DVD (msicas e filmes) e brincar com materiais ldicos. No que nos
anos anteriores essas atividades aps o almoo fossem proibidas no pois o Lar jamais
ditou normas ou manteve regime autoritrio ou ditador, mas havia algumas rotinas pr-
estabelecidas, democraticamente eleitas por todos, com finalidades pedaggicas os meninos
deveriam realizar as tarefas escolares sendo que, aps o trmino das mesmas estariam
prontos para essas e outras atividades de lazer.
2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA
O critrio de escolha recaiu nas famlias cujos filhos esto sendo desligados da Casa.
A investigao foi realizada, no ano de 2008 com quatro famlias que acusam os
desligamentos da Casa nesse perodo. Como no respeitado o limite do tempo do
abrigamento, a pesquisa foi limitada apenas data citada, pois no podemos fixar aqui, um
padro de data inicial em que os meninos foram desligados de suas famlias, mediante
sugesto do Juiz da Infncia e Juventude.
Como j mencionamos, a pesquisa sofreu algumas alteraes, no por vontade da
pesquisadora, mas sim, por parte da Presidncia da Instituio, que curiosamente num
domingo noite, por volta das 22hs, ligou-me e determinou que, a partir desse momento, as
entrevistas s poderiam ser realizadas com a superviso da assistente social. Sem entender,
naquele momento, a razo para essa mudana, respondi para a Sra. L. que eu no poderia
expor as famlias a uma terceira pessoa, uma vez que, possivelmente, o contedo do material
correria o risco de no ser fiel e por tambm no permitir que as famlias ficassem vontade
-
33
para verbalizar seu contedo psquico livremente. Embora a finalidade da coleta do material
no tenha cunho teraputico, como em uma sesso de psicoterapia, a tica no permitiu que
agisse conforme a vontade da instituio a assistente social e a presidenta j haviam
recebido na primeira visita da pesquisadora h Casa, uma cpia do roteiro das entrevistas.
Nesse caso, ao invs de realizarmos quatro entrevistas com as famlias, apenas foram
permitidas duas e trs entrevistas com os garotos.
O primeiro contato com as duas famlias foi atravs de um dilogo franco e aberto,
com a inteno de estabelecer um vnculo de confiana com a me ou algum que
desempenhe esse papel (neste caso houve uma peculiaridade, foram entrevistados os pais dos
garotos) para que a entrevista flusse com amorosidade, a fim de que no sentissem a sensao
de estarem sendo avaliados negativamente. Embora a pesquisadora j houvesse realizado um
primeiro contato com algumas famlias, sempre importante reforar o dilogo antes das
entrevistas previamente marcadas.
A priori, pensamos em entrevistar no s as Famlias (APNDICE A), mas tambm os
Meninos (APNDICE B), os Pais Sociais (APNDICE C) que os atendem no abrigo, e a
Assistente Social (APNDICE D) que trabalha junto a eles. No caso da assistente social, nos
foi negado coletar o material sem nenhuma explicao concreta, procurei dialogar com a
Presidente e a assistente social, mas frustradamente no obtive resposta que me convencesse
sobre essa atitude. Seria importante o contato com a assistente social para nos dar uma noo
de como ela processa o seu trabalho no dia a dia com as famlias e os meninos sem a
conotao de avaliao do seu trabalho.
Com essas entrevistas, obtivemos respostas significativas que nos auxiliaram na
anlise dos resultados finais. Sem desmerecer a importncia que seria a realizao das quatro
entrevistas, resolvemos aprofundar ainda mais as anlises dos contedos, o que no invalida a
pesquisa ou a far desmerecer.
No incio da coleta dos dados, explicamos a importncia de os sujeitos participarem da
pesquisa, bem como pedimos autorizao para gravar em udio as entrevistas, atravs do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente assinado (APNDICE M),
resguardando a identidade dos sujeitos.
A obteno do consentimento informado de todos os indivduos pesquisados um
dever moral do (a) pesquisador (a). O consentimento informado um meio de garantir a
voluntariedade e o anonimato dos participantes; isto , a busca de preservar a autonomia de
todos os sujeitos. Dessa forma, o Consentimento Livre e Esclarecido deve ser voluntrio,
pressupondo que o indivduo esteja plenamente de acordo para exercer a sua vontade.
