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D. Marques
Métodos para Resolver Equações
Diofantinas
Florianópolis, SC
2014
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D. Marques
Métodos para Resolver Equações Diofantinas
Minicurso apresentado no IIIoColóquio de Matemática da Re-gião Sul, realizado na Universi-dade Federal de Santa Catarina,em maio de 2014.
Florianópolis, SC
2014
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Resumo
O objetivo desse material é introduzir vários métodos que aju-dam a resolver equações Diofantinas. Do básico método da fato-ração, aos métodos modular e transcendente que se baseiam emresultados profundos.
Palavras-chaves: equações Diofantinas. métodos. equação deFermat. números transcendentes. curvas elípticas. teoria dos nú-meros.
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Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1 Métodos Elementares . . . . . . . . . . . . . 7
1.1 Fatoração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Aritmética modular . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3 Método paramétrico . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4 Desigualdades . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2 Divisores de Formas Binárias . . . . . . . . . 19
2.1 Divisores de a2 + b2 . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2 Sequências recorrentes . . . . . . . . . . . . . 21
2.3 O teorema do divisor primitivo . . . . . . . . 24
2.4 Equações envolvendo números de Fibonacci . 26
2.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3 A Equação de Fermat . . . . . . . . . . . . . 35
3.1 A equação x2 + y2 = z2 (ternos Pitagóricos) . 35
3.2 O último teorema de Fermat . . . . . . . . . . 38
3.3 Sophie Germain e o UTF . . . . . . . . . . . . 40
3.4 Números de Fibonacci e o UTF . . . . . . . . 41
3.5 Método modular: a receita para o UTF . . . . 45
3.6 A conjectura de Beal: quem quer ser um milio-nário? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.7 O caso n = 1: a conjectura abc . . . . . . . . . 53
3.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4 O Método Transcendente . . . . . . . . . . . 57
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4.1 Uma breve história transcendente . . . . . . . 574.2 Limitantes para formas lineares em logarítmos 624.3 A equação 13m − 46n = 81 . . . . . . . . . . . 654.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
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5
Introdução
Este texto foi escrito para dar suporte ao minicurso Mé-todos para Resolução de Equações Diofantinas apresentado noIII Colóquio de Matemática da Região Sul, que ocorrerá em Flo-rianópolis, em maio de 2014. As equações Diofantinas formamparte central da matemática e mesmo assim muitos especialis-tas se sentem inconfortáveis e/ou inseguros na presença de taisentidades. O objetivo principal desse material é introduzir vá-rios métodos disjuntos que dão um suporte inicial de ideias paraalavancar um pensamento crítico no assunto. Uma das partesprincipais nesse processo é a imaginação para talvez combinarou até mesmo criar um novo método. O texto também tenta sermotivador e claro, e os exercícios têm por objetivos ajudar a fi-xar e aplicar o que foi exposto. Esperamos assim que o presentematerial ajude o leitor a pelo menos simpatizar com as equaçõesDiofantinas.
Deixo aqui meu e-mail para eventuais dúvidas, sugestõesou indagações sobre o assunto:
E o mais importante: divirtam-se!
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7
1 Métodos Elementares
Nesse capítulo vamos apresentar métodos elementarespara se resolver equações Diofantinas. Apesar do nome "elemen-tar", esses métodos são de extrema importância.
1.1 Fatoração
Considere a equação Diofantina
f(x1, . . . , xn) = 0.
O método da fatoração consiste em fazer algum truquealgébrico para transformar a equação acima em algo do tipo
f1(x1, . . . , xn) · · · fk(x1, . . . , xn) = a ∈ Z.
Sendo cada parcela fi(x1, . . . , xn) um inteiro, então temos quecada um desses "caras" deve ser um divisor de a, os quais po-demos explicitar, transformando assim nossa equação em umaquantidade finita de "subequações" e sistemas. Vamos fazer al-guns exemplos para fixar o método. Em todos eles iremos apenasaté a subdivisão dos casos, deixando para o leitor resolver os ca-sos "menores".
Problema 1 Sejam p e q primos fixados. Resolva a equação
1
x+
1
y=
1
pq.
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8 Capítulo 1. Métodos Elementares
Solução. Podemos reescrever a equação acima como (x+y)pq =
xy e com um pequeno truque (somando os dois lados por p2q2)podemos fatorar da forma
(x− pq)(y − pq) = p2q2.
Aqui podemos supor sem perda de generalidade que x < y, logox− pq < y − pq. Os divisores de p2q2 são
{±1,±p,±q,±pq,±pq2,±p2q,±p2q2}.
Mas 1/x < 1/pq e daí x > pq e portanto precisamos conside-rar apenas os divisores positivos. Vamos fazer apenas um caso,quando {
x− pq = 1
y − pq = p2q2
Daí(x, y) = (1 + pq, (1 + pq)pq).
Os outros casos são feitos analogamente.�
Problema 2 Resolva a equação
(xy − 7)2 = x2 + y2
em inteiros não negativos.
Solução. A equação pode ser reescrita como
x2y2 − 14xy + 49 = x2 + y2,
ou seja,
x2y2−12xy+36+13 = x2 +2xy+y2 ⇒ (xy−6)2 +13 = (x+y)2.
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1.2. Aritmética modular 9
Daí(xy − 6)2 − (x+ y)2 = −13
e portanto
(xy − 6− (x+ y))(xy − 6 + (x+ y)) = −13.
Temos os sistemas{xy − 6− (x+ y) = −1
xy − 6 + (x+ y) = 13
e {xy − 6− (x+ y) = −13
xy − 6 + (x+ y) = 1
As soluções são (3, 4), (4, 3), (0, 7) e (7, 0).�
1.2 Aritmética modular
O método da aritmética modular consiste em ver umaversão da equação mod m que a torne mais simples de ser resol-vida. A ideia aqui é a de fazer "desaperecer" algumas variáveise obter informações sobre as outras. Nesse caso é sempre útilsaber os possíveis restos da divisão de potências perfeitas por m.Na tabela abaixo daremos algumas dessas informações
m x2 (mod m) x3 (mod m)
3 {0, 1} {0, 1, 2}4 {0, 1} {0, 1, 3}5 {0, 1, 4} {0, 1, 2, 3, 4}6 {0, 1, 3, 4} {0, 1, 2, 3, 4, 5}7 {0, 1, 2, 4} {0, 1, 6}9 {0, 1, 4, 7} {0, 1, 8}11 {0, 1, 3, 4, 5, 9} {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10}
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10 Capítulo 1. Métodos Elementares
Vale ressaltar que não é complicado encontrar os pos-síveis restos de xt por m, quando m e t são fixados. Observeainda na tabela que não é interessante ver x3 mod m, param ∈ {3, 5, 6, 11}, pois todos os restos possíveis aparecem. Poroutro lado só existe 3 restos possíveis mod 9 (!).
Vamos aos problemas
Problema 3 Resolva a equação
x3 − 2013 = y!.
Solução. Primeiro precisamos fazer desaparecer uma variável,nesse caso é tentador fazer isso com y! que é zero mod 9, paray ≥ 6. Escolhemos o 9, pois temos poucos restos de x3 nessecaso. Logo a equação fica
x3 ≡ 6 (mod 9).
Mas como vimos na tabela x3 ≡ 0, 1, 8 (mod 9), logo chegamosnuma contradição e portanto y ∈ {1, 2, 3, 4, 5}. No entanto ne-nhum desses valores fornece uma solução.�
A próxima equação é puramente exponenciala
Problema 4 Resolva a equação
3x − 2y = 7.
Solução. Se y ≥ 3, então 2y ≡ 0 (mod 8). Assim
3x ≡ 7 (mod 8).
a As variáveis estão na potência
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1.3. Método paramétrico 11
Por outro lado, 32k ≡ 9k ≡ 1 (mod 8) e 32k+1 ≡ 3 (mod 8).Resumindo, as possíveis soluções aparecem para y ∈ {1, 2} quefornece (2, 1) como única solução. �
O próximo problema faz uma pergunta um pouco dife-rente, pois uma das variáveis é um polinômio. Mais precisamente,
Problema 5 Prove que não existe P ∈ Z[x] e y ∈ Z tais que{P (2014) + P (20142) + · · ·+ P (20142014) = y2
P (1) = 2
Para esse problema, precisamos do seguinte fato queajuda:
• Se a ≡ b (mod m) e P (x) ∈ Z[x], então P (a) ≡ P (b)
(mod m).
Solução. Note que 2014k ≡ 1 (mod 3), para todo k. Daí, pelofato, temos P (2014k) ≡ P (1) ≡ 2 (mod 3). Assim
y2 ≡ P (2014) + · · ·+ P (20142014) ≡ 4028 ≡ 2 (mod 3)
o que é absurdo, pois y2 ≡ 0, 1 (mod 3) (ver tabela).�
1.3 Método paramétrico
Considere a equação Diofantina
f(x1, . . . , xn) = 0.
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12 Capítulo 1. Métodos Elementares
Desejamos escrever as soluções como funções de outrasvariáveis. Isto é, encontrar funções g1, . . . , gn tais que
x1 = g1(k1, . . . , k`), . . . , xn = gn(k1, . . . , k`).
Esse método de "encurralar" as soluções geralmente nãoencontra todas as soluções, mas é suficiente pra provar a infini-tude delas.
Problema 6 Prove que existem infinitas triplas (x, y, z) taisque
x3 + y3 + z3 = x2 + y2 + z2.
Solução. Podemos tentar colocar uma variável em função deoutra. Para isso, usamos tentativas em conjunto com um poucode "intuição". Faça z = −y, então temos
x3 = x2 + 2y2.
Agora, escolha y = mx. Daí, x = 1 + 2m2 e logo
x = 2m2 + 1, y = m(2m2 + 1)m, z = −m(2m2 + 1)
fornecem infinitas soluções.�
A equação Diofantina mais famosa da história é a equa-ção do Último Teorema de Fermat, a saber
xn + yn = zn
para n ≥ 3. Provar que não existe solução com xyz 6= 0 desafioumatemáticos por séculos até que foi resolvida por A. Wiles em
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1.4. Desigualdades 13
1994 (veremos mais sobre o assunto posteriormente). Agora, va-mos apresentar uma leve variação que pode ser resolvida de certaforma. O que mostra como equações Diofantinas são misteriosas.
