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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE

SÃO PAULO

PUC-SP

Ludmila de Almeida Castanheira

A performance como ação midiática: os (não) limites entre arte e

comunicação.

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2011

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Ludmila de Almeida Castanheira

A performance como ação midiática: os (não) limites entre arte e

comunicação

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Mestre em Comunicação e Semiótica sob a

orientação da Prof ª. Doutora Christine

Greiner.

SÃO PAULO

2011

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Banca Examinadora

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A performance como ação midiática: os (não) limites entre arte e comunicação

Lu

dm

ila C

astanh

eira

Orientação: Christine Greiner

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

2011

Programa de Estudos Pós- Graduados em Comunicação e Semiótica

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Para Pagú e Cartola, companheiros silentes.

I

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A meu pai, José Carlos, e à minha mãe, Rosilda,

por, desde sempre, fazerem de mim um bicho

inquieto.

À Tia Lu e à Tia Cláudia, por todo cuidado e mimo

de que os Castanheira são capazes. À Tia Célia,

por acompanhar tudo, mesmo de longe, e rezar

sempre.

Á Dona Nilva e a “Seu” Artêmio, por fazerem

muito mais do que lhes cabia.

À Alexandre Ficagna, pela grandeza de manter os

dois pés colados à terra e, ainda assim, respeitar

minha flanada.

Ao Guigo, Lorde Velho, com cuja sensibilidade e

sabedoria eu tenho me beneficiado. Por ser o maior

e mais teimoso coração que já encontrei.

Á Thái, por nunca se conformar com o que está

posto e, assim, me fazer repensar as coisas mais

simples.

Ao Banderas, meu “fiínho” por sua disponibilidade

infinita.

Ao Flávio, Padrinho, por me deixar olhar de perto,

mesmo correndo o risco de estragar tudo no

processo de dissecação. Pelas gargalhadas, e pelo

sotaque que carrega a brisa do mar de Alagoas.

Mais uma vez, a Guigo, Thái, Banderas e Flávio,

por serem os melhores companheiros de sandices

esdrúxulas. Sua amizade, discórdia e afeto fazem

dos Festivais de Apartamento, antes de tudo, as

noites mais divertidas e prazerosas.

A todos os performers que participaram dos

Festivais de Apartamento, e em especial àqueles

que, por algum motivo, não puderam estar

conosco. Aos anfitriões, que abriram suas casas

para o desconhecido.

Ao professor Renato Ferracini, por me iniciar no

mundo das incertezas.

Ao professor Cassiano Quillici, por me contar que

numa universidade assim, havia uma linha de

pesquisa assim, com uma professora assim,

justinho com o meu projeto.

Á Cassi (minha Cassilda) pelas muitas portas

abertas, mas, mais ainda, por falar e permitir que

eu me ouça em suas palavras. Por ser tão

sinceramente Capricorniana.

À Dani, pelos socorros.

Ao Rafa Curci, pela paternidade postiça, mas não

menos adorável.

Ao Patrick, o puto semiótico, e ao Bu, que é lindo.

Ambos, também, pelos cabeções fofos que são.

02

II

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Ao João de Ricardo, pela loucura potente.

A Rogério Lopes, pelo exercício da leveza.

A Rodrigo Scalari, pela partilha.

Ao Du, pelas diversas acolhidas na selva de

pedras.

Ao Sechi e ao Thiago, por terem começado.

À Amanda, Raquel, Mônica, Andréia, Marcinha e

Manoelle, minhas colegas de Departamento. Pelos

almoços, cafés, cigarros e sobremesas sempre

reconfortantes.

À Helena Katz, por ser um delicado e generoso

detonador de idéias, e à Wânia Storolli, pela

leitura atenta.

À minha orientadora, Christine Greiner, pela

dedicação, discussões, e perguntas que me fizeram

chegar a associações que eu não faria sozinha.

À Cida, pela paciência.

A Marcos Gallon, pela entrevista cedida.

Ao CNPq, por possibilitar a realização dessa

pesquisa.

III

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Índice

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Índice ....................................................................IV

Resumo ..................................................................V

Abstract ................................................................VI

Breve nota sobre a organização da dissertação....VII

Introdução..............................................................01

1.Festivais de Apartamento.................................. 05

I Festival de Apartamento Sechiisland .................08

II Festival de Apartamento Sechiisland ................10

III Festival de Apartamento Península Dran ........11

IV Festival de Apartamento Sechiisland (em

Campinas) .............................................................12

V Festival de Apartamento São Paulo/ Ipiranga...15

VI Festival de Apartamento Barão Geraldo/

Campinas ..............................................................18

VII Festival de Apartamento São José do Rio

Preto.......................................................................20

2.Estranho, um cara comum .................................23

2.1 Trajetória ........................................................25

2.2 Estranhas ações ...............................................27

2.3 A performance como ação midiática ..............30

Conclusão .............................................................33

Bibliografia ...........................................................36

Anexo I : Entrevista com Marcos Gallon..............40

Anexo II: Entrevista com Marina Abramovic

...............................................................................43

Anexo III : Marina em outros cadernos ...............52

Anexo IV: Relato do performer Flávio Rabelo,

durante uma das ações “Estranho, um cara

comum...................................................................58

Anexo V: Plantas com descrições de algumas ações

dos Festivais de Apartamento ...............................69

IV

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Resumo

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Resumo: O objetivo desta dissertação de mestrado

é analisar a relação cada vez mais estreita entre a

chamada performance art e os fenômenos

comunicacionais. Em alguns exemplos que fazem

parte do corpus da pesquisa – como o Festival de

Apartamento e a série "Estranho, um cara comum",

de Flavio Rabelo –, as clássicas dicotomias entre

artista e público, obra de arte e fato cotidiano

parecem cada vez mais hibridadas. Tendo em vista

a natureza muitas vezes inclassificável destas

manifestações, a sua presença no jornalismo

cultural é praticamente inexistente, assim como nos

editais de fomento à arte. Neste sentido, identifica-

se um outro tipo de fenômeno, diferente da clássica

definição de performance que a identificava como

um exemplo de hibridação entre diversas

linguagens artísticas. A hipótese desta pesquisa é a

de que a performance aproxima os campos da arte e

da comunicação, de modo a questionar os limites

entre estas duas áreas de conhecimento. Como

grade teórica, foram estudados autores como

Boaventura de Souza Santos (2008), Giorgio

Agamben (2009), Katz e Greiner (2005; 2010),

Schechner (1970), Cohen (2002; 2004) e Thompson

(2008). A metodologia consiste em uma pesquisa

bibliográfica e na análise dos exemplos que

constituem o corpus da pesquisa. O resultado

esperado é uma modesta colaboração com uma

ampla discussão teórica que vem sendo

amadurecida desde os anos 1970 em países como

os Estados Unidos e a Alemanha, mas ainda se

mostra bastante insuficiente no mercado editorial

brasileiro.

Palavras-chave: jornalismo cultural, curadoria,

performance, comunicação.

V

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Abstract

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Abstract: The objective of this master‟s

dissertation is to analyze the narrower and narrower

relation between the so-called performance art and

the communicational phenomena. In some

examples which are part of the corpus of this study

– such as the Apartment Festival and the series

“Estranho, um cara comum”, from Flávio Rabelo –

the classic dichotomies between the artist and the

public, object of art and daily fact appear more and

more hybridized. Considering the nature often

unclassifiable of these manifestations, their

presence on the cultural journalism is practically

inexistent, as well as in the edicts to stimulate art.

In this way, another type of hybridization is

identified, different from the classic definition of

performance which identified it as an example of

miscegenation among different artistic languages.

The hypothesis of the study is that the performance

crosses the areas of art and communication in such

a way as to question the limits between these two

areas of knowledge. For the theoretical grid authors

such as Boaventura de Souza Santos (2008),

Giorgio Agamben (2009), Katz e Greiner (2005;

2010), Schechner (1970), Cohen (2002; 2004) and

Thompson (2008) were studied. The methodology

is supported on the bibliographical research and on

the analysis of the examples mentioned above. The

expected result is a modest collaboration to the

theoretical discussion which has been maturing

since the 70s in countries such as the United States

and Germany, but is still incipient among us

Brazilians.

Key Words: cultural journalism, curatorship,

performance art, communication.

VI

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Breve nota

sobre a

organizaçã

o da

dissertação

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Em Maio de 2010, cumpri o meu exame de

qualificação no Programa de Estudos Pós-

Graduados em Comunicação e Semiótica. Foi um

presente generoso dado a mim pelas professoras

Wania Storolli e Helena Katz, com o qual

contribuiu de maneira não menos generosa minha

orientadora, Christine Greiner.

Entre muitas sugestões valiosas, uma delas tornou-

se tão instigante quanto aterradora: Helena Katz,

com a meiguice e sabedoria que lhe são próprias,

tratou de promover uma implosão das minhas

crenças acadêmicas de então.

A professora sugeriu a criação de uma escrita que

permitisse ao leitor experienciar, de alguma

maneira,uma imersão nas idéias que venho

discutindo. Uma forma mais afim à arte de

apresentar o conteúdo da dissertação. Eu não tinha

a menor idéia de como fazê-lo, mas decidi aceitar a

proposta instigante.

Depois de buscar por teses e dissertações com

maneiras próprias de apresentação, pedi ao

professor Amálio Pinheiro – a quem agradeço pela

abertura e confiança – que me permitisse realizar a

conclusão de sua disciplina (“Fundamentos da

comunicação: teorias culturalistas da

comunicação”) num formato-teste para a

dissertação.

A mobilidade de escrita e leitura, oferecida por

caixas de texto ao invés de notas de rodapé, foi uma

tentativa de contemplar os vaivens dessa pesquisa.

Os tópicos numerados abaixo são os bastidores da

escrita e a explicação para algumas escolhas de

diagramação.

1. As páginas estarão, quase sempre, dispostas

horizontalmente e o texto ocupa duas colunas com

um espaço entre elas a ser preenchido, quando

necessário, com caixas de texto.

2. As caixas de texto, sempre conectadas a

uma palavra, geralmente vêm complementar algo

que se tenha mencionado no corpo do texto, ou

oferecer links onde se buscar mais informações

sobre a palavra destacada em negrito. São como

notas de rodapé, com a diferença de estarem, quase

sempre, na mesma altura do texto. Por isso, trazem

a possibilidade de serem consultadas de modo

concomitante, além de provocar um exercício de

VII

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leitura diferenciado, que insiste na simultaneidade e

efetiva as conexões.

3. A divisão dos capítulos está marcada por

faixas coloridas com o título de cada um.

4. As páginas dobradas são plantas baixas, nas

quais estão relatadas algumas ações das sete

edições dos Festivais de Apartamento.

VIII

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Introdução

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O tema desta pesquisa é a performance tratada

como meio de comunicação. Partimos da

constatação de que determinados circuitos artísticos

precisam se valer de algumas brechas

(comunicacionais, mercadológicas e curatoriais)

que coexistem com um modo de organização

hegemônico para se sustentar. Neste exercício, estes

circuitos acabam por estabelecer, eles mesmos, os

canais necessários à sua fruição

Este comportamento nas artes, além de implicar em

conseqüências políticas, parece dividir, senão

deslocar, a importância da obra de seu resultado

para o percurso, troca e alterações às quais está

sujeita em sua veiculação no meio.

As manifestações que realizam seus próprios canais

de veiculação e sustentabilidade não são sempre

artísticas. Desde já, é preciso esclarecer que nosso

discurso se firma na delimitação de

performatividade que, a nosso ver, apresentam

este caráter e, algumas vezes, escapam do campo

artístico.

O conjunto de práticas compreendidas como artes

presenciais (e que aqui estamos considerando

dança, performance e teatro) têm a propriedade de

acontecer em negociação com público, havendo

maior ou menor abertura para sua entrada. Porém,

por menor que sejam as separações entre obra e

público, não se pode repeti-la sem que sem que haja

modificações.

Ao menos nas primeiras experiências da

performance, o apelo e destaque ao “irrepetível”,

entre outras propostas de experimentação,

buscavam compreendê-la como acontecimento:

ação que faz algo (materiais, tempo, espaço,

público, performer) passar de um estado (material,

de humor) a outro.

Neste viés, a performance se apropriou das várias

contribuições das vanguardas, bem como retomou

antigos rituais. As informações advindas da própria

arte, do cotidiano e da biografia do artista foram

processadas e assim traçou-se o que viria a ser,

ainda hoje, uma arte em construção.

Esta disposição provocou mudanças nos parâmetros

comumente utilizados para situar e caracterizar a

arte: o modo de fazer, os locais de sua realização, a

mensura do valor da obra, não são realizados a a n

oção

de ação

perfo

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echn

er, sem an

o, sem

pág

ina).

