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O DEBATE SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: ênfase no papel da mídia
frente à questão
Pollyana Gonçalves dos Inocentes1
RESUMO: O artigo realiza um breve estudo sobre o debate da redução da maioridade penal no Brasil na perspectiva da mídia. O trabalho apresentado corresponde ao Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentando ao Curso de Serviço Social da Universidade CEUMA para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Discute-se a forma como a mídia retrata os adolescentes autores de atos infracionais. Trata-se de pesquisa básica exploratória com procedimento de pesquisa bibliográfica para fundamentar o estudo sobre o discurso da mídia sobre a redução da maioridade penal no Brasil, utiliza-se o método materialismo histórico dialético por permitir a compreensão da dinâmica do objeto.
Palavras-chave: Maioridade Penal; Mídia; Ato Infracional.
ABSTRACT: The article makes a brief study about the debate of the reduction of the criminal majority in Brazil from the perspective of the media. The presented work corresponds to the Work of Completion of Course - TCC presenting to the Course of Social Service of the University CEUMA to obtain the title of bachelor in Social Work. It discusses how the media portrays the teenagers who commit acts of infraction. It is an exploratory basic research with a bibliographic research procedure to base the study on the discourse of the media on the reduction of the criminal majority in Brazil, the dialectical historical materialism method is used to allow the understanding of the dynamics of the object.
Keywords: Criminal majority; Media; Infringement Act.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988),
graças à luta dos movimentos sociais da década de 1980 reconheceu crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, portanto cidadãos e estabeleceu direitos
fundamentais para o seu pleno desenvolvimento. A partir da conquista desses direitos,
surgiu a necessidade de uma Lei que efetivasse os direitos das crianças e dos
adolescentes, foi sancionada a Lei Nº 8.069/90, denominado Estatuto da Criança e do
1 Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas (UFMA). Bolsista
FAPEMA. E-mail: [email protected]
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Adolescente – ECA, inaugurando a Doutrina da Proteção Integral que reconheceu a criança
e adolescente como prioridade absoluta, rompendo no plano legal com o paradigma da
Doutrina da Situação Irregular, presentes no antigos Códigos de Menores.
O debate da redução da maioridade penal no Brasil é um assunto popular e muito
discutido, desde a criação do ECA, tendo relevante atenção da mídia e grande aprovação
da sociedade, sobretudo após grave violação de direitos, envolvendo crianças e/ou
adolescentes. Os meios de comunicação costumam exaustivamente retratar casos de
violência em que há o envolvimento de crianças e/ou adolescentes, criando uma comoção
social, fomentando a discussão em torno do debate, na intenção de influenciar a opinião
pública brasileira para o rebaixamento da maioridade penal. Trata-se de um tema polêmico,
que divide opiniões a respeito do adolescente que se envolve em ato infracional e acerca da
redução da maioridade penal.
Na lógica de punir os adolescentes envolvidos em atos infracionais, posicionam-se
os defensores da redução da maioridade penal, ignorando a sua peculiar condição de
pessoas em desenvolvimento e fundamentando seus argumentos na não efetividade das
medidas socioeducativas preconizadas pelo ECA, que a lei permite a impunidade e
atribuindo aos adolescentes o aumento pelos índices de violência.
2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES
NO BRASIL: da situação irregular à proteção integral
Os direitos da criança e do adolescente passaram a ser alvo de atenção a partir do
século XIX, no entanto somente no século XX, com a Declaração de Genebra (1924)2 e a
Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959)3, foram reconhecidos
internacionalmente direitos às crianças e adolescentes, em razão sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento, que, portanto, necessita de proteção e cuidados especiais
(SARAIVA, 2016).
2 Aprovada em 26 de setembro de 1924 pela Assembleia da Liga das Nações (precursora da ONU). Demonstrou
uma preocupação internacional em assegurar os direitos de crianças e adolescentes, no entanto, somente após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU os países passaram a dar mais atenção sobre a condição de crianças e adolescentes. 3 Aprovada em 20 de Novembro de 1959, reconheceu que as crianças têm direitos e enunciou em dez princípios
que a criança desfrutará de todos os direitos previstos na Declaração, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra condição, seja inerente à própria criança ou à sua família.
3
Até o final do século XIX [...], a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja. Somente no início do século XX, a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuem para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaços para uma concepção de reeducação, baseada não somente nas concepções religiosas, mas também científicas. (BARROS, 2005, p. 74).