Problema 7 Prove que, se n ≥ 3, então a equação
xn + yn = zn+1
possui infinitas soluções.
Solução. Para todo k ∈ N,
xk = kn + 1, yk = k(kn + 1), zk = kn + 1
é solução.�
Problema 8 Mostre que
x2 = y3 + z5
possui infinitas soluções.
Solução. Basta tomar
xn = n10(n+ 1)8, yn = n7(n+ 1)5, n4(n+ 1)3.
�
1.4 Desigualdades
Muitas vezes podemos usar nossa equação para restrin-gir nossas variáveis a alguns intervalos. Geralmente é muito útilusar a simetria da equação, para isso vamos fazer uma definição.
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14 Capítulo 1. Métodos Elementares
Definição 1 Um polinômio P (x1, . . . , xn) ∈ Z [x1, . . . , xn] é cha-mado simétrico ou função simétrica em x1, . . . , xn se
P (xα(1), . . . , xα(n)) = P (x1, . . . , xn),
para toda permutação α ∈ Sn, onde Sn é o conjunto das permu-tações do conjunto {1, ..., n}
Exemplo 1 Por exemplo, a função P (x, y) = x2 + y2 é simé-trica (pois P (x, y) = P (y, x)), mas Q(x, y) = x2 + y não é simé-trica (pois Q(x, y) 6= Q(y, x)).
Uma equação Diofantina é simétrica se a função f ésimétrica. Nesse caso, podemos usar convenientemente qualquerordem das variáveis. Por exemplo,
Problema 9 Encontre todos os x, y, z ∈ N, tais que
x+ y + z = xyz.
Solução. A função f(x, y, z) = x+y+z−xyz é simétrica, logopodemos supor x ≤ y ≤ z. Daí obtemos da equação:
xyz = x+ y + z ≤ 3z.
Como z 6= 0, então xy ≤ 3 e logo (x, y) = (1, 1), (1, 2) ou (1, 3).Substituindo, obtemos a única solução 1 + 2 + 3 = 1 · 2 · 3.�
No próximo problema veremos como um simples estudopode salvar o dia!
Problema 10 Encontre uma solução não nula para a equação
x1 + · · ·+ x1000 = x1 · · ·x1000.
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1.4. Desigualdades 15
Solução. Usando o mesmo argumento do problema anterior(pois a equação é simétrica), obtemos
x1 · · ·x999 ≤ 1000,
com xi ≤ xi+1. Claramente vários xi’s devem ser iguais a 1. Naverdade, se x1 = · · · = xt = 1 e xj ≥ 2 para j > t, então
2999−t ≤ 1000
e assim t ≥ 990. Agora olhamos para cada caso de t (990 ≤ t ≤999) e obtemos
1 + · · ·+ 1︸ ︷︷ ︸998
+2 + 1000 = 1 · · · 1 · 2 · 1000.
�
Problema 11 Resolva a equação
x3 + y3 = (x+ y)2
com x, y ∈ Z.
Solução. Primeiro observe que (x, y) = (k,−k) é solução paratodo k ∈ Z. Logo podemos supor que x + y 6= 0 e nesse casopodemos dividir a igualdade por x+ y para obter
x2 − xy + y2 = x+ y.
Multiplicando por 2 e somando 2, temos
x2 − 2xy + y2 + x2 − 2x+ 1 + y2 − 2y + 1 = 2⇒
(x− y)2 + (x− 1)2 + (y − 1)2 = 2.
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16 Capítulo 1. Métodos Elementares
Como cada termo da última igualdade é não negativo, temos que|x − 1| <
√2 e |y − 1| <
√2. Portanto, x, y ∈ {±2,±1, 0} e as
soluções são(0, 1), (1, 0), (1, 2), (2, 1), (2, 2).
�
O método das desigualdades também pode ser usadopara resolver várias equações ao mesmo tempo. No problema aseguir, resolveremos 216 equações (!)
Problema 12 Prove que nenhuma equação da forma
x6 + ax4 + bx2 + c = y3,
com a ∈ {3, 4, 5}, b ∈ {4, . . . , 12} e c ∈ {1, . . . , 8}, é solúvel emZ.
Solução. Temos que
(x2 + 1)3 < x6 + 3x4 + 4x2 + 1 ≤ x6 + ax4 + bx2 + c︸ ︷︷ ︸=y3
≤ x6 + 5x4 + 12x2 + 8 < (x2 + 2)3.
Logo x2 + 1 < y < x2 + 2 o que é fornece um absurdo (uminteiro entre dois inteiros consecutivos). Logo nenhuma daquelasequações possui solução. �
1.5 Exercícios
Exercício 1.1 Resolva a equação
x2(y − 1) + y2(x− 1) = 1.
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1.5. Exercícios 17
Exercício 1.2 Um número n é chamado quadradinhob de 8 se
n = xy = (x+ y)2,
onde x ou y é primo. Encontre todos os quadradinhos de 8.
Exercício 1.3 Resolva
x− y4 − 4,
onde x é primo.
Exercício 1.4 Resolva
x3 − 117y3 = 5.
Exercício 1.5 Encontre todos os ternos (x, y, z) tais que
1
x+
1
y+
1
z=
3
5.
Exercício 1.6 Resolva
x3 + (x+ 1)3 + · · ·+ (x+ 7)3 = y3.
Exercício 1.7 Encontre as soluções da equação
(x+ 1)4 − (x− 1)4 = y3.
Exercício 1.8 Resolva
x+ y + z + w = xyzw
em inteiros positivos.b Invenção do professor
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18 Capítulo 1. Métodos Elementares
Exercício 1.9 Encontre todos os x, y tais que
xy = yx.
Exercício 1.10 Prove que a equação
xn + yn = zn−1,
com n ≥ 3, tem infinitas soluções.
Exercício 1.11 Resolva a equação
p3 − q5 = (p+ q)2
em primos p, q.
Exercício 1.12 Prove que a equação
x5 − y2 = 4
não tem solução.
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19
2 Divisores de Formas Binárias
Nesse capítulo, veremos que conhecer o comportamentode divisores de formas aαn ± bβn pode ser deveras útil paraaplicações em algumas equações.
2.1 Divisores de a2 + b2
Nessa seção vamos explorar o bom comportamento dedivisores da soma de dois quadrados perfeitos. Antes de enunciare provar nosso resultado chave, precisaremos recordar o famosoPequeno Teorema de Fermat.
Teorema 1 (Pequeno Teorema de Fermat) Sejam a ∈ Z ep primo tal que p - a. Então ap−1 ≡ 1 (mod p).
A demonstração desse fato pode ser feita por induçãosobre a. Indicamos ao leitor a [14, p. 49].
Agora podemos enunciar um grande fato que ajuda:
Proposição 1 Se p | a2+b2 e mdc(a, b) = 1, então p é da forma4k + 1.
Demonstração. Suponha que p = 4k + 3, então (p − 1)/2 éímpar. Por outro lado, a2 ≡ −b2 (mod p) e daí
ap−1 ≡ (a2)(p−1)/2 ≡ (−1)(p−1)/2(b2)(p−1)/2 ≡ −bp−1 (mod p).
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20 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Mas como a e b são coprimos, então p - ab e pelo Pequeno Teo-rema de Fermat ap−1 ≡ bp−1 ≡ 1 (mod p) o que contradiz acadeia de congruências acima. �
Vamos agora aplicar esse resultado:
Problema 13 Seja n ≥ 1 um inteiro ímpar. Prove que a equa-ção
xn + 2n−1 = y2
não tem soluções em inteiros ímpares.
Solução. Reescreva a equação anterior como
xn + 2n = y2 + 2n−1.
Como n é ímpar, então o lado direito acima é soma de doisquadrados primos entre si (pois y também é ímpar). Portanto,pela proposição, não possui divisor da forma 4k+3. Para chegarnuma contradição, mostraremos que o lado esquerdo tem pelomenos um divisor congruente a 3 módulo 4. Se x = 4k+1, entãox + 2 é da forma 4k + 3 e x + 2 | xn + 2n (pois n é ímpar). Nocaso de x = 4k + 3, então (para n ≥ 3)
xn + 2n ≡ (4k + 3)n ≡ 3n ≡ 3 (mod 4)
e logo xn + 2n tem um divisor que é 3 módulo 4.�
Problema 14 Mostre que a equação
x3 − x2 + 8 = y2
não tem solução inteira.
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2.2. Sequências recorrentes 21
Solução. Primeiro escrevemos a equação acima como x3 +23 =
x2 + y2 e portanto
(x+ 2)(x2 − 2x+ 4) = x2 + y2.
Vamos dividir a solução em dois casos. No primeiro, quando x éímpar (e assim, mdc(x, y) = 1). Se x = 4k+1, então x+2 = 4k+3
que divide x2 + y2 o que é uma contradição com a Proposição(aqui usamos que 4t + 3 tem pelo menos um de seus fatoresprimos dessa mesma forma). Quando x ≡ 3 (mod 4) então
x2 − 2x+ 4 ≡ 32 − 2 · 3 + 4 ≡ 3 (mod 4)
e divide x2+y2 contradizendo novamente a Proposição. Portantox = 2t e então y = 2` e a equação fica
2t3 − t2 + 2 = `2.
Olhando para essa equação módulo 4, temos que se té par, 2 ≡ `2 (mod 4) o que é absurdo. Quando t é ímpar,obtemos 3 ≡ `2 (mod 4) que também não pode acontecer (aquiusamos que z2 ≡ 0, 1 (mod 4)). Logo a equação inicial nãopossui solução.�
2.2 Sequências recorrentes
Sequências recorrentes são sequências (un)n nas quaiscada termo é determinado em função dos termos anteriores. Es-taremos interessados aqui no caso em que a função essa linearcom coeficientes inteiros, ou seja, quando existem C1, . . . , Ck ∈ Ztais que
un+k = C1un+k−1 + C2un+k−2 + · · ·+ Ckun ∀n ∈ N. (2.1)
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22 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Vale salientar que uma sequência desse tipo fica unicamente de-terminada pela escolha dos k valores iniciais u1, . . . , uk. Nessecaso dizemos que (un)n de sequência recorrentes lineares de or-dem k (supondo Ck 6= 0). Essas sequências são mais comuns doque aparentam. Alguns exemplos:
Exemplo 2 Progressões geométricas: Se xn = aqn, então xn+1 =
qxn para todo n ∈ N, donde (xn)n é uma sequência recorrentelinear de ordem 1.
