0
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS
LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO
Alagoinhas/BA 03 de outubro de 2012
JU
CIM
AR
P. S
AN
TO
S L
EIT
UR
AS
E
LE
ITO
RE
S:
AS
PR
ÁT
ICA
S D
E L
EIT
UR
AS
D
OS
PR
OF
. IN
DÍG
EN
AS
KIR
IRI C
AN
TA
GA
LO
A
LA
GO
INH
AS
201
2
1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS
LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO
Alagoinhas - BA 03 de outubro de 2012
2
JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS
LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS
PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural do Departamento de Educação – DEDC II da UNEB como requisito à obtenção do título de mestre em Crítica Cultural.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré Mota de Lima
Alagoinhas - BA 03 de outubro de 2012
3
LEITURAS E LEITORES: AS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PROFESSORES INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO
JUCIMAR PEREIRA DOS SANTOS
Esta dissertação foi julgada para obtenção do título Mestre em Crítica Cultural. Área de concentração em Letras e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus II.
_____________________________________
Prof. Drª Maria Nazaré Mota de Lima Orientadora
_____________________________________
Prof. Drª. Edil Silva Costa Coordenadora do Pós-Crítica
BANCA EXAMINADORA
______________________________________ Prof. Drª Maria Nazaré Mota de Lima (UNEB)
Presidente da Banca
______________________________________ Prof. Dr. Cosme Batista dos Santos (UNEB)
Examinador interno
______________________________________ Prof. Drª Suzane Lima Costa (UFBA)
Examinadora Externa
SUPLENTES
______________________________________ Profa. Dra. Suely Aldir Messeder (UNEB)
______________________________________ Prof. Drª América Lúcia Silva César (UFBA)
4
Dedico este trabalho a todos
os ancestrais dos Povos Indígenas
da Bahia, em especial aos do Povo
Kiriri pela permissão de ter
concluído com êxito uma
empreitada desafiante.
5
AGRADECIMENTOS A Força Suprema do Universo, a todos os meus Anjos Protetores.
A grande amiga e incentivadora para cursar o Mestrado em Crítica Cultural, a Prof.ª
Luciene Souza Santos – Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, por
partilhar dos seus saberes e conhecimentos.
Aos amigos e amigas da FUNAI Brasília em especial Neide Siqueira pelo apoio e
partilha de conhecimentos e saberes e aos amigos da FUNAI de Paulo Afonso e
Eunápolis na Bahia.
Aos amigos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê, na pessoa da
Secretária de Educação Jailsa Dantas Gama Miranda e em todos os técnicos que
fizeram parte na gestão 2007 – 2012.
A Prof.ª Drª Terezinha Maher da UNICAMP que mesmo não conhecendo
pessoalmente sempre se fez presente em minhas solicitações e consultas, no envio
dos materiais.
A Decelis Conceição e aos Técnicos da Secretaria Municipal de Educação de
Ribeira do Pombal, gestão 2007-2012, por acreditarem em minha proposta de
trabalho e sempre abrirem espaços para a partilha de saberes e conhecimento.
Ao Prof. e amigo Cosme Batista dos Santos por acreditar sempre em minha pessoa
enquanto pesquisador sobre a educação escolar indígena e por partilhar com
humildade e extraordinário saber os seus conhecimentos.
Ao amigo Valdir Santana, pesquisador do Povo Kiriri, pelas grandes colaborações e
partilha do seu tempo quando mais necessitava.
6
A Antônio Miranda Bitencourt (Toinho da Livraria Vitória ) na cidade de Banzaê pelo
grande apoio no momento de impressão de todo o material referente aos estudos do
Mestrado.
A Rosimere Anjos – do Instituto de Educação O Farol do Conhecimento da cidade
de Euclides da Cunha – Bahia pelo apoio constante durante todo o processo de
estudos no Pós-Crítica e no desenvolvimento da pesquisa.
A Zeadilson – da cidade de Euclides da Cunha – Bahia, sempre apoiando o trabalho
de pesquisa no empréstimo dos equipamentos de gravação das entrevistas e na
felicidade de saber que venci esta etapa de vida.
Às companheiras de trabalho da Coordenação Estadual de Educação Escolar
Indígena / Secretaria da Educação do Estado da Bahia, pelo apoio institucional para
que eu pudesse cursar o Mestrado.
Ao casal amigo Gláucia e Mohamed – bibliotecária e professor de línguas, pelo
apoio desde o momento da seleção do Pós-Crítica.
Aos colegas do Mestrado, participantes diretos e indiretos das dores e sabores
dessa construção, especialmente a Zenaide, pelas trocas e fortalecimento nas
tantas horas difíceis e desafios.
À Professora Doutora Maria Nazaré Mota de Lima, Orientadora deste trabalho que
com dedicação, profissionalismo, zelo e competência soube me conduzir pelas
trilhas da pesquisa e acreditar no êxito de sua conclusão.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
UFBA – Universidade Federal da Bahia
FACED – Faculdade de Educação
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
TI – Terra Indígena
SPI – Serviço de Proteção ao Índio
LICEEI – Licenciatura Intercultural
UFS – Universidade Federal de Sergipe
UAB – Universidade Aberta do Brasil
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
COPIBA – Conselho dos Povos Indígenas da Bahia
MEC – Ministério da Educação
PCNS – Parâmetros Curriculares Nacionais
RCNEEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
CGEEI – Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena
CNE – Conselho Nacional de Educação
CEB – Câmara de Educação Básica
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PNE – Plano Nacional de Educação
CEE – Conselho Estadual de Educação
EJA – Educação de Jovens e Adultos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
NASP – Núcleo de Assistência Social Paroquial
CONEEI – Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena
CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação
TEE – Território Etnoeducacional
IFBA – Instituto Federal da Bahia
PNBE – Programa Nacional de Biblioteca Escolar
FARRP – Faculdade Regional de Ribeira do Pombal
PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura
MOC – Movimento de Organização Comunitária
FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola
8
PROLIND – Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas
PROLEIGOS – Programa para Habilitação de Professores Leigos
SEC – Secretaria da Educação
IAT – Instituto Anísio Teixeira
UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana
DAI – Departamento de Assuntos Indígenas
9
RESUMO
A pesquisa intitulada Leituras e Leitores: as práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, tem a pretensão de investigar as práticas de ensino da leitura desses professores, pertencentes à Escola Municipal Indígena Marechal Rondon, atual Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade, localizada na Aldeia Araçás – Terra Indígena Kiriri, Região Nordeste da Bahia, Território de Cidadania Semiárido Nordeste II. O arcabouço teórico utilizado na pesquisa em Ângela Kleiman, Marilda Cavalcanti, Terezinha Maher, Wilmar D’Angelis, Paulo Freire, Aracy Lopes, aprofundando os aspectos mais significativos à educação escolar indígena, leitura e letramento. A pesquisa traz concepções e representações acerca da leitura e das práticas de leitura desenvolvidas pelos professores entrevistados, além de reflexões acerca da educação escolar indígena no Brasil, na Bahia e entre os Kiriri Cantagalo. Palavras – Chave: Educação, Educação Escolar Indígena, Leitura, Letramento.
ABSTRACT
The research entitled Readings and Readers: the reading practices of indigenous teachers Kiriri Cantangalo, intend to investigate the practices of teaching reading these teachers, belonging to the Municipal School Indigenous Marechal Rondon, current State School Indigenous Florentino Domingos de Andrade, located in Araçás village - Indigenous Kiriri, Northeast of Bahia, Northeast Territory Citizenship Semiarid II. The theoretical framework used in research on Angela Kleiman, Marilda Cavalcanti, Therese Maher, Wilmar D'Angelis, Paulo Freire, Aracy Lopes, deepening the most significant aspects of indigenous education, reading and literacy. The research brings conceptions and representations of reading and reading practices developed by teachers interviewed, and reflections on indigenous education in Brazil, Bahia and among Kiriri Cantagalo. Key - words: Education, Indigenous Education, Reading, Literacy.
10
CRÉDITOS DAS IMAGENS
IMAGEM
PÁGINA
CRÉDITO
Mapa 1
21
Ministério da Cultura – MINC
Foto 01
19
Dernival Santos
Foto 02
21
Márcia Medrado
Foto 03
22
Márcia Medrado
Foto 04
61
Dernival Santos
Foto 05
80
Dernival Santos
11
SUMÁRIO
I - INTRODUÇÃO................................................................................................... 12
Narrando a trajetória............................................................................................ 13
O trabalho da pesquisa: os caminhos percorridos.................................................
Organização da pesquisa: apresentando os capítulos..........................................
15
16
II – DA CONVIVÊNCIA COM O POVO INDÍGENA KIRIRI CANTAGALO:
PANORAMA HISTÓRICO, PARTILHAS PEDAGÓGICAS, MUDANÇAS E
NOVOS DESAFIOS..............................................................................................
18
Dos cenários da pesquisa: A Comunidade Cantagalo e sua escola indígena.... 20
Localização do Território........................................................................................ 21
A Unidade Escolar onde a pesquisa foi realizada.................................................. 21
Os sujeitos da pesquisa: os professores e os alunos............................................ 23
Os primeiros contatos com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo e o
desenvolvimento de atividades pedagógicas.........................................................
24
Dos desafios e entraves encontrados no percurso................................................ 27
Mudanças ocorridas e problemas encontrados durante o trajeto.......................... 29
Novos desafios são postos.................................................................................... 31
III – EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES....... 37
Educação Escolar Indígena: trajetórias históricas e momento atual no Brasil e
na Bahia.................................................................................................................
37
A Educação Escolar Indígena e a garantia dos direitos na legislação..................
O Povo Kiriri Cantagalo e suas experiências educacionais...................................
42
47
IV – AS PRÁTICAS DE LEITURA DESENVOLVIDAS PELOS PROFESSORES
INDÍGENAS KIRIRI CANTAGALO......................................................................
61
Leitura e letramento: considerações..................................................................... 61
Letramento – conceito e implicações.................................................................... 67
As práticas de leitura na Escola Indígena Kiriri Cantagalo................................... 71
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 84
APÊNDICES........................................................................................................... 88
12
I – INTRODUÇÃO
O Projeto de Pesquisa intitulado Leituras e leitores – as práticas de leitura dos
professores indígenas Kiriri Cantagalo - teve como objetivo geral investigar as
práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo do Ensino
Fundamental (5ª a 8ª série) que atuam no Colégio Estadual Indígena Florentino
Domingos de Andrade – Aldeia Araçás do Município de Banzaê - Bahia, no
estabelecimento da relação entre cultura, educação e leitura. Para alcançá-lo, o
presente trabalho perpassa por outros objetivos específicos que favoreçam tal
compreensão, a saber:
Relatar o processo de convivência do pesquisador com os professores
indígenas da Comunidade Araçás com ênfase nas vivências pedagógicas
partilhadas entre eles, para justificar o interesse do pesquisador pelas práticas de
leitura desenvolvidas pelos referidos professores indígenas;
Descrever os cenários e sujeitos da pesquisa para favorecer a compreensão
do contexto histórico social em que está inserido esse trabalho;
Apresentar as trajetórias da Educação Escolar Indígena no Brasil e na Bahia,
fazendo uma breve reflexão sobre os aspectos históricos da educação escolar
indígena nos contextos citados, para analisar e estabelecer uma relação com a
trajetória histórica educacional do Povo Indígena Kiriri Cantagalo;
Apresentar algumas considerações sobre leitura e letramento, à luz dos teóricos que
embasam os estudos relacionados à leitura e letramento, relacionando com as
representações construídas pelos professores Kiriri Cantagalo sobre a leitura.
Para o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa ser posto em prática foi
definida a seguinte questão: As práticas de ensino de leitura desenvolvidas pelos
professores indígenas Kiriri Cantagalo têm contribuído para o fortalecimento de sua
cultura indígena?
Qual seria então o meu interesse em pesquisar sobre as práticas de leitura
dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, e não sobre as questões de oralidade e
escrita?
O despertar para a escolha desse tema se deu a partir das histórias e causos
ouvidos entre os professores e lideranças indígenas, nos vários momentos de
formação desses professores dos quais participei e, ainda, motivado pelos materiais
13
didáticos específicos que foram produzidos ao longo da 1ª Turma do Magistério
Indígena da Bahia e, principalmente observando a forma como tais professores
desejavam estudar, especificamente, as questões relacionadas à leitura.
O título da pesquisa – Leituras e leitores: as práticas de leitura dos
professores indígenas Kiriri Cantagalo – percorre justamente essas questões de
encantamento sobre o que vem a ser a leitura em uma escola indígena do Semiárido
da Bahia, em um contexto de lutas históricas, conquistas e questões delicadas
como: processo de retomada do Território Indígena Kiriri que vem ocorrendo a partir
da década de 1970, os projetos societários desenvolvidos, o acesso a bens
culturais, a preservação e fortalecimento da cultura indígena Kiriri.
Narrando a Trajetória
O meu interesse pelas práticas de leitura surgiu no ano de 1995, quando era
professor de Metodologia da Língua Portuguesa e Alfabetização no Curso Ensino
Médio, Modalidade Normal, na cidade de Conceição do Jacuípe – Bahia e
participava dos encontros do Grupo de Estudos em Leitura e Alfabetização na
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Nesses encontros, eram
discutidas questões gerais de leitura, estratégias, atividades, sempre na perspectiva
da formação do professor e aluno enquanto leitores.
No ano de 1998 tive os primeiros contatos com uma comunidade indígena e,
assim, a oportunidade de acompanhar as atividades dos professores indígenas Kiriri
Cantagalo. Juntamente com os respectivos professores, vivenciei momentos
importantíssimos não só para a minha pessoal como também para a vida
profissional.
Durante a minha atuação como Coordenador Pedagógico das escolas
indígenas do Município de Banzaê percebia as inquietações desses professores
indígenas em querer desenvolver atividades de incentivo à leitura com seus alunos,
mas que encontravam muitas dificuldades, principalmente nas questões
relacionadas à formação de professores para trabalhar especificamente as questões
da leitura. No ano de 2006, os professores da Escola Municipal Indígena Marechal
Rondon chegaram a escrever um projeto de leitura chamado Cesta de Leitura, com
o propósito de ser desenvolvido todas as sextas-feiras, envolvendo alunos,
professores e comunidade. Entretanto, nunca fora executado, pois não encontraram
14
apoio institucional e não conseguiram os materiais que ajudariam no
desenvolvimento do referido projeto.
Nunca esteve em meus planos fazer um estudo de pesquisa em uma
comunidade indígena, pois o que mais desejava e, sobretudo mais desejo ainda,
nesses tempos atuais, é que os próprios professores indígenas sejam os/as
pesquisadores de sua história, de sua cultura.
Entretanto, quando fui aprovado no Mestrado em Crítica Cultural, no ano de
2010, como aluno regular, apresentei um anteprojeto tendo como objeto de pesquisa
as práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo. Deparei-me com
muitos desafios, pois não podia confundir o trabalho do pedagogo, do coordenador
pedagógico que trabalhava na escola indígena, pois não eram as questões de
ordem pedagógica que interessavam, estava chegando à escola indígena na
condição de pesquisador, trazendo e construindo novos olhares, à luz de
referenciais teóricos à Crítica Cultural.
Passei a conviver com um novo desafio: não somente acompanhar as
atividades dos professores indígenas Kiriri Cantagalo, mas desenvolver um projeto
de pesquisa que estivesse voltado para as práticas de leitura desses professores.
Fui aceitando a ideia de desenvolver o trabalho de pesquisa apresentado ao Pós-
Crítica na certeza de ser um trabalho construído coma participação de muitas mãos,
de muitos olhares e fazeres, construções e desconstruções, lutas e desafios.
Diante desse contexto, me intrigava o fato de na região onde residia não
existir também nenhum projeto sobre um estudo ou trabalho de pesquisa acerca da
leitura, formação do leitor e formação de professores. No desenvolvimento deste
projeto de pesquisa no Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade,
essa experiência pôde ser concretizada, pois mesmo a pesquisa sendo feita em uma
escola indígena, a localização da Terra Indígena Kiriri é na região de Ribeira do
Pombal, cidade onde resido, podendo, dessa forma, compreender esses processos
e estabelecer diálogos com a população não-indígena a respeito das questões
relacionadas à leitura e ao letramento.
Esse pertencimento a um grupo de pesquisa, desenvolvendo atividades de
investigação em um campo específico, que é a Linguística Aplicada, foi e continua
sendo desafiador para a minha pessoa. A perplexidade e, ao mesmo tempo, o
encantamento pela pesquisa, nos envolve a partir de outros olhares, proporcionando
a cada um de nós, mestrandos, estágios evolutivos de um caminho sem volta.
15
No aprofundamento teórico, durante o período de creditação do mestrado, à
medida que o tempo ia passando, questionamentos surgiam, dúvidas, reflexões. A
partir de então, ao participar das aulas na Disciplina Metodologia da Pesquisa em
Crítica Cultural com os professores Osmar Moreira dos Santos e Eliana Brandão, fui
tendo contato com a leitura e estudo dos textos de autores como Leonor Arfuch,
Gaston Bachelard, Pierre Bourdieu, Ítalo Calvino, Gilles Deleuze, Félix Guattari,
Jacques Derrida, Michel Foucault, René Barbier. Tudo isso conduziu o meu
pensamento e a minha forma de ver o conhecimento por outro viés.
No meio de toda essa trajetória, quando o cansaço aparecia, as ideias fugiam,
além de outros obstáculos, buscava revitalizar as minhas forças na música da
Zabumba Kiriri, no Toante do Toré.
O trabalho da pesquisa: os caminhos percorridos
Para o desenvolvimento da pesquisa, foi definida no projeto que a mesma
seria uma abordagem qualitativa, tendo como foco o estudo de caso. Após o Exame
de Qualificação, os professores da Banca de Qualificação sugeriram que ao invés de
trazer essa abordagem qualitativa de cunho etnográfico, buscasse desenvolver os
estudos em uma abordagem metodológica de cunho etnográfico, pois considerava a
minha convivência de mais de 13 anos entre o Povo Kiriri Cantagalo como
importante elemento, contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa, não na
visão de Coordenador Pedagógico, mas na condição de pesquisador em um
Programa de Mestrado em Crítica Cultural.
A pesquisa foi realizada logo após o período de creditação, que ocorreu no
primeiro e segundo semestre do ano de 2010. Foi desenvolvida de acordo com as
seguintes etapas de trabalho: elaboração do projeto de pesquisa, a coleta de dados
(observação, entrevistas e a análise e interpretação dos dados).
A primeira etapa do trabalho consistiu na elaboração do projeto de pesquisa,
explicitando os objetivos (geral e os específicos) e no desenvolvimento da pesquisa,
a fundamentação teórica, construção de um cronograma e definição da metodologia
a ser utilizada, revisão bibliográfica, e a estruturação do trabalho como um todo,
permitindo, dessa forma, manter o controle sobre todas as atividades a serem
desenvolvidas durante todo o processo de desenvolvimento da pesquisa.
16
A segunda etapa consistiu na observação das aulas dos professores
envolvidos na pesquisa, nas quais foram feitas anotações a respeito dos aspectos
que eram trabalhados, principalmente nas questões relacionadas à leitura e suas
práticas. Para a realização dessa etapa de trabalho conversei com os professores
participantes da pesquisa para num período de 01 (uma) semana, faria observações
de suas aulas, mostrando para os mesmos que essas observações tinham como
objetivo verificar in loco como eram desenvolvidas as suas aulas e como as práticas
de leitura eram trabalhadas, que materiais eram utilizados, as dificuldades
apresentadas, a transposição didática, como executavam tais atividades e como
avaliavam.
As entrevistas foram realizadas individualmente, a partir de perguntas
previamente estruturadas, ocorrendo na própria Unidade Escolar, sendo que para a
realização desta atividade foi feito um agendamento com os professores envolvidos
na pesquisa, onde no momento em que os professores foram entrevistados
individualmente, as falas dos mesmos foram gravadas, sendo feita em seguida, a
transcrição das mesmas.
Após a realização das etapas de observação e entrevistas e de posse dos
dados coletados foram realizadas a análise e interpretação dos dados, sendo então
divididos em duas categorias: 1ª – a concepção de leitura por parte dos professores
envolvidos na pesquisa e a 2ª – as práticas de leitura desenvolvidas por esses
professores. A partir da análise desses dados, estabeleceu-se a relação à proposta
de pesquisa apresentada no Projeto de Pesquisa e em relação aos resultados
obtidos.
Durante a realização de todas essas etapas da pesquisa, os professores
envolvidos demonstraram sempre interesse em participar, expondo suas ideias,
preocupações, acolhimento, fazendo perguntas a respeito do que estava achando
em desenvolver tal empreitada e solicitando que após a conclusão dos trabalhos, os
resultados fossem socializados entre eles.
Organização da Pesquisa – Apresentando os Capítulos
Para tornar-se mais coerente e compreensiva, visando atingir os objetivos
propostos, essa pesquisa está composta de quatro partes: uma introdutória, seguida
de três capítulos no corpus do seu desenvolvimento. Em sua parte introdutória está
17
explícito o tema e sua problemática, a justificativa da sua escolha, trazendo os
objetivos da pesquisa, a trajetória percorrida pelo pesquisador, os procedimentos
metodológicos, e, por fim, as partes que a compõem, situando assim o leitor e
convidando-o para aventurar-se e deliciar-se na leitura da mesma.
A organização dos Capítulos levou em consideração os aspectos históricos e
atuais relacionados à Educação Escolar Indígena no contexto nacional, estadual e
dos Kiriri, além de trazer reflexões importantes acerca do trabalho de pesquisa
realizado, bem como algumas considerações sobre leitura, escrita, e letramento e as
representações construídas pelos professores Kiriri Cantagalo acerca da leitura.
No Capítulo II, intitulado Da convivência com o povo indígena Kiriri Cantagalo:
panorama histórico, partilhas pedagógicas, mudanças e novos desafios, evidencia-
se o processo de convivência com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo, relatando como
ocorreram os primeiros contatos, o desenvolvimento do trabalho de Coordenação
Pedagógica na Escola Municipal Indígena Marechal Rondon e na Escola Municipal
Indígena Francisca Alice Costa. Neste segundo Capítulo o leitor conhecerá um
panorama histórico sobre o cenário e os sujeitos da pesquisa (respectivamente, a
comunidade Cantagalo e sua escola, os alunos e os professores) e ainda, as
mudanças ocorridas e os novos desafios propostos, para entendimento do contexto
histórico da pesquisa.