Em distintas bibliografias, situa-se o

happening (acontecimento) em oposição à

performance, sendo o primeiro uma versão

menos elaborada ou mais espontânea da

segunda. O happening, para alguns autores,

teria sido a forma de experimentação que,

decantada, daria lugar à performance,

resultado da maturação da obra e do artista.

Thaíse Nardim, em “Allan Kaprow,

performance e colaboração: estratégias para

abraçar a vida como potência

criativa”(2009), oferece uma interessante

visão sobre o happening como forma

artística autônoma e organizada.

o performer é um operador de

transformações entre inumeráveis códigos

móveis e um conjunto de mensagens

compostas por signos móveis baseados

nestes paradigmas. A atividade de artistas da

performance resulta, conseqüentemente,

numa verdadeira catálise de elementos, numa

transformação de códigos lábeis em

mensagens lábeis (GLUSBERG, 2003, p.78).

Ver anexo I, entrevista com Marcos Gallon, curador da Galeria

Vermelho, a primeira galeria brasileira com um espaço dedicado à

performance art.

01

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contento senão caso a caso, de maneira relativa.

São vários os aspectos que contribuem para a

“indisciplinaridade” da performance no sentido

da ampliação das zonas de contágio. Dentre eles, o

fato de ela ser uma arte prioritariamente corporal.

E neste ponto, é necessário dizer com que

entendimento de corpo esta pesquisa lida.

A teoria corpomídia de Katz e Greiner (2003, 2004,

2005) traz uma importante contribuição para o

nosso enfoque da performance como meio de

comunicação. Já em seu título, há uma discussão

acerca da diferença entre as mídias comuns

(digitais, impressas, televisivas) para a mídia corpo.

Ao invés de grafar-se corpo e mídia de maneira

separada, a opção por dizer corpomídia numa só

palavra ressalta, justamente, que o corpo não é

mídia do mesmo modo que as mídias comuns. As

mídias comuns não se alteram devido à informação

processada aí (uma TV não muda de estado de

acordo com o teor da notícia), enquanto o corpo é

mídia pela possibilidade de trazer em si as

alterações produzidas (e que produz) pelo (no) meio

onde se insere.

Por esta razão, ao tratarmos a performance como

meio de comunicação, nos parece pertinente fazê-lo

em duas esferas: uma do âmbito do registro e

divulgação das ações performativas em questão, e

outra que diz respeito ao caráter comunicativo do

corpo nas performances selecionadas.

A abordagem do objeto artístico como transitório e

da arte como não tendo mais o local de sua

concretização, entra em acordo com uma concepção

de corpo também sem delimitações precisas. Um

corpo que circula entre situações de representação

artística (teatral, de dança) ao mesmo tempo em que

reinventa ações que compreendemos como

cotidianas, esmaece estes limites sem se apoiar

inteiramente de todo em nenhum dos aparatos.

Ainda assim, talvez como uma tentativa de

oferecer modos mais pragmáticos de lidar com a

arte, observa-se um determinado modo de fazê-la,

apreciá-la e difundi-la. Mesmo entre artistas,

elegem-se obras que são de "bom tom" prestigiar.

Este procedimento resvala, muitas vezes, também

para a imprensa na hora de optar pelos eventos que

"vale a pena" cobrir e criticar.

Como detectou Muniz Sodré em Antropológica do Espelho (2002),

quando a estratégia de pesquisa é da ordem da radicalidade do trans

(referindo-se às famosas redes transdisciplinares), acaba virando

“indisciplinar”. Um campo que é “propriamente um atrator ou

„buraco negro‟ para onde se projetam as substâncias originais da

História” (GREINER, 2005, p. 11).

qualquer que seja a maneira pela qual somos levados a

remanejar (ou espremer para extrair a substância) a noção de

performance, encontraremos sempre aí um elemento irredutível,

a idéia de presença de um corpo. Recorrer à noção de

performance implica então a necessidade de reintroduzir a

consideração do corpo no estudo da obra. Ora, o corpo (que

existe enquanto relação, a cada momento recriado, do eu ao ser

físico) é da ordem do indizivelmente pessoal. A noção de

performance (quando os elementos se cristalizam em torno da

lembrança de uma presença) perde toda pertinência desde que a

façamos abarcar outra coisa que não o comprometimento

empírico, agora e neste momento, da integridade de um ser

particular numa situação dada (ZUMTHOR, 2000, pp.45-46).

O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente

passa, pois toda informação que chega entra em negociação com

as que já estão. O corpo é um resultado desses cruzamentos, e

não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com

essa noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não

com a idéia de mídia pensada como veículo de transmissão. A

mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo

evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o

corpo. A informação se transmite em processo de contaminação

(GREINER, 2005, p.131)

02

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Nossa motivação ao realizar esta pesquisa é

destacar na pretensão de um modelo central e

totalizador, que conta com diversos canais de

manutenção, sua ineficácia em alcançar a

homogeneidade. Pretendemos sublinhar uma visão

que supõe outras formas de fruição da arte e do

pensamento crítico.

No interior de um sistema baseado em resoluções

que lidam com a arte de maneira pragmática,

“otimizada”, com características mais próximas de

um modelo industrial que artístico, surgem ações

que o desestabilizam sem afrontá-lo. Elas coabitam

com ele e dispensam o aval de "autoridades" da

cultura para validar a sua existência. Há iniciativas

em diversos lugares do mundo, burlando o

estabelecido. Estas iniciativas não buscam apoio ou

retorno financeiro de forma direta, apresentando-se

como contrárias à maioria das motivações que, num

regime capitalista, vem se tornando cada vez mais

naturais.

A fim de estabelecer um recorte condizente com a

dimensão de uma pesquisa de mestrado, optei por

estudar alguns trabalhos de Flávio Rabelo, por

identificar na série “Estranho, um cara comum”, um

exemplo deste tipo de organização não

institucionalizada. Nesta série, o performer instala-

se sob marquises de igrejas geralmente habitadas

por moradores de rua, denominando a si e a eles

como "estranhos". Através de um jogo de

perguntas e respostas (não necessariamente verbais)

travado com os moradores, o artista propõe

algumas inversões acerca dos elementos que os

separam de nós, ditos cidadãos comuns.

Outro exemplo analisado é o dos Festivais de

Apartamento, que ilustra o deslocamento de

algumas manifestações do campo das artes para o

campo comunicacional. Estes são exemplos de

performances que se organizam principalmente

através da internet. Sua premissa é realizar-se nas

casas de artistas que estejam dispostos a abrigá-los,

e acontecem sem que haja curadoria: a seleção dos

trabalhos é feita segundo a ordem de inscritos e de

acordo com o número de trabalhos comportados

pelo local de sua realização.

Os exemplos acima mencionados são amostras de

um comportamento que não deve ser classificado

Eugênio Bucci, em “A imprensa e o dever de

liberdade (2009) alerta para o modo

amalgamado como se dão o jornalismo e a

indústria do entretenimento. O jornalista

aponta ainda as consequências dessa amálgama

para a liberdade de cobertura dos eventos

culturais. Este é um ponto a que retornaremos.

03

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exclusivamente com ações da performance (o

gênero artístico), mas como agenciadores de novas

redes dentro da rede mercado/arte/mídia,

congregando artistas e público das mais diversas

formações e objetivos, conectados, entretanto, por

algum propósito momentâneo, quase sempre

gerador de uma experiência de pico, onde o

controle sobre a vida se suspende por alguns

momentos.

Este tipo de rede acaba por configurar-se como um

modo de resistência possível numa época em que o

poder continua se instaurando de maneira imperial.

As redes de artistas, utilizadas com este objetivo,

configuram-se como importante agente na

formulação de um contexto pluralista.

A idéia de criar uma zona autônoma em que se

suspenda, mesmo que momentaneamente, o controle

sobre a vida, que fuja à égide do biopoder é uma

forma de resistência que tem sido largamente

utilizada. A desordem não prevista, a indisciplina

dos corpos, abala as estruturas da sociedade de

controle. „Os corpos estão se tornando por demais

indisciplinados‟, anota George Monbiot. A

oposição, tal como proposta, exige uma renovação

constante de táticas e ações já que o capitalismo

atual apresenta, como uma de suas características

mais latente, a capacidade de incorporação de suas

partes dissidentes (OLIVEIRA, 2007, p.34).

No Império já não existe mais lado de fora, o globo

foi subsumido em sua lógica. O poder imperial é

distribuído em redes, por meio de mecanismos

móveis e articulados de controle. O biopoder

descreve aspectos centrais do conceito de Império.

Caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de

fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem

limites. O Império difere do imperialismo que

exercia o domínio sobre o território, sobre suas

riquezas e sua administração a partir de um centro

territorial de poder. O Império constitui-se não com

base na força e sim na sua capacidade de mostrar a

força como algo a serviço do direito e da paz. O

objeto do seu governo é a vida social como um

todo, e assim o Império se apresenta como forma

paradigmática de biopoder (Ibid., p.46)

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1. Festivais

de

Apartament

o

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Os Festivais de Apartamento são uma apropriação

dos Apartament Festivals: eventos que tiveram sua

maior expressão na década de 80, quando foram

criados. Eles se estenderam até 1995, acontecendo

periodicamente em cidades do Canadá, Estados

Unidos, Alemanha, Inglaterra, Itália, França e

Holanda.

Idealizados pelos neoístas, os Apartment Festivals

eram reuniões feitas nas residências dos artistas

envolvidos, ou em prédios barbaramente tomados e

ocupados por vários dias, à revelia dos síndicos ou

moradores. Mais de uma vez, os neoístas foram

removidos apenas mediante a ação da polícia.

Estas reuniões transitavam entre festas e pequenas

mostras de trabalhos então mal vistos pelos órgãos

de arte considerados “sérios”. Entre outras

proposições que iam de anárquicas a bem-

humoradas ou infantis, os neoístas, eram

simpatizantes do plágio criativo, e foi nesse sentido

que, em 2008, um grupo de artistas do interior do

estado de São Paulo decidiu retomar algumas de

suas idéias. A retomada não poderia ser literal, uma

vez que a situação no Brasil hoje é diferente da

norte-americana e européia na da década de 80.

Os neoístas sustentavam uma imagem “sem

regras”, o que dificultava sua entrada em

determinados circuitos. Sua arte era vista como

pouco séria, ou ainda, como uma maneira de

ironizar a produção então vigente.

Os Festivais de Apartamento, como recriados em

2008, lidam com uma situação outra: em nosso

tempo existem os circuitos de arte que admitem,

por exemplo, performances irônicas, ou de cunho

denunciador. Há, inclusive, os lugares em que elas

são bem-vindas. Porém, através de diversos

mecanismos – entre os quais, curadorias e

coberturas jornalísticas duvidosas – também estes

circuitos estabeleceram os seus favoritos e os

modelos que um artista deve seguir para estar entre

eles. Perseguir estes modelos ou mesmo alcançá-

los, quase sempre, inclui o esvaziamento do

discurso do artista.

Não estamos afirmando que toda eleição curatorial

ou divulgação jornalísticas seja nociva à arte, nem

descreditando os profissionais destas áreas

indiscriminadamente. Compreendemos as

Movimento artístico nebuloso quanto aos seus propósitos e

do qual quase não se têm registros. Algumas informações

podem ser encontradas no livro “Assalto à Cultura: utopia,

subversão e guerrilha na (anti) arte do século XX” (Conrad

Editora, 1999), de Stewart Home, sob a perspectiva do

autor, que se inclui e satiriza o grupo.

05

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diferenças e especificidades entre estas profissões.

A confluência entre elas está no fato de ambas

terem a possibilidade de escolher a que trabalhos

dar visibilidade, e este é um ponto crítico.

Os critérios de eleição de uma e de outra se dão,

comumente, por análises exteriores à obra ou

mesmo pela ausência de análise. Alguns

profissionais pautam-se no retorno imediato que

promover determinadas obras pode render a si ou

aos órgãos a que estão vinculados, ou, ainda, nos

afetos (positivos ou não) criados com os artistas,

obras ou discursos.

Por motivos que serão melhor explicados adiante, a

divulgação dos Festivais de Apartamento, embora

se dê prioritariamente através da internet, tem a

preocupação de se restringir a canais específicos.

Como mencionamos anteriormente, não há

curadoria em suas edições, o que contribui para que

tenhamos artistas das mais diversas formações,

incluindo aqueles que estão fazendo suas primeiras

incursões no campo da performance.

Na maioria dos editais, é pouco comum que artistas

iniciantes sejam admitidos: para receber apoio, é

preciso que o artista disponha de documentação de

seus trabalhos para certificar que os concretizou

outras vezes. Como os festivais não contam com

apoio financeiro, admitir artistas jovens ou

experientes não é uma premissa.

