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NOSTRILHOSDOPENSAMENTORELIGIOSOYORÙBÁ
João Ferreira Dias
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NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
FichaTécnica:
© 2017, João Ferreira Dias
Direitos para esta edição cedidos à Edições Universitárias Lusófonas
Sistema de Bibliotecas
Nos trilhos do pensamento religioso Yorùbá / João Ferreira Dias, Lisboa: Edições
Universitárias Lusófonas, 2016, 115 páginas.
Original: Fórmulas Religiosas entre os Yorùbás: Olódùmarè, Òrìṣà, Àṣẹ, Orí e Ìpin,
dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras das Universidade de Lisboa, 2011,
176 pgs.
ISBN – 978-989-757-041-4
Edições Universitárias Lusófonas
João Ferreira Dias
www.joaoferreiradias.net | [email protected]
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Nota:
Em se tratando da religião autóctone Yorùbá, considera-se oportuno utilizar a
grafianativa.
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Índice
Índice____________________________________________________/5
Introdução___________________________________________________/6
Capítulo1|Olódùmarè:dasemânticaàteologiadoser-supremo__________/19
1.1.Questõespreliminares_____________________________________/19
1.2.«Ser-Supremo»,umproblemadeinterpretação____________________/20
1.2.1.TeoriaMediúnica________________________________________/28
1.2.2.Oproblemadosconceitos__________________________________/29
1.2.3.NànáBurukueocasoFon_________________________________/31
1.3.AFórmulaPragmáticadeOlódùmarè__________________________/34
1.4.Olódùmarè,oDeus-Supremonascorrentesexternas_______________/36
1.4.1.Ofatorislâmico____________________________________/39
1.4.2.Ofatorcristão _________________________________________/48
1.4.2.1.OcasoÒgbóni___________________________________/50
1.5.AtributoseEpítetosdoSer-SupremoYorùbá_____________________/52
1.6.Diferentesmetáforasquedãoumpanteão_______________________/56
1.7.Olódùmarè–umvelhoculto,umanovasemântica?________________/61
1.8.Ọn lọ́ọ̀rún,Olódùmarè,BaudineosBàbáláàwó_____________________/63
1.9.Aquestãode“Deus”eosencontrosreligiososemJ.D.Y.Peel__________/71
1.10.UmanotaconclusivacomumolharnoNovoMundo_______________/74
Capítulo2|Òrìṣà,Àṣẹ,OríeÌpin_________________________________/76
2.1.Òrìṣà____________________________________________/77
2.1.1.OsÒrìṣàeOlódùmarè__________________________/86
2.1.2.Panteão,umproblemadeoperatividade_______________________/87
2.2.Àṣẹ__________________________________________________/90
2.2.1.Ocaráterrenovávelea-éticodoàṣẹ__________________________/92
2.3.OríeÌpin_______________________________________________/94
Capítulo3|Retrospectiva&NotaConclusiva_______________________/103
Glossário________________________________________________/112
Fontes__________________________________________________/117
Bibliografia______________________________________________/119
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Introdução
ESSELIVROÉPRODUTOdeumtrajetoondeopessoaleoacadêmicosefundem,
se misturam, se sincretizam numa lógica não distante da própria fundação da
culturaafro-brasileira.Eleparte,emrigor,deminhadissertaçãodeMestradoem
História e Cultura das Religiões, na Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa,ondeentreiem2009,eparaoqualvinhacomointentodeescreveruma
dissertação(outese,poisnofundosetornoucomotal,aolevantarumconjunto
deproblemasepropornovasleituras)naqualpretendiafazerumlevantamento
de alguns dos conceitos centrais da religião dos Yorùbá (também grafados
iorubás, em português, e nàgó, ànàgó e ànàgónupelos Fons do Dahomé), por
formaacompreenderdemodointegrativooethosreligiosodospovosdaantiga
CostadosEscravos,nomeadamenteaquelesligadosàexpansãocultural,políticae
religiosa de Ilé-Ifẹ̀ e Ọn yọ́, tidas no imaginário popular e no discurso atual
histórico-politizadoda região comopontos departidapara a formaçãodeuma
identidade proto-Yorùbá. A maturação do exercício científico me permitiu
adquirirumasériede ferramentasconceptuaise chegaraproblemasqueantes
nãohaviaenxergadonopróprio trajeto,muitograçasàexcelenteorientaçãodo
Prof.DoutorJosédaSilvaHorta,historiadorafricanista.
Para além desse levantamento de feição teológica que a obra propõe, se
revisitamascategoriasoperatóriascorrentementeutilizadasnasciênciassociais
para observação e delimitação teórica das religiões de matriz africana.
Problematizandotaiscategorias,foipossívelfomentarodebatesobreoproblema
datraduçãocultural.Ou,poroutraspalavras,entenderoslimitesmetodológicos
que se impõem diante de imaginários religiosos nos quais tais categorias, cujo
backgroundéocidental,carecemdeverdadeiraoperatividade.Oresultadoqueé,
emtraçoslargos,estelivroagoraadaptadoaopúblicobrasileiro,seconstituiua
primeiradissertaçãoemreligiõesafricanasnoprogramademestradoemcausa,e
foi, também, a primeira a receber a classificação máxima, arguida pelo Prof.
DoutorRamonSarró,hojedaUniversidadedeOxford.Valeaindamencionarque
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aprocuraqueamesmatemrecebidojuntodorepositóriouniversitárioporparte
de estudantes e investigadores brasileiros interessados nas questões religiosas
africanas,justificamaopçãolinguística.Tendotomadopordecisãoinviabilizaro
acesso àmesma, sedisponibiliza agoraos seus conteúdos em formatode livro,
comachanceladasEdiçõesUniversitáriasLusófonas.
En passant, em referência ao objeto de estudo, importa mencionar que
geograficamente os Yorùbá ocupam grande parte da Nigéria e em menor
proporção o Togo e a República do Benim, o ex-Dahomé, e estão divididos em
subgruposétnicoscomoẸgbá,Ẹgbádo,Ọn yọ́,Ijéṣà,Ìjẹ̀bú,Ifẹ̀,Ondo,Ilọrìn,Ibadan,
Kétu, entre outros.
1
O termo Yorùbá encontra-se envolto numa série de
problemáticas e discussões históricas. Entre 1656 e 1730 os registos dos
primeirosviajantesapelidamde«Ulkumy»aregiãoquecorresponderia,maisou
menos,àáreadeinfluênciaỌn yọ́equesetornariao“país”Yorùbá.Seriaem1734,
comaelaboraçãodomapadaregiãoporpartedeSnelgravequeotermoUlkumy
daria lugar a Ayo ou Eyo, pretendendo designar a cidade de Ọn yọ́. Devido à
importânciaquea cidadede Ọn yọ́ desempenhounoprocessode constituiçãode
umaidentidadeproto-Yorùbá,valeapenareferirqueàépocadeSnelgrave,Ọn yọ́
se encontrava em processo de consolidação imperial, depois de ter tido o seu
primeiroapogeuatéaoséc.XIV,alturaemqueovizinhoNupê(aquemosYorùbá
chamavamdeTakpáouTapá,equepertenceaogrupolinguísticoKwasudanês)
iniciava o seumovimento expansionista em torno da figura heroica deTsoede,
oriundo da região Igala, descendente de uma das primeiras ondasmigratórias
saídasdeIfẹ̀.
Apesar de não serem dadas grandes explicações para a origem do termo
“Yorùbá”, é possível assumir que o mesmo, de acordo com o informante
Adekanmi,derivadapalavraaouba ouuaba, queemárabe significaria “pagão”.
1
O povo vulgarmente conhecido por Yorùbá é um compósito de identidades étnicas
originalmentedispersas equegradualmente foramconvergindoaté formaremuma identidade
partilhada sob a designaçãoYorùbá; sem contudodeixaremde seperceber a simesmas como
‘identidade primárias’, i.e., como filiação primeira face à identidade generalizada Yorùbá.
Conscientedasquestõesquehojese levantamsobreaetnicidade,particularmentenoreferente
aostrabalhosdeElikiaM'BokoloeJean-LoupAmselle(1985)edeJean-PierreChrétieneGérard
Prunier(1989),seconsideraviávelrespeitarasidentidadesétnicasemqueospovosyorùbásse
reconhecem.
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Estahipóteseéparticularmenteimportantetendoemcontaquegrandepartedos
africanos vendidos como escravos para as Américas tinha por origem os
movimentos de invasão e expansão religiosa islâmica, a jihad. Nesse sentido,
YorùbásãoaquelesdaregiãodoGolfodoBenim ligadosa Ọn yọ́e Ifẹ̀quenãose
converteramao islamismo,mantendoas suas tradiçõesàbòrìṣà, isto é, de culto
aosÒrìṣà.
TendopresentequeosYorùbásempreseidentificarampelosseusmatizes
religiosos, pelas suas narrativas específicas e pelas suas noções particulares
acerca do extra-humano, o desafio surge marcado pela duplicidade dos
conteúdos:auniversalidadedeumaortodoxiaconstruídaaolongododecursoda
história dos fluxos migratórios, de expansão e independências, e as
especificidades locais identificadoras de ummodusvivendi pré-unificação.2Ora,
talexercícioimplicatomaroobjetodeestudodentrodeumabalizatemporal,ao
mesmotempoqueesseenquadramentohistóricopressupõeaconsciênciadeum
conhecimento cumulativo, i.e., que a teologia religiosa que hoje atribuímos aos
YorùbádaÁfricaOcidentaléoresultadodeencontrosediálogosinter-religiosos,
oumelhor,éo resultado finaldeumtrabalhode laboratóriodas sensibilidades
éticas,estéticas,filosóficas,cosmogônicas,etc.,dediferentespovoshabitantesdo
espaçotomadocomoYorùbáland,processoessequepodeserdescritocomoum
«sincretismo intra-africano», se tomarmoso conceitode sincretismo comoum
processodetecelagemoubricolagem(parafazerusodeumtermobastidiano)de
identidades com padrões culturais permeáveis ao casamento, ou seja, traços
identitáriosqueporsuasemelhançafomentamduasoumaisunidadesculturais
ao duplo processo de aculturação e acumulação. Nesse sentido, as fórmulas
religiosas tomadasnessa obra estão sendo analisadasnumespaço temporal do
agora,sendoqueesseagorasignificaaanálisedasressonânciasdoreligiosonum
períododepassagemdotradicionalparaoneo-tradicional,oquecorrespondeao
cicloquevaidoséculoXIXaopresente.Aescolhadestabalizatemporalobedece,
primeiroque tudo, à consciênciadequeo séculoXIXemdiante se tratadeum
período onde as transformações religiosas (imprimidas particularmente pelas
2
Considera-sequeaexpansãoimperialdeỌn yọ́apartirdoséculoXVIImarcaaexportaçãodoseu
modelo cultural e dá um impulso decisivo na formulação de uma identidade proto-yorùbá,
operando,nessesentido,nadireçãodeumaidentidadeunificadaqueatingiriaoseuapogeucom
ainstituiçãodaNigériacomopaís.