O Capítulo III apresenta as trajetórias da Educação Escolar Indígena no
Brasil, na Bahia e entre o Povo Kiriri Cantagalo. Nesse Capítulo, é feita uma breve
reflexão sobre os aspectos históricos da educação escolar indígena nos três
contextos citados, trazendo as conquistas dos povos indígenas no campo
educacional, a legislação pertinente e de forma mais densa as trajetórias
educacionais do Povo Indígena em estudo.
As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores Kiriri Cantagalo estão
explicitadas no IV Capítulo que leva a mesma denominação em seu título. Na
primeira parte do Capítulo, são apresentadas algumas considerações sobre leitura e
letramento, à luz dos teóricos que embasam os estudos relacionados à temática.
Nesse Capítulo são, ainda, expostas as entrevistas com suas análises e as
observações que foram feitas na sala de aula dos professores indígenas Kiriri
Cantagalo.
Por fim, após a leitura pormenorizada e atenta dos Capítulos nas
Considerações Finais, o leitor encontrará conclusões importantíssimas apreendidas
18
durante o processo de desenvolvimento da pesquisa e que denotam a relevância
desse trabalho, tais como: A sensibilidade que os professores e professoras
indígenas Kiriri Cantagalo, demonstraram para o desenvolvimento de práticas de
leitura; A leitura que não é somente no livro didático, mas na própria vida de cada
um, de cada comunidade é o que torna uma singularidade e pluralidade; Os
diferentes contextos nesse universo da cultura Kiriri Cantagalo que permitem as
múltiplas leituras e fortalecimento de sua identidade, enquanto professores
indígenas corroboram com desejo destes em desenvolver práticas de leitura
diversificadas; As práticas de leitura dos professores indígenas pesquisados
perpassam por outras questões que não tem respostas de imediato; E, por último,
que não podemos medir a educação escolar indígena e suas práticas pedagógicas e
de leitura a partir do que acontece na educação dos não indígenas.
II – DA CONVIVÊNCIA COM O POVO INDÍGENA KIRIRI CANTAGALO:
PANORAMA HISTÓRICO, PARTILHAS PEDAGÓGICAS, MUDANÇAS E NOVOS
DESAFIOS
Relatar o processo de convivência entre o Povo Kiriri Cantagalo, por mais de
uma década, implica traçar um panorama histórico apresentando aos leitores os
cenários e os sujeitos da pesquisa e, ainda, descrever desde o primeiro contato, as
atividades iniciais desenvolvidas no âmbito do trabalho de Coordenação
Pedagógica, bem como, expor em linhas gerais, as mudanças que ocorreram no
processo e apresentar os novos desafios. Para iniciar esse relato, decidir por
apresentar ao leitor uma manifestação secular da cultura desse povo.
19
Foto 1: Zabumba Kiriri Cantagalo
A fotografia acima representa um dos elementos mais importantes para o
povo indígena Kiriri Cantagalo. Vem dos ensinamentos dos ancestrais. É a Zabumba
Kiriri, que com seus toantes, convida a vivermos as emoções diversas, revisitar o
nosso passado, fazer as conexões necessárias não só com o tempo material, mas
também espiritual.
Num olhar cauteloso para a fotografia pode-se perceber o quanto a mesma
expressa o sentido da cultura dos índios do sertão. O que fica registrado na cena é a
forma como eles se apresentam: com as caixas (instrumento maiores), seguidas das
gaitas, feitas antigamente, de tabocas de bambu, substituídas nos dias de hoje por
canos de pvc. Um outro elemento presente que salta aos olhos são as sandálias
usadas pelos zabumbeiros e que, numa rápida leitura, em tempos atrás não fariam
parte desta cena.
No momento em que foi tirada a fotografia, os zabumbeiros encontravam-se
em frente à Casa do Toré, na Aldeia Cantagalo, num momento de celebração, de
comemoração, acolhidos pela mulher indígena (símbolo da força e do equilíbrio).
Nessas ocasiões, a zabumba começa a tocar antes do sol nascer e termina já bem
tarde, com o anoitecer.
20
É a partir desta fotografia, com elementos de um povo indígena do sertão,
que luta a mais de 500 anos, que inicialmente, descrevo os cenários e sujeitos
envolvidos na pesquisa e, em seguida, relato como ocorreu o primeiro contato e o
desenvolvimento de atividades pedagógicas, revelando a minha convivência,
enquanto coordenador pedagógico em meio ao Povo da comunidade Cantagalo.
Dos cenários da pesquisa: A Comunidade Cantagalo e sua escola indígena
O nome Cantagalo, segundo os anciões da Aldeia, vem de antigamente,
quando os índios mais velhos ouviam um galo cantar lá no meio de uma grota, onde
não existia nada, só a serra. Eles diziam que era o galo-bicho. Por causa desse
galo, se deu o nome a uma Comunidade Cantagalo, sendo mais tarde, após a
divisão do Povo Kiriri, denominada Kiriri Cantagalo.
Atualmente, a Comunidade de Cantagalo representa para esse Povo indígena
um lugar sagrado, onde são realizados os rituais indígenas, entre eles o Toré, além
da Ciência Indígena.1
Historicamente, a Comunidade Indígena Kiriri é originária do Aldeamento
Saco dos Morcegos, fundada pelos padres jesuítas por volta da metade do século
XVII. A presença de não índios fez com que os índios passassem a viver em
pequenas áreas, trabalhando para os fazendeiros locais. Plantavam um pouco de
cada coisa para sobreviver e as casas eram de palha. Com a chegada do Serviço de
Proteção ao Índio – SPI, na Aldeia de Mirandela, no ano de 1949, os índios Kiriri
iniciaram a reivindicação de suas terras. A luta foi iniciada pelos índios Josias e
Emiliano, que, na época, eram chamados de Capitães. No ano de 1972, elegeram o
índio Lázaro Gonzaga para ser Cacique. Em 1981, iniciou-se o processo para
demarcar a área a ser homologada. Iniciou-se, então, uma grande luta entre os
índios Kiriri e os posseiros que viviam no Território Kiriri. No dia 15 de janeiro de
1990, os índios Kiriri tem a sua área homologada pelo Decreto Presidencial nº
98.828/90. 2
1 Segundo o Povo Kiriri Cantagalo, a Ciência Indígena é toda manifestação/revelação espiritual vinda dos
encantados. São as orientações que regem o dia a dia do povo indígena. Os segredos não revelados para os não-índios. 2 (Coleção Leis da República Federativa do Brasil. Brasília,182 (1) 81:525 – jan/fev 1990. Página 283)
21
LOCALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
Fig. 2. Território Kiriri. Fonte: MINC/2010
A Unidade Escolar onde a pesquisa foi realizada
O Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade foi criado no
ano de 2011, originado da Escola Municipal Indígena Marechal Rondon. Era a
primeira escola do povo Kiriri Cantagalo, criada no ano de 1976.
Na referida Unidade Escolar funciona os três turnos (matutino, vespertino e
noturno), possuindo uma equipe gestora formada por um Diretor, um Coordenador
Pedagógico, 03 auxiliares administrativos, 09 merendeiras, 06 auxiliares de serviços
gerais e 03 porteiros, 39 professores. Todos são indígenas, sendo 37 destes
contratados pelo contrato emergencial de prestação de serviços temporário (PST) e
02 pelo regime especial de direito administrativo – REDA.
Foto 2 – Vista panorâmica do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade
22
Em relação à formação desses 39 professores, 02 possuem o ensino superior
completo (Licenciatura em letras), 10 professores possuem o Magistério Indígena,
09 professores estão cursando a Licenciatura Intercultural – LICEEI / UNEB – Polo
de Paulo Afonso, e, ainda, 01 professora é graduanda em Letras (Licenciatura) na
Universidade Federal de Sergipe – UFS/UAB e 06 professores estão cursando
Pedagogia em uma IES privada no Município de Banzaê.
Esses professores, ao participarem desses cursos de formação inicial, estão
buscando a garantia de um diálogo entre os conhecimentos/saberes produzidos na
academia com os saberes/conhecimentos tradicionais indígenas, uma vez que ao
desenvolverem seus trabalhos de conclusão de curso ou seus projetos de
pesquisas, estão trazendo como temáticas elementos de sua própria cultura
indígena em várias áreas do conhecimento: linguagens, ciências sociais, ciências da
natureza entre outros.
Foto 3 – Vista interna do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade
O total de alunos atendidos no ano de 2012 foi de 538 (quinhentos e trinta e
oito alunos) matriculados da Educação Infantil ao Ensino Médio. Os alunos da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental I– 1º ano ao 5º ano foram atendidos na
escola sede e também nos anexos escolares das Aldeias de Cajazeiras, Segredo,
Baixa da Cangalha e Baixa do Juá, nos turnos matutino e vespertino. A Educação de
Jovens e Adultos – EJA no nível de 1ª a 4ª série, funciona nas Aldeias de Araçás,
Cajazeira e Segredo. O Ensino Fundamental II, de 5ª à 8ª série (6º ao 9º ano) e o
Ensino Médio funciona somente na Aldeia Araçás, sendo que o Ensino Fundamental
funciona nos turnos vespertino e noturno e o Ensino Médio no noturno.
23
Os sujeitos da pesquisa: Os professores e os alunos
A pesquisa foi desenvolvida envolvendo 03 professores do ensino
fundamental de 5ª à 8ª série, onde os mesmos lecionam o Componente Curricular
Língua Portuguesa. Esses professores exercem as suas funções docentes no
Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade. Esses professores
foram escolhidos devido aos projetos que eles já vinham desenvolvendo na Unidade
Escolar acerca de questões relacionadas à leitura, à valorização da identidade e
cultura indígena e por atuarem em séries diferenciadas atendendo a alunos
indígenas de faixas etárias diversas e também de Aldeias Kiriri Cantagalo diversas.
Dos três professores participantes da pesquisa, 01 (um) trabalha no turno
vespertino e os outros dois trabalham no turno noturno. O professor que exerce as
suas funções docentes no turno vespertino tem a sua formação no Magistério
Indígena da Bahia, foi aluno da 2ª turma e está sendo aluno da Licenciatura
Intercultural – LICEEI na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Polo de Paulo
Afonso. Tem 27 anos, é do sexo masculino, solteiro. Começou as suas atividades de
professor do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, sendo que no ano de 2012 estava
trabalhando no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série (6º ao 9º), pela primeira vez. O
professor leciona o Componente Curricular Língua Portuguesa do 6º ao 8ºano (5ª a
7ª série), pois neste turno não existe a 8ª série. A carga horária destinada ao
trabalho na disciplina Português para esse professor é de 16 horas/aula e para cada
série é destinada o quantitativo de 04 horas semanais. Na 5ª série, o professor
leciona para 02 (duas) turmas, pois devido ao quantitativo de alunos, existem duas
turmas na Unidade Escolar, o restante das séries é apenas 01 (uma) turma/série.
Todos esses alunos são índios Kiriri Cantagalo das Aldeias de Lagoa Grande,
Segredo, Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Cajazeira, Cantagalo e Araçás.
Os alunos da 5ª série, turmas A e B, tem uma faixa etária entre os 10 aos 14
anos e os alunos da 6ª e 7ª série estão entre os 12 aos 17 anos. Neste turno, são
atendidos um total de 81 (oitenta e um) alunos de 5ª a 7ª série. Os outros dois
professores que participaram da pesquisa lecionam no turno noturno, sendo que 01
(um) leciona o Componente Curricular de 6ª a 8ª série, pois no noturno não existem
turmas de 5ª série.
Esse referido professor, participou da 1ª turma do Magistério Indígena da
Bahia e possui Licenciatura Plena em Letras com Inglês, obtido na Faculdade
24
Regional de Ribeira do Pombal – FARRP. Tem 35 anos, é do sexo feminino e
desenvolve a sua prática docente no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série desde o
ano de 2009, quando esse nível de ensino foi implantado na Unidade Escolar.
Demonstra muita preocupação com o ensino da leitura. O número de alunos que
essa professora atende é, em média, 47 (quarenta e sete). São oriundos das Aldeias
de Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Segredo, Lagoa Grande, Cajazeira e Araçás. A
faixa etária desses alunos difere em muito dos alunos do turno vespertino, pois
estão entre 16 a 25 anos. A carga horária destinada ao trabalho com a Língua
Portuguesa para essa professora é de 15 horas/aula, sendo 05 (cinco) horas/aula
para cada série.
O 2º professor leciona o componente curricular Português na Educação de
Jovens e Adultos em nível de 5ª a 8ª série e no Ensino Médio do 1º ao 3º ano. Tem
29 anos de idade, também do sexo feminino, casada, e é a primeira vez que está
lecionando no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e no Ensino Médio. Possui o
Ensino Médio – Modalidade Normal, está participando da Licenciatura Intercultural –
LICEEI / UNEB – Paulo Afonso e cursando a Licenciatura em Letras na
Universidade Federal de Sergipe – UFS, por meio da Universidade Aberta do Brasil
– UAB. Além da função de professora, faz parte do Departamento de Assuntos
Indígenas – DAÍ, no Município de Banzaê. Os alunos que fazem parte desse nível de
ensino são oriundos das Aldeias da Baixa da Cangalha, Baixa do Juá, Segredo,
Cajazeira, Lagoa Grande e Araçás, possuem faixa etária entre 15 a 50 anos,
totalizando uma média de 130 alunos atendidos por esta professora.
A pesquisa foi realizada utilizando-se da observação das aulas desses
professores e fazendo anotações a respeito dos aspectos que eram trabalhados,
principalmente nas questões relacionadas à leitura e suas práticas. Foram feitas
entrevistas e análise dos materiais utilizados (livros didáticos, paradidáticos, jornais,
revistas) por esses professores para desenvolverem as suas práticas de leitura em
sala de aula.
Os primeiros contatos com o Povo Indígena Kiriri Cantagalo e o
desenvolvimento de atividades pedagógicas
O meu primeiro contato com o Povo Kiriri Cantagalo ocorreu no mês de
outubro do ano de 1998, quando visitava a Aldeia Araçás. Na oportunidade,
25
dialogando com a Prof.ª Indígena Kiriri Cantagalo Marlinda, pude compreender como
era a educação indígena e o que estava sendo proposto pelo Ministério da
Educação. A partir deste encontro, passei a me interessar pela causa, dando início
aos meus estudos na área de educação escolar indígena.
Em 1999 assumi a Coordenação Pedagógica das Escolas Indígenas do
Município de Banzaê e esse fato me conduziu a novas relações, aprendizagens,
desafios e reflexões que, desde então, me acompanham e reverberam no meu fazer
pedagógico e científico, na atuação política relacionada às questões indígenas,
sobretudo as que dizem respeito à educação escolar.
Do meu papel como Coordenador, recordo-me, como responsável pela
Coordenação da Educação Escolar Indígena entre os Kiriri, de que a proposta inicial
dos encontros pedagógicos, que aconteciam quinzenalmente, desenvolvidos com
esses professores indígenas era a de planejarmos, em conjunto, as atividades a
serem desenvolvidas com os alunos do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, nas
Aldeias de Mirandela, Marcação, Segredo, Gado Velhaco, Baixa da Cangalha, Baixa
do Juá, cajazeira e Araçás. Ao todo eram 11 (onze) escolas indígenas pertencentes
à rede municipal de ensino do Município de Banzaê, situadas na Terra Indígena.
Dentro desse grupo de professores indígenas, 11 (onze) estavam
participando da 1ª Turma do Magistério Indígena da Bahia3, e isso lhes permitiam
um contato com referenciais teórico-metodológicos que pudessem redirecionar as
suas práticas pedagógicas. Nesse contexto, quando comecei a desenvolver as
atividades de planejamento pedagógico junto a esses professores, a receptividade
foi muito boa; os referidos professores começaram a produzir muitos textos e tinham
uma enorme preocupação com que as atividades planejadas por eles fossem
desenvolvidas em suas escolas. Vários foram os projetos educativos que os
3A 1ª Turma do Magistério Indígena da Bahia foi desenvolvida no período de 1996 a 2002, tendo 96
alunos, numa parceria entre UNEB, UFBA, SEC, FUNAI e MEC, envolvendo 09 povos indígenas a saber: Pataxó Hãhãhãe, Pataxó, Tupinambá, Tuxá, Kiriri, Pankararé , Xucuru-Kariri, Kantaruré e Kaimbé e 96 alunos. As atividades do Magistério Indígena eram desenvolvidas a partir de Módulos (períodos) de 30 dias cada, onde os professores indígenas deixavam as suas aldeias/escolas para participarem dessas atividades. Eram realizadas atividades de estudo, pesquisa e desenvolvimento de projetos/pesquisa. O referido curso inicialmente foi desenvolvido pela Faculdade de Educação –FACED / UFBA, mas como a UFBA enquanto instituição de ensino superior não podia emitir certificado de cursos de nível médio, o Magistério Indígena foi absorvido pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia/Instituto Anísio Teixeira em parceria com 02 (duas) Unidades Escolares da Rede Estadual de Ensino que ministravam o Curso Médio Modalidade Normal. Essas Unidades Escolares estavam situadas em Paulo Afonso (para conferir o Certificado de Conclusão do Curso aos Professores Indígenas do Norte da Bahia e do Oeste da Bahia) e em Eunápolis (para conferir o Certificado de Conclusão do Curso aos Professores Indígenas do Sul e do Extremo Sul da Bahia).
26
professores indígenas escreveram e realizaram versando sobre várias áreas do
conhecimento, trazendo sempre a relação entre escola e cultura indígena: projetos
sobre a história e a cultura de seu povo, plantas e ervas medicinais, brinquedos e
brincadeiras, espiritualidade, animais, cantos e toantes.
Na elaboração dessas atividades, os professores utilizavam como material de
suporte o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI4, os
textos que eram estudados no Magistério Indígena, além dos livros didáticos
recebidos pela Secretaria Municipal de Educação do Município de Banzaê, que eram
enviados pelo Ministério da Educação mediante o Programa Nacional do Livro
Didático – PNLD, livros de Português, Matemática, História, Geografia e Ciências,
geralmente para as escolas não indígenas. As atividades planejadas sempre partiam
das observações que os professores indígenas faziam de suas aulas, de suas
turmas.
Nessa época, 1998/1999 vivíamos as influências advindas do processo de
retomada do Território Indígena Kiriri. Vivenciávamos a época da efervescência das
grandes questões da educação escolar indígena no Brasil, que traziam em seus
fundamentos a multietnicidade, pluralidade e diversidade, pensada na perspectiva
de uma educação intercultural, comunitária, específica, bilíngue e diferenciada.
No que diz respeito aos conteúdos trabalhados em sala de aula, havia uma
mescla entre os conteúdos selecionados (modos de viver e de sobreviver, a relação
com a terra e com os astros, a história do Povo Kiriri e dos Kiriri Cantagalo) a partir
da realidade das escolas indígenas e os conteúdos propostos pelo Setor de
Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação para as escolas não
indígenas (textos de autores brasileiros, listas de exercícios de matemática, estudo
da história e da geografia) assim como os modelos dos planos de aula, plano de
unidade e plano de curso, onde fazíamos um processo de desconstrução das
práticas hegemônicas da educação brasileira.
A avaliação do ensino-aprendizagem, realizada na perspectiva da
mensuração, dava-se por instrumentos do tipo testes e provas, tendo caráter
meramente somativo. Sentia a falta dos registros e diários de campo, narrativas das
aulas nas escolas indígenas tão discutidos e propostos nos encontros do Magistério
4 Documento elaborado pelo Ministério da Educação – MEC, que mesmo tendo a participação dos
professores indígenas de todo Brasil, traz em sua essência as ideias neoliberais da educação desenvolvida pelo MEC no governo de Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Paulo Renato.
27
Indígena e, partilhados por experiências educacionais no contexto das escolas
indígenas desenvolvidos em diversas regiões do Brasil.
Dos desafios e entraves encontrados no percurso
No início do ano de 2001 foi discutida no âmbito da Secretaria Municipal de
Educação de Banzaê a necessidade de ter um momento de organização pedagógica
mais aprofundada nas escolas indígenas. Para que esse momento acontecesse, fui
incumbido pelo Secretário Municipal de Educação da época, de elaborar um
material, junto aos professores indígenas, que ajudasse no desenvolvimento da
jornada pedagógica para as escolas indígenas Kiriri. Selecionei os textos que
falavam da educação escolar indígena, projeto político pedagógico e projetos
didáticos. Organizei juntamente com os gestores indígenas um cronograma de
trabalho para três dias e fomos executá-los.
A partir deste trabalho, os professores indígenas sugeriram para o Secretário
Municipal de Educação da época que esse trabalho deveria acontecer todos os
anos, afirmando em seus depoimentos acerca da importância de terem um espaço
para exporem as suas ideias, fazer os seus planejamentos, sem serem criticados
pelos não índios.
Na prática, existiam muitas dificuldades para a efetivação das propostas,
principalmente para garantir por parte da Secretaria Municipal de Educação de
Banzaê o compromisso em desenvolver uma política municipal de apoio às escolas
indígenas. Quanto à minha situação, as dificuldades aumentavam, pois tinha que
atender as 11 escolas indígenas, mas a estrutura e apoio logístico não favorecia
esse trabalho. Tinha que fazer o acompanhamento das atividades desenvolvidas
pelos professores em sala de aula, pois esse era o combinado nos encontros de
planejamento pedagógico, mas na maioria das vezes esse acompanhamento efetivo
não era possível. Para vencer tal desafio busquei apoio das próprias lideranças
indígenas e professores, vendo a possibilidade do transporte, de acomodação na
própria escola indígena ou em residências dos professores e lideranças.
Outros entraves surgiam na medida em que os técnicos do setor pedagógico
da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê não compreendiam que, além do
planejamento das atividades que aconteciam duas vezes ao mês e que durava o dia
inteiro, tínhamos que garantir junto a esta Secretaria, além do transporte e materiais
28
para a realização dos planejamentos, o lanche e o almoço para os participantes.
