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Page 1: Nelson Maleiro

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Dante Matisse

Um artista, um homem, umavida. Nelson Maleiro (1909-1982) foi uma das figuras

mais importantes no meio culturalde Salvador nas décadas de 1960 e1970 e completaria este ano 94anos. Figura versátil, reunia umpouco de tudo. Nelson Cruz, seunome de batismo, foi fabricante demalas (daí o Maleiro), de instru-mentos de percussão, esportista e,principalmente, agitador cultural,quando recriou e idealizou o car-naval nos tempos dos carros alegó-ricos.

Filho de pescador, negro,semianalfabeto, nascido emSaubara, distrito próximo à capitalbaiana, chegou em Salvador aos dezanos, com a sacola cheia de sonhose uma habilidade, que descobririadepois, para a produção carnava-lesca. O carnaval, ainda não toma-do pelo Estado como produto tu-rístico, era terreno mais do queapropriado para as invenções deMaleiro: era o espaço dos negros,dos pobres e criativos que faziamdaquele momento a afirmação davida e da negritude. Sem o apoioefetivo do governo baiano, Maleiro,depois de sair do grupo Mercadoresde Bagdá, um dos que agitavam ocarnaval com os carros alegóricos,fundou o seu próprio espaço, ondepoderia desenvolver suas idéias.

A Sociedade Carnavalesca Cava-lheiros de Bagdá, criada em 1959,por ele e dissidentes do Mercado-res, explorou ao máximo as possi-bilidades criativas do carnaval. Afesta milionária de hoje, na déca-da de 60 engatinhava nas ruas docentro da cidade, passando pelaCastro Alves e Barroquinha, encan-tando o público. Os Cavalheiros fi-zeram história e seus desfiles ti-nham baleias que soltavam águanos foliões, dragão expelindo fogoe sucumbindo em chamas nos des-files, com o slogan: “Os maus porsi só se destróem”, em alusão aopoder público da época, além detantas criações memoráveis.

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Agitador cultural nas décadas de 60 e 70, Nelson Maleiro também foio primeiro negro a aparecer num comercial da tevê baiana

Dessa época, muito se recorda.A vendedora ambulante Maria deFátima, 52, diz que ainda lembrados carnavais que, segundo ela,”não existem mais”. “Eu era crian-ça e minha mãe me levava para vero carnaval e os carros belíssimosque passavam pelas ruas. Ela co-nheceu Nelson Maleiro, o Gigante,como diziam, falavam que ele eramuito bom”, recorda. Gilberto Gileternizou o mito dos Cavalheiros namusica Filhos de Gandhy: “Merca-dor, Cavaleiro de Bagdá/ Oh, filhosde Obá/ Manda descer pra ver/ Fi-lhos de Gandhy”.Escada para o sucesso - Nelson fi-cou famoso, ainda, pela persona-gem que viveu no imaginário demuitos baianos, o Gigante de Bag-dá, que, caracterizado com orna-mentos árabes, se exibia nos car-navais da cidade e, mais tarde, noprograma Escada para o sucesso(1961-62), da TV Itapoã, desferin-do um porrete contra um gongo,em virtude das atrações “poucoagradáveis”. Nessa emissora, Nelsonfoi o primeiro negro a protagonizarum comercial na Bahia. A imagemdo Gigante, forte e robusto, era as-sociada ao produto.

O professor Leonardo Mendes,um dos fundadores da AssociaçãoAmigos de Nelson Maleiro, em fun-cionamento desde 1996 em Salva-dor, recentemente estudou-o na suamonografia de Especialização em Es-tudos Lingüísticos e Literários pela

UFBA. Ele afirma que é preciso con-servar a memória de Nelson Maleiroque, sem dúvida, é um marco nahistoria cultural da Bahia. “A Asso-ciação pretende desenvolver um tra-balho de resgate da memória deNelson Maleiro e devolvê-lo ao lu-gar de importância que possui. Alémdisso, buscamos incentivar outraspessoas ou associações, principal-mente as entidades negras baianas,a estudarem e recuperarem tambéma sua relevância”, afirma.

O gigante ultrapassava a fron-teira da festa. Eram comuns filas emfrente à sua casa na Barroquinha,composta por pobres que depen-diam da ajuda de Nelson. Na la-deira do Ferrão (Pelourinho),Nelson conseguiu, em 1960,uma sede para Os Cavalheirosde Bagdá, local onde eram rea-lizadas festas para a comunida-de do Pelourinho, quando o lu-gar não possuía a visibilidadede hoje. “No Pelourinho elepromovia esses encon-tros para a comu-nidade, paraque a auto-estima dopovo fosserecuperada,sendo umt r a b a l hopioneiro,sem aju-da ne-nhuma

do Governo, a exemplo do que jáocorre hoje com o Olodum e IlêAyiê”, explica Mendes. E completa:“Nelson não é lembrado hoje por nãose vincular, na época, à política lo-cal, a não ser subserviente, como éde costume na Bahia”.

Há 21 anos, esquecido, semmuitos recursos, Nelson Maleiromorria. Mas sua obra e seus feitos,confundem-se com a sua vida. São,ao mesmo tempo, o fogo e a água,o dragão e a baleia, indissociáveis.

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