-
34
Os depoimentos colhidos dos sujeitos participantes da pesquisa foram transcritos com
fidelidade, na ntegra, sem alterao dos vocbulos utilizados. A partir dos dados coletados,
por meio das entrevistas semiestruturadas, foi realizada a anlise das informaes e, para
registrar essas informaes, foram observados alguns critrios importantes, sugeridos por
Negrine:
- criar uma simbologia para identificar cada participante do estudo, o que facilitar a descrio das informaes; - utilizar um gravador de boa qualidade para, posteriormente, transcrever, na ntegra, tudo o que foi dito pelo entrevistado; - fazer alguns registros pontuais no momento da entrevista, o que facilitar a organizao das informaes, inclusive para definir categorias e/ou subcategorias de anlise; - uma vez transcritas as entrevistas, devolv-las aos entrevistados, com a finalidade de validar o seu contedo. Esse procedimento aumenta o nvel de confiabilidade do estudo. Nesse momento, permitido ao entrevistado que altere, retirando ou acrescentando o que achar conveniente; - extrair informaes relevantes, pertinentes ao estudo em questo, para proceder descrio, anlise e interpretao das informaes (2004, p. 78).
Durante uma visita que realizamos em dezembro de 2007 aos meninos no Lar,
expliquei a eles sobre a minha pesquisa e como ela seria desenvolvida. Explanamos como
seria tambm a coleta das entrevistas e a receptividade foi positiva; ento, logo em seguida,
relatamos que no decorrer da escrita, inegavelmente, utilizaremos suas falas e que por esse
motivo deveramos escolher um codinome para cada um.
Organizamos um grupo, sendo que todos os 14 meninos estavam presentes (nesse
momento ainda no sabamos quem seria desligado), pois a atividade ocorreu s 18 horas. Em
seguida, atravs de sugesto, solicitei a eles que pensassem em algo que mais os atrasse, e
que fosse compatvel substituio de seus nomes. Democraticamente, eles escolheram o que
mais gostavam e almejavam ter algum dia no futuro: nomes de carros importados.
Brevemente, cada um escolheu o seu codinome-carro e como no poderia deixar de
acontecer, houve pequenas discusses/brigas, porque os adolescentes escolheram primeiro e
as crianas ficaram bravas, pois algumas marcas j haviam sido escolhidas. Retomei a
coordenao da atividade e em seguida tudo se acomodou. Apontei na minha agenda,
conforme eles citavam as marcas com os respectivos nomes; notei que todos estavam
satisfeitos com suas escolhas e encerramos a atividade.
Respeitar e preservar a identidade dos sujeitos participantes da pesquisa denota
responsabilidade e tica por parte do (a) pesquisador (a), o que permite uma relao de maior
credibilidade e confiana com os sujeitos da mesma.
-
35
Seguindo essas premissas, os dados da pesquisa que levantamos brevemente
analisados na defesa final desta dissertao, sugerem total fidelidade pelo uso de instrumentos
de apoio s entrevistas e s observaes, permitindo um avano pedaggico, nesse campo
emprico, para futuros pesquisadores que se interessem por essa rea.
2.4 MTODO DE COLETA DOS DADOS
No percurso metodolgico utilizamos duas tcnicas de coleta de dados que so:
entrevista semiestruturada com as famlias, os meninos e os pais sociais.
A segunda tcnica de pesquisa constitui-se na observao participante do cenrio em
que ocorre o abrigamento no Lar.
2.4.1 ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
Na presente investigao, a entrevista semiestruturada sugere ser a mais adequada,
pois se desenvolveu a partir de um esquema bsico, previamente organizado, oferecendo
flexibilidade na conduo do dilogo. Nesta investigao ocorreu realizao de 02
entrevistas, como j mencionei, com as famlias e 03 entrevistas com os meninos e 01
entrevista com a me social.
O roteiro das entrevistas (APNDICES) constituiu-se em perguntas e proposies de
temas que indagaram acerca da percepo dos meninos, da famlia e da me social, sobre
aspectos relacionados aos tipos de vnculos, situao econmica, entre outros citados no
roteiro. As entrevistas (perguntas) foram utilizadas aqui, de maneira muito clara e simples de
serem entendidas pelas famlias, pois os pais so semianalfabetos e os demais entrevistados
tambm possuem baixo grau de escolaridade.
O local definido para a efetivao das entrevistas foi o Lar, sendo que a durao
oscilou entre 45 minutos 1h com as famlias, mediante gravao em udio, posteriormente
transcrio e anlise do contedo.
As entrevistas mencionadas acima so instrumentos privilegiados para coletar
informaes e corresponderam s nossas indagaes. Entretanto, fundamental que se tenha
um roteiro organizado a partir das ideias bsicas que emolduram o tema e o problema de
interesse investigativo.
Um roteiro deve dar condies de responder e percorrer nossas indagaes livremente,
buscando tambm sensibilizar os colaboradores com a investigao. A grande vantagem da
-
36
entrevista semiestruturada, que ela permite uma captao imediata das informaes
desejadas e pode ser empregada em qualquer pessoa.