Os neoístas se mantiveram enquanto grupo, com

pouquíssimas alterações entre seus integrantes, e os

Apartment Festivals eram encontros deste grupo de

artistas, onde aconteciam as mostras de trabalhos.

Eles não estavam interessados em tecer redes para

que outros artistas se juntassem a eles.

Embora os Festivais de Apartamento tenham sido

retomados também a partir de um grupo de artistas,

eles estiveram, desde o início, interessados em

relacionar-se com outros artistas. Este é um fator

que delineia nossa postura enquanto artistas e

organizadores do evento.

Os encontros, realizados no estado de São Paulo,

faz seus acordos e comunicados, em sua maior

parte, através da internet. Muitos dos participantes

não nos conhecem (não há uma marca ou logotipo

fiador de nossa respeitabilidade), e se deslocam até

os festivais com seus próprios recursos.

Os jornalistas não buscam informações quando querem, mas

fazem parte do cronograma da indústria. Eles é que se

subordinam aos horários da indústria.

Quando vieram as fusões entre empresas de entretenimento e

empresas jornalísticas, essas relações promíscuas adquiriram um

significado material muito mais sólido. A maneira como o

marketing dos estúdios absorveu e incluiu em sua agenda

própria a agenda do jornalismo – ou, em outras palavras, o modo

pelo qual o marketing deixou de ser um objeto a mais no campo

abrangido pelo jornalismo e se transformou no campo dentro do

qual o jornalismo se insere.. o que se verifica não é o capital do

jornalismo englobando o capital do entretenimento, mas

exatamente o contrário. Há muito tempo a indústria do

entretenimento sabe que seus negócios não acabam onde começa

a imprensa, mas prosseguem para dentro dela, atravessam-na e

se realizam mais adiante, para além do jornalismo. Há, assim,

uma analogia entre o fluxo dessas velhas influências do

marketing sobre a imprensa e o fluxo dos capitais que se fundem

(BUCCI, 2009, pp. 38-39).

06

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É natural que possa haver, entre os inscritos,

dúvidas quanto à realização do evento até que

esteja, de fato, acontecendo. Por esse motivo, assim

como os Apartment Festivals, as edições que

organizamos são numeradas: para que se explicite a

continuidade delas. Com isso, esperamos reforçar a

lógica tácita de que se houveram algumas edições

anteriores, aquela para que estamos abrindo

inscrições também se realizará. Em corroboração,

mantemos um cuidadoso registro com fotos, vídeos

e descrições das ações no blog do festival.

Embora posta em prática de modo bem menos

ousado (nós pedimos permissão, saímos no dia

seguinte pela manhã, e nos responsabilizamos em

devolver a residência tal como conhecida antes de

sediar um festival), a principal idéia neoísta

revisitada por nós é a de realizar ações artísticas

sem, necessariamente, estarmos amparados por

espaços que se consagraram como adequados à

arte (galerias, teatros, museus, etc.).

Não se trata de estar “contra” estes espaços ou de

querer superá-los, mas de abrir uma nova

possibilidade. Tudo começa pela falta de espaço:

antes de retomar os festivais, estávamos, de certo

modo, impedidos de trazer a público os trabalhos

que nos são caros. Até este momento, realizaram-se

sete edições do evento, e elas têm acontecido, em

média, a cada seis meses. Nossa proposta é realizá-

las a cada vez que um artista disponibiliza sua casa

para recebê-las. Por isso, o evento adquiriu caráter

itinerante, passando pelas cidades de Rio Claro

(2008), Campinas (2008, 2009), São Paulo (2009) e

São José do Rio Preto (2010).

Faremos novamente a trilha de cada uma de suas

edições, possivelmente aos saltos. Segui-la dessa

forma parece ser o modo mais honesto de traduzir o

que tem sido estas reuniões em seu característico

inacabamento.

Não vamos nos ater a definir o “lugar” da arte. O limiar entre o

público e o privado abrigou manifestações artísticas das mais

diversas, da Commedia dell´Arte, aos saraus do século XIX. A

menção às galerias, teatros e museus se faz apenas a título da

nuvem de especificidades que estes espaços trazem em torno de

si. Expor/apresentar-se neles significa ter passado por uma série

de procedimentos institucionais que, se não elaborados de

maneira idônea, redundam na manutenção de alguns modelos e,

conseqüentemente, inviabilizam a existência de outros.

07

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I Festival

de

Apartament

o

Sechiisland

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Em 2003, os artistas José Roberto Sechi e Thiago

Buoro criaram um nome pra servir como um

cabide. Eles e os artistas amigos que,

eventualmente, precisassem de um (para participar

de eventos artísticos, por exemplo), ou que

estivessem se reunindo ocasionalmente, podiam se

“dependurar” sobre o nome AcompanhiA.

AcompanhiA, no sentido de não-companhia

teatral, já que o teatro (e principalmente o teatro

local) trazia em si uma série de convenções que não

lhes interessavam. Servindo aos seus propósitos, o

AcompanhiA, abrigou diversas formações até o que

viria a ser o I Festival de Apartamento, assim

batizado posteriormente.

Era uma noite na qual a Sechiisland, a casa do

Sechi, seria ocupada com duas ações coligadas,

uma dele e outra de Rodrigo Emanoel Fernandes.

E, uma vez que a casa estivesse aberta e houvesse

público, também estavam convidados os amigos

com trabalhos a mostrar. A divulgação não foi

extensa, pois havia entre os conhecidos o hábito de

freqüentar a Sechiisland, ao menos nos dias de

inauguração das micro-exposições. Havia, desde

então uma lista de endereços eletrônicos, para onde

o convite foi enviado, sugerindo, como entrada,

uma garrafa de vinho que seria “bem-vinda, mas

não obrigatória”.

Da parte dos idealizadores dessa noite, a seqüência

em que as duas ações aconteceriam foi estabelecida,

antes de qualquer outro motivo, pelo desejo de

fazer com que o público (então formado por

freqüentadores da casa e, portanto, familiarizado

com ela) se deslocasse pelos cômodos numa

trajetória diferente da habitual.

O marco destas ações estaria no modo como

aconteceram mais do que nas proposições artísticas,

preponderância ou na filiação estética dos artistas:

elas se deram em festa, com suas propriedades

típicas (bebida, música, dança, encontro). Cada

ação, diluindo-se em maior ou menor grau, por

vezes, comportou-se como mais um evento próprio

da festa.

O nivelamento entre ação artística e festa cria certa

indistinção entre os atuantes e os demais

participantes. Esta característica acentuou-se

conforme as edições do festival, num nível tal que

A idéia e primeira

apresentação do AcompanhiA

foi em 2003. A princípio nos

inspiramos num grupo alemão

da rede de arte postal chamado

"No-Institut", então veio a

idéia de um grupo que não

fosse um grupo ou que negasse

a condição de grupo, uma

companhia negada pelo prefixo

A (Sechi, por e-mail, em 23 de

setembro de 2010).

O artista José Roberto Sechi converteu sua casa em um ponto

nodal de uma rede de artistas postais. Da Sechiisland – a Ilha

de Sechi, com a população de um só homem, conforme

declarado pelo artista –, chegam e partem correspondências de

todo o globo, contendo os mais diversos materiais. Atualmente,

a casa abriga também uma biblioteca formada por catálogos,

programas e livros de artistas, além de funcionar como espaço

de pequenas exposições, a Sechiisland´s Micro Galery.

Meio bastante utilizado pelos artistas postais,

estas edições são feitas artesanalmente com

materiais diversos, e contêm desde poemas

visuais a cópias reprográficas de retratos.

Também podem ser construídos sobre edições

industrializadas, através de interferências ou

aproveitando seu encadernamento.

Arte Postal existe

enquanto o objeto está

se movendo de um

ponto a outro. Pelos

correios, artistas

enviam e recebem

envelopes

customizados com

selos próprios. No

Brasil, Paulo Bruscky

foi um dos primeiros

artistas a participar

desta rede ainda ativa.

08

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tornou-se bastante comum uma ação adquirir

contornos diferentes daqueles imaginados pelo

performer a partir da intervenção do público.

Uma importante conseqüência desta noite foi a

criação de um endereço on-line onde foram

dispostas as imagens (em fotografia e vídeo) do que

aconteceu: as motivações não eram outras além de

estarmos instigados pelo evento, pelas

possibilidades abertas por ele e por haver muito de

Narciso em nós. O blog ficou a cargo de Rodrigo,

que, entre nós, tinha maior habilidade com as

ferramentas da internet, e levou o nome do grupo

AcompanhiA. Pela vontade de que existissem

outros, o evento foi nomeado I Festival de

Apartamento Sechiisland (21/06/2007).

Tornando o Eu o alvo de todos os

investimentos, o narcisismo se dedica a

ajustar a personalidade à atomização

sorrateira engendrada pelos sistemas

personalizados. Para que o deserto seja

viável, o Eu deve se tornar a preocupação

central: a relação está destruída, mas pouco

importa, já que o indivíduo está apto a se

absorver em si mesmo. Assim, o

narcisismo, em uma circularidade perfeita,

adapta o Eu ao mundo que o gerou. O

adestramento social não se efetua mais pelo

constrangimento disciplinar e nem pela

sublimação, mas, sim, pela auto-sedução

(LIPOVETSKY, 2005. p.37).

09

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II Festival

de

Apartament

o

Sechiisland

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O blog criado para ser uma plataforma de registro

das ações que aconteceram no I Festival de

Apartamento, passou a desempenhar também o

papel de divulgação. A partir de sua inauguração, a

cada vez que uma edição se projetava, fazíamos um

post com o título de “Chamada/convocatória”, com

a intenção de atrair artistas e público.

Assim, o Festival de Apartamento sofreu uma fusão

com os meios comunicacionais: além de ser um

espaço efetivo de apresentações de trabalhos cuja

aceitação é restrita, o evento admitiu uma função

anterior de informar aos interessados sobre cada

nova edição. Algo como um expediente com data,

local e especificidades da mostra.

O blog atinge aos interesses não só dos performers,

mas do público, e em mais de uma vez, teve seu

post copiado para a agenda de outros canais

relativos à performance, constituindo-se num claro

exemplo de manifestação artística que subsiste a

partir da criação de seus próprios meios.

Sob influencia dos resultados positivos do primeiro

festival, organizou-se uma segunda noite festiva. A

Sechiisland receberia duas artistas que, de férias no

Brasil, decidiram conhecê-la.

A chilena Viviandran, a argentina Valéria

Coitamich haviam conhecido Sechi durante a

Bienal Deformes.

A presença das duas artistas, aliada à empolgação

diletante causada pelo evento anterior, nos motivou

a por em andamento o II Festival de Apartamento

Sechiisland (09/02/2008), utilizando mais uma vez

o espaço da micro-galeria.

A Bienal Internacional de Performance Deformes

acontece no Chile, sempre em outubro, e congrega artistas

e pesquisadores de áreas como filosofia, sociologia,

arquitetura. O evento está em sua terceira edição. Mais

informações em: http://bienaldeformes.blogspot.com.

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III Festival

de

Apartament

o Península

Dran

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A performer Viviandran, após ter participado da

segunda edição dos festivais, teve a iniciativa de

realizar, em sua casa, no Chile, o III Festival de

Apartamento Península Dran (10/06/2008). Esta foi

a primeira vez que o sufixo que comumente

acompanhava o título “Festival de Apartamento”

teve alterações. O motivo dessa mudança refletia

algumas diferenças de concepções entre nós a

artista que agora sediava o evento.

Viviandran defendia a idéia de que os festivais

tivessem, de algum modo, a assinatura de quem os

sediasse, mas, mesmo assim, mantivessem a

numeração seqüencial, tornando claro que se

tratava do mesmo evento. Enquanto que nós

gostaríamos que eles fossem algo viróticos.

Tínhamos, ma mesma intensidade, receio e vontade

de sermos “roubados” na idéia Festival, e não

assinassem a autoria do roubo, ou se, caso

assinassem, o fizessem somente indicando o lugar

em que aconteceriam.

Nenhum de nós conseguiu ir até o Chile, devido às

condições financeiras do grupo. Ainda assim,

dispusemos no blog do Grupo AcompanhiA as

únicas formas com que pudemos conhecê-lo: as

fotos que nos foram enviadas, e as descrições das

performances.

Este festival nos levou à discussão bastante

delicada no campo das artes, e mais

especificamente dos artistas, sobre autoria: a idéia

Festival de Apartamento não tem dono, e pode ser

posta em prática por quem se interessar em fazê-lo.