Exemplo 3 Progressões aritméticas: Se (xn)n é uma progressãoaritmética, existe uma constante r tal que xn+1 − xn = r paratodo n ∈ N, daí xn+2 − xn+1 = xn+1 − xn, e logo xn+2 =
2xn+1 − xn. Portanto, (xn)n∈N é uma sequência recorrente deordem 2.
Talvez dois dos mais importantes exemplos de tais sequên-cias são:
Exemplo 4 A sequência de Fibonaccia: A sequência (Fn)n éuma sequência recorrente linear de ordem 2, que satisfaz Fn+2 =
Fn+1 + Fn para todo n ∈ N, onde F0 = 0 e F1 = 1.
Exemplo 5 A sequência dos números de Lucasb: A sequência(Ln)n é uma sequência recorrente linear cuja relação de recor-rência é a mesma da sequência de Fibonacci, ou seja Ln+2 =
Ln+1 +Ln para todo n ∈ N, mas possui valores iniciais diferen-tes, L0 = 2 e L1 = 1.
a Sequência de número A000045 na Sloane’s Encyclopedia of Integer Se-quences.
b A000204.
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2.2. Sequências recorrentes 23
O fato interessante é que existe uma forma fechada ex-plícita para o n-ésimo termo de uma sequência recorrente linear,mas antes de apresentá-la, precisamos de algumas definições.
Definição 2 O polinômio característico da sequência (un)n, sa-tisfazendo (2.1) é dado por
P (x) = xk − C1xk−1 − · · · − Ck−1x− Ck ,
e denotamos por λ1, λ2, . . . , λr suas raizes complexas com mul-tiplicidades a1, a2, . . . , ar respectivamente.
Por exemplo, o polinômio caracteristíco da sequênciade Fibonacci é P (x) = x2 − x− 1 cujas raizes são (1 +
√5)/2 e
(1−√
5)/2.
Um célebre resultado sobre recorrências lineares afirmaque, para todo n ∈ N, temos
un = Q1(n)λn1 +Q2(n)λn2 + · · ·+Qr(n)λnr ,
onde Q1, . . . , Qr são polinômios sobre o corpo Q({λj}rj=1), comgrau deg(Qi) < ai, para todo 1 ≤ i ≤ r.
Para uma demonstração deste resultado, indicamos aleitura de [14, Apêndice B].
No caso da sequência de Fibonacci temos que
Fn = c1
(1 +√
5
2
)n+ c2
(1−√
5
2
)n,
onde ci = (−1)i+1/√
5.
A fórmula acima é conhecida como fórmula de Binet(apesar de ser um resultado já conhecido por Euler, D. Bernoulli,e De Moivre mais de um século antes).
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24 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Uma recorrência linear é chamada binária quando k =
2, isto é, quando un(a, b, u0, u1) = aun−1 + bun−2 com termosiniciais u0 e u1. Observe que un(1, 1, 0, 1) = Fn e un(1, 1, 2, 1) =
Ln.
Definição 3 Uma sequência binária não degeneradac (un)n échamada sequência de Lucasd se mdc(a, b) = 1, u0 = 0 e u1 = 1.
Se P (x) = x2 − ax − b = (x − α)(x − β) é o polinômiocaracterístico de (un)n, então
un =αn − βn
α− β
e o valor ∆ = (α−β)2 é chamado de discriminante da recorrên-cia.
Cada sequência de Lucas (un)n = (un(a, b))n tem suasequência companheira (vn)n dada por vn = αn+βn com v0 = 2
e v1 = a.
Exemplo 6 A sequência companheirae de (Fn)n é (Ln)n e valeque
Ln =
(1 +√
5
2
)n+
(1−√
5
2
)n.
2.3 O teorema do divisor primitivo
O problema de encontrar relações de divisibilidade emsequência binárias têm atraído a atenção de matemáticos há dé-c Quando possui duas raizes distintas α e β e α/β não é raíz da unidaded Não confundir, apesar de ser fácil de fazê-lo, sequência de Lucas com
sequência dos números de Lucase A relação L2
n − 5F 2n = 4(−1)n justifica o termo companheira
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2.3. O teorema do divisor primitivo 25
cadas. Estaremos interessados aqui no seguinte tipo de divisor
Definição 4 Seja (un)n uma sequência de Lucas com discrimi-nante ∆. Dizemos que um primo p é divisor primitivo de un, sep | un e p - ∆
∏1≤k≤n−1 uk.
Por exemplo, abaixo listamos os 18 primeiros númerosde Fibonacci
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987, 1597
e somente F1 = F2 = 1, F6 = 23 e F12 = 24 · 32 não possuemdivisores primitivos.
Exemplo 7 Um termo de uma sequência de Lucas pode termais de um divisor primitivo, por exemplo
F100 = 54224848179261915075
possui 401 e 570601 como divisores primitivos.
Um outro fato interessante é que se p é divisor primitivode un, então
p ≡ ±1 (mod n). (2.2)
Em particular p ≥ n− 1. Essa congruência vai ser bastante útilnas aplicações, como veremos posteriormente.
Agora vamos enunciar o resultado mais importante dessaseção, o chamado Teorema do Divisor Primitivo (que carinhosa-mente chamaremos apenas de TDP) diz que se n /∈ {1, 2, 3, 4, 6}então un tem divisor primitivo, a menos de uma quantidade fi-nita de exemplos, que são todos conhecidos:
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26 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Teorema 2 (Teorema do Divisor Primitivo) Se n ∈ Z enão pertence a {1, 2, 3, 4, 6} então un tem divisor primitivo ex-ceto quando ((α, β), n) é da forma
(±((a+√
∆)/2, (a−√
∆)/2), n)
onde (a, b, n) está na tabela abaixo
n (a,∆)
5 (1,5),(1,-7),(2,-40),(1,-11),(1,-15),(12,-76),(12,-1364)7 (1,-7), (1,-19)8 (2,-24), (1,-7)10 (2,-8), (5,-3)12 (1,5), (1,-7), (1,-11), (2,-56), (1,-15), (1,-19)13 (1,-7)18 (1,-7)30 (1,-7)
Uma demonstração desse teorema pode ser encontradaem [4]. Como consequência imediata temos que
Corolário 1 Se n > 12, então Fn tem divisor primitivo.
2.4 Equações envolvendo números de Fibonacci
Agora nosso objetivo é resolver algumas equações Di-ofantinas envolvendo a sequência de Fibonacci. Vale dizer quealém de métodos já conhecidos para se resolver equações, algunsfatos e/ou identidades são necessários (as vezes truques, por quenão?!).
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2.4. Equações envolvendo números de Fibonacci 27
Muitos problemas interessantes (e difíceis) em Teoriados Números podem ser considerados como a busca pela inter-seção de duas sequências de inteiros. Por exemplo, encontrarnúmeros primos na sequência de Mersennef desafia diariamentehumanos e máquinas do mundo inteiro (GIMPS Project). Nossosdois primeiros problemas são desse tipo:
Problema 15 Encontre todos os números de Fibonacci que tam-bém são números de Lucas.
Olhando para os termos iniciais vemos que 1 e 3 estãona interseção (Fn)n ∩ (Lm)m. Aqui usaremos o seguinte fato:
• F2m = FmLm.
Solução. O primeiro passo é montar nossa equação, isto é,queremos resolver
Fn = Lm.
Observamos que não existe TDP para os números deLucas. Sendo assim, seria interessante transformar a igualdadeacima em uma envolvendo apenas números de Fibonacci. Paraisso usaremos o fato anterior. Daí podemos reescrever a igual-dade do problema como
FnFm = F2m.
Se m > 6, então 2m > 12 e pelo TDP existe um p divi-sor primitivo de F2m. Como 2m > m então p | Fn e logo n ≥ 2m
(pois p é divisor primitivo). De modo análogo, se n > 12, então
f Números da forma 2n − 1
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28 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
provamos que 2m ≥ n e logo vale a igualdade n = 2m implicandoem Fm = 1. Mas isso é absurdo, pois m > 6, logo provamos quemin{m,n} ≤ 12 e temos apenas uma quantidade finita de casosa se considerar que facilmente retorna {1, 3} como conjunto so-lução. �
O segundo problema envolve os conhecidos fatoriais quesão números da forma n! = n(n − 1) · · · 2 · 1, para n ≥ 2, com0! = 1! = 1, cujos primeiros termos são
1, 2, 6, 24, 120, 720, 5040, 40320, 362880, 3628800, . . . .
Problema 16 Encontrar todos os fatoriais na sequência de Fi-bonacci.
Alguns fatos
• m! > (m/3)m.
• Fn ≤ ((1 +√
5)/2)n−1.
Solução. Queremos então resolver a equação
Fn = m!.
Suponha que n > 12, então pelo TDP existe p divisorprimitivo de Fn. Em particular, como vimos, p ≥ n−1. Por outrolado, se p | Fn = m! então p ≤ m. Daí, pelos fatos, obtemos
((1 +√
5)/2)n−1 ≥ Fn = m! > (m/3)m ≥ (p/3)p
≥ ((n− 1)/3)n−1 > ((1 +√
5)/2)n−1
,
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2.4. Equações envolvendo números de Fibonacci 29
onde a última desigualdade é válida para n > 5. Logo, obtemosuma contradição e portanto n ≤ 12 e daí basta procurarmos
m! ∈ {1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144}.
Encontramos apenas as soluções {1, 2}. �
Para o próximo problemas precisamos de uma, dentreas várias, generalizações da sequência de Fibonacci. Mais pre-cisamente, no fim do século XIX, a sequência de Fibonacci foigeneralizada para os coeficientes Fibonomiais:[
m
k
]F
=FmFm−1 · · ·Fm−k+1
F1 · · ·Fk, (2.3)
para k ≤ m.
Queremos então resolver o seguinte problema
Problema 17 Encontrar todas as soluções da equação[m
k
]F
= makb.
Solução. Claramente podemos supor m > k, portanto escreve-mos
Fm · · ·Fm−k+1 = makbF1 · · ·Fk.
