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    Tendncias e Modalidades Recentes das MigraesInternas e Distribuio Populacional no Brasil:um olhar para o Nordeste

    Neide PatarraProfessora Livre Docente/UNICAMO. Pesquisadora Titular da Escola Nacional de Cincias Estatsticas/IBGE.

    INTRODUO

    Este texto consiste numa reflexoa respeito das tendncias dos movimen-tos migratrios e da distribuio espa-cial da populao, enfocando particu-larmente a Regio Nordeste e tendocomo ponto de chegada alguns resul-tados do Censo Demogrfico de 2000.

    Considerando as marcantes trans-formaes ocorridas com o fenmenosocial em questo, a partir dos anos1970, busca-se, num primeiro momen-to, sintetizar as tendncias gerais no pase o papel do Nordeste no perododesenvolvimentista; o argumento, nes-te caso, ressalta o significado distinto dasdistintas modalidades dos movimentosmigratrios entre os anos 1950 e 1980,bem como suas distintas implicaes emtermos do processo de urbanizao, damobilidade social e da diviso social dotrabalho no perodo.

    Na segunda parte, sob o enfoquedo desenvolvimento regional, traa-seum breve panorama das transforma-es ocorridas a partir dos anos 1980,particularmente sob o efeitos do con-texto macro estrutural na espacializaoda populao e das atividades econ-micas no territrio.

    A terceira parte, finalmente, apre-senta uma primeira reflexo a respeitode dados do Censo Demogrfico de2000. Longe de apresentar um trata-mento exaustivo da problemtica dasmigraes de e para o Nordeste, o al-cance do trabalho circunscreve-se aconsiderar algumas dimenses emp-ricas que sustentam o delineamento da

    problemtica em questo, no contextoatual da vida econmica e social do pas.

    O texto se encerra com algumasconsideraes gerais no sentido de for-talecer a continuidade da reflexo e dodilogo com especialistas afins.

    Desde os anos oitenta do sculopassado demgrafos e especialistas emestudos de populao vem apontandopara o fato de que, a partir daquelemomento, as migraes internas noBrasil estavam assumindo novas confi-guraes, tanto no que se refere ao seuvolume como no que se refere a seusfluxos e s caractersticas sociais e eco-nmicas da populao migrante. Naverdade, estudos sucessivos vm apon-tando que essa dcada estaria signifi-cando um momento de inflexo nascaractersticas e tendncias dos movi-mentos migratrios e na distribuioespacial da populao brasileira, indi-cando o incio de uma nova etapa nasua dinmica.

    O entendimento dessas mudan-as tem demandado tambm, uma dis-cusso a respeito da interpretao dosdados censitrios sobre migraes edistribuio da populao pelo territ-rio, sua possibilidades, limitaes emudanas. Como se sabe, os censosdemogrficos constituem a fonte bsi-ca de informaes a respeito dessasdimenses da dinmica demogrfica;por outro lado, considerando-se o ca-rter eminentemente social das migra-es ao contrrio da mortalidade eda fecundidade o levantamento dofenmeno passa tambm por intrnse-cas dificuldades para delimitar geogra-

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    ficamente o que entra na rubrica migrao, peladificuldade de recuperao de inmeros movi-mentos que podem ocorrer nos perodosintercensitrios e, finalmente, pela definio pre-cisa de reas de origem e reas de destino dosmltiplos e, por vezes, sucessivos movimentosmigratrios. Essas limitaes tornam-se mais for-tes quando se considera que, justamente as trans-formaes macro ocorridas nas ltimas dcadastem significado tambm um novo ordenamentoterritorial, onde os limites geogrficos tradicionaisao estudo do fenmeno reas urbanas e rurais,Unidades da Federao, e Grandes Regies difi-cilmente podem captar a emergncia de novosfluxos com novas caractersticas. Sabe-se que napauta de discusses recentes encontra-se, comfora, a questo do novo rural e do novo ur-bano, evidenciando a dificuldade de se associ-ar, como no passado, os movimentos migratriosa deslocamentos de grupos sociais especficos bemcomo a uma ntida transferncia de atividadeseconmicas para setores rurais ou urbanos.

    No caso desse componente da dinmicademogrfica, ademais e principalmente, o cortetransversal necessrio anlise mediante as in-formaes censitrias, toma-se mais difcil e, porvezes, mais perigosa, a interpretao de seus re-sultados e a percepo de mudanas. Emboraconsiderando-se, como de consenso, que as in-formaes censitrias sobre migraes tem avan-ado consideravelmente e nos colocam entre osmelhores levantamentos censitrios a respeito dotema no contexto internacional a introduo dolevantamento de data fixa, entre outras mudan-as, significa, sem dvida, uma abertura para no-vas possibilidades de anlise ainda os proble-mas inerentes a esse tipo de levantamento persis-tem e nos acautelam sobre interpretaes que,por vezes parecem ser mudanas, mas que, naverdade, so momentos de processos iniciados an-teriormente e que ou no foram detectados porquestes de definio de quesitos e de recortesadotados, ou por aparecerem, em momentos an-teriores, como no significativos, mas que, naverdade, representavam fenmenos emergentesnuma viso de processos.

    Nesse sentido, a reconstruo histrica sem-pre aparece como um recurso lgico importantepara se reconstruir processos de longo prazo que,conectados com processos de transformao eco-nmica e social, balizam a interpretao de re-

    sultados e respaldam as tentativas de discusso daperspectiva futura desses movimentos. Alm dis-so, mister acoplar, sempre que possvel, as in-formaes censitrias a outras sries de informa-es, inclusive locais e/ou qualitativas.

    nesse sentido que se coloca a proposta dese recuperar tempos e espaos do movimentomigratrio, que, com recursos da periodicidadehistrica, suas defasagens com a dinmica eco-nmica e suas interaes com as transformaesterritoriais que constituem as distintas e comple-xas reas de origem e reas de destino dessesmovimentos, permitem avanar no entendimen-to das modalidades recorrentes e emergentes dasmigraes. Em outras palavras, permitem confi-gurar o que se poderia chamar de tipos e etapasdos movimentos migratrios.