Embora seja algo bastante restrito se comparado a

outras manifestações, e por isso proporcionalmente

menos sujeito às alterações empreendidas por seus

interlocutores, a idéia Festival de Apartamento não

tem dono nem status acabado. Dentro de sua

particularidade, está sujeita ao uso que seus

praticantes fazem dela e, portanto, é passível de

transformações constantes. O modo como o Grupo

AcompanhiA resolveu fazê-lo é apenas uma

possibilidade, e o nome dado ao evento não é o que

singulariza a experiência: existem eventos

semelhantes por todo o globo nomeados de outra

forma e, as vezes, sem nomeação.

Estávamos então bastante influenciados por

idéias de nomes coletivos, como Monty Cantsin,

e conseqüente ausência de autoria. Para maiores

informações, ver “Assalto à cultura: Utopia

Subversão Guerrilha na (Anti) Arte do Século

XX”, de Stewart Home

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IV Festival

de

Apartament

o

Sechiisland

(em

Campinas)

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O IV Festival de Apartamento Sechiisland (em

Campinas) (09/08/2008) denota, desde o título,

algumas de nossas incongruências. É o primeiro

organizado por nós fora da Sechiisland, mas

mantém seu nome no título, ainda que tenhamos

aceitado a contragosto o nome “Península Dran”.

O fato é que acreditávamos a Ilha de Sechi pudesse

nos oferecer, alguma credibilidade através das

possíveis associações que os possíveis artistas

interessados fariam. Éramos bastante inseguros de

nosso trabalho e do próprio festival, e optávamos

por nos abrigar na extensa experiência de José

Roberto Sechi.

Porém, o argumento no qual quisemos acreditar era

de que, posto dessa maneira, o nome esclareceria

aos visitantes do blog que éramos os mesmos

envolvidos nos festivais anteriores, e que, do Chile

ele voltaria ao Brasil, mas migraria de casa e

cidade.

Se antes o Festival era feito entre artistas e

freqüentadores conhecidos, neste momento ele

passa a acontecer de maneira mais ampliada e, em

conseqüência, com uma formatação mais rígida.

Para a organização do IV Festival de Apartamento,

algumas questões, com as quais não tínhamos tido

de lidar nas edições anteriores, tornaram-se

importantes. Como desta vez ele seria sediado no

distrito de Barão Geraldo, em minha casa, o mais

provável seria que atraísse alguns de meus

conhecidos. Todavia, não se poderia desconsiderar

que a Unicamp situa-se neste distrito. A

universidade abriga diversos cursos e, entre eles,

um Instituto de Artes. Assim, certamente,

funcionaria como aglutinadora de pessoas dos mais

diversos lugares e formações.

Este quadro nos levou a supor que no momento em

que postássemos no blog a chamada/convocatória, e

espalhássemos esta informação por mala-direta, não

se poderiam prever quais pessoas se interessariam

em fazer parte dele e, menos ainda, de que formas.

A princípio, pela maneira como o evento aconteceu

até então, este deveria ser mais um divertido dado,

com o qual lidaríamos com a mesma

despreocupação, diletantismo (na acepção mais

positiva da palavra) e leveza dedicados a outros

impasses. Porém, esta era uma abertura maior do

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Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

que as nossas possibilidades de lidar com ela e, por

precaução, criamos uma ficha de inscrição cujo

link encontrava-se no corpo do texto feito para a

chamada/convocatória, disponível no blog.

Estas fichas deveriam preenchidas pelos performers

e enviadas a nós pelo endereço eletrônico do grupo

com até uma semana de antecedência da data

estabelecida para o festival. Elas seriam a maneira

que encontramos para estabelecer alguma ordem

para as apresentações, ainda que permanecesse o

propósito de que o festival fosse, por suas próprias

vias, uma grande festa.

Otimistas, e imaginando que o número de

performers interessados pudesse exceder a nossa

capacidade e a da casa para recebê-los, foi a

primeira vez que nos deparamos com a questão

curatorial: eleger ou não performers em detrimento

de outros? Em caso afirmativo, por que critérios?

À época, o único de nós razoavelmente confortável

no terreno da performance era Sechi, que há muito

participava de festivais internacionais, além de ter

leituras e extenso material filmogáfico a respeito.

Ainda assim, nenhum de nós estava interessado em

definir sequer o termo performance.

Mesmo hoje, tendo nos debruçado um pouco mais

sobre este universo, podemos concluir que,

conforme avançamos neste terreno, mais

encontramos ações muito diferentes entre si e que

se abrigam sob esta nomeação. De todo modo, a

questão das categorizações de gêneros artísticos

nunca foi uma prioridade para nós, e decidimos,

deliberadamente, não fazer curadoria. Havendo

maior número de inscritos, o critério para a

participação passaria a ser a ordem das inscrições.

A experiência de organizar os festivais nos ajudou a

perceber que o que define o quanto uma ação está

ou não adaptada ao festival não é o gênero ou a

classificação a que se presta, mas a versatilidade e,

sobretudo, as discussões que geram.

Por sermos um festival pequeno, não temos

técnicos e equipamentos à disposição. Entretanto,

mais do que restrições, estas condições abrem

possibilidades. Trata-se de uma escolha (prática,

mas também conceitual) não comportar propostas

dispendiosas e priorizar aquelas que se permitem

realizar com menos recursos.

A invocação do princípio da precaução – de que voltarei a falar

adiante – na relação com os fenômenos que não se conhece ou

se conhece mal e na ação sobre eles não constitui, por isso, uma

renúncia ao saber ou à intervenção, mas, pelo contrário, a

assunção de um risco específico, o de pôr à prova nossas

convicções e a nossa ignorância sem reduzir o que se

desconhece ao que já se sabe e sem proclamar a irrelevância do

que não podemos descrever por o desconhecermos (Santos,

2008, pp. 149-150).

A essência da festa: cara a cara, um grupo de seres humanos

coloca seus esforços em sinergia para realizar desejos

mútuos, seja por boa comida e alegria, por dança, conversa,

pelas artes da vida. Talvez até mesmo por prazer erótico ou

para criar uma obra de arte comunal, ou para alcançar o

arroubamento do êxtase. Em sua, uma “união de únicos” em

sua forma mais simples, ou então,... um básico impulso

biológico de ajuda mútua (BEY, 2004, sem página).

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Ademais, o próprio festival, a combinação de

pessoas presentes em negociação com as ações

acaba por fazer sua curadoria. Em tempo: não há

um pleito no qual as ações estejam sujeitas à

análise. Mas existem aquelas que mobilizam mais

participantes, ou os mobilizam de maneira mais

significativa. Algumas ações se realizam em

intenso trânsito corpo-ambiente. Neste contexto, o

corpo do performer se evidencia, deixando que se

destaque justamente a comunicação daquele que

performa com o seu entorno, evidenciando a sua

condição de mídia.

O corpo não é um meio por onde a

informação simplesmente passa,

pois toda informação que chega

entra em negociação com as que já

estão. O corpo é um resultado

desses cruzamentos, e não um

lugar onde as informações são

apenas abrigadas. É com essa

noção de mídia de si mesmo que o

corpomídia lida, e não com a idéia

de mídia pensada como veículo de

transmissão. A mídia à qual o

corpomídia se refere diz respeito

ao processo evolutivo de selecionar

informações que vão constituindo

o corpo. A informação se transmite

em processo de contaminação

(GREINER, 2005, p.131)

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O IV Festival teve doze inscritos, e nenhum

performer foi impedido de participar. Como

previsto, 50% deles estavam vinculados à Unicamp,

quase todos ao Programa de Pós-Graduação em

Artes. Os outros 50% éramos o Grupo

AcompanhiA, além de Gilio Mialichi, performer de

Araraquara e Viviandran, com uma participação em

vídeo.

Luana Muzille e José Carlos Pires formavam então

a produtora Fósforo Arte, e, gentilmente,

registraram o festival com equipamento

profissional. Sua intenção era produzir um

documentário a respeito, mas a proposta não

ganhou espaço entre nossos afazeres.

Posteriormente, este material foi editado por

Alexandre Sanches (Banderas) e disponibilizado no

blog.

Afora detalhes tão desinteressantes quanto

inexplicáveis e que não poderiam ser relatados sem

incorrer no deselegante tom de "mexerico", a partir

do IV Festival, o grupo AcompanhiA passou por

um violento racha, deixando de existir.

quaisquer relações.

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V Festival

de

Apartament

o São

Paulo/Ipira

nga

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Por seu interesse no funcionamento do festival,

Thaíse passou rapidamente de anfitriã a

organizadora, junto comigo e Rodrigo. Ela trouxe

novo fôlego e expandiu o alcance do festival para

os circuitos de arte ao enviar divulgação para canais

como Infodança, Artesquema e Coro.

Abandonamos o antigo blog do AcompanhiA,

refizemos todo o seu conteúdo sob o nome de

Festival de Apartamento, e seguimos organizando-

os, segundo a seqüência numérica. Agora

trabalhávamos de forma autônoma, receosos que

estávamos com a idéia sermos um grupo ou

coletivo.

O V Festival de Apartamento São Paulo/ Ipiranga

(14/03/2009) teve 23 performers que, sem as

condições ideais, decidimos acomodar, movidos

pelo desejo de não deixar artistas sem participar.

Porém, do ponto de vista da troca, facilitada pela

situação da festa, esta edição foi um tanto

frustrante.

Para dar conta de todas as apresentações, tivemos

que iniciar as apresentações às 16h. A este horário,

poucos dos performers haviam chegado, e havia

aqueles com necessidade de apresentar-se o quanto

antes, ocupados com outros afazeres fora dali.

Assim, os primeiros e os últimos trabalhos foram

vistos por poucas pessoas. Um número pequeno de

performers permaneceu durante todo o evento, e o

pouco público que compareceu esteve, via de regra,

acompanhando um amigo que se apresentaria, e foi

embora junto com ele ao término da apresentação.

A casa que sediou este festival, embora fosse uma

propriedade particular, era comumente utilizada

para ensaios teatrais. Por isso, dispunha de duas

salas com chão emborrachado, e este ar de

“ambiente preparado para a arte” nos levou a

acomodar a maioria das performances aí. Isso

dificultou a aproximação entre os presentes. Como

eram muitas ações, enquanto uma se realizava,

outra se preparava na sala oposta. De forma que o

público ia de uma sala a outra para acompanhá-las,

sem brechas.

O caráter festivo do festival ficou dificultado

também pelo modus operandi da cidade: como uma

maldição, a casa esvaziou-se quase que por

completo conforme se aproximava a meia-noite, já

http://www.infodanca.com

http://www.artesquema.com

http

://ww

w.co

roco

letivo

.org

http://festivaldeapartamento.blogspot.com

16

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que muitos dos presentes dependiam de transporte

público e este é horário de fechamento do metrô.

Sob a ótica da indistinção entre performers e

público e da partilha, este foi um festival pouco

profícuo. Quase não houve quem tivesse levado sua

garrafa de vinho para dividir, o que também não

auxiliou na diluição entre artistas e participantes.

Sem que percebêssemos ou pudéssemos fazer algo

a respeito, o festival foi captado por dispositivos,

conforme entendido por Agamben (2009).

Os dispositivos cumpriram a função produzir

sujeitos orientados para o bem, no sentido de

funcionalidade. As pessoas, combinadas às

circunstâncias, optaram por permanecer dentro de

um modelo de festival que não oferecesse riscos, de

suposta preservação de suas identidades, ao invés

de diluir-se na idéia festival.

Isso não quer dizer, contudo, que a V edição não

teve qualquer aspecto positivo, nem a crítica se

dirige aos trabalhos apresentados então. Trata-se da

constatação dos revezes incluídos na realização

destes eventos, que exemplifica como o andamento

dos festivais independe dos propósitos de seus

organizadores e está fortemente vinculado aos

humores e disposições de quem os freqüenta.

Uma vez reunidos pela proposta dos Festivais de

Apartamento, seus participantes e as circunstâncias

que criam, adquirem uma vida própria. O objetivo é

diluir a relação entre público e performer, o que

nem sempre acontece.

os dispositivos visam, através de uma série de

práticas e de discursos, de saberes e de

exercícios, à criação de corpos dóceis, mas

livres, que assumem a sua identidade e a sua

“liberdade” de sujeitos no próprio processo do

seu assujeitamento. Isto é, o dispositivo é, antes

de tudo, uma máquina que produz subjetivações

e somente enquanto tal e também uma máquina

de governo (AGAMBEN, 2009, p. 46).

17

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

VI Festival

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Barão

Geraldo

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

O VI Festival de Apartamento Barão

Geraldo/Campinas (26/09/2009) voltou a ser

realizado em minha casa, e contou com a ajuda

expressiva de Alexandre Sanches, que passou a ser

outro integrante auxiliando na captação e edição

das imagens. Em consonância com a maneira

solidária como os festivais vinham acontecendo,

ele conseguiu o empréstimo de câmeras filmadoras

e operou-as.

