O INCRÍVEL MUNDO DE GUMBALL: QUEM PODERÁ DIZER
QUE ESSE MUNDO NÃO É INCRÍVEL?
Ivan Jeferson Kappaun1, Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
1 - INTRODUÇÃO
Os Estudos Culturais abrem um vasto leque de possibilidades investigativas e múltiplos
discursos. Ainda que criticado por não aludir a questões diretamente convencionadas à
educação, o campo permite problematizar discursos correntes e recorrentes acerca de inúmeras
concepções e percepções que estão ligadas de alguma forma à educação. O foco dos Estudos
Culturais incide sobre políticas culturais, em problematizar relações de poder e processos de
produção de conhecimento em educação. Os Estudos Culturais têm inaugurado novas formas
de pensar, de problematizar e de investigar. Vinculado à Educação, coloca em pauta e discute
a produtividade da cultura nos processos educativos em curso na sociedade hoje. Surge, então,
o conceito de pedagogias culturais, desenvolvido como uma ferramenta teórica para
problematizar a relação entre artefatos culturais e processos educativos.
Neste trabalho proponho como tema a análise de episódios do desenho animado O
incrível mundo de Gumball, como artefato cultural que discursa sobre docência. Assumo como
objetivo problematizar a representação de professora no desenho animado O incrível mundo de
Gumball, na perspectiva dos Estudos Culturais. Para tal, seleciono alguns episódios das três
primeiras temporadas do seriado em que há alguma participação relevante da personagem
secundária Senhorita Símio, professora do protagonista do desenho – Gumball. Assim, os
episódios selecionados foram O fim, O primata, O pedido de desculpas, A alegria e A mentira,
de modo a problematizar a constituição de discursos acerca da representação de professor, que
é mostrado como alguém dotado de grande desamor pela profissão docente e grande desprezo
pelos alunos. Aponto a insistente associação entre educação e sofrimento, causando imensa
alegria na personagem da professora no seriado.
Este trabalho está organizado em seis seções, de modo que na primeira seção introduzo
as linhas gerais da proposta que problematizo aqui. Na sequência, em Situando o campo Estudos
Culturais, faço uma aproximação teórica com os Estudos Culturais em Educação, bem como
1 Mestrando em Educação – PPGEdu/Unisc. Bolsistas PROSUP/Capes. E-mail: [email protected]
acerca do conceito de pedagogias culturais. Em O incrível mundo de Gumball, apresento a série
animada, bem como os personagens que compõem o elenco principal, de modo a sugestionar
possibilidades de análises que o desenho oferece. Na seção Quem poderá dizer que esse mundo
não é incrível?, efetivo uma análise que procura estabelecer, na perspectiva dos Estudos
Culturais, algumas considerações acerca da constituição de professor e de docência a partir da
personagem Senhorita Símio – que é literalmente um símio. Isso, a partir da assistência e análise
dos episódios selecionados, listados anteriormente. Na quinta seção, Discussões finais, teço
algumas reflexões acerca do que me foi possível pensar a partir do que objetivei neste trabalho.
O encerramento é feito com a listagem das referências que me ajudaram a pensar um pouco
mais acerca de como recebemos os discursos sobre educação veiculados pela mídia.
2 - SITUANDO O CAMPO ESTUDOS CULTURAIS.
Inicialmente, os Estudos Culturais abarcam discursos múltiplos e podem assumir
diversas trajetórias investigativas. Trata-se de um campo de estudos conturbado, controverso e
alvo de duras críticas, sobretudo em relação ao distanciamento de questões que foram
convencionados como mais pertinentes ao campo da educação. De fato, o foco prioritário dos
Estudos Culturais em Educação incide sobre questões vinculadas a políticas culturais.
Entretanto, a articulação entre Estudos Culturais e Educação permitiu realizar ações
investigativas que envolveram vários campos do conhecimento, o que intensificou
problematizações acerca de questões de poder e processos de produção de conhecimentos em
educação.
