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POR QUE FILOSOFAR
Jean-Franccedilois Lyotard
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Direitos reservados agraveParaacutebola Editorial
Rua Dr Maacuterio Vicente 394 - Ipiranga04270-000 Satildeo Paulo SPpabx [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax [11] 2589-9263home page wwwparabolaeditorialcombre-mail parabolaparabolaeditorialcombr
Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu-
zida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios (eletrocircnico ou
mecacircnico incluindo fotocoacutepia e gravaccedilatildeo) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissatildeo por escrito da Paraacutebola Editorial Ltda
ISBN 978-85-7934-067-3
copy da ediccedilatildeo brasileira Paraacutebola Editorial Satildeo Paulo marccedilo de 2014
CIP-BRASIL CATALOGACcedilAtildeO NA PUBLICACcedilAtildeOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ
L995p
Lyotard Jean-Franccedilois Por que filosofar Jean-Franccedilois Lyotard traduccedilatildeo MarcosMarcionilo apresentaccedilatildeo Corinne Enaudeau - 1 ed - Satildeo Paulo Pa-
raacutebola 2013 il
Traduccedilatildeo de Pourquoi philosopherISBN 978-85-7934-067-3
1 Filosofia I Tiacutetulo
13-01517 CDD 100
CDU 1
Tiacutetulo originalPourquoi philosopher
copy Presses Universitaires de France abril de 20126 avenue Reille 75014 Paris
ISBN 978-2-13-059510-6
EDICcedilAtildeO BRASILEIRACAPA E PROJETO GRAacuteFICO Telma CustoacutedioREVISAtildeO DA TRADUCcedilAtildeO Marcos BagnoREVISAtildeO Karina Mota
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Sumaacuterio
9Apresentaccedilatildeo - Corinne Enaudeau
19Nota editorial
21Por que filosofar
231 Por que desejar
452 Filosofia e origem
653 Sobre a fala filosoacutefica
894 Sobre filosofia e accedilatildeo
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9Apresentaccedilatildeo
ApresentaccedilatildeoCORINNE ENAUDEAU
A filosofia natildeo deseja a sabedoria ou o saber ela natildeonos ensina nem verdades nem comportamentos a man-
ter Haveraacute quem diga que ela se esgota em se perguntaro que ela eacute e o que eacute numa solidatildeo que natildeo perturbaningueacutem No maacuteximo talvez ela oferecesse uma ideiauacutetil ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso ou ateacute mesmoo oacutepio metafiacutesico da consolaccedilatildeo Os filoacutesofos seriamesses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histoacuteria sem pro-
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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Rua Dr Maacuterio Vicente 394 - Ipiranga04270-000 Satildeo Paulo SPpabx [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax [11] 2589-9263home page wwwparabolaeditorialcombre-mail parabolaparabolaeditorialcombr
Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu-
zida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios (eletrocircnico ou
mecacircnico incluindo fotocoacutepia e gravaccedilatildeo) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissatildeo por escrito da Paraacutebola Editorial Ltda
ISBN 978-85-7934-067-3
copy da ediccedilatildeo brasileira Paraacutebola Editorial Satildeo Paulo marccedilo de 2014
CIP-BRASIL CATALOGACcedilAtildeO NA PUBLICACcedilAtildeOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ
L995p
Lyotard Jean-Franccedilois Por que filosofar Jean-Franccedilois Lyotard traduccedilatildeo MarcosMarcionilo apresentaccedilatildeo Corinne Enaudeau - 1 ed - Satildeo Paulo Pa-
raacutebola 2013 il
Traduccedilatildeo de Pourquoi philosopherISBN 978-85-7934-067-3
1 Filosofia I Tiacutetulo
13-01517 CDD 100
CDU 1
Tiacutetulo originalPourquoi philosopher
copy Presses Universitaires de France abril de 20126 avenue Reille 75014 Paris
ISBN 978-2-13-059510-6
EDICcedilAtildeO BRASILEIRACAPA E PROJETO GRAacuteFICO Telma CustoacutedioREVISAtildeO DA TRADUCcedilAtildeO Marcos BagnoREVISAtildeO Karina Mota
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Sumaacuterio
9Apresentaccedilatildeo - Corinne Enaudeau
19Nota editorial
21Por que filosofar
231 Por que desejar
452 Filosofia e origem
653 Sobre a fala filosoacutefica