Nos entremeios dessa e da edição anterior,

passamos a participar da plataforma de

performance Performacelogía, que repassa aos

performers associados cada um dos eventos que

recebe. Foi também a primeira vez que recebemos

performers de outros estados: Minas Gerais e

Alagoas.

Mary Vaz e Charlene Sadd se beneficiaram de

ajuda de custo para as passagens que as trouxeram a

São Paulo, de onde seria mais fácil chegar a

Campinas. A Secretaria Municipal de Ação Social

de Alagoas ofereceu-lhes o auxílio em troca do

qual, ambas fariam apresentações de seus trabalhos

em eventos da Prefeitura. Ainda que indiretamente,

trata-se da primeira inserção de um órgão oficial no

evento, o que nos levou a algumas discussões.

Após o festival, as duas performers nos propuseram

a escrita de um projeto conjunto para levá-lo a

Alagoas. A proposta nos pareceu interessante, e

logo o Ministério da Cultura abriu edital que

contemplaria, justamente, aos festivais. Isso

possibilitaria a compra de equipamentos, o

pagamento de ajuda de custo e, quiçá, de

hospedagem para os performers. Começamos a

escrever o projeto, mas não o levamos adiante por

nos dar conta do que representaria o fomento de um

edital.

Improvável, mas não impossível, poderíamos nos

deparar com as indicações, sutis ou não, sobre que

ações poderiam ser postas frente ao logotipo do

Ministério.

As mudanças pelas quais passaria o festival fariam

dele um evento parecido com qualquer outro. Seria,

sem dúvida, a sobreposição de um formato.

Qualquer suposto potencial do evento em

desestabilizar a realidade seria perdido em prol de

uma submissão inevitável ao mercado. Não se trata

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18

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

se enaltecer a falta de verba, mas de tomar um

cuidado especial para não deturpar os objetivos da

proposta em função de prioridades econômicas.

Essa orientação múltipla da realidade é algo caro a

nós e, por sua própria conformação mutável, traz

alguma dificuldade em propagar-se. Porém,

enquanto ainda parece possível, e cientes da

contradição deste ato, fizemos a escolha de manter

a informalidade da organização do festival, com o

que acreditamos fazer alguma força na direção de

exercitá-la.

a estratégia que devemos adotar no nosso corpo

a corpo com os dispositivos não pode ser

simples, já que se trata de liberar o que foi

capturado e separado por meio dos dispositivos e

restituí-los a um possível uso comum

(AGAMBEN, 2009, p. 44).

19

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

VII

Festival de

Apartament

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do Rio

Preto

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

O VII Festival de Apartamento São José do Rio

Preto (20/02/2010) foi, a nosso contragosto,

divulgado no jornal local. Embora a redatora da

matéria tivesse as melhores intenções, o resultado

foi um texto confuso, que atraiu inscrições

duvidosas. Compareceram os “donos da cultura” da

cidade, exibindo números de DRT e sobrenomes,

preocupados em nos esclarecer sobre sua

importância e, conseqüentemente, indagando o

nosso papel.

A tensão estava claramente estabelecida por sua

compreensão de que a presença do festival tivesse o

propósito único de afrontar os cânones que

postulavam. Sua tentativa hipócrita de participação

serviu somente ao propósito de proclamarem sua

hierarquia.

O episódio está aqui relatado por funcionar

muitíssimo bem como argumento à restrição da

divulgação do festival a canais prioritariamente

acessados por artistas. Em tempo: não se trata de

imaginar esta parcela de pessoas como algo

superior, mas de ressaltar o aspecto de

compartilhamento de interesses supostamente

promovido pelos canais referidos, assente na

possibilidade de colocar os pares em contato.

O público de um jornal é atendido segundo sua

possibilidade de compra - porque atrelada à notícia

está o anunciante – se seu poder aquisitivo não for

suficiente, eles não estarão representados no jornal,

e as notícias não serão direcionadas aos seus

interesses.

Ainda assim, considerando-se a parcela “apta”, a

notícia se faz da maneira mais generalizante e

abrangente, de forma a alcançar o maior número de

clientes, com vistas a traçar relações entre o já

conhecido (ou mesmo o senso comum). Para tal,

guardam-se os níveis de redundância necessários à

aderência de uma notícia.

Assinaladas as devidas diferenças – uma vez que o

autor esteja se referindo aos agentes de movimentos

sociais, e nós às ações performativas –, vale

mencionar a segregação midiática pontuada por

Bucci (2009).

Os interessados em performance são poucos (se

posto em escala com o público geral), e com

interesses específicos. Como ocorre com a

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Os agentes dos movimentos sociais, quando pertencentes a camadas

sociais que não têm acesso aos bens de consumo, a despeito de

integrarem o amplo espectro de telespectadores, não fazem parte da

audiência com poder de compra mínimo. Como o consumo serve de

baliza para o modo como a publicidade na TV dialoga com o

telespectador, esse público que não chega a ser consumidor potencial

termina por se ver estigmatizado, diante da tela, como uma

subplateia: os mais pobres não são vistos como compradores pelo

anunciante. Por desdobramento quase que automático, por mais que

os editores de televisão creiam no contrário, esses segmentos não são

convidados a serem interlocutores do discurso jornalístico da TV.

(BUCCI, 2009, pp. 128-129).

20

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

produção artística em geral, a cobertura na grande

imprensa costuma ser tímida ou inexistente. Esta

postura corrobora com uma certa lógica mercantil,

segundo a qual, a existência de um fenômeno não

se atesta senão por sua exposição midiática.

Observa-se um exemplo dessa lógica mercantil na

crescente atenção que a mídia tem dedicado a

Marina Abramovic. Marina foi uma das primeiras

artistas a ser reconhecida como performer. Ela

ajudou a difundir a arte da performance pelo

mundo, a tal ponto de afirmar que deseja fundar um

Instituto de Performance e este levará seu nome

porque “Creio que sou uma marca, como jeans ou

coca-cola, e pelo meu nome, Marina Abramovic, as

pessoas vão saber que ele é sobre performance em

geral, seja vídeo, música, teatro ou dança”.

Através de inúmeras exposições, livros de registros,

artigos e pesquisas publicados sobre seu trabalho,

Marina adquiriu o “direito” de ser reportada pela

grande mídia. Ainda que as apresentações da artista

carreguem uma aura de “excentricidade”, seu

trabalho tem atravessado gerações, adquirindo

respeitabilidade e constância suficientes para ser

noticiado.

O coroamento dessa consagração se dá em sua

presença no MOMA – Museum of Modern Art

(NY). Situado numa região turística, o MOMA

nada tem a ver com o circuito de “iniciados”,

formado somente por pessoas ligadas à arte. Do

mesmo modo, a proposta da artista para este espaço

pode ser entendida pelo jornalismo cultural – e que

esse entendimento não seja tomado como sentença

absoluta – com o didatismo e a redundância que lhe

são caros: Marina selecionou jovens artistas para

refazer alguns trabalhos de sua trajetória.

Retrospectiva. Reperformance. Turismo. São

palavras que garantem a primeira página dos

cadernos culturais pelo mundo, além de algumas

notas em outros cadernos supostamente

relacionados.

Nos trabalhos que estamos pesquisando, a

mencionada taxa de redundância necessária à

saturação da rede é insuficiente. A segregação,

então, passa a ser de outra natureza, mas ainda

existente. Por isso é importante que se criem os

próprios canais.

Leia a entrevista

completa no Anexo II

Ver anexo III

21

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

As edições do festival indicam haver uma

comunidade produtora e consumidora (por falta de

melhores palavras) de performance, ainda que

localizá-la seja tarefa um tanto quanto difícil. Este

talvez seja o paradoxo que, ao mesmo, tempo lhe

confere ostracismo e marginalidade e a libera para

agir de maneiras singulares.

Por habitar os entremeios – das linguagens

artísticas, da visibilidade midiática –, a

performance acaba estabelecendo, ela mesma,

novas redes dentro da rede mercado/arte/mídia,

congregando artistas e público das mais diversas

formações e objetivos. Porém, é preciso que haja

afinidades ainda que momentâneas entre eles.

Como os Festivais de Apartamento, existem

diversas organizações semelhantes no mundo: a

Bienal Deformes, no Chile, o Zona de Arte, na

Argentina, Openart no Reino Unido, Platoon na

Alemanha são apenas alguns exemplos proliferação

de um saber que se auto-sustenta por contaminação.

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22

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

2.

Estranho,

um cara

comum

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

Há hoje um consenso sobre inserção dos meios de

comunicação de massa nos aspectos mais

generalizados da vida, incluindo aqueles que se

relacionam aos nossos valores e subjetividade. Os

media detém a disposição de toda produção sígnica

inerente ao homem. Eles passaram a regular a

veiculação, criação e a legitimação da cultura. Não,

claro, sem se expor a uma espécie de caos e

imprevisibilidade daqueles conteúdos que não se

deixam captar facilmente.

Conforme pontuado por Lypovetsky (2010), a

cultura tornou-se moeda, e seu valor de troca é algo

com que os Estados passam a se ocupar cada vez

mais, dado que, também dela, depende sua

hegemonia. Sob este ponto de vista, a cultura

travestiu-se em “cultura-mundo”.

Porém, longe de ser irreversível ou impossível de

transpor, mesmo lançando mão de mecanismos que

alcançam e saturam nossa percepção, a cultura-

mundo tem sofrido interferências substanciais ao

longo dos anos. Alguns exemplos estão na

autonomia dos artistas, na criação de redes

informais, e em sua resistência a um modo de

organização que congrega mídia, arte e mercado.

Estas são posturas que funcionam como uma

espécie de ruído paralelo e desestabilizador.

Tratam-se, segundo Santos (2010), de

emancipações sociais (no plural, porque diferentes

umas das outras), que prevêem igualdade em

operações cuja diferença pretende nos inferiorizar;

e diferença, quando a igualdade tem por objetivo

nos descaracterizar. O poder revolucionário da arte

residiria em sua colaboração com este projeto.

Neste panorama, passamos a entender a arte, e em

especial a performance, como um fenômeno

sobretudo comunicacional. Nos interessa sua

habilidade em tecer conexões entre seus pares e, a

partir destas conexões, produzir diferenças e

igualdades em lugares e lógicas estabelecidos.

A partir deste deslocamento, nos debruçamos sobre

o tema e, mais especificamente, sobre o trabalho de

Flávio Rabelo. A escolha por este artista passa,

inegavelmente, por alguma afinidade estética ou de

discurso. Todavia, estamos considerando também

as estratégias que seu trabalho utiliza para assegurar

sua subsistência. A série “Estranho, um cara

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Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

comum”, tem indícios do tipo de comunicação cara

a esta pesquisa.

O performer utiliza-se de um modo de

comunicação não coercitiva e que se concretiza a

partir da disposição do outro em lhe dar espaço.

Este tipo de trabalho não se constitui senão entre

público e perfomer, que então se tornam pares.

24

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

2.1

Trajetória

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP de Almeida... · PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ludmila de Almeida Castanheira A performance como

Antonio Flávio Alves Rabelo inicia suas ações em

2004, junto aos Saudáveis Subversivos, coletivo

inspirado pelo livro “Diário de um corpo a corpo

pedagógico e outros elementos da Arte-Educação”

(1999) do arte-educador Marco Camarotti. Seu

livro postula que toda educação deveria ser “uma

saudável subversão”, e os Saudáveis Subversivos,

por acreditarem na arte como agente transformador,

pretendem provocar à reflexão através de suas

ações.

Membros deste grupo somaram-se a membros da

Cia. Sentidos/ NACE – Núcleo Transdisciplinar de

Pesquisa em Artes Cênicas e Espetaculares, da

UFAL – e da Cia. Do Chapéu, formando o que

viria a ser a Cooperativa de Performance, núcleo

onde Flávio Rabelo passou a estudar elementos a

serem desenvolvidos em sua pesquisa artística e

acadêmica.

O trabalho no núcleo previa co-criação assim como

a troca entre as pesquisas individuais. Nos seus

encontros promoviam-se discussões sobre textos

relacionados à performance e à Arte

Contemporânea. Os integrantes se revezavam na

condução de treinamento de ator segundo a

pesquisa de cada um, e as elaborações práticas que

emergiam deste processo tinham a colaboração de

todos (Rabelo, 2009, pp.63-64).

Paralelamente aos encontros com a Cooperativa de

performance, o performer é convidado para criar

uma performance coletiva a ser apresentada numa

exposição em homenagem ao escritor alagoano

Graciliano Ramos. Neste trabalho, onde cuidou do

roteiro e encenação, a leitura de “Vidas Secas” do

mesmo autor, acabou definindo alguns rumos do

processo criativo.

