ORIGENS E TRANSFORMAÇÕES DO USO DO ESPAÇO EM ARTE PÚBLICA DE NOVO GÊNERO E A FORMAÇÃO DE NOVAS POÉTICAS
ORIGENES Y TRANSFORMACIONES DEL USO DEL ESPACIO EN ARTE PÚBLICA DE NUEVO GÉNERO Y LA FORMACIÓN DE NUEVAS POETICAS
Janice Martins Sitya Appel / UFRGS
RESUMO Reflexão sobre as origens arte pública de novo gênero formado a partir das rupturas sociais, culturais e econômicas ocorridas a partir do final da década de 1960, onde o espaço público torna-se um ambiente marcado por movimentos ativistas, feministas, de contracultura, e passeatas, fazendo resistência a um modelo urbanístico de restauração ainda centrado na lógica do monumento. Este debate é fundamentado desde as transformações ocorridas quanto a uma especificidade espacial no final da década de 1960 levantadas por Rosalind Krauss ao propor um modelo de campo ampliado na escultura junto à paisagem, às considerações feitas pelo autor José Luiz Brea. nas quais inclui a comunidade. Contribui também, os questionamentos lançados por Miwon Kwon e Lucy Lipard para uma noção de espacialidade contextual, dialógica e novas poéticas. PALAVRAS-CHAVE Arte Pública de Novo Gênero, Escultura, Espaço, Paisagem, Poéticas RESUMEN Reflexión acerca de los orígenes arte público de nuevo género formado a partir de las rupturas sociales, culturales y económicas ocurridas a finales de la década de 1960, donde el espacio público se convierte en un ambiente marcado por movimientos activistas, feministas, de contracultura, y marchas , haciendo resistencia a un modelo urbanístico de restauración aún centrado en la lógica del monumento. El debate esta fundamentado desde las transformaciones ocurridas en cuanto a una especificidad espacial a finales de la década de 1960 planteadas por Rosalind Krauss con la cual propone un modelo de campo ampliado en la escultura junto al paisaje, a las consideraciones hechas por el autor José Luiz Brea. en las que incluye a la comunidad. Contribue también, los cuestionamientos lanzados por Miwon Kwon y Lucy Lipard acerca de una noción de espacialidad contextual dialógica, dialogica y nuevas poeticas. PALABRAS CLAVE Arte Público de Nuevo Género, Escultura, Espacio, Paisaje, Poeticas
APPEL, Janice Martins Sitya. Origens e transformações do uso do espaço em arte pública de novo
gênero e a formação de novas poéticas, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...]
Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2216-2230.
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O debate sobre a arte pública de novo gênero procura se concentrar no conceito de
comunidade em um processo artístico que seja sensível aos problemas,
necessidades, e interesses que definem essa comunidade. Este conceito provém de
diferentes narrativas, a partir de autores que discorrem entorno de justificativas e
impulsos para as diferentes ações no espaço que, na evolução de seus contextos,
convergem para espaços comunitários e sua realidade.
Segundo Nina Felshin já no final do século passado,
as discussões sobre o que estava sendo chamado de novo gênero de arte pública incluiria a noção de comunidade ou de um público como constituinte desse lugar público e como aquele qual trabalho é sensível aos assuntos, necessidades e interesses comunitários (FELSHIN,2001)
Seguindo esta definição, a arte pública, em expansão de suas formas de
representação, estabeleceria um compromisso ético, estético e político com a
comunidade em uma ação de cunho colaborativo.
Conforme Paloma Blanco (2001), duas linhas genealógicas contextualizam a arte
pública de novo gênero. A primeira delas estaria ligada às noções formais de
espacialidade e teria sido enfatizada pela crítica de arte na década de 1970,
impulsionada por políticas de financiamento norte-americanas e europeias, criadas
para a arte em espaços públicos, como o National Endowment for the Arts (NEA)1, o
General Services Administration (GSA) nos Estados Unidos e o Arts Council na Grã-
Bretanha. Desta forma, a arte pública foi integrando-se como parte das estratégias
governamentais para propostas urbanísticas, ampliando seu conceito de
espacialidade, apostando em propostas que integrassem arte e o lugar. Ainda para
Blanco, outra genealogia estaria ligada a uma arte crítica, impulsionada pelos
movimentos feministas e ativistas dos anos 1960 e 1970. No âmbito de uma
genealogia que entende a arte pública de novo gênero a partir de uma arte crítica, o
espaço deixa de ser o cruzamento entre uma série de conceitos abstratos e passa a
ser o campo de ações de diferentes grupos sociais que o habitam e o dominam, sendo
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considerado um trabalho de arte como um ato inscrito politicamente em um território.