Muitas vezes esses encontros eram ameaçados de não acontecerem por conta de
não sermos atendidos no que era solicitado à Secretaria Municipal de Educação de
Banzaê. Em muitas ocasiões, os professores indígenas, com a colaboração de
todos, se uniam no sentido de conseguir entre as pessoas da comunidade o feijão, a
farinha, o arroz, e a carne, para poder alimentar os participantes dos encontros para
o planejamento.
O acompanhamento das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos
professores indígenas feitos por mim, na condição de coordenador pedagógico
nunca foi efetivado como deveria. Por essa razão, perdia a grande oportunidade de
ver in loco como eram que essas práticas eram desenvolvidas, quais eram as
dificuldades e avanços ali presentes, as conquistas, os erros, acertos, se as
metodologias que tinham sido selecionadas durante o planejamento estavam dando
certo, como eram desenvolvidos os momentos de avaliação do ensino e da
aprendizagem, se os materiais didáticos selecionados estavam de fato sendo
utilizados; como era a relação professor-aluno, professor-professor, aluno-professor,
professor-comunidade, professor-lideranças, lideranças-professor, comunidade-
professor, além dos conhecimentos que eram socializados e trabalhados, inclusive
os conteúdos. Ficava aguardando o segundo encontro de cada mês, quando
partilhávamos as experiências, dificuldades e entraves para a realização das
atividades planejadas, da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo.
Nesses encontros, a presença e participação significativa dos professores,
além do cacique e dos conselheiros, contribuíam muito para o diálogo, a abertura de
novas propostas. Os assuntos e temas discutidos nesses encontros sempre foram
de ordem pedagógica5, mas com o passar do tempo e diante de novas demandas
começaram a ser discutidas questões de ordem administrativa e de gestão. Nas
escolas Kiriri existia a presença de um diretor tanto no Polo de Araçás quanto da
Mirandela. Todavia esses gestores escolares não tinham uma formação específica
para exercerem tal função, e mesmo sendo escolhidos pela comunidade,
enfrentavam dificuldades junto ao desenvolvimento de ações da própria gestão
escolar junto à comunidade escolar indígena, como também junto aos órgãos
5 O trabalho era sempre focado no planejamento de atividades didáticas, não se discutia questões
administrativas como forma de gestão escolar em seus múltiplos aspectos: pessoal, financeiro, administrativo. Somente depois é que as questões de ordem administrativa (gestão pedagógica) começaram a serem discutidas.
29
públicos, neste caso o atendimento às demandas oriundas da Secretaria Municipal
de Educação de Banzaê (cumprir prazos na entrega das prestações de contas,
relatórios, Censo Escolar, etc.).
O que se desejava e que permanece ainda como grande desafio nas escolas
indígenas da Bahia é que a gestão escolar dessas escolas sejam assumidas por
professores indígenas, formem os seus grupos de trabalho e materializem na prática
o que preconiza a legislação pertinente para a educação escolar indígena brasileira.
Mudanças ocorridas e problemas encontrados durante o trajeto
Com o passar do tempo, as escolas indígenas pertencentes às Aldeias do
Polo de Mirandela (Marcação, Gado Velhaco, Pau Ferro) por solicitação de
professores, lideranças indígenas, pais e alunos foram estadualizadas. Isso ocorreu
no ano de 2009. Passei, então, a realizar o trabalho de coordenação pedagógica
somente nas escolas do Polo de Araçás (Cajazeira, Baixa da Cangalha, Baixa do
Juá, Segredo e Araçás). Neste mesmo ano foi implantado na Escola Municipal
Indígena Marechal Rondon o ensino fundamental de 5ª a 8ª série, sob muitas
críticas por parte de alguns técnicos da Secretaria Municipal de Educação de
Banzaê que diziam que os professores indígenas deixavam as coisas muito a
desejar, que não cumpriam com as suas obrigações e com os seus deveres e que a
educação escolar indígena não tinha qualidade. Esses comentários surgiam porque
esses técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê tinham passado
pelo processo de serem ex-posseiros ou seja eles moravam nas comunidades onde
foram retomadas pelo Povo Kiriri como seu Território legítimo. Do lado dos
professores indígenas existia uma espécie de mobilização para que o ensino de 5ª a
8ª série fosse implantado, pois os mesmos alegavam que muitos alunos indígenas
que estudavam nas escolas dos não índios nas comunidades próximas às Aldeias e
em Banzaê estavam sendo discriminados, não conseguiam acompanhar as
atividades, e, em sua maioria, eram reprovados.
No ensino fundamental de 5ª a 8ª série, que foi implantado na Escola
Municipal Indígena Marechal Rondon, a organização curricular foi feita a partir de
uma adaptação do currículo que era trabalhado nas escolas não indígenas do
município de Banzaê. Não houve um momento de construção de uma proposta para
este nível de ensino em um contexto indígena, nem tampouco uma avaliação do que
30
até aquele momento tinha sido trabalhado em nível de 1ª a 4ª série, pois como a
Unidade Escolar pertencia ao Sistema Municipal de Ensino de Banzaê, não havendo
espaço propício no contexto educacional para se construir de fato uma proposta
curricular para a escola indígena do ensino fundamental de 5ª a 8ª série. No
decorrer dessas mudanças, me desliguei do trabalho de coordenação pedagógica
das escolas indígenas, passando a exercer a atividade de Tutor do Programa de
Formação para Gestores Escolares – PROGESTÃO, no âmbito da Secretaria
Municipal de Educação de Banzaê.
Com o retorno à Unidade Escolar no ano de 2010, na condição de
pesquisador do Pós-Crítica, nas visitas realizadas, encontrava-me numa escola
onde os professores e equipe gestora mantinham uma dinâmica de uma escola
sempre em construção. As atividades eram planejadas de forma a procurar atender
às necessidades não só dos alunos mas também do Povo Kiriri Cantagalo. Os
professores tinham recebido vários exemplares de livros de outros povos indígenas
editados pelo MEC6. Esse material foi produzido no ano de 2004/2005 pela
Secretaria da Educação do Estado da Bahia e distribuído para as escolas indígenas
neste mesmo ano, sendo recebido com muita expectativa pelos professores. Os
professores indígenas, principalmente os das séries iniciais começaram a trabalhar
com esses materiais representando um importante instrumento de trabalho,
estudando a sua realidade, fazendo leituras diversas.
Nas questões relacionadas às práticas pedagógicas, como a Unidade Escolar
tinha sido ampliada, atendendo aos alunos do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano e
Ensino Médio) as discussões neste campo do conhecimento estavam agora voltadas
para o fortalecimento de uma escola indígena diferenciada, que tinha que construir a
sua Proposta Curricular, o seu Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar
em consonância com as Diretrizes da Educação Escolar Indígena prescrita pelo
Conselho Nacional de Educação – CNE7. Essa forma desafiante de construção da
escola indígena envolveu não só a equipe gestora, como também as lideranças
indígenas, pais, alunos e professores, pois essa já era uma prática comum entre o
Povo Kiriri Cantagalo.
6 Histórias Tuxá, Povo Pataxó, além do livro Nosso Povo: leituras kiriri – Educação Diferenciada na
Visão do Povo Kiriri. 7 Diálogo com as Diretrizes Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê e com as
orientações para as escolas indígenas do Estado da Bahia oriundas da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia / Coordenação Estadual de Educação Escolar Indígena.
31
As Matrizes Curriculares implantadas na Unidade Escolar apresentava a Base
Nacional Comum e na Parte Diversificada surgiam Componentes Curriculares que
permitiam um diálogo com as necessidades educacionais do Povo Kiriri Cantagalo.
O Ensino Médio foi implantado no ano de 2010, como extensão do Colégio
Estadual Flaviano Dantas do Nascimento, escola não indígena que fica localizada na
sede do Município de Banzaê. Inicialmente, o ensino médio começou na Aldeia
Indígena com uma turma de 1º ano, com matrícula de mais ou menos 40 alunos,
funcionando no turno noturno. Não houve nenhuma preparação dos professores
para assumirem um curso de ensino médio, além da unidade escolar não ter
estrutura física condizente para implantação de um curso desta natureza.
Novos desafios são postos
Com a reivindicação das lideranças indígenas, professores e pais, a Escola
Municipal Indígena Marechal Rondon sendo estadualizada no ano de 2011 e
transformando-se no Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de Andrade8. a
“arrumação” da escola para o Sistema Estadual de Ensino ocorreu no período de
maio até dezembro de 2011. Os professores que iam lecionar a partir de 2012 não
seriam mais contratados pela Prefeitura Municipal de Banzaê, porém pelo Governo
do Estado da Bahia por um contrato emergencial. Assim também seria o pessoal
para a parte administrativa, de apoio, merendeiras e porteiros.
Durante todo esse período não foi feita nenhuma visita por parte dos técnicos
da Secretaria da Educação do Estado à Unidade Escolar e somente no dia 16 de
dezembro de 2011 por solicitação das lideranças indígenas é que foi realizada uma
reunião geral envolvendo representantes da Coordenação Indígena, DIREC 11,
Prefeitura Municipal de Banzaê/Secretaria Municipal de Educação e FUNAI Paulo
Afonso.
Assumi a direção do Colégio Estadual Indígena Florentino Domingos de
Andrade no dia 05 de dezembro de 2011, por designação no Diário Oficial do Estado
da Bahia do dia 02 de dezembro de 2011 – Portaria 2830/2011 aceitando ao convite
feito pelas lideranças indígenas Kiriri e professores.
8 Homenagem ao Seu Florentino, grande líder da Aldeia Cantagalo falecido no ano de 2001.
32
Durante todo o mês de dezembro de 2011, realizei reuniões com as
comunidades onde estavam localizadas as escolas indígenas que passaram a ser
anexos à escola recém-criada. Nessas reuniões fiz um levantamento de toda a
situação em que as escolas se encontravam, desde as questões de ordem física,
recursos materiais, equipamentos9 e dos recursos humanos que iríamos necessitar
para o ano de 2012.
Ao assumir a direção da unidade escolar, encontrei a organização tanto
pedagógica quanto administrativa em processo de construção. Preocupei-me com o
excessivo número de alunos evadidos e também reprovados da mesma etnia.
Com a realização da Jornada Pedagógica para o ano letivo de 2012, pude
ouvir relatos dos professores e das pessoas que tinham feito parte da equipe de
gestão nos anos anteriores, principalmente das questões relacionadas à
aprendizagem dos alunos, das dificuldades enfrentadas, a falta de um
acompanhamento das práticas pedagógicas dos professores e do desenvolvimento
dos alunos, a falta de planejamento das aulas, os recursos materiais que eram
insuficientes. As atividades da escola seguiam as orientações que eram dadas pelos
técnicos da Secretaria Municipal de Educação de Banzaê. Após a realização da
jornada pedagógica de 2012, sabia dos muitos problemas que tinha de enfrentar na
escola sede e também nos anexos.
Entre os problemas, estava a organização pedagógica dessas escolas
indígenas, porque em minhas observações as propostas que os professores
apresentavam eram interessantes, desafiadoras, as quais procuravam efetivar tais
propostas no dia a dia da sala de aula. Ser professor indígena é antes de tudo ser
pesquisador de sua própria cultura. E esse tem sido o caminho para a construção de
uma educação escolar indígena diferenciada: partir da própria realidade, das
inquietações, dos desejos e dos sonhos, do vem a ser de fato uma escola indígena
construída pelos próprios professores e professoras indígenas.
Foi sugerido aos professores que ao invés de fazerem um plano anual para
cada série ou disciplina que iriam ministrar, selecionassem algumas atividades e
fizessem o planejamento da primeira semana de aula, sempre com o olhar de fazer
9 Carteiras para alunos, estantes de aço, armários, arquivos, mesas para computador, armários para
cozinha, mesas para secretaria, mesas para professor, geladeira, freezer, computadores, notebook, máquina digital, filmadora, DVD, pendrive, impressoras, datashow, microsistem, televisores, ventiladores, duplicador, sirene, bebedouros, forno microondas, fogão industrial, liquidificador industrial, batedeira industrial, utensílios para cozinha, materiais de higiene.
33
um diagnóstico da situação de cada sala de aula/série/disciplina, para que depois de
um período dessas observações pudesse construir um plano de ação pedagógica.
Os professores têm dificuldades de entenderem na prática o que significa: observar,
diagnosticar, propor, avaliar, buscar resultados, para planejar a 1ª unidade letiva e,
consequentemente fazer o planejamento anual.
A proposta de trabalho inicialmente agradou aos professores, que se
envolveram, enfrentaram os desafios e dificuldades, relatavam suas expectativas e
experiências educacionais, estavam abertos ao diálogo. Todos os alunos receberam
livros didáticos que foram adquiridos pelo Ministério da Educação, pelo Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD, mas os professores comentavam que os alunos
tinham dificuldades em acompanhar as propostas dos livros, pois na maioria das
vezes são livros construídos na ótica da educação urbana, dos grandes centros.
A organização pedagógica proposta pelos professores é a de que
pudéssemos desenvolver atividades que envolvessem todos os professores, alunos
e comunidade, fazendo uma articulação de saberes/conhecimentos. Isso não tem
sido uma tarefa fácil, pois esse processo de construção, de autoria, desconstrução,
favorecendo dessa forma o envolvimento de todos. A dinâmica de fazer um trabalho
de revisitar a sua própria práxis pedagógica tem se mostrado um campo propício
para se refletir sobre esse processo de construção de uma escola/educação
indígena diferenciada e específica para o Povo Kiriri Cantagalo.
No trabalho da II jornada pedagógica do ano de 2012 foram distribuídas para
todos os professores cópias de textos que falavam dos fundamentos gerais da
educação escolar indígena, orientações pedagógicas para a organização escolar, a
organização do trabalho escolar e os temas transversais que estão presentes no
RCNEI. Esta iniciativa teve como objetivo dialogar com todos os professores
indígenas envolvidos na reflexão de como essas questões vem sendo trabalhadas
no contexto da escola indígena Kiriri Cantagalo, o que precisa ser repensado e o
que precisa avançar.
Esse foi o grande desafio para o 2º semestre de 2012: envolver todos os
professores indígenas, funcionários, lideranças e pais nas questões pertinentes de
sua educação escolar, no desenvolvimento de atividades que contemplassem todas
as modalidades de ensino ofertadas pelas escolas indígenas. É um repensar de tudo
o que foi feito em anos anteriores, ver onde se encontram os pontos críticos, a
grande cisão entre teoria e prática, trazendo para o cerne das discussões a
34
autonomia da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo e a construção de uma
educação escolar indígena de qualidade a partir da definição do que os Kiriri
Cantagalo realmente pretendem de sua escola.
A partir desse relato e das observações feitas no transcorrer desses anos,
sobre as conquistas que os Kiriri Cantagalo tiveram em termos de educação, que se
estendem da educação infantil ao ensino médio. Os Kiriri Cantagalo mencionam de
forma explícita que a escola tem que servir para o fortalecimento da cultura e da
identidade desse povo. Como já refletiu Lopes da Silva (2001a, p. 101), “hoje, as
escolas, como instrumento para a compreensão da situação extra aldeia, e o
domínio de conhecimentos e tecnologias específicas que elas podem favorecer
estão incorporadas à maioria das pautas de reivindicações de povos indígenas no
país”. Todavia, conforme Silva,
Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas. (20001b, p. 12)
A fala de Aracy Lopes da Silva parece se aplicar muito bem à realidade Kiriri,
sobretudo tendo em vista, que como demonstrado no relato acima, há um grande
descompasso entre a educação escolar praticada no dia-a-dia das escolas Kiriri
Cantagalo e os discursos produzidos sobre a mesma por dos Órgãos Oficiais da
Educação Brasileira e Baiana. Como demonstrado, as ações de controle por parte
dos órgãos oficiais da educação, seja na tentativa de imposição do currículo, nos
entraves burocráticos que geram pouca autonomia às escolas indígenas ou nos
discursos que desqualificam a educação praticada no contexto da Aldeia parecem
produzir um efeito contrário àquilo que está garantido nas legislações específicas
que tratam da educação escolar indígena, uma vez que os princípios de autonomia,
diferença, interculturalidade, assegurados em tais legislações passam a ser
desrespeitados. Nesse sentido, segundo Franchetto,
O campo da chamada educação indígena é atravessado por inúmeras linhas de força, tanto ideológicas quanto pragmáticas. O Estado ou faz passos de leão com o objetivo de homogeneizar e modernizar, no caso do poder federal e de algumas poucas iniciativas locais, ou se mantém perigosamente omisso, no caso de muitas situações locais. O Estado ainda não consegue mobilizar e canalizar recursos humanos e financeiros, de
35
modo racional e inteligente. Enquanto isso, a escolarização, atinge cada vez mais povos indígenas que a sofrem, internalizam e dela se apropriam, ou então a rejeitam. Fala-se muito em “conquistas da educação” mas ainda muito pouco das contradições entre a retórica inócua e práticas pouco refletidas, por vezes profundamente autoritárias e enganadoras, que observamos em aldeias, áreas indígenas, postos da FUNAI, municípios e estados. (2006, p. 197)
Nisso, há uma heterogeneidade de questões e posições, de discursos, de
intenções depositadas na escola, de disputas políticas e simbólicas que atravessam
a educação escolar indígena Kiriri Cantagalo. Parece haver uma grande diversidade
de reações e expectativas por parte dos diferentes grupos e segmentos indígenas e
não indígenas envolvidos, a exemplo da relação entre a comunidade indígena e os
órgãos oficiais de ensino. “Essa heterogeneidade é pouco discutida, tanto
oficialmente, quanto dentro dos próprios programas de formação de professores
indígenas e acompanhamento das escolas” (FRANCHETTO, 2006, p. 196), como
também nas questões relacionadas aos processos de ensino aprendizagem, às
práticas de ensino da leitura e da escrita, as representações sobre leitura por parte
dos professores e demais responsáveis pela educação, que orientam tais práticas.
Em muitos dos trabalhos e etnografias produzidas sobre educação escolar
indígena, essas questões, quando aparecem, são de forma secundárias, pouco
refletidas. É como se as escolas indígenas não apresentassem problemas,
dificuldades, limitações no que diz respeito às práticas de letramento, aos processos
de ensino-aprendizagem. As dificuldades, quando apontadas, limitam-se em tom de
denúncia, às ações de controle que o Estado tende a manter em relação às escolas
nas Aldeias.
Certamente não queremos negar a importância de se refletir sobre relações
que são construídas, quase sempre com tensões, entre o Estado e as Secretarias
Municipais de Educação e as escolas nas Aldeias, uma vez que o caráter
normatizador e homogeneizador das políticas públicas de educação, aliado às suas
ações de controle, geram sérios problemas ao bom andamento e à construção da
autonomia das escolas indígenas.
Outro aspecto que vale trazer à discussão está relacionado, mesmo no
contexto das escolas indígenas, ao predomínio de uma “cultura escolar”,
compreendida como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar
e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
36
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos (JULIA, 2001,
apud GONÇALVES & FILHO, 2005).
Nesse sentido, “as práticas e situações escolares tem suas características de
vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de
gestão de símbolo” (FORQUIN, 1993, apud GONÇALVES & FILHO, 2005, p. 35),
mesmo em escolas indígenas que se apresentem como específicas, diferenciadas e
interculturais.
No caso Kiriri Cantagalo, a cultura escolar, a “forma escolar” parece
impregnar muitas das ações pedagógicas, das práticas de ensino de leitura e
escrita, do ritmo escolar, da organização do tempo escolar que, no limite, acabam
escolarizando outras relações no contexto da comunidade, a exemplo das questões
que dizem respeito à cultura Kiriri, tendo como exemplo o caso do professor de
Cultura reprovar os alunos que são indígenas, na disciplina Cultura Indígena.
“Portanto, procede a assertiva de que a escola escolariza o seu fazer escolar.
Apropria-se do já estabelecido e escolariza-o particularizando a sua prática de ser
escola”. (GONÇALVES & FILHO, 2005, p. 48).
37
III -EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, apresentamos algumas considerações relacionadas à
Educação Escolar Indígena, suas trajetórias históricas e como a mesma se
apresenta no momento atual no Brasil, na Bahia e entre o Povo Indígena Kiriri
Cantagalo.
Educação Escolar Indígena: trajetórias históricas e momento atual no Brasil e
na Bahia
As discussões acerca da educação escolar indígena no contexto da educação
brasileira nas últimas décadas, tem nos levado a uma substancial reflexão, em torno
da legitimidade dos povos indígenas para garantia de seus direitos enquanto
cidadãos brasileiros. Nessas trajetórias, encontramos um cenário marcado por lutas
históricas, fortalecimento das práticas escolares nas escolas indígenas e uma
relação bastante íntima entre educação e cultura.
Ao adentrar nas questões relacionadas à educação escolar indígena, existe
uma diferença ao que vem a ser educação indígena versus educação escolar
indígena. Dessa forma:
Educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança. Ao articular instituições, valores e práticas, em integração dinâmica com outros sistemas sociais, como a economia, a política, a religião, a moral, os sistemas educacionais têm como referência básica os projetos sociais (ideias, valores, sentimentos, hábitos etc.) que lhes cabem realizar em espaços e tempos sociais específicos. Assim, a educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores. A educação escolar indígena refere-se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global.(Luciano, 2006 p. 129)
Entendendo essa sutil diferença, percebemos o que de fato é educação
escolar indígena, para a partir daí compreender todo o processo de chegada da
escola nas comunidades indígenas. Observamos, que na maioria das vezes não é
estudado nos meios acadêmicos, principalmente nos cursos de licenciatura, a
38
história da educação escolar indígena. Mas, compreendemos essa atitude, pelo
grande motivo de que a nossa sociedade foi concebida a partir do pensamento
europeu, e que pouca importância tinha de estudar a educação dentro do princípio
da diversidade.
Outra questão importante é quando falamos de modelos de educação. No
processo de colonização do Brasil, na gênese da educação escolar indígena,
MAHER (2006 p.19-20) nos diz que Educação Escolar Indígena pode ser encaixada
em dois paradigmas, sendo que na década de 70 o paradigma predominante foi o
paradigma assimilacionista. Mas o que o que é esse modelo de paradigma.