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missõescristãs,peloretornodosescravos,pelaexpansãodoislãepelaquedado
Império de Ọn yọ́, em 1830) acompanham as transformações sociais e políticas,
mudançasqueacontecendoagrandevelocidadetornamopresenteperíodoum
objeto de estudo de extrema importância. Em segundo lugar, este é também o
período que marca a já citada passagem do modelo tradicional para o neo-
tradicional,i.e.,períodoondeoscultoslocaisperdemimportânciaparaoscultos
de âmbito supralocal, onde a ideia de «ser-supremo» se impõe, onde valores
tradicionais africanos dialogam com os princípios das religiões universais,
operandotransformaçõesnoseuinterior.ValenotarqueoconceitodeModerna
ReligiãoTradicionalYorùbásurgeemHallgren(1995).Peel(2000),emboranão
utilizeesteconceitonemcomelaelaboreaideiadeumafeiçãomodernadeuma
ideiareligiosatradicional,irámencionarafaláciacontidanoconceitode“religião
tradicional” para o caso Yorùbá, ao referenciar não apenas amultiplicidade de
manifestações religiosas Yorùbá, como ainda a penetração do islã. Destarte, na
consciênciadequeoque sedesignapor “religião tradicional” éumprodutode
umaconstruçãonoseiodos‘encontrosreligiosos’,quenaturalmenteimprimiram
transformação conceptuais, se considera que melhor será chamar a religião
Yorùbá, ao período observado, de «neo-tradicional» ou «moderna religião
tradicional», porquanto significa a assunção da presença de valores ditos
“tradicionais”emmesclacomelementosexógenos.
Emjeitoexplicativo,apresenteobradáconta,deumaformamaissimples
possível, do significadode algumasdasmetáforasmais importantesda religião
dosYorùbá.Porconseguinte,estaráemanáliseafiguradeOlódùmarè,tidocomo
o«ser-supremo»,procurandocompreenderoalcancedasuametáfora,atravésda
pergunta: existe de fato um «ser-supremo» entre os Yorùbá no seu discurso
tradicional,ouantesestamosperanteumarecodificaçãodeum“estrangeirismo”
religioso?i.e.,seráOlódùmarèumaideiaintrínsecaàexpressãoreligiosaYorùbá
ou estaremos antes perante a importação de um discurso de hierarquização
trazido pelo islamismo e o cristianismo, num exercício de assimilação doDeus
bíblico?
EmboraOlódùmarè façapartedaculturareligiosadosYorùbá,pelomenos
no período que nos dispomos a analisar, importa compreender, ou procurar
compreender,oalcancedasdinâmicasdealteraçõesaocampusteológicoYorùbá-
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nàgó.NolongodiscursohistóricodareligiãoYorùbá,tomaremossempreaviado
tradicionalcomoreferencialnãosomenteparaaferirasmudanças,comotambém
como referencial de ‘autenticidade’, com as devidas cautelas que o conceito
impõe.Naprocuradasrespostasparaaquestãode ‘Deus’entreosYorùbá,não
poderemos deixar de observar relatos como o de A.B. Ellis na obra Yoruba-
SpeakingPeoplesoftheSlaveCoastofWestAfricaouPierreBaudinemFétichisme
etFéticheurs,obrasdefinaisdoséculoXIX,colocando-asemdiálogocomautores
mais recentes como Ilésanmí, Peel ou Matory. Ao mesmo tempo, jamais seria
viávelabordaraquestãodo«ser-supremo»Yorùbásemobservardepertoamais
importante e clássica obra sobre o assunto,Olódùmarè:GodinYorubaBelief de
Idowu.
Nãoobstantea importânciadeOlódùmarè, e o espaçoqueomesmo toma
nesse livro, outras são, também, as metáforas em consideração. Vale então
abordar a semântica teológica contida no termo Òrìṣà, procurando evitar
definições baseadas em impressões mal recolhidas e cujos contornos parecem
correspondermaisaumabricolagemcomoimagináriodo«catolicismopopular»
do que a uma definição de profundidade ortodoxa e nativa. Deste modo,
procurar-se-á ir além das fórmulas contidas em exercício de religiões
comparadas, através das quais os Òrìṣà (deuses Yorùbá) são descritos como
mediadores entre o humano eOlódùmarè – discurso intrincado no sincretismo
afro-cristão–oucomoespíritosqueencantamlugareseobjetos–discursoesse
demasiado marcado, entende-se, por um eurocentrismo metodológico.
3
Ora,
abandonando quaisquer ferramentas comparativas do tipo hierarquizador, i.e.,
produtor de superioridades religiosas, a definiçãodo termoÒrìṣà e da teologia
que lhe é intrínseca, permanece particularmente difícil de consubstanciar,
porquanto o termo contém (ou parece conter) um conjunto de outros
significados: ancestral divinizado, herói cultural, divindade personalística e
tutelardeespaçosnaturaisevaloreséticosesociais.
3
Por eurocentrismo metodológico se alude a um tipo de discurso que tem por base o
«darwinismosocial»aplicadoàreligião,considerando,destaforma,queoprocessonaturalseria
aevoluçãodeumanimismoprimárioparaumareligiãopropriamentedita, i.e.,oabandonodos
cultos tradicionais – à época chamados de primitivos – e a aceitação do cristianismo como
religião civilizada e civilizadora. Dentro desse tipo de discurso as divindades dos povos
tradicionaisseriamconsideradas«espíritos»,porquantootermo«divindade»ou«deus»estaria
restritoaocristianismo.
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A terceira fórmula a abordar é a fórmula àṣẹ, termo recorrente e
caracterizadordareligiãoYorùbáedescendente.Seobjetadefiniràṣẹdentrode
uma lógica de universalismo religioso contida na definição «energia
vital»/«energiaprimordial»,procurandodepoisasespecificidadesYorùbádessa
fórmulauniversal.
Por fim, estará em focoo complexo conceitodeorí – inserindo-onamais
ampla noção de pessoa – e as suas implicações teológicas, i.e., procurando
entenderoalcancefilosóficoepoéticoqueoorí (cabeça)temnaformulaçãodo
destino e da atuação religiosa do sujeito, ou seja, emquemoldes oorí atua na
construçãodapredestinaçãodossujeitos,aomesmotempoquesetentaentender
dequeformaseconstróiodiscursoYorùbáacercadapredestinação,auscultando
aproblemáticacontidadentrodaconcepçãodedestinoselado,porquantoparece
claro que a predestinação entre os Yorùbá ressoa como um caminho em
construção, i.e., como uma inevitabilidade contornável, com tudo o que de
contraditóriopossaconter,reconhecendoqueapredestinação(ìpin)éumtema
particularmente complexo, que requererá um exercício de reflexão teológica
tremenda.
Assim,essetrabalhopartedaproduçãoanteriorsobreamatériadequese
pretende fazerumarevisãocrítica.Emboraa literaturasobreareligiãoYorùbá,
ou dos povos falantes da língua Yorùbá, seja bastante vasta, esta encontra-se
particularmenteemlínguainglesa,carecendoouniversoacadêmicolusófonode
investigação e publicação de trabalhos acerca da religião dos Yorùbá,
permanecendodemasiadocentradonasexpressõesreligiosasafrodescendentes,
emparticularoCandomblé(apesardoXangôeoBatuqueconstituírem-secomo
campos de análise das ciências sociais brasileiras), compósitos religiosos
derivados da importação de escravos africanos do Golfo do Benim e que se
constituem como resultados específicos de fatores socioculturais externos aos
africanos, que nesse sentido se viram forçados a readaptar as suas tradições,
criandoumneo-tradicionalismoYorùbá,sobabandeira«jeje-nagô»e«Ketu».
Aomesmotempo,énecessáriotomarareligiãodosYorùbáporsimesma,
analisá-la,aprofundá-laecompreendê-ladentrodassuaspróprias fronteirasde
reprodução de valor, de símbolo e de conteúdo. A religião Yorùbá quer no seu
contexto nativo quer diaspórico, permanece órfã de exercícios teológicos,
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herdeira de um processo histórico que contempla perseguição, repressão e
descrédito, ao sabor de teses que inscrevem as religiões africanas num vasto
pacotede«religiõesprimitivas»,«expressõesprimáriasdefé»e«fetichismo».
Éinegável,queareligiãoYorùbáéhojeoresultadodeinúmerasalterações
ocorridas no interior das suas fronteiras, imprimidas pelo estabelecimento de
Ọn yọ́ em1400epelasuaexpansãodesdeos finaisdoséculoXVI (Stridee Ifeka,
1971)atéaocolapsodoseuimpérioem1836,sobajihadFulanidoCalifadode
Sokoto(Alpern,1998).
Os primeiros trabalhos sobre a religião dos yorùbás foram, naturalmente,
produzidosporeuropeusviajantes.DuartePachecoPereiraterásidooprimeiro
autorasereferiràreligiãodoshabitantesdeLagos,em1506-1508.Aeleoutros
seseguiram.DuranteoséculoXVII,oscomerciantesdeescravosfizeramrelatos
profundamentedesdenhososdasreligiõesdosnativosproto-Yorùbá,posturaque
D’Avezac procurou contrariar, partindo dos relatos de um Ousifekuede, antigo
escravodeorigemOmaku.Contudo,odiscursoderidicularizaçãosemantémem
relaçãoaosnegrosYorùbáesuascrenças,particularmenteduranteoséculoXIX,
altura de intensa campanha de cristianização, através dos registos do R. Padre
Borghero (1872), R. Padre Baudin (1884), P. Pierre Bouche (1885) ou R.
Townsend.
4
O século XX trouxe, contudo, algumas alterações, graças ao crescendo de
YorùbácomacessoaeducaçãoemInglaterraeescolas inglesasnascolônias,ao
mesmotempoquenovosestudiososchegavamaÁfricaàprocuradeprocedera
levantamentos mais adequados da religião dos Yorùbá. Perante a vastíssima
literatura que foi produzida durante o século passado, que iria alterar
definitivamente o modo como os Yorùbá passariam a serem vistos, merecem
relevo os trabalhos de Pierre Verger, entre as duas costas do Atlântico, que se
tornaramobrigatóriospeloméritode recolher comparticulardetalhea grande
maioria da tradição ligada aos cultos dosÒrìṣà no antigo Dahomé e na antiga
Yorùbálândia,ostrabalhosdeWándéÁbímbọ́lá,omaisimportanteautorsobrea
tradição religiosa e oral Yorùbá, deWilliamBascom, do casalDrewal, deBọlaji
Idowu, deBabatunde Lawal, de JacobOlúpọ̀nà, de J. LorandMatory e de Juana
4
Henry Townsend (1815-1886), membro da Church Missionary Society, fundador da missão
yorùbáestacionadaemAbẹ́òkúta,compiladordehinoscristãosemlínguaYorùbá.
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Elbein dos Santos; todos pela visão transnacional da religião Yorùbá e pelas
metodologiasutilizadas.
Operando de uma perspectiva teológica – que compreendendo as
necessidades e mais-valias da interdisciplinaridade assume o diálogo com a
análise histórica – a presente obra pretende oferecer uma nova abordagem às
questõesdepartida,i.e.,procurandoentenderaideiade«ser-supremo»entreos
Yorùbápropondoumavisãocríticadoconceito,negandoasuaexistênciasinequa
nonnopensamentoreligiosodospovosfalantesdalínguaYorùbá,inscrevendoo
problemadentrododebatesobreaexistênciaeo lugardomesmonasreligiões
africanas, procurando refutar amplamente alguns dos autores de referência. A
ideiade ‘Deus’éumconceitocujasressonânciasocidentaisforaminculcadasno
pensamento africano, essa é a tese que pretendemos provar, colocando em
evidênciaaconstruçãohistóricadodiscursosobreo«ser-supremo»nocontexto
dosreligiousencounters.Nasdemaisquestões,pretende-seaferirosignificadodo
divino nos conceitos de Òrìṣà e Àṣẹ e a vivência do religioso na ideia de
predestinação.NocasodoconceitodeÒrìṣà, tentar-se-ádesconstruira imagem
de ‘intermediários’defendidana literaturaclássicaenosistemade Ifá,optando
por entender o conceito como abarcando uma diversidade de significados
religiosos que vai do herói cultural às velhas divindades dos cultos locais,
expressando melhor a ideia de ‘antropoformização do extra-humano’ que se
propõe.