Suponha que m > 24 (como assim?! Não era precisoapenas m > 12 (!) Sim, mas fique calmo que veremos o porquêdaqui há pouco), então existe p divisor primitivo de Fm. Comom > k, então p | makb, ou seja, p | m ou p | k. Agora, observeque como p é divisor primitivo de Fm, então p ≡ ±1 (mod m),
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30 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
em particular mdc(p,m) = 1 (pois p = ±1 + `m e logo seque-sepelo teorema de Bezoutg). Logo p | k e assim
m− 1 ≤ p ≤ k ≤ m− 1.
Daí, p = k = m − 1 e obtemos Fm =[mm−1
]F
= ma(m − 1)b.Como m = p+1 e p é primo (diferente de 2, perceba isso!) entãom é par e sendo assim podemos reescrever a última igualdadecomo
Fm/2Lm/2 = ma(m− 1)b.
Como m > 24, então m/2 > 12 (Ahhh, agora entendi!) e logoexiste q divisor primitivo de Fm/2 e q ≡ ±1 (mod m/2). Pelomesmo motivo q não dividem e portanto q | m−1 = p. Daí q = p
e chegamos na seguinte contradição: o divisor primitivo p de Fmdivide Fm/2 o que é uma contradição. Logo m ≤ 24 e só ficamoscom uma quantidade finita de casos que pode ser resolvida porsubstituição ou com uso de ferramentas computacionais. A títulode informação, as soluções são
(m, k, a, b) ∈ {(1, 1, a, b), (5, 1, 1, b), (12, 1, 2, b), (5, 3, 1, 1)}.
�
É quase desnecessário salientar que existem várias equa-ções Diofantinas importantes que ainda continuam sem solução.Por exemplo,
∗ Um famoso problema em aberto sobre equações Diofan-tinas é encontrar todos os pares de coeficientes binomiais
g Se ax+ by = 1, então mdc(x, y) = 1
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2.4. Equações envolvendo números de Fibonacci 31
tendo o mesmo valor, isto é, encontrar todas as soluçõesda equação (
m
k
)=
(n
`
), (2.4)
onde 1 ≤ k ≤ m− 1, 1 ≤ ` ≤ n− 1 e para evitar simetriasno triângulo de Pascal k ≤ m/2 e ` ≤ n/2.
∗ Encontrar as soluções da equação n! + 1 = m2, que é co-nhecida como equação de Brocard-Ramanujam. Em 1913,Ramanujan [15, p. 327] conjecturou que as únicas soluçõessão (n,m) ∈ {(4, 5), (5, 11), (7, 71)}. Recentemente, Berndte Galway [3] não encontraram outras soluções até n = 109.Este problema continua em aberto.
No entanto, algumas propriedades de sequências recor-rentes permitem que a solução de "equações relacionadas" sejapossível. Por exemplo, a versão de Fibonaccih das duas equaçõesanteriores foram resolvidas, como indicaremos abaixo:
Em 2009, Luca, Marques e Stănică resolveram a versãoFibonomial da equação (2.4): a equação Diofantina[
m
k
]F
=
[n
`
]F
não tem solução inteira com 1 ≤ k ≤ m/2, 1 ≤ ` ≤ n/2 e(m, k) 6= (n, `), ver [12].
Faremos agora a versão de Fibonaccii da equação deBrocard-Ramanujam
h Por versão de Fibonacci entendemos trocar toda váriável i da equaçãopor Fi
i A título de informação a versão de Fibonacci do fatorial, denotada pornF !, é definida por F1 · · ·Fn, é chamada Fibonorial
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32 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Problema 18 Mostre que a equação
F1 · · ·Fn + 1 = F 2m
não possui solução em inteiros n e m, com m > 2.
Para resolver esse problema usaremos a fatoração deFm±1 como produto de um número de Fibonacci por um númerode Lucas e isso depende do resto da divisão de m módulo 4. Maisprecisamente,
F4k + 1 = F2k−1L2k+1 ; F4k − 1 = F2k+1L2k−1 (2.5)
F4k+1 + 1 = F2k+1L2k ; F4k+1 − 1 = F2kL2k+1
F4k+2 + 1 = F2k+2L2k ; F4k+2 − 1 = F2kL2k+2
F4k+3 + 1 = F2k+1L2k+2 ; F4k+3 − 1 = F2k+2L2k+1
Em particular, vale que
• Fm ± 1 = FaLb, para alguns 2a, 2b ∈ {m± 2,m± 1}.
Solução. Pelo fato acima, podemos reescrever nossa equaçãocomo
F1 · · ·Fn = F 2m − 1 = (Fm − 1)(Fm + 1) = FaLbFcLd,
com 2a, 2b, 2c, 2d ∈ {m ± 2,m ± 1}. Usando a identidade Ls =
F2s/Fs obtemos
FbFdF1 · · ·Fn = FaF2bFcF2d.
Suponha que m > 14 e sem perda de generalidade que d > b,então 2d ≥ m−2 > 12 e logo pelo TDP existe divisor primitivo de
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2.5. Exercícios 33
F2d que também deve ser divisor de Fn (pela igualdade acima).Assim, n ≥ 2d. Agora, se n > 13, então Fn tem divisor primitivoe como n ≥ 2d, então este deve ser divisor de F2d (novamentepela igualdade). Em resumo n = 2d e a equação fica
FbFdF1 · · ·Fn−1 = FaF2bFc.
Afirmamos que 2b > d. De fato, 2b ≥ m − 2 > (m +
2)/2 ≥ d, sempre que m > 6. Como 2b > 12 e n − 1 > 12,usamos o TDP novamente (como antes) e obtemos 2b = n − 1.Mas isso é uma contradição pois 2b = n−1 e n = 2d seriam doisnúmeros pares consecutivos (?!). Portanto m ≤ 14 e ficamoscom os casos finitos. Para isso, vemos que F1 · · ·F` + 1 é primose ` = 1, . . . , 8 e
F9 · · ·F1 + 1 = 599 · 3719,
F10 · · ·F1 + 1 = 1373 · 89237,
F11 · · ·F1 + 1 = 181 · 60245821,
F12 · · ·F1 + 1 = 631 · 2488505671,
F13 · · ·F1 + 1 = 3833 · 12109 · 7882733,
F14 · · ·F1 + 1 = 7542877 · 18286401013
que não geram sequer um quadrado perfeito.�
2.5 Exercícios
Exercício 2.1 Encontre os divisores primitivos de Fj, para j =
21, 22, 23 e 24.
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34 Capítulo 2. Divisores de Formas Binárias
Exercício 2.2 Resolva
Fn = m1!m2! · · ·mk!.
Exercício 2.3 Ache todas as soluções da equação
n! + 1 = Fm.
Exercício 2.4 Generalize o Problema 18, resolvendo a equação
Fn+1 · · ·Fn+k + 1 = F 2m.
Exercício 2.5 Resolva
Fm = m2014!.
Exercício 2.6 Resolva
Fn1· · ·Fnk
= 2a · 3b · 5c.
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35
3 A Equação de Fermat
Nosso objetivo é estudar a equação xn + yn = zn, paran ≥ 2. Essa é uma das equações mais antigas que se tem notícia(caso n = 2) e um dos problemas em aberto mais difíceis (cason = 1).
3.1 A equação x2 + y2 = z2 (ternos Pitagóricos)
Nosso primeiro objetivo é estudar a equação a2+b2 = c2
que é chamada de equação de Pitágoras e suas soluções são cha-madas de ternos pitagóricos. Além disso, um tal terno é chamadoprimitivo se mdc(a, b, c) = 1. Claramente, qualquer terno pita-górico pode ser obtido de um terno primitivo multiplicado poruma constante k ∈ N. Talvez o terno pitagórico mais conhecidoseja (3, 4, 5). Abaixo caracterizamos todos os ternos pitagóricosprimitivos
Teorema 3 Se (a, b, c) são tais
a2 + b2 = c2
então existem m,n ∈ Z com m+ n ímpar e tais que
a = m2 − n2, b = 2mn, c = m2 + n2.a
a Por simetria podemos supor que a é ímpar
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36 Capítulo 3. A Equação de Fermat
Demonstração. Suponha que a é ímpar. Nesse caso b é par,pois caso contrário teríamos
c2 ≡ a2 + b2 ≡ 1 + 1 ≡ 2 (mod 4),
mas os únicos quadrados módulo 4 são 0 e 1. Assim, b é par e cé ímpar. Escrevemos(
b
2
)2
=
(c− a
2
)(c+ a
2
).
Note que mdc(c − a, c + a) =mdc(c − a, 2a) = 2, pois mdc(c −a, a) =mdc(c, a) = 1. Logo (c−a)/2 e (c+a)/2 são primos entresi e pela fatoração única em Z, obtemos que
c− a2
= m2,c+ a
2= n2, b = 2mn,
para alguns m,n ∈ Z. Resolvendo, temos
a = m2 − n2 e c = m2 + n2.
Como queríamos.�
Saber quais são os ternos (ou triplas) pitagóricas é bemútil para resolver algumas outras equações Diofantinas. Comopor exemplo,
Problema 19 Encontre todas as soluções primitivas da equa-çãob
a2 + b2 = 2c2.
b Essa equação aparece quando queremos encontrar quadrados perfeitosconsecutivos em uma progressão aritmética
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3.1. A equação x2 + y2 = z2 (ternos Pitagóricos) 37
Solução. Observe que a e b têm a mesma paridade. Escrevaa = r + s e b = r − s (podemos escolher r = (a + b)/2 e s =
(a− b)/2). Então
2c2 = a2 + b2 = (r + s)2 + (r − s)2 = 2(r2 + s2)
e logo c2 = r2 +s2. Portanto (r, s, c) é um terno pitagórico e peloteorema anterior (supondo r ímpar)
r = m2 − n2, s = 2mn, c = m2 + n2.
Daí
a = m2 − n2 + 2mn, b = m2 − n2 − 2mn, c = m2 + n2.
�
Problema 20 (A equação "negativa" de Pitágoras) Encontretodas as soluções inteiras da equação
x−2 + y−2 = z−2.
Solução. Podemos reescrever a equação como
x2 + y2 =(xyz
)2
.
Em particular, z | xy e escrevemos t = xy/z. Seja d =mdc(x, y, t)e escreva x = da, y = db e t = dc, com mdc(a, b, c) = 1. Logoz = dab/c e da equação x2 + y2 = t2, obtemos
a2 + b2 = c2.