Ainda citando Maher (2006 p. 19-20):
Nesse paradigma, o que se pretende é, em última instância, educar o índio para que ele deixe de ser índio: o objetivo do trabalho pedagógico é fazê-lo abdicar de sua língua, de suas crenças e de seus padrões culturais e incorporar, assimilar os valores e comportamentos, inclusive linguísticos, da sociedade nacional. Inicialmente, tentou-se atingir tal objetivo através das orientações fornecidas pelo Modelo Assimilacionista de Submersão, onde as crianças indígenas eram retiradas de suas famílias, de suas aldeias e colocadas em internatos para serem catequizadas, para aprenderem português e os nossos costumes, enfim para “aprenderem a ser gente”. Porque o que se acreditava é que os costumes e crenças indígenas não correspondiam aos valores da modernidade.
Práticas como essa, permearam a história da educação escolar indígena;
segundo a autora há muita documentação escrita atestando que o índio era visto
como um bicho, um animal que precisava urgentemente, de acordo com o projeto de
construção da Nação Brasileira, ser “civilizado”, “humanizado”, e à escola cabia levar
a cabo tal incumbência, através de programas de submersão cultural e lingüística.
Assim surgiu no contexto da educação escolar indígena o Modelo
Assimilacionista de Transição. Nesse modelo:
não há a retirada da criança indígena do seio familiar. Antes, cria-se uma escola na aldeia e a língua de instrução, nas séries iniciais, é a língua indígena, porque, percebeu-se, é extremamente difícil alfabetizar uma criança em uma língua que ela não domina. Mas, nesse modelo, depois que a criança é alfabetizada em sua língua materna, depois que ela entende o que é a escrita, como é o seu funcionamento, vai-se introduzindo o português paulatinamente até que a língua indígena seja totalmente excluída do currículo escolar. A função da língua indígena é apenas servir de elemento facilitador para a aprendizagem de língua portuguesa, a qual, tendo sido aprendida, passará a ser a língua de instrução na apresentação dos demais conteúdos escolares. (MAHER, 2006 p. 21)
39
Seria então essa forma de educar as crianças indígenas?
É lamentável que experiências dessa natureza aconteceram em nosso Brasil,
principalmente entre os povos indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste, em um
tempo não muito distante do nosso, pois esse cenário eram os anos 70, quase que
no final do século XX.
Com o passar dos tempos, já nos anos 80 e ainda citando MAHER (2006 p.
22):
nos últimos vinte anos, pudemos presenciar uma modificação importante no cenário da Educação Escolar Indígena, com a introdução de um novo paradigma, o Paradigma Emancipatório, que sob seus princípios é construído o Modelo de Enriquecimento Cultural e Linguístico. Nele, o que se quer promover é um bilinguismo aditivo: pretende-se que o aluno indígena adicione a língua portuguesa ao seu repertório linguístico, mas pretende-se também que ele se torne cada vez mais proficiente na língua de seus ancestrais. Para tanto, insiste-se na importância de que a língua de instrução seja a língua indígena ao longo de todo o processo de escolarização e não apenas nas séries iniciais. Além disso, esse modelo busca promover o respeito às crenças, aos saberes e às práticas culturais indígenas.
Essas práticas dentro deste Paradigma Emancipatório tem influenciado a
educação escolar indígena nos dias atuais, sendo esta a política de
desenvolvimento de projetos voltados para as escolas indígenas adotadas por
muitas instituições governamentais e não-governamentais, favorecendo o
fortalecimento das práticas escolares das respectivas escolas indígenas em
detrimento com o modelo proposto desde a época do século XVI que era um modelo
voltado para a catequização dos povos indígenas e do modelo apresentado na
década de 70 como vimos anteriormente que era um modelo educacional onde o
índio era “convidado a deixar de ser índio”.
Observando o processo histórico da educação escolar indígena, é uma
educação que foi construída no processo hegemônico europeu, e que a luta dos
povos indígenas no Brasil de hoje é justamente para se ter uma educação escolar
indígena, construída e pensada pelos próprios índios, evitando desta forma uma
nova “invasão”, pois de acordo com os fundamentos gerais da educação escolar
indígena contida no RCNEI (2005), tem o reconhecimento da multietnicidade,
pluralidade e diversidade – o Brasil é uma nação constituída por grande variedade
de grupos étnicos, com histórias, saberes, culturas e, na maioria das situações ,
línguas próprias, onde tal diversidade sociocultural é riqueza que deve ser
preservada. (MEC.RCNEI 2005 p. 22) Reconhece a relação que existe entre
educação e conhecimentos indígenas: desde muito antes da introdução da escola,
40
os povos indígenas vêm elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas
de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir,
avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o
homem e o sobrenatural. (MEC. RCNEI 2005 p. 22).
Pensar em uma educação que venha fortalecer tais saberes e
conhecimentos, não tão somente fortalecer, mas possibilitar a troca de experiências
entre os povos, a salvaguarda do patrimônio material e imaterial das populações
indígenas. A educação escolar indígena adentra as primeiras décadas do século
XXI, trazendo em seu bojo o contínuo processo de luta por uma educação específica
e diferenciada, tendo a necessidade do desenvolvimento de uma política
educacional comprometido com os projetos societários desses povos.
Os anos 90, foram marcados por conquistas significativas a respeito da
educação escolar no Brasil, e na Bahia.
Tais conquistas ocorreram por conta da mobilização do movimento indígena
organizado, advindo da década de 70, que após a redemocratização do Brasil na
década de 80, passa a conquistar mais espaço, dando maior visibilidade ao que se
propõe, continuando em seu processo de luta.
Com o Ministério da Educação – MEC, assumindo a política da Educação
Escolar Indígena no Brasil, criando no âmbito deste órgão governamental uma
Coordenação Nacional de Escolar Indígena, dialogando com Estados e Municípios,
começa a dar os primeiros passos. Dentro deste cenário, iremos encontrar
experiências bem sucedidas de projetos de educação escolar indígena
desenvolvidos em vários Estados brasileiros, mas em contraponto temos um viés da
ideologia neoliberal presente na política educacional do MEC, através de programas
destinados à educação básica, principalmente no que concerne à formação de
professores, como por exemplo os Parâmetros em Ação, que eram desenvolvidos
em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.
O referido programa tinha como metodologia a formação de professores em
todos os níveis e modalidades de ensino, através de materiais organizados por
especialistas das diversas áreas de conhecimento, mas sem a participação dos seus
maiores beneficiários que eram os professores. Estes participavam dos encontros
executando as atividades que já vinham “prontas” a serem aplicadas pelos
coordenadores de cada polo de capacitação, pois o objetivo era implementar a
41
proposta dos PCNS distribuídos pelo MEC a todos os professores brasileiros em
meados da década de 90.
Em relação à educação escolar indígena foi organizado o documento
Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena – RCNEEI10, que contou
com a colaboração de professores indígenas, especialistas e professores
universitários de todo o Brasil. Este documento trouxe de forma sistematizada os
princípios da educação escolar indígena, traduzindo em fundamentos gerais, traz
também um breve histórico da educação escolar indígena no Brasil, as orientações
pedagógicas e orientações curricular, organização do trabalho escolar e os temas
transversais, além de trazer as áreas a serem trabalhadas nas escolas indígenas
(Línguas, Matemática, História, Geografia, Ciências, Arte e Educação Física).
O MEC, através da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena –
CGEEI, disponibilizou para todas as Secretarias Estaduais de Educação que tinham
escolas indígenas o referido documento impresso, para que o mesmo fosse utilizado
nos cursos de formação de professores indígenas, neste caso o Magistério Indígena,
além de disponibilizar outros materiais ( guias para os coordenadores e para os
cursistas, fitas de vídeo com os programas referentes a cada Unidade a ser
estudada e caderno de anotações do percurso) que faziam parte dos Parâmetros em
Ação para as escolas indígenas.
No Estado da Bahia, estávamos na etapa final da 1ª Turma Magistério
Indígena, onde esse material foi desenvolvido de forma parcial. Uma das críticas que
se faz ao material dos Parâmetros em Ação, é que ele chegou às escolas indígenas
de forma vertical, não dialogando com os professores indígenas e suas
comunidades, pois os professores tiveram acesso a esse material em momentos
esporádicos, mas de que forma as práticas de sala de aula são de fato vistas,
percebidas dentro dessa proposta de trabalho, levando em conta toda a diversidade
da educação escolar indígena no contexto brasileiro, é portanto, um documento
“pronto” a ser seguido pelos professores indígenas, especialistas e técnicos das
Secretarias estaduais e municipais de educação.
10
Este documento foi publicado pelo Ministério da Educação – MEC, no ano de 1997/1998 sob a Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena do referido MEC, lembrando que mesmo trazendo os fundamentos gerais da educação escolar indígena, é um documento construído em um viés de uma educação neoliberal, política adotada pelo MEC no Governo Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Paulo Renato. O RCNEI como é conhecido pelos professores indígenas teve uma participação expressiva desses(as) professores(as), mas isso não significa que a sua linha ideológica seja de fato a desejada pelos Povos Indígenas do Brasil.
42
A educação escolar indígena e a garantia dos direitos na legislação
Outros documentos que estabelecem as diretrizes e os princípios da
educação escolar indígena no país foram elaborados. O RCNEEI foi do ano de
1997/1998 , mas em anos anteriores tivemos: o Decreto Presidencial nº 26 do ano
de 1991, que transfere a responsabilidade da educação indígena da FUNAI para o
MEC dando o primeiro passo para um amplo processo de descentralização das
ações da educação escolar indígena que eram desenvolvidas exclusivamente pela
FUNAI e que com esse Decreto as ações passam a ser desenvolvidas pelo
Ministério da Educação; a Portaria Ministerial nº 559 de 1991 que cria no MEC uma
Coordenação Nacional de Educação Indígena, onde no seu Artigo 4º diz que essa
Coordenação Nacional é constituída por Técnicos do MEC e Especialistas de órgãos
governamentais e não-governamentais afetam à educação indígena e
universidades, com a finalidade de coordenar, acompanhar e avaliar as ações
pedagógicas da educação indígena no País, ampliando assim as discussões acerca
da educação escolar indígena, implementando políticas de formação de professores
indígenas, produção de material didático, garantindo às escolas indígenas os direitos
garantidos na Constituição de 1988; as Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena do ano de 1993 ampliando o diálogo acerca da
educação escolar indígena, consolidando ações para o seu desenvolvimento; a Lei
de Diretrizes e Base da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 nos seus Artigos 26,
32, 78 e 79 dando de fato corpo ao que a Constituição de 1988 determina para os
Povos Indígenas do Brasil, o direito a uma educação específica e diferenciada,
processos próprios de aprendizagem. E em anos posteriores: no ano de 1999,
ocorre a aprovação do Parecer 14/99 pelo Conselho Nacional de Educação –
CNE/CEB importante documento que traz em seu bojo o processo histórico da
educação escolar indígena no Brasil avanços e retrocessos, sendo que a publicação
do referido Parecer já pode ser considerado um grande avanço uma vez que na
História da Educação Brasileira e suas políticas educacionais aparece um texto
oficial falando da existência de escolas indígenas sua organização política, curricular
e pedagógica, e consequentemente as Diretrizes Curriculares Nacionais para as
Escolas Indígenas – Resolução 03/99 que materializa o que o Parecer 14/99
apresenta em seu texto. No ano de 2001 ocorre a publicação da Lei nº 10.172/01
43
que estabelece o Plano Nacional de Educação – PNE que das 295 metas 21 são da
modalidade educação escolar indígena; em 2002 o lançamento pelo MEC dos
Referenciais para a Formação de Professores Indígenas com o objetivo de orientar
todos os Estados da Federação que possuem Povos Indígenas na oferta de cursos
de formação inicial e continuada para professores indígenas; em 2004 o Decreto
Presidencial nº 5.051 promulga a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho – OIT, sendo um instrumento internacional que trata especificamente dos
direitos dos povos indígenas e tribais no mundo; o Decreto Presidencial nº
6861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais apresentando a partir deste Decreto
a nova forma de gestão da educação escolar indígena no âmbito do Território
Brasileiro através das Políticas Educacionais do Ministério da Educação para os
Povos Indígenas; o Parecer nº 13/2012 do CNE/CEB que elucida o protagonismo
dos professores indígenas em vários espaços de atuação, avança nas discussões
acerca dos aspectos gerais da educação escolar indígena entre eles a realização da
I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena e das novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena.
No Estado da Bahia iremos encontrar o Decreto nº 8.471 de 12 de março de
2003 do Governador do Estado, que cria a Categoria de Escola Indígena no âmbito
do Sistema Estadual de Ensino da Bahia; a Resolução nº 106/2004 do Conselho
Estadual de Educação – CEE/BA que estabelece diretrizes e procedimentos para a
organização e oferta da educação escolar indígena no Sistema Estadual de Ensino e
a Lei Estadual nº 18.629/10 que cria a carreira de professor indígena no Estado da
Bahia.
Analisando esta trajetória em aspectos à legislação específica para a
educação escolar indígena, percebe-se que as leis foram criadas, aprovadas pelos
órgãos competentes, mas na prática, no chão da escola e da aldeia, existe um hiato
muito grande. As reivindicações pelos povos indígenas continuam de forma incisiva,
e entendemos essas reivindicações como uma luta legítima desses povos, em fazer
valer o direito que é prescrito nessas respectivas leis.
Os impasses para a efetivação de uma política de atendimento à educação
escolar indígena no Brasil e na Bahia tem sido enormes, pois muitas das
reivindicações dos povos indígenas em relação à educação tem sido a pauta dos
representantes indígenas através de associações, conselhos, fóruns, quando esses
44
representantes vão participar de encontros com autoridades municipais, estaduais e
federais.
Quando olhamos para os dados da educação escolar indígena tanto a nível
de Brasil, quanto a nível de Bahia, apesar de todas essas dificuldades existe um
crescimento significativo de matrícula em todas as séries e modalidades de ensino.
No cenário nacional a educação escolar indígena apresenta os seguintes
dados segundo informações do MEC/CGEEI11 ano base 2010: nesse ano o Brasil
tinha 2.836 escolas indígenas; 10.923 professores indígenas; 196.075 estudantes,
sendo 19.565 na Educação Infantil, 109.919 de 1ª a 4ª série, 41.241 de 5ª a 8ª série,
10.004 no Ensino Médio e 15.346 na Educação de Jovens e Adultos – EJA.
A população indígena é de 810.000 tomando como base os dados do
IBGE/201012. Terras indígenas 634; etnias 236, línguas indígenas 180, aldeias
3.487, municípios 367 e Estados da Federação 26.
No Estado da Bahia a população indígena é de 11.677 distribuídos em 14
povos, totalizando 76 aldeias, e 24 municípios. (FUNAI – DF. 2011)13.
No tocante à educação, na Bahia existem 59 escolas, destas 25 pertencem
ao Sistema Estadual de Ensino e 34 ao Sistema Municipal de Ensino. 7.730 é o
número total de estudantes, sendo 944 da Educação Infantil, 3882 de 1ª a 8ª série,
303 no Ensino Médio, 903 na Educação de Jovens e Adultos, de acordo com
informações da Secretaria da Educação do Estado da Bahia / Coordenação
Estadual de Educação Escolar Indígena, ano de referência 201114.
De acordo com Nobre (2005, pag. 83-90) em seu texto Para uma síntese dos
avanços e impasses da educação escolar indígena hoje, apresenta como os
avanços conquistados na educação escolar indígena no Brasil:
Os impasses que permanecem: ausência de políticas linguísticas; descoordenação entre as políticas públicas indigenistas; dificuldades nos processos de reconhecimento e regularização das escolas indígenas; implantação de turmas de 5ª a 8ª séries e ensino médio nas escolas indígenas; manipulação dos Conselhos Municipais de Educação; má distribuição dos recursos do FUNDEB; ausência de mecanismos de controle social das políticas públicas; dificuldade de transporte escolar, limites da
11
Esses dados foram informados pelo Prof. Dr. Gersem Baniwa, Coordenador Geral de Educação Indígena do Ministério da Educação – MEC/Brasília, durante a I Etapa do Curso de Formação para Gestores Indígenas, em Salvador – Bahia no período de 03 a 07 de agosto de 2011. 12
Dados IBGE /2010 13
Dados FUNAI Brasília /2010 14
Dados informados pela Coordenação Estadual de Educação Escolar Indígena – CIN / Secretaria da Educação do Estado da Bahia. 2011
45
legislação; incipiente qualificação profissional dos técnicos das secretarias estaduais e municipais e não aplicação dos programas educacionais específicos federais à escola indígena.
Essas questões apontadas por Nobre (2005) tem sido uma constante nas
escolas indígenas, não só a nível nacional, como também repercutindo no nível
estadual e local. Os órgãos públicos responsáveis pela educação escolar indígena
tanto a nível nacional quanto local, tem conhecimento dessa situação, mas
infelizmente pouco ou nada fazem, as questões burocráticas sobressaem no
atendimento à demanda existente.
Diante do que foi exposto acerca da educação escolar indígena até aqui,
outros espaços de discussão foram acontecendo, envolvendo povos indígenas em
todo Brasil, consequentemente na Bahia e entre o Povo Kiriri Cantagalo. Um desses
espaços foi a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – CONEEI, que
aconteceu no ano de 2009 no período de 16 a 21 de novembro, em Luziânia –
Goiás. A I CONEEI foi realizada pelo MEC em parceria com o Conselho Nacional de
Secretários de Educação – CONSED e Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que
teve como tema “Educação Escolar Indígena: gestão territorial e afirmação cultural”.
Para a realização dessa conferência, foram realizadas em todo o Brasil em período
anterior à CONEEI, conferências regionais refletindo sobre o tema da CONEEI,
envolvendo representantes de órgãos governamentais, não governamentais, escolas
indígenas, universidades entre outros.
Durante a realização da I CONEEI, um dos pontos discutidos foi sobre o
Decreto Presidencial nº 6.891 de 27 de maio de 2009 que dispõe sobre a Educação
Escolar Indígena, define sua organização em Territórios Etnoeducacionais – TEE.
De acordo com o MEC, os TEE tem como objetivo organizar a educação
escolar indígena, observando a sua territorialidade, por meio do Regime de
Colaboração entre os Sistemas de Ensino e os Povos Indígenas, abrangendo todas
as escolas indígenas e todo o território nacional.
No Estado da Bahia, foi criado o Território Etnoeducacional - TEE Yby Yara,
que em Tupi quer dizer “dono da terra”. O TEE Yby Yara abrange todos os 14 povos
indígenas da Bahia, sendo que a partir da criação deste TEE, toda a política de
atendimento à educação escolar indígena no âmbito do Estado pactuado com os
municípios passa a ser através de um plano de ação elaborado com a participação
de representantes indígenas, universidades, Secretaria da Educação do Estado da
46
Bahia, Secretarias Municipais de Educação, MEC, FUNAI, UNDIME, Associações
Indígenas.
Outro espaço importante que foi criado no contexto da educação escolar
indígena no Brasil foi o Observatório da Educação Escolar Indígena, coordenado
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CAPES. De
acordo com a CAPES, o objetivo do Observatório da Educação Escolar Indígena é
fomentar o desenvolvimento de estudos e pesquisas em educação, que explorem ou
articulem as bases de dados do INEP, visando estimular a produção acadêmica e a
formação de recursos pós-graduados (mestrado e doutorado) e fortalecer a
formação de profissionais da educação básica intercultural indígena, professores e
gestores, para os Territórios Etnoeducacionais.
Na Bahia, o Observatório da Educação Escolar Indígena está sob a
coordenação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, envolvendo pesquisadores
indígenas e não indígenas dos cursos de mestrado e doutorado da própria UFBA, da
UNEB e de outras instituições. As ações15 desenvolvidas no âmbito do Observatório
da Educação Escolar Indígena na Bahia, tem contribuído de forma significante para
o desenvolvimento de políticas públicas para os povos indígenas da Bahia,
principalmente no que diz respeito à pesquisa da situação da Educação Escolar
Indígena no Estado da Bahia, a partir de um diagnóstico muito bem detalhado.
Os caminhos para a educação escolar indígena tem que ser caminhos de
autonomia dessas escolas, autonomia em todos os sentidos, não promover uma
educação compulsória, que reproduza o modelo positivista, a ideologia da classe
dominante ocidental.
Assim, teremos novos rumos, novas trajetórias da educação escolar indígena
no Brasil e na Bahia. Os povos indígenas construindo a sua própria educação, de
forma criativa, comprometida com os projetos e anseios de cada povo, partilhando
saberes e conhecimentos, onde as práticas pedagógicas e os currículos nasçam a
partir do chão da escola, da aldeia, desconstruindo práticas opressoras e
15
“2010 – diagnóstico pioneiro da situação educacional dos povos indígenas no Estado da Bahia, a partir de informações coletadas por professores/pesquisadores em suas aldeias, além de contar com linguísticas, antropólogos, historiadores e cientistas políticos indígenas e não indígenas”. SILVA, Carlos Rafael. O modelo de gestão territorializada da Política de Educação Escolar Indígena no Estado da Bahia. In: Cadernos de Arte e Antropologia. Vol. 2. N. 2(2013). Org. Maria Rosário de Carvalho. Universidade Federal da Bahia – UFBA. Salvador, 2013
47
excludentes que foram impostas em tempos atrás na visão do colonizador, do
dominador e que em pleno século XXI ainda persiste.
A beleza das trajetórias que se constrói no encontro com o outro, a outra, no
enraizamento do modo único de ser o que de fato é necessário.
O Povo Kiriri Cantagalo e suas experiências educacionais
Para entendermos a educação no contexto do Povo Kiriri Cantagalo, temos
que situar historicamente essas trajetórias, pois tais aspectos se imbricam com a luta
do movimento indígena brasileiro. Sendo o Povo Kiriri Cantagalo originado do Povo
Kiriri, que tem suas raízes no Século XVII, em seu processo de aldeamento, é nesse
cenário que vai ser situado a história da educação escolar indígena do povo Kiriri,
pois esse povo tem toda a sua história da educação ligada intimamente com as
fases da educação escolar indígena no contexto do Brasil.
O que nos interessa para este estudo, é situar a educação escolar indígena do
Povo Kiriri a partir da década de 1980 até os dias atuais, por considerar essa época
como o marco do desenvolvimento do projeto de educação escolar Kiriri.