Na busca pela tradução da obra literária para a ação

cênica, o “estado de solidão” (Ibid., p.62) dos

personagens de Graciliano Ramos direcionou a

pesquisa da Cooperativa de Performance. Para

investigar este estado, Flávio destacou algumas

características do livro, como, por exemplo, a

síntese dos diálogos.

A ausência de condições tão básicas quanto a

nutrição cria, nas personagens, uma falta de

habilidade para o diálogo e para a nomeação do

mundo ao redor. Desta maneira, elas constroem

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A performance “Chão de

Graça, ou poço da pedra”,

foi elaborada para a

exposição “O Chão de

Graciliano”, realizada pelo

SESC - SP, Governo do

Estado de Alagoas através da

Secretaria Executiva de

Cultura, na Fundação Pierre

Chalita, no ano de 2003

(Rabelo, 2009, p.65).

A solidão como contingência fatal da

condição humana é uma abordagem

marcante e recorrente em toda a obra desse

autor que em sua narrativa concisa, onde

só há espaço para o vocábulo exato, para a

frase curta e essencial, traça a luta do ser

humano pela afirmação de sua própria

individualidade. Os seus personagens são

guerreiros solitários contra os obstáculos

da vida; lutando isolados, ávidos de si

mesmo, num contexto social onde o

egoísmo decorre dessa impossibilidade de

comunhão com o próximo (RABELO,

2006, p. 36).

25

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mundos próprios e autorreferenciados. Nestes

universos ensimesmados, os eventos mais

importantes, que serviriam para nortear sua análise

do outro, não passam pela troca. Isto contribui para

que a qualidade das relações travadas aí beirem à

escassez.

À procura dos equivalentes gracilianos no meio

urbano e contemporâneo, o coletivo passou a

observar os moradores de rua de Maceió, cuja

semelhança se estabelece pelo nomadismo, feridas,

fraqueza e silêncio (Ibid, pp.69-71), que também

redundam em estados solitários.

A aproximação com moradores das ruas leva o

artista a constatar a determinação do nosso olhar em

ignorar ou diluir os chamados mendigos como parte

da arquitetura ou quaisquer outros elementos

urbanos que tomamos o cuidado de evitar. Disso

decorre sua pesquisa feita de leituras e

especulações sobre a cegueira, sobre o estranho e o

comum, somado ao interesse em explorar “estados

de solidão”. Neste estágio da pesquisa, o performer

começa organizar tarefas a serem cumpridas

solitariamente e não dentro do coletivo, como vinha

sendo desde então. (Ibid, pp.71-73). Com estas

inquietações e este direcionamento, o performer

encontra ou se dá conta da presença de Coruripe,

morador de rua que, durante anos, “ocupou” a

marquise da Catedral Metropolitana Nossa Senhora

dos Prazeres, em Maceió.

Como a figura deste morador tivesse reunido ao

redor de si as diversas questões a serem deglutidas

pelo performer e incluídas em suas ações, podemos

compreendê-la como o detonador da série

“Estranho, um cara comum”.

Os desdobramentos da série “Estranho, um cara comum”,

bem como outras séries do artista, podem ser encontrados em

filmes, fotos e textos, nos seguintes links:

flickr: flickr.com/photos/flaviorabelo

picasa: picasaweb.google.com/flaurabelo e picasaweb.google.

com/estranhocorpoestranho

blogs: estranhocorpo.blogspot.com e flaviorabelo.wordpress.c

om

26

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2.2

Estranhas

ações

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Para esta ação, o performer instala-se frente a uma

igreja e inicia a primeira tarefa: trocar sua roupa

comum por peças que podem sugerir a

caracterização de um mendigo. Para isso, ele utiliza

peças que aderem à pele, semelhante às meias-

calças femininas. O performer usa estas peças

como blusa e como calça (sobre a qual veste outra,

de tecido). Em sua cabeça também é posta uma

destas peças, cujas mangas são dobradas como num

chapéu e, sobre ela é preso um saco plástico na cor

preta. Geralmente o performer usa luvas que

deixam à mostra as pontas dos dedos, e fita isolante

em algumas partes do corpo (dedos dos pés e

olhos).

Sentado, o performer traz consigo, entre outros

objetos, um velho relógio quebrado, um exemplar

de “Desobediência Civil”, um pedaço de carvão e

um espelho. A este espelho está relacionada outra

de suas tarefas, que é a de mostrá-lo a quem passa.

A ação causa estranheza não só porque o suposto

mendigo tem a mão estendida não para pedir, mas

para oferecer algo, mas porque, uma vez que

olhamos, vemos nossa imagem refletida nos

elementos que constroem a figura. Isso causa uma

curiosa inversão do nosso hábito de não ver,

desestabilizando momentaneamente alguns padrões

de comportamento a que estamos acostumados a

recorrer. Um breve, mas eficiente “levante”.

Durante a ação, (que nessa série é, em média, de

dez horas) o performer permanece sentado,

olhando em torno, oferecendo o espelho e

experimentando o ponto de vista de quem se torna

invisível ao habitar as calçadas e cantos da cidade.

Algumas vezes, o performer usa um pedaço de

carvão para desenhar no chão, lê trechos do livro ou

dorme.

São ações cotidianas que, estendidas no tempo e

deslocadas de contexto, transformam-se em ações

performativas “fetichizando a experiência

cotidiana, dando um recorte sublime ao

espaço/tempo diário” (Cohen, 2004, p. 04).

Para compreender a (in)diferenciação entre ações

performativas e ações cotidianas, vale retomar a

formulação de Schechner. Como mencionado no

capítulo anterior, este autor/ artista tem um

entendimento amplo do que seja performance. Para

conforme observado por Bey (2004) e retomado por Oliveira:

A sublevação temporária é o que se abre como possibilidade,

experiências de pico que se mostram, em rápidos momentos de

suspensão, como a vida pode ser vivida de forma diferente. O

levante é uma ação de independência cuja experiência gera uma

mudança substantiva no sujeito. O potencial da vida cotidiana está

em cena: a socialidade cotidiana é eminentemente cultural (Oliveira,

2007, p. 33).

Sem ano, sem página.

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ele, todos somos performers: performamos nossas

profissões, nosso jantar em família, nossa conversa

ao telefone. Assim, ser performer tem a ver com

exercer um comportamento restaurado: algo que

não é inédito, que estamos reproduzindo, mesmo

quando não sabemos de quem o estamos copiando

ou em qual situação o aprendemos. Segundo ele,

todo comportamento é restaurado. Entretanto, ainda

há espaço para a criação, através da combinação de

“pedaços de comportamento”. Nisso consistem as

vanguardas e performances artísticas: combinar

comportamentos de modo inusual ou ainda não

experimentado (comportamento restaurado

restaurado).

Assim, uma ação performativa seria culturalmente

aceita como tal. Ou seja: não existe ação

performativa “em si”, ela está sempre relacionada

ao contexto. Consequentemente, pode deixar de sê-

lo conforme os valores e anseios da época.

Neste sentido, há uma relação intrínseca entre o

corpo, tal como entendido pela teoria corpomídia, e

o meio. O corpo (sua performance) e o ambiente (o

contexto em que se insere), são co-dependendes, e

os signos (culturais) que emanam dessa operação

são transitórios: estabelecem-se, desfazem-se,

recombinam-se.

Na série “Estranho, um cara comum”, a

recombinação de comportamentos passa pelo

descompasso causado pela figura bem nutrida do

performer, ocupando o lugar geralmente dedicado

ao morador de rua. Neste contexto, sentar-se, ler,

dormir – ações que realizamos cotidianamente –,

numa situação de partilha, oferecido pela rua,

tornam-se ações performativas.

A presença do performer não é impositiva, no

sentido de que não convoca à interação: por sua

passividade, existe apenas para quem lhe dirige o

olhar, ou para aqueles que, involuntariamente,

compõe uma comunidade que encontra seu sustento

na rua. Assim, o performer sublinha e revisita a

figura do “estranho”.

Os “estranhos”, via de regra, são aqueles que não

nos dão tempo ou meios para categorizá-los, e,

portanto, a quem devemos evitar. Caso não seja

possível, devemos estabelecer com eles um

encontro breve, no qual nos comprometamos o

Alguns eventos são performance e outros, não exatamente isso. Há

limites para que algo seja performance. Porém, virtualmente tudo

pode ser estudado como se fosse performance. Alguma coisa é

performance quando o contexto histórico-social, as convenções e a

tradição dizem que tal coisa é performance. Rituais, brincadeiras,

jogos e papéis do dia-a-dia são performances porque convenções,

contexto, uso e tradição dizem que são. Não podemos determinar

que alguma coisa seja performance a menos que nos refiramos a

circunstâncias culturais específicas. Não há nada inerente a uma

ação em si mesma, que a caracterize ou a desqualifique como sendo

performance. Pelo ângulo de observação do tipo de teoria da

performance que proponho, qualquer coisa é performance. Mas sob

o ângulo da prática cultural, algumas coisas serão vividas como

performances e outras não; e isto irá variar de uma cultura ou de um

período histórico para outro... Ser ou não ser performance

independe do evento em si mesmo, mas do modo como este é

recebido e localizado num determinado universo (SHECHNER,

sem ano, sem página).

Se o que apresenta valor não é a obra “objetivamente”

apreciável, mas um procedimento com o público, tal valor

depende da experiência dos próprios participantes, portanto de

um dado altamente efêmero e subjetivo em comparação com a

obra fixada de modo duradouro. Torna-se impossível até

mesmo definir a performance – por exemplo, o limite a partir

do qual haveria meramente um comportamento exibicionista e

extravagante. O último recurso não pode ser outro senão a

compreensão do próprio artista: a performance é aquilo

anunciado por aqueles que a apresentam. O posicionamento

performativo não se pauta por critérios prévios, mas por seu

êxito na comunicação (LEHMANN, 2004, p.227).

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menos possível. São os bodes expiatórios de uma

época com aspiração ao controle e vigilância:

estrangeiros, potenciais perturbadores da ordem

(BAUMAN, 2001, p.48). Aqueles contra quem

esperamos a devida observância por parte do poder

público, para que não interfiram no nosso direito de

ir e vir, e se garanta a segurança de nossos corpos e

posses (op.cit: p.45).

É uma exigência social (genuína) que os estranhos

mantenham-se localizados e sob controle, para que

as “pessoas de bem” possam ir e ver sem o risco de

ter seus corpos e posses violados pelo tipo de ócio e

improdutibilidade que representam. O estranho é

um retrato do tempo perdido, não otimizado ou

convertido para o lucro. E, assim sendo, carrega a

possibilidade usurpar aquilo de que as “pessoas de

bem” conquistaram, através do emprego funcional

de seu tempo e corpo.

A característica ociosa que costuma ser considerada

preguiça ou depressão pelas “pessoas de bem”

encontra-se também na arte, e no tempo

diferenciado de que necessita para produzir um

objeto ou uma ação, obviamente não é pejorativa

mas criativa e fundamentada. A performance e as

artes presencias, no geral, lidam ainda com níveis

de permanência apenas da ordem do registro foto e

filmográfico – que, em si, são outros trabalhos,

diferentes daqueles que aconteceram imersos nas

circunstâncias do momento.

As maneiras de empregar o tempo na arte são mais

familiares ao comportamento dos estranhos da rua.

E se não se pode localizar e controlar os artistas por

sua propriedade de perturbação da ordem das coisas

pode-se, ao menos, buscar ignorar determinadas

ações ditas marginais, da mesma maneira como se

ignoram aqueles que habitam as calçadas.

No encontro de estranhos não há uma retomada a partir do

ponto em que o último encontro acabou, nem troca de

informações sobre as tentativas, atribulações ou alegrias desse

intervalo, nem lembranças compartilhadas: nada em que se

apoiar ou que sirva de guia para o presente encontro. O

encontro de estranhos é um evento sem passado (BAUMAN,

2001, p.48).

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2.3 A

performanc

e como

ação

midiática

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Este trabalho foi realizado nas cidades de Maceió

(AL), Salvador (BA), Penedo (AL) e Londres

(UK), entre os anos de 2005 e 2008. Em algumas

vezes houve encontros e diálogos com moradores

de rua ou com transeuntes registrados em um

caderno e num gravador de voz que o performer

mantinha nestas ocasiões. Todas estas ações

contaram com a presença de uma equipe

responsável por fazer fotos e vídeos.

Estas formas de registro, que são feitas por outras

pessoas, detonam uma reação diferente nos

passantes: o “Estranho” seria tão invisível quanto a

arquitetura ou os pombos. Porém, quando os

passantes percebem que a câmera está filmando ou

fotografando, sua figura desperta interesse e ganha

importância. A presença da câmera torna a situação

digna de uma atenção diferenciada.