Há, contudo, um conceito a ser tomado antesmesmo de adentrarmos no
desenvolvimentodas problemáticas, que é o da definiçãode «teologia» e a sua
aplicabilidade aouniverso religiosoYorùbá.Latosensu, teologiadiz respeito ao
pensamento acerca do divino e, sabendo que os modelos conceptuais cristãos
permanecem como indicadores – dadas as transformações históricas que a
religiãoYorùbáterásofrido,quedeixaram,porexemplo,umafortemarcacristã
na conceptualização da relação com os seres extra-humanos, esses modelos
acabam por ser de algummodo operatórios no caso em análise –, teologia diz
respeito ao pensamento acerca de ‘Deus’. Dessa forma, dizendo respeito ao
pensamento sobre o divino (usando a definição generalista) a teologia não se
exclui ao universo cristão, porquanto as narrativas míticas africanas, p. ex.,
revelam pensamento acerca do sobrenatural (ou de outra forma, o extra-
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JOÃOFERREIRADIAS 14
humano);reconhecendoqueoprocessopoéticoeliteráriodaconstruçãodeuma
narrativamíticarequeraexistênciadeumaformulaçãodecarizteológicoacerca
das divindades, pelomenos assim tem sido possível entender pela experiência
diante da identidade religiosa Yorùbá. Ao mesmo tempo, a teologia tende a
refletir não apenas sobre o transcendental mas sobre as relações entre
transcendental e o mundo cotidiano, além de refletir sobre as relações
interpessoais (Browning, 2004). Isto é particularmente importante quando nos
referimos às religiões africanas. Robin Horton (1993) enfatiza a dimensão da
religião como manipulação de um relacionamento (conceito que reformulou e
ampliouparaasnoçõesdeexplicação,previsãoecontrolo)paraamanutençãodo
status quo e para a coesão social (ou, de outra forma, para interferir nela),
particularmente nas culturas ditas tradicionais. Todavia, apesar do caráter
eminentemente prático das religiões africanas, tal não deverá significar que o
dogma
5
não está lá (pelo menos no caso Yorùbá), ou pelo menos que a
experiênciaderelaçãocomoextra-humanocomportaumadimensãodecrença
queomesmoHortonnãodescartacomoalgoemsimesmo,nãonecessariamente
dependentedeumafunçãosocial.Apreponderâncianapraxiscomoatoreligioso
nãoexcluiumpensamentosobreodivinoouosobrenatural.Observandoocaso
Yorùbá, um sacrifício de um animal para um determinado Òrìṣà – ato que
comportatodoosentidodefinidoporHorton–nãoexcluiumadefiniçãoteológica
sobre a divindade, nem a existência de um dogma; i.e., para se sacrificar um
animal para Ògún tem de estar claro qual o propósito do referido e isto está
intrinsecamente ligado à concepção teológica (enquanto pensamento sobre o
extra-humano) de Ògún, ao mesmo tempo que o dogma se expressa na
observação de diferentes etapas rituais no sacrifício e na evocação de cânticos
específicosparaadivindade.Ora,seháumadefiniçãodaidentidadedadivindade,
comumanarrativamíticamaisoumenosdensa,umconjuntoderitosecânticos
canonizados,nãoserápossívelfalardeteologia?Parecequesim.
5
Apesar deHorton considerar que o dogma é algo demenor importância face ao rito para as
religiõesafricanas,averdadeéque,definindodogmacomocrençaouvalorestabelecidoeaceite
no seio deuma comunidade religiosa, temosde aceitar que entre osYorùbá a ideia dedogma
religiosoépassíveldeserusada,porquantorepresentaaassunçãodedeterminadosprincípios
religiososamplamenteveiculadosentreaspopulações.AideiadequeIlé-Ifẹ̀éopalcodacriação
domundoéumdogmadaidentidadereligiosaYorùbá.
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A respostapositivaàquestão levantaoutrosproblemas,nomeadamenteo
estabelecimento de uma assunção de que teologia se refere exclusivamente às
“religiões do livro”, fato que, todavia, especialistas como Horton já refutaram,
falandoantesem“abordagem”teológicacomoaquelaquesecentranopapelde
Deus na vida religiosa e na dimensão de comunhão entre o Homem e as
divindades,sendoqueoautorconsideraestaéumaabordageminsuficientepara
compreenderasreligiõesafricanas.Seobservarmosteologiatalcomosedefiniu
acima, i.e. como “corpus mais ou menos coerente composto de cosmovisão,
filosofia, ética e prática ritual”, não sobram dúvidas em afirmar que há uma
teologiaYorùbá,pelomenosà faltadeoutroconceitoqueresumaa ideiaqueo
termo subentende, não o pensamento sobre ‘Deus’ mas num sentido lato, o
pensamento sobre o extra-humano. Ora, se há teologia, necessariamente há
teólogos, pelomenos assimo é no caso Yorùbá.Mais uma vez tal não significa
buscarnoobjetodeestudopadrõesocidentais.Nessesentido,valeproporouso
dotermo‘padrõesdepensamentoreligioso’emalternativaateologia,porforma
afugir-seapossíveisligaçõesoucolagenscomoospadrõesconceptuaiscristãos.
Ilésanmí,noseuartigosobreos teólogosYorùbá (1991),apresentadois
grandes vetores da teologia Yorùbá: osbàbáláàwó (sacerdotes de Ifá, deus da
adivinhação)eosmissionárioscristãospioneirosnaadaptaçãodocristianismoà
religiãonativa.O factode Ilésanmí falardosbàbáláàwó como teólogosedeos
apelidarde“profetas”revelamuitodopapeldeterminantedestesnaafirmação
deumpensamentoreligioso, filosóficoeéticoacercadasdivindadesedo«ser-
supremo»Olódùmarè,dequemelesforamesãograndespromotores.Avalidação
desta afirmação encontra-se no papel central dos versos sagrados do corpus
literáriodeIfáenaopçãorecorrenteporestescomoinformantesemtrabalhos
de campo
6
. É possível então assumir que por um lado há teologia Yorùbá,
6
Háumaclaraopçãometodológicapelosbàbáláàwócomoinformantesprivilegiados.Aassunçãodequeseconstituemcomodetentoresda“tradição”edeumaformulaçãoteológicamaisdensa,
estáalicerçadanobackgroundculturaldosobservadoresdareligiãoYorùbá,i.e.,adensidadedosversosdeIfá,sistemaherdeirodageomanciaislâmicaeahierarquizaçãoverticaldasdivindades
comum«ser-supremo»no topo, conduzemao reconhecimentodomodelo conceptual judaico-
descendente do investigador no “outro”, construindo uma espécie de zona de conforto
metodológico.InvestigadorescomoDrewaleVerger,embrenhadosnaexperiênciadeobservação
erecolhadatradiçãoYorùbá,tornaram-se,tambémeles,bàbáláàwó,oqueconduzàafirmaçãodeumavalorizaçãoteológicadosistemadeIfá.Essaopçãopelosbàbáláàwócomoinformantesestáexpressa,atítulodeexemplo,naobraclássicadeJuanaE.dosSantos,OsNàgôeaMorte.
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JOÃOFERREIRADIAS 16
tomando teologia pela definição aqui proposta e, ao mesmo tempo, havendo
teologiahánecessariamenteteólogos,sendoqueossacerdotesdeIfá,apelidados
de bàbáláàwó, literalmente “pai-do-segredo (religioso)”, serão os teólogos
Yorùbá por excelência. Todavia, embora não sejam opção recorrente como
informantes, os sacerdotes dos diferentes Òrìṣà, poderão ser considerados
teólogos, levando em conta que a sua praxis ritual tem necessariamente um
dogma que lhe dá sustentabilidade – a sacerdotisa de Ọn ṣun para prestar
homenagemàsuadivindade,temnecessariamentedeconhecertodaamitologia,
rezaseetapasrituaisestabelecidascanonicamente,oquepermitepensarquea
religiãoYorùbácomportauma«teologiaprática»,i.e.,umateologiaquesefazem
diálogocomapráticaritual,sendoumaafaceinversadaoutra,ouparausaruma
imagemricadoimagináriopopularYorùbá:cadaumaéametadedacabaçatotal
que é a religião Yorùbá, teoria sustentando a prática, a prática dando vida à
teoria.
Apesar de ter ficado claro que não se adentrará pelas questões de fundo
levantadas por Sarró e Berliner de transmissão e aprendizado da religião, há
questões que se devem colocar, mesmo que para elas não hajam respostas
definitivas ou satisfatórias, nomeadamente saber quem transmite e quem tem
acessoàteologia,quemsãoosagentesdateologia,comoestaévividaecomoé
apreendidanointeriordasociedadeYorùbá.Reconhecendoopapelteológicodos
bàbáláàwó napropagaçãodeuma teologiaYorùbá,questãobemexplanadapor
Ilésanmí,estáresolvida,emboaparte,aquestãodequemtransmiteateologia,i.e.
quemsãoosagentesdateologiaYorùbá,nocontextoquesepretendeanalisar.Os
veículos de transmissão serão, sempre, os ẹsẹ Ifá, i.e., os versos sagrados do
corpus literário de Ifá, transmitidos oralmente. Paralelamente, os trabalhos
missionários e os registos dos viajantes terão concorrido também para a
construção de uma teologia Yorùbá, não apenas na introdução de categorias
exógenasao imaginárioautóctone,masnoprópriodiálogoentre cristianismoe
“religião tradicional”, que teria levado à introdução de novas problemáticas e
ideiasreligiosas.Exemploparadigmáticodistoencontra-senoartigomencionado
deIlésanmí,ondeoautorrevelaumdadonovonarealidadereligiosaYorùbá,a
da ÌjoỌ] rúnmìlàAdúláwòIfẹ́kówapò, uma igrejamodernado cultoa Ifá, ondeos
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versos de Ifá foram reorganizados no Ìwé Odù Mímó, um livro redigido,
estruturado e utilizado como a Bíblia. No referente à apreensão e vivência no
interiordasociedadeYorùbá,oproblemacoloca-seemdiferentesníveiseexigiria
umtrabalhodecampovasto,capazdeobservarateologiaYorùbávivenciadanos
diferentes círculos da experiência religiosa local. Um dado é, contudo, possível
avançar. A consulta do oráculo de Ifá faz parte da vivência religiosa na
Yorùbáland e isso significa que a teologia e filosofia contidas neste sistema
religiososãopassadaspelosseussacerdotes/teólogosaosconsulentes.