894 Sobre filosofia e accedilatildeo
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9Apresentaccedilatildeo
ApresentaccedilatildeoCORINNE ENAUDEAU
A filosofia natildeo deseja a sabedoria ou o saber ela natildeonos ensina nem verdades nem comportamentos a man-
ter Haveraacute quem diga que ela se esgota em se perguntaro que ela eacute e o que eacute numa solidatildeo que natildeo perturbaningueacutem No maacuteximo talvez ela oferecesse uma ideiauacutetil ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso ou ateacute mesmoo oacutepio metafiacutesico da consolaccedilatildeo Os filoacutesofos seriamesses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histoacuteria sem pro-
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
8172019 Lyotard Jean- Franccedilois Por Que Filosofar
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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Sumaacuterio
9Apresentaccedilatildeo - Corinne Enaudeau
19Nota editorial
21Por que filosofar
231 Por que desejar
452 Filosofia e origem
653 Sobre a fala filosoacutefica
894 Sobre filosofia e accedilatildeo
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9Apresentaccedilatildeo
ApresentaccedilatildeoCORINNE ENAUDEAU
A filosofia natildeo deseja a sabedoria ou o saber ela natildeonos ensina nem verdades nem comportamentos a man-
ter Haveraacute quem diga que ela se esgota em se perguntaro que ela eacute e o que eacute numa solidatildeo que natildeo perturbaningueacutem No maacuteximo talvez ela oferecesse uma ideiauacutetil ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso ou ateacute mesmoo oacutepio metafiacutesico da consolaccedilatildeo Os filoacutesofos seriamesses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histoacuteria sem pro-
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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9Apresentaccedilatildeo
ApresentaccedilatildeoCORINNE ENAUDEAU
A filosofia natildeo deseja a sabedoria ou o saber ela natildeonos ensina nem verdades nem comportamentos a man-
ter Haveraacute quem diga que ela se esgota em se perguntaro que ela eacute e o que eacute numa solidatildeo que natildeo perturbaningueacutem No maacuteximo talvez ela oferecesse uma ideiauacutetil ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso ou ateacute mesmoo oacutepio metafiacutesico da consolaccedilatildeo Os filoacutesofos seriamesses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histoacuteria sem pro-
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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9Apresentaccedilatildeo
ApresentaccedilatildeoCORINNE ENAUDEAU
A filosofia natildeo deseja a sabedoria ou o saber ela natildeonos ensina nem verdades nem comportamentos a man-
ter Haveraacute quem diga que ela se esgota em se perguntaro que ela eacute e o que eacute numa solidatildeo que natildeo perturbaningueacutem No maacuteximo talvez ela oferecesse uma ideiauacutetil ao desenvolvimento das riquezas ou o sonho de ou-tro sistema social completamente diverso ou ateacute mesmoo oacutepio metafiacutesico da consolaccedilatildeo Os filoacutesofos seriamesses loucos papagaios palradores que a humanidade veicularia consigo no decurso de sua histoacuteria sem pro-
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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10Por que filosofar
veito mas tambeacutem sem grande perda Eles bem quepodem interpretar o mundo mas permanecem a suas
portas sem nunca chegar a transformaacute-lo Seu discursopode ser interrompido pode ser devolvido ao silecircnciosem que a face do mundo se veja mudada por ele Vistoque em uacuteltima instacircncia ele tem como uacutenico fio umestranho apego agrave perda o desejo de natildeo perder a perda
que mina toda atividade humana e a separa de si mesmao desejo de natildeo largar a penuacuteria cujo dardo eacute plantadopela morte na vida Podemos entatildeo nos perguntar em2014 como fazia Jean-Franccedilois Lyotard em 1964 porque filosofar Que motivo teria havido que motivo haacuteainda para filosofar a voltar a nos engolfar no hiato dosentido e isso toda vez e sempre em uma ingenuidaderevivida que se pode julgar infantil Uma vez posta apergunta pode parecer retoacuterica Ela eacute autorreferencialporque sua enunciaccedilatildeo jaacute traz de fato a resposta doproblema enunciado porque quem se pergunta se pode