Estes territórios são espaços específicos, como a de uma arte que se desenvolve a
partir dos movimentos feministas e ativistas dos anos 60 e 70.
No modelo ampliado de Rosalind Krauss (1979), a autora constrói um relato para
defender um cambio de paradigmas na arte, início do pós-modernismo, a partir de
suas observações e análises do que estava acontecendo no campo da escultura.
Segundo seu relato, a escultura ao invadir a paisagem e a arquitetura fez com que a
arte se afastasse de lógicas formalistas e fosse legitimada por meio de lógicas
culturais. Krauss percorre a história da escultura, desde a função do monumento de
índole narrativa, a perda do pedestal com Rodin2 e Brancusi3, até a formação da
escultura moderna e sua dupla negação, ao estarem instaladas entre o que chama
de não paisagem e não arquitetura. Nesse processo, o artista abandona a lógica do
museu e galeria, podendo então fazer uso de qualquer suporte, assim como transitar
entre diferentes campos. Com o declínio da concepção de arte pública baseada em
monumentos - dedicados a glorificar lugares da história - o espaço público passa a
exibir esculturas, até então mostradas em galerias e museus. Por conta de um
processo de revitalização das cidades após a segunda guerra mundial, o espaço
público abre espaço para que novos tipos de “monumentos” fossem colocados no
espaço físico da cidade. Como forma de dar novo sentido a estes espaços, a escultura
modernista assumiu esta tarefa, porém, sua herança se manteve presente na maneira
de repetir a lógica do museu e da galeria mesmo que em espaço público. Um novo
paradigma torna-se discutível quanto à especificidade espacial já que a forma
institucionalizada da escultura ao ar livre havia firmado sua lógica regida pela função
social do monumento, em que se utilizaria do espaço público, porém mantendo as
regras dos salões, galerias e espaços fechados. O esquema de um campo ampliado
proposto por Krauss apontou para deslocamentos no campo da escultura como o
abandono da lógica do monumento, assim como da dependência do museu como
espaço expositivo.
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Para a autora, a especificidade espacial passa a ser introduzida a partir do
minimalismo em meados dos anos 60. Até então, o lugar era entendido como
especificidade do ponto de vista formal, como um espaço abstrato, compreendido a
partir de relações físicas como altura, largura e profundidade. Com o minimalismo,
introduz-se a relação diferencial que envolveria a obra, o espectador e o local. A obra
passa a ser parte do espaço e a relação entre estes depende dos movimentos
realizados pelo observador, porém, ainda sem uma preocupação política com o
espaço.
Figura 1. Donald Judd – s/ título, 1960. Marfa, Texas EUA. Fonte:
https://www.wikiart.org/en/donald-judd em 21/07/2019
No início dos anos 1960, o artista Donald Judd4 [figura 1] produz uma série de objetos
abstratos de cunho geométrico que dialogam com a estética industrial vigente. O
artista passa a produzir objetos – volumes estruturais – os quais não cabem no interior
na galeria. Judd espalha estes objetos sobre o relevo, permitindo assim, a penetração
do espectador em escala natural entre as partes e estruturas dos materiais utilizados
para a construção do objeto, como cimento, arame, madeira, entre outros. As
estruturas geométricas foram espalhadas simetricamente em um campo aberto em
Marfa, no Texas, EUA, onde é possível percebê-las ao ar livre. A percepção deste
novo espaço passa a ser pensada como uma experiência ou atividade que ajuda a
produzir a realidade descoberta. O trabalho em arte, nessa perspectiva, é definido
como o resultado de relações entre espaço, tempo, luz e o campo de visão do
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observador no local aplicado. A especificidade espacial vai sendo então alterada em
função das novas contextualizações promovidas por práticas que passam a entender
a arte como integrante de uma paisagem. Estes trabalhos em land art, demonstram
que os artistas propõem uma conexão formal direta entre a configuração material do
trabalho de arte e as condições físicas inerentes ao espaço.