Os Estados Unidos foram os responsáveis pela implantação do Direito do Menor,
como foi denominado, uma vez que, não havia uma legislação especial, voltada para
menores de 18 anos. Em 1899 foi criado o primeiro Tribunal de Menores do mundo em
Illinois, que influenciou outros países a também criarem seus Tribunais de Menores:
Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Hungria e Portugal em 1911, França em 1912,
Japão em 1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e Chile em 1928
(SARAIVA, 2016).
Os referidos tribunais foram criados sob a influência norte-americana e também do
Primeiro Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris em 1911, que motivou
diretamente a criação de Tribunais de Menores por toda a Europa e América Latina. Do
ponto de vista da afirmação do Direito do Menor, o evento “[...] foi de grande importância,
não apenas em face dos juristas que dele participaram, tendo influenciado diretamente a
criação dos juizados de menores por toda a Europa e América Latina, como especialmente
porque assentou os princípios do novo direito.” (MENDEZ, 1998, p.53).
Todavia, neste congresso, as sugestões apontadas e inseridas na legislação da
maioria dos países que dele participaram, consistia basicamente em ampliar as funções dos
juízes e atribuir um caráter familiar à Justiça de Menores “[...] em face da suposta figura de
um juiz investido de todas as prerrogativas do bom pater familiae” (SARAIVA, 2016, p. 41,
grifo do autor), anulando a figura da defesa e dando às sentenças um caráter ilimitado, o
que na prática significava o tempo em que estes meninos e meninas estariam sob o controle
do sistema judicial, confinados nas instituições e submetidos ao poder discricionário do Juiz
de Menores.
A tônica predominante desta legislação menorista era corretiva, isto é, fazia-se necessário educar, disciplinar, física, moral e civicamente as crianças oriundas de famílias desajustadas ou da orfandade. O Código instituía uma perspectiva individualizante do problema do “menor”: a situação de dependência não decorria de fatores estruturais, mas do acidente da orfandade e da incompetência de famílias privadas (VERONESE, 2015, p. 26).
As novas leis davam aos juízes o poder de intervir na vida das famílias pobres,
consideradas desagregadas e de determinar o destino de suas crianças e adolescentes,
quando foi afirmada a ideia da intervenção estatal ilimitada para supostamente proteger
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crianças e adolescentes “abandonados e delinquentes.” Em vista disso, surgiu uma nova
categoria jurídica e social para designar a infância pobre e/ou infratora: o menor.
Paralelamente, veio se construindo a Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinquência. Se não mais se confundiam adultos com crianças, desta nova concepção resulta um outro mal: a consequente criminalização da pobreza (KAMINSKI, 2010, p.39).
Neste momento eram lançados os fundamentos da Doutrina da Situação Irregular,
contemporânea do Direito Penal do Menor, que tinha como eixo a ideia de controle social
dos menores infratores e daqueles considerados abandonados moral ou materialmente por
seus familiares, sustentada no binômio carência/delinquência.
O perverso binômio carência/delinquência, que marcou a lógica operativa deste sistema, e a resultante confusão conceitual, não distinguindo os abandonados dos infratores, até hoje presente na cultura brasileira, foi o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao Novo Direito da Criança (SARAIVA, 2016 p. 42).
Dentro deste panorama foi instituído no Brasil, o Código de Menores (Lei nº
6.697/79), respaldado na Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBM), sob o
paradigma menorista da “proteção tutelada”, lei que já surgiu obsoleta para sua época, tanto
do ponto de vista histórico quanto social e conjuntural, pois representava o prolongamento
da cultura menorista iniciada no Código de Mello Matos4.
A lei menorista, que acabara de ser sancionada, não assegurava um sistema de
garantia de direitos de crianças e adolescentes. Destaca-se que no cenário internacional,
em 1979, comemorou-se o Ano Internacional da Criança, fruto de uma mobilização mundial
para o reconhecimento dos direitos das crianças e dos adolescentes,
O “novo” Código e a PNBM, com seu paradigma da “situação irregular”, destinava-
se ao menor de 18 anos que se encontrava em abandono material, vítima de maus tratos,
em perigo moral, com desvio de conduta e autor de infração penal. Embora a Doutrina da
Situação Irregular fosse sustentada no discurso da proteção, assistência e recuperação,
acabou por adotar práticas de repressão, discriminação, autoritarismo e estigma, na medida
em que era aplicada a uma infância específica, tida como desvalida e infratora.