valer a pena pocircr-se a filosofar outra vez jaacute comeccedilou afilosofar Mas eacute o destino da proacutepria linguagem ter defalar para se inquietar com sua interrupccedilatildeo a sorte da vigiacutelia e da vida renegar in vivo o sono e a morte acercados quais se inquirem Como falamos agimos e vive-
mos sob a ameaccedila da perda natildeo sairemos desse ciacuterculoonde a ausecircncia se faz presente e a presenccedila fica perfura-da de ausecircncia Porque natildeo haacute estuacutepido que queira nosdiz Lyotard se aborrecer com um dado sem fala comuma plenitude sem falta com uma noite sem sonhoFilosofaremos entatildeo pelo uacutenico motivo de que natildeo po-demos escapar a isso ldquoDar testemunho da presenccedila dafalta por nossa falardquo
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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11Apresentaccedilatildeo
O homem que morre em 1998 deixando A con-
fissatildeo de Agostinho inacabada talvez tenha se preocu-
pado unicamente com esse inacabamento constitutivodo sentido que eacute o punhal e a chaga do pensamentosua queimadura e seu viaacutetico Discurso figura declara- va recusar-se a concluir O diferendo interrompia suasucessatildeo de paraacutegrafos com alguns nuacutemeros abrup-
tos sobre a histoacuteria Cada livro de Lyotard inscreve adisjunccedilatildeo em seu objeto em sua escrita na distacircnciados outros livros Desde 1964 ele estava convicto deque uma semente de filosofia soacute pode ser plantada senatildeo nos deixarmos assombrar pela ausecircncia se encon-trarmos a energia paradoxal de contaminar os outroscom ela de levaacute-los a ouvir a ldquolei da diacutevidardquo o deacutebito in-solviacutevel A obra semearaacute essa semente mas ela teraacute sidoprecedida e acompanhada em Lyotard por um ensino vigoroso por um engajamento no qual questionar pro-fessar e militar permanecem indissociaacuteveis A atenccedilatildeo agrave
falha agrave falta de substancialidade como significaccedilatildeo jaacutesupotildee que satildeo os outros muito mais que as coisas queperfuram a fala que eacute por causa deles que a unidade fazfalta na totalidade social por eles que a contrariedade vem cindir a unidade do sentido Sem eles para bara-
lhar os argumentos para se opor agraves accedilotildees desiludir aspaixotildees a falta nunca assomaria ao real para fazer deleum mundo humano e esse mundo natildeo convocaria a falaa refletir sua falta a filosofar Mas se estamos tratandoexclusivamente de preencher o vazio a filosofia podeperfeitamente construir ali um mundo natildeo humano umsonho metafiacutesico harmonioso Eacute quando ela se encerraem um Logos absoluto miragem de um Todo invisiacutevel
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12Por que filosofar
que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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que se manteacutem paradoxalmente separado daquilo queele une A ideologia eacute justamente isso segundo Lyotard
um sistema de ideias tanto mais professaacutevel quanto maisautocircnomo quanto mais sublimou a falta da qual proveioquanto mais fala em outra parte aleacutem Isso vale paratoda metafiacutesica mas tambeacutem para toda teoria mesmoque ela se diga marxista que queira cumular os espiacuteritos
necessitados com seu sistema todo pleno ldquoIsolar-se dapraacuteticardquo natildeo eacute falar da substacircncia em vez de visar agrave re- voluccedilatildeo eacute fazer delas duas a soluccedilatildeo defender que o fimestaacute no comeccedilo que o sentido se pertence desde sempreque ele sabe o que eacute e para onde vai Porque a voz queenuncia o sentido deixa de captar tudo o que se refira adesuniotildees silenciosas mas onde natildeo deixa de se buscarProfessar mdash pelo menos professar a filosofia natildeo a feacutenem a ciecircncia mdash natildeo eacute nada sem as perguntas que nosfazemos e que fazemos aos outros sem esse comeacuterciopartilhado da falta no qual se exerce um ldquoparadoxal po-