Costa, Silveira e Sommer (2003), contextualizam os Estudos Culturais, que surgem em
decorrência do movimento de grupos sociais interessados em se apropriar de instrumentos
conceituais, de saberes que advém da leitura de mundo, resistindo aos que se interpõem, de
modo a democratizar as oportunidades pautadas na educação de livre acesso. Uma educação
em que pessoas comuns tivessem seus saberes respeitados e valorizados, bem como seus
interesses contemplados. Inicialmente, o projeto inicial dos Estudos Culturais britânicos
propunha pensar as implicações da extensão do termo ‘cultura’, de modo a incluir a participação
e significações das pessoas comuns. Pessoas excluídas em uma perspectiva elitista de cultura.
Ainda, de acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003), desde o seu início, os Estudos
Culturais se configuram como espaços alternativos. Espaços de enfrentamento às tradições
elitistas, que ainda busca hierarquizar a distinção entre alta cultura e cultura de massa, entre
cultura erudita e cultura popular. Nesta perspectiva erudita, a cultura é entendida como a
expressão máxima do humano, o melhor que se pensou sobre o mundo. Em contraponto, a
cultura popular é tida como supostamente menos importante, com manifestações menores sem
relevância. No entanto, não pode-se entender a cultura como acumulação de saberes
intelectuais, estéticos, espirituais, mas compreendida levando-se em conta tudo que está
associado a ela e como ela se manifesta na constituição dos aspectos da via social.
Vale destacar que, por ser um campo recente, muitas são as ações investigativas que
podem ser empreendidas a partir da infinidade de problematizações que os Estudos Culturais
permitem. Convém apontar que isto não significa que o campo abarque tudo e/ou qualquer
coisa. Não podemos assumir esta perspectiva. Os Estudos Culturais têm inaugurado novas
formas de pensar, de problematizar e de investigar. Vinculado à Educação, coloca em pauta e
discute a produtividade da cultura nos processos educativos em curso na sociedade hoje.
Abrem-se para entender de forma mais ampla, diferente, complexa e plurifacetada a educação,
os sujeitos, assim como as fronteiras e limites de possibilidades do campo.
Assim, de acordo com Costa e Wortmann (2016), discursos e artefatos considerados
como pedagógicos – livros didáticos, revistas pedagógicas, programas e projetos educativos, a
seriação escolar, a arquitetura da escola – são problematizados. Mas as problematizações se
ampliam e novos objetos de estudo são ativados sob a perspectiva cultural, tais como a merenda
escolar, o cuidado na educação infantil, a avaliação, o recreio, o que permitiu realizar análises
considerando-as como produtoras de significados. Práticas entendidas como imersas em redes
de poder e verdade, em legitimação de discursos dominantes, onde se constituem representações
de criança, de menino e de menina, de estudante, de professores e professoras, de trabalho
docente, enfim, de educação. Outro viés, ainda em concordância com Costa e Wortamnn
(2016), diz respeito às pedagogias culturais, que consideram pedagógico todos aqueles lugares
onde o poder é organizado e difundido. Incluem-se bibliotecas, TV, jornais, cinema, mídia
jornalística, propagandas, jogos, histórias em quadrinhos, desenhos animados etc. Lugares onde
são constituídas e propagadas uma grande variedade de ensinamentos, entre eles em educação.
São ensinamentos sobre o bem e o mal, sobre o que é ser mulher, índio, o que é corpo, arte,
tecnologia, sobre o que for adequado para sustentar discursos empoderados de dominação. As
autoras também destacam que nessas lições é comum estabelecer o que é tido como normal e,
ao mesmo tempo, sinalizam para o que é desviante, o certo sinaliza para o que é errado. Tudo
isso em um contexto marcado por questões culturais em que tudo é naturalizado, mostrado
como moderno e atual, ou seja, onde todas as coisas estão em seus devidos lugares e é assim
que deve ser. Não para os Estudos Culturais, que irão problematizar justamente aquilo que ‘está
em seu lugar’, tensionar as relações estabelecidas e convencionadas de poder, enfim, questionar
aquilo que não é questionado.