[...] uma criança ou adolescente, sobre o qual se entendeu como tendo uma conduta desviante, mesmo que jamais tivesse cometido ato anti-social, poderia ser privada de sua liberdade de ir e vir, e perder os vínculos familiares e comunitários, pelo simples de estar em situação irregular (VERONESE, 2015, p. 42 grifo do autor).
4 Primeiro Código Especial de Menores- criando através do Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de 1927, que
aprovou o regulamento da assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes.
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No Brasil, na conjuntura da década de 1980, o país vivia um cenário de
efervescência dos movimentos sociais, de luta contra a ditadura militar, de lutas por direitos
trabalhistas, sociais, políticos e civis. Diante desse contexto, no campo da infância ocorreu
uma ampla mobilização nacional, com repercussão internacional, que visava à
desconstrução do paradigma da “situação irregular” e a defesa dos direitos de crianças e
adolescentes e intencionava por mudanças na legislação menorista.
Dentre os movimentos destaca-se o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua (MNMMR), cuja notoriedade se deu, sobretudo pelo processo de sensibilização da
sociedade, fortalecimento do protagonismo de crianças e adolescentes, mudanças na
mentalidade social e nas práticas judiciais, e pressão sobre o Estado. Destaca-se que os
meios de comunicação em massa, também tiverem sua contribuição ao denunciarem os
excessos e abusos cometidos nas práticas institucionais, as rebeliões, os maus tratos e as
diferentes formas de violência refletidas nas instituições de “proteção ao menor” (SILVA,
2005, grifo nosso)
O MNMMR promoveu intenso processo de sensibilização, conscientização e
mobilização junto aos constituintes e à opinião pública, até mesmo da impressa, tendo
conquistado inclusive a iniciativa privada (KAMINSKI, 2010). Contribuiu, portanto,
significativamente para o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de
direitos, influenciando a Assembleia Constituinte de 1988.
Desse modo, os movimentos sociais, conseguem plasmar na nova Constituição, aprovada em 05 de outubro de 1988, os princípios básicos da Convenção Internacional, muito antes que esta última fosse aprovada em (20 de novembro de 1989) (MENDEZ, 1998, p. 115).
O resultado dessa articulação popular teve como síntese os artigos 227 e 228 da
Constituição Federal de 1988/ CF/1988, que serviu de base sociojurídica para reformular a
legislação de crianças e adolescentes. Sendo introduzida no dispositivo constitucional a
declaração especial dos Direitos Fundamentais da Infanto-Adolescência, inaugurando a
Doutrina da Proteção Integral ao estabelecer direitos específicos às crianças e aos
adolescentes, os quais devem ser universalmente reconhecidos (VERONESE, 2015).
O texto constitucional, ao reconhecer que crianças e adolescentes necessitam de
cuidados especiais, evidencia a rede de responsáveis e o conjunto dos direitos
fundamentais, regulamentando o paradigma da proteção integral, expressos em seus artigos
227 e 228.
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e jovem com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, a cultura, à dignidade, ao respeito, a liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
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Acresce-se, ainda, o art. 228, que sustenta que “[...] são penalmente inimputáveis
os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988),
elevando a inimputabilidade do menor de 18 anos à condição de princípio constitucional.
Assim, com fundamento nesses dispositivos constitucionais foi instituído o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei Nº. 8069 de 13 de julho de 1990, tendo
em vista necessidade de regulamentar à garantia dos direitos fundamentais de crianças e
adolescentes. Destaca-se que o ECA é uma vitória das lutas sociais dos movimentos pela
defesa dos direitos das crianças e adolescentes, dos setores progressistas da sociedade
civil e política.
No que tangem, a inimputabilidade penal das/os adolescentes prevista nos
dispositivos legais não significa que estas/es sejam desresponsabilizados por seus atos,
uma vez que, ao invés de se submeterem às penalizações previstas na legislação penal,
sujeitam-se às sanções previstas no artigo 112 do ECA. Estas sanções, denominadas
Medidas Socioeducativas (MSE’s) têm natureza pedagógico-educativa e sancionatório-
punitiva.
O ECA foi a primeira legislação brasileira a prevê a construção de um Sistema de
Garantias de Direitos - SGD5 estruturado de forma a prevenir a ameaça e/ou a violação dos
direitos seja pela ação ou omissão do Estado, da família e da sociedade; seja pela ação da
própria criança e do/a adolescente (FALEIROS; PRANKE, 2009).
Nesse contexto, visando o fortalecimento do ECA e as determinações de diretrizes
para a execução das medidas socioeducativas foi criado o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE, aprovado em 18 de janeiro de 2012, através da Lei
12.594, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a
adolescentes autoras/es de atos infracionais e “[...] constitui-se de uma política pública
destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei que se correlaciona e demanda
iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais” (BRASIL, 2012).