der de passividaderdquo mdash tema recorrente em toda a obrade Lyotard mdash o poder de deixar o mundo vir agrave fala dese deixar dizer o que falta ao real para ser um quadro eo que falta ao quadro para ser real
Lyotard teraacute lecionado assim ensinando aos estu-
dantes e aos ouvintes que natildeo aprenderatildeo nada com ele senatildeo aprenderem a desaprender como ele o diraacute outra vezem Nanterre em 1984 (em uma conferecircncia publicadaem O poacutes-moderno explicado agraves crianccedilas ) Mas foi em 1964aos 40 anos que ele mesmo teve de recomeccedilar a desa-prender ateacute mesmo aquilo que achava ter aprendido a sedesprender de uma ortodoxia militante que certamente ofizera desaprender a metafiacutesica mas aprender a esperar
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a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
9 7 8 8 5 7 9 3 4 0 6 7 3
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13Apresentaccedilatildeo
a revoluccedilatildeo e por meio dela a resoluccedilatildeo da histoacuteriaDesistir da teleologia revolucionaacuteria sem perder a perda
que mesmo esmagada estava ali atestada mdash essa faltaabsoluta ou ldquoerro em sirdquo que eacute a exploraccedilatildeo mdash eacute saber queseraacute preciso falar a liacutengua ambiacutegua do sim e do natildeo dapresenccedila e da ausecircncia quer dizer corrigir o marxismocom Freud o materialismo histoacuterico com a ambivalecircncia
pulsional a reconciliaccedilatildeo social com a incerteza do dese- jo Em suma dar agrave voz de Marx a forccedila que a totaliza-ccedilatildeo hegeliana lhe subtraiu a forccedila de dizer a separaccedilatildeoSeparaccedilatildeo da sociedade de si mesma separaccedilatildeo do mun-do e da mente da realidade e do sentido Mas tambeacutemsegundo Freud separaccedilatildeo do amor e de seu objeto deum sexo e do outro da infacircncia e da linguagem Todasessas divisotildees que em 1964 satildeo chamadas de ldquooposi-ccedilotildeesrdquo seratildeo decantadas a partir de Discurso figura emproveito de ldquodiferenccedilasrdquo e se radicalizaratildeo mais tardeem ldquodiferendosrdquo irredutiacuteveis entre salaacuterio e capital sem-
pre mas tambeacutem e de maneira completamente distintaentre judaiacutesmo e cristianismo ldquoInfacircnciardquo permaneceraacutesendo o nome sob o qual Lyotard repensaraacute por mais detrinta anos a exposiccedilatildeo a um assombro brutal que solapaa fala e mesmo assim a reivindica
Naquele momento em 1964 eacute preciso recome-ccedilar sem saber como proceder porque a infacircncia eacute noambiente humano seu ldquode-curso sua deriva possiacutevelameaccediladorardquo (segundo as palavras de 1984) Lyotarddaacute iniacutecio a sua ldquoDeriva a partir de Marx e Freudrdquo nolugar em que ele estaacute ldquoem cursordquo em curso de rota eem curso de filosofia entre a Sorbonne onde lecionaldquoSocialismo ou Barbaacuterierdquo depois ldquoPoder Operaacuteriordquo
8172019 Lyotard Jean- Franccedilois Por Que Filosofar
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14Por que filosofar
onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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15Apresentaccedilatildeo
tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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onde ainda milita (por pouco tempo) o volume da co-leccedilatildeo ldquoQue sais-jerdquo sobre a fenomenologia que acaba
de escrever o seminaacuterio de Lacan onde aprende a lerFreud o seminaacuterio de Culioli onde se inicia na linguiacutes-tica Eacute em meio a isso tudo que ele tenta tornar audiacutevel aseus alunos a perda da unidade onde tenta cavar tantoem si como neles o luto pela completude ancorando