Em particular, mdc(c, ab) = 1. Como abd/c ∈ Z, então c | dimplicando em d = kc. Portanto,
x = kca, y = kcb, z = kab.
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38 Capítulo 3. A Equação de Fermat
Mas a2 + b2 = c2 em coprimos a, b, c nos dá
a = m2 − n2, b = 2mn, c = m2 + n2.
Assim
x = k(m2 − n2), y = 2kmn(m2 + n2), z = 2kmn(m2 − n2).
�
3.2 O último teorema de Fermat
A equação Diofantina mais conhecida é sem sombra dedúvidas a equação
xn + yn = zn,
conhecida como equação de Fermat, quando n ≥ 3. O últimoteorema de Fermat (UTF) afirma que não existe solução para aequação acima quando n ≥ 3 e xyz 6= 0.
O teorema deve seu nome a Pierre de Fermat, que es-creveu às margens de uma tradução de Arithmetica de Diofanto,ao lado do enunciado deste problema:
"Cuius rei demonstrationem mirabilem sane detexi. Hancmarginis exiguitas non caperet."
traduzindo
"Encontrei uma demonstração verdadeiramente maravilhosadisto, mas esta margem é estreita demais para contê-la."
Muitos matemáticos devotaram a vida (as vezes, literal-mente) para a pesquisa sobre esse problema. Foram precisos mais
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3.2. O último teorema de Fermat 39
de 300 anosc para que uma solução completa fosse apresentadapelo matemático britânico Andrew Wiles. Devido a complexi-dade da demonstração de Wiles, até hoje os matemáticos ques-tionam se Fermat estava enganado. A prova de Wiles é baseadaem curvas elípticas, formas modulares, representações galoisia-nas, etc. No entanto, isso está longe de provar que Fermat estavaerrado (apesar de fornecer indícios).
Existem dois tipos de solução para a equação de Fer-mat. Dizemos que uma solução é do tipo 1, se p - xyz e é dotipo 2 (mais difícil) se p | xyz. Claramente para provar que nãoexiste solução para a equação de Fermat, basta considerarmosexpoentes primos.
Sophie Germain provou que não existe solução do tipo1, quando p e 2p+ 1 são primos (p é chamado primo de SophieGermain) e Legendre provou para o caso p primo e algum dosnúmeros 4p + 1, 8p + 1, 10p + 1, 14p + 1 ou 16p + 1 tambémprimo. Com isso ele resolveu todos os casos de xp+yp = zp, comp < 100.
Em 1983, Gerd Faltings mostrou que para cada potên-cia, existe no máximo uma quantidade finita de soluções relati-vamente primas. Em 1993, usando trabalhos de Kummer o UTFfoi provado, com ajuda do computador, para n < 4000000.
c Propiciando notáveis avanços em vários ramos da matemática, a saga de359 anos de tentativas, erros e acertos está admiravelmente descrita nolivro "O Último Teorema de Fermat", do autor britânico Simon Singh,com 324 páginas.
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40 Capítulo 3. A Equação de Fermat
3.3 Sophie Germain e o UTF
Recordamos que p é chamado de primo de Sophie Ger-main, se 2p+ 1 também é primo. Os primeiros primos de SophieGermain são
2, 3, 5, 11, 23, 29, 41, 53, 83, 89, 113, 131, 173, 179, 191, 233, . . . .
Sophie Germain provou o seguinte resultado
Teorema 4 Se p e 2p + 1 são primos com p > 2, então nãoexistem inteiros x, y, z com mdc(x, y, z) = 1 e p - xyz tais quexp + yp + zp = 0.
Demonstração. Afirmamos que 2p + 1 | xyz. Caso contrário,2p + 1 - x e pelo pequeno teorema de Fermat temos x2p ≡ 1
(mod 2p+1) e logo 2p+1 | (xp−1)(xp+1) implicando xp ≡ ±1
(mod 2p+1). Analogamente, obtemos yp ≡ zp ≡ ±1 (mod 2p+
1) e logo teríamos o seguinte absurdo
0 ≡ xp + yp + zp ≡ ±1± 1± 1 6≡ 0 (mod 2p+ 1).
Portanto 2p+ 1 | xyz. Por outro lado, podemos fatorar
(−x)p = yp + zp = (y + z)(yp−1 − yp−2z + · · · − yzp−2 + zp−1).
Note que os dois fatores a direita (acima) são primos entre si. Defato, suponha que q é primo dividindo cada fator (em particularq | x). Logo y ≡ −z (mod q) e daí
0 ≡ yp−1 − yp−2z + · · · − yzp−2 + zp−1 ≡ pyp−1 (mod q).
Como q | x então q 6= p e assim q | y e q | z o que é uma con-tradição, pois mdc(x, y, z) = 1. Portanto, os fatores são primos
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3.4. Números de Fibonacci e o UTF 41
entre si e pela fatoração única em primos obtemos
ap = y + z e dp = yp−1 − yp−2z + · · · − yzp−2 + zp−1.
Analogamente,
bp = x+ z e ep = xp−1 − xp−2z + · · · − xzp−2 + zp−1
e
cp = x+ y e fp = xp−1 − xp−2y + · · · − xyp−2 + yp−1,
com b, c, e, f ∈ Z. Como 2p+ 1 | xyz, sem perda de generalidadepodemos supor 2p+ 1 | x. Escreva
2x = bp + cp − ap.
Logo 2p + 1 | bp + cp − ap e repetindo o mesmo argumento doinicio prova-se que 2p + 1 | abc. Se 2p + 1 | bp = x + z então2p + 1 | z e logo 2p + 1 | y. Contradição. Se 2p + 1 | cp entãoprova-se que 2p+1 | y e logo divide z, o que é outra contradição.Portanto 2p + 1 | a e logo y ≡ −z (mod 2p + 1). Temos entãofp ≡ yp−1 (mod 2p+1) e dp ≡ pyp−1 (mod 2p+1). Se 2p+1
divide d ou f , teríamos 2p+ 1 | y e logo 2p+ 1 | z. Portanto pelopequeno teorema de Fermat, vale que dp ≡ ±1 (mod 2p+ 1) efp ≡ ±1 (mod 2p+ 1). Logo
±p ≡ pfp ≡ pyp−1 ≡ dp ≡ ±1 (mod 2p+ 1).
Assim chegaríamos ao absurdo de ±p±1 ser divisível por 2p+1.�
3.4 Números de Fibonacci e o UTF
Existem muitos resultados do tipo: se p > 2 é primo talque xp + yp + zp = 0 tem solução de tipo 1, então p satisfaz blá,
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42 Capítulo 3. A Equação de Fermat
blá, blá. Por exemplo, isso é válido quando blá, blá, blá é trocadopor
• qp−1 ≡ 1 (mod p2), para q ∈ {2, 3, 5, 11, 17}.
Esses resultados foram provados, independentemente, por Wie-ferich, Mirimanoff, Vandiver e Frobenius.
O leitor pode estar se perguntando como envolver oUTF com números de Fibonacci. Antes de falar nesse resultadotão interessante vamos à algumas definições:
Definição 5 Dado m ∈ N, definimos a ordem de aparição nasequência de Fibonacci como
z(m) = min{k ∈ N : m | Fk}.
Exemplo 8 Alguns valores são z(3) = 4, z(10) = 15, z(11) =
10, z(60) = 60 e z(2014) = 54.
Não é difícil usar o princípio das gavetas para mostrarque z(m) <∞ para todom. Vamos provar isso para comodidadedo leitor.
Proposição 2 Para todo m ∈ N, z(m) <∞.
Demonstração. Basta mostrarmos que m divide algum nú-mero de Fibonacci. Para isso, seja a sequência S = {(Fn, Fn+1)
(mod m)}n∈N. Como existem apenas m resíduos módulo m, en-tão S deve ter subsequência constante. Em particular, existemt > s > 0, tais que Ft+1 ≡ Fs+1 (mod k) e Ft ≡ Fs (mod k).Subtraindo essas congruências e usando a recorrência para Fn,
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3.4. Números de Fibonacci e o UTF 43
temos Ft−1 ≡ Fs−1 (mod k). Repetindo esse processo s vezes,obtemos Ft−s ≡ F0 ≡ 0 (mod m). Note que t − s > 0 e por-tanto m | Ft−s.�
Na verdade, nossa demonstração pode provar que z(m) <
m2 + 1. O melhor limitante superior é z(m) ≤ 2m. No caso dep primo, usa-se a conhecida congruência Fp−(5/p) ≡ 0 (mod p)
(prova-se usando a fórmula de Binet e o teorema binomial) paraobter z(p) ≤ p±1. Aqui (5/p) denota o símbolo de Legendre quevale
0, se p = 5
1, se p ≡ 1, 4 (mod 5)
−1, se p ≡ 2, 3 (mod 5)
Um fato interessante é que
• n | Fm se e só se z(n) | m.
Para provar esse resultado (exercício para o leitor) pode-se usar a identidade de D’Ocagne:
(−1)nFm−n = FmFn+1 − FnFm+1.
Em 1992, os irmãos gêmeos chineses Z. W. Sun e Z. H.Sun (ver [19]) provaram que
Teorema 5 se p > 2 é primo tal que xp + yp + zp = 0 temsolução de tipo 1, então
Fp−(5/p) ≡ 0 (mod p2).
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44 Capítulo 3. A Equação de Fermat
A demonstração desse resultado é simples, mas muitotécnica, de modo que foge a objetividade dessas notas. Vale sa-lientar que a condição acima é falsa para todo primo com menosde 24 dígitos. Vamos ver algumas consequências do resultado deSun-Sun.
Para obter uma equivalência com o teorema anterior,usaremos o seguinte resultado
Proposição 3 Seja p primo. Então z(p) = z(p2) se e só seFp−(5/p) ≡ 0 (mod p2).
Solução. Temos que p | Fp−(5/p). Daí
z(p) | p− (5/p)⇔ z(p2) | p− (5/p)⇔ p2 | Fp−(5/p).
�
O próximo resultado é relacionado com primos na sequên-cia de Fibonacci (é uma problema em aberto decidir sobre ainfinitude deles). Alguns exemplos são
2, 3, 5, 13, 89, 233, 1597, 28657, 514229, 433494437, . . . .
Teorema 6 Se p = Fm é primo ímpar, então a equação xp +
yp = zp não tem solução do tipo 1.