A CF/1988 e o ECA representam importantes avanços na legislação brasileira ao
reconhecer direitos fundamentais às crianças e adolescentes. O status de sujeitos de
direitos, conferidos às crianças e adolescentes, se sustenta no princípio de que todos
desfrutam dos mesmos direitos e, no caso em especial dos adolescentes, submetem-se às
obrigações, observada a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
5 Art. 1º O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração
das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
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O ECA se assenta no princípio de que todas as crianças e adolescentes são iguais
sem qualquer distinção, e representa um novo modelo de responsabilização do adolescente
em conflito com a Lei no Brasil, com vistas a “eliminar” o sistema antigarantista, presente no
paradigma da situação “irregular”. Ao romper com a cultura “menorista” da Doutrina da
Situação Irregular e adotar a Doutrina da Proteção Integral, promove o então “menor” à
condição de sujeito de direitos e deveres, protagonista de sua história, devendo, portanto,
submeter-se a uma “responsabilização especial” por sua conduta, observada a sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento (SARAIVA, 2016).
Como qualquer outra lei, apresenta contradições, avanços e retrocessos. E nunca irá satisfazer a todos os interesses. É algo novo vivo, em movimento – sempre sujeito às pressões para constantes reformulações, em todos os tempos (RIZZINNI, 2000, p. 7).
Todavia, conforme salienta Zaluar (1994), embora o ECA tenha avançado, na
medida em que regulamentou a “cidadania” infanto-juvenil, não implica dizer que estas
crianças e adolescentes tem sua cidadania amplamente respeitada. Em síntese, o ECA não
“rompeu” com as barreiras de dominação e controle social, presentes no antigo Código de
Menores. O ECA, constitui-se como uma Lei moderna, e como Lei, tem caráter normativo,
coercitivo e regulador.
3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E A PERSPECTIVA DA MÍDIA
A comunicação tem um importante papel na organização de uma sociedade. Assim,
destaca-se que as informações veiculadas e ideias que são repassadas, tornam-se um
fenômeno que interfere diretamente na vida social, política, cultural e econômica de uma
sociedade (SILVA, 2011).
A violência e a insegurança urbanas atribuídas aos jovens aparecem como um
problema central de nosso tempo. Não há pesquisa de opinião pública sem que a questão
surja como uma preocupação social prioritária, sendo relegado a um segundo lugar, às
vezes, pela questão do desemprego (MENDEZ, 1998, p.16).
A violência praticada por jovens é um tema presente na vida cotidiana e nos meios
de comunicação. Neste sentido, o crescente número de atos infracionais supostamente
cometidos por adolescentes e a propagação midiática deste tipo de violência, especialmente
nos centros urbanos têm rebatimentos na sociedade que cobram medidas repressivas,
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materializadas nos vários projetos de lei e de Proposta de Emendas à Constituição - PEC,
tramitando no Congresso Nacional, com proposições à redução da maioridade penal.
Veronese (2015) chama a atenção para o fato de que na maioria dos atos
antissociais, onde há o envolvimento de crianças e/ou adolescentes, estes em sua grande
maioria, não são os autores, atuam como partícipes, sendo os adultos os mandantes e
exploradores, em regra geral.
Destaca-se que o que se denomina maioridade penal, diz respeito à idade mínima a
partir da qual a pessoa pode ser responsabilizada e penalizada criminalmente, ou seja,
passível de sofrer sanções como adulto. Assim, em consonância com os princípios da
proteção integral “o tratamento repressivo a condutas antissociais ilícitas é norteado pelo
artigo 228 da CF/88, que estabelece aos menores de 18 anos a sujeição à legislação
especial, ou seja, ao Estatuto da Criança e do Adolescente” (BRASIL, 2003).
A redução da idade da inimputabilidade penal reaparece no cenário social e
político, sobretudo após alguma situação de grave violação de direitos, supostamente
cometidos por crianças e/ou adolescentes e seus desdobramentos são amplamente
noticiados nos meios de comunicação trazendo a questão para o centro da discussão.