No trabalho de Nancy Holt, intitulado Dark Star Park [figura 2] foi construído entre os
anos de 1979, 1984 e restaurado em 2002, sendo também um exemplo da busca da
artista por novas possibilidades de ação sobre o espaço. Trata-se de um parque
construído a partir de uma encomenda para o projeto de renovação urbana da região
em que a artista Nancy Holt vivia. Com uma equipe multidisciplinar composta por um
arquiteto, paisagista, engenheiros e promotores imobiliários, a artista passa a realizar
a realização da obra, em que formas escultóricas diluem-se como configuração de um
parque. O espaço original era constituído por um posto de gasolina e um armazém
abandonado, sendo revitalizado a partir da construção do parque.
Figura 2. Nancy Holt - Dark Star Park, 1979-1984. Rosslyn Virgínia (EUA). Fonte: https://www.wikiart.org/en/nancy-holt/dark-star-park-1984 em 21/07/2019
Mesmo que para Rosalind Krauss, as práticas artísticas europeias e norte-americanas
ocorridas no final da década de 60 apontassem para uma transformação na noção de
espacialidade, sua definição de campo expandido ainda não abrangia os movimentos
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de artistas que apontavam para um tipo de arte crítica voltado a interesses sociais,
como as práticas feministas ou conceituais.
José Luiz Brea realiza um aprofundamento do estudo iniciado por Rosalind
Krauss ampliando ainda mais o campo. Neste estudo, o autor discorre sobre a
produção artística entre os anos de 1980 a 1990, levantando questões sobre este
período, dando ênfase a preocupação da arte com as relações sociais que o lugar
poderia suscitar. O modelo proposto por Brea partiu da análise de Krauss sobre o
campo lógico da forma escultórica e sua caracterização como um pólo negativo
formado pela não-paisagem e a não-arquitetura. A partir desta redução esquemática,
Brea identifica que Krauss estabeleceu que a escultura nos anos 1960 estava num
limite, pois não era paisagem e nem arquitetura, representada pelas esculturas ao ar
livre e esculturas arquitetônicas. Na tensão provocada entre o limite de ambas, nem
paisagem, nem arquitetura, é que o artista encontraria seu ponto intermediário entre
o espaço público e o contexto urbano. Para Krauss, o encontro duplamente negativo
entre, não-paisagem e paisagem, não-arquitetura e arquitetura, deram lugar a novos
lugares de encontro, um campo ampliado na escultura: no encontro entre paisagem e
não-paisagem situa-se as produções em land-art e no encontro entre arquitetura e
não-arquitetura situa-se o minimalismo. Porém, para Brea, o esquema de Krauss não
incluía e contemplava uma série de propostas artísticas conceituais e que estavam
ocorrendo no mesmo tempo que seu campo ampliado. Desta forma, J. Brea partindo
do esquema de Krauss propõe uma primeira redução onde na tensão entre não
paisagem e a paisagem surgiria o campo de aproximações do artista com a natureza
(terra) e no pólo oposto, entre não-arquitetura e arquitetura surgiria o campo de
expansão onde se situa a cultura (mundo). Neste contexto de análise, Brea propõe
que a forma escultórica é um dos eixos situado entre os pólos entre terra e mundo.