    ANTECEDENTES

    Os movimentos migratrios no Brasil, comose sabe, assumiram uma grande magnitude e ex-presso a partir dos anos 1950 do sculo passado,num processo concomitante com a intensa urba-nizao do perodo e um acirramento das desi-gualdades regionais. Os intensos fluxos de popu-lao estiveram interligados concentrao daatividade econmica, aliada produo de umexcedente populacional no campo e prpriaincapacidade das reas urbanas das regies maisatrasadas em absorver essa populao.

    Na verdade, a partir dos anos 50 inicia-seuma etapa mais dinmica da economia nacional.Superada a dinmica da economia cafeeira assis-te-se ao que Furtado (1970) chamou de desloca-mento do eixo dinmico da economia, mais pro-priamente, a configurao de uma dinmica deacumulao assentada na indstria aquilo quecaracterizaria o longo perodo de industrializa-o brasileira, ou ainda, a montagem das basesmateriais do capitalismo nacional.

    A consolidao de um territrio nacional in-tegrado, um processo que comeou nos anos 30,completa-se no apenas pela integrao comerci-al e, posteriormente, pela integrao econmica(Guimares, 1986) das vrias regies, mas tambmpor uma articulao do mercado de trabalho.

    At 1960 o processo de industrializao,essencialmente de cunho mercantil, foi conduzi-do pelo capital sediado em So Paulo. Nesse pe-rodo explicitam-se essas diretrizes gerais: elimi-

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    nao de impostos interestaduais, melhoria dossistemas de transporte e converso dos antigosproblemas regionais em problemas nacionais.Paralelamente criam-se polticas e instituiesnacionais com a finalidade de enfrentar os pro-blemas de custo, subsdios e preos de uma sriede produtos regionalmente localizados.

    O protecionismo de que se beneficiou aindstria nacional, em razo da crise do caf, daII Guerra Mundial e tambm dos desequilbrioscambiais, em conjunto com o aumento da rendae do emprego, permitiram uma integrao pou-co competitiva, pelo menos at o incio dos anos50. Apenas no incio dessa dcada, com a mo-dernizao e expanso da indstria no Sudeste que se ampliou a competitividade inter-regional,com efeitos destrutivos sobre a indstria leve daperiferia, notadamente no Nordeste. Em que pe-sem esses efeitos destrutivos, os anos 1930-1960caracterizaram-se no apenas por elevadas taxasde crescimento da produo industrial, mas tam-bm pelo fato de nenhuma regio do pas terregredido ou estagnado.

    Mas esse processo de integrao avanaria,de fato, mudando inclusive suas caractersticas,apenas aps o Plano de Metas, em razo da pr-pria industrializao e tambm das polticas queampararam a migrao de capital produtivo doSudeste para as periferias regionais notadamentepara o Norte e Nordeste do pas (Cano, 1985).Na verdade, urna vez montada a industria pesa-da e de bens durveis em So Paulo, a integraodo mercado nacional bloqueava as possibilidadesde eventuais industrializaes autnomas. Seesse processo no inviabilizava o crescimento dasdemais regies que, ao contrrio, seguiam cres-cendo a taxas expressivas, resultava num elevadograu de complementaridade entre suas estruturasindustriais: O resultado foi uma sensvel concen-trao regional da industria brasileira.

    Nesse contexto, o sentido geral dos movi-mentos migratrios adquiriu sentido em funodo realinhamento territorial das atividades eco-nmicas. Esses movimentos, por sua vez, foramdecisivos na temporalidade e nas caractersticasdo desenvolvimento urbano-industrial no Brasil.Esse processo, ao definir as articulaes da eco-nomia, passou a provocar, no meio rural, tantosituaes de expulso da populao derivadas daintroduo de formas capitalistas de produo eda concentrao fundiria, corno situaes de

    incorporao no segmento urbano, quer na con-dio de assalariados, quer ainda pela multiplica-o de formas no capitalistas de produo recri-adas pelo prprio movimento de acumulao(Pacheco e Patarra, 1997 e Pacheco, 1998).

    A concentrao da atividade econmica,aliada produo de um excedente populacionalno campo e prpria incapacidade das reas ur-banas das regies mais atrasadas em absorver essapopulao j apontavam o sentido que iriam as-sumir os expressivos movimentos migratrios quese estendem at os anos 1970. A dimenso damigrao interna revela a intensa mobilidade so-cial que caracterizou o perodo de rpido cresci-mento da economia brasileira. E ainda maiorquando se contabiliza a migrao rural-urbana detodas as regies.

    Mesmo que as migraes reflitam processoscomplexos com transformaes sucessivas dasreas de atrao e da natureza dos fluxos, quevo se transformando de rurais-urbanos para ur-banos-urbanos, seus principais determinantespodiam ser apreendidos atravs das mudanas naestrutura agrria e no desempenho econmicodas cidades de cada regio. Em grande parte, aexpulso do campo era conseqncia da concen-trao da estrutura fundiria. A incapacidade daeconomia de reter a populao expulsa de seushinterlands impulsionava a migrao interestadu-al, quer para as fronteiras agrcolas, quer, sobre-tudo, em direo s reas urbanas do Sudeste.Por outro lado, a tecnificao incipiente da agri-cultura, aliada transformao de ordemdemogrfica e social no campo, possibilitou umaintensa elevao da migrao de origem rural.

    Esse processo atingiu seu clmax na dcadade 1970, quando a modernizao agrcola fez amigrao rural-urbana alcanar a cifra de 15,6milhes de pessoas. Mas contraditoriamente, estadcada j convivia com uma desconcentrao daatividade econmica (Pacheco e Patarra, 1997).

    Praticamente, a totalidade dos estudos exis-tentes sobre o tema utiliza a lgica de fatores deatrao versus fatores de expulso como recursosde anlise. importante reter, no entanto, o sig-nificado desses fatores no contexto histrico emque operam. Na interao com os componentesda dinmica demogrfica, os movimentos migra-trios j passavam a operar frente a uma situaode declnio da mortalidade e altos nveis defecundidade, acarretando, portanto, um acrsci-

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    mo no crescimento vegetativo. Esse excedentepopulacional constitua um fator de expulso,principalmente considerando-se o elevado graude concentrao da propriedade da terra, da pre-dominncia dos minifndios, do esgotamento daterra devido s tcnicas de explorao adotadas,entre outros fatores (Martine 1990). Na verdade,permanece vlida, para o perodo, a colocaocrtica de Singer (1973a) considerando, tanto re-as de estagnao como reas de mudanatecnolgica, situaes geradoras de um excedentepopulacional e, portanto, causas da migraode origem rural.