Ademais,outrosproblemasserelacionamcomaexperiênciaeformulação
teológica.Assumindoquehá teologia (quese relacionacomapraxis)e comela
teólogos, que se dá uma transmissão damesma através dos sacerdotes de Ifá,
principais teólogos Yorùbá, e que essa transmissão tem nos versos sagrados
transmitidos oralmente em consultas oraculares o seu principal e tradicional
veículodetransmissão,restaaindacolocaroproblemadateologiaemrelaçãoao
período que observamos na presente obra. Como vimos, com referência a
Hallgren, observar-se-á o que se designa como «Religião Neo-Tradicional
Yorùbá» ou «Moderna Religião Tradicional Yorùbá», o que compreende a
aceitaçãodequesendoumareligiãohistóricaeporissodinâmica,areligiãoneo-
tradicionalYorùbáserádiferentedeperíodoshistóricosanteriores.Istosignifica
que mudanças foram operadas. Os religious encounters dos Yorùbá com os
cristianismosecomoislãafricanocontribuíramparaareformulaçãodareligião
Yorùbá,imprimindoasmudançasquelevariamaconstituiçãodareligiãoYorùbá
neo-tradicional. Ora, os encontros religiosos, o regresso dos ex-escravos e a
tradiçãodeIfáqueoperaramparaaconstruçãodaidentidadeYorùbá,serviram
tambémparaoestabelecimentodaideiade«religiãotradicional»quemaisnãoé
queoquesedesignaaquiporneo-tradicional,umavezqueasmudançasestavam
já em curso. As fórmulas conceptuais observadas no presente trabalho
constituem-se como valores centrais da religião neo-tradicional Yorùbá sendo
amplamentevividasepartilhasnointeriordasociedadeabordada,porquantose
constituemcomopedrasbasilaresnaafirmaçãodaidentidadenativa,nãoapenas
porseremconstantesnaliteraturasobreoassunto,mastambémporaquiloque
tem sido possível observar na experiência direta com membros da cultura
abordada.Aolongodaobrairemosobservarasespecificidadesdecadafórmula
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tratada,procurandoentenderaconstruçãodoseudiscursoteológicoeosentido
práticodasmesmas.
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1 Olódùmarè
____________DASEMÂNTICAÀTEOLOGIADOSER-SUPREMO___________
1.1. Questões preliminares
Nenhuma religião tradicional sobrevive sem operar mudanças mais ou menos
profundas,que tendemaempurrara tradição rumoaosnovos contextos sócio-
econômico-culturais, quer se tratem dos lugares nativos quer se tratem de
lugaresdiaspóricos,nocasodetaisreligiõesteremsidotransnacionalizadas.Isso
significaqueéimprescindívelterpresente,qualquerquesejaocampoaabordar,
asdinâmicasdetransformaçãodascosmologiasdestetipodeespaçosreligiosos,
baseados na tradição oral, sabendo que na ausência de textos religiosos, as
fórmulasdoutrinárias sedilueme confluemcomdiferentes fórmulasoperantes
no mesmo espaço geográfico, dificultando em grau elevado a tarefa de
compreensãodas“coisasprimeiras”
7
daquelaespecíficaexpressãoreligiosa.
Ademais, contribuindo para o agudizar da árdua tarefa estão os textos
primitivoselaboradosacercadessas«culturasdeantigoconhecimento»
8
.Pierre
Verger, que passou de fotógrafo a eminente etnólogo Yorùbá, no seu clássico
artigosobreoserSupremo(1995)levantaapontadeumlongomantoqueainda
estáporresolver,queéentenderondeacabaateologiatradicional(cujoprocesso
7
A ideia de “coisas primeiras” que aqui se pretende expressar comporta duas ideias
complementares:opõe-se,nosentido teológico, àescatologia,que tratadas “coisasúltimas”da
humanidade;e refere-seà reflexãoouprocuradas ideiasreligiosasprimeiras,quenosestudos
clássicoseramdescritasporprimitivas.
8
Aescolhadotermo“antigoconhecimento”emdetrimentode“primitivo”e“tradicional”deve-se
à consciência de que o conceito “primitivo” comporta todo um passado de antropologia
evolucionistaquecolocavanasculturasmaisantigasedeformassimplesousimplificadasaideia
deestádioselvagem;bemcomoàconsciênciadequeoconceito“tradicional”remeteparauma
ideiadelongevidadeehermetismoquepodenãosernecessariamenteverdade.Nessesentido,o
termo “antigo conhecimento” aponta para as culturas baseadas na oralidade comométodo de
transmissãodeconhecimentosedecontinuaçãoeconstruçãodememóriacoletiva.
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de transformações é constatável) e onde começam as formas híbridas e
sincréticas da nova identidade religiosa, ela própria também amplamente
dinâmica.
Ora,opropósitodestecapítuloé,dentrodos limitesdopossível,entender
precisamenteondeestáodiscursoteológicosobreOlódùmarè,asuasemânticae
a sua origem discursiva universalizada (i.e. em que medida Olódùmarè é o
resultadodeumaconstruçãoreligiosahistórica feitadeconceitoseparadigmas
de matriz judaico-cristã-islâmica, religiões de intenção universalista), tomando
em análise as fórmulas generalizadas sobre o «ser-supremo» africano, os
trabalhos de diversos autores e informações recolhidas junto de diferentes
informantes.
1.2. «Ser-Supremo», um problema de interpretação
Aolongodoúltimoséculo,comodesenvolvimentodasciênciassociais,eo
debruçar sobre as religiões inicialmente chamadas de «primitivas», o método
comparativo não apenas entre si, mas particularmente face ao cristianismo,
serviu de ferramenta metodológica num processo levado à exaustão em que
comparação e colagemnão se distanciavam claramente. Tampouco era tomado
em consideração as influências externas sobre as religiões autóctones. Nesse
sentido,osestudossobreo«ser-supremo»nasreligiõesafricanascentravamna
afirmação inequívocanão apenasda sua existênciadentrodosdogmasnativos,
como se compunham de contornos universalistas, i.e., da afirmação de um
«universalismodeDeus».Comefeito,talconcepçãouniversaldeDeusseinscreve
dentrodeumalógicacristocêntrica,emqueseassumequeDeuséentendidode
ummodoigualpelasdiferentesculturasou,ditodeoutraforma,oDeusCristãoé
modeloparadigmáticodeanálise.
Ora, tomadaque foiessa lógicacomoprevalecente,aplicadacomomodelo
deanálise,o«ser-supremo»dasculturasde«antigoconhecimento»encaixarame
em boa medida continuam encaixando dentro de um quadro conceptual
apelidadode“teoriadoDeusOtiosusouRemotus”.RaphaelePettazzonifoiquem,
em1922,propôsestateoriaquerarasvezestemsidovistacomoprodutodeum
períodoondeochoqueculturaleoeurocentrismoeraaindamaisdemarcado–
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NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
recorde-se que a descolonização africana ainda não tinha tido lugar, as
campanhas de evangelização levadas a cabo desde o século XIX haviam dado
frutos na constituição de igrejas africanas mas a colonização mantinha as
fronteirasculturaisdemarcadasentreoafricanoeocolonizador,edopontode
vista metodológico figuravam amplamente os comparativismos diretos, i.e., a
observaçãodofenómenoreligiosoafricanoapartirdoscânoneseuropeus.Como
crítica a esta teoria, Justin Ukpong (1983) irá remeter precisamente para o
pensamentoteológicoefilosóficoocidental,atravésdaformulaçãobíblicacontida
no Livro dos Génesis, onde o retirar de Deus procede o fiat lux da criação.
Todavia, se a criação parece uma realidade totalizadora e incontornável nas
fórmulascristãsocidentais,centradasnafiguradeumdeuscriador,conservador
eprovedor,criaçãoegovernaçãoparecem,comobemrefereUkpong(1983:188-
189) coisasdistintasparaosafricanos: “EnquantoDeusenvolveosdeuseseos
ancestraisem todososaspetosdagovernaçãodomundo, contudonãoo fazna
criação(emboradeacordocomalgunspovosafricanoscomoosYorùbá,elepossa
daruma função criativa específica aumdeus emparticular)” (traduçãonossa).
Temos, pois, dois planos de atividade divina distintos. Segundo esta lógica que
compreende a chamada “teoriamediúnica” – que se tomarámais adiante –, as
diferentes divindades e os ancestrais funcionam como administradores da
criação,tutelaresdeespaçosnaturaisedeelementosdotodosocial,aopassoque
a‘Deus’caberiaaatividadecriadoraemtodaasuaplenitude,istoé,nãoapenasa
criaçãooriginal,mastodaanovacriação,sendoportantoumprincípiodinâmico
fertilizador.Omesmoautorafirmaqueparaosafricanos‘Deus’éumarealidade
queexisteemtudooquecompõeaexistência,emtudooqueexiste,desdeseres
vivosàspedras.Contudo,élícitocrerqueatéaqui,detudooqueUkpongafirma,
nadaresolveoproblemacentralqueéodacompreensãodo«ser-supremo»entre
as sociedades africanas,mesmo assumindoquena contemporaneidade se trata
deumconceitoadquiridoeassumido.
A consciência de que o «ser-supremo» é uma categoria do religioso que
podenão se refletirplenamente entre asdiferentes sociedades africanas– e se
entendequedemodoalgumsereflete,‘originalmente’,naformacomooconceito
é revestido entre os Yorùbá, i.e., a ideia de um «ser-supremo»posicionado no
topodeumahierarquia(vertical)dedivindades(Òrìṣà),dasquaissedistinguena
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JOÃOFERREIRADIAS 22
essência–temalimentadopositivamentehistoriadores,teólogosesociólogosdas
religiões.NãoéporissodeestranharqueacercadosaŋlodoGana,Gaba(1969:
64)tenhaescrito:“QueMawuseoriginedeumusoparaSerSupremooudouso
genéricoparadivindadeemgeral,nãoéfácildedizer”(traduçãonossa).Oratal
afirmação aponta para o caráter mutável das religiões africanas, que vão
absorvendo tradições externas e construindo novas teias dogmáticas com o
adquirido do contato com outros povos vizinhos e com os missionários e
invasores. Tal fato comporta outra ideia central: a da não uniformidade do
pensamento sobre o “sagrado”, i.e., o «ser-supremo» mesmo quando é
tendencialmente universalizado, como acontece com Mawu e Olódùmarè, por
exemplo, ele não tem uma ressonância total e inequívoca entre os sujeitos,
porquantoeleétalhadocomas ferramentasconceptuaisdisponíveis.Épor isso
queGabaregista:“EnfatizandoapersonalidadedoSerSupremo,osAnlotendem
à antropomorfização. Mawu tem sexo, é masculino. Enquanto criador e
mantenedor do universo, ele é pai” (1969: 65) (tradução nossa), e poucomais
adiantediráque“oSerSupremoécomoovento,eleestáemtodoo ladoenão
podeser localizadode formaalguma”(1969:67)(traduçãonossa).Obviamente
que a referência ao «ser-supremo» pela metáfora do vento tem muito de
universal,porquantoasculturasdomundobíblicosereferiamao“Deusdabrisa
datarde”.
Umanotaé,contudo,devidaemrelaçãoaMawu,alimentandoaindamaisa
presentediscussãoemtornodosempréstimos teológicos.Gaba, recorrendoaos
trabalhosdeParrinder,encontraparalelismosentreosAŋlo,osFonsdoDahomé
eosYorùbádaNigéria,oquenãodevesertomadocomoestranhoporquantoo
impérioYorùbá,noseuapogeu,expandia-sedaNigériaaoTogo,BenimeGana.