Para o autor, devemos tomar a forma escultórica por um efeito significante, suscetível
de ser transmitido, lido e decodificado, onde introduz-se o efeito de sua circulação
social ao conteúdo do significado. J. Brea para poder situar práticas artísticas que
estavam fora do esquema proposto por Krauss apresenta um segundo eixo vertical
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chamado eixo das ideias em que o uso público do discurso e das práticas significantes
oscila entre a razão pública e o espaço público. Desta maneira, a forma escultórica
passa a ser uma linguagem e veículo de comunicação e interação entre os sujeitos,
seu reconhecimento e experiências. Na análise do esquema proposto por Brea,
percebemos novas expansões e a formação de novos quadrantes se comparado ao
modelo proposto por R. Krauss. No primeiro quadrante, entre os pólos espaço público
e terra, encontramos o espaço ocupado pela escultura em suas transformações
características dos anos 1970 e que foram mapeadas por Krauss. No segundo
quadrante, definido pelos pólos terra e razão pública, encontra-se o campo em que
atua o sujeito, dando origem aos trabalhos com o corpo, afirmação da identidade e da
escultura social. No terceiro quadrante, entre a razão pública e o mundo, encontra-se
um conjunto de sistemas de interação pública, comunicação social e
intersubjetividades, sendo o campo de atuação de diversas mídias. No quarto
quadrante, entre o mundo e o espaço púbico, entende-se pelo espaço urbano, onde
se desenvolve a prática da arte pública nas cidades. Brea propõe, ainda, a
sobreposição aos quatro quadrantes de duas que mantém dentro de suas margens
procedimentos e entendimentos quanto às práticas artísticas. A primeira delas seria a
instituição arte, envolvendo em seus respectivos quadrantes: museu ao ar livre,
comunidade artística, periodismo em arte e o museu. A segunda zona seria aquela
que questiona a autonomia da arte e refuta os parâmetros da instituição arte e seu
domínio institucionalizado. Nesta segunda zona, Brea propõe um novo campo
expandido em que um conjunto de novas práticas vai caracterizando a evolução da
forma nas últimas três décadas. Neste sentido, teremos no primeiro quadrante todos
os desenvolvimentos que levaram a escultura aos espaços da terra, como os
eathworks e a land art. No segundo quadrante encontramos todas as práticas que se
referem às relações que os sujeitos têm a partir de seu próprio corpo, como as práticas
de body-art, performance e escultura social. No terceiro quadrante temos toda a
dimensão comunicativa e as práticas linguísticas que se apropriam dos dispositivos
de comunicação audiovisual como a web arte. No último quadrante situam-se as
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práticas artísticas em espaço urbano e seu tecido social, quebrando assim com a
lógica do museu e atuando diretamente no cotidiano e no espaço urbano. Porém, para
o autor, existem dois fluxos, ou posturas, que os artistas percorrem em seu esquema,
estando estes em tensão. A primeira parte do centro, do monumento, e gera impulsos
críticos e utópicos quanto mais se afasta de formas institucionalizadas da arte. O
segundo fluxo deseja retornar ao centro e se manifesta por meio do espetáculo.
Nos dois fluxos situados por Brea, o autor chama a atenção para uma ética dos artistas
em relação a impulsos que devam fugir da lógica do monumento, os quais são
decorativos e ornamentais vinculados ao espetáculo. O fluxo dos impulsos utópicos
seria aquele que realmente busca a transformação de uma realidade. Estes impulsos
emancipam o homem para novos estados, cada vez mais avançados e críticos que
ele qualifica de impulsos utópicos críticos.
São os impulsos utópicos causados pelo movimento centrífugo criado pela arte que criam esferas compartilhadas por uma transformação do real. (BREA,1996)
A partir destes fluxos, a arte passa a buscar como referente a própria realidade e não
mais a representação desta. O artista mediante este fluxo é responsável pela tomada
de decisão entre aquilo que Brea define como o ornamental e o utópico. Optar pelo
ornamental seria seguir a tradição da cultura do espetáculo e do hermetismo da
instituição arte. Oposto ao ornamento, o artista encontra o utópico da vida. Nas
tensões entre ornamento e utopia novas formas de representação artística são
realizadas.
A partir do final da década de 1970 ocorreram novas práticas artísticas que partiram
de uma reflexão crítica gerada a partir de um contexto e condições específicas do
espaço e suas diferentes possibilidades de intervenção em colaboração com
diferentes setores. Como uma espécie de reação ao modernismo, sua excessiva
autonomia formal e seu descolamento da realidade social, o site specific surge como
uma prática artística dedicada à criação de obras a partir de um diálogo com o espaço
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e o contexto de criação. Neste sentido, a autora Miwon Kwon descreve em Um lugar
após o outro (1997), os diferentes aspectos pelos quais o site specific assume a
formulação do conceito de “site orientado”5, contribuindo para o entendimento de uma
arte pública de novo gênero. A contribuição de Miwon Kwon torna-se, portanto,
fundamental quanto à pesquisa de espacialidade em arte pública. Para a autora, o
conceito de site-specific inicialmente tomou o local (site) como uma realidade e
identidade composta por uma combinação exclusiva de elementos físicos constitutivos
e herdeiros de um legado modernista. Estes elementos marcavam a obrigatoriedade
do estudo e do levantamento do lugar, assim como as especificidades que
determinavam o ambiente em que estava descrito. Informações quanto ao espaço
físico e um estudo do lugar serviam de elementos suficientes para a abrangência do
site specific. Baseada nas considerações propostas por Rosalyn Deutsche, em que “a
arte do site specific foi sendo absorvida pelo seu contexto ambiental, sendo
formalmente determinada e dirigido por ela”6, Miwon Kwon (1997) coloca que as forças
contrárias à herança modernista teriam como fundamento o deslocar do significado
individualizado do objeto artístico para o seu contexto. Desta forma, junto ao objeto
artístico, emerge um sujeito reestruturado de um modelo individualizado para uma
experiência corporal vivenciada e contextualizada por um ambiente social emergente.