    A intensidade da desruralizao da popu-lao brasileira no perodo compreendido entreos anos 1950 at os anos 1980 pode ser apreen-dida pelo fato de aproximadamente 36% da po-pulao residir no meio urbano, em 1950, eaproximadamente 70% nele residir em 1980. Emtermos absolutos, os saldos lquidos emigratriosrurais foram de aproximadamente 10,8 milhes,11,41 milhes e 14,4 milhes, respectivamen-te, para as dcadas 1950-60, 1960-70 e 1970-80, ou seja, mais de 36 milhes de pessoas dei-xaram a rea rural nesses trinta anos (Camaranoe Beltro, 2000).

    Enfocando o processo de desruralizao dapopulao brasileira, Camarano e Abramovay(1997) sugerem sucessivos ciclos regionais demovimentos rurais-urbanos, caracterizados, nadcada de 50, por um enorme xodo rural denordestinos (dos 10,8 milhes de migrantes ruraisbrasileiros dessa dcada, quase metade, 47,6%,vinha do Nordeste), e, no conjunto, como decor-rncia de vrios fatores, entre eles a construoda Belm-Braslia, da nova Capital Federal, dasgrandes migraes para as reas metropolitanas emesmo as migraes para o trabalho na colheitade caf em So Paulo e no norte do Paran, almde grandes secas no Nordeste.

    Nesse momento, tambm, quase 4 milhesde pessoas, na regio Sudeste, e 20,6% da popu-lao da regio Norte deixam as reas rurais; oxodo rural da regio Sul, por sua vez, atinge18,8% da populao no incio do perodo.(Camarano & Abramovay, 1997, p. 11).

    Os anos 60 foram marcados pela emigraomacia do Sudeste rural, que atingiu a cifra de 6milhes de pessoas, constituindo esse o momen-to da grande desruralizao da regio. A dcadaseguinte (1970) foi caracterizada pela emigrao

    de origem rural de duas grandes regies fornece-doras: o Nordeste e o Sudeste.

    Aproximadamente 5 milhes de pessoasdeixaram o Nordeste rural, nessa dcada, e o Su-deste constituiu o segundo fornecedor, com apro-ximadamente 1,5 milhes de pessoas. No casodo Sudeste, considerado verossmil que a me-canizao, a pecuarizao e a continuidade dadissoluo das colnias de caf tenham se associ-ado a um mercado de trabalho urbano em ex-panso para provocar a continuidade do proces-so de desruralizao que havia tido seu auge nadcada anterior. No caso do Nordeste, por outrolado, essa nova leva considerada associada a umcerto nvel de pecuarizao, mas, sobretudo, expulso generalizada de moradores dos en-genhos e s oportunidades ainda maiores de mi-graes inter-regionais, voltadas para trabalhosassalariados de baixa qualificao durante o mila-gre econmico (Camarano & Abramovay, p. 13).

    Nos anos 70, quase metade (45,5%) da po-pulao rural da regio Sul sai do campo, acarre-tando uma reduo de aproximadamente 2 mi-lhes de habitantes de suas reas rurais; essexodo rural to rpido atribudo aos subsdios,aos incentivos econmicos e ao aparatoinstitucional mobilizado para estimular a adoode tcnicas produtivas e culturas altamente pou-padoras de mo de obra no campo. Alm desseselementos explicativos, consideram-se os efeitos,numa economia agrcola predominantemente debase familiar, dos altos nveis de fecundidade an-teriores, concluindo, na juno de todos esses ele-mentos, nesse momento, que A fronteira agrco-la da regio j est totalmente ocupada e a regioNorte comea a representar, para muitos agricul-tores do Paran e Santa Catarina, o que o Oestedestes Estados representou anteriormente paraseus pais, vindos do Rio Grande do Sul(Camarano & Abramovay, 1997, p. 14). Da a im-portncia dos gauchos na ocupao e dinamis-mo de reas rurais na regio Norte.

    No que se refere regio Centro Oeste,nessa dcada, sua populao rural, distintamentedo que havia ocorrido na dcada anterior, j ini-ciava um declnio em nmeros absolutos, declnioesse que se acentua na dcada posterior; de va-lores superiores a 6,8% nos anos 60 e 4,1% nos70, cai para nveis prximos aos 3% na dcadade 80 (Cunha, J.M.P..1997). H que se conside-rar, ademais, que essa dcada tambm coincidiu

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    com o incio do declnio da fecundidade rural,principalmente nas regies Sudeste, Sul e Cen-tro-Oeste.

    A contrapartida urbana do fenmeno fezcom que tal perodo fosse marcado pela explosodo crescimento urbano, com crescente processode concentrao da populao em cidades cadavez maiores (Martine, 1987). A j clssica anlisede Martine (1984) quantificava e regionalizava osgrandes movimentos, considerando seu ponto departida, 1940, como de operao conjunta deforas centrpetas e de foras centrfugas, cami-nhando rapidamente para uma diminuio cclicae crescente do papel das frentes de expanso agr-colas enquanto absorvedoras de contingentespopulacionais expressivos, e a concentraopopulacional crescente num conjunto cada vezmenor de reas urbanas, com absoluto predom-nio de So Paulo, nos anos 70.

    O PERODO 1980-2000

    H consenso entre os especialistas sobre aconstatao de que, a partir dos anos 80, ocorre-ram acentuadas transformaes nos volumes, flu-xos e caractersticas dos movimentos migratriosno Brasil, sintetizados num menor crescimento dasmetrpoles, numa maior predominncia de mi-graes a curta distncia e intra-regionais, numaincidncia acentuada de migraes de retorno sugerindo uma circularidade de movimentos -, natendncia a um crescimento de cidades de portemdio e na configurao generalizada de perife-rias no entorno dos centros urbanos maiores, nasdistintas regies do pas.