Conforme Trivios (2001, p.89), a entrevista se transforma em um dilogo vivo
no que se caracteriza como um processo de interao social entre duas pessoas, em que uma
procura saber e/ou obter informaes sobre a subjetividade da outra, de um determinado
assunto. Entrevistado e pesquisador procuram construir um conhecimento coletivo a partir da
realidade pessoal do sujeito da pesquisa. Na entrevista semiestruturada, o conjunto bsico das
perguntas aponta fundamentalmente para o problema que preocupa o investigador, sendo,
tambm, uma ferramenta da pesquisa qualitativa para buscar com sucesso os objetivos.
Brando (2003, p. 35), reafirma que, na perspectiva libertadora, a pesquisa como ato
de conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes; de um lado, os pesquisadores
profissionais; de outro, os grupos populares; e, como objetivo a ser desvelado, a realidade
concreta. Esse autor aponta tambm que, na medida em que vamos fazendo pesquisa,
educamos e estamos sendo educados, juntos aos grupos populares da pesquisa. Pesquisar e
educar se identificam em um permanente e dinmico movimento.
2.4.2 OBSERVAO PARTICIPANTE
Outro recurso que utilizamos foi a observao participante, sendo uma das principais
tcnicas empregadas pela pesquisa qualitativa. Segundo Trivios (2001, p. 89), a que
envolve a interao social entre o pesquisador e os informantes no meio destes ltimos, e
durante a qual se recolhem informaes de modo sistemtico e no intervindo. A
participao nas atividades dos grupos, ou seja, na participao da rotina dos meninos e das
suas famlias uma oportunidade de entender melhor a mecnica das relaes, os valores e os
costumes que caracterizam essas pessoas.
O objetivo de observar alguns comportamentos ou manifestaes que interessam para
a pesquisa serviu para realizar uma descrio minuciosa dos sujeitos, quanto para enriquecer
na formulao de futuros pressupostos.
Na segunda visita que realizei (logo aps o almoo, por volta das 12hs 55 min), pude
ento verificar que a minha presena, de certa forma, perturbava a me social; notei que sua
expresso facial ficou notavelmente sisuda, e no gostou de eu estar ali; demonstrou sem
muitos rodeios que eu estava atrapalhando suas tarefas, mal me cumprimentando. Ao
perceber, transferi a ela um sorriso e logo a abracei dizendo-lhe que a minha presena no iria
-
37
atrapalhar suas tarefas e que meu objetivo de estar ali, era os meninos (mesmo eu sabendo,
que isso serviria de material precioso para minhas consideraes finais).
Senti, nesse mesmo dia, que os garotos estavam agitados, mais que o normal e
quando percebi o momento certo, solicitei a Sra. V. que me indicasse um dos meninos que
no estivesse participando de alguma atividade, para dar inicio entrevista. Quando me dirigi
at o refeitrio onde a Sra. V. estava, parecia que seu humor havia melhorado e se prontificou
em chamar um deles.
Na entrevista, constatei que essa agitao era uma mistura de alegria e euforia por
saberem que quatro dos meninos seriam desabrigados/desligados e voltariam para suas
famlias.
Assim como foram realizados todos os procedimentos legais (explanar o estudo
para Presidenta e assistente social), tambm ocorreu da mesma forma com os pais sociais;
mostrei uma cpia da entrevista que seria realizada com eles e o consentimento foi positivo de
ambas as partes me e pai social ento, nesse dia, percebi que no seria o melhor
momento para coletar o material com eles. Agendamos no dia seguinte e para minha surpresa,
apenas a me social compareceu, justificou que seu marido estava fora da instituio por
alguns dias. Na entrevista, a Sra. V. utilizou de dilogos muito curtos, apressando a coleta do
material.
O momento da observao muito importante no processo da pesquisa, pois
com esse instrumento pode-se confirmar evidncias e complementar o roteiro das prprias
anlises das entrevistas semiestruturadas. Para o autor Eisner (1998, p. 226): La indagacin
cualitativa est marcada por la manera em la cual se ve y se retrata el mundo, y por la
orientacin conceptual utilizada para ver y dar sentido a lo que se h visto. La indagacin
cualitativa ser histrica, sociolgica, poltica o educativa, y ms cosas.
As observaes no Lar ocorreram entre outubro e novembro/08, visitando o local uma
vez na semana. Elegeram-se os turnos da manh e da tarde para a realizao das observaes,
por serem os que mais apresentam movimentaes dos meninos na Casa.
O segundo momento que havamos planejado consistiria na observao do ambiente
familiar, tendo como foco de investigao, os aspectos que interferem na afetividade,
autonomia e proteo aos meninos. Essa observao ocorreria em um turno, agendado
antecipadamente com a famlia, durante o processo de desligamento do garoto; pensamos em
realizar essa observao uma vez na semana, no perodo de dois meses, totalizando oito
encontros. Mas infelizmente por motivos de segurana, no foi possvel coletar esse material,
o que pensamos na possibilidade de em outro momento, dar continuidade a esse foco.