Por outro lado, o desejo de resistir às forças da economia capitalista de mercado, que
também faziam circular os trabalhos de arte como uma mercadoria, tornou-se um
impulso para a condição da arte expressa por trabalhos em site specific que não
podiam ser repetidos em outro lugar. A desmaterialização do site ocorre toda vez que
uma proposta conceitual pode provocar uma percepção crítica e não somente física
do espectador, dando-lhe autonomia sobre as condições ideológicas dessa
experiência.
Tendo em vista tais questões, Kwon aponta para as práticas orientadas para o site,
chamadas sites orientados como uma proposta de um engajamento maior com o
mundo externo e a vida cotidiana, o que inclui os espaços, as diferentes instituições e
as questões não especializadas em arte. Trabalhos contemporâneos orientados para
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o site ocupam espaços do cotidiano e utilizam de meios midiáticos como o rádio, o
jornal, a televisão e a internet. Além dessa expansão espacial, o site orientado também
é caracterizado pela ação simultânea de diferentes áreas do conhecimento como
antropologia, sociologia, literatura, entre outros, e em sintonia com discursos
populares. O site-oriented parte então de questões sociais, às quais o artista
compartilha e que podem incluir a participação colaborativa do público para a
conceitualização e produção do trabalho. Para Kwon, estes movimentos de
deslocamento do site o recontextualizaram a todo o momento, permitindo reversões,
afastando e reaproximando da experiência estética suas significações. O princípio
nômade dos sites atuais denota uma configuração in situ de projetos em uma ação
temporária, não sendo possível sua reapresentação em outro lugar sem a alteração
de seu significado. Cada site passa a ser não mais como um lugar específico, mas
uma ação em um lugar que possui a sua especificidade, o que abrange uma ação
única e específica. De um site a outro, tudo se modifica, desde aquilo que define o
local do site, até as relações não previstas que se desdobram no local. Com base
nesta premissa, a autora define que
A presença do artista tem se tornado um pré-requisito absoluto para a execução/apresentação de projetos site-oriented. Agora é o aspecto performativo de um modo característico de operação de um artista (mesmo quando em colaboração) que é repetido e transportado como uma nova mercadoria, na medida em que o artista funciona como o veículo principal de sua legitimação repetição e circulação. (MIWON, 1997)
Questões específicas que abrangem a mobilidade do site permearam a discussão
sobre a impossibilidade do site specific em ser transportado para outro lugar, sem
perder suas características fundamentais, resistindo assim à comercialização em
galerias. Já o site orientado, possui uma mobilidade que também o afasta de um
mercado de arte. A trajetória desenvolvida pelo site specific desde a década de 1970
culminou em uma lógica e princípio nômade (possibilidade de deslocamento) que deu
ao site orientado uma forma de resistência às ideologias hegemônicas. No fluxo que
parte do site specific ao site oriented, o artista desloca seu papel de produtor de
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objetos estéticos para um agenciador em arte. Neste sentido, haverá sempre uma
necessidade do artista como produtor de um significado, mesmo quando a autoria é
compartilhada com colaboradores ou com a estrutura institucional. Neste contexto, os
trabalhos em site orientado também reforçam a cultura de diferentes lugares, já que
tem como foco a experiência levada pelo artista. Esta desterritorialização do site
desloca a identidade daquilo que o remeteria a um lugar específico para um modelo
migratório, que dá sentido à produção de múltiplas identidades, formadas por
encontros e circunstâncias imprevistas, promovendo o encontro de diferenças.
Somente essas práticas culturais que tem essa sensibilidade relacional podem tornar encontros locais em compromissos de longa duração e transformar intimidades passageiras em marcas sociais permanentes e irremovíveis – para que a sequência de lugares que habitamos durante a nossa vida não se torne generalizada em uma serialização indiferenciada, um lugar após o outro.(MIWON,1997)
Desta maneira, os lugares que habitamos durante a nossa vida não são lugares
passageiros e inespecíficos, mas lugares modificados a partir da nossa vivência.