    Esse ltimo perodo, ademais, caracteriza-se pela emergncia de fluxos de emigrao debrasileiros: Brasil/Estados Unidos, Brasil/Japo,Brasil/Europa, e o caso especfico dos movimen-tos de trabalhadores rurais para o Paraguai, cujoincio retrocede aos anos 60. No que se refere entrada de novos contingentes de estrangeiros,embora em termos numricos no seja mais toexpressiva, torna-se bastante significativa dos no-vos tempos, com sua polaridade entre imigran-tes pobres, sul-americanos, principalmente boli-vianos e peruanos, de um lado, e pessoal tcnicoqualificado e empresrios, de outro.

    A partir da constatao dessas evidncias, odebate suscita vrias interrogaes sobre a natu-reza dos movimentos migratrios recentes no Bra-

    sil. Em que medida as novas configuraes dosmovimentos migratrios seriam efeitos dos pro-cessos anteriores de concentrao edesconcentrao industrial ou estariam j refle-tindo o novo contexto da economia com predo-mnio do liberalismo econmico, com perversasconseqncias em nveis crescentes de desem-prego, subemprego e informalidade nas relaesde trabalho? A flexibilizao das relaes de pro-duo, com todas as precarizaes da fora detrabalho, reforada por polticas sociais deficitri-as e insuficientes, poderiam ser percebidas eorientadoras de buscas de alternativas distintaspara determinados grupos de migrantes? A diver-sidade de movimentos e de grupos sociais envol-vidos poderia estar refletindo, tambm, a desi-gualdade social acirrada, influenciando a decisode fuga das metrpoles por parte crescente desetores de classe mdia?

    Na verdade, a dcada de 80 inicia-se comuma das mais graves crises da histria do Brasil. Arecesso e a elevao do desemprego assumiramuma expresso at ento desconhecida; o pro-duto industrial caiu e, no final da dcada, todosos indicadores refletiam com nitidez os efeitos dacrise e da estagnao da economia brasileira. Osresultados mdios desse decnio apenas no fo-ram menores por conta do crescimento do pero-do 1984/86, quando a economia se beneficiouda recuperao patrocinada inicialmente pelasexportaes e, na seqncia, pelos efeitos do Pla-no Cruzado. Esse desempenho foi resultado daspolticas de ajustamento crise internacional pra-ticadas a partir do final da dcada anterior. Ouseja, no se trata apenas de desconcentrao, masde uma instabilidade crnica retratada na rpidaflutuao do nvel de atividade e na deterioraoda capacidade de absoro dos mercados de tra-balho, sobretudo nas grandes metrpoles.

    De fato, de acordo com Pacheco,

    O desenvolvimento da agricultura, daagroindstria e da indstria perifrica noapenas modificou a dimenso dos fluxos decomrcio interregionais, resultando numasignificativa diferenciao econmica doespao nacional, inclusive em termos intra-regionais. Este fenmeno foi intensificadona ltima dcada e meia, em razo do im-pacto diferenciado da crise econmica edo surgimento de pequenas ilhas de pros-

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    peridade, dentro de um contexto de estag-nao da economia nacional (Pacheco,C.A., p. 230)

    A busca do entendimento das relaes en-tre movimentos migratrios e distribuio espa-cial da populao, nesse perodo, est marcadapor sua relao com os efeitos simultneos dedesigualdades estruturais e conjunturais de crise.A visibilidade mais ntida o que alguns especia-listas chamam de efeitos multiplicadores do es-praiamento originrios da histrica concentra-o urbano-industrial no Sudeste que, por sua vez,imprime novas caractersticas rede urbana:

    Esse espraiamento industrial estimulouo adensamento do sistema urbano brasilei-ro e os vnculos de interdependncia ecomplementaridade entre cidades estrat-gicas postadas nas diferentes partes do siste-ma. Tais pontos conferem lgica e sentido rede e tendem a sintetizar espacialmente oprocesso de mudanas estruturais de longadurao. Esses espaos vm emoldurandolocalizaes alternativas para investimentoseconmicos e permitindo o surgimento denovos papis e distintos nveis de especiali-zao econmica passveis de cristalizardesenhos pelos quais circulam mercadori-as, pessoas e capitais, no necessariamentecircunscritos a um permetro definido no Sul-Sudeste... (Matos,R.& Baeninger, R., 2001).

    De fato, a partir dos anos 80 pode-se obser-var uma desacelerao contnua no ritmo de cres-cimento populacional metropolitano. O Brasilmetropolitano dos anos 90 cresce menos que emdcadas anteriores e menos ainda que as demaisreas urbanas do Pas. Em 2000, a populao de-finida como rural era constituda por 34 milhesde pessoas, 18,8% do total populacional de 169,6milhes; a populao definida como urbana, por-tanto, registrava um cifra de 137,9 milhes, ouseja, 81,2% da populao total.

    Essa populao distribua-se por 5.507 mu-nicpios, com tamanho variando de 10,4 milhesem So Paulo a menos de 1.000. Das sedes mu-nicipais formalmente classificadas como cidades,330 tinham menos de 1.000 habitantes. Destas,193 (58,5%) estavam na regio Sul. A menor ci-dade no Brasil era Monte Alegre dos Campos,

    no Rio Grande do Sul, com uma populao de112 habitantes (IBGE Sntese de IndicadoresSociais).

    A dinmica econmica recente, por sua vez,aponta, no nvel regional, a regio Norte, que sedestaca pela produo agropecuria concentra-da em Rondnia e no Par. H que se notar oelevado peso que a indstria assumiu no PIB re-gional do Norte, resultante, de um lado, da ativi-dade extrativa mineral e, de outro, do funciona-mento da Zona Franca de Manaus, alm da ma-deira, com expressiva participao no total da in-dstria (Pacheco, C A . 1998, p. 231-232)

    Essa regio tem-se destacado, principalmen-te a partir dos anos 1970, por taxas de crescimen-to quase sempre mais elevadas do que as do Bra-sil como um todo: 4,8% nos anos 70, 3,6% nosanos 80 e 2,8% nos anos 90, crescimento essedevido tanto aos contingentes rurais bem como,mais recentemente, aos contingentes urbanos desua populao. Destaca-se, nessa regio, o aumen-to da concentrao populacional em uns poucosplos de desenvolvimento e de prestao de ser-vios e forte estmulo migrao rural-urbana.