Cabe destacar, conforme Costa, Silveira e Sommer (2003), que há pontos distintivos dos
Estudos Culturais, que configuram esse campo de estudo. Uma das premissas é mostrar as
relações entre poder e práticas culturais, em como o poder atua para modelar estas práticas.
Estuda a cultura de forma a perceber e compreender a complexidade que ocorre no interior dos
contextos sociais e políticos. A cultura sempre tem uma duplicidade funcional, ao assumir ser
objeto de estudo e o local da ação e da crítica política. Outro fator é que os Estudos Culturais
tentam expor e reconciliar a divisão do conhecimento entre quem conhece e o que é conhecido.
Por fim, o campo assume o compromisso com uma avaliação moral da sociedade moderna com
uma linha de ação política, de modo que são assumidas estratégias de articular ações
interventivas no interior de formações específicas, organizações ou contextos sociais.
Agora, retomo aqui a discussão acerca das pedagogias culturais, termo mencionado
anteriormente. É sugestivo pensar que a aproximação entre Educação e Estudos Culturais
tenham possibilitado subsídios teóricos para a inserção da pedagogia nas relações de
significação entre cultura, política e poder. Costa e Wortmann (2016) sinalizam para o fato de
que no hibridismo que marcou as concepções e tendências teóricas surgiu e disseminou-se o
conceito de pedagogias culturais, desenvolvido como uma ferramenta teórica para
problematizar a relação entre artefatos culturais e processos educativos.
De fato, o conceito de pedagogias culturais abriu novas possibilidades de investigação
em educação. “Parece residir neste ponto a potência do conceito: evidenciar novos modos de
ver e pensar a pedagogia para nos dizer sobre saberes, sobre outras experiências e diversificados
processos que nos educam e nos fazem ser quem somos”. (ANDRADE, COSTA, 2015, p. 63).
Wortmann, Costa e Silveira (2015), dizem que o conceito de pedagogias culturais foi
adotado para abarcar a multiplicidade de processos educativos que estão em dinâmica, além
daqueles espaços institucionalizados e historicamente convencionados em relação ao ato de
educar. Para atender a esse pressuposto, qualquer instituição ou dispositivo cultural que esteja
envolto com relações de poder é considerado por ou como pedagogia cultural.
Nas articulações entre Estudos Culturais, Educação e outros campos do saber e do
conhecimento, não se tem por objetivo a criação de outras disciplinas. As articulações envolvem
um processo de inventar conexões entre elementos aparentemente não similares, ou que
pareçam estar cindidos, pela desarticulação de conexões existentes ou pela instauração de novas
conexões. Todas as articulações mencionadas e considerações acerca da multiplicidade de
possibilidades que as hibridações do campo permitem, penso que é latente a necessidade de
mais investidas investigativas em Estudos Culturais, sobretudo em Educação. Pensar isso me
conduziu e me autorizou a realizar ações investigativas que evocam uma multiplicidade de
campos de saber, entre eles a análise de desenhos animados.
Assim, proponho algumas considerações acerca da representação de professora no
desenho animado O incrível mundo de Gumball. Proponho pensar como são constituídos os
discursos acerca da figura de professor no programa em questão e quais implicações e
articulações educativas são postas. Para isso, foram considerados episódios das três primeiras
temporadas do desenho, nos quais a personagem da professora (Senhorita Símio) aparece de
forma mais emblemática.
3 - O INCRÍVEL MUNDO DE GUMBALL
De acordo com o site de pesquisas Wikipédia (2016), O Incrível Mundo de Gumball é
uma série de desenho animado criada por Ben Bocquelet, para o Cartoon Network. A série foi
exibida pela primeira vez em 3 de maio de 2011 e gira em torno de Gumball Watterson, um
gato azul de 12 anos de idade, que frequenta a escola secundária na cidade fictícia de Elmore.