Estes caminhos apontados por Miwon Kwon dão sentido para um novo campo que
trata de uma noção de espacialidade contextual e dialógica que não partiria da obra
em si, como no modernismo, mas sim de suas múltiplas relações sociais e culturais
com o entorno e o espectador.
Estas novas formas contextualizadas permitem a abertura para uma discussão em
arte pública, abrindo possibilidades de atuação de artistas junto ao espaço público,
dando início a um período de abertura para os problemas do mundo. Podemos falar
em uma ruptura espacial desde a tradição artística moderna, que ao enfrentar novos
os paradigmas sociais e políticos de um espaço público concreto e suas crises sociais,
passa a dar sentido a este novo contexto como uma busca, uma caminhada: a arte
pública de novo gênero. Sendo assim, arte Pública de Novo Gênero pode também
apontar como uma noção de uma arte crítica, vide o caso do feminismo surgiu como
crítica e movimento social, característico da década de 1960, assim como foram os
movimentos estudantis, de contracultura e de reivindicação de direitos civis. Como
APPEL, Janice Martins Sitya. Origens e transformações do uso do espaço em arte pública de novo
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exemplo, a subjetividade feminina tornou-se um argumento político, uma vez que se
se tornaram públicas as questões sociais e íntimas do cotidiano feminino, sendo
levadas às ruas através de reivindicações e protestos [figura 3]. Propostas em
performance e arte conceitual surgiram neste contexto, desmaterializando o objeto de
arte em ações promovidas pelo artista no espaço público. Essas ações exerciam uma
crítica contra as obras que trabalhavam somente com as qualidades formais de um
local e que não evidenciavam seus fatores sociais e políticos. Estas mudanças
ocorridas nos procedimentos artísticos quanto ao novo uso do espaço público e suas
relações sociais abriram espaço para uma arte pública de novo gênero.
Figura 3. Passeata de mulheres em Petrópolis, RJ Brasil – 1961. Fonte:
http://memorialdademocracia.com.br/ em 21/07/2019
A década de 1970 foi marcada por uma emergência de movimentos de grupos sociais
marginalizados pelo sistema hegemônico e dominante capitalista que segregava
desigualmente seus cidadãos. Contra este sistema desigual iniciaram movimentos,
greves, passeatas e diversas manifestações que ocuparam as ruas. Artistas se
engajaram a estes movimentos, trazendo à tona possibilidades de processos criativos
associados a diferentes técnicas de comunicação promovendo assim, diferentes
subjetividades. Ações específicas entre o cruzamento de diferentes contextos sociais,
econômicos e políticos, alimentaram algumas práticas feministas dos anos 70 e foram
exploradas por artistas como Judy Chicago7, Cindy Sherman8, Judith Baca9 e
APPEL, Janice Martins Sitya. Origens e transformações do uso do espaço em arte pública de novo
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Suzanne Lacy. As artistas utilizaram múltiplos meios na prática de uma arte
processual e ativista. Utilizavam fotografias, grafite, registros de conversas, vídeos,
técnicas híbridas e se engajavam em temas específicos, envolvendo-se com
comunidades e trabalhos em conjunto com minorias.
A arte feminista da década de 1970 partiu do conceito de que era necessária uma
valorização do lugar que ocupava a representação e a construção da identidade,
história e ideologia feminista. A arte teria a função de explorar, não somente os
significados das imagens produzidas por este universo, como também atuar sobre os
mecanismos subjetivos que as produziam ou sustentavam. O poder simbólico das
representações estabelece uma relação de retroalimentação com a ordem social,
portanto, é fundamental que as práticas artísticas sejam políticas e realizem uma
denúncia, revelando as diferentes formas de violência contra gênero, raça,
religiosidade, etnia etc. No exemplo do movimento feminista, ele levou as mulheres
para a rua na luta por seus direitos, contaminando assim, outras estruturas sociais.