    As migraes inter-regionais para a regioperdem intensidade a partir dos anos 1980, entreoutros motivos pelas mudanas nas formas de ocu-pao das reas de fronteira, envolvendo a incor-porao de vastas extenses de terra por moder-nos empreendimentos agro-pecurios, utilizadoresde tecnologia avanada e voltados exclusivamen-te para o mercado. Os fluxos migratrios intra-regionais, principalmente de tipo rural-urbano, ga-nharam maior destaque, intensificando uma pres-so sobre o meio urbano regional e exacerbandoum processo de urbanizao que assume a ca-racterstica de adensamento pontualizado nassete capitais estaduais e numa dezena de outroscentros urbanos (Moura, H. A & Moreira,M.M.1997, p. 139-188).

    Na regio Nordeste, de forma semelhantes demais regies brasileiras, h igualmente umasignificativa especializao da produo, aindaque o processo de crescimento industrial e agr-cola tenha implicado em aumento da heteroge-neidade entre as diversas estruturas econmicasestaduais. Em termos de agro-pecuria, a pro-duo continua se concentrando em poucos pro-dutos, com destaque para cana de acar, man-dioca, feijo, cacau, milho e arroz. A produoaucareira segue concentrada em Pernambuco

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    e Alagoas, e na Bahia onde se verifica umaestrutura mais diferenciada, onde, apesar domaior peso da produo de cacau, feijo, man-dioca e da pecuria, verifica-se tambm umapauta de produo mais ampla, com atividadesindustriais concentradas na produo de bens in-termedirios e de consumo. (Pacheco, C.A. A.,1998, p. 233-234)

    De acordo com Bacelar,

    Nos anos recentes, movimentos impor-tantes da economia brasileira tiveram reper-cusses fortes na regio Nordeste. Tendn-cias de acumulao privada reforadas pelaao estatal, quando no comandadas peloEstado brasileiro, fizeram surgir e se desen-volver no Nordeste diversos subespaos do-tados de estruturas econmicas. modernase ativas, focos de dinamismo em grande parteresponsveis pelo desempenho relativamen-te positivo apresentado pela atividade eco-nmica na regio (...) Dentre eles cabe des-taque para o complexo petroqumico deCamaari, o plo txtil e de confeces deFortaleza, o complexo minero-metalrgicode Carajs, no que se refere s atividadesindustriais, alm do plo agroindustrial dePetrolina/Juazeiro (com base na agriculturairrigada do submdio So Francisco), dasparcelas de moderna agricultura de gros(que se estendem dos cerrados baianos atin-gindo, mais recentemente, o sul dos Estadosdo Maranho e Piau), do moderno plo defruticultura do Rio Grande do Norte (combase na agricultura irrigada do Vale do Au),do plo de pecuria intensiva do agreste dePernambuco; e dos diversos plos tursticosimplantados nas principais cidades litorne-as do Nordeste (Arajo, T.B., 1995: 132).

    Nessa regio, tradicional rea de emi-grao ainda marcada por acentuados diferenci-ais de pobreza e condies de vida, registra-setambm um decrscimo, em nmeros absolutos,de sua populao rural: de 17,2 milhes, em 1980,para 16,7 milhes em 1991 e 14,8 milhes em2000. Apesar de ainda concentrar quase a meta-de da populao rural do Brasil, em funo dassignificativas transformaes econmicas, sociaise demogrficas, a regio, no ltimo levantamen-to censitrio apresentou uma populao urbana

    praticamente duas vezes maior que a rural: 33milhes de pessoas. Em conjunto, no ltimo de-cnio, a Regio cresceu a uma taxa geomtricaanual de 1,30%, menor do que sua correspon-dente para o perodo 1980/1991, que havia sidode 1,83 %, refletindo ainda o peso do saldoemigratrio negativo.

    A regio Centro-Oeste marcada por doisprocessos bastante expressivos: a ocupao e ex-panso das fronteiras agrcolas e o crescimentode aglomeraes urbanas tendentes metropolizao, com Braslia e entorno. (Cunha,1997, pp.91-138). Seu elevado crescimentopopulacional recente est condicionado sua si-tuao de fronteira agrcola, a qual se caracteri-za, segundo Martine (1994) por uma fronteira,ao mesmo tempo, recente e renovada. Ou seja,

    (...) grande parte do Centro-Oeste foi ocu-pada durante as dcadas de 50 e 60 por umaagricultura extensiva, apoiada pela criao dencleos urbanos regionais de rpido cresci-mento, como Goinia e Braslia. Porm, nadcada de 80, o Centro-Oeste ainda apre-sentava um grau de ocupao reduzido, masfoi palco de uma nova dinamizao daagropecuria, particularmente atravs da con-solidao do complexo gros-carne (p. 22).

    A dinmica regional fortemente marcadapelo avano na produo de gros soja, milho ,bem como pelo deslocamento da pecuria de cortepara a regio. De fato, o setor tercirio e a atividadeindustrial da regio esto fortemente atrelados aodinamismo agropecurio com reflexos importantesna configurao urbana-regional.

    De acordo com Cunha, pode-se constatarna regio Centro-Oeste a coexistncia de doispadres diferenciados de crescimento econmi-co-demogrfico, onde, por um lado, o estado deMato Grosso vem se destacando pela expansodo cultivo da soja e seus efeitos multiplicadoresnas reas urbanas e, por outro lado, por estadosque j no denotam o dinamismo de reas defronteira (Gois e Mato Grosso do Sul) ou de novacapital como Braslia.

    Nos anos 1980, a regio crescia a uma taxaanual de 3,01 % e, nos anos 1990, a 2,36%, emambos os casos acima da mdia nacional, aindaexpressando o peso de seu saldo imigratrio po-sitivo. No ltimo levantamento censitrio, a re-

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    gio registrou um total de aproximadamente 10milhes de pessoas residentes em reas urbanase 1,5 milhes em reas rurais.

