Monumentos barrocos desconhecidos ao longo das Estradas ReaisAlex Bohrer, professor de História, História da Arte e Iconografia. Diversos textos
publicados sobre o Barroco Mineiro e História de Ouro Preto e Cachoeira do Campo.
Em sua saudação inicial, o professor Alex Bohrer declarou conhecer artistas de várias
partes do mundo e que Luciomar de Jesus se inscreve entre os maiores. Em seguida informou
que, em viagem realizada na semana anterior ao Maranhão, a observação dos monumentos de
Alcântara o inspirou a alterar o tema da palestra em virtude de uma questão então surgida:
por que os nossos monumentos clássicos do barroco mineiro são tão diferentes do resto do
Brasil e de Portugal?
Fazendo um paralelo com São Luiz do Maranhão, mencionou as grandes diferenças
existentes entre os ambientes artísticos e arquitetônicos em relação a Minas Gerais. Por esta
razão, decidiu apresentar vários monumentos artísticos ao longo das
estradas reais mineiras e abordar a criatividade, adaptação e
releituras da arte colonial mineira. Como Aleijadinho ou Ataíde
criavam suas obras? Onde buscavam ideias? Como era o processo de
aprendizagem, se não tinha escola onde pudessem aprender e
desenvolver sua arte?
Iniciou apresentando o objeto ao lado, localizado há mais de 10 anos na Matriz de
Cachoeira do Campo. Após algumas dificuldades para abri-lo, verificou tratar-se de uma
bússola com rélogio de sol, do século XVII.
A seguir foram exibidas imagens de capelas mineiras, sobre as quais o palestrante
comentou as características e a época em que foram construídas. A primeira delas, a Capela de
Nilza Cantoni e Joana Capella
Botafogo, em Ouro Preto, representa um tipo de construção erigida pelos paulistas no século
XVII.
Ainda no mesmo estilo, foram apresentadas outras imagens de antigas capelas.
A respeito de algumas construções que apresentam duas torres o professor Bohrer
chamou a atenção para o fato da estrutura central ser a mesma das anteriores.
Muitos detalhes das construções foram mencionados, demonstrando a criatividade,
adaptação e releituras da arte colonial mineira que o palestrante definiu como foco de sua
apresentação. As portadas em pedra sabão ou madeira e a cantaria aparecem em diferentes
igrejas espalhadas pela região central de Minas. A plateia teve oportunidade de observar, nas
imagens projetadas por Alex Bohrer, ao mesmo tempo a singularidade, as semelhanças e as
diferenças da arte colonial mineira.
Nilza Cantoni e Joana Capella
Interessante observar, disse-nos Bohrer, que o barroco mineiro varia não só em
relação ao de outras regiões brasileiras como também dentro do próprio território de Minas
Gerais. Assim, em Diamantina é diferente do Serro que é diferente de Ouro Preto que é
também diferente do Vale do Piranga onde se encontra uma arquitetura totalmente diferente.
Isto vem instigando vários pesquisadores por não apresentar paralelo com a arte dos paulistas
ou dos portugueses que inspiraram as construções da época. Provavelmente uma construção
original serviu de modelo para as demais que se constituem, assim, num conjunto que
identifica o barroco do Vale do Piranga que nada mais é do que o esqueleto de madeira
aparente e as paredes todas feitas de barro, o pau-a-pique. As sineiras estão inseridas nas
laterais.
Na sequência, foram abordados os processos criativos da época de Aleijadinho,
especialmente de Manoel da Costa Ataíde. Com o objetivo de abordar a difusão dos Tratados
europeus, a mudança de mentalidades e o novo conceito de espaço, Alex Bohrer apresentou
várias gravuras e sua aplicação em obras do barroco mineiro. Segundo ele, com a dificuldade
de se encontrar ou adquirir livros e Tratados, muitos recorriam às gravuras. O resultado é que,
Nilza Cantoni e Joana Capella
muitas vezes o observador exalta a genialidade de Aleijadinho e Ataíde sem se dar conta de
que eles não viveram isoladamente, mas se relacionaram, ainda que à distância, com
produções europeias.
Hoje é sabido que os dois mestres tiveram acesso a Tratados do século XVI, de grandes
artistas europeus que foram publicados em várias línguas, principalmente na língua
internacional da época que era o latim. Mesmo que eventualmente os artistas mineiros não
tivessem acesso aos Tratados, puderam trabalhar a partir dos modelos que foram gravados,
quase todos, em Antuérpia, cidade belga que se notabilizou nos séculos XVII e XVIII pela
enorme produção de gravuras. Em Minas Gerais foram encontrados 88 missais e 540 gravuras.
Na verdade a arte mineira está muito mais ligada, especialmente na pintura, ao que se
produzia na Bélgica do que em Portugal.
O professor Bohrer passou a se interessar pelo tema a partir do momento em que
observou que os tetos das nossas igrejas apresentavam os mesmos elementos ou formas. Para
demonstrar suas observações, foram projetadas imagens de pinturas em diferentes igrejas
mineiras seguidas da gravura original.