Juntamente com seu irmão adotivo – um peixe com pernas – Darwin, Gumball frequentemente
se vê envolvido em muitas confusões pela cidade. Além dos dois personagens, a família é
composta pelos pais de Gumball, Nicole e Ricardo, uma gata azul e um coelho rosa,
respectivamente, e a irmã caçula Anaís, uma coelhinha rosa. Completam a série vários outros
personagens secundários. Ben Bocquelet baseou vários personagens da série em personagens
rejeitados de seu trabalho comercial anterior e assumiu como premissa fazer uma mistura de
série familiar e série colegial.
Uma característica única da série é a não adoção de um estilo único. Os personagens são
desenhados e animados usando diferentes estilos e técnicas (estilizado com animação feita à
mão, fantoches, stop-motion2, etc.). O desenho está em exibição em sua quarta temporada, mas
já foram anunciadas mais duas temporadas, todas com 40 episódios. Excetua-se a primeira, com
36 episódios.
Aqui, o foco de análise incidirá sobre a personagem Senhorita Símio, professora na
Elmore High School. Optei por fazer alguns apontamentos sobre os personagens que compõem
a família de Gumball para sinalizar a gama de possibilidades investigativas que o desenho
oferece. Problematizações acerca da constituição de irmão e de irmã, de pai e de mãe, de filho
e filha, de marido e de esposa, enfim, de família. Isso, sem contar as inúmeras possibilidades
de reflexão que o contexto escolar desenhado na série também oferece. Mas o recorte
investigativo aqui será a constituição da figura docente que é assumida e discursada pela
personagem da professora.
Como aponta o site Gumballwiki (2016), Senhorita Símio aparece sempre muito mal-
humorada, e não parece se importar com seus alunos, sobretudo Gumball e Darwin, a quem
odeia com ardor. Ela é uma babuína cruel e sádica, que sente prazer em ver seus alunos
sofrerem, além de ser mentirosa. Ela é professora por muitos anos (contados aos milhares),
trabalho que odeia. Quando fica enfurecida, assume sua natureza animal e se comporta como
um primata agressivo.
Na sequência, farei algumas considerações acerca das aparições da personagem
Senhorita Símio em alguns episódios. Em virtude de, atualmente, a quarta temporada estar em
exibição, considerei os episódios das três primeiras temporadas. Ainda, por ser uma
personagem secundária, poucos são os episódios em que a Senhorita Símio tem participação
mais efetiva na série. Entretanto, em vários outros tem rápidas aparições, geralmente tomando
café, em xícaras que manifestam frases ou imagens desagradáveis.
4 - QUEM PODERÁ DIZER QUE ESSE MUNDO NÃO É INCRÍVEL?
Por O incrível mundo de Gumball ser um desenho animado televisionado, convido
Fernandes e Oswald (2005) a me ajudarem a pensar a relação de recepção ativa e a produção
de sentidos desempenhado pela criança ao receber o que está em exibição na televisão.
Primeiramente, é importante pensar que a integração entre “os fenômenos da comunicação e da
2 Stop-motion é uma técnica de animação feita quadro a quadro a partir de fotografias, que são passadas
rapidamente e sugerem movimento.
cultura, recusa a noção da passividade do sujeito, entendendo que as mediações no uso dos
meios permitem que a recepção dos sujeitos se constitua como produção lógica de cultura”.
(FERNANDES, OSWALD, 2005, p. 26).