Demonstração. Como p | Fm então z(p) | m. Se z(p) = z(p2),então z(p2) | m e daí p2 | Fm = p, absurdo. Logo z(p) 6= z(p2)
e pela proposição anterior, vale que p2 - Fp−(5/p) e o resultadosegue-se pelo teorema de Sun-Sun. �
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3.5. Método modular: a receita para o UTF 45
3.5 Método modular: a receita para o UTF
O objetivo dessa seção é apresentar as principais ideiasenvolvidas na demonstração do UTF. Na verdade, este teoremaé o caso mais simples que pode ser resolvido usando o métodomodular. Para os nosso propósitos não vamos nos aprofundar nasdefinições (tentando ser o mais claro possível) e sempre tenta-remos apresentar os resultados da forma mais simples e brevepossível.
Para iniciar precisamos de algumas definições
Definição 6 A equação de Weierstrass
y2 = x3 + ax2 + bx+ c
define uma curva elíptica E sobre Q (a, b, c ∈ Q).
A toda curva elíptica é associada dois invariantes N(condutor da curva) e ∆min (discriminante mínimo da curva).Esses invariantes podem ser calculados usando o Algoritmo deTate, ver [5].
Exemplo 9 Seja E a curva
y2 = x3 − x2 − 77x+ 330.
Usando o algoritmo de Tate temos
N = 22 · 3 · 11 e ∆min = 24 · 310 · 11.
Na verdade, no caso geral N e ∆min têm os mesmos primos nafatoração e vale ainda que N | ∆min.
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46 Capítulo 3. A Equação de Fermat
Toda curva elíptica pode ser olhada também como umgrupo (E,O), onde O é o elemento identidade. Isso nos permitefazer a seguinte definição
Definição 7 Sejam E e E′ curvas elípticas sobre Q, com identi-dades O,O′, respectivamente. Uma m-isogenia φ : E → E′ é ummorfismo de curvas algébricas tal que φ(O) = O′ e | ker(φ)| = m.
Definição 8 Uma newform f no níveld N é uma q-expansão
f = q +∑n≥2
cnqn,
onde q = q(z) = exp(2πiz).
Alguns fatos sobre as formas
• Os cn’s são chamados coeficientes de Fourier de f .
• O corpo Kf = Q(c1, c2, . . .) é uma extensão finita de Q.
• Os coeficientes de Fourier são inteiros algébricose.
• Seja L o fecho de Galois de Kf . Se f é uma newform eσ ∈ Gal(L/Q) então
q +∑n≥2
σ(cn)qn
é ainda uma newform denotada por σ(f) (está no mesmonível de f).
d Não vamos nos aprofundar na definição de nívele Raizes de polinômios mônicos sobre Z
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3.5. Método modular: a receita para o UTF 47
• Existe uma quantidade finita de newforms em cada nívelN . Na verdade, existe uma fórmula para calcular esse nú-mero.
O próximo resultado fornece todos os níveis que nãopossuem newforms.
Proposição 4 Não existem newforms no nível N se e somentese N é igual a um dos números abaixo
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 16, 18, 22, 25, 28, 60.
Exemplo 10 No nível N = 110, existem 5 newforms, a saber
f1 = q − q2 + q3 + q4 − q5 − q6 + · · ·
f2 = q + q2 + q3 + q4 − q5 + q6 + · · ·
f3 = q + q2 − q3 + q4 + q5 − q6 + · · ·
f4 = q − q2 + θq3 + q4 + q5 − θq6 + · · ·
f5 = σ(f4),
onde θ = (−1 +√
33)/2.
Dizemos que uma newform f é racional se Kf = Q,como f1, f2, f3 no exemplo anterior. Defina a`(E) = ` + 1 −|E(F`)|, onde E(F`) é o conjunto dos pontos no corpo finito F`que estão em E.
O próximo resultado é o poderoso teorema de modula-ridade para curvas elípticas, que nos diz que existe uma forterelação entre curvas elípticas sobre Q e newforms racionais.
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48 Capítulo 3. A Equação de Fermat
Teorema 7 (Modularidade para Curvas Elípticas) Seja Num inteiro positivo. Existe uma correspondência 1-a-1 f → Ef
entre newforms racionais no nível N e curvas elípticas sobre Qe de condutor N . Nessa correspondência, para todos os primos` - N , temos que c` = a`(Ef ).
Para provar o UTF, Wiles provou o resultado acima nocaso de curvas semi-estáveis, isto é, quando N é livre de quadra-dos.
A próxima definição relaciona de uma forma mais "fraca"curvas elípticas e newforms quando o condutor e o nível são di-ferentes.
Definição 9 Seja E/Q uma curva elíptica de condutor N e fuma newform no nível N ′. Dizemos que E "vem de" f módulop, e escrevemos E ∼p f , se existe um ideal p de Kf acima de p(i.e., p ∩ Z = {p}), tal que
c` ≡ a`(E) (mod p),
para todo primo ` tal que ` - pNN ′.
Antes da próxima definição, precisamos recordar duasnotações. A primeira é a ‖ b (a divide fortemente b), que significaa | b, mas a2 - b. A outra é a conhecida valorização (ou ordem)p-ádica,
νp(m) = max{k ≥ 0 : pk | m}.
Dado um p primo e uma curva elíptica com condutor Ne discriminante mínimo ∆min. Definimos Np pela fórmula
Np = N/∏
q‖N,p|νq(∆min)
q.
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3.5. Método modular: a receita para o UTF 49
Abaixo o teorema do rebaixamento de nível de Ribet
Teorema 8 (Level-Lowering de Ribet) Seja E/Q uma cur-va elíptica e p ≥ 5 um primo. Assuma que não existe p-isogeniade E para uma outra curva elíptica. Então existe uma newformf no nível Np tal que E ∼p f .
Existem alguns fatos técnicos a serem provados antesde usar o teorema de Ribet. Um deles, é mostrar que a curvanão tem isogenias, para isso existem vários teoremas que nosauxiliam, mas aqui enunciaremos um caso bem simples, devidoa Barry Mazur
Teorema 9 (Mazur) Seja E/Q uma curva elíptica de condu-tor N . Se p ≥ 11 e N é livre de quadrados, então E não temp-isogenias.
Agora vamos dar a "receita" para se resolver algumasequações ternárias (isto é, da forma Axa +Byb = Czc).
Ingredientes:
1. Uma equação ternária.
2. Um curva elíptica (chamada curva de Frey) E sobre Q.
3. Teorema da Modularidade de Curvas Elípticas sobre Q.
4. Algoritmo de Tate.
5. Teoremas de ausências de p-isogenia.
6. Teorema de levew-lowering de Ribet.
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50 Capítulo 3. A Equação de Fermat
7. Programas algébricos.
Modo de Preparo:
1. Dada a equação, defina uma curva elíptica E sobre Q que érelacionada com as possíveis soluções da equação fornecida.
2. Para esta curva, use o algoritmo de Tate e calcule o dis-criminante mínimo e o condutor. Estes vão depender decondições aritméticas e das possíveis soluções da equação.
3. Olhando para o condutor e para a curva (as vezes algunsinvariantes, como o j-invariante), use algum resultado paragarantir ausência de isogenias de ordem p (para p conve-niente).
4. Se a curva é racional (que não é o único caso), use o teo-rema de level-lowering pra relacionar mod p essa curva auma newform num nível mais baixo Np. Esse valor Np éuniversal e não depende das possíveis soluções.
5. Encontre todas as newforms no nível Np (se não houver ne-nhuma, agradeça muito... mas não tem graça!). Para isso,use algum programa, como o MAGMA ou PARI/GP.
6. (parte mais difícil) Para cada newform no nível Np, mostreque a curva E não vem de dela mod p.
Como exemplo, vamos ver como último teorema de Fer-mat é fácil (!).
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3.5. Método modular: a receita para o UTF 51
Teorema 10 (Último Teorema de Fermat) Se n ≥ 3, en-tão não existe solução para a equação
xn + yn = zn
com xyz 6= 0.
Demonstração. Claramente, pelo comentado anteriormente,podemos considerar n = p ≥ 11 primo. Suponha que x, y, z
são inteiros, não nulos, com xp + yp + zp = 0. Pela simetria daequação podemos supor também que y é par. Defina a seguintecurva elíptica
E : Y 2 = X(X − xp)(X + yp).
Pelo algoritmo de Tate obtemos
∆min = 2−8(xyz)2p
eN = 2Rad2(xyz),
onde Rad2(M) é o produto dos primos ímpares e distintos divi-dindo M . Como p ≥ 11 e N é livre de quadrados, segue-se peloTeorema de Mazur que E é livre de p-isogenias. Agora o teoremade level-lowering de Ribet implica na existência de uma newformno nível Np tal que E ∼p f . Não é difícil ver que Np = 2 (exer-cício). Portanto f é uma newform no nível 2. No entanto, nãoexistem newforms no nível 2(!). Essa contradição implica na nãoexistência de soluções para a equação de Fermat. �
Antes da prova, usamos a palavra "fácil" para descre-ver o UTF, mas na verdade queremos dizer que o melhor cenário
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52 Capítulo 3. A Equação de Fermat
acontece com a equação xp+yp = zp, ou seja, a curva elíptica as-sociada a uma possível solução é relacionada (via level-lowering)a uma newform em um nível que não possui newforms. Mas oque acontece quando tudo não sai tão perfeitinho assim. Paraisso basta considerar a equação
xp + 2yp = zp.
Nesse caso, a curva elíptica E vem de uma newform f no nível32, que possui exatamente uma newform (que deve ser racional).Pelo Teorema da Modularidade de Curvas Elípticas (sobre Q),esta newform está relacionada a uma curva elíptica F com con-dutor 32. Nesse caso dizemos que E ∼p F . Como o condutor estáexplícito, podemos procurar curvas elípticas com esse condutor(em tabelas na internet, por exemplo. A mais famosa delas édevida a Cremona). Encontramos a curva
F : Y 2 = X(X + 1)(X + 2).
Agora, usamos informações (as vezes locais) sobre essa curvapara obter alguma contradição.
Salientamos que a receita (ou uma melhora dela) funci-onou para resolver as equações
xp + yp = z2 e xp + yp = z3,
mas não foi suficiente (pelo menos até 9 de Março de 2014) pararesolver
xp + yp = z5.