    No caso da regio Sudeste, suas taxas decrescimento populacional situam-se entre as maisbaixas de todas as Grandes Regies; embora con-tendo trs importantes metrpoles, sua taxa foiinferior mdia nacional; 1,77% a.a. em 1980/91 e 1.60% em 2000. Tambm conhecido ofato de que a Regio Metropolitana de So Paulovem experimentando um crescimentopopulacional bastante baixo a partir dos anos 80,refletindo o declnio da fecundidade e, de formabem mais acentuada, os novos processos migra-trios de e para a regio, inclusive com elevadovolume de migrantes de retomo e claros indciosde circularidade de movimentos migratrios.

    No caso do Sudeste, o contraste entre aspopulaes residentes em reas consideradas peloCenso Demogrfico como urbanas e rurais ainda mais acentuado: sua populao rural continuouregistrando queda absoluta, de 8,8 milhes, em1980, para 7,5 milhes, em 1991 e 6,8 milhesem 2000, demonstrando que o crescimento daregio se estabeleceu em localidades urbanas:89,3% da populao do Sudeste estavam concen-tradas em reas urbanas, em 2000, totalizando,em termos absolutos, um contingente de 65,5milhes de pessoas.

    Em sua anlise da dinmica regional recen-te, Pacheco (1998), considerando a diversidadeinterna regio aponta para a diversificao dasestruturas produtivas em So Paulo e Rio de Ja-neiro. No caso de So Paulo, o destaque vai paraa atividade agropecuria, predominantementecana de acar, ctricos e pecuria, acoplada aointenso processo de urbanizao de seu interior.Do ponto de vista da indstria, visualiza-se umequilbrio maior entre o segmento de bens inter-medirios, bens de consumo no durveis e bensdurveis e de capital, tendo como principal exem-plo o peso do complexo metal-mecnico; juntos,metalurgia, mecnica, material de transporte ematerial eltrico e de comunicaes responde-ram por 40% do VTI regional em 1985, com ex-pressivo peso da indstria qumica.

    A economia do Rio de Janeiro essencial-mente urbana, com peso nfimo da produo agr-cola, restrita a uma pequena produo de canade acar, laranja e alguns produtos olercolas. Aproduo industrial revela uma maior especiali-

    zao na extrativa mineral em funo da ativida-de petrolfera de Campos, e tambm da qumica.No caso de Minas Gerais e Esprito Santo, suasestruturas econmicas ainda refletem um acen-tuado peso da extrao mineral, da siderurgia edo caf; sua atividade industrial est voltada pre-ponderantemente produo de produtos inter-medirios, com peso expressivo da extrao mi-neral. O destaque, neste caso, o progressivoaumento da produo de soja em Minas Gerais,que j a terceira lavoura em importncia noestado (Pacheco, 1998.p.236).

    A regio Sul vem apresentando os meno-res nveis de crescimento populacional do pas,com tambm acentuado declnio de suas popu-laes rurais, devido ainda aos reflexos do gran-de xodo rural do Paran, que, tendo se inicia-do nos anos 70, estendeu-se pelos anos 80. Noincio dos anos 90, essa regio registrou uma taxade crescimento populacional de 1,24% a.a., sen-do de -1,32% o decrscimo rural, menos acen-tuado que nos perodos anteriores. O crescimen-to das reas urbanas do Sul reflete-se num con-tingente de aproximadamente 20 milhes depessoas vivendo em reas definidas como urba-nas contra aproximadamente 5 milhes em re-as rurais, manifestando os efeitos do desempe-nho apresentado pela indstria sulista na ltimadcada, em especial a catarinense e mesmo aparanaense (Bandeira, 1994).

    Por outro lado, no conjunto do pas, as ca-ractersticas e tendncias da distribuio regionalda populao brasileira reforam a idia da fora,ainda presente, dos deslocamentos populacionaiscom origem rural. Os resultados do CensoDemogrfico de 2000 indicam que a perdapopulacional da rea rural brasileira, em seu con-junto, no perodo de 1995-2000, foi de 246.720pessoas. No entanto, considerando-se as dimen-ses continentais do territrio nacional, o contin-gente populacional classificado como rural no l-timo levantamento ainda bastante expressivo:aproximadamente 32 milhes de pessoas.

    No entanto, e apesar de sua expresso nu-mrica, tambm no caso das migraes com ori-gem rural, os anos 80 marcaram um momento deruptura do processo anterior, pelo menos no quese refere ao significado distinto e tambm s al-ternativas de especialidades e desdobramentosque assumiram esses movimentos de populaono novo contexto nacional e internacional.

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    REGIO NORDESTE EM FOCO

    No clssico texto de Martine e Camargo(1984) sobre crescimento e distribuio da popu-lao brasileira, o Nordeste comparece, na classi-ficao adotada, como rea tradicional de emi-grao, juntamente com Minas Gerais, EspritoSanto e Rio Grande do Sul. Naquele momento,ressaltavam os autores, talvez como o padro mi-gratrio mais notrio, a perda gradativa e siste-mtica de importncia demogrfica relativa des-sas reas de emigrao, em favor do chamadoNcleo industrial Estados de So Paulo e Rio deJaneiro e das reas de fronteira consolidada estados do Paran, Maranho, Gois e Mato Gros-so e de fronteira em expanso Regio Norte eEstados de Mato Grosso. Na Regio Nordeste,constatavam os autores que a tendncia predo-minante havia sido a de uma queda abrupta nastaxas de crescimento populacional e na partici-pao relativa no crescimento total e um aumen-to da emigrao entre as dcadas 40 e 50; umaestabilizao do crescimento da emigrao e daparticipao no crescimento total durante a d-cada de 60; e um novo declnio do crescimentoe da participao relativa, apesar do melhor saldomigratrio, durante a dcada de 70.