Também é salutar para o que estou propondo, assim como para Fernandes e Oswald
(2005) ao analisarem a preferência de crianças de escolas públicas e privadas em assistirem
desenhos animados sozinhas ou acompanhadas de adultos, a negação da noção de recepção
passiva. Tal visão condena a televisão por aculturar a criança, onde a defesa da infância se dá
pela proibição ou pelo controle dos programas que a criança assiste, ou seja, vilaniza o meio de
comunicação. Penso a criança como um receptor ativo que, na articulação entre meios de
comunicação e cultura, produz significações que irão influenciar em seu destino. Em função
disso, lembro-me como fiquei assombrado na primeira vez que assisti, juntamente com meu
filho, a um episódio da série aqui discutida. Ao ver a representação de professora na
personagem Senhorita Símio, foi possível verificar uma série de estereotipias que são
engessadas e perpetuadas por discursos que fazem a manutenção de formas de pensar a figura
do professor. Isso, em consequência, fomenta formas de ser aluno, o que cria uma
superficialização de relações condicionada por um discurso posto e pouco ou nada
problematizado. As relações vão se naturalizando.
No episódio 05 da primeira temporada – O fim – a professora Senhorita Símio faz uma
breve aparição, mas de forma marcante. Logo no início do episódio, anuncia para a turma uma
prova surpresa e, com as manifestações de descontentamento e expressões de pavor dos alunos,
dá sonoras gargalhadas. Aqui, sinalizo para um discurso que põe a ideia de que o professor
assume como divertimento causar sofrimento aos alunos. Com isso, os próprios alunos podem
assumir uma postura de aguardar que, para único e exclusivo divertimento do professor, o
mesmo faça provas surpresas. A própria ideia de prova é estigmatizada como algo que cause
sofrimento. Em momento algum há sugestão de algum processo de aprendizagem.
Ainda na primeira temporada, selecionei o episódio de número 30 – O primata – que dá
atenção especial para a personagem Senhorita Símio. Neste, a personagem se coloca o desafio
de conquistar o troféu de professora favorita, único troféu que ainda não havia ganho em 754
anos de premiação (ela participou de todas). No entanto, para efetivar a conquista precisa de
uma carta de recomendações de um aluno, mas percebe que não tem amigos e que precisará se
valer de mentiras e armações para conseguir o que quer. Com isso, começa a seguir Gumball
até conseguir que ele a ajude. Quando Gumball escreve a carta de recomendações para a
professora, ela chama todos da família Watterson de trouxas. Nicole e toda a família inicia uma
perseguição de carro para recuperar a carta. Gumball e Darwin tentam dialogar sobre o valor
da amizade, mas Símio diz ter tudo que precisa – a carta. A perseguição leva a babuína à beira
de um precipício, onde precisa escolher entre a amizade das crianças e a carta. Ela escolhe a
carta e cai. O episódio termina com a Senhorita Símio em uma cadeira de rodas, toda enfaixada
e engessada, coloca o troféu na prateleira e diz “Valeu o sacrifício”.
Neste episódio, aponto para um discurso que sinaliza o professor como alguém sem
escrúpulos e moral, com idade indeterminada por ser muito velho. Reforça e sustenta uma ideia
de que o docente age e se articula como alguém que não tem vida própria e sua única perspectiva
é provocar sofrimento aos alunos. Penso que isso reforça uma ideia de que o professor assume
um determinado aluno para prejudica-lo propositadamente. Aponto isso apoiado em minha
experiência empírica como professor na educação básica. Não foram poucas as vezes em que
ouvi comentários de alunos que sugeriam que determinados professor os ‘perseguiam’. Além
disso, também sugere que o professor é alguém sem vida social e sua vida se resume ao trabalho.
Da segunda temporada, selecionei o episódio número 11 – O pedido de desculpas –
também dedicado à professora. Neste, Senhorita Símio fica com o vestido preso e suas nádegas
ficam a mostra, o que causa repugnância em seus alunos. Gumball e Darwin tentam contar para
ela, mas acabam na sala do diretor. O diretor percebe o que aconteceu e libera os meninos, além
de dizer que Símio deve um pedido de desculpas para Gumball e Darwin. Entretanto, ela surta
e destrói a sala do diretor, num comportamento animalesco e raivoso de um primata. Inclusive
sua postura corporal assume as características de um macaco. A partir disso, passa a vigiar os
meninos e tenta pega-los. Primeiro, chama os pais por falsificação de assinatura, mas a
assinatura não é falsa. Novamente tem surto e destrói a sala do diretor. Depois tenta acusar os
meninos de roubo, mas também falha. Na sequência, induz Gumball e Darwin a brigarem, mas
a briga não acontece. Tem novo surto. Depois, tenta criar falsas evidências, pichando o banheiro
e assinando o nome dos meninos, mas novamente é descoberta por estar suja de tinta. A
obsessão da Senhorita Símio começa a afetar seu relacionamento com o diretor (há um romance
entre os dois). Por fim, Gumball e Darwin resolvem cometer um delito para ajudar a professora,
por piedade. Picham o carro do diretor e são pegos pela professora, que estampa um sorriso.