nesse luto a responsabilidade do filoacutesofoUma paixatildeo contraditoacuteria anima o discurso filosoacute-fico Porque seu desejo de se possuir em um isolamentoabsoluto eacute duplicado pelo voto de natildeo se possuir de per-manecer como uma fala imersa no mundo pendente desua proacutepria deficiecircncia Ensinar filosofia eacute desencadearessa ambiguidade Mas a operaccedilatildeo soacute teraacute seu alcancedecepcionante didaacutetico porque decepcionante se o ldquocur-sordquo de filosofia tiver um curso se comeccedilar pelo meioali onde os interlocutores estatildeo com sua histoacuteria e suasperguntas Trata-se entatildeo de um curso fora do curso fora
da genealogia para se preparar para ela um curso quenatildeo estaacute nem no mundo (cuja pergunta o separa) nemfora do mundo (numa fala jaacute falada em outro lugar) masno mundo na distacircncia em que como o diz Lyotardnoacutes nos deixamos penetrar pela coisa ao mesmo tem-
po em que a mantemos agrave distacircncia para poder julgaacute-laSem essa ldquopassibilidaderdquo (termo de 1987) ao mundoentendamos ao mundo humano a sua falta tenazmentepresente o ensino natildeo passa de uma exposiccedilatildeo de ouri- vesaria certamente admiraacutevel mas desprovida de propoacute-sito Propoacutesito que supotildee uma tensatildeo entre o desejo e aresponsabilidade ldquoA filosofia natildeo tem desejo particular[hellip] Eacute o desejo que tem a filosofia como qualquer ou-
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tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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tra coisardquo acrescenta Lyotard ldquoque ela se volte para esseimpulso que a toma a ela e a toda atividade humana
Mas se ela se satisfizer com essa reflexatildeo sobre o desejoo pensamento continuaraacute sem pagar sua diacutevidardquo
Para Lyotard em 1964 a filosofia tambeacutem eacute umapraacutexis assim como a psicanaacutelise tambeacutem eacute para Freuduma cliacutenica O importante eacute o que falta agrave vida social
natildeo para se reconciliar mas para se justificar A ldquofal-ta absolutardquo cuja estrutura foi exposta por Marx sobo nome de ldquoproletariadordquo apesar de insuportaacutevel natildeoindica ldquoo que a sociedade realmente desejardquo ao con-traacuterio daquilo que o marxismo estabelecido pretendeDeve-se portanto satisfazer agrave opacidade desse desejofrequentar o silecircncio e arriscar-se a explicitar o senti-do latente taacutecito que jaacute estaria laacute arrastando-se nasrelaccedilotildees entre os homens Se Lyotard dedica a uacuteltimadas quatro conferecircncias agrave ldquofilosofia e agrave accedilatildeordquo eacute porquea responsabilidade filosoacutefica no que diz respeito agrave falta
eacute indissociaacutevel da diacutevida poliacutetica para com o mundo eacuteporque elas sustentam conjuntamente a aposta de trans-formar o silecircncio em fala a passividade em accedilatildeo
Temos aqui duas convicccedilotildees simultacircneas Umaherdada de Husserl via Merleau-Ponty eacute que o filoacuteso-
fo leva a experiecircncia muda agrave expressatildeo de seu proacutepriosentido A outra herdada de Marx eacute que o filoacutesofo soacuteinterpreta o mundo para ajudar a transformaacute-lo Elasse tematizam respectivamente na terceira conferecircnciasobre a fala e na quarta sobre a accedilatildeo A primeira confe-recircncia dedicada ao desejo herda de Freud via Lacan aideia de que toda relaccedilatildeo com a presenccedila se realiza contraum fundo de ausecircncia A segunda por sua vez articula o
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desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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16Por que filosofar
desejo com a fala e a accedilatildeo elaborando a perda da unidadee a conservaccedilatildeo dessa perda na histoacuteria sempre retoma-
da do esforccedilo filosoacutefico Apresentado em boa ordem otratamento da pergunta ldquopor que filosofarrdquo se desenrolado modo seguinte a razatildeo pela qual filosofamos eacute quedesejamos e o desejo se desdobra ao se interrogar sobreseu proacuteprio movimento A razatildeo dessa reflexatildeo eacute que a