-
38
2.5 ORGANIZAO E ANLISE DE DADOS
A anlise dos contedos das entrevistas iniciou-se com a leitura de primeiro plano das
falas, para aprofundarmos de tal modo que fosse capaz de ultrapassar os sentidos manifestos
do material. Dessa maneira, os procedimentos utilizados convergem para o relacionamento de
estruturas significantes, com estruturas sociolgicas (significado) articulando com suas
variveis psicossociais, contexto cultural e processo de produo de mensagem, segundo
Minayo (1992). Essa Autora sugere trs etapas para a operacionalizao da anlise dos
contedos: a pr-anlise, a explorao do material e o tratamento dos resultados obtidos e
interpretao:
1 Etapa: A pr-anlise o momento em que o pesquisador faz a escolha dos documentos a serem analisados, retoma as hipteses e os objetivos iniciais da pesquisa. Estabelece relaes entre as etapas realizadas, elaborando indicadores que orientem na compreenso do material e na interpretao final.
A pr-anlise pode ser decomposta nas seguintes tarefas: leitura flutuante do conjunto das comunicaes obtidas, momento em que o pesquisador toma contato direto com o material de campo, deixando-se impregnar pelo seu contedo; constituio do corpus que consiste na organizao do material de tal forma que possa responder a algumas normas de validade, tais como a exaustividade, representatividade, a homogeneidade, a pertinncia visando a dar respostas aos objetivos do trabalho; formulao de hipteses e objetivos confrontando-os com os iniciais, o que pode significar a correo de rumos interpretativos ou abertura de novas indagaes.
2 Etapa: Explorao do Material consiste essencialmente na codificao das respostas dos entrevistados, quando ocorre a transformao de dados empricos, visando alcanar o ncleo de compreenso do texto. Nesta fase, o pesquisador geralmente adota, como primeiro passo, o recorte do texto em unidades de registro, que podem ser uma palavra, uma frase, um tema, um personagem, um acontecimento. O segundo passo classifica e rene os dados, detalhando as categorias tericas ou empricas que orientaro a especificidade dos temas. 3 Etapa: A interpretao dos resultados obtidos constitui-se no momento em que as informaes obtidas so colocadas em relevo, para realizao de inferncias que forneam outras pistas ou sinais em torno de dimenses tericas. A articulao do material emprico com a teoria pode embasar a construo de novas formas de apreenso e compreenso da realidade.
A anlise e as consideraes finais na pesquisa tm como finalidade bsica ressaltar o
alcance e as consequncias dos resultados obtidos, empregando mtodos cientficos na coleta
dos dados, a fim de indicar o que pode ser transformado para torn-lo mais significativo.
mister nessa etapa, tambm apontar as questes que no puderam ser averiguadas
pela pesquisa, bem como as questes que surgirem com o seu desenvolvimento, seguidas de
sugestes quanto a pesquisas futuras que possam respond-las.
-
39
2.6 ALGUNS PRESSUPOSTOS
Ao realizar uma investigao qualitativa descritiva, de certa forma, quem pesquisa j
tem de antemo algumas respostas para o seu problema de pesquisa. E essa pesquisa no
diferente, pois fruto de minhas experincias profissionais observadas e que orientaram o
nosso olhar enquanto pesquisadores.
Na prxis do meu dia a dia, algumas questes me chamavam a ateno e com isso me
fizeram pensar sobre o tipo de vnculos que se estabeleciam com os garotos nas famlias.
As aes pedaggicas de acolhimento, dessas famlias para com seus filhos que esto
abrigados no Lar do Menino, so complexas e conflitivas. Por exemplo: por que os garotos,
aps as 17 horas de sextas-feiras, quando so liberados para irem para suas casas, optam por
ficarem nas ruas at madrugada cuidando de carros em frente a bares e clubes?
Outra observao da minha prxis que o Lar no uma Casa de passagem de curto
perodo de moradia (no mximo um ano), mas alguns meninos ficam at trs anos residindo
nela.
Penso que, se esses comportamentos que mencionei acima ocorrem, precisamos
investigar e trabalhar no s os efeitos, mas as causas que levam esses meninos para as ruas,
pois o trabalho preventivo ainda o melhor caminho para diminuir o tempo do abrigamento
dos mesmos no Lar do Menino.
Ningum inicia uma investigao com total desconhecimento da realidade da
pesquisa. bem provvel e no definitivo que esses pressupostos se confirmem e que se
entrelacem na bu