A mídia, na sua condição de macrotestemunha privilegiada, passa a ser ator social importante dos fatos, no ato de expô-los para além dos estreitos limites onde efetivamente aconteceram. Assim a mídia não só atribui sentidos próprios aos atos de violência (na forma de selecioná-los, editá-los, classificá-los, e opinar sobre eles), como, ao testemunhá-los expõe os fatos a outros atores sociais – posicionado de formas diversa ante os fatos, os fenômenos ou os indivíduos ou grupos deflagradores da violência – que são constrangidos/convocados a produzirem sentidos sobre eles (RONDELLI, apud SILVA, 2011, p. 270)
Saraiva (2016), refere que a forma como a “responsabilidade penal juvenil”, a
“criminalidade juvenil” e a “delinquência na adolescência” são expostas nos meios de
comunicação têm desdobramentos para a proposição do rebaixamento da idade penal,
produzindo dois grupos em pontos opostos.
A discussão é densa e polarizada, e forma duas correntes de opinião: grupos
favoráveis à redução da maioridade penal e aqueles contrários à redução da
inimputabilidade penal, pois reconhecem os adolescentes como sujeitos de direitos, pessoas
em condição especial de desenvolvimento e prioridade absoluta das famílias, da sociedade
e do Estado, conforme previsto na legislação. A proposta de diminuição da responsabilidade
penal é incompatível com a Doutrina da Proteção Integral, presente no ECA, na CF 1988 e
nos documentos internacionais.
Convém lembrar, no que tange a implementação do ECA, os meios de
comunicação de massa se incumbiram de disseminar no senso comum a opinião de que
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esta é ‘lei boa para a Suíça’, que o ‘ECA protege bandidos’ e que é ‘responsável pelo
recrudescimento de índices de criminalidade juvenil’ (LIBERATI, 2004, p. 11).
Segundo, Volpi (2001), no Brasil, acerca do adolescente em conflito com a lei,
existe um tríplice mito, que atribui aos adolescentes a responsabilidade pela insegurança
pública, baseado no superdimensionamento da criminalidade violenta, na periculosidade dos
adolescentes e na ideia da impunidade. Isso decorre como estes fatos são expostos pela
mídia, através da manipulação dos dados. Os meios de comunicação repassam o
crescimento de atos infracionais em relação aos crimes cometidos por adultos e que tais
infrações são cada vez mais violentas.
O Brasil vive momentos de intranquilidade, mas os adolescentes não são os
responsáveis pela onda de violência que assola o país. Os jovens das periferias dos
grandes centros urbanos têm protagonizado casos de violência e criminalidade, mas tem
sido também as maiores vítimas da violência. De acordo com as estatísticas apresentadas
sobre a criminalidade, o país vem vivenciado um verdadeiro “genocídio social”, sendo a
maioria das vítimas jovens pobres, negros e do gênero masculino (SOARES et al, 1996).
Diante desse contexto, quando acontece um “crime” de forte comoção social, em
que há o envolvimento de adolescentes, a forma como os fatos são expostos pela mídia,
principalmente os crimes hediondos e/ou aqueles cometidos contra pessoas de classe
média, os meios de comunicação, tendem a influenciar, por vezes, o posicionamento da
população, frente à questão do rebaixamento da maioridade penal. “A mídia tornou-se tão
poderosa ao transmitir verdades hegemônicas, que muitas vezes não são questionadas,
mas tomadas como certezas, sendo incorporadas ao nosso discurso de senso comum”
(SANTOS; GROSSI, 2005 p. 123).
Dessa maneira, a espetacularização do crime feita pela mídia quando adolescentes
das chamadas “classes perigosas” cometem infrações, mais do que qualquer coisa, buscam
atingir altos índices de audiência e atrair o público com as tragédias do cotidiano.
(RAMONET, 1999).
A televisão e outras formas de mídia utilizam expressões estigmatizantes como
“menor”, “delinquentes” e discursos conservadores de justiça para atrair o público. Na
sociedade midiática do espetáculo, os meios de comunicação de massa incorporam
elementos dramáticos, transmissão de cenas de violência para tornar os conteúdos mais
atraentes à população, ganhar pontos no IBOPE6 e aumentar o número dos seus
consumidores.
6 Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísticas é responsável por realizar pesquisas sobre opinião pública.
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O clamor social de parte da sociedade brasileira, pelo rebaixamento da maioridade
penal, emerge da falsa premissa de que nada acontece aos autores desses “crimes”, ou que
não são responsabilizados pelas infrações cometidas e o suposto caráter, excessivamente
liberal do ECA, confundindo inimputabilidade com impunidade.