Sendo assim, a arte pode atuar como poder de reivindicação, já que a partir de um
movimento feminista pode provocar uma ruptura com os valores tradicionais que
afetavam também a sua forma de expressão e exposição. Pode-se dizer que a
presença das mulheres artistas trouxe à tona uma forma de arte que estabeleceu
sentido para o movimento feminista em um campo não apenas subjetivo, mas também
político. Desta maneira, a arte volta-se ao interesse público, ou novo gênero de arte
pública, através de práticas artísticas, baseadas em táticas que envolvem
colaborações entre diferentes linguagens e grupos sociais. Esta noção caracteriza-se
por enfatizar questões sociais e ativismo político, assim como engajar-se em
colaboração com a comunidade. Nesta noção, o local onde é realizado o trabalho é
compreendido como um espaço social, político e físico. Este processo desenvolveu
sua base a partir de um sujeito social que emerge em um momento de conflitos pós-
guerra, reivindicações e mudanças sociais que afetam a vida de todos. Artistas e
críticos deslocam seu olhar dos museus, instalações e site-specific para os lugares
públicos que articularam ações artísticas com pretensões sociais e políticas. Passa-
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se então a entender a emergência das noções colaborativas na arte a partir desta arte
pública de novo gênero. Para L. Lippard10, o conceito de lugar estaria relacionado
diretamente com a necessidade de vincular as atitudes às problemáticas sociais, na
urgência em aumentar a vinculação da arte com a política e os assuntos sociais.
Sendo assim, estaríamos falando de práticas em que o conceito de espacialidade se
expandiu do formal ao crítico-político no lugar em que atua. O questionamento quanto
ao lugar que ocupamos frente aos fatos sociais, implicaria em engajamento em algum
sentido, provocando uma prática artística mais contundente. Desta forma, L. Lippard
estabelece um contraponto entre o lugar real e o ideal.
Diante de todo percurso da narrativa sobre o percurso das origens da arte pública de
novo gênero, percebe-se o potencial político da arte ao comprometer-se com uma
questão de espacialidade pública concreta entendida como a realidade da vida das
pessoas. Fica estabelecida assim, uma reflexão sociológica, trazendo à tona uma
nova crítica sobre a espacialidade contemporânea ao serviço de práticas que
instauram outra lógica cultural. A arte pública de novo gênero é portanto, formada a
partir das rupturas sociais, culturais e econômicas ocorridas a partir do final da década
de 1960, onde o espaço público torna-se um ambiente marcado por movimentos
ativistas, feministas, de contracultura, e passeatas, fazendo resistência a um modelo
urbanístico de restauração, quando ainda centrado na lógica do monumento.
Notas
1 O National Endowment for the Arts (NEA) foi criado por um ato do congresso dos EUA em 1965 como uma agência independente do governo federal dos EUA para dar apoio e financiamento para projetos artísticos. Disponível em: http://www.nea.gov/ 12/06/2009 2 August Rodin realiza uma escultura em homenagem ao romancista francês Balzac em 1891-1898. 3Constantin Brancusi criou nos anos 1930 o conjunto de esculturas de Targu-Jiu, na Romênia: “Coluna sem Fim” (1937), “Mesa do Silêncio” e “A Porta do Beijo”. 4 No início de 1970, Judd adquiriu uma enorme fazenda em Marfa, Texas (EUA) assim como uma série de edifícios na cidade, convertendo a rede de espaços em uma fundação cultural que leva o seu nome. Disponível em: http://www.juddfoundation.org/ 25/10/2018 5 Tradução livre para site specificity. 6 DEUTSCHE apud KWON, Miwon. Um lugar após o outro. October n. 80. 1997, 85-110. 7 Disponível em: http://www.judychicago.com/ 8 Disponível em: http://www.cindysherman.com/ 9 Disponível em: http://www.judybaca.com/now/index.php 10 LIPPARD, L. Mirando al rededor. In: BLANCO, Paloma (org). Modos de hacer: arte crítico, esfera pública y acción directa. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2001. p. 51-70
APPEL, Janice Martins Sitya. Origens e transformações do uso do espaço em arte pública de novo
gênero e a formação de novas poéticas, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...]
Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2216-2230.
2230
Referências
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Janice Martins Sitya Appel
Docente Artes Visuais/Instituto de Letras e Artes/ILA/FURG; Doutora Poéticas Visuais/UFRGS; Doutorado Sanduíche no Exterior/Centro de Investigacion Arte y Entorno/CIAE, Universitat Politecnica de Valência/UPV, Valência/Espanha; Mestre Processos Artísticos Criativos/UDESC, Florianópolis; Bacharel em Artes Plásticas – UFRGS; Membro Veículos da Arte/CNPq/Instituto de Artes/UFRGS e Laboratório da Paisagem/PAGUS/CNPq/Geografia/UFRGS; Contato: [email protected]