    Os determinantes desses padres seriam fa-tores climticos severos que expulsaram grandescontingentes de nordestinos, cuja emigrao foifacilitada pela intensificao do processo de in-dustrializao e pelo incio de grandes obras deconstruo civil no Centro-Sul e Centro-Oeste.Na dcada de 60, o fim da grande seca, a recessoprovocada no meio da dcada e os esforos go-vernamentais visando reduo dos desequi-lbrios regionais, devem ter contribudo para umamaior reteno, e at certo retorno, de nordesti-nos. Na dcada de 70, o Nordeste voltou a sofrerum xodo notvel na maioria dos Estados: os ni-cos que experimentaram uma perda populacionalmais reduzida foram a Bahia, Sergipe e Alagoas,sugerindo que investimentos na rea de explora-o petroleira e de petroqumica talvez tenhamtido influncia na reteno e/ou atrao de po-pulao. (p. 117-120).

    Em anlise sobre as diferenas regionais noprocesso de urbanizao no Brasil, Camarano eBeltro apontam a fora dos movimentos de ori-gem rural, sendo a regio Nordeste a mais ex-pressiva com seus elevados saldos negativos. A

    dcada de 50 considerada, pelos autores,como o ponto inicial do xodo rural brasileiro.Como foi mencionado anteriormente, aproxima-damente 11 milhes de pessoas deixaram as re-as rurais nessa dcada, metade das quais origi-nadas na Regio Nordeste (p.19). Nos anos 60, aemigrao rural de nordestinos declinou, tantoem termos absolutos quanto em termos relativos(p.20). Nos anos 70, as duas grandes regies for-necedoras de migrantes rurais foram o Nordes-te, com mais de 4 milhes de pessoas e nova-mente o Sudeste, com um fluxo de 4,5 milhesde pessoas (p. 20).

    Nos anos 80, a populao rural nordestinaapresentou, pela primeira vez, um declnio abso-luto de mais de 5 milhes de pessoas. Esse fen-meno resultado da combinao da elevada taxade migrao rural-urbana com uma queda nastaxas de fecundidade. A populao urbana apre-sentou taxas de migrao positivas em tomo de20%, o que resultou num incremento de aproxi-madamente 7,8 milhes de habitantes dessa po-pulao (p.21).

    De todos os migrantes rurais do pas entre1991-19961 , 55% saram do Nordeste, o que re-presentou quase 40% da populao que vivia nazona rural da regio no incio da dcada. A popu-lao rural nordestina apresentou uma reduoabsoluta de 1,2 milho de pessoas nesses cincoanos, como resultado do xodo rural e da quedada fecundidade. As taxas de migrao urbana di-minuram sensivelmente no perodo, mas o in-cremento da populao urbana no qinqnio foiexpressivo: 3,4 milhes de pessoas.

    Em outro texto, Camarano (1997) refora asespecificidades de regio Nordeste, ao conside-rar que nesta regio as transformaesdemogrficas vem ocorrendo com defasagem emrelao s demais regies do pas e onde os dife-rencias intra-regionais so bem mais expressivosdo que os inter-regionais (p.189). Alm disso, aautora destaca a importncia das pequenas loca-lidades cidades com menos de 200 habitantes convivendo com trs reas metropolitanas Re-cife, Salvador e Fortaleza.

    __________1 fato reconhecido pelos demgrafos a dificuldade de se esti-

    mar os saldos migratrios rurais; particularmente as estimati-vas realizadas com a Contagem Populacional de 1996distorceram em muito o que os resultados do Censo 2000confirmaram, ou seja, a continuao da tendncia de diminui-o desse saldo e no o inverso, como parecia anteriormente.

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    A migrao de retorno j abordada comos dados do Censo Demogrfico de 1991 e con-siderada como um fenmeno que caracterizoua dcada de 1980. Estimou-se que aproximada-mente 719 mil nordestinos tinham menos de dezanos de residncia no municpio registrado nomomento do Censo, o que foi definido comomigrantes de retorno; desse contingente, a mai-oria (35%) deslocava-se de So Paulo sendo quePernambuco, Cear e Bahia destacaram-se comoexpressivos centros receptores dos migrantes deretorno (p: 189-204). A autora constatou, ade-mais, que entre esses migrantes de retorno pre-dominaram os homens, sendo que na migraocom origem rural destacaram-se as mulheres, pro-vocando o efeito chamado de masculinizao dapopulao rural.

    Nessa anlise ressalta-se o processo de trans-formao nos movimentos migratrios na regioNordeste, com tendncia de reduo da migra-o lquida regional iniciada nos anos 70 e quecontinuou nos anos 80. Como se ver a seguir,essa tendncia se manifestou tambm com osdados do Censo Demogrfico de 2000, sendo SoPaulo o principal estado tanto em recebermigrantes da regio como em enviar populaopara l. Camarano observou ainda que os estadosque continham Regies Metropolitanas recebe-ram tanto a maior parte do imigrantes inter-regi-onais como dos migrantes de retorno. Dada aseletividade da migrao por idade, a evaso depopulao em idades ativas aumenta a razo dedependncia. Entretanto a reduo dafecundidade e a migrao de retorno anularam oefeito da migrao na razo de dependncia, re-sultando num declnio da mesma.

    Pode-se falar tambm de uma mudana sig-nificativa no padro de urbanizao em cursona regio Nordeste. Desde a dcada de 80, tem-se observado uma reduo absoluta da popu-lao rural da regio. A rede urbana do Nordes-te passou por um processo de adensamentopopulacional, incorporando 263 novas localida-des urbanas de mais de 20.000 habitantes no con-junto existentes entre 1960 e 1996. As cidadesda regio tiveram taxas de crescimento relativa-mente elevadas, com destaque para as cidadesde tamanho intermedirio (Camarano, 1997, p.202 e 203).

    OS RESULTADOS DO CENSO DE 2000

    A regio Nordeste iniciou o novo milniocom aproximadamente 48 milhes de pessoas, ouseja, cerca de 28% de aproximadamente 170 mi-lhes de brasileiros registrados no censoDemogrfico de 2000. Esse acrscimo populacionalcorrespondeu a uma taxa geomtrica de cresci-mento anual de 1,30 %, menor do que a taxade 1,83% do perodo anterior. Significou, tambm,um crescimento menor do que a mdia nacional emostrou-se taxa mais baixa quando comparada sdas demais regies (Tabela 01).