Pedem para assinar a pichação para que ela não seja incriminada erroneamente e Símio percebe
que a ação foi proposital para salvar seu emprego, reputação e namoro. Assim, a professora
tenta limpar o carro e pede que os meninos saiam dali. Eles saem, mas antes ela pede desculpas,
ainda que em sussurros.
Novamente, a representação de professora assume contornos embaçados, uma vez que
reforça a ideia de que o professor é aquele que sabe e não pode estar errado. A personagem
Senhorita Símio dedica seus esforços em incriminar Gumball e Darwin para provar que ela não
está errada. Mesmo quando percebe seu erro, pede desculpas em sussurros para que mais
ninguém a veja. Tal recurso aponta para uma visão de que o professor deve ser infalível. Em
minha trajetória docente, muitos foram os momentos em que admiti não saber determinadas
questões, mas que procuraria saber. Muitas também foram as vezes em que fui questionado
pelos alunos sobre não saber, pois em algumas concepções de professor, o mesmo ‘sabe tudo’.
Inclusive, alguns alunos ficam chocados quando lhes é revelado o quanto a profissão docente
exige constante estudo. Para muitos, depois de concluída a graduação, o professor não precisa
mais se preocupar em estudar, pois tudo que deveria aprender o fez no curso de formação.
Então, vejo na representação de professor um reforçador de estigmas que os professores
carregam e, que em alguns casos, é assumida como verdade. Como se existisse uma verdade.
No episódio não há, em momento algum, sugestão de aprendizagem praticado em aula, ainda
que muitos sejam os discursos e as articulações educativas permeadas pelo desenho animado.
Reforça a ideia de que o professor não possui vida extraclasse, além de que a educação não
parece ter a menor importância, pois a personagem da professora dedica o dia todo, e não faz
outra coisa, a incriminar seus alunos.
Em relação a terceira temporada, faço alguns apontamentos acerca dos episódios
número 4 e 26 – A alegria e A mentira. No primeiro, Gumball e Darwin acordam de mal humor,
mas melhoram depois de receberem um abraço de seu pai. Vão para a escola, e lá a Senhorita
Símio garante que todos estejam tristes, isso a faz se sentir bem. Comenta: “Eu adoro o cheiro
de desespero na segunda de manhã”. Mas sua satisfação é estragada por Gumball e Darwin, que
estão radiantes. Senhorita Símio desconfia que há um vírus de alegria se espalhando pela escola,
mas não é levada à sério e se dedica a provar sua teoria. Leva os meninos para a enfermaria,
para serem examinados e diagnosticados como doentes. Então todos começam a virar zumbis
e espalham o vírus por toda a escola. Símio descobre que a cura é uma música, mas não
consegue chegar aos autofalantes e também é contaminada.
No segundo episódio, Gumball e Darwin, estão deprimidos por ser janeiro e inventam
um feriado: a esquisidata. A Senhorita Símio tenta provar que realmente não há nada de bom
em janeiro e que o feriado não existe. Então surge a voz do narrador, que diz: “Foi assim que a
senhorita Símio soube o que fazer: demonstrar como era uma estraga prazer”. Enquanto isso, o
rosto da professora assume uma aparência diabólica. Gumball se vê em apuros quando percebe
que todos estão comemorando a esquisidata e aguardando os presentes do esquisitão, que não
passam de invenções suas. Enquanto isso, a Senhorita Símio está o observando, inclusive em
sua casa, à noite. Gumball e Anaís decidem entregar presentes para todos da cidade de Elmore,
mas são flagrados pela Símio quando entregam o último presente, para Darwin. Gumball então
confessa que inventou tudo, mas todos o agradecem por ajudar janeiro a passar mais
alegremente.