Outras ideias vêm sendo utilizadas, como usar múltiplascurvas de Frey e teoremas de modularidade para curvas sobreextensões de Q.
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3.6. A conjectura de Beal: quem quer ser um milionário? 53
3.6 A conjectura de Beal: quem quer ser um milionário?
Muitas equações do tipo Fermat podem ser considera-das. Por exemplo, Euler conjecturou que a equação
xn + yn + zn = wn
não tem solução não nula para n ≥ 4. Em 1998, Noam Elkiesdeu um contra-exemplo (até os gênios podem errar!)
26824404 + 153656364 + 187967604 = 206156734.
Agora apresentamos uma conjectura proposta pelo ban-queiro americano Andrew Beal. Enquanto investigava generali-zações do último teorema de Fermat, Beal formulou a seguinteconjectura:
Conjectura 1 (Beal) Se A,B,C,m, n, r ∈ Z, com m,n, r > 2
e tais queAm +Bn = Cr
então A,B,C tem fator primo em comum.
Em 1997, Beal ofereceu um prêmio de 5 mil dólares paraquem provasse ou desprovasse a conjectura. Com o passar dosanos, o prêmio foi aumentando e hoje chega a 1 milhão de dóla-res.
3.7 O caso n = 1: a conjectura abc
O interessante da equação estudada nesse capítulo é queela guarda o problema mais difícil no caso mais simples, isto é,quando n = 1. A chamada conjectura abc nos diz que
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54 Capítulo 3. A Equação de Fermat
Conjectura 2 (Conjectura abc) Para todo ε > 0, existe umaconstante K > 0 tal que se (a, b, c) ∈ Z3 satisfaz
a+ b = c,
entãoc < K · rad(abc)1+ε.
No enunciado anterior rad(M) =∏p‖M p. Vários teore-
mas importantes e conjecturas são consequências da conjecturaabc. Dentre elas destacamos três conjecturas:
• (Primos não Wieferich) Existem infinitos primos p tais que
2p−1 6≡ 1 (mod p2).
• (Conjectura generalizada de Brocard-Ramanujam) Paratodo A > 0, a equação
n! +A = m2
tem uma quantidade finita de soluções.
• (Conjectura de Fermat-Catalan) A equação am + bn = ck
só tem uma quantidade finita de soluções (a, b, c,m, n, k)
com a, b, c coprimos e m,n, k satisfazendo
1
m+
1
n+
1
k< 1.
A conjectura abc foi formulada por Oesterlé e Masser nadécada de 80 e é considerado um dos problemas mais desafiadorese importantes da teoria dos números.
Em agosto de 2012, o matemático Japonês Shinichi Mo-chizuki lançou uma série de artigos sobre o que ele chamava de
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3.8. Exercícios 55
"Teoria inter-universal de Teichmüller" e da qual seguia comoconsequência a conjectura abc. As veracidade das mais de 500páginas de Mochizuki ainda não foi comprovada, principalmentepor que além de ser uma maquinaria completamente nova, o pró-prio autor se recusa a dar palestras e entrevistas sobre o assuntoo que torna tudo mais complicado. Ainda não sabemos se Mo-chizuki está ou não correto. Cenas para os próximos capítulos...
3.8 Exercícios
Exercício 3.1 Existe triângulo retângulo com lados primos?
Exercício 3.2 Calcule z(Fm + 1), para m = 1, . . . , 8.
Exercício 3.3 Calcule z(Lm), para m = 1, . . . , 8.
Exercício 3.4 Prove que n | Fm se e só se z(n) | m.
Exercício 3.5 Encontre a2(E) e a3(E), para
E : Y 2 = X3 −X + 2.
Exercício 3.6 Resolva
x2 + y2 = 3z2,
para mdc(x, y, z) = 1.
Exercício 3.7 Calcule Np quando
∆min = 2−8(xyz)2p e N = 2Rad2(xyz).
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57
4 O Método Transcendente
Nesse capítulo, faremos uma breve introdução a teoriados números transcendentes e veremos como aplicá-la a equaçõesexponênciais.
4.1 Uma breve história transcendente
Um número complexo é chamado algébrico se é raiz deum polinômio, não nulo, com coeficientes inteiros. Caso contrá-rio, é chamado transcendente. A palavra transcendente, frequen-temente atribuída a Leibniz, significa segundo Euler, que essesnúmeros transcendem o poder das operações algébricas. Mesmosendo uma definição do século XVIII, a teoria dos números trans-cendentes foi originada apenas um século depois por Liouville[11]. Apesar de que alguns problemas isolados desta naturezajá tinham sido formulados bem antes dessa data. Por exemplo,em 1744, Euler estabeleceu a irracionalidade de e e em 1761,Lambert confirmou a irracionalidade de π. No entanto, a exis-tência de números transcendentes continuou aberta até 1844. Aideia de Liouville foi estabelecer uma propriedade simples satis-feita por todos os números algébricos: se α é algébrico de graun, então existe uma constante A > 0, tal que |α − p
q | >Aqn ,
para todo pq ∈ Q. Assim, qualquer número que não satisfaz essa
propriedade é transcendente. O próprio Liouville construiu taisnúmeros, por exemplo
∑n≥0 10−n!, que é portanto um número
transcendente.
Em 1873, Hermite [7] estabeleceu a transcendência de
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58 Capítulo 4. O Método Transcendente
e e em 1884, Lindemann [10] generalizou os métodos de Her-mite e provou que eα é transcendente, sempre que α é algébriconão nulo. Como consequência, temos que log 2, e
√2 e cos 1 são
transcendentes. No entanto, a consequência mais importante doTeorema de Lindemann é a transcendência de π e portanto aimpossibilidade de se construir um quadrado com a área de umcírculo dado.
Em 1885, Weierstrass [20] simplificou os trabalhos deHermite e Lindemann e provou que: se α1, . . . , αn são númeroscomplexos linearmente independentes sobre Q, então os númeroseα1 , . . . , eαn são algebricamente independentes. Assim e+ e
√2 é
transcendente.
O estudo dos números transcendentes provém de diver-sos problemas, como a antiga questão grega da quadratura docírculo, as pesquisas de Liouville e Cantor, investigações de Her-mite sobre a função exponencial, o sétimo problema da famosalista dos 23 problemas de Hilbert e as formas lineares em loga-ritmos devidas à Baker. A teoria transcendente vive um intri-gante dilema, enquanto que, essencialmente, todos os númerossão transcendentes, estabelecer a transcendência de um númeroparticular é uma tarefa bastante complicada. O principal obstá-culo é que um número transcendente é definido não pelo que eleé, mas ao invés disso, pelo que ele não é.
Em 1900, no congresso internacional de matemática emParis, Hilbert propôs uma lista com 23 problemas e o sétimo pro-blema peguntava se o logaritmo de um número algébrico numabase algébrica deveria ser racional ou transcendente. A soluçãodesse problema foi dada em 1934, independentemente, por Gel-fond [6] e Schneider [18]. O Teorema de Gelfond-Schneider diz
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4.1. Uma breve história transcendente 59
que se α é algébrico, diferente de 0 e 1, e β é algébrico, não raci-
onal, então αβ é transcendente. Assim 2√
2 e√
2√
3são números
transcendentes. Também eπ é transcendente, pois eπ = (−1)−i.Esse teorema também classifica completamente a natureza arit-mética (isto é, se é racional, irracional, algébrico ou transcen-dente) de potências de algébricos por algébricos. No entanto,não é conhecido um resultado similar para o caso αβ , onde α e βsão transcendentes. Em vista do Teorema de Gelfond-Schneidersomos levados a crer que o resultado dessa potenciação deveriaser um transcendente, porém e e log 2 são transcendentes, maselog 2(= 2) é algébrico. Agora o caso α = β, parece ser maisintrigante: o número αα pode ser algébrico, para algum α trans-cendente? Uma resposta negativa para essa questão implicaria,de imediato, na transcendência de ee e ππ. No entanto a respostaé Sim.
Numa formulação equivalente, o Teorema de Gelfond-Schneider mostra que se α1, α2, β1, β2 são números algébricos,com logα1, logα2 linearmente independentes sobre Q, então∑2j=1 βj logαj 6= 0. Foi conjecturado que esse resultado seria
válido para uma quantidade arbitrária de logaritmos. Essa con-jectura foi provada por Baker [2] em 1966 (e lhe rendeu a meda-lha Fields em 1970). Como consequência do Teorema de Baker,temos que qualquer combinação, finita e não nula, de logaritmosde números algébricos com coeficientes algébricos é um númerotranscendente. Assim log 2 +
√3 log 3 e π + log 2 são números
transcendentes.
Mesmo depois de mais de 120 anos da prova da trans-cendência de e e π, até hoje a natureza aritmética de e+ π e eπé desconhecida. No entanto, um desses números (provavelmente
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60 Capítulo 4. O Método Transcendente
ambos) é transcendente, pois e e π são raízes de x2−(e+π)x+eπ
e Q é algebricamente fechado. A conjectura é que e e π são al-gebricamente independentes, o que implicaria na transcendênciados números acima. Em geral a prova de que números específicostranscendentes são algebricamente independentes não é uma ta-refa simples, portanto é vantajoso imaginar o que "deveria" serverdade.
Em seu livro de 1966, Lang [8] enunciou uma interes-sante conjectura de seu aluno S. Schanuel. A Conjectura de Scha-nuel é sem dúvida o principal problema em aberto na teoria dosnúmeros transcendentes e seu enunciado é o seguinte
Conjectura 3 (Schanuel) Sejam x1, . . . , xn números comple-xos linearmente independentes sobre Q. Então existem pelo me-nos n números algebricamente independentes, dentre
x1, . . . , xn, ex1 , . . . , exn .
Como consequência imediata dessa conjectura, temos a indepen-dência algébrica de e e π, a transcendência de e+π, eπ, ee, ππ, πe,log log 2, log π e também generalizações para os teoremas de Lin-demann, Weierstrass, Gelfond-Schneider e Baker, ver [16, Capí-tulo 10].
Assim a Conjectura de Schanuel parece dar soluçõespara todos os problemas mais conhecidos em teoria transcen-dente. A pergunta é: existe vida, em teoria transcendente, apósa Conjectura de Schanuel? A resposta é sim! Especificamente,não é conhecida uma relação dessa conjectura com a transcen-dência de números como ζ(3), ζ(π), γ e eγ , onde γ = limn→∞(1+12 + · · ·+ 1
n − log n) é a constante de Euler-Mascheroni.