unidade estaacute perdida natildeo em uma desapariccedilatildeo originalque nos teria feito esquecer ateacute mesmo a proacutepria unidademas no desdobramento de uma histoacuteria na qual o ajun-tamento da realidade e do sentido escapa sempre e eacute denovo buscado para se perder uma vez mais Vemos quenatildeo filosofariacuteamos se natildeo falaacutessemos e que natildeo falariacutea-mos se nada pudeacutessemos dizer se o silecircncio do mundocondenasse o discurso a divagar ou se um logos imanen-te ao mundo jaacute tivesse dito tudo e condenasse as palavrasa repetir esse tudo Eacute a ldquoinfacircncia com a qual o mundonos investerdquo a ferida de ser apreendido por ela que faz o
filoacutesofo falar que lhe daacute essa ldquoforccedila passivardquo de dar tes-temunho de um sentido jaacute presente um sentido lacunarque torna seu discurso inacabado e exatamente por isso verdadeiro Eacute porque o mundo avanccedila sobre noacutes que afala pode avanccedilar sobre ele exprimindo-o e a accedilatildeo pode
avanccedilar sobre ele transformando-o Filosofamos porqueestamos expostos ao mundo e temos ldquoa responsabilidadede dar nome ao que deve ser dito e feitordquo
Se filosofar eacute deixar-nos fazer por uma falta da qualdamos testemunho sem preenchecirc-la se ensinar eacute tornarclaro o que noacutes mesmos natildeo entendemos a liccedilatildeo aqui eacutemagistral ateacute mesmo no modo de manejar o paradoxoa transgressatildeo metoacutedica das fronteiras entre as esferas da
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
8172019 Lyotard Jean- Franccedilois Por Que Filosofar
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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17Apresentaccedilatildeo
vida assim como entre as disciplinas serve aqui real-mente para enodar o desejo o tempo a fala e a accedilatildeo em
torno de uma fronteira invisiacutevel entre a presenccedila e a au-secircncia Talvez a liccedilatildeo seja excessivamente magistral paraquem conhece a explosatildeo que seraacute tematizada mais tardeem Discurso figura como a obra que lhe daacute sequecircnciapara quem sabe que o edifiacutecio de 1964 ainda faz o desejo
muito feliz a fala muito carnal o tempo muito unificadoe a accedilatildeo muito entusiasta A morte que aterroriza a vidanatildeo poderaacute mais se aclimatar na falta se estrangular nafeacute num sentido latente ela se tornaraacute mais incisiva nadesestruturaccedilatildeo do ldquofiguralrdquo ou na voz asfixiada que selao ldquodiferendordquo Quaisquer que sejam as revisotildees futuraselas se justificam de antematildeo dado que ldquoaleacutem de tudohaacute mais de um filoacutesofo Platatildeo justamente ou Kant ouHusserl que no decorrer de sua vida efetua ele mesmoessa criacutetica se volta para aquilo que pensou o desfaz erecomeccedila administrando a prova de que a verdadeira
unidade de sua obra eacute o desejo que procede da perda daunidade e natildeo a complacecircncia no sistema constituiacutedona unidade reencontradardquo Mais tarde quando for tratarda ideia de revoluccedilatildeo Lyotard mostraraacute que o recomeccedilonunca se faz a partir do zero apesar do que eacute dito aqui
que a ingenuidade eacute um voto exorbitante Seu debate comos historiadores assim como sua repetida anaacutelise do tem-po diraacute que ao narrar a histoacuteria qualquer que seja elafica-se preso agrave roda de um desencadeamento que ame-accedila e de um encadeamento que rejeita Provavelmentea filosofia encontra aqui a necessidade de interrogar suaproacutepria fala de buscar sua proacutepria regra e como Lyotarddiz aqui de ldquoirritar todo mundordquo
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
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Um texto ineacutedito de Jean-Franccedilois Lyotard no qual eleresponde com pedagogia e clareza a esta simples perguntaldquoPor que filosofarrdquo Obra indispensaacutevel para todos os lei-tores que se lanccedilam ao estudo da filosofia assim como paratodo leitor interessado na obra de Jean-Franccedilois Lyotardou em questotildees filosoacuteficas
De rara limpidez pedagoacutegica ao mesmo tempo de raraprofundidade esse curso de introduccedilatildeo agrave filosofia dado porLyotard em 1964 eacute totalmente ineacutedito
Traduccedilatildeo M983137983154983139983151983155 M983137983154983139983145983151983150983145983148983151
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