[...] ao raciocínio equivocado de que não há previsão legal para responsabilizar os adolescentes autores de ato infracional (argumentando alguns até que a própria lei, isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estaria a proteger - quando não a estimular - a prática de atos antissociais pelos adolescentes) e, assim, culminando com proposta perversa na direção da diminuição da imputabilidade penal fosse capaz de responder às intricadas condições determinantes da conduta desviante dos adolescentes ou de superar situações que são, via de regra, de ordem estritamente social (MAIOR NETO, 1999, p. 6).
Corrobora, Saraiva (2016), a cerca da confusão conceitual entre inimputabilidade
penal e impunidade:
[...] há quem, desconhecendo o sistema de responsabilidade penal juvenil contemplado no Estatuto da Criança e do Adolescente, corolário da normativa internacional que regula a matéria, insista em confundir inimputabilidade penal com impunidade, pleiteando a extensão do Sistema Penal Adulto ao adolescente em conflito com a Lei, buscando a redução da idade de imputabilidade penal, fixada em dezoito anos. (SARAIVA, 2016, p. 92)
A partir dessa perspectiva de “impunidade” e da cultura do pânico em torno da
violência praticada por adolescentes, as alternativas propostas pelos movimentos
repressivos, pelos meios de comunicação e por alguns parlamentares, inclinam para a
diminuição da maioridade penal, com vistas a ampliar a política criminal, baseado em
argumentos da ineficácia das medidas socioeducativas7 previstas pelo ECA. Os meios de
comunicação com seu discurso punitivista legitimam a pena como alternativa eficaz para a
diminuição do problema da violência.
A proposta de redução da idade de imputabilidade penal, como alternativa de
transformação social, tem caráter meramente punitivista e repressor, ao apontar como
solução para todos os conflitos sociais: a prisão e a pena, orientada por uma visão de
criminalização da pobreza, sendo destituída de caráter educativo e preventivo, relativizando
o papel do Estado na garantia dos direitos individuais. Assim, se faz necessário romper com
lógica punitivista-repressiva e concentrar esforços na implementação de uma cultura de não
violência, de tolerância e de respeito ao diferente.
7 O adolescente autor de ato infracional é responsabilizado por determinação judicial a cumprir medidas
socioeducativas, que contribuem de maneira pedagógica, para o acesso a direitos e para a mudança de valores pessoais e sociais dos adolescentes. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas socioeducativas podem acontecer em liberdade, em meio aberto ou, com privação de liberdade, sob internação. (BRASIL, 1990)
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Portanto, crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos, não precisam de
encarceramento, precisam de proteção e de garantia plena dos direitos fundamentais
previstos na CF 1988 e no ECA e de acesso à políticas públicas, à cidadania e à justiça.
4 CONCLUSÃO
A trajetória histórica de implementação dos direitos da criança e do adolescente
transcorreu dos parâmetros da indiferença à proteção integral. A Doutrina da Proteção
Integral representou a ruptura com a antiga concepção tutelar e reconheceu criança e
adolescente, enquanto sujeitos de direitos e deveres, próprios de sua peculiar condição de
pessoa em desenvolvimento.
A prática de atos infracionais cometidos por adolescentes, nos grandes centros
urbanos, é abordada nos meios de comunicação como principal elemento para o aumento
da violência. A mídia, enquanto instrumento de formação da opinião pública repassa a
população que é cada vez maior o número de infrações cometidas por adolescentes em
relação aos crimes cometidos por adultos e que estes são cada vez mais violentos e com
requintes de crueldade, da equivocada ideia da periculosidade juvenil.
A ideia da impunidade e de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é ineficaz e
que as medidas socioeducativas previstas no ECA são pouco severas e favorecerem a
impunidade, são alguns dos argumentos utilizados pela mídia com seu discurso de reduzir a
maioridade penal, através da propagação da punição e da repressão como solução para o
enfrentamento da criminalidade.
A mídia desvirtua os preceitos do ECA e retrata o Estatuto como legislação que
apenas “protege”. Há certamente um mito de impunidade. Cabe ressaltar que o ECA, prevê
deveres e responsabiliza os adolescentes autores de atos infracionais, através do
cumprimento das medidas socioeducativas, inclusive de restrição de liberdade.
Os meios de comunicação enquanto instrumento de formação da opinião pública
tem exercido papel fundamental na disseminação da ideia da redução da maioridade penal,
como solução para a diminuição da violência na sociedade, atribuindo aos adolescentes o
aumento da violência,
Rechaça-se aqui a ideia de redução da maioridade penal como solução eficaz
para a diminuição da violência, por entendermos que a violência é um fenômeno complexo,
com múltiplos determinantes, e enquanto uma expressão questão social.
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REFERÊNCIAS
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