É como se tal presença eliminasse a alteridade

própria ao “Estranho”, a quem se deve evitar e

legitimasse algum traço comum entre o público e

aquele que está sendo filmado; algum elemento que

certamente o interessa para o qual não seria perda

de tempo direcionar o olhar. Esta postura denuncia

o estabelecimento de uma imagem de urgência e de

assertividade construída pelos noticiários: para

onde se dirige uma câmera, certamente há algo a ser

destacado.

A performance utiliza-se de mecanismos

semelhantes aos da mídia comum, mas estabelece

outros tipos de comunicação. As ações

performativas acabam por denunciar seu contexto

cultural, social, econômico, ao mesmo tempo em

que admitem a mutabilidade inata deste contexto

agindo politicamente ao revisitá-lo e alterá-lo (e a

si) a cada vez um pouco, a cada vez estabelecendo

novos links para sua leitura e atualizando

informações no corpo do performer.

Neste trânsito, as conexões possíveis entre o

performer e o meio extrapolam o território próprio

da arte em direção a um esmaecimento também dos

limites arte/vida, ou de arte e comunicação,

estabelecendo um léxico próprio.

Ao se instalarem no cotidiano como fenômeno

social e comunicativo, as novas ações

performativas entram em negociação com as

habilidades e competências, criando conexões que

Ver an

exo

IV

O incremento vertiginoso dos mecanismos de comunicação não é mais

novidade. Cada vez mais sofisticados e numerosos, têm-se submetido

à competição internacional e passaram a funcionar com uma

necessidade social: estão encarregados de assegurar, ao mesmo tempo,

o nível tecnológico no qual se reconhece uma sociedade desenvolvida

e a unicidade dos grupos sociais em vias de desagregação. A

tecnologia se encarrega então de dois princípios essenciais: o do

progresso e o da identidade (Cauquelin, 2005, pp. 57-58).

É por intermédio da linguagem que se estruturam não somente os

grupos humanos, mas ainda a apreensão das realidades exteriores,

a visão do mundo, sua percepção e sua ordenação. Assim, apaga-

se pouco a pouco a presença positivada de uma realidade dada

pelos sentidos, os sense data, em favor de uma construção de

realidade de segundo grau, até mesmo de realidades no plural, da

qual a verdade ou a falsidade não são mais marcas distintivas. É o

mesmo que dizer que a rede de informações cujos princípios

esboçamos determina, constrói um mundo e a maneira como

podemos abordá-lo, tecido diretamente com a linguagem de

redes... Significa que as intenções dos sujeitos, a intencionalidade

– no sentido de vontades ou desejos próprios a um sujeito – cede

a vez à intenção única de utilizar a linguagem para comunicar,

pois a sintaxe, o léxico – em uma palavra, as regras da linguagem

– se encarregam do restante... O que significa, entre outras coisas,

que o desenvolvimento de linguagens artificiais e o uso cada vez

mais generalizado delas alteram nossa visão da realidade.

Constroem, pouco a pouco, um outro mundo (Ibid, pp.63-64)

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não são mediadas pela grande mídia e, portanto,

não se validam ou se pautam por ela, mas

fortalecem o que Greiner (2009) tem chamado de

microcomunicações.

Estas micro-comunicações são as comunicações

que não se veiculam na grande mídia, mas nascem

do corpo e se organizam a partir de pequenas

reconfigurações sociais.

Performances como “Estranho, um cara comum”,

que se colocam entre transeuntes, têm um poder de

inserção subliminar e atuam como uma mídia cuja

ação parece invisível. Porém, assim como outras

mídias, podem causar pequenas alterações na nossa

visão da realidade. Estas alterações, antes de serem

positivas ou negativas, são importantes agentes na

formulação de um contexto pluralista onde estão

previstas diferenças e igualdades, de acordo com a

fruição da autonomia nas artes.

Do ponto de vista de Santos (2010), sobre o poder

revolucionário das artes, podemos dizer que a série

“Estranho, um cara comum”, conserva este viés ao

retomar o potencial artístico da rua.

Desde os Mistérios e Autos religiosos, passando

pela denúncia bufonesca, o artista e a rua sempre

estiveram em consonância. Porém, retomá-la,

contemporaneamente, quando a dividimos com

uma série de outros estímulos (visuais, sonoros,

táteis) cuja maior parte buscamos ignorar, é uma

maneira de prover diferenças iguais, ou de

igualdades diferentes.

Esta ação performática é paradoxal. Para um olhar

desatento, a figura do “estranho” pode ser posta em

igualdade entre aqueles que vivem ou obtém seu

sustento na rua. Porém, trata-se de uma ação

elaborada com função artística, e não de

subsistência, e, numa análise um pouco mais

elaborada, a figura se destacada do contexto e se

diferencia.

O resultado desse jogo de oposições converte-se

numa estratégia de emancipação social, promovido

por uma breve, mas relevante, desestabilização em

nossos parâmetros para a regulação de nosso

entorno. A cultura-mundo e sua tentativa de

homegeneização perde força nesses acordos, ao

esbarrar nas pequenas subjetividades expostas, que

singularizam lugares e pessoas.

considero que é a presença do corpo que dá visibilidade ao

pensamento e por isso torna-se cada vez mais valorizada nas

experiências de arte contemporânea cujo objetivo tem sido,

prioritariamente, expor pensamentos e não produtos ou resultados

estéticos a serem rapidamente consumidos ... Além disso,

proponho identificar a presença do corpo a partir do que chamarei

daqui em diante de “micromovimentos de interface”, ou seja, os

movimentos que se organizam na passagem entre o dentro e o

fora do corpo. Isso porque é justamente nesta passagem que

podem ganhar visibilidade, no momento intersticial quando

começam a se dar a ver mas, muitas vezes, ainda não são

reconhecíveis com clareza (GREINER, 2010, pp. 93-94).

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Conclusão

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A reconhecida definição da performance como a

arte de hibridar as outras artes parece ter caído por

terra. O que se convencionou chamar de

performance tem atravessado transversalmente as

áreas de conhecimento da comunicação e das artes,

evidenciando assim limites cada vez mais tênues

entre elas.

As ações performativas sofrem recortes, sínteses e

edições de todo o tipo, sendo traduzidas em meios

comunicacionais. Ações transformam-se em

postais, quadros, áudios, são analisadas em forma

de texto em jornais e revistas impressos ou

eletrônicos, blogs, sites. É infindável a quantidade e

a variedade de arquivos de vídeo e foto que se

encontram na internet.

Esta hibridação entre artes e comunicação cria

ainda uma terceira via de apreciação e difusão:

estes arquivos, quando descolados do contexto de

apresentação, carregam um pouco do

acontecimento que lhes gerou. Entretanto, não

poderiam deixar de considerar a atualização

promovida pelo novo contexto que os abriga. Tal

contexto acaba se reorganizando a partir do

momento em que uma versão da obra, agora virtual,

pode ser acessada por aparelhos fixos ou móveis,

não mais se restringindo a um local

(prédio/galeria/teatro) específico e com a função de

receber apresentações.

O espírito do nosso tempo está embebido de teor

comunicacional. É comum que se registrem e se

difundam imagens do banal ao sublime,

indiscriminadamente. Não seria diferente com a

performance, que parece ter encontrado na eterna

renovação da rede uma forma de sobrevivência.

Mas não há só benefícios nesta eterna renovação.

As informações duram pouco, e deixam atrás de si

uma quantidade significativa de resíduos. Porém, o

que se processa na rede, mesmo nas transmissões

em tempo real, são também resíduos performáticos-

comunicacionais. A força de comunicação da

performance está no encontro e o encontro, nas

artes, precede, por exemplo, a criação e inserção

das identidades nas redes sociais, que configuram a

chamada sociedade de mídia.

As manifestações que analisamos não fogem a isso.

O blog do Festival de Apartamento tem dupla

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função: a de relato e a de chamariz. São funções

para algo posterior, e para algo anterior à sua

realização; mas as noites destes festivais se

efetivam na partilha entre aqueles que estão

presentes no momento de sua realização.

Assim também, a série “Estranho, um cara

comum”, tem sua maior conexão no encontro com

os que passam, os que moram ou os que se

sustentam da rua. Mesmo que tenha rendido

imagens e análises a seu respeito. Em ambos os

casos, o caráter comunicativo do corpo é que parece

ter maior eficácia.

Este tipo de comunicação é subversiva por

natureza. Vale lembrar que o corpo difere dos

meios de comunicação de massa por não ser uma

mídia que permanece intacta independente das

informações processadas aí. O corpo se afeta e afeta

seu entorno, continuamente. Só podemos supor que

as informações com que negociamos tendam a

ganhar complexidade de sentidos.

Uma vez que o corpo seja unidade integrada, e que

nem sempre tenhamos consciência das informações

que está processando, as possibilidades de

interpretação da mesma informação são múltiplas.

Muitos e mutáveis são os fatores que entram em

questão para determinar a escolha de uma faceta

dos acontecimentos.

Modelos que se pretendem unânimes não são

afeitos ao corpo. A eleição de fórmulas que atestam

ou descreditam notícias, cuja prática está em

estreita relação com a ética e responsabilidade do

jornalismo cultural, esmorecem em contato com a

mediação corpo-ambiente.

Por isso a opção pelo viés corporal para tratar de

questões políticas no campo da arte me atraiu. Há

outras maneiras de fruição da arte e do pensamento

crítico e elas são organizadas pelo corpo no trânsito

com o ambiente.

É possível usar os media como maneira de

encontrar pares e fortalecer circuitos restritos que

não teriam espaço de divulgação e cobertura. Não

me interessa incorrer numa perspectiva tradicional

e equivocada, na qual toda forma de arte cooptada

pelos meios de comunicação de massa fenece. Isso

porque, o espaço para as artes na mídia, de fato, não

se refere somente aquelas formas que admitem se

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rotular como entretenimento, como é o caso da

performer Marina Abramovic que nunca produziu

entretenimento para o grande público mas está na

mídia. É preciso, portanto, reconhecer que o critério

de visibilidade é outro, ou seja, refere-se a

estratégias de visibilidade. A hipótese desta

dissertação é de que tudo pode se transformar em

objeto da comunicação. No caso específico de

Abramovic, a despeito da pesquisa desenvolvida

pela artista, os seus produtos artísticos tornaram-se

produtos midiáticos, por exemplo, ao serem citados

em vídeo de entrevista com a pop star Lady Gaga.

35

http://www.youtube.com/watch?v=EVY4Whayw0s

Acessado em 10 de Março de 2011;

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Bibliografia

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Entrevista com Boaventura de Souza Santos: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/07/23/boaventura-de-sousa-santos-fala-sobre-rap-global-310530.asp.

Acessado em 12/01/2011

Bienal Deformes: http://bienaldeformes.blogspot.com/, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Festival de Apartamento: http://festivaldeapartamento.blogspot.com, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Openart: http://www.open-art.org.uk/, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Platoon: http://blog.platoon.org/home/0/viewentry/427/PLATOON.BERLIN.html, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Site Oficial de Stelarc: http://www.stelarc.va.com.au/, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Site oficial de Orlan: http://www.orlan.net/, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Zona de Arte: http://www.gazonadearte.com.ar/, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Infodança: http://www.infodanca.com, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Artesquema: http://www.artesquema.com, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

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Coro: http://www.corocoletivo.org, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Festival de Apartamento: http://festivaldeapartamento.blogspot.com, acessado em 04 de fevereiro de 2011.

Saudáveis Subversivos: www.saudaveissubvesivos.org, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Nace: http://www.nucleo.ufal.br/nace, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Companhia do Chapéu: http://ciadochapeu.blogspot.com, acessado em 11 de fevereiro de 2010.

Imagens e documentos sobre o performer Flávio Rabelo:

flickr.com/photos/flaviorabelo, acessado em 04 de fevereiro de 2011.

picasaweb.google.com/flaurabelo, acessado em 04 de fevereiro de 2011.

picasaweb.google.com/estranhocorpoestranho, acessado em 04 de fevereiro de 2011.

estranhocorpo.blogspot.com, acessado em 04 de fevereiro de 2011

flaviorabelo.wordpress.com, acessado em 04 de fevereiro de 2011.

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Anexo I

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Entrevista com Marcos Gallon, curador da Galeria

Vermelho, gentilmente cedida por e-mail em

02/2010.

Ludmila Castanheira: Qual era o contexto em que

vocês julgaram importante fazer um espaço

dedicado à performance? Isso se deu por causa da

demanda dos artistas no Brasil, ou por observar o

crescimento de trabalhos de performance em outros

países?