Em relação às pesquisas e estudos sobre o Povo Kiriri, apresentamos os
seguintes:
Bandeira (1967) desenvolveu sua pesquisa sobre a organização social, a
economia, a cultura material, sobrevivência linguística, os contos, a medicina
popular e a música do Povo Kiriri. A pesquisa foi realizada na aldeia de Mirandela,
nos meses de janeiro/fevereiro de 1967, na qualidade de Instrutora da Universidade
de Brasília e de estagiária do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal
da Bahia, participando de uma viagem de pesquisa arqueológica. É significativo a
forma como a pesquisadora apresenta seu texto, onde devido a importância desse
trabalho no ano de 1972 foi publicado pela Universidade Federal da Bahia o livro de
uma Série intitulada Estudos Baianos, cujo título Os Kariris de Mirandela: um grupo
indígena integrado. Bandeira, foi autora da primeira etnografia produzida em
Mirandela (C.f Carvalho, 2004 p.136).
Cortes (1996) – Pesquisadora da Universidade Federal da Bahia – UFBA,
Faculdade de Educação – FACED, que desenvolveu sua pesquisa entre os Kiriri de
Mirandela, no período de 1993 a 1995, dando origem a sua dissertação de Mestrado
em Educação no ano de 1996, trazendo como título “A Educação é como o vento: os
48
Kiriri por uma educação pluricultural. Cortes, traz importantes contribuições acerca
da educação escolar no Brasil e entre o povo Kiriri. Inicialmente traz reflexões sobre
a educação escolar indígena entre os povos indígenas do Brasil: do período
catequético até os dias atuais, mostrando os processos de conquistas dos povos
indígenas do Brasil à educação.
No que diz respeito ao povo Kiriri, a pesquisadora apresenta uma texto denso,
trazendo toda a trajetória de reconquista do território indígena Kiriri, e neste cenário,
traz as questões relacionadas a educação escolar desse povo, desde a época dos
jesuítas até a pós-modernidade. Os aspectos políticos, sociais, culturais e espirituais
do povo Kiriri estão muito bem delineados no texto da pesquisadora, apresentando
para todos os estudiosos dos Kiriri contribuições muito significativas.
Uma das questões relevantes presentes no texto é a trajetória histórica da
luta do povo Kiriri pela terra, os conflitos entre os posseiros, os avanços da
educação e os momentos conflitantes dessas questões. Apresenta a definição do
que vem a ser educação para o povo Kiriri, as propostas de construção de uma
escola diferenciada, as contribuições das lideranças indígenas (cacique, pajé,
conselheiros) juntamente com os professores indígenas e comunidade. Enfatiza de
forma crítica a atuação dos órgãos governamentais da esfera federal e estadual,
como também a presença do trabalho das missões religiosas no território indígena
Kiriri (católicos e evangélicos).
Santana (2007) – A produção dos discursos sobre cultura e religião no
contexto da educação formal: o que pensam/querem os Kiriri de sua escola?
Dissertação de Mestrado em Educação e Contemporaneidade. Universidade do
Estado da Bahia – UNEB – Salvador – Bahia, 2007. As contribuições do pesquisador
acerca da educação escolar indígena Kiriri são importantes, pois o mesmo situa o
texto de sua pesquisa depois de uma década dos conflitos na Terra Indígena (TI)
Kiriri vivenciados por Cortês. Inicialmente o pesquisador traz em seu texto
referências aos aspectos/trajetórias históricas do povo Kiriri, fazendo alusão à
Bandeira, sendo que no quesito relativo à educação desse povo, a pesquisa busca
compreender os discursos sobre cultura e religião produzidos no contexto da
educação escolar Kiriri e, da mesma forma, analisar como os Kiriri, no contexto
atual, tem se apropriado de sua escola. Após trazer os aspectos históricos do povo
Kiriri, o pesquisador adentra para os aspectos educacionais desse povo. Faz uma
reflexão pertinente acerca do sentido da tradição e da modernidade, discutindo
49
conceitos trazidos por Giddens, Hall, Sacristán, Berman, Caleffi entre outros. O autor
apresenta em seu texto quase que uma linha do tempo acerca da educação escolar
indígena no Brasil e entre os Kiriri o contexto onde a educação acontece, fazendo as
leituras de uma educação pós-conflito. Amplia o que vem a ser a educação escolar
indígena Kiriri a partir do movimento indígena. Cortês traz em seu texto os aspectos
da educação escolar indígena Kiriri na década de 70 e 80 e início da década de 90.
Santana traz outras reivindicações dos professores Kiriri, tanto os liderados pelo
Cacique Lázaro (Mirandela), quanto pelo Cacique Manuel (Cantagalo): a
implantação do Ensino de 5ª a 8ª série e do Ensino Médio nas escolas das aldeias
de Mirandela e Araçás.
Macêdo (2008) – Educação por outros olhares: aprendizagem e experiência
cultural entre os índios Kiriri do Sertão Baiano. Dissertação de Mestrado em
Educação. Universidade Federal da Bahia – UFBA; Faculdade de Educação –
FACED. Salvador – Bahia 2008. O texto apresenta reflexões acerca da educação
escolar indígena Kiriri numa relação entre educação e cultura, procurando
compreender como um dos componentes do processo educativo, a aprendizagem, é
experienciada em meio a uma cultura que tem muito a nos ensinar e nos oferece
muito a refletir, quando nos dispomos a pensar a educação para o bem comum
social, trabalhando, ensinando e aprendendo com a diferença.
A pesquisadora apresenta em seu texto a história e conflitos étnicos nos
caminhos do sertão da Bahia, nas tensões entre portugueses e tapuias, sendo este
sertão os caminhos do litoral para as regiões do Baixo-médio e do Baixo São
Francisco e áreas vizinhas, trazendo os nomes dos povos indígenas que habitavam
essas regiões nos séculos XVII e XVIII. Traz em seu contexto relatos históricos do
povo Kiriri, seguindo a mesma ordem cronológica de Cortes (1996) e Santana
(2007).
No tocante à educação, a pesquisadora traz em seu estudo sobre a
aprendizagem como experiência cultural. Apresenta os processos, movimentos e
dinâmicas do aprender. No contexto do povo Kiriri, esse povo faz do Toré um
espaço ritual aprendizagem e de afirmação da identidade Kiriri. Baseada na
Psicologia Sócio Histórica de Vygotsky e também na Psicologia Cultural de Bruner e
nas teorias antropológicas sobre cultura e simbolismo, observa entre os Kiriri e
identifica que é na infância, predominantemente, que os valores socioculturais são
sistematizados e potentemente transmitidos e utilizados no processo de construção
50
do sentido interno de quem ela é e de como as pessoas se dispõem ao redor dela.
Assim, crescer entre as narrativas, entre as histórias que compõem a tradição oral
ou de uma cultura, dentro e fora do contexto escolar, é essencial no processo
educacional.
Outro aspecto elucidado pela pesquisadora é a ideia da escola indígena
enquanto “espaço de fronteira” e outros espaços de aprendizagem. De acordo com a
pesquisadora os professores indígenas Kiriri tem uma noção muito interessante e
pertinente sobre a relação da educação escolar diferenciada com a comunidade e os
processos de aprendizagem ligados, determinantemente, à sua cultura e aos seus
espaços tradicionais de formação. Quando a pesquisadora faz alusão a
etnoaprendizagens e a compreensão da educação por outros olhares, diz que:
compreendermos que a educação no seu sentido mais complexo, não é apenas uma
transmissão de conhecimentos, mas é a concretização do modo de viver
experienciado culturalmente. Assim, a experiência em si é o próprio processo de
aprendizagem se realizando. (Macedo, 2009 p.84)
De acordo com a pesquisadora as etnoaprendizagens Kiriri, estão envolvidas,
inseridas em um contexto que abarca as relações com o seu complexo cosmológico
xamanístico e as outras religiões mundiais que tiveram contato, a divisão faccional
do grupo, os embates políticos com os regionais e demais conflitos étnicos, as
relações com o Estado, com a FUNAI, com as universidades, e com a própria cultura
sertaneja e seus valores.
Esses pesquisadores desenvolveram seus trabalhos dentro de cenários
históricos diferentes, mas tendo como foco de estudo o povo Kiriri. Essas
contribuições são de fato importantes, para entendermos nos dias atuais a forma
como os professores indígenas Kiriri constroem as suas práticas educativas.
Ao analisar o projeto de educação escolar entre os Kiriri, Cortes (1996, p. 87)
salienta que é no interior da luta por escola e formação de seus próprios professores
é que, de 1980 a 1983, deu-se o projeto de educação escolar Kiriri, desenvolvido
com base nas ideias de Paulo Freire, Celestín Freinet e outros estudos sobre
educação popular e escola comunitária. Procurava dessa forma buscar uma prática
educativa através de um processo interativo entre os saberes Kiriri e a escola
ocidental.
Sendo essa iniciativa as primeiras experiências educativas onde a valorização
dos saberes tradicionais do povo Kiriri era o ponto de partida para as práticas
51
educativas, serviram para o fortalecimento da educação em um contexto específico
e diferenciado. No período em que esse projeto de educação estava sendo
desenvolvido, o povo Kiriri estava envolvido nas lutas pela reconquista de seu
território. As ideias de Freire através dos Círculos de Cultura eram fortalecidas a
cada dia.
Dessa forma, o povo Kiriri ia conquistando o seu processo educacional, na
perspectiva de uma educação que de fato fortalecesse a cultura indígena desse
povo. Diante da luta pela reconquista de seu território indígena, muitas vezes as
atividades das escolas eram interrompidas, por períodos variados de um mês a
vários meses. Mas isso não inviabilizava o desenvolvimento do projeto educativo
desse povo, pelo contrário é nesse movimento que são evidenciados os objetivos da
educação escolar indígena Kiriri. Assim os professores indígenas Kiriri iam
construindo uma educação escolar, não mais de referencial apenas europeu, mas
que considere, entre outros, os saberes espirituais e artesanais do povo Kiriri na
convivência interativa com a terra e com o cosmo. (CORTES, 1996 p. 107).
No cenário nacional despontava novas conquistas para a educação escolar
indígena, saindo dos períodos de aniquilamento cultural do Brasil Colônia dos
Séculos XV ao XVII, da integração dos índios à comunhão nacional do Serviço de
Proteção aos Índios – SPI à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, por volta do ano
de 1910 até a década de 70, do trabalho das organizações não-governamentais
Ongs muito fortalecida no final dos anos 70, passando para as experiências de
autoria, da organização do Movimento Indígena no início dos anos 80, permitindo
dessa forma o diálogo com professores indígenas de outros estados brasileiros, do
estado da Bahia e até de outros países.
De acordo com Lopes (2001, p. 103), acerca das conquistas dos povos
indígenas no país diz:
Uma distância considerável separa a escola rural ou missionária e catequética, maciçamente predominante entre os povos indígenas ainda em meados do século XX, do reconhecimento oficial e legal da especificidade da escola e da educação escolar indígena, definidas como necessária e legitimamente diferenciadas em relação às demais.
Essa distância apontada por Lopes (2001) está relacionada à forma como a
educação para os povos indígenas foi pensada e construída nos séculos passados,
e como essa educação escolar se apresenta neste século, pois saindo do poderio do
52
modelo colonial dos séculos XVI e XVII e avançando para os séculos subsequentes
iremos encontrar uma educação tantas vezes negada pelo saber hegemônico e pelo
poder autoritário. Grupioni (2001).
Para o povo Kiriri a educação é algo mais amplo, de outros significados.
Cortês (1996, p. 120) traz a voz de um importante professor Kiriri que é Celso,
dizendo que:
“A educação não é só na escola é em todo lugar, em todo lugar a gente pode encontrar a educação. Eu mesmo tenho certeza que, também é como se fosse como o efeito do vento que não pode descobrir, o vento a gente não vê. Ele, a gente só vê depois de ouvido e sentido, é como o vento só depois que passa é que a gente sente. Mesmo assim é a educação na escola, a pessoa vê falar na educação não sabe como é, mas como depois que vai fazer parte de qualquer nível de educação, alfabetização, seriado e quem está em alto nível também, aí é que vai saber se ela é boa ou se é mal, se ensina coisa a pessoa é agradável ou desagradável. Pra gente é como se fosse a comida, a comida a gente não sabe, se aquela comida o paladar dela é ruim a pessoa não quer, mas não sabendo ela vai fazer em cima da gente. (...) a educação é para todos e também querida pela humanidade, e também toda a humanidade quer ter educação, eu não conheço uma pessoa que não quer ser educado”.
Essa reflexão trazida pelo professor Celso Kiriri exemplifica de que forma
esse povo indígena concebe a educação, não só no espaço escola, mas nos vários
espaços da comunidade, porque o que move a vida Kiriri hoje é a luta pela terra e o
movimento do vir a ser Kiriri. Cortês (1996, p. 135). Essa concepção de educação
tem sido fortalecida no dia a dia dos professores indígenas Kiriri, sendo essa
educação, enquanto escola indígena definida como espaço de fronteira, entendidas
como espaços de trânsito, articulação e troca de conhecimentos, assim como
espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos
nesse processo, índios e não-índios. Tassinari (2001, p. 50).
E em relação a educação escolar indígena do Povo Kiriri Cantagalo?
Em conversa com os professores indígenas Kiriri Cantagalo a respeito do
início da educação no meio desse povo, foi relatado que a primeira experiência
educacional institucionalizada desse povo foi através da Escola Municipal Indígena
Marechal Rondon. Essa escola deu início às suas atividades no ano de 1976,
localizada na aldeia Cantagalo. Ela foi construída de palha e barro pelas pessoas da
aldeia, lideradas pelo Cacique Lázaro e Conselheiros.
Foi a primeira escola nos Kiriri de Cantagalo. As lideranças se mobilizaram e
conseguiram um professor da Fundação Nacional do Índio – FUNAI de Brasília,
53
natural de Potyguará. Funcionava com 50 alunos nos dois turnos: matutino e
vespertino, multisseriado e existia muito a defasagem idade/série.
Até o ano de 1997 houve três professores da FUNAI. Desde esta época ficou
trabalhando professores índios de Cantagalo, mais alguns leigos. Em 1998, houve o
processo de retomada do território indígena e do povoado de Araçás. A Escola
Marechal Rondon foi implantada no Araçás, em um prédio de uma outra, com outra
estrutura física, pois esta escola era feita de alvenaria, funcionando os dois turnos:
matutino e vespertino de 1ª a 4ª série, dividido em quatro turmas. Então passou a
trabalhar quatro professores, com cerca de aproximadamente 80 alunos, passando a
ser atendida pela Prefeitura Municipal de Banzaê através da Secretaria Municipal de
Educação.
No ano de 2002, a Escola Municipal Indígena Marechal Rondon foi
transformada no Núcleo Municipal de Educação Indígena Marechal Rondon. Foi
colocada uma direção escolar para gerenciar e administrar as escolas em anexo que
ficam nas aldeias de Segredo, Cajazeira, Baixa da Cangalha e Baixa do Juá. Antes,
existia uma pessoa responsável pela direção escolar, só que esta pessoa respondia
somente pela direção do Araçás.
Com a necessidade de implantar o ensino de 5ª a 8ª série, pois existia uma
reivindicação por parte das lideranças indígenas Kiriri Cantagalo, e as condições
eram favoráveis, uma vez que existia um quantitativo de professores indígenas que
tinham o magistério, e que todos os anos muitos alunos indígenas ao concluírem
seus estudos em nível de 4ª série iam estudar nas escolas em Banzaê ou nos
povoados circunvizinhos às aldeias, onde esses estudantes enfrentavam uma
realidade diferente, muitos deles eram discriminados e maltratados pelos ex-
posseiros, como o aumento substancial de consumo de álcool e outros fatores.
No ano de 2009, acontece a implantação do ensino de 5ª a 8ª série no Núcleo
Municipal de Educação Indígena Marechal Rondon, sendo que para isso a
Secretaria Municipal de Educação de Banzaê faz a construção de dois pavilhões de
salas de aula, permitindo dessa forma que os alunos tivessem espaço físico
adequado para os seus estudos. O Núcleo Municipal de Educação Indígena
Marechal Rondon passou a funcionar os três turnos, com cerca de 260 alunos, além
dos anexos de Cajazeira, Segredo, Baixa da Cangalha e Baixa do Juá. Assim, o
ensino ministrado neste núcleo de ensino passa a ser de 1ª a 8ª série, pois a
Educação Infantil era ofertada para o povo Kiriri Cantagalo através das “escolinhas”
54
mantidas pela Igreja Católica através das freiras da Congregação Italiana das Filhas
de São José, sediada em Cícero Dantas.
Após a implantação do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série na comunidade
indígena de Araçás, o Povo Kiriri Cantagalo, as lideranças indígenas juntamente
com os professores indígenas e demais pessoas das comunidades reivindicaram
junto aos órgãos competentes da educação do Estado da Bahia e conseguiram a
implantação do Ensino Médio, como extensão do Colégio Estadual Flaviano Dantas
do Nascimento, localizado no município de Banzaê. Inicialmente foi implantada uma
turma da 1ª série do ensino médio, com um total de 35 alunos matriculados, com a
proposta de que nos anos subsequentes fossem implantadas a 2ª e 3ª séries do
Ensino Médio.
As inquietudes por uma educação escolar indígena de qualidade fez com que
a mobilização das lideranças indígenas Kiriri Cantagalo, e por forte crítica ao
atendimento escolar por parte da Prefeitura Municipal de Banzaê / Secretaria
Municipal de Educação, organizasse um documento reivindicatório solicitando ao
Secretário de Educação do Estado da Bahia a estadualização de todas as escolas
municipais indígenas Kiriri Cantagalo.
Assim, no dia 20 de maio de 2011 foi publicado no Diário Oficial do Estado da
Bahia, a Portaria de nº 4129/2011 estadualizando o Núcleo Municipal de Educação
Indígena Marechal Rondon, que voltou à condição de Escola Municipal Indígena
Marechal Rondon, passando a chamar-me de Colégio Estadual Indígena Florentino
Domingos de Andrade, com os anexos das aldeias Cajazeira, Araçás, Segredo,
Baixa da Cangalha e Baixa do Juá, ofertando a Educação Infantil até o Ensino Médio
na escola sede, e nos anexos a Educação Infantil ao Ensino Fundamental do 1º ano
à 4ª série, e nos anexos de Cajazeira, Segredo e Araçás a Educação de Jovens e
Adultos – EJA, a nível de 1ª a 4ª série.
Ao longo do desenvolvimento da educação escolar indígena do Povo Kiriri
Cantagalo, as lideranças indígenas juntamente com os professores tem participado
ativamente de espaços políticos de discussão, a exemplo do Fórum Estadual de
Educação Escolar Indígena, do Conselho dos Povos Indígenas da Bahia – COPIBA
e do Observatório da Educação Indígena – UFBA/CAPES. Esse espaço tem servido
para que os povos indígenas da Bahia, entre eles os Kiriri Cantagalo através de
seus representantes legítimos possam reivindicar o cumprimento das ações por
55
parte dos organismos federais e estaduais em relação a todas as áreas de vivência
dos povos indígenas da Bahia, entre elas a educação.
É legítimo afirmar que na trajetória histórica da educação escolar do povo
Kiriri Cantagalo, as conquistas que os mesmos obtiveram, não ocorreram por conta
da boa vontade ou do interesse por parte desses órgãos públicos. Infelizmente
existe muita negligência por parte desses órgãos ao atendimento pleno aos povos
indígenas do Brasil, não sendo diferente essa situação no Estado da Bahia.
Nas palavras de Grupioni (2001, p. 145) sobre a oferta da educação escolar
indígena:
permitiu que a oferta de programas de educação e de acesso à escola por parte dos povos indígenas deixasse de ser pensada enquanto assistência para ser pensada enquanto assistência para ser enfrentada como direito, a ser garantido por meio de uma política específica para o setor.
Nesse sentido, a crítica que se faz a oferta de programas de educação
escolar indígena de forma assistencialista tem sido uma constante nos meios
acadêmicos, pois como Grupioni (2001) enfatiza, é uma política de direito e não uma
política de assistência. É nesse caminhar que os órgãos oficiais responsáveis pela
oferta da educação escolar indígena no Brasil tem que avançar, pois a legitimidade
do direito a uma educação diferenciada e de qualidade tem sido a reivindicação por
parte dos povos indígenas no Brasil e na Bahia.
Na situação dos Kiriri Cantagalo que vem de um processo de retomada de
seu território indígena, tem enfrentado várias dificuldades no que diz respeito ao
desenvolvimento pleno de sua educação escolar indígena.
Grupioni (2001) enfatiza a política de direito, corroborando com essa
afirmação Guimarães (2009, p. 20) afirma:
É necessário superar uma tendência em “adaptar”, “adequar”, políticas e propostas educacionais de natureza universalizante para as escolas indígenas. A educação escolar indígena é uma inovação na educação brasileira e sua implementação como política de garantia de direitos exige a formulação de políticas, programas e ações específicas e o exercício de uma gestão flexível e conhecedora das peculiaridades de cada povo indígena. Para isso é fundamental o exercício de um diálogo verdadeiramente intercultural, em que os representantes indígenas tenham voz para expressar suas perspectivas e concepções sobre a educação escolar, e os gestores públicos se disponham a não mais adaptar programas já existentes, mas a promover políticas e programas que valorizam e mantém a diversidade cultural dos povos indígenas, promovendo o que está disposto no Artigo 206, da Constituição Federal, que define os princípios norteadores do ensino “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino”, tornando
56
possível experiências educativas variadas quando o foco é o contexto sociocultural dos educandos e as perspectivas de suas comunidades indígenas com relação à escola.
O que Guimarães (2009) traz como reflexão é algo muito sério que
infelizmente tem sido uma constante no desenvolvimento das ações relacionadas à
educação escolar indígena no Brasil e na Bahia por conta dos órgãos oficiais de
Educação.