Sobre a Tratadística Europeia, o palestrante listou vários nomes que teriam inspirado
artistas mineiros, especialmente Ataíde:
• Piero de la Francesca (1412-1492) – De Perspectiva Pingendi.
• Alberti (1404-1472) – De Pictura, 1435.
• Vignola (1507-1573) – Le due regole della Prospectiva, 1583 (com comentário de
Egnazio Danti – 1536-1586).
Nilza Cantoni e Joana Capella
• Viator (1435-1524) – De Artificiali Perspectiva, 1505 (Viator propõe o uso de três
pontos de fuga, dois nas laterais e um central – tal qual vemos muito em Minas).
• Sebastiano Serlio (1475-1554) – Trattato de Architectura, 1545.
• Daniel Barbaro (1513-1570) – La Pratica de la Prospectiva, 1568.
• Lorenzo Sirigatti (?-1597) – La Pratica de Prospettiva del Cavalieri, 1596.
• Hans Vredman de Vries (1527-1604) – Artis Perspectivae Plurium Generum, 1596.
• Guidobaldo del Monte (1545-1607) – Perspectivae Libri Sex, 1600 (conceito de ponto
de fuga).
• Girard Desargues (1591-1661) – Méthode universale de metre em perspective les
objects donnés réellement ou en devis, avec leurs proportions, 1630 (uso do método
cartesiano – representação do objeto através de cálculo matemáticos - matemática x
pintura).
• Abraham Bosse (1602-1676) – substituiu e deu continuidade ao estudos de Desargues.
• Jean Dubreuil (1602-1670) – publica em 1642 um tratado (chamado por vezes de
“Perspectiva Jesuíta”, apesar de todos ‘poréns’) que dá início às polêmicas entre a
perspectiva artificial (fantasia figurativa) e a perspectiva puramente matemática
(geometria perspéctica) – “para os jesuítas, a construção perspéctica do espaço foi
considerada como uma forma de construção racional de toda visão divina.”
• Vaulezard (matemático) – Perspective cylindrique et conique ou traité des apparences,
1630.
• Jean François Niceron (1613-1646) – La perspective curieuse ou magie artificialli des
effects merveilleux de i´óptique, 1638.
• Giulio Troili (1613-1646) – Paradossi per praticare la
prospectiva senza saperla, 1672.
• Andrea Pozzo (1642-1709) - Perspectiva Pictorum et
Architectorum , 1693.
Foram projetadas imagens de alguns destes
tratados que demonstram, por exemplo, como se alcança o
resultado de uma coluna em perspectiva, e também, a
denominada “máquina de ver” ao lado.
Quando ao reflexo do pensamento europeu na arte
mineira, o palestrante explicou que a obra de Ataíde bem o
demonstra. Pelo seu inventário sabe-se que ele possuía três
livros: uma bíblia estampada, o Segredo das Artes, em dois volumes, e um Dicionário Francês.
Para Alex Bohrer “o livro da Bíblia estampado tinha, sem dúvida, especial valor entre os
Nilza Cantoni e Joana Capella
pintores mineiros. Seria esta bíblia aquela citada por Hanna Levy, em 1944, como tendo várias
gravuras de que Ataíde se apropriou para ornamentar a capela-mor de São Francisco de Assis
de Ouro Preto? Se for, a Bíblia citada no inventário era a francesa História Sagrada (...), de
Demarne - um livro majestoso, com várias reproduções de Rafael”.
O estudioso tem tentado reconstituir uma pasta de desenhos de Ataíde, cuja provável
existência passou a ser suspeitada quando se descobriu que algumas de suas pinturas são
bastante semelhantes entre si, mas, com a passagem do tempo, passam a ser cópias dos
desenhos anteriores e não do original. Exemplo disto foi observado em cena da Matriz de São
Francisco que se repete na de Santa Bárbara, sendo que nesta última a cabeça de um anjo está
direcionada para lado oposto. Como a “pasta de Ataíde” não mais existe, a ausência do
documento passa a ser objeto de todo um trabalho de reconstituição e pesquisa. Neste
processo, o professor Bohrer observou que as gravuras mais comuns na obra de Ataíde são
justamente aquelas que faltam nos missais encontrados em acervos das igrejas de sua época.
Ou seja, ele as retirou para compor a coleção que trazia consigo para servir de modelo de suas
pinturas. Foi explicado que tal conclusão se deu em função de que os missais puderam ser
reconstituídos através dos originais que se encontram em museu de Antuérpia.
A participação de Alex Bohrer neste IV Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo
ampliou o espectro de conhecimentos trazidos aos presentes. Ao demonstrar a mudança de
perspectiva em algumas pinturas de Ataíde, em relação ao modelo utilizado, uma das questões
sugeridas relaciona-se ao simbolismo que possa justificá-la. Em relação aos modelos, ficou
claro que não só os missais serviram de fonte de inspiração, como também pinturas de artistas
europeus, abrindo, assim, um outro campo de investigações sobre a arte mineira.
Esta comunicação foi encerrada com a projeção de uma pintura de Rafael e sua
reprodução na Igreja do Carmo, em São João del Rei.
Nilza Cantoni e Joana Capella