Sobre a expressão “Mawu Segbo Lisa”, Gaba felizmente notou a não natividade
teológicaelinguísticacontidanaimagemdo«ser-supremo»dosAŋlo,ligandoaos
FonsdoDahoméaorigemdostermoshojeusadospelosanteriores.Ora,seSegbo
tenderá a vir de Sogbo por corruptela linguística, Sogbo advém, sem a menor
dúvida,deṢọ̀ngó(ouṢàngó),oancestraldivinizadoYorùbáassociadoaotrovãoe
àrealezadeỌn yọ́,cujopapeldelegitimadordoImpérioỌn yọ́-Yorùbáproporcionou
queoseucultofossesendoprogressivamenteexportadoparadiferentespontos
do território àmedida que o império ia vendo as suas fronteiras alargadas. Ao
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mesmotempo,Mawu,divindadefemininadosFons,aparececomopaicriadordos
Aŋlo, o que mais uma vez revela o caráter transformador da religiosidade
africana naÁfricaOcidental.Mawu, que aliás, parece advir doYorùbáYemowo,
divindadefemininadaterraqueformacasalcomÒrìṣànlánaconcepçãoteológica
de Ilé-Ifẹ̀. No que concerne aLisa, dois apontamentos são devidos: primeiro, a
traduçãoporcamaleão,quesurgenoartigodeGaba,éparticularmenterelevante
do papel dos Yorùbá na formação cultural que compreende grande parte da
África Ocidental. O camaleão é, por tradição mitológica, um animal que
representa Òrìṣànlá. Segundo o itàn ìgbà-ndá àiyé, a narrativa da criação do
mundo, o camaleão foi o animal escolhido para confirmar a firmeza da terra
criada. Segundo, o termo contém outro percurso histórico dentro de simesmo
que,talcomoacontececomapalavraSogbo,atravessatrêsidentidadesculturais,
desdeosYorùbá aosAŋlo, passandopelosFons. Parecenãohaverdúvida, pelo
menosassiméafirmadoconsensualmente,queotermoLisaadvémdeOlisaque
advirádeÒrìṣà,porquantoapassagemdoYorùbáparaoFonor se transforma
em l, comobemnotaGaba.Ademais, sabemosqueo termoÒrìṣàdesignava,em
suaorigem,apenasadivindadedos Ìgbónativosde Ilé-Ifẹ̀ –Ọba-Ìgbó ouÒrìṣà-
Ìgbó, ou seja, Òrìṣànlá-Ọbatálá. Portanto, seguindo o raciocínio, emMawu dos
Aŋlo temos reunida a formulação teológica não apenas de uma, mas de três
divindades oriundas do território Yorùbá: Ṣọ̀ngó-Sogbo, Yemowo-Mawu e
Òrìṣànlá-Lisa.
Olabiyi, ao qual tivemos acesso, numa fase já avançada da redação deste
trabalho,confirmaanossateoria,avançandodadosimportantesparaadiscussão
sobreo«ser-supremo»Mawu,refutandoastesesquecontinuamentesustentama
ideia de ‘Deus’ (único e supremo) entre os povos africanos. Como o autor
constata,asmutaçõeshistóricasoperaramdeterminantementenaconstruçãode
novos paradigmas religiosos, nomeadamente na introduçãode umpensamento
greco-latino, com as suas categorias (não necessariamente exportáveis para os
modelos africanos) sem que com isso seja requerida uma conversão: “Com os
novos conceitos de verticalidade e hierarquia é igualmente introduzida uma
constelaçãodenoçõesderivadascomodeussupremo,céu,inferno,messias,etc.”
(Olaibiyi, 1993: 245-246) (tradução nossa). O papel determinante deste
pensamentoherdeirodeS.Paulo,estáclaramenteexpressonasdiretivascristãs
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para as relações com as religiões autóctones, consubstanciadas na Doctrina
Christiana(1658).Oautorconstataaquiloqueanteriormenteseafirmouequede
certaformasetornapordemaisevidente:oconceitodeÒrìṣàviajouaoritmoda
construçãoda identidadereligiosaproto-Yorùbáesuasadjacentes,aopontode
se ter tornado terreno fértilparaa implementaçãodepadrões islâmicosemais
tardecristãos.NaturalmentequeaapropriaçãodeLisaparacoincidircomJesus
Cristocomportajáumatransformaçãodaessênciadadivindade,i.e.,desupreme-
being para deity, abrindo caminho para o estabelecimento de ‘Deus’ entre os
africanos,principalobjetivodasmissõescristãs.Masaquestãomantém-se:Mawu
é o «ser-supremo» em que dimensões e com que grau de estabelecimento?
Melhor,queméMawu,nofimdecontas?Olabiyiénovamenteclaroapontandoo
termovodunnastraduçõesiniciaisparaaideiade‘Deus’,porquantoaformulação
cristãcontidanotermoeramelhorapreendidanoreferidoconceitoafricano.
Tudo istoépordemais importantequandosepretendeaferir adimensão
religiosa do «ser-supremo» entre os povos africanos. Tomar consciência das
dinâmicasdealteraçãodosagradoaosabordosritmoscivilizacionaisehistóricos
confereaoestudoumaposturade«dúvidametódica».MaisumavezOlabiyi irá
notar que o campo religioso acompanha notavelmente asmutações políticas e
culturais da região, salientando o papel do rei Tegbesu (1732-1774) na
introduçãodeumnovomodeloreligiosonaregiãoFon:“Mawufoiintroduzidono
reino Fon pelamãe do Rei Tegbesu, que era Aja.Mawu foi então adoptado no
paláciocomonovomembrodo‘panteão’Fon.Eraumadivindadeigualàsdemais
e não era o equivalente ao Deus-Pai que é hoje, até porque se tratava de uma
divindade feminina” (Olabiyi, 1993: 254) (tradução nossa). Importa dizer que
Tegbesu foieducadonocoraçãoda identidadeYorùbá,em Ọn yọ́, oqueexplicaa
implementaçãodeummodelodetradiçãoYorùbánoDahomé,comosejaoculto
dosNesuxwe,i.e.,ocultodadivindadedafamíliareal,àimagemdocultodeṢàngó
emỌn yọ́,noqualosancestraisda famíliarealsãocanonizadosVoduns, eoculto
imperial se torna o mais importante sobre todos os cultos horizontais dos
diferentes deuses. Nessa perspectiva, o velho modelo de Voduns, cujos cultos
eramparalelosentresi(numalógicahorizontal),dá lugaraummodelovertical
onde o rei figura como Roman Pontifex Maximus. O casal Yemowo-Òrìṣà,
transposto paraMawu-Lisa, vai dar lugar aMawu, o ser-criador da vida. Mas
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como fica expresso nas referências de Olabiyi, o culto deMawu não ocupa um
lugardedestaquecomoacontececomocultoNesuxwe, i.e.,oculto imperialdos
ancestrais divinizados. No que concerne aMawu como patergenitor, Olabiyi é
claro: “trata-se apenas de uma entre as várias cosmogonias prevalecentes no
reino” (1993: 257) (tradução nossa). Olabiyi traça importante roteiro da
transformação do culto de Mawu de vodun entre outros até supreme-being à
imagemdoDeusOtiosusquetãobemcabiaaosmissionáriosequemaravilhouos
primeiros observadores das religiões africanas, ávidos de encontrar ‘Deus’ em
terrasexóticas,nofundo,saindobuscandoumDeusqueseleva.Mawusetornou
símbolodastransformaçõesoperadasnoseiodoDahomé,queraonívelreligioso
(ondeasmarcassãoóbvias,primáriasediretas)queraonívelpolítico.Todavia,
traçarfronteirasentretransformaçõesreligiosasepolíticaséperigosoeinfértil,
porquanto religião e política se misturam convenientemente no território
africanovisado, dequeo reinadodeTegbesu é exemploparadigmático. Parece
claroqueentreainstitucionalizaçãodocultoimperialNesuxwe,docultodocasal
Mawu-Lisa e do sistema vertical de observação das divindades (com clara
influência do modelo Ọn yọ́-Yorùbá) se abriu espaço para a evangelização. Um
modeloverticalfavoreceaintroduçãodeum‘Deus’,peloqueosmissionáriosse
limitaram a proceder a um jogo linguístico para no discurso religioso fazer
sobressair a desejada semântica sobre o divino, fazendo coincidir velhos
conceitosàimagemquepretendiamimplementar.
Compreende-se da experiência prática e das leituras possíveis que o
pensamento sobre o divino émenos filosófico do que prático, no entanto esse
grausuperior,nãosignificaausênciadeformulaçõesteóricasoudoutrinais. Isto
confereaodivinooureligiosoumcaráterde«utilidade»,i.e.,esteseencontraem
estreita ligação com o humano, havendo entre ambos uma troca de favores,
porquantoosprimeirosoferecemdádivasvendendo-aseoshumanossuplicam-
nas comprando-as. Nesta economia em que as dádivas são um produto, as
oferendas são a moeda de troca. Ora, tomando o raciocínio do «ser-supremo»
comoumametáforadeprofundidadeteológica–porquantoasdemaisdivindades
seexpressamfísicaematerialmente–pareceforçosodiscordardeUkpong,nojá
citadoartigo,quandoesteafirmaque“oSerSupremoé,emculto,substituídopor
-
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outras formas religiosas – as divindades e os ancestrais os quais são mais
dinâmicos,ativosefacilmenteacedidos”(1983:190)(traduçãonossa).
É curioso notar que Ukpong enfatiza o distanciamento progressivo do «ser-
supremo»emdireçãoàsdivindadestidascomomenoreseaosancestrais,queo
autor refere como entidades portadoras de maior dinamismo, intensidade
dramáticaeriquezamitológica.Importaterpresentetaisatributos.Odinamismo
das divindades e dos ancestrais significa, claro, não apenas uma proximidade
teológica entre o sujeito/crente e a divindade/alvo do culto, mas também a
própria prática do culto, o rito. Os ritos e as liturgias africanas
9
– cite-se os
Yorùbácomo«estudodecaso»,queaquisãoosqueinteressamdiretamente–são
profundamentedinâmicas,comportandoossacrifíciosqueseverificamcomuma
regularidade assinalável, as oferendas de caráter mais simples, i.e., não
envolvendo sangue animal, como sejam os alimentos, as moedas, objetos
manufaturadosousimplesmentebebidaseágua(oritualdamudançadiáriadas
águas consagradas a Òrìṣànlá no seu templo em Ilé-Ifẹ̀ é revestido de enorme
seriedade,ocorrendosobreamadrugada,norionãomuitodistante,capturando
asprimeiraságuasdamanhã,ouseja,asqueestãoemrepouso,asqueaindanão
foramcontaminadas).Todoocerimonialtrajadodesimbolismo,receioeatração
do rito, quer seja das oferendas, dos sacrifícios ou da incorporação, comporta
umaintensidadedramáticaporquantooreligiosoéumfenômenoquesevive,se
expressa, coletivamente, na e para a sociedade. O caráter dramático confere
significado ao rito, velando-o de simbolismos. Naturalmente que há um lado
prático nas religiões africanas (como já mencionado anteriormente) afinal, os
rituais,têmopropósitodealterarodecursodosacontecimentosindividuaise/ou
coletivos.No que concerne à riquezamitológica interessa ter presente que nas
culturas de «antigo conhecimento» osmitos conferem significado ao real e por
consequência ao todo social, pois que a realidade religiosa adquire um caráter
9 Apesar de Robin Horton (1993: 19-49) evitar usar os termos ‘liturgia’ e ‘mitologia’ para as religiões africanas, optando pelo uso de “religious mythology” e “religious ritual”, uma vez que o caráter sociológico da religião se expressa sobremaneira em África, onde ritual e coesão social se entrecruzam, se assume que a ideia de teologia lacto sensu pode ser aplicada à religião Yorùbá atual, na medida em que o corpus mitológico e as formulações acerca do divino, contêm uma dimensão bem definida. Ao mesmo tempo, o termo liturgia, que pressupõe etimologicamente um serviço (de natureza religiosa, no caso) pode também ele ser aplicado aos Yorùbá, na medida em que as práticas rituais de louvor às divindades contêm fórmulas definidas, processos e procedimentos padronizados, em suma, contêm um guião cujo conteúdo e propósito não difere das liturgias das religiões de herança judaica.