Na educação Kiriri Cantagalo, ao longo do desenvolvimento deste trabalho de
pesquisa, foi observado a partir da análise dos documentos relacionados à
constituição da escola tanto na esfera municipal, quanto na esfera estadual, que a
organização do tempo escolar, das práticas pedagógicas das escolas Kiriri em todas
as instâncias e modalidades de ensino passam ainda pelo crivo do pensamento
hegemônico. Os documentos aos quais nos referimos é a Matriz Curricular e o
Projeto Político Pedagógico. A Matriz Curricular foi pensada a partir da Secretaria
Municipal de Educação de Banzaê, sem a participação da comunidade indígena
Kiriri Cantagalo. Os técnicos da referida instituição definiu quais seriam os
componentes curriculares que deveriam fazer da Matriz Curricular e a as aulas a
serem ministradas em cada componente curricular. Não existia na estrutura desse
órgão uma equipe composta por profissionais especializados, a exemplo de
antropólogos, linguísticas, indigenista. A ação desta instituição foi sempre uma ação
assistencialista. Na legislação educacional da Unidade Escolar, o Regimento
encontrado é unificado, servindo para toda a rede pública municipal de Banzaê, não
importando se as unidades escolares estão na cidade ou no campo.
No que diz respeito à organização pedagógica, o comportamento tanto na
antiga escola pertencente à rede municipal de ensino, quanto na atual em que
pertence ao sistema estadual de ensino não existem propostas pedagógicas
inovadoras que trabalhem a garantia dos direitos dos professores e lideranças
indígenas Kiriri Cantagalo. É o que Guimarães (2009) afirma anteriormente, ocorre a
“adaptação”, “adequação” de propostas educacionais de natureza universalizante
para as escolas indígenas. Essas ações vão desde os livros didáticos que os
professores indígenas trabalham, até a organização dos horários de aula, os
espaços físicos, as práticas de sala de aula e a forma como é feita a avaliação do
ensino e da aprendizagem.
57
E notório que existe uma intencionalidade nisso tudo. É o que diz Repetto
(2008, p. 45) no que concerne a uma escola indígena que tenha o desenvolvimento
de práticas educativas interculturais e que busca no chão da aldeia o seu significado
para a sua existência:
Não adianta pensar em interculturalidade na educação se o sistema não cumpre suas obrigações materiais para que o diálogo ocorra, isto significa investimentos na formação dos profissionais da educação, investimentos em infraestrutura adequada aos interesses e realidade dos povos, não apenas impor escolas padronizadas. (...) e ainda materiais escolares homogeneizantes e fora da realidade.
São situações diversas que encontramos no cerne da educação escolar
indígena Kiriri Cantagalo, diante do não cumprimento das obrigações materiais por
parte do sistema a que estas escolas estão vinculadas. No passado quando estas
pertenciam ao sistema municipal de ensino sofriam pela falta de desenvolvimento de
políticas públicas no âmbito do sistema municipal de ensino. Ao pertencerem ao
sistema estadual de ensino, passam pelo crivo da não valorização do ser professor
indígena pela forma como estes são “contratados” para assumirem a sala de aula, a
burocracia exacerbada do órgão central de educação para resolver as questões
locais, que merecem um tratamento mais efetivo e urgente.
A falta de diálogo entre as partes como sinaliza Repetto (2008, p.45), diálogos
construtores, que encontra neste momento a grande oportunidade de poder se
conhecerem, já que estamos trabalhando em contextos culturais diferenciados. O
outro, na sua singularidade e história de vida, povo indígena Kiriri Cantagalo em sua
trajetória histórica, (re) conquista de seu território indígena, necessidade urgente de
garantir as ações estruturantes no que diz respeito à educação, saúde, meio
ambiente, cultura e sustentabilidade de suas crianças, jovens, adolescentes, adultos,
idosos.
Ainda citando Repetto, (2008, p. 45)
Discutir educação escolar não significa apenas discutir o papel e funcionamento da escola. Nos obriga a discutir a própria concepção de Estado Nacional e de Sociedade, e assim as relações que vivem as pessoas e os grupos sociais. A escola deve caminhar no sentido traçado pela sociedade e não a pesar dela.
58
Esse é um dos pontos fundamentais na construção de uma educação que
trabalhe com as questões da diferença. Entender como é que as relações existentes
nos grupos sociais, entre as pessoas, os saberes, é mais do que necessário. A
escola na aldeia lida com dois universos diferentes: uma sociedade capitalista e
outra holística. Odair (2008).
Não podemos viver atrelados a um discurso vazio, fazendo com que exista
uma cidadania de papel Dimenstein (1987), mas a efetivação de uma escola
indígena que atenda os reais desejos da comunidade a qual pertença. De acordo
com Whan (2003, p. 72)
“Reconhecer o outro talvez seja o melhor primeiro passo. É preciso reconhecer o outro, o culturalmente diferente, pois ele existe, e está aí, à minha frente, e neste mundo globalizado do terceiro milênio, muito provavelmente ele está aí para não mais ir embora. Reconhecer é o primeiro passo para conhecer. E é só conhecendo que podemos aprender a respeitar e a lidar com as diferenças. Se pretendemos que sejamos respeitados dentro de nossas especificidades culturais devemos então, do mesmo modo, saber respeitar as especificidades do outro, e relativizar os nossos próprios valores culturais, a nossa visão de mundo”.
É perceptível entre os professores, alunos e lideranças indígenas Kiriri
Cantagalo o desejo de construir uma educação escolar indígena que fortaleça a
cultura indígena Kiriri Cantagalo, que proporcione às crianças, adolescentes, jovens
e adultos, extensivo às suas famílias, o que de fato eles lutam para que seus valores
societários, espirituais, culturais sejam mantidos, mesmo que estejamos vivendo
outra dinâmica nesse mundo pós-moderno, mas trabalhar os saberes indígenas
numa outra perspectiva, proporcionar a estes estudantes indígenas, professores e
lideranças a validação dos seus projetos. É nesse bojo da discussão que entra o que
Whan (2003) preconiza: reconhecer o outro seja o melhor primeiro passo.
Nesse reconhecimento, poderíamos entender o quanto é importante quando
somos ao mesmo tempo singular e plural. A atitude antropofágica presente no
processo histórico da educação escolar indígena do passado, não pode mais
permanecer nas práticas dessa educação no momento presente e nem projetando o
futuro.
O povo Kiriri Cantagalo, por sua Terra Indígena está localizada em uma
região do semiárido, no passado conhecido como sertão, sendo portanto índios do
nordeste, passa por outras questões de depreciação do que vem a ser índio.
59
Na década de 80, quando visitávamos a cidade de Ribeira do Pombal, e que
o atual município de Banzaê pertencia a este município, principalmente nos dias de
feira livre que acontecia na sexta-feira, encontrávamos sempre na feira um
contingente muito grande de índios que a população de Ribeira do Pombal chamava
pelo nome de “caboco da Mirandela”. Eram sempre os caboclos, nunca foram
reconhecidos a sua indianidade. No processo de retomada de seu território, o povo
Kiriri não só sofreu violência física, como também violência ao seu patrimônio
imaterial, à sua condição étnica e a desvalorização enquanto povo indígena como
um todo.
O pesquisador indigenista João Pacheco de Oliveira, organizador da Obra: A
Presença Indígena no Nordeste, Editora Contra Capa, Rio de Janeiro, 2011, na
apresentação da referida obra fala:
do desconforto e mesmo da indignação que gera num conjunto de pesquisadores a forma superficial e preconceituosa com a existência do indígena no Nordeste tem sido abordada em circuitos prestigiados e poderosos de informação, repercutindo de maneira muito negativa na naturalização e na disseminação de estereótipos seja na opinião pública, seja na formação das novas gerações de estudantes.
Questões desta natureza passa pela afirmação de Whan (2003) de que
devemos saber respeitar as especificidades do outro. São essas especificidades que
os projetos de educação escolar indígena Kiriri Cantagalo precisam ter em premissa.
A construção de projetos educacionais que nasçam das necessidades educacionais
e comunitária de cada povo indígena.
Nos estudos de Sechi (2007, p.15) no que trata da educação escolar,
O protagonismo indígena pode ser expresso pela capacidade crescente dessas sociedades exercerem o controle especialmente sobre as seguintes decisões: a) sobre o acesso e gestão dos recursos externos disponibilizados por meio da escola; b) acerca dos conteúdos e da organização curricular e; c) sobre a política de formação dos seus professores.
Essa tem sido a forma que os professores indígenas Kiriri Cantagalo estão
vivenciando no seu projeto de educação escolar. Rompendo com a burocracia do
estado como citado anteriormente, mas construindo projetos a partir de suas
necessidades enquanto povo indígena, projetos que vão desde a educação
60
ambiental a projetos de qualificação profissional, sustentabilidade, gestão do
território indígena, fortalecimento da cultura indígena entre outros.
Essa tem sido a trajetória no campo educacional que o povo Kiriri Cantagalo
tem feito. É algo que transpõe a função da escola, no entendimento da construção
de uma escola que tenha a dinâmica da circulação de conhecimentos e saberes, de
forma crítica, questionadora do sistema econômico vigente, no diálogo com outras
culturas indígenas e não-indígena.
Concluindo esse capítulo, as trajetórias que foram construídas ao longo do
processo histórico no contexto da Educação Escolar Indígena no Brasil, na Bahia e
no Município de Banzaê serviram para dar sustentação a todo processo de luta no
momento atual. Existe toda uma legislação específica para a educação escolar
indígena, como já foi citado anteriormente, e os desafios que são postos no contexto
da educação escolar indígena são inúmeros, entre eles podemos citar: a
universalização da Educação Básica no contexto da Educação Escolar Indígena
desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, a garantia da formação inicial e
continuada de professores, a oferta de cursos de pós-graduação (especialização,
mestrado e doutorado) o fortalecimento da produção de material didático específico
e diferenciado para todas as etapas da Educação Básica e suas modalidades.
61
IV – As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri
Cantagalo
Foto 4 – crianças Kiriri Cantagalo
Neste capítulo apresentamos de que forma os professores e as professoras
indígenas Kiriri Cantagalo desenvolve as suas práticas de leitura, que materiais tem
sido utilizados e como essas práticas dialogam com os vários aspectos da cultura
indígena Kiriri, sua cosmologia, propondo num primeiro plano o que vem a ser a
leitura e letramento, como essa acontece na educação e especificamente como se
dá essas práticas na escola indígena.
Leitura e Letramento: considerações
“A gente lê diferentes textos, de diferentes formas, Com diferentes objetivos, em diferentes ocasiões,
E tudo isso é leitura. E quando o professor consegue encantar o leitor
Você pode dizer: a leitura dele tem reflexos na sala de aula”.
Ângela Kleiman
A oportunidade de refletir sobre as questões de leitura e letramento a partir de
um trabalho de pesquisa que aborde práticas de leitura realizadas por professores e
professoras indígenas no contexto do semiárido da Bahia é um trabalho de
vanguarda, desafiador, uma vez que rompe com as concepções já estabelecidas,
62
com paradigmas, proporcionando e possibilitando práticas de leitura que tem o
contexto da aldeia, as histórias e culturas de cada Povo Indígena como ponto de
partida.
Para iniciarmos tal empreitada, iremos partir de reflexões acerca da leitura de
forma geral, para em seguida elucidarmos as questões relacionadas ao letramento e
como essas práticas tem sido desenvolvidas no cerne da educação escolar
indígena, para nos capítulos subsequentes trabalharmos as questões
sobre as práticas de leitura dos/as professores/as indígenas Kiriri Cantagalo.
De acordo com Perrotti, (2007 p. 2) a leitura é uma experiência interior
magnífica, uma forma importantíssima e insubstituível de sentidos, de significados,
um complexo e esplêndido jogo entre o texto e o leitor.
Esse jogo entre o texto e o leitor, que sendo descortinado de várias formas, e
essas várias formas, é de como a leitura vai sendo feita, vai sendo construída, não
somente na presença e na existência de um livro, mas outros suportes.
Sendo então a leitura essa experiência interior magnífica, citando novamente
Perrotti (2007, p. 2)
“É preciso reconhecer a leitura que conta, aquela que efetivamente toca, toma, agarra, essa constitui um espaço/tempo interior esplêndido, com características distintas do mundo físico, concreto, objetivo, em que nos movemos: memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções, sensibilidade são algumas das forças mobilizadoras dessa leitura que configura uma experiência única e inigualável. Se gostamos, se somos arrebatados pelo texto, a viagem interna é grande e, como se diz com frequência, esquecemos o mundo”.
Leitura visto nesta ótica como uma viagem, que acontece em um
espaço/tempo, que envolve memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções e
sensibilidades, pois quem não se lembra das histórias ouvidas na infância, vivas
ainda em nossas memórias, nas viagens literárias que sempre fizeram presentes em
nossas vidas. E essa concepção de leitura como algo que busca dentro de cada um
nós essas experiências, nos envolve de desejos e emoções, sentimentos de
saudade e de experiências tão diferentes entre si, na subjetividade de cada um.
Dessa forma, a leitura aqui se apresenta como algo livre, que acontece na
vida da gente, sem se preocupar com o objetivo de fazê-la num prestar de contas,
quando essa é realizada no espaço escolar.
63
Leitura e leituras que são realizadas no silêncio de nossos sentimentos, mas
também nos sons reais ou imaginários de nosso tempo e de nosso espaço, dentro
de um pertencimento de quem só tem a sensibilidade de ver que em uma folha de
papel em branco existe o encantamento do convite de fazer coisas nunca
imaginadas, que não será tão somente uma folha de papel em branco, ou olhar para
o céu e se permitir a realizar as várias “leituras” que se foram em um dia em que
nuvens estejam presentes estas são castelos, animais, reis e rainhas, mas se a
noite chega, contar estrelas pode ser outras leituras de um mesmo espaço, mas
diferente em seus aspectos.
A leitura que entra em nossa de infância, com os jogos e brincadeiras de
antigamente, das frutas que viravam animais, da galinha que aparecia no terreiro
cheio de pintinhos, ou nas histórias de assombração que os mais velhos contavam e
que as crianças no seu mundo imaginário “morriam de medo”. No castelo que se
construía, no circo que chegava e que misteriosamente ia embora, do tempo das
férias, dos primeiros amores, da velhice relembrando a juventude, dos livros que
chegaram com as suas ilustrações e as “primeiras palavras” que começamos a “ler”,
“decifrar” “decodificar”.
A leitura feita dessa maneira, traz em sua essência o que de fato se propõe,
na afirmação de Verdini (2007, p. 29):
“Desde que nascemos, diferentes situações nos põem em contato com as palavras. Elas vão sendo ensinadas para que possamos nomear, reconhecer, dar sentido ao mundo onde vivemos e que temos necessidade de apreender e desvendar”
São essas situações do dia a dia como ir ao supermercado, à feira, ir a um
culto religioso, fazer uma viagem, assistir a um programa de televisão nos põe em
contato com as palavras, com os textos, e dessa forma podemos ir desvendando o
mundo onde vivemos, fazendo as várias leituras nas “linhas e entrelinhas”.
A leitura percebida dessa maneira, é totalmente o contrário da leitura, ou
melhor, das práticas de leitura que acontecem no contexto escolar, é em um outro
aspecto. Continuando no pensamento de Verdini (2007, p. 29):
Quando iniciamos o aprendizado do signo escrito o que percebemos muitas vezes é um distanciamento dessa mobilização que nos toma por inteiro, em favor de uma decifração mecânica dos signos. A vida, os afetos, a sensibilidade, a inteligência desaparecem, trocados pela ação monótona de sílabas, palavras, frases, parágrafos, textos descolados do mundo e da
64
realidade que lhes dão sentido. A sala de aula deixa de ser um espaço para leituras significativas, tornando-se local de exercícios de linguagem vazios e compulsórios, que aborrecem e muitas vezes atemorizam as crianças.
Essas práticas, ainda presentes na escola nos dias de hoje, tem trazido
consequências negativas na formação dos alunos, quando estes são convidados a
serem leitores. De fato, a forma como a leitura é trabalhada no contexto escolar, fica
em sua maioria refém de práticas obsoletas, onde a pedagogização desconsidera a
natureza específica da leitura que é o ato comunicacional. Perrotti (2007, p. 13).
Ao assumirmos uma postura que é totalmente contra a pedagogização da
leitura, entendemos que só uma pedagogia cultural é capaz de resgatar o
conhecimento, livrá-lo da pedagogização medíocre e obtusa. Sem tal pedagogia,
não há senão fragmentação, especialização, formalização inócua. E vazio. Perrotti
(2007, p. 13).
Essa mudança de postura está intrinsecamente relacionada a práticas de
leitura que sejam construídas em outros olhares, outras concepções, porque num
sentido amplo, a leitura desponta junto com a própria existência (Verdini, 2007), nos
convidando a um processo de mobilização de nossa curiosidade, de nossos
sentidos, de nosso ser por completo.
Dessa forma, toda leitura acontece num espaço e este não é vazio nem de
matéria, nem de significados (Taralli, 2007). Esse espaço em que acontece a leitura
é a própria vida, sendo extensiva para os outros campos da ação humana, ocorrerão
as trocas significativas, trocas interpessoais, pois ler é uma forma de relação com o
mundo, consigo mesmo e com outros modos da cultura escrita (Gozzi, 2007). Essa
forma de entender a leitura, principalmente no contexto escolar, Perroti (2007) nos
instiga, nos fazendo a segunda pergunta: o que queremos promover nas escolas?
hábitos de leitura ou o ato de ler ?
De acordo com esse autor Leitura “(...) a decifração mecânica de sinais, é
atividade totalmente diversa da ação voluntária sobre a linguagem implicada no ato
de ler. Hábitos estão ancorados na repetição mecânica de gestos; atos, na opção,
no exercício da possibilidade humana de articular o agir ao pensar, ao definir, ao
escolher” Perrotti (2007, p. 33).
Ao refletirmos sobre as questões postas até aqui, é necessário que aconteça
uma intervenção nas práticas pedagógicas confinadoras (Gazzi, 2007), pois estamos
vivendo em um tempo da pós-modernidade, onde as relações com o conhecimento
65
são outras, não existe mais um só tipo de conhecimento, numa visão eurocêntrica,
excludente, mas sim conhecimentos diversos, inclusive os etnoconhecimentos e
etnosaberes.
O que ilustra tal afirmação é a forma como os programas de leitura
desenvolvidos pelos órgãos governamentais no Brasil são realizados e implantados.
Existe no âmbito do MEC um programa nacional de distribuição de obras literárias
de gêneros variados que é denominado de Programa Nacional de Biblioteca Escolar
– PNBE, que é destinado às escolas públicas de todas as esferas do Brasil. Os
acervos são entregues às Unidades Escolares, mas não existe junto a essa ação um
momento de formação para todos os professores das respectivas unidades
escolares. Então, tais obras literárias não são trabalhadas da forma que deveriam,
tendo uma visão “limitada”” do que é o trabalho de leitura no contexto escolar.
Encontramos professores solicitando aos alunos que façam a leitura das obras
literárias desses acervos, para depois entregarem um resumo, um fichamento do
texto lido. Não havendo uma potencialização deste programa nas unidades
escolares. Abaixo trazemos o relato de três experiências acerca do trabalho com a
leitura em espaços distintos: a escola, a comunidade, associações, sindicatos etc. O
que diferencia essas experiências da ação do MEC/PNBE é a forma como foram
executadas, pensadas, trazendo em seu contexto o processo de formação, reflexão,
possibilidades para a construção do leitor.
Na década de 90, foi implantado em todo o Brasil um programa nacional de
incentivo à leitura, o PROLER, com uma política voltada para a formação de
pessoas, não falamos aqui de professores, mas sim, de pessoas que gostariam de
trabalhar com atividades/ação de leitura em diversos espaços e contextos. O
programa envolvia profissionais de diversas áreas, estava sob a coordenação da
Biblioteca Nacional / Casa da Leitura.
Uma outra experiência bastante significativa que foi desenvolvida na região
do sisal, aqui no Estado da Bahia através do Movimento de Organização
Comunitária – MOC, foi o Projeto Baú de Leitura. Esse projeto nasceu no ano de
1999 com o objetivo de proporcionar momentos de alegria, de leitura e reflexão a
milhares de crianças e adolescentes que não tinham oportunidade de fazê-lo
prazerosamente, junto a população excluída do semiárido baiano.
No âmbito da Secretaria da Educação do Estado da Bahia foi desenvolvido o
Projeto “Tecendo Leituras”, no período de 2003 a 2006, tendo como objetivo
66
promover a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos na educação básica
da rede pública do Estado da Bahia, através do fortalecimento da prática da leitura
como condição indispensável à sua formação e ao exercício da cidadania. Esse
projeto envolveu professores não-indígenas sendo que teve uma pequena
participação de professores indígenas que lecionavam no ensino fundamental 1ª a
4ª série.
Essas experiências, procuraram desenvolver a leitura em seu aspecto amplo,
reflexiva, exigindo a formação de profissionais qualificados para o trabalho não só no
contexto escolar, mas na comunidade, nas associações, em vários espaços.
A leitura na escola deve ter um outro significado, não a sua pedagogização,
pois de acordo com Borba (2006, p. 23) as crianças devem ler e escrever na escola
não para codificar/decodificar sons e letras e vice-versa, mas porque se lê e se
escreve fora da escola e para escrever e ler fora da escola, na vida.
Pode-se que já foi muito discutida no final da década de 80, no contexto da
educação brasileira que é a alfabetização. Num país marcado por um longo período
de ditadura militar, onde a educação básica era influenciada pelas ideias positivistas,
numa concepção tecnicista, a alfabetização era desenvolvida numa perspectiva
apenas de decodificação de sinais gráficos, considerada apenas como uma etapa
anterior à 1ª série. Com os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, chegam ao
Brasil às ideias relacionadas à Psicogênese da Língua Escrita. Não iremos discutir
neste trabalho o que preconizava tais ideias, mas afirmar que a partir da presença
das mesma na educação brasileira, caminhos novos começaram a serem trilhados.
No que diz respeito ao ensino da leitura, os estudos de Ferreiro e Teberosky,
trouxeram discussões importantes, e uma mudança de comportamento entre os
professores brasileiros, principalmente nos professores alfabetizadores. Essas
mudanças, foram discutidas em cursos, seminários, congressos, fóruns, colóquios,
cursos de formação para professores, desenvolvidos pelo próprio Ministério da
Educação, Universidades, Secretarias estaduais e municipais de educação. De ato
mecânico da alfabetização, esta passou a ser entendida como processo. Ferreiro
afirmava que só se aprende a ler lendo, e que só se aprende a escrever escrevendo.