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4.1. Uma breve história transcendente 61
A partir de 1970 (e até os dias atuais), o estudo da na-tureza aritmética de valores da função zeta de Riemann, ζ(s) =∑∞n=1 n
−s, para inteiros s > 1 é um dos mais atrativos tópicosem teoria transcendente.
Euler provou que
ζ(s) = − (2πi)sBs2s!
, s = 2, 4, 6, . . . ,
onde i =√−1 e Bs, são os números de Bernoulli , que são defi-
nidos pela função geradora
t
et − 1= 1− t
2+
∞∑s=2
Bsts
s!
e esse foi inegavelmente o primeiro progresso nessa área. A provade Lindemann da transcendência de π em conjunto com o fato deque B2s ∈ Q∗, para todo s ≥ 0, implicou na transcendência deζ(s) para todo s > 0 par. O problema da irracionalidade de va-lores da função zeta em inteiros ímpares permaneceu inacessívelaté 1978, quando Apéry [1] provou que ζ(3) é irracional.
A irracionalidade dos números ζ(2s + 1) para s ≥ 2 éainda um problema em aberto. Em 2000, Rivoal [17] provou quea sequência ζ(3), ζ(5), ζ(7), ζ(9), . . . contém infinitos irracionais.Em 2001, Zudilin [21] mostrou que pelo menos um dos númerosζ(5), ζ(7), ζ(9), ζ(11) é irracional. A conjectura é que os núme-ros ζ(3), ζ(5), ζ(7), ζ(9), . . . são linearmente independentes sobreQ(π). O próprio Zudilin mantém uma página na internet comvários artigos sobre o assunto (contendo trabalhos de 1978 até2009), ver [22].
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62 Capítulo 4. O Método Transcendente
4.2 Limitantes para formas lineares em logarítmos
Quando Alan Baker fez a brilhante ligação entre teoriados números e análise complexa, generalizando assim o teoremade Gelfond-Schneider, na verdade ele conseguiu mais que umatal generalização quando deu uma cota inferior para formas line-ares em logaritmos de algébricos. Além disso, várias aplicaçõesdo método de Baker foram dadas para resolver equações Dio-fantinas exponenciais, métodos esses que até hoje vem sendoaplicados para resolver certas equações ou até mesmo obter re-sultados assintóticos. Vamos explicar um pouco: seja b1, . . . , bnnúmeros inteiros e α1, . . . , αn números algébricos. Baker provouque o número Λ =
∑ni=1 bi logαi é zero ou é transcendente. No
último caso, ele demonstrou ainda que de certa forma podemosmedir quão "longe" Λ está do zero. Mais precisamente,
|Λ| ≥ (eB)−C ,
onde B = max{|b1|, . . . , |bn|} e C é uma constante efetivamentecalculável dependendo somente de n e de α1, . . . , αn.
Após esse resultado, o próprio Baker usou esse tipo delimitante para resolver certas equações Diofantinas. Vamos daruma ideia geral sobre como aplicar esse método.
1. Suponha que queremos resolver a equação Diofantina (emduas variáveis)
G(m,n) = 0, (4.1)
em inteiros positivos m,n.
2. O primeiro passo é usar ferramentas de análise e teoriaalgébrica de números (as vezes, somente desigualdades bá-
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4.2. Limitantes para formas lineares em logarítmos 63
sicas são suficentes) para transformar (4.1) em uma desi-gualdade do tipo |Λ| < k−n, onde k > 0 é uma constantee Λ =
∑tk=1 bk logαk é uma forma linear não nula como
coeficientes e argumentos algébricos relacionados aos pa-râmetros da equação.
3. Depois usamos resultados sobre limitantes para formas li-neares em logaritmos para obtermos
|Λ| > exp(−C log n),
onde C é uma constante.
4. Combinando as desigualdades anteriores, temos
n
log n<
C
log k.
5. Perceba que a função nlogn tende a infinito quando n cresce.
Assim não pode ser limitada e portanto só existe umaquantidade finita de soluções para (4.1). Isto é, max{m,n} <K, para alguma constante positiva K.
6. Para encontrar todas as soluções precisamos então estudaros casos quando 1 ≤ n ≤ K. Para isto, podemos usar ferra-mentas computacionais (como, por exemplo, os softwaresMAPLE, PARI/GP, MATHEMATICA, MAGMA etc).
Observe que a determinação da constante no limitanteinferior para a forma linear é crucial para que possamos resolvercompletamente a equação. Nesse caso, o melhor resultado (até opresente momento) para n arbitrário foi provado, em 1993, porBaker e Wustholz:
|Λ| > exp(−(16nd)2n+2 logA1 · · · logAn logB),
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64 Capítulo 4. O Método Transcendente
onde d = [Q(α1, . . . , αn) : Q], B = max{|b1|, . . . , |bn|, e} e, para1 ≤ i ≤ n, Ai = max{H(αi), e}.
Note que já no caso n = 2, a constante C é pelo me-nos 1073741824. O que pode ocasionar em um limitante "as-tronômico" (da ordem de 10300) para a quantidade de possíveissoluções de uma equação. Vale salientar que para n = 1, 2, 3 esob algumas hipóteses técnicas, existem limitantes absurdamentemelhores. Por exemplo, vamos enunciar um importante resultadoprovado por M. Laurent, Yu. Nesterenko e M. Mignotte [9].
No enunciado a seguir, o número h(α) denota a alturalogaritmica (ou altura de Weil) de um algébrico α de grau d e édefinido por
h(α) =1
d
(log |a|+
d∑i=1
log max{1, |α(i)|}
),
onde a é o coeficiente lider do polinômio minimal de α (sobre Z)e os α(i)’s são os conjugados de α.
Teorema 11 (Laurent-Mignotte-Nesterenko) Sejam b1, b2
inteiros positivos e α1, α2 números algébricos reais positivos mul-tiplicativamente independentes. Seja Λ = b1 logα1 − b2 logα2,d = [Q(α1, α2) : Q] e A1, A2 tais que
logAi ≥ max
{h(αi),
| logαi|d
,1
d
}, i = 1, 2.
Além disso, defina
b′ =b1
d logA2+
b2d logA1
.
Então
log |Λ| ≥ −24, 34·d4
(max
{log b′ + 0, 14,
21
d,
1
2
})2
logA1 logA2.
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4.3. A equação 13m − 46n = 81 65
Observe que nesse limitante a constante é 24, 34 que ébem menor do que o conseguido no teorema de Baker-Wustholzpara n = 2.
4.3 A equação 13m − 46n = 81
Nessa seção, daremos o passo-a-passo de como resolveruma equação Diofantina usando os limitantes para formas line-ares em logaritmos.
Problema 21 Encontre todas as soluções naturais da equação
13m − 46n = 81. (4.2)
Salientamos que não estamos interessados em resolver aequação anterior por métodos elementares, isto é, pode ser queexista uma maneira simples de resolvê-la, mas nosso interesseaqui é mostrar como usar técnicas "transcendentes" para fazeristo.
Solução: Como 13m 6= 127 = 81 + 46, então podemos suporque n > 1. Dividindo a equação (4.2) por 46n, obtemos
eΛ − 1 =81
46n,
onde Λ := m log 13 − n log 46. Assim, Λ < eΛ − 1 = 8146n e apli-
cando a função log, temos
log Λ < log 81− n log 46. (4.3)
Por outro lado, para usarmos o teorema 11, tomamos
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66 Capítulo 4. O Método Transcendente
α1 := 13, α := 46, b1 := m e b2 := n.
Neste caso, d = 1 e α1, α2 satisfazem todas as hipoótese doteorema 11. Também, h(αi) = logαi (pois αi ∈ N), para i = 1, 2.Portanto, podemos escolher A1 := log 13, A2 := log 46 e assim
b′ =m
log 46+
n
log 13< 0, 27m+ 0, 39n.
Note que
13m = 81 + 46n < 2 · 46n ⇒ m < 1, 5n+ 0, 28.
Substituindo a desigualdade acima na estimativa para b′, dedu-zimos que
b′ < 0, 27 · (1, 5n+ 0, 28) + 0, 39n < 0, 8n+ 0, 08.
Usando o Teorema 11,
log Λ ≥ −24, 34 (max {log(0, 8n+ 0, 08) + 0, 14, 21})2log 13
× log 48
> −240 (max {log(0, 8n+ 0, 08) + 0, 14, 21})2. (4.4)
Finalmente, combinamos as desigualdades em (4.3) e(4.4), para obter
n log 46 < 240 (max {log(0, 8n+ 0, 08) + 0, 14, 21})2+ log 81.
Com a ajuda de um computador podemos precisar olimitante exato para n. Nesse caso, temos que n < 27646. Nesteponto, vale observar que se tivéssemos usado o teorema de Baker-Wustholz teriamos obtido n < 7·1010 que é pelo menos 2 milhõesde vezes maior que o limitante que conseguimos.
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4.4. Exercícios 67
Agora, como resolver os casos restantes? Para eles, noteque a função φ : N→ R, dada por
φ(x) =log (81 + 46x)
log 13,
tem a seguinte propriedade: o par de números naturais (m,n) ésolução de (4.2) se e somente se φ(n) = m ∈ Z. Novamente coma ajuda de um programa de computador podemos facilmenteprocurar por φ(n)’s inteiros quando 2 ≤ n ≤ 27645 (uma ideiaé procurar por n’s cuja parte fracionária de φ(n) é zero). Noentanto, o único caso em que isso acontece é em φ(2) = 3, istoé, a única solução de (4.2) é (m,n) = (3, 2):
133 − 462 = 81.
�
4.4 Exercícios
Exercício 4.1 Calcule h(1 +√
2), h(1 +√
3), h(√
2 +√
3) eh(√
5).
Exercício 4.2 Encontre o melhor (que você consegue) limitanteinferior para a forma
Λ = 2 log(1 +√
2) + 3 log(1 +√
3) + 5 log(√
2 +√
5) + 7 log(√
5).
Exercício 4.3 Encontre um limitante superior para max{n, t},com
Fn = yt
para t > 2 e 2 ≤ y ≤ 100.
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68 Capítulo 4. O Método Transcendente
Exercício 4.4 Resolva
3x − 2y = 1.
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