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humanoe asnarrativas apontamparaumpassado referencial (Bernardi, 1988:
388-389).Naturalmenteque à tradição se colocaumproblemade fundo: a sua
longevidade. Eric Hobsbawm (1983:1) é claro ao afirmar que as tradições que
reclamam continuidade com um passado referencial são, não raras vezes,
inventadas.Nesse aspeto, tanto osmitos quanto os ritos comportama ideia de
“tradição inventada” cujo propósito é, efetivamente, estabelecer continuidade
comessepassadoreferencial.
Por conseguinte, os mitos são uma linguagem de forte criação literária,
compostos de narrativas poéticas que exprimem a “realidade” religiosa. Nesse
sentido, os mitos revelam os tempos primordiais, a criação da existência e
fornecemmodelosde comportamento. São tambémnarrativas construídas com
as ferramentas conceptuais disponíveis para uma dada cultura representando
assimasuarelaçãocomooikosexprimindooseuethos.Ora,senasculturasde
tipo antigo/tradicional o conhecimento é veiculado através da oralidade, e a
tradiçãooralsecompõederecursosnarrativoscomtantaintensidadedramática
eriquezapoética,enchendooimagináriocoletivodeimagensdeglória,valentia,
capacidades mágicas, seres poderosos, etc., torna-se forçoso indagar sobre a
ausência de narrativas mitológicas em torno do «ser-supremo». A teologia do
isolamento ou inalcançabilidade de ‘Deus’ não serve de justificativa para a
ausênciademitos sobreo«ser-supremo».Mesmonosmitosde criação,o«ser-
supremo»aparecenãorarasvezescomoumafiguradifusa.NocasodosYorùbáa
narrativadacriaçãodomundoenfocaÒrìṣàńláeOdùduwàemIlé-Ifẹ̀eÒrìṣàńláe
Ọ] rànmíyàn em Ọn yọ́, cabendo ao «ser-supremo» Olódùmarè apenas o ato de
entregarosacodacriação,oÀpò-Iwá.Destemodo,compreendendoqueosmitos
correspondem à percepção dos sujeitos sobre o divino e ao mesmo tempo
enchemoimagináriopopulardelugaresdeconforto,deimagenssobreosagrado
edemodelosdecomportamento,dandorespostase configurandoospadrõese
arquétiposdossujeitos,esabendodaimensidadedemitossobreosdeusestidos
como menores, torna-se difícil conciliar a riqueza mitológica das divindades
presentes no cotidiano das culturas com um vazio de mitos sobre o «ser-
supremo».
Retomando o ponto da vitória das divindades menores sobre o «ser-
supremo»afirmadaporUkpong,seconsideraahipóteseaocontráriocomomais
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JOÃOFERREIRADIAS 28
adequada:devidoàsinfluênciasexternasdoislãedocristianismoeàsandanças
históricas da formaçãodas identidadesnacionais pós-independência, a imagem
do «ser-supremo» se viu como plataforma aglutinadora das diferentes
identidades étnicas e religiosas, um ‘guarda-chuva’ teológico que endereçou as
divindadeslocais/regionaisparafunçõesperiféricasoudepartamentais,i.e.,para
funçõestutelareseministeriaisdedeterminadosaspetossociaisenaturais.
1.2.1. Teoria Mediúnica
Adentramos, então, namediumistictheory que compreende uma lógica de
pensamento que coloca o enfoque no «ser-supremo» através dos seus
mediadores, configurando todas as oferendas e sacrifícios destinados aos
ancestraiseàsdivindades[comosendoossacrifíciosanimais(galinha-de-angola
paraÒrìṣàńlá),asoferendasgastronómicas(àkàràjẹparaYàsán),as joias,etc.;à
semelhançadoqueocorrenoscultosYorùbá-descendentes,comooCandomblé]
comosendoendereçadas,emúltimaanálise,ao«ser-supremo»,querestassurjam
como fragmentos metafóricos deste quer como entidades mediadoras entre o
sujeitoe‘Deus’.Deacordocomestateoria–queserviudemodelodeanálisepara
todas as culturas africanas e foi explorada aomáximoporBọlaji Idowuna sua
obraOlódùmarè:GodinYorubaBelief–asdivindadeseosancestraisgravitamem
tornodo«ser-supremo»,servindodeponteentreoshomenseosagradomáximo,
encaminhandopara aquele aspreces e asoferendasdosdevotos.Osdeusesdo
cultopopular sãoosmensageirosdoshomensa ‘Deus’ ede ‘Deus’ aoshomens.
Todavia,aperguntaqueseimpõeé:seráexatamenteassimouestamosperante
uma teoriaque faz cabero sagradonumadinâmicadepoder?Pordinâmicade
poder se entende um discurso de legitimação de poderes locais, regionais e
nacional (no caso imediato da constituição da nacionalidade nigeriana) que
consigam congregar as diferentes identidades étnicas e religiosas, ao mesmo
tempoquepromovemumaunidadenadiversidadesobosignode«nação».Éo
caso dosỌba(monarcas locais), doAláàfin de Ọn yọ́ e do próprio presidente da
república nigeriana. A fim de concertar vontades é necessário que a religião,
expressão maior das identidades no território nigeriano, funcione mais como
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JOÃOFERREIRADIAS 29
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
concórdiadoquesemeadoradediscórdias.Nessesentido,areligiãotradicional,
Ẹ] sìnÌbílẹ̀, jáexperimentadanodramáticoe traumáticoprocessodeconversãoe
adaptaçãoseviuacomodadadentrodeumdiscursoemqueo«ser-supremo»é
um ‘guarda-chuva’ para a nacionalidade nigeriana sob um lema de muitas
religiões,ummesmoDeus,eumaplataformadediálogointer-religioso.
1.2.2. O problema dos conceitos
Aquestãoquesecolocacomopanodefundoecujasoluçãorequereriauma
revisitaçãodopanoramadosestudosantropológicosehistóricos,ésaberemque
medidaosconceitosreligiososusadosnasmetodologiasdeanáliseforamounão
adequados para compreender o universo religioso das cosmogonias africanas,
sobreosquaisseveioadiscorrernoutrassedes(FerreiraDias,2013ce2013d).
PartedoproblemaélevantandoporEmefieIkenga-Metuh(1982).Comorefereo
autoramaioriadosautoresafricanos,emreaçãoàdescrençaeàtransmissãode
umavisãocristocêntricadasreligiõesafricanas,vestiramasdivindadesafricanas
com roupagens helénicas de forma a mostrar que os africanos possuíam um
senso de civilização comparável ao dos europeus, num exercício levado a cabo
porestudantesdereligiõesafricanas,mesmoquandosesabequeopensamento
religiosoafricanonãodiscorrede formaestruturalista:monoteísmo/politeísmo,
sagrado/profano, Deus/deuses/ancestrais, etc. No entanto, como observa JDY
Peel (1968: 29), o sistema cultural e religioso Yorùbá parece diferente de
diferentespontosdereferênciasocial.Ora,estaafirmaçãoseenquadradentrode
umalógicadepensamentoemqueosagradoémaisoumenosselvagemou,por
outras palavras, é um sagrado à solta, apenas apreendido nas suas parcelas
humanizanteseoperativas,muitomenosdadoaprisãoteológicaehierárquicado
quenoOcidenteeuropeu.Osagradoéimanente,havendoa(s)divindade(s)eos
ancestrais que operam tanto no plano do inteligível quanto no plano terreno,
punindo e auxiliando os humanos, tanto quando estes os negligenciam ou
prestamculto.Oafricanooperaemtermosconcretosmesmoemsetratandodo
sagrado.Nessesentido,aabstraçãonãoécontempladanopensamentoafricano–
pelomenosaquelaconstruídaemtornododeusotiosus–porquantorequeruma
estruturadepensamentomarcadapelareflexãofilosóficadotipo judaico-cristã,
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JOÃOFERREIRADIAS 30
necessáriaparaa compreensãodeumDeusdesemântica10.Pelomenosdeuma
forma independentedosentidopráticodas coisas.Destemodo, conceitos como
«ser-supremo», omnipresença, omnipotência, etc., parecem pouco aceitáveis
como autóctones. Porque o conceito de «ser-supremo» é de facto de intensa
composição.RegressandoaIkenga-Metuh,oautor,nocitadoartigo,recordaqueo
Deus cristão é o ser supremo porque nesse universo religioso nenhuma outra
entidade está acima dele, perguntando ainda se o mesmo pode ser dito em
relaçãoaouniversoreligiosoYorùbáouDogon,econjeturandoaindaquetalvez
essespovosjamaistenhamcolocadoparasimesmostaisquestões.
Como já vem sendo salientado a tese aqui proposta se cruza com as
afirmaçõesdeIkenga-Metuh:aideiade«ser-supremo»nãoéintrínsecaaospovos
da África Ocidental, entre eles os Yorùbá, mas resulta de um longo processo
histórico que começa comos encontros dos diferentes povos proto-Yorùbá e o
diálogoentreosseusdeuseseculminacomumateologiadepartilhacomoIslãe
osdiferentesCristianismosaoperaremnaregião.Umaspetocuriosodaproposta
deIkenga-Metuhéareferênciaao«ser-supremo»dosYorùbácomoỌ] lọ́ọ̀rúnenão
como Olódùmarè. Isto não é de somenos importância para entendermos o
pensamentoreligiosoYorùbá.OlódùmarèeỌ] lọ́ọ̀rúnsãosemânticasdistintashoje
atribuídas àmesmaessência, chamadade «ser-supremo».EnquantoOlódùmarè
serefereaoarco-íris,Ọ] lọ́ọ̀rúnremeteparaoespaçointeligívelqueéamoradadas
divindades,dosancestraisedosaindapornascer.Seasualocalizaçãoénocéuou
no interior da terra não é lícito afirmar com certeza porquanto o ọ̀rún parece
localizar-se emambosos espaços consoanteosmitos enarrativas.
11
Aomesmo
tempo,otermoỌ] lọ́ọ̀rúnserviuparaastraduçõesbíblicasparadesignar‘Deus’,na
marchada cristianizaçãodosYorùbá,umaescolhaquevai apontandoo caráter
10
Por‘deusdesemântica’sealudeaum«ser-supremo»constituídoemmetáfora, i.e.,poesiade
inteligível e inalcançável, patente no ‘deus’ abraâmico. O ‘deus de semântica’ será umdeus de
discurso,deideia,antagónicoaosdeuseseancestraisdosmodelosditostradicionais,ondeestessãoexpressospormeiosmateriaisefísicos(atravésdapossessão).
11
JuanaElbeindosSantos(2002)falado ọ̀rúncomoum“além”que,deacordocomosmitosdeIfá,foiseparadodaterra(àiyé)comopunição.Essaseparaçãofoifeitapelaatmosfera,peloqueoọ̀rúnsesituariaparaalémdocéu,maisaltoainda.MasoutrosmitosháemquesedizqueosÒrìṣàdesapareceramnointeriordaterra(Hallgren,1995:67-71).Istotornaclaroquenãoháconsenso
quantoàlocalizaçãodoespaço-suprasensível,sendoqueasvariantessãonotóriosfrutosdodevir
histórico.A tradiçãode Ifáparecedarênfaseà localizaçãocelestial, aopassoqueoscultosdosancestraisedosÒrìṣàapontammelhorparaointeriordaterra(Verger,2002:22).