O desenvolvimento de propostas educacionais que valorizavam a leitura
enquanto prática social começaram a ser difundidas entre os professores das
escolas brasileiras e nesse sentido as concepções acerca da leitura começaram a
ter um outro entendimento.
67
Letramento: conceito e implicações
No avanço do tempo, e na perspectiva de discutir questões relevantes sobre a
alfabetização e o ensino da leitura no Brasil, surge questões em torno de se
trabalhar na escola, as práticas de letramento.
Segundo Matencio (2004 p.24) os estudos sobre o Letramento começaram a
ganhar força, no Brasil, por volta de 1990, com trabalhos que buscavam
compreender tanto “o impacto social da escrita” (cf. KLEIMAN, 1995) quanto a
inserção dos sujeitos no universo da palavra escrita.
Algumas das obras que mais fortemente incentivaram, no Brasil, entre
meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, uma reflexão interdisciplinar acerca
da produção/recepção de textos falados e/ou escritos – do uso da língua(gem),
portanto – e de seu ensino/aprendizagem, nas diferentes áreas às quais se fez
referência, são as seguintes: Geraldi (org), 1984; Gnerre, 1985; Kato, 1985, 1986;
Kleiman, 1989, 1992; Koch & Travaglia, 1990; Koch, 1989; Soares, 1988; Orlandi,
1987, 1988; Pécora, 1986.
Em relação às questões de letramento nas escolas indígenas, a crítica que se
faz é a forma como a escrita chegou às comunidades indígenas e os seus impactos
desde a colonização. Então ao invés de falar em letramento na acepção das escolas
não-indígenas, no contexto da educação escolar indígena fala-se em letramento
cultural e intercultural.
De acordo com Borba (2006, p. 23), trabalhar na perspectiva do letramento, é
necessário:
Que os espaços escolares contenham materiais escritos, diversificados, com diferentes suportes: jornais, livros, revistas, embalagens, televisão, telas de computador, entre outros, e tipos de textos variados: poesia, contos tradicionais, histórias em quadrinhos, biografias, tiras de humor, propagandas, textos científicos e informativos, mapas, tabelas, entre outros.
Portanto, letramento segundo Kleiman (1995) é um conjunto de práticas
sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em
contextos específicos, para objetivos específicos.
E qual é a diferença entre alfabetização e letramento?
Para responder tal questão, Soares (2003) traz essa distinção. Para a autora
alfabetização corresponde ao processo de aquisição de uma tecnologia, a escrita
alfabética e as habilidades de utilizá-la para ler e para escrever. Já letramento
68
relaciona-se ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita. A autora
afirma que em relação à leitura na perspectiva do letramento (...) não pode ser
associada apenas à atividade de decodificação de textos e que uma vez que o aluno
se alfabetize, ele poderá ler qualquer texto.
Então, o ensino de leitura centrado no desenvolvimento da habilidade de
decodificação/decifração do texto escrito, relaciona-se a um tipo específico de
letramento: o escolar. Albuquerque, Ferreira; Morais (2006). Essas autoras para
ilustrar tal evidência retoma a Kleiman (1995 p. 20) que diz:
A escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, naco com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes.
Nessas questões, o letramento escolar relaciona-se, segundo a autora, com o
que Street (1984) denomina-se de modelo autônomo de letramento. Essa
concepção pressupõe que “há apenas uma maneira de o letramento ser
desenvolvido, sendo que essa forma está associada quase causalmente com o
progresso, a civilização, a mobilidade social.” (KLEIMAN, 1995b p.21). Os autores
que se enquadram nesse modelo (HILDYARD; OLSON, por exemplo) “defendem
que os sistemas educacionais se justificam por desenvolverem uma competência
intelectual que, de outro modo, não seriam amplamente desenvolvida, e isso
justificaria a vasta expansão desses sistemas no ocidente.” Albuquerque, Ferreira;
Morais (2006, p. 28).
A esse modelo autônomo, Street (1994) contrapõe o modelo ideológico, “que
afirma que as práticas de letramento no plural, são social e culturalmente
determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um
grupo social dependem de contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não
pressupõe, esse modelo, uma relação causal entre letramento e progresso ou
civilização, ou modernidade, pois em vez de conceber um grande divisor entre
grupos orais e letrados, ele pressupõe a existência, e investiga características de
grandes áreas de interface entre práticas orais e práticas letradas.” Kleiman (1995,
p. 21).
69
No tocante à leitura e o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e
escrita, Mattos (2006, p.51) afirma:
Deve-se em primeiro lugar, compreender o fenômeno do letramento e as relações entre práticas orais e escritas de produção de texto. Tal competência implica, por parte do professor, o uso consciente da linguagem nas situações de interação como também sua inserção no universo da escrita letrada como objeto de estudo. Isto significa afirmar que os professores devem fortalecer seus conhecimentos quanto ao que ensinam e quanto aos modos como ensinam.
Essa afirmação, traz em seu contexto o que de fato é ensinar leitura na
escola, percebendo a relação entre quanto ensinar e aos modos de como ensinar.
Seria no caso, um trabalho de introspecção da prática docente praticada em sala de
aula. Surge então a necessidade de olhar para a prática docente e perceber o que
fato precisa ser modificado, de que forma o professor concebe o que é leitura,
alfabetização e letramento.
Pois o ensino da leitura no contexto escolar tem apresentado problemas por
parte da formação de professores, da estrutura física das escolas, dos materiais
disponíveis, da forma como práticas compulsórias ainda persistem, pois devemos
entender que leitura é um processo cognitivo, histórico, cultural e de produção de
sentidos.
Nessa relação, está uma figura do leitor, que é um sujeito que atua
socialmente, construindo experiências e histórias, que compreende o que está
escrito a partir das relações que estabelece entre as informações do texto e seus
conhecimentos de mundo, ou seja, o leitor é sujeito ativo do processo, na leitura não
age apenas decodificando, isto é, juntando letras, sílabas, palavras, frases, porque
ler é muito mais do que apenas decodificar. Ler é atribuir sentidos. E, ao
compreender o texto como um todo coerente, o leitor pode ser capaz de refletir
sobre ele, criticá-lo, de saber como usá-lo em sua vida.
Mas a história da chegada da leitura na vida de determinadas pessoas não
aconteceu de forma prazerosa, acolhedora. Foi um direito negado, determinado,
controlado. E isso quando a leitura não era usada como forma de humilhação,
castigo, dominação, e esta geração que vem dos anos 60, 70 e 80 passaram por
experiências traumáticas envolvendo a leitura e a escola. O acesso a livros e outros
materiais de leitura não tinha a facilidade dos dias de hoje, além de outros fatores
socais e de ordem cultural.
70
Assim, de acordo com Cafiero (2010, p. 87) para ilustrar tal afirmação, o autor
traz a seguinte evidência:
Um trauma que muito de nós carregamos são as leituras apressadas ou mal orientadas, feitas em nosso tempo escolar, de textos como os de Machado de Assis ou os de José de Alencar. Como ler esses autores clássicos da literatura sem saber que são eles, em que época escreveram, como era a sociedade que eles retratavam ? A não compreensão pode gerar a aversão.
E foi dessa maneira que muitas experiências de leitura e também de escrita
foram desenvolvidas nas escolas Brasil afora. Ouvimos relatos de alunos que
quando faziam qualquer “coisa errada”, a professora convidava para que eles
abrissem os livros onde tivessem os maiores textos, e aí vinha a proposta de
trabalho: copiar no caderno texto na íntegra, ou então, “decorar” o texto para dar a
lição. Em outras situações, a professora escolhia os textos que apresentavam o
maior nível de dificuldade de entendimento, propondo aos alunos que executassem
as suas tarefas de leitura, trabalho feito sempre de forma isolada sem diálogo com
os outros campos do conhecimento.
Citando novamente Cafiero (2010 p.96):
O desafio das séries que se sucedem às de alfabetização é o de fazer os alunos lerem compreensiva e criticamente textos cada vez mais longos, de vários gêneros, de diversos temas, com frases e períodos complexos. Esse desafio pode ser encarado com o ensino sistemático de estratégias de leitura. Estratégias são ferramentas cognitivas, mas que podem ser desenvolvidas por meio de atividades sistemáticas e bem planejadas. Bons leitores utilizam estratégias que lhes permitem ler tirando o máximo de proveito e economizando recursos cognitivos.
Tais questões, nos colocam no repensar das práticas de leitura construídas
no contexto da escola. O trabalho bem planejado da leitura, envolvendo o leitor em
todas as suas fases de desenvolvimento e níveis de entendimento é mais do que
necessário. Mas a postura de uma escola que trabalha a leitura de forma imposta,
compulsória precisa ser combatida como já foi dito anteriormente no corpo deste
trabalho. Assim, o que é que acontece quando continuamos trabalhando a leitura de
forma imposta. Silva, Martins (2010, p. 27-28) elucida que:
Diante das imposições, surgem com freqüência, leitores partidos, poucos proficientes em relação às leituras consumidas no cenário das escolas brasileiras contemporâneas. Partidos porque, em meio a uma grande quantidade de fragmentos de textos, poucoreelaboram daquilo que lêem. Pouco proficientes porque, na urgência do tempo pedagógico, quase nada sobra para exercerem a prática intensiva da leitura.
71
Quando falamos de leitura, das práticas que são construídas no dia a dia das
escolas, de rever essas práticas impostas, dos leitores incompletos como sinaliza
Silva, Martins (2010), porque o que se propõe é rever os caminhos que foram
construídos até o presente momento, os estudos teóricos, rever os desafios que são
postos, entender que:
Ao longo da vida, as experiências de leitura de uma pessoa serão diferentes, dentre outros fatores porque seu conhecimento de mundo terá mudado. Portanto, a releitura de um texto metafórico ou simbólico, ou irônico poderá suscitar diferentes percepções e interpretações em momentos distintos. Nesse sentido, o processo de formação de leitores é também um processo de formação para a percepção do mundo a partir dos textos escritos e para além deles.
Assim, propõe-se o entendimento do trabalho da leitura em entendimento da
leitura de mundo, da vida, dos sentimentos, construindo prática escolares
libertadoras, leitura de outras leituras.
As “práticas de letramento” quando discutidas em contexto indígena a partir
dos projetos de educação escolar que se instalam nos diversos contextos de povos
e culturas em todo o Brasil, tendem a ser analisadas, por parte de diversos
estudiosos que se dedicam à temática, a exemplo de antropólogos, linguísticas,
pedagogos, principalmente, tendo como campo privilegiado as questões
relacionadas à oralidade e a aquisição da escrita, sobretudo no contexto de povos
indígenas onde a marca da oralidade é marcante. As discussões tendem a
privilegiar, conforme D’Angelis (1997, p. 14) três grandes eixos: “a escrita e os povos
indígenas; o texto e a leitura na escola; a escrita e a tradição oral; limites e
possibilidades da autonomia de escolas indígenas”. Atrelado a essas questões
temos as que dizem respeito às práticas de bilinguismo e multilinguismo em contexto
de educação escolar que atravessam, em grande parte, as discussões maiores obre
educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural.
As práticas de leitura na Escola Indígena Kiriri Cantagalo
O grande aumento de propostas por educação escolar indígena diferenciada
tem se mostrado propício para o “debate crítico, para a reflexão teórica e política,
para a análise fundamentada em conhecimento detalhado de casos concretos, em
pesquisas documentais, em etnografias de processos e situações específicas,
72
porém muito diversificadas SILVA (2004, p. 11). Se o aumento crescente por
educação escolar indígena tem produzido debates críticos sobre determinadas
questões, especialmente as relacionadas à oralidade e escrita, poucas pesquisas
tem sido realizadas no sentido de compreender etnograficamente e criticamente os
processos e práticas de leitura de professores indígenas no contexto de suas
experiências de educação escolar.
Não pretendemos afirmar que em contexto indígena as práticas de leitura e
ensino de leitura se limitem ao espaço da educação escolar. O que pretendemos
diante da valorização que a escola passa a ter em contexto indígena, inclusive entre
os Kiriri Cantagalo é refletir sobre a leitura e o ensino da leitura enquanto prática de
letramento, para melhor compreender o papel e o sentido da escola entre os Kiriri
Cantagalo.
E nesse sentido que apresentamos as representações que os professores
Kiriri Cantagalo tem acerca da leitura, trazendo antes o conceito de representação
que está sendo utilizado nesse trabalho.
NETO (2009 p.61) nos diz que representações, enquanto práticas de
significação que se materializam através da linguagem, sendo essa forma o conceito
que os professores Kiriri Cantagalo tem do que vem a ser leitura e práticas de
leitura, sendo então as representações como sistemas de significação que usam a
linguagem para se materializar, por um lado, e que constroem identidades, por
outros.
Ainda citando NETO (2006 p.68) compreender o processo que envolve as
representações e as identidades construídas a partir delas, há, por um lado, que se
compreender o jogo de poder existente entre representador e representado, e por
outro, considerar os processos que levam à naturalização das referidas
representações.
Dessa forma, apresentamos os excertos das entrevistas que foram realizadas
com os professores indígenas Kiriri Cantagalo, analisando as representações que
estes professores trazem acerca da leitura e das práticas de leitura.
Excerto 1
Assim, quano eu falo de leitura, não é só ler textos nos livros didáticos, e sim ler o
nosso ambiente, as árvores, os animais, as plantas, então isso é também um tipo de
leitura também. (Nailza, professora Kiriri Cantagalo, 23.04.12)
73
Excerto 2
Excerto 3
O excerto 1 indica que a professora tem consciência de que a leitura não é
algo que é feito utilizando somente nos livros, ampliando para o conceito de leitura
na visão de Paulo Freire, as questões da “leitura de mundo”. As várias formas e
O excerto 1 indica que a professora tem consciência de que a leitura não é
algo que é feito utilizando somente material impresso (livros, revistas, cartilhas etc.),
ampliando para o conceito de leitura enquanto “leitura de mundo, leitura da vida”. As
várias formas e possibilidades de leitura as quais a professora apresenta e que
essas várias formas estão presentes no que vem a ser de fato a leitura, o significado
e conceito que ela assume para a professora Nailza. Adentrando para os aspectos
importantes de que esse ambiente da qual a professora retrata é um ambiente
possível de várias leituras, o território da aldeia, formado pelos animais, plantas,
pessoas, habitações, percebendo as relações que são construídas no dia a dia e
que todas as formas de leitura estão presentes.
É notório que quando a professora traz essas questões, definindo o que é
leitura para a sua pessoa, essa visão se amplia nas relações que são construídas no
dia a dia, na forma de viver e sobreviver do povo Kiriri Cantagalo. Por esta
professora residir na Aldeia Baixa da Cangalha, que passou por todo o processo de
retomada do Território Indígena Kiriri. Que essa leitura está presente não só nos
livros didáticos, mas nas questões do que é de fato ler, das representações, da
cosmologia ou seja da visão de mundo que essa professora traz para a sua prática
Ler pra mim hoje é fundamental né, porque abre novas expectativas, novos horizontes,
dá novos ideais, faz a gente viajar né, dá novos pensamentos, a partir dela é que a
gente começa a mudar nossa visão, nosso modo de ver as coisas e abrange mais
nossos conhecimentos. (Jozilene, professora Kiriri Cantagalo, 24.04.2012)
A leitura e a escrita pra nós povos indígenas já vem desde a criança é... é... essa
relação com a leitura pra nós... já vem desde o nascer, já vem... é... ta ali no trabalho
comunitário, tá ali no... no... batalhão, tá ali ajudando outro parente na roça, ta ali é...
envolvendo na... no ritual, na crença nossa, nas convivências com os nossos avós, ali
na hora da janta, do almoço, na hora da convivência com a família, isso eu percebo,
percebo hoje que a leitura é isso, a relação com a leitura é isso. (Davi, professor Kiriri
Cantagalo, 23.04.2012)
74
docente e que permite ampliar o significado do que é leitura, dos caminhos
percorridos.
Assim a forma como ler o ambiente, o processo de interação do homem com
o ambiente, o que de fato encontra nesse ambiente, que relações são construídas,
desconstruídas e fortalecidas. O ambiente que se desdobra nas árvores que estão
presentes no dia a dia desse povo, que são utilizadas em várias atividades da
própria Aldeia, a relação íntima com a natureza, com o ser índio. Seria essa a forma
de conceber a leitura, partindo daquilo que conhecemos, do que é local indo em
direção ao global, ler outras coisas, outras relações. Pois a partir dessa concepção
do que vem a ser leitura, estabelece as relações entre os próprios índios e uma
relação com os não-índios.
A leitura dos vários tempos, das estações do ano, de quem chega e quem vai
embora, do tempo da fartura e da dificuldade. Os vários tipos de leitura que podem
serem feitas, e que isso pode chegar até a sala de aula, envolver os alunos, como
foi observado em suas aulas, a leitura de mundo que cada aluno trás e que partilha
com os outros alunos, os seus saberes.
A professora traz em sua concepção sobre o que leitura a ideia de que a
leitura parte da realidade vivida no dia a dia da Aldeia. Realidade essa que é
permeada pelos contos, lendas, mitos, pelas histórias dos mais velhos, pelo
encantamento com a cultura indígena. Histórias que são contadas e partilhadas.
No excerto 2 a professora Josilene enfatiza sobre a importância da leitura
para a sua vida pessoal e profissional, tendo um entendimento muito claro na
relação de leitura e construção de conhecimentos, trazendo a concepção de leitura
no sentido amplo, de que através da leitura pode-se fazer viagens, abrir novas
expectativas, começa a ter uma visão diferente das coisas, do mundo.
Seria então uma outra forma de representação de leitura para os professores
indígenas Kiriri Cantagalo, pois o excerto 1 tem uma relação muito forte com o
excerto 3, que traz a relação de leitura com as questões do local, com o dia a dia. Já
o excerto 2 enfatiza uma relação de leitura com o poder, um certo empoderamento
de que a concepção de leitura apresentada pela professora está ligada intimamente
às questões de conhecimentos. Esse entendimento de que a leitura passa a ter em
uma comunidade indígena, das questões ligadas à criticidade e as várias formas de
ler o mundo, no sentido abrangente, não ler somente o mundo circundante, mas na
mudança da visão do que vem a ser leitura.
75
Quando o professor Davi, no excerto 3 enfatiza que a leitura para os povos
indígenas vem desde do nascer, e que se amplia nas várias atividades que são
desenvolvidas no dia a dia da Aldeia, fica claro para esse professor qual é a
representação de leitura construída. Seria de fato uma representação de leitura que
tem início na relação dos sujeitos com as suas formas de ver e compreender o
mundo, de partilhar esses saberes. Não é uma visão superficial do que vem a ser
leitura, mas sim, uma visão de leitura dentro de aspectos da subjetividade. São
formas de ver o mundo, de fazer a leitura de mundo, de poder entender que a leitura
se amplia, se constitui a partir dessa relação com o que de significado tem para um
povo indígena.
É uma leitura que acontece em um contexto específico e que tem imbricações
com as relações sociais e de poder do povo Kiriri Cantagalo. Leitura enquanto ato
coletivo, de fortalecimento das relações. Leitura presente nas atividades de
sobrevivência econômica desse povo, mas também leitura aberta para as questões
de religiosidade que é a leitura que pode ser feita dos rituais, da crença, leitura da
valorização dos mais velhos, no momento de ouvir os conselhos, aprender com a
experiência, leitura enquanto ato solidário, de poder partilhar com o outro a hora do
almoço, da janta, da convivência com a família.
Aprofundando as questões, fica evidente de que as representações a respeito
da leitura evidenciadas pelos professores Kiriri Cantangalo perpassa pelo sentido do
pertencimento, da construção de uma identidade, pela valorização da cultura, pelas
relações com outros aspectos presentes no dia a dia desse povo, a exemplo de sua
organização social, seu processo de luta, suas conquistas, a forma como organiza
os conhecimentos e saberes e como lida com isso tudo.
O sentido maior de compreender estas representações está no fato de que
quando foram observadas as aulas desses professores, e agora estamos falando de
práticas de leitura, o cenário muda, assim como muda também a forma como essas
concepções de leitura desses professores acontecem em suas aulas.
Num primeiro momento, trabalhamos com as representações dos professores
Kiriri Cantagalo acerca do que é leitura, analisando as falas desses professores em
excertos retirados das entrevistas. Assim, ao analisarmos as práticas de leitura
desses professores iremos utilizar excertos da mesma entrevista que foi realizada
com esses professores. Quando perguntávamos aos mesmos sobre as suas
práticas de leitura em sala de aula.
76
Excerto 4
A fala da Professora Nailza corrobora com os pressupostos de uma política
de incentivo à leitura. Interessante perceber que a professora não desenvolve a sua
prática de incentivo à leitura com os seus alunos e alunas de forma mecânica. É
perceptível que a mesma procura antes de mais nada envolver os seus alunos em
um olhar para o que está ao seu redor. Tem no diálogo o início de toda a sua
prática, de seu trabalho.
Poderíamos então entender que esses leitores (alunos/as e professora) estão
imbricados em uma história de leitura. Dessa forma todo leitor tem sua história de
leitura e, portanto apresenta uma relação específica com os textos, com a
sedimentação dos sentidos de acordo com as condições de produção de leitura em
épocas determinadas. Nunes (2003 p. 25).
Nesse sentido, entendemos que o desenvolvimento de práticas de leitura em
contextos de tradição oral perpassa por um outro olhar. Assim, daí dizermos que a
leitura é uma prática social e, por isso mesmo, condicionada historicamente pelos
modos da organização e da produção da existência, pelos valores preponderantes e
pelas dinâmicas da circulação da cultura. Silva (2009 p. 23).
Então, essas práticas de leitura que são desenvolvidas em um contexto da
educação escolar indígena estariam permeadas de significados, de outros olhares e
de entendimentos numa dinâmica maior da busca de sentido. O que seria de fato
leitura enquanto ampliação do olhar, partindo do conhecido para o desconhecido,
para o outro, em direções diversas.
Nas palavras de Isabel Solé (1998, p. 90):
Ler é muito mais do que possuir um rico cabedal de estratégias e técnicas. Ler é sobretudo uma atividade voluntária e prazerosa, e quando ensinamos a ler devemos levar isso em conta. As crianças e os professores devem estar motivados para aprender e ensinar a ler.