O que percebo nestes dois episódios considerados é um reforço das representações já
mencionadas de professor. Em A alegria, a professora dedica seus esforços em provar que está
certa e não mede consequências ao o fazer. Novamente é incutida a ideia de que causar
sofrimento aos alunos é um princípio da docência. Não difere em A mentira, quando a
personagem Senhorita Símio também quer provar que está certa e, como se não tivesse outras
atividades a não ser as ligadas a escola, segue e espiona Gumball com uma câmera fotográfica
para produzir as provas necessárias.
5 - DISCUSSÕES FINAIS
Faço agora algumas considerações que gosto de pensar inconclusivas, visto a
multiplicidade de possibilidades de análise que podem ser realizadas acerca da constituição de
discursos sobre docência, professor, escola, aluno que são veiculados no desenho animado
considerado. Na perspectiva dos Estudos Culturais, ativei algumas possibilidades para pensar a
constituição de discursos sobre professor e sobre docência a partir da série O incrível mundo de
Gumball.
O incrível mundo de Gumball se pretende uma série que junta contexto escolar e
familiar. Entretanto, em muitos episódios que se passam na escola, muito pouco são feitas
referências à aprendizagem. Ao contrário, as aulas são sempre mostradas como chatas e
tediosas, além de serem consideradas pelos alunos como inúteis e desnecessárias. Gumball e
Darwin quase nunca querem ir para a escola e fazem de tudo para escapar deste suplício. A
professora geralmente é vista tomando café e o diretor da escola é mostrado como alguém que
não sabe o que está fazendo. O próprio personagem do diretor ninguém consegue definir o que
é exatamente, pois parece um monte de cabelo. Esses fatores vão constituindo discursos que
criam e sustentam ideias estereotipadas acerca de aluno, de aula, de diretor etc.
Como enfatizei a percepção de professor, o fato da Senhorita Símio aparecer com
frequência tomando café, geralmente de mal humor, contente em provocar sofrimento nos
alunos, gera discursos que vilanizam a figura do professor e legitimam pensamentos que
associam o ir à escola com sofrimento e com descompromisso do docente pela profissão. Falas
da personagem manifestando desprezo pela docência e pelos alunos também são recorrentes
como, ao escutar o sinal de término da aula, diz: “Acabou meu turno, agora não preciso mais
fingir que me importo com a educação de vocês”. Internaliza certo desprezo pela escola e sugere
que aula e prazer não são compatíveis. Enfraquecem concepções de educação, uma vez que
várias foram as situações em que me vi, em sala de aula, responder a provocações e provações
dos alunos feitas a partir de concepções retiradas de desenhos animados. A partir destas
reflexões, penso que programas infantis televisionados são potenciais constituintes de cultura e
agem fortemente nas concepções e ações em educação.
Não tenho pretensão em assumir um discurso que vilaniza e despreza a série de
animação. Muitas outras concepções acerca de amizade, de amorosidade, de lealdade, de
responsabilidade, entre outras, são ativadas pelo desenho animado. Por ser uma personagem
secundária, a Senhorita Símio não aparece com regularidade nos episódios, não definindo com
isso uma perspectiva que prioriza um discurso que subvaloriza a educação e a imagem de
professor. Acredito que o desenho perpetua a imagem de megera de professora. Se apresenta
como um elemento discursivo sobre a identidade de professora como uma pessoa infeliz,
sozinha e malvada. Encerro aqui minhas considerações escritas, mas não encerro meus
questionamentos e problematizações acerca do tema.
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