-
JOÃOFERREIRADIAS 31
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
primordial do termo face ao seu sinónimo Olódùmarè. Ọ] lọ́ọ̀rún aparece
majoritariamente nos relatosmais antigos sobre os Yorùbá como a designação
autóctone para «ser-supremo», oumelhor para ‘Deus’, porquanto ométodo de
comparação ao Deus cristão se fazia sentir nesses textos. Isto não resolve
qualquer problema, sabendo que entre os Yorùbá as divindades possuem uma
série de epítetos relacionados com as suas funções e que muitas vezes esses
epítetossãonomesreaisemdeterminadoslugares.Ouseja,Ọ] lọ́ọ̀rúnéumepíteto
deỌbàtálá-Òòṣàálá,talcomoẸlẹ́ẹ̀mí,“portadordoprincípiodaexistência”.Oque
é no mínimo interessante sabendo que os mitos recitados pelos bàbáláàwó
(sacerdotes de Ifá) referemquena criaçãoda vidaOlódùmarè influi como seu
hálito a vida nos indivíduos e criaturas. Isto aponta claramente para um papel
centraldeỌbàtálá-ÒòṣàálánatradiçãoYorùbá,umpapelqueterásidorecriado
emfavordeumanovasemânticasobadesignaçãoOlódùmarè.
1.2.3. Nàná Buruku e o caso Fon
A cosmologia Fon do Dahomé é um bom exemplo – para se fugir, ainda que
apenasumpouco,aosYorùbá–dequeareligiosidadeafricanaseexpressamais
namutaçãodoquenamanutenção, oumelhor, que a religiosidade africana, da
ÁfricaOcidentalmaisespecificamente,seexpressanadialéticaentremanutenção
emutação. A tradição Fonmoderna comporta a imagemdo «ser-supremo» em
Mawu-Lisa,quecomoseviuanteriormentederivadocasalYemowo-Òòṣàálá,cujo
culto foi assimilado à época do reinado de Tegbesu (1732-1774). Contudo, de
acordocomatradiçãooral
12
,Mawu-Lisa terásubstituídonãoNana-Buluku,cujo
culto será anterior, masDan, a cobra-sagrado que dá nome ao Dahomé. Estas
andanças míticas e teológicas originaram um vacatio teologicus em relação a
Mawu-Lisa. Se por um lado surge como um casal ligando-se assim ao casal
primordialYemowo-Òòṣàálá,outrasvezessurgecomoumadivindadeindividual,
12
Segundoatradiçãooral,DahomédeveoseunomeaDan,a“cobrasagrada”;peloqueépossívelpresumirqueoseuculto(quesecruzacomocultodeÒṣùmàrè)seligaàfundaçãodaregião(videLagrandeencyclopédie:inventaireraisonnédessciences,deslettresetdesarts.Tome13/par
une sociétéde savants etdegensde lettres;Vol. 31,deDreyfus,Camille (1851-1905).Éditeur
scientifique,BibliothèquenationaledeFrance,p.760:“Dahomey:“LenomdeDahomeysignifie
«ventredeDah»”.
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JOÃOFERREIRADIAS 32
ora masculina ora feminina, e não raras vezesMawu é descrito como o «ser-
supremo»eLisa comoumadivindadecoadjuvante.Comoafirma Ikenga-Metuh:
“…EstaanomaliaseexplicapelofatodapresentecosmologiaFonsetratardeuma
combinaçãodecosmologiasdosdiferentespovosquetomarampartenoimpério
daomeano” (1982: 18) (tradução nossa). Essa é a grande questão, quer para o
território dahomeano quer para o território Yorùbá: por onde traçar as
identidadesanterioresoupréviasnumuniversosimbólicoemmutaçãoefeitode
empréstimos permanentes? A dimensão do problema se traduz na
impossibilidade de dar uma resposta plausível sem uma forte
interdisciplinaridade, primeiro porque a história destes povos só é
verdadeiramentecontadaapartirdecertosrelatosdeviajantes,algumasnotasde
missionáriosemaisdensamentecomapresençacolonial,oquecolocaasfontes
escritascomoúteis,apesardeculturalmentefiltradas.Ahistóriaé(ainda)então
insuficienteparaanalisarasandançasreligiosasdospovosdaÁfricaOcidental.É
precisoentãoirbuscarapoiosàreflexãoteológicaeaoestudoantropológicodo
patrimóniooral,vendonosmitos,lendas,recitações,cânticoselouvaçõesaquilo
queosdiálogosinter-religiososconstruírameoquenãoconseguiramapagarde
originalidade.Seobservaisso,muitoclaramente,noscasosdosọrínÒrìṣà,i.e.,dos
cânticoslouvativosàsdivindades.
NocuriosocasoFon,seconstatouqueumadivindadeestánopapelde«ser-
supremo»antesdeDanedocasalMawu-Lisa:NanaBuluku.UmavezqueIkenga-
Metuhnãodáumcorpoteológicoaestadivindadevamosbuscar,umavezqueela
faz parte do imaginário Yorùbá-diaspórico, referências a Pierre Verger que
remetemparaumvis-à-viscomumcultodetamanhacomplexidadequepermite
compreender que debaixo do termo Nàná cabe um sem fim de designações,
constatando,dessemodo,queNànáseriaumtermocomumparadivindadecujas
ressonânciasseestendemalémdoNígeratéàregiãodosTapá,aoestealémdo
Volta,regiãoGuangeaonordesteAshantí,aomesmotempoquetendeaapontar
sempreparaaideiademãeidosa(Verger,2002:236).Comofoireferido,oculto
deNànápossuiinteressanteexpressividadenoterritórioocidentalafricano,cujas
tradições chegaram ao Brasil. Embora não seja possível afirmar que se trate
sempredamesmadivindade,certoéqueNànáouNẹ̀nẹ́ surgecomoumprefixo
relativo a uma identidade divina, mesmo que os termos Buruku, Bùkùú ou
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JOÃOFERREIRADIAS 33
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
Brukung pareçam constituir-se como corruptelas linguísticas, adaptações
fonéticas de um termo original ao sabor da geografia da linguagem. O que
importanotarnestareferênciaaNànáBuruku,queIkenga-MetuhchamadeNana
Buluku (sabemos que em fon o r se transforma em l) é o seu papel de «ser-
supremo»numvastoterritório,sobmatizeslinguísticas,nãoestandoemrelação
com Mawu-Lisa. Aliás, o próprio autor refere que Nana Buluku seria uma
divindadeanterioraocultodeMawu-Lisa,fatoqueteráfeitocomqueadivindade
anteriortenhasofridoalteraçõesporformaacaberdentrodeumanovaestrutura
religiosa,ajustando-seaumpanteão local/regional/nacional,quercomoesposa
quercomomãe,ouatécomodivindadesecundarizada.Essecaráterdedivindade
totalizadora(supremebeing)deNànáéexpressoemalgunsversossagradosem
Yorùbá, embora estes surjam emmenor quantidade do que nas línguas Fon e
Guang, representando a menor expressividade do culto de Nàná entre os
primeiros,ondeopapeldedivindadetotalizadora femininaéocupadoquerpor
Ọ] ṣunquerporYèmọnjá,consoanteaáreageográficaqueétomada(ex.Òṣogboou
Ọn yọ́):
ENànáOlúwàiyéẹpaẹpa
ENànáOlúwàiyéẹpaẹpa
Nanã,aSenhoradaterraquemata
Nanã,aSenhoradaterraquemata
-ọríntiNàná(cânticodeNàná)
(Oliveira,2002:146)
Compreende-se que o termo «Olúwàiyé» denota o sentido de «ser-
supremo»aocompor-sedajunçãodeOlúwá(senhor/a)eàiyé(terra/mundo).O
elemento‘terra’constitui-secomomatériafundamentalparaavidadospovosda
África Ocidental, concebido como lugar de origem, como fonte de alimento
atravésdoplantio,lugardosancestrais,enfimúterodaexistência.Nãoéporisso
de estranhar que ‘terra’ e ‘mundo’ se confundam conceptualmente. Aomesmo
tempo, o ọrín deNàná citado contém outro elemento fundador da experiência
religiosa: a morte. A morte é um mistério inevitável, razão pela qual as mais
variadas tradições religiosas teceram mitos acerca da origem da morte,
-
JOÃOFERREIRADIAS 34
atribuindo-lhe formafísicaantropomórfica(comoéocasoYorùbáemrelaçãoa
ikú), vontade e personalidade. Aomesmo tempo o conceito demorte naÁfrica
Ocidental difere do conceito de morte no Ocidente Europeu. A morte entre
aqueles africanos associa-se à vida de formadefinitiva, umanão se dissocia da
outra,uma“morteboa”–emidadeavançadaesemsofrimento–éoresultadode
umavidaboa,correta,éticaemoralmente.Umaboamorteé tambémogarante
doacessoàancestralidade,eaancestralidadeéopatrimôniodocultodoméstico.
Portanto,apaziguarNànáéogarantedequeamortenãoviráemtempoprecoce
e de forma violenta. Se apazigua a divindade porque amorte é também o seu
castigo. Por isso em Yorùbá se diz “sálù báNànáBurúkú”, i.e., “em Nàná nos
refugiamosdamorteruim”.
Emsuma,ocasoFonéumexemploparadigmáticodasandançasreligiosas
dos africanos da África Ocidental. As divindades sobem e descem na
hierarquização do religioso, novas divindades substituem velhos cultos, e os
mitosvãosendotecidosporformaacaberdentrodeumalógicaemqueodevir
históricoreproduzerecriacontinuamentedogmaseliturgia.
1.3. A Fórmula Pragmática de Olódùmarè
NasuaobraclássicaOrixás,PierreVergerlevantaoproblemado«ser-supremo»
Yorùbá, sem,contudo,deixardeodescreverusandodascategoriasdisponíveis,
naturalmenteocidentais,quepermitiramaconstruçãodaideiadedeusotiosusjá
expressanapresenteobra.Apesarderefletirumpensamentopresoàscategorias
operatórias, Verger denota que o sistema expresso em torno de Olódùmarè,
tendencialmente monoteísta, transforma os Òrìṣà em arquétipos funcionais do
«ser-supremo»,teoriadifundidaaomáximoporIdowu,jácitado.
Torna-se evidente, da leitura de Verger, que a fórmula transparente e
globalizada de um «ser-supremo» que tem nos Òrìṣà os seus intermediários,
parecebastanteinconsistente.Existemváriosfatoresquepermitemcolocarcomo
forte hipótese a construção de uma narrativa religiosa moderna – aquela que
teceuOlódùmarè–aqualsetomaráadiante,depoisdeseexplanaraformulação
corrente sobre do conceito/sujeito religioso. Observe-se, então, a obra mais
clássica sobre a figura deOlódùmarè, da autoria de Bọlaji Idowu, proeminente
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JOÃOFERREIRADIAS 35
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
pastordaIgrejaMetodistaNigeriana:Olódùmarè:GodinYorubabelief. Idowu,no
momento em que adentra na própria identidade do «ser-supremo», escreve o
seguinte:
OlódùmarèéusadonatraduçãodaBíbliaemYorùbácomosinônimopara
“altíssimo”,“onipotente”(...).Onome,defato,implica“onipotência”;mas
não se trata de ummero título descritivo daDivindade. É o verdadeiro
nomeparaEleemYorùbá(...)Onomeécompostodeduaspalavras,com
uso de prefixo, assim: OL-ODÚMARÈ. O prefixo Ol resulta da elisão da
vogal“i”deOní,quesignifica“donode”,“senhorde”,ou“oquelidacom”
(...). Se diz que a palavra será uma contração da palavra-nome Olódù
ọmọèrè – “Olódù,o descendente da jiboia”. Esta sugestão se baseia no
mito que deriva do fenômeno natural do arco-íris. Os Yorùbá creem,
geralmente,queoarco-íriséproduzidoporumaenorme jiboia:o réptil
liberta amatéria sulfúricaque torna tudoao seu redor incandescente e
causaumreflexo.Taléoarco-íris(Òṣùmarè)nocéu.(Idowu,1962:34).