Assim, através do diálogo né, eu sempre to incentivando eles a lerem, né, lerem
coisas do ao nosso redor, tanto no nosso grupo, na área indígena, como também ler
outras coisas né.. do mundo, do mundo que a gente vive não indígena. (Nailza,
professora Kiriri Cantagalo, 23/04/2012)
77
Seria então esse o papel da leitura em nossas vidas, pois de acordo com
Solé, as questões do ato de ler ultrapassa o ato mecânico de decodificar sinais
gráficos ou a eles dar um sentido. Nessa relação a professora Nailza nos faz
entender a relação existente entre o mundo indígena e o mundo não indígena e as
formas diversas de leitura presentes nesses contextos tão próximos e tão distantes,
em práticas de diálogos interculturais que podem ser estabelecidos.
Excerto 5
As reflexões acerca das práticas de leitura desenvolvidas pela professora
Jozilene se encaminha para outros olhares. Partindo da questão inicial de que a
leitura é algo que tem que ser bem praticada, a leitura tem que ser uma atividade
significativa, encarnada na vida do professor. Silva (2009, p.65)
A proposta de leitura desenvolvida pela professora Jozilene parte do
pressuposto de que os alunos tem que estarem envolvidos com o ato de ler, com a
leitura. É interessante perceber que numa prática de leitura em um contexto
intercultural como é o caso da escola indígena, que envolvimentos seriam esses?
Teria então as práticas de leitura outros significados?
A oportunidade em querer dar a cada aluno e aluna, de ter “chances” de
mostrar mais a sua criatividade é um outro ponto importante na fala da professora,
pois a autonomia do leitor depende de uma transformação das relações sociais que
sobre determinam a sua relação com os textos. Certeau (2012, p.244). Essas
relações sociais, estão imbricadas na educação escolar indígena em um outro
patamar que é a relação entre a teoria e a prática, uma das preocupações da
professora Jozilene quando reporta às suas práticas de leitura com os seus alunos e
alunas.
As práticas de leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri
participantes ou não deste trabalho de pesquisa, nos motiva a entendermos que a
Bom, eu, pra mim mesmo eu gosto de praticar bem a leitura. No caso eu procuro
propor aos alunos a leitura, envolver eles com a leitura, eu gosto mais de dar
oportunidade a eles de ter chance de mostrá-lo algo mais a sua criatividade, no caso
não se prender somente na leitura teórica, mostrar na prática também, praticar no
caso. (Jozilene, professora Kiriri Cantagalo, 24/04/2012)
78
leitura é vista num sentido amplo, sendo que o caráter coletivo da leitura que a
escola patrocina pode também recuperar o caráter coletivo e socializado de práticas
socais de leitura e de escrita. Lajolo (2009, p.106) num entendimento do que é
tornar-se bons leitores e escritores no contexto de suas aldeias, de suas
comunidades.
Assim, de acordo com o RCNEI (p. 140-144) os alunos indígenas juntamente
com os seus professores e em suas escolas indígenas desenvolvem as suas
práticas de leitura e letramento utilizando para isso: contos, crônicas, histórias,
relatos, receitas, bulas, rótulos, manuais de instrução, regulamentos e listas,
bilhetes, cartas, radiogramas, atas e ofícios, questionários, formulários e
documentos pessoais, textos de jornais e revistas, textos de cartazes, folhetos
publicitários e propagandas, textos científicos, projetos e textos legais.
No contexto de uma sociedade intercultural, existem os outros textos
presentes na internet, nos rituais, na valorização da cultura indígena e no
conhecimento de outras culturas, novos conhecimentos e saberes.
A leitura é sempre a apropriação, invenção, produção de significados. Chartier
(2009, p. 77). Numa concepção geral sobre a leitura de fato ela sempre traz essa
afirmação de Chartier. Em contextos diferenciados como a educação escolar
indígena as práticas de leitura estariam imbricadas com o sentimento de
pertencimento de cada Povo a projetos societários também diferenciados, a
construção de identidades seja no sentido étnico, seja no sentido cultural, a um
entendimento de relações entre os diversos fazeres.
Concluindo esse capítulo, as práticas de leitura dos professores indígenas
Kiriri Cantagalo engendra por caminhos desafiantes, entre eles está a formação de
professores indígenas para o trabalho com a leitura em todas as suas dimensões. É
válido lembrar que as práticas de leitura desenvolvidas por esses professores
indígenas consolida uma tentativa de provocar nos diversos segmentos
educacionais (Ministério da Educação e Secretaria da Educação do Estado da
Bahia) um olhar diferenciado para a escola indígena. Não se trata de trabalhar as
questões pontuais de formação inicial e continuada de professores indígenas, como
por exemplo os cursos de Magistério Indígena e Licenciaturas Interculturais, mas
fazer valer na prática o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o
trabalho com a leitura no contexto educacional indígena, que não é só distribuir
acervos ou garantir a publicação de materiais, mas desenvolver ações mais amplas.
79
As práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri envolvem outros
elementos: a relação com as outras lideranças (caciques, pajés, conselheiros) e a
relação com o próprio dia a dia com as aldeias. São práticas não repetitivas das
escolas não indígenas, mas práticas que bebem na fonte da sabedoria dos anciãos
e anciãs Kiriri. Leituras que abrem possibilidades infinitas no entremear com outras
linguagens: a dança, a música, os rituais, os artesanatos, curas, a ciência indígena.
Entenderíamos que as práticas de leitura estão intimamente ligadas as
práticas de sobrevivência desse Povo Indígena, que desde o século XVII vem
lutando pela manutenção de suas culturas, numa perspectiva de um espaço de
construção coletiva do território Kiriri e de pertencimento a este povo. Tais práticas
realizadas no contexto escolar desse povo e dialogando para o contexto da
educação indígena se traduz no desenvolvimento dos próprios professores
indígenas, seus alunos e suas comunidades.
80
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foto 5 – Crianças Kiriri Cantagalo em atividades extra-classe
No desenvolvimento desta dissertação, procurei trazer as inquietações,
desafios e obstáculos no que concerne ao trabalho de leitura no contexto da
educação escolar indígena Kiriri Cantagalo, observando como essas práticas são
desenvolvidas no contexto desta educação, as lutas presentes, e de que forma os
professores e professoras indígenas desenvolvem tais práticas no seu dia a dia,
numa relação entre leitura e cultura indígena.
Nestas considerações, apresento de forma sintetizada as muitas lições que
aprendi durante o processo de desenvolvimento da pesquisa. Vivenciei momentos
importantes, pois não estava na condição de gestor da Unidade Escolar pesquisada
e sim na condição de pesquisador, e isso me permitiu adentrar de forma crítica em
todos os setores e áreas da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo, e perceber
o quanto há de percorrer, principalmente no que diz respeito à construção de uma
escola indígena Kiriri Cantagalo que traduza os anseios e reais necessidades desse
povo. Nas questões das práticas de leitura principalmente, pois os professores e
professoras indígenas têm condições bastante favoráveis para que isso aconteça.
81
No decorrer deste trabalho, quando ouvia o relato dos professores indígenas,
sobre a formação inicial e continuada para trabalhar as questões de leitura em suas
escolas, a formação pretendida não seria uma formação que já viesse pronta,
engessada, mas que fosse construída no diálogo com esses professores. As
experiências relatadas e desenvolvidas no contexto da educação escolar indígena
Kiriri Cantagalo, remete então para novos projetos de formação, construção de
novos materiais didáticos e busca de metodologias.
Essa forma de pensar, traduz nas necessidades de que as práticas de leitura
na escola indígena Kiriri Cantagalo está revestida de outro significados. Saber ler
para esse povo teria uma relação muito íntima com os seus antepassados, com
outras vivências não só no campo material, mas também no campo espiritual, nos
encantados. Muitas foram as histórias de encantamento que foram relatados pelos
professores indígenas e pelos mais velhos, e que numa sabedoria milenar se faz
presente no imaginário desse povo. A leitura que não é somente no livro didático,
mas na própria vida de cada um, de cada comunidade é o que torna uma
singularidade e pluralidade.
Os contextos diversos nesse universo da cultura Kiriri Cantagalo que
permitem as diferentes leituras e fortalecimento de sua identidade enquanto
professores indígenas corroboram com o desejo destes em desenvolver práticas de
leitura diversificadas. Seria então uma nova forma de fazer educação, de sair da
visão tradicional como a escola chegou para esse povo e permaneceu até os dias de
hoje. No silêncio de suas práticas, fui descobrindo a riqueza dos saberes e
conhecimentos construídos no dia a dia com o arcabouço teórico da cultura indígena
Kiriri Cantagalo.
Entender um processo formativo que tenha como ponto de partida essas
vivências e realidades seria muito interessante pois a partir desse entendimento
outros diálogos passam a ser construídos. O que se espera é que essa luta desses
professores e professoras indígenas sejam acolhidas e entendidas pelos órgãos
oficiais da educação do Estado e da União, não restringindo um trabalho de grande
grandeza a adaptações como sempre tem sido feito em relação a experiências com
professores indígenas.
A partir deste estudo, entendi que o trabalho de leitura, mais precisamente as
práticas de leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo perpassam por outras
questões, que não tem respostas de imediato, são diversos processos que se inter-
82
relacionam, processos esses que vão desde a forma como esse povo foi constituído,
os primeiros contatos com a população não indígena nos séculos XVI e XVII, as
influências de vários grupos religiosos cristãos e não cristãos, a organização política-
administrativa, a espiritualidade, a relação com o processo de retomada de seu
território no Século XX entre outros elementos, nos remete à compreensão de que
nessas práticas de leitura existem fatores intrínsecos e extrínsecos que só um
trabalho de pesquisa desta natureza é que se pode compreender com clareza o que
de fato acontece.
Não podemos medir a educação escolar indígena e suas práticas
pedagógicas e de leitura a partir do que acontece na educação dos não indígenas.
Isso tem sido um grande desafio para os professores indígenas Kiriri Cantagalo e
demais povos indígenas da Bahia e do Brasil que em tempos de IDEB e de Prova
Brasil, são cobrados a darem conta de aumentarem o índice de desenvolvimento de
suas escolas, da qualidade da educação escolar indígena desenvolvidas nas
escolas indígenas. Nesse sentido, os povos indígenas saíram das influências e
tutela dos missionários para serem reféns de órgãos oficiais de ensino e agências de
organismos internacionais de financiamento da educação.
Ter qualidade nas práticas pedagógicas e de leitura desenvolvidas pelas
escolas indígenas não pode estar atrelada às práticas educacionais hegemônicas,
neoliberais que tanto tem influenciado a educação dos países capitalistas entre eles
o Brasil. Seria então a possibilidade de construir currículos numa perspectiva das
teorias críticas, práticas escolares e de leitura nesse mesmo patamar. Não é ter uma
visão romântica acerca da educação escolar indígena Kiriri Cantagalo e suas
práticas de leitura, mas entender que nas trajetórias históricas da educação desse
povo, aconteceram mudanças significativas como a participação dos professores
indígenas no Magistério Indígena da Bahia 1ª e 2ª Turmas e na Licenciatura
Intercultural da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, a estadualização de
todas as escolas indígenas Kiriri, a publicação de quatro livros didáticos, outros
diálogos foram sendo construídos, desafios postos como a garantia de uma
educação específica e diferenciada para os alunos de 5ª a 8ª série e ensino médio e
a implantação de cursos técnicos e tecnológicos.
A riqueza da cultura indígena Kiriri Cantagalo em seus cantos, artesanato,
gastronomia, danças, precisa ser valorizada e entendida não só pelos próprios
índios como também os não índios. E é nesse entendimento que as práticas de
83
leitura acontecem, é ouvir o outro, respeitá-lo em suas diferenças e especificidades,
os vários significados que são atribuídos dentro desse imenso patrimônio imaterial.
É ir além do que está sendo posto pelos vários estudiosos da cultura indígena Kiriri
em várias partes do Brasil e até em outros países.
O Povo Kiriri Cantagalo enquanto povo indígena do sertão, que apresenta um
nível de vulnerabilidade social muito grande, que muitas vezes não é compreendido,
traz em toda a sua história de luta e de conquistas, valores societários
importantíssimos para o fortalecimento enquanto povo indígena. No canto da
Zabumba Kiriri que foi assim que iniciei a introdução desta pesquisa traduz o que
fato é ser Kiriri. E na questão que norteia esse trabalho: As práticas de ensino de
leitura desenvolvidas pelos professores indígenas Kiriri Cantagalo tem
contribuído para o fortalecimento de sua cultura indígena?
As reflexões permitem afirmar que as práticas de leitura desenvolvidas pelos
professores Kiriri Cantagalo sempre estão envolvidas com os elementos culturais
desse povo, elementos presentes em todo o cotidiano, pois as Aldeias Kiriri
Cantagalo apresentam um dinâmica de movimentos infinitos, assim temos
presenciado no movimento do Toré, na busca incessante pelo encontro com os
encantados, na observância e valorização dos saberes e conhecimentos dos mais
velhos.
Realizar um estudo desta natureza foi para mim mais do que desafiador.
Desconstruiu-me por completo, me colocou em contato com muitas leituras
imprescindíveis para a minha vida acadêmica e pessoal. As trajetórias construídas e
desconstruídas a cada momento, as expectativas, o enriquecimento cultural de
minha pessoa e a partilha de saberes, são momentos únicos. As lutas junto ao Povo
Kiriri Cantagalo por um trabalho mais aprofundado acerca das questões da leitura e
suas práticas continuam mesmo após a conclusão desta pesquisa. A certeza do
dever cumprido neste momento da conclusão deste trabalho, mesmo que o mesmo
apresente lacunas e a partilha com o Povo Kiriri Cantagalo de todas as Aldeias e
suas lideranças e professores é o que sustenta o que está por vir, pois não trata aqui
de um estudo acadêmico apenas, mas um descortinar para o trabalho com as
relações étnico-raciais, tendo como ênfase as questões indígenas, dialogando com
outras culturas, combatendo práticas escolares racistas, preconceituosas e
excludentes, fortalecendo dessa forma os diferentes olhares acerca das práticas de
leitura dos professores indígenas Kiriri Cantagalo.
84
REFERÊNCIAS
BAHIA, Secretaria da Educação. Professores indígenas, nosso povo: leituras Kiriri: educação diferenciada na visão do povo Kiriri. Caderno de Orientação Metodológica. Salvador: 2005 BAHIA, Secretaria da Educação. Tecendo Leituras: ler e escrever – direito do aluno, compromisso de toda a escola, responsabilidade dos professores de todas as áreas do conhecimento. Documento de Referência. Salvador: 2003 BANDEIRA, M. De. L. Os Kariris de Mirandela: um grupo indígena integrado. Salvador: UFBA, 1972. (Estudos Baianos, nº 6). BORBA, Angela Meyer. Saberes que produzem saberes. In: Letra Viva: Práticas de Leitura e Escrita. Boletim do Programa Um Salto Para o Futuro (versão impressa). N. 09 .junho 2006. Ministério da Educação. Brasília : 2006 BRASIL, Ministério da Educação. Educação Escolar Indígena: Gestão Territorial e Afirmação Cultural. I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena. Documentos Referenciais. Brasília: 2008 BRASIL. CNE/Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena. Resolução 03/1999 BRASIL. CNE/Ministério da Educação. Parecer de 14 de abril de 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília 1998 BRASIL. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Lei nº 9394/1996. Brasília 1996 BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena. Brasília: MEC-SEF. Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, 1993 BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC, 1988 BRASIL. Ministério da Educação. Referencial para a formação de professores indígenas. Brasília: MEC 2004 BRASIL.CNE/Ministério da Educação .Parecer de 13 de maio de 2012 CAFIERO, Delaine. Letramento e leitura: formando leitores críticos. In: Língua Portuguesa: ensino fundamental / Coordenação, Egon de Oliveira Rangel e Roxane Helena Rodrigues Rojo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, Coleção Explorando o Ensino vl. 19. 2010 CAVALCANTI, Marilda C. & Maher, Terezinha M. O índio, a leitura e a escrita: o que está em jogo? Campinas: CEFIEL/UNICAMP/MEC,2005
85
CAVALCANTI, Marilda C. Um evento de Letramento como cenário de construção de identidades sociais. In: Cenas de sala de Aula. COX, Maria Inês Pagliarini. PETERSON-ASSIS, Ana Antônia de (orgs). São Paulo: Mercado de Letras. 2001 CÔRTES, Clelia Neri. A educação é como o vento: os Kiriri por uma educação pluricultural (Dissertação de mestrado, UFBA, 1996). D’ANGELIS, Wilmar e Veiga, Juracilda (orgs). Leitura e escrita em escolas indígenas. Campinas: ALB e Mercado das Letras, 1997 DIMENSTEIN, Gilberto. Cidadão de Papel. São Paulo: Editora Ática, 2011 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo Paz e Terra; 23.ed 1996/1970 GOZZI, Rose Mara. Espaços de leitura articulados: a escola, a casa, a comunidade. In: Espaços de leitura. Boletim do Programa Um Salto para o Futuro. (versão impressa). Ministério da Educação. Brasília: 2007 GUIMARÃES, Susana Martelletti Grillo. Diretrizes da educação escolar indígena. In: Cadernos Temáticos. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Curitiba, 2009. P. 16-20 NETO, Maria Gorete. As representações dos Tapirapé sobre sua escola e as línguas faladas na aldeia: implicações para a formação de professores. (Tese de Doutorado, UNICAMP, 2009) GRUPIONI, LuisDonisete Benzi (org) “contextualizando o campo da formação de professores indígenas no Brasil. In: Grupioni, LuisDonisete Benzi (org)Formação de Professores Indígenas: revendo trajetórias. Brasília. Ministério da Educação. UNESCO, 2006. GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. A Educação Indígena na Academia: inventário comentado de dissertações e teses sobre educação escolar indígena no Brasil (1978-2002) In: Em Aberto. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. V. 1, n. 1, (nov. 1981) Brasília: 1981 GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. VIDAL, Lux Boelitz. FISCHMAN, Roseli (orgs). Povos Indígenas e Tolerância: Construindo Práticas de Respeito e Solidariedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 KLEIMAN, a. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas – SP: Mercado das Letras, 1995 LOPES, da Silva. Aracy e Ferreira, Mariana Kawwal (org). Antropologia, História e educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: FAPESP / GLOBAL/Mari, 2001
86
LOPES, da Silva. Aracy e Grupione, LuisDonisete Benzi (orgs). A temática indígena na escola: subsídios para professores de 1º e 2º graus. MEC/MARI/UNESCO, 1995 MACÊDO, Sílvia Michelle. Educação por outros olhares: aprendizagem e experiência cultural entre os índios Kiriri do sertão baiano. (Dissertação de mestrado, UFBA, 2009) MAHER, T.M. Ser professor sendo índio: questões de língua(gem) e identidade. Campinas, 1996. Tese de Doutorado, Unicamp MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Letramento, competência comunicativa e representação da escrita. In: Revista da FAEEBA. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I – V. 1, n. 1 (jan/jun., 1992) Salvador: UNEB, 1992 MATTOS, Margareth Silva de. Práticas de Leitura e Escrita. In: Letra Viva: Práticas de Leitura e Escrita. Boletim do Programa Um Salto Para o Futuro (versão impressa) N. 09. Junho 2006. Ministério da Educação. Brasília: 2006 MELIÁ, Bartolomeu. Educação indígena e alfabetização. São Paulo: Loyola, 1979 OLIVEIRA, João Pacheco de (org). A presença indígena no Nordeste. Rio de Janeiro: Contracapa, 2011 PERROTTI, Edimir.Proposta Pedagógica. In: Espaços de Leitura. Boletim do Programa Um Salto Para o Futuro. (versão impressa). Ministério da Educação. Brasília: 2007 REPETTO, Maxim. A formalização das Propostas Pedagógicas das Escolas Indígenas e a construção de Cidadanias Diferenciadas. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena – PROESI. UNEMAT, Barra do Bugres - MT v. 6, n. 1. 2008. ROCHA, Leandro Mendes. SILVA, Maria do Socorro Pimentel da. BORGES, Mônica Veloso (orgs). Cidadania, interculturalidade e formação de docentes indígenas. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2010. SANTOS, Gersem Luciano dos. O índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. MEC/LACED/Museu Nacional. 2006 SECHI, Darci. Autonomia e Protagonismo Indígena nas políticas públicas. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena – PROESI.UNEMAT, Barra do Bugres - MT v. 5, n. 1, 2007. P. 11-20 SILVA, Márcia Cabral da. MARTINS, Milena Ribeiro. Experiências de leitura no contexto escolar. In: Literatura: ensino fundamental / Coordenação Aparecida Paiva, Francisca Maciel e RildoCosson. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, Coleção Explorando o Ensinovl. 20. 2010
87
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998 TARALLI, Cibele Haddad. Espaços de Leitura: Salas de Leitura/Bibliotecas Escolares. In: Espaços de leitura. Boletim do Programa Um Salto para o Futuro. (versão impressa). Ministério da Educação. Brasília: 2007 VEIGA, Juracilda (org). FERREIRA, Beatriz Rocha. Desafios atuais da Educação Escolar Indígena. Associação de Leitura do Brasil. Núcleo de Cultura e Educação Indígena. São Paulo: 2005 VERDINI, Antonia de Sousa. Espaços de Leitura na escola: sala de aula/cantos de leitura. In: Espaços de leitura. Boletim do Programa Um Salto Para o Futuro. (versão impressa). Ministério da Educação. Brasília: 2007 WHAN, Chang. Etnocentrismo e a experiência da diversidade cultural. In: Cadernos de Educação Escolar Indígena. 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: UNEMAT, v. 2, n. 1, 2003
88
APÊNDICES A – ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSORES
Como foi que a leitura chegou em sua vida ?
O que é ler para você?
Qual é a sua relação com a leitura?
Como você concebe a leitura hoje tornando como base a sua experiência? O que é
ler hoje para você?
Levando em conta essa concepção de leitura que você tem hoje, o que você propõe
a ensinar aos seus alunos?
Que materiais você tem utilizado?
B – ROTEIRO – SESSÃO DO GRUPO FOCAL
O que é leitura?
Como é que as práticas de leitura são realizadas?
Quais são os materiais que são utilizados nessas práticas?