    Por sua vez, as tabelas 02 e 03 apresentamas trocas populacionais entre as Grandes Regiesdo pas registradas nos Censos de 1991 e de 2000,nas quais j se torna evidente a maior fora des-sas trocas entre as regies Nordeste e Sudeste,crescentes na comparao entre os doisqinqnios. Assim, entre 1986 e 1991, aproxi-madamente 917 mil nordestinos encontravam-seno Sudeste, cifra que se elevou para 969 mil noqinqnio 1995-2000. Por outro lado, 334 milpessoas com origem no Sudeste encontravam-sena regio Nordeste em 1991, cifra que tambmse elevou para 460 mil no qinqnio seguinte.

    Considerando as reas rurais e urbanas de-finidas pelo Censo, pode-se observar tambm Tabela 04, que a regio Nordeste, apesar de al-gum aumento havido entre as datas dos dois lti-mos censos, manteve-se com nveis de urbaniza-o abaixo da mdia nacional em todos os seusestados.

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    A tabela 05, acima, apresenta as entradas,as sadas e os saldos migratrios para cada um dosestados do Nordeste nos dois qinqnios men-cionados na nota anterior. Com exceo deSergipe, no primeiro, e Rio Grande do Norte, nosegundo qinqnio, todos os demais apresen-

    tam resultados negativos; no entanto, uma primei-ra observao dos resultados indica uma diminui-o no montante desses saldos negativos, suge-rindo a possibilidade de uma maior reteno depopulao da rea em seu conjunto, incluindo aa chamada migrao de retorno.

    __________2 O estudo do tema Migrao sofreu algumas mudanas entre os censos demogrficos de 1991 e 2000. No primeiro, possvel

    identificar movimentos migratrios entre municpios da mesma Unidade da Federao e municpios de Unidades da Federaodiferentes, bem como a mudana na situao de domiclio. No Censo 2000, no possvel identificar o municpio anterior domigrante, apenas a Unidade da Federao em que residia; adotou-se, para contornar os problemas da derivados, o procedimentode utilizao das informaes de data fixa, comparando-se, assim, os dois qinqnios 1986-1991 e 1995-2000.

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    AlagoasTotal de migrantes: 886.782; migrantes internos:695754; migrantes interestaduais: 191 .028Principais estados de destino: Pernambuco: 115.629;So Paulo 19.691; Rio de Janeiro: 6.201; Cear 5214;Paraba: 9.003; Sergipe: 10.382; Bahia: 10.369.

    SergipeTotal de migrantes: 578.424; migrantes internos:418.916; migrantes interestaduais: 159.508Principais estados de destino: Bahia: 52.643; SoPaulo: 15.793; Rio de Janeiro: 6.856; Cear: 3.244;Paraba: 3.642; Pernambuco: 14.823.

    BahiaTotal de migrantes: 3.597.500; migrantes internos:2.988.259; migrantes interestaduais: 609.241Principais estados de destino: So Paulo: 88.758;Minas Gerais: 83.951; Sergipe: 74.610; Paraba:36.112; Alagoas: 32.006; Rio de Janeiro: 28.1226.

    So PauloTotal dos migrantes: 325.390; migrantes internos:86.281; migrantes interestaduais: 239.109Principais estados de destino: RJ: 1.659; Bahia:69.159; Pernambuco: 43.019; Cear: 35.983; Piau:18792; Maranho: 6.260; Paraba 22.727; Alagoas:14.757; Sergipe: 6385; Minas 3.202.

    Rio de JaneiroTotal de migrantes: 81.194; migrantes internos:1.659; migrantes interestaduais: 79.535Principais estados de destino: SP: 86.281;Pernambuco: 6.670; Cear 10.918; Paraba: 12.167;Bahia: 7.064; Minas: 3.202; Rio Grande do Norte:4.493.

    Definies:Total dos migrantes: total de pessoas que, em 1995,residiam fora de seu municpio de residncia em2000.Migrantes internos: em 1995 estavam fora de seumunicpio de residncia em 2000, mas na mesmaUnidade da Federao.Migrantes interestaduais: em 1995 estavam fora deseu municpio de residncia em 2000, mas em ou-tra Unidade da Federao.

    LISTA DAS PRINCIPAIS TROCAS INTERESTADUAISPessoas de cinco anos ou mais de idade que j residiramfora do municpio, por lugar de nascimento e o lugar deresidncia em 31.07.1995(de - para)

    MaranhoTotal de migrantes: 1.836.101 ; migrantes internos:1.429.542; migrantes interestaduais: 406.589Principais estados de destino: Piau: 168.288; Cea-r: 105.969; Par: 27.537; Pernambuco 19.068; SoPaulo: 7198; Rio de Janeiro: 5.754.

    PiauTotal de migrantes: 779.173; migrantes internos:589.586; migrantes interestaduais: 189.587Principais estados de destino: Maranho: 78.253;Cear: 59.122; So Paulo: 30.046; Pernambuco:10.640; Bahia: 9.600; Rio de Janeiro: 15.567.

    CearTotal de migrantes: 2.128.275; migrantes internos:1.852.241; migrantes interestaduais: 276.034Principais estados de destinos: Paraba: 39.453;Pernambuco: 36.681; Rio Grande do Norte: 34.821;Piau: 35.217; Maranho: 26.316; So Paulo: 30.046.

    Rio Grande do NorteTotal de migrantes: 938.997; migrantes internos:750923; migrantes interestaduais: 188.074Principais estados de destino: Paraba: 86.707; SoPaulo: 13.300; Rio de Janeiro: 12.875; Cear: 28.314;Pernambuco: 18.527; Bahia: 4.258.

    ParabaTotal de migrantes: 1.053.821; migrantes internos:843.323; migrantes interestaduais: 210.498Principais estados de destino: Pernambuco: 81.585;Rio de Janeiro: 19.905; So Paulo: 17.061; Cear:18.032; Bahia: 5.806; Alagoas: 3.555; Rio Grandedo Norte: 45.795.

    PernambucoTotal de migrantes: 2.443.795; migrantes internos:1.985.080; migrantes interestaduais: 458.715Principais estados de destino: Cear 48.253; Paraba137.671 ; Bahia 40.089; Rio de Janeiro 22.648; SoPaulo: 56.759; Alagoas 72.578; Rio Grande do Nor-te 23.494.

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