(traduçãonossa)
Estalongacitaçãoéjustificadapelacapacidadedereunirafórmulacentral
de Olódùmarè, o «ser-supremo» entre os Yorùbá. Obviamente que Idowu, ao
pretender formular um discurso coerente em torno de Olódùmarè,
inevitavelmenteacrescentamaterialparaalongareflexãodaprópriafatualidade
(se tal é possível conceber) da figura deste «ser-supremo». Primeiro porque
IdowuapresentaotermoOlódùmarècomoferramentadetraduçãobíblica,oque
seinscrevenaprópriacorrentehistóricadacriaçãoliteráriaYorùbá,iniciadapor
Samuel Ajayi Crowther (1809 – 1891), primeiro bispo anglicano africano, e
responsávelpelaprimeiratraduçãodaBíbliaparaYorùbá,oquepermitesempre
colocaradúvidadautilizaçãodeumametáforaemnomedeumaplataformade
entendimentoreligioso.Ademais,nãoédemenorimportância–peseaausência
dereflexãonessesentido–aexperiênciareligiosacristãtantodeIdowu,quanto
do seu antecessor Crowther. Segundo, porqueOlódùmarè temmuito de poesia
religiosaediscursometafórico,particularmenteassociadoao fenómenonatural
doarco-íris,Òṣùmàrè,questãoqueseretomarámaisadiante.
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JOÃOFERREIRADIAS 36
1.4. Olódùmarè, o Deus-Supremo nas correntes externas
Apesar das tradições atuais, que é o mesmo que dizer, a teologia Yorùbá
moderna,conceberemadiversidadedasdivindadessobreumprismahierárquico
vertical(panteão)nocimodoqualestáum«ser-supremo»chamadoOlódùmarè,
do qual todos os Òrìṣà derivam (por criação ou desprendimento), há também
alternativas teológicas que consideram que a figura do «ser-supremo»
corresponde a uma dinâmica histórica impulsionada pela presençamissionária
cristãepelasinvasõesislâmicas,aindaantesdossécs.XVIIIeXIX,alturadeforte
missionação.WillemBosmansubcomandanteholandêsdaCompanhiaGeraldas
Índias,em1705(148-49)escreve:
13
Os negros que vivem na Costa em geral acreditam em um único e
verdadeiroDeusaquematribuemacriaçãodocéu,daterra,domarede
tudoqueelescontêm...Mas,nãopossuemestacrençaporelespróprios,
nemasmantêmpelatradiçãodeseusavós,masapenaspelafrequentação
doseuropeus,quetentaramimprimir-lhesestascrençaspoucoapouco...
ElesnuncaoferecemqualquersacrifícioaDeusnemsedirigemaelenos
momentosdenecessidade,masimploramaoseu ‘fetiche'nosmomentos
deaflição.(Verger,1996:24).
Se é verdade que os relatos dos viajantes são pródigos em fabular as
tradições e os costumes africanos, tambémé certoque, graças à uniformização
dosdiscursos, vai sendopossível compreenderuma lógicadiscursiva acercada
religiãodospovosquevieramaserchamadosdeYorùbá.Seofetichismopovoao
imagináriodosviajantesemissionários,baseadosemterríveisinterpretaçõesdo
uso ritualístico de imagens, a crença num Deus irmanado com o Deus bíblico
parece agradar sobremaneira, gerando uma relação dual (desaprovação–
aprovação) face ao pensamento religioso africano. Essa dificuldade em
compreenderumaestrutura conceptual amplamentediferenteestáexpressana
incapacidadedeapreenderumafilosofiareligiosaausentedoMaledoDemônio.
Graças ao povoamento do imaginário ocidental de imagens do demônio e da
13 Consultou-se a tradução francesa da época; a primeira edição do original holandês é de 1704.
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JOÃOFERREIRADIAS 37
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
tensãoBem/Mal,nãorarasvezesosÒrìṣà foramvistoscomorepresentaçõesdo
demônio,emparticularÈṣù,oÒrìṣàdacomunicaçãoedas trocas,noscasosem
queabordagensmaispositivastraduziramosÒrìṣàpor“anjos”ou“santos”.David
VanNyendaal (por vezesNyendael),mercador holandês, numa carta publicada
emVoyagedeGuinée, expressa na perfeição o olhar europeu sobre as religiões
africanas,ondeDeuseDemôniosãoosconceitos-operatórios:
A religião deles é ridícula e confusa, tal que não sei por onde começar
para a descrever. Eles fazem-nos crer que adoram Deus e o Diabo ao
mesmo tempo, bem como figuras humanas, e até figuras loucas de
animais,comocomdentesdeelefanteepésdeanimal.(...)Étristedever
como se envolvem em coisas de nada, eles que têm uma boa ideia de
Deus;(...)equeeleéinvisível,oquelhesobrigaafizerquenãoépossível
representarDeussobrequalquerfigura;umavezqueeleéimpossívelde
serrepresentadoumavezqueelesnuncaoviram.Époressarazãoque
eles têm muitas imagens dos seus falsos Deuses, que eles consideram
como Tenentes do Deus soberano. (...) acontece que numa vez farão
sacríficos a Deus diante de uma imagem, e noutro momento farão ao
Diabo, diante da mesma imagem. (Nyendaal, 1705: 148-49). (tradução
nossa).
Ora, o relato de Nyendaal se trata de uma clara colagem do imaginário
judaico-cristão,polvilhadopelatensãoDeus/DiaboàrealidadeYorùbá,aqualnão
comporta tal dicotomia. Mesmo lidando com ilações de viajantes cujas
observações se construíram a partir dos seus referentes culturais, importa não
deixardeterpresentequeestasobservaçõesviriamaservircomojustificativas
para a afirmação de ‘Deus’ em África, i.e., como velhas provas cabais da longa
existênciadoconceito,aindaquesobdiferentestermos.Mastambémquenativos
convertidos operaram a partir de dentro para a afirmação do «ser-supremo»
onipotente e criador, pelo que é natural verificar-se uma cristianização do
discursosobreo«ser-supremo»,Olódùmarè.
Entreos trabalhosdoReverendo (mais tardebispo)SamuelCrowthereo
eminentepastorBọlaji Idowu,vãomaisdecemanos (1852-1962)de trabalhos
sobreareligiãodosYorùbá,comparticularenfoquenafiguradeOlódùmarèena
-
JOÃOFERREIRADIAS 38
suarelaçãocomosÒrìṣà, agora tidoscomomensageiros,querpormissionários
protestantes,porcatólicos,quermesmoporpastoresdenacionalidadeYorùbá.A
ajudar ao argumento do empréstimo teológico do «ser-supremo», cite-se o
primeiropadrecatólicodahomeano,ThomasMoulero(1888-1975):
A razãoporqueosFonseosGuns (Daomeanos)possuem tantosnomes
para Deus é que essas populações se entregam apenas ao culto dos
fetichesenãoconhecemDeus.DevemosfazerumaexceçãoparaosNagôs
(Iorubás), que pela influência dos muçulmanos, adquiriram um
conhecimento de Deus que se aproxima da noção filosófica e cristã.
14
(VERGER.1996:30)
Poder-se-ia dizer que a afirmação de Moulero seria uma ilação do tipo
verificado comWillemBosmanouDavidVanNyendaal.Noentanto, algodifere
consideravelmenteentreoprimeiroeosdemais.MouleroeranaturaldeKétue
membrodalinhagemrealMàgbò(Drewal,2008),oquesignificaqueoprimeiro
dahomeanoordenadopadrehaviacrescidonointeriordatradiçãoFon-Yorùbáde
Kétu, o que denota que as suas ilações religiosas comportam a consciência dos
dois universos. Amplamente, portanto, diferente dos casos de Bosman e
Nyendaal,europeusaobservarumfenómenoreligiosoquelheseraexterno.
Valeapena,ainda,fazerreferênciaàobradeA.B.Ellis(1894:17-18),equeé
umdos trabalhosmaisantigossobreosYorùbá,noqualeleafirma,de Ọ] lọ́ọ̀rún,
queesteéapenasumdeusdofirmamento,umapersonalizaçãodocéu,equeos
missionários, tal como haviam feito com Nyankupon, Nyonmo e Mawu,
confundiram Ọ] lọ́ọ̀rún com Jeovah, considerando que tais entidades se tratavam
deuma sobrevivênciadeuma revelação feita à humanidadenosprimórdiosda
existência. Mais acresce Ellis que Ọ] lọ́ọ̀rún é apenas um deus dos fenômenos
naturais ligadosao firmamento.Negligenciadapelaanálisehistóricae teológica
emnomedeumaunicidadediscursivaemtornodo«ser-supremo»deconstrução
unívoca,orelatodeEllisreforçaaimagemdaconstruçãonarrativadeOlódùmarè-
Ọ] lọ́ọ̀rúnfaceànatividadedoconceito.Entreosepítetosdosdeuses,apluralidade
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JOÃOFERREIRADIAS 39
NostrilhosdopensamentoreligiosoYorùbá|
de divindades e o sistema construído em narrativa pró-bíblica e corânica,
assentamosalicercesdaideiade«ser-supremo»entreosYorùbá.
1.4.1. O fator islâmico
OIslãjogoutambémumpapeldefinitivonaconstruçãodoconceitode«ser-
supremo»entreospovosdaÁfricaOcidental,particularmenteentreosYorùbá.
ComorefereParrinder(1959:132),quandooreinoYorùbáseextinguiuem1830
eem1890seestabeleceoprotetoradobritânico,estesreconheceramostatusquo
queditavaqueasregiõesdoNorteYorùbáeramgovernadaspelosmuçulmanos.
Ocristianismoeoislamismo,particularmenteesteúltimoemmaiorescala,
setornaram,desdeaquedadoimpérioỌn yọ́-Yorùbá,emsinónimodecapacitação
deinfluências,modernidade,prestígioeacessoaumaeducaçãoelevada.Poressa
razão, Parrinder refere que tais fatos levaram a que milhares de nativos de
Ibadan de declaram-se cristãos ou muçulmanos. Ser cristão ou muçulmano
passou a figurar entre os Yorùbá como sinônimo de modernidade e cultura
superior,aopassoquecultuarosvelhosdeusessetornousinônimoderuralidade
e descrédito. Todavia a questão não pode ser posta em contraposição no caso
nigeriano. Ser cristão ou muçulmano não significa abandonar velhos cultos e
crenças. Pelo contrário, raras vezes se encontram islâmicos ou cristãos
desenraizadosdocultoaosÒrìṣà.O“ecumenismo”15fazpartedoshábitosYorùbá
oqueexplicabemqueareligiãotradicionalnãoseconfinasobresimesma,antes
dialoga permanentemente com as demais religiões existentes no territóri