Marcos Gallon: A Verbo surgiu, em 2005, como

uma plataforma para acomodar os trabalhos na área

de performance dos artistas representados pela

Vermelho, ou seja, a partir de uma necessidade

interna. Desde 2002, quando a galeria foi criada,

trabalhamos com artistas jovens cujos trabalhos se

desdobram em vários formatos e mídias. A

performance é um deles. É o caso de Maurício

Ianês, Lia Chaia, André Komatsu, Cris Bierrenbach

e Marco Paulo Rolla, entre outros. Razões como as

que você menciona acima contribuíram para a

criação do evento já que só faria sentido criá-lo

como um campo de encontro e de diálogo entre

artistas da mesma área ou com outros backgrounds,

estabelecendo uma rede de contatos.

Ludmila Castanheira:Vocês observam alguma

mudança nos trabalhos recebidos durante os

primeiros anos de existência da Galeria para hoje?

Quais seriam as mais substanciais?

Marcos Gallon: As duas primeiras edições do

evento contaram com ações de artistas convidados.

Apenas em 2007 abrimos um tipo de edital para

receber propostas do Brasil e de outros países. A

partir daí começamos receber um grande número de

projetos. Não creio que tenha ocorrido uma

transformação representativa no conteúdo dos

trabalhos. Acho que a maior diferença diz respeito

ao público. Nas primeiras edições, tenho a

impressão que o público não sabia muito bem como

se relacionar com os conteúdos.

Ludmila Castanheira: Em São Paulo, além da

Galeria Vermelho, há o curso de Artes do Corpo na

PUC-SP com especialização em Arte da

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Performance como órgãos oficiais com foco nesta

linguagem artística. Este panorama de discussão

influencia de alguma maneira os trabalhos

recebidos?

Marcos Gallon: Sim. Como mencionado acima,

todas as instâncias influenciam na criação de uma

plataforma de discussão acerca da Arte da

Performance.

Ludmila Castanheira: De que nacionalidade é a

maior parte dos trabalhos inscritos?

Marcos Gallon: Brasileiros.

Ludmila Castanheira: Há algum teor político nos

trabalhos, ou sua proposição hoje está mais no

âmbito estético?

Marcos Gallon: A maior parte dos projetos tem

conteúdo político. Essa é uma característica que

está associada à história da performance. A meu

ver, a performance é um dos âmbitos onde a crítica

ao entorno ainda é possível. Isso ocorre por várias

razões, mas acho que a principal é o fato da

performance ainda não ter sido totalmente

absorvida pelo mercado.

Ludmila Castanheira: Pode-se falar num risco de

enquadramento dos trabalhos em modelos que

foram estabilizados ao longo da história?

Marcos Gallon: Enquadrar é sempre arriscado. Se

você se refere ao processo de criação, sim, ao lado

do artista, acho natural que jovens criadores se

espelhem em experiências anteriores. Nesse sentido

é possível perceber, a partir dos projetos que

recebemos, certas tendências, ou melhor, esferas de

discussão, como performances que partem de idéias

ancestrais, mitológicas para abordar o estatuto do

corpo na atualidade. Por outro lado, se você se

refere aos trabalhos apresentados, portanto, ao

processo que seleciona as ações posso te dizer que

essa não é uma questão que permeia nossas

escolhas. Trabalhamos com o material que chega

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até nós. Nosso papel é apresentar um recorte das

criações na área, disponibilizar espaço para que elas

aconteçam. Não cabe a nós criar conceitos. Esse é o

papel da crítica.

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Anexo II

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Folha de São Paulo

17/11/2010 - 07h30

Leia a entrevista de Marina Abramovic na íntegra PUBLICIDADE

FABIO CYPRIANO

DE SÃO PAULO

Marina Abramovic possui uma energia contagiante. Após sua consagração na mostra "A artista está presente", no MoMA, ela segue cheia de projetos,

como a nova mostra "Back to Simplicity", que será aberta amanhã (18), na galeria Luciana Brito, a peça "The Life and Death of Marina Abramovic", com

estreia prevista em junho do próximo ano, e o Instituto de Arte da Performance, que será aberto em 2012, perto de Nova York.

Ela ainda quer trazer a retrospectiva do MoMA para o Brasil, assim como a nova peça. Leia sobre tudo isso a seguir:

Letícia Moreira/Folhapress

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A performer Marina Abramovic, que abre a mostra "Back to Simplicity", posa para foto no Hotel Fasano, em SP

FOLHA - O que significa "Back to Simplicity", que é o título de sua mostra?

MARINA ABRAMOVIC - Porque isso foi simplesmente necessário! A exposição no MoMA foi uma retrospectiva de tudo que já fiz e, ao mesmo tempo,

uma nova performance. No começo havia duas cadeiras e uma mesa e, no final, decidi tirar a mesa e ficaram só as cadeiras. A performance durou três

meses e, após tanto tempo, ela criou vida própria. E eu comecei a pensar em tantas coisas da minha vida, e, você sabe, a gente faz tanta merda em

nossa vida, estamos cercados por tantos conceitos, tantos projetos e coisas desnecessárias, coisas que a gente coleciona, coisas que a gente quer, que

eu realmente senti uma imensa necessidade de voltar à natureza, isso é, retornar a uma certa ritualização do cotidiano, como aproveitar o ato de beber

um copo de água, segurar uma ovelha. Sabe, eu sempre me senti como uma ovelha negra, que não pertencia a nenhum lugar. E quando segurei a

ovelha negra foi ótimo, mas aí precisava de uma ovelha branca e acabei segurando também um bode. Aí eu quis dormir embaixo de uma árvore, ou

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então descascar cebolas ou batatas. Esse tipo de coisa que nós esquecemos, porque estamos tão envolvidos com consumo, uma sociedade que nos faz

cada vez mais querer mais e mais, que agora eu quero menos.

Na abertura do catálogo de sua mostra em SP há um "Manifesto sobre a vida do artista" [Leia íntegra no final desta entrevista]. Ele é

recente?

Ele é muito importante. Eu já o escrevi há uns três anos. Manifestos são muito importantes para mim. Muitos artistas já produziram manifestos: os

futuristas, os dadaístas, os artistas do Fluxus. Mas, de certa forma, manifestos ficaram fora de moda. Eu realmente acho que manifestos de arte são

importante, porque de certa forma eles apontam para as novas gerações condições e perspectivas de questões morais que a arte deve respeitar como

não se tornar um ídolo, ou não superproduzir seu trabalho, ou não se comprometer, coisas que acredito.

Uma das facetas em sua carreira é que você não só produz obras, como se preocupa muito em refletir sobre a arte em geral.

Eu acredito que eu sempre estou pensando na função da arte, eu acredito que a arte é um serviço para a sociedade, com uma função muito mais ampla

que apenas produzir trabalhos de arte. Eu vejo isso como uma responsabilidade e, nesse século, mais que nunca. E uma dessas responsabilidades é

com as novas gerações de artistas. Quando se alcança um certo grau de conhecimento e experiência é importante transmitir esse conhecimento e essa

experiência. Ser egoísta não é uma forma de atuar, é preciso,

incondicionalmente, pensar nas novas gerações.

Essa é uma das razões porque agora penso em meu legado e quero criar esse Instituto de Arte da Performance. Mas ele não será uma fundação, porque

senão seria para glorificar meu próprio trabalho e esse instituto não é sobre meu trabalho, mas sobre artistas produzindo seus trabalhos. Ele só terá

meu nome porque eu creio que sou uma marca, como jeans ou coca-cola, e pelo meu nome, Marina Abramovic, as pessoas vão saber qual ele é sobre a

performance, em geral, seja vídeo, música, teatro ou dança...

É verdade que lá você só vai apresentar trabalhos com mais de seis horas de duração?

Sim! Existem muitos centros de performance no mundo e a especificidade do meu serão trabalhos de longa duração, porque eu realmente acredito que

apenas esse trabalhos têm a capacidade de mudar o artista ou quem o observa. Se você faz uma ação de uma hora, você ainda está atuando, mas

depois de seis horas, tudo desmorona, torna-se verdade essencial. E para mim, esse tipo de verdade é muito importante. Posso dar um exemplo muito

simples: pegue uma porta e abra ela constantemente, sem entrar ou sair. Se você faz isso por três, cinco minutos, isso não é nada. Mas se você faz isso

por três horas, essa porta não é mais uma porta, ela é um espaço, o Cosmos, se transforma em outra coisa, é transcendente. Em todas as culturas

arcaicas, rituais e cerimônias eram repetidas sempre da mesma forma e existe um tipo de energia que fica alocada nessa repetição que afeta também o

público. Isso só se consegue em performances de longa duração.

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Esse seu raciocínio me faz lembras que muitos dos artefatos usados por essas antigas civilizações eram apenas utensílios ritualísticos,

religiosos, mas agora são denominados artísticos...

Acho que isso é um grande equívoco, porque acredito que o grande princípio da arte é que ela é uma ferramenta. Se arte é algo que só trata de um

objeto, ela perde sua função. A arte tem que ser uma ferramenta para conectar ou questionar ou criar consciência no público, como qualquer outra

coisa. Há uma ótima entrevista de André Malraux, quando ele era ministro da Cultura, na França, com Picasso, acho que nos anos 1950. Ele perguntou

a Picasso porque ele tinha tantas máscaras africanas e ele respondeu que as máscaras eram muito importantes porque elas eram a chave, a ferramenta

para os humanos se comunicarem com as forças divinas, com os espíritos, o desconhecido; e ele queria aprender a fazer o mesmo com suas pinturas.

Eu acredito que a performance também é uma ferramenta, e por isso os objetos, eles mesmos, não tenham valor. Quem tem valor é o processo e

quando você passa por uma experiência, existe a transformação. Então a arte está completa. Mas para mim, arte fora de contexto e sem propósito, arte

pela arte não alcança ninguém.

Em sua exposição em São Paulo há registros de trabalhos feitos nos anos 1970, reconstruídos agora. Como você os classifica?

Eu não os reconstruí, na verdade eu simplesmente nunca havia revelado esses negativos e eu tenho um imenso arquivo. Nos anos 1970, quando

fizemos nossas performances, nós a registramos como documentação, memórias. Mas nunca os vendi. Eu realmente acredito que a memória do público

precisa ser ativada, porque pouca gente viu aqueles trabalhos e agora eu os estou mostrando.

Na biografia que foi publicada recentemente, consta que você comprou todo esse arquivo do Ulay, é verdade?

Sim, é verdade. Quando nos separamos, ele ficou com tudo e isso foi um inferno! Então foram necessários seis anos para eu conseguir tudo de volta e

ainda não foi um bom acordo, porque de tudo que eu vendo, ele fica com 20%, e como as galerias ficam com 50%, eu só fico com 10% a mais. Só que

eu é quem trabalho um monte, em revelar, moldurar, organizar mostras...

No próximo ano você prepara uma peça com Robert Wilson, "The Life and Death of Marina Abramovic", certo?

Ela é a continuação de uma única peça que tenho feito e que é sobre minha vida, "Biografia". Comecei em 1989, com Charles Atlas, e a cada cinco ou

seis anos, eu a refaço com um novo diretor, e eu cedo todo meu material, sem nenhuma condição. Eles têm a liberdade de fazerem o que quiser com

minha história, alterar a cronologia, o que quiser. Eu não posso vetar nada. E uma coisa que estou exercitando muito em minha vida é abrir mão do

controle.

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Isso faz parte, inclusive, de minha idéia de reperformance, que é dar a possibilidade a jovens artistas de refazerem minhas performances, como eu refiz

sete performances em "7 Easy Pieces", no Guggenheim, em 2005. Essa é a única forma da performance ter vida longa, senão elas são apenas matéria

morta nos livros. E abrir mão de controle não é algo fácil para um artista, porque sempre dizemos meu trabalho, minha obra.

Com a direção do Robert Wilson, o Willem Defoe será o narrador e o Antony, do Antony & The Johnsons, está fazendo a música.

Você quer mostrar essa peça no Brasil?

Sim. Se alguém me convidar, eu venho correndo! Meu maior sonho se divide em dois: trazer a retrospectiva do MoMA para cá e também essa peça. Eu

tenho a sensação que a jovem geração de artistas aqui realmente admira meu trabalho e eu adoro o Brasil, já vim muitas vezes, me sinto muito

emocionada e até já fiz muitos trabalhos aqui.

Como você avalia sua retrospectiva no MoMA? Houve algumas críticas por conta das reperformances. Você viu os vídeos delas com seus

estudantes, o que achou?

Sabe, eles não eram meus alunos. Meus estudantes europeus não puderam ir porque não conseguiram visto de trabalho para os EUA, lá eles são muito

rigorosos com isso. Tive que fazer um novo casting lá!

Mas eu sou totalmente contra às críticas à reperformance, porque é muito fácil criticar. As pessoas precisam ter uma nova visão sobre isso porque afinal

é algo novo mesmo e diferente do que eu fiz nos anos 1970. As pessoas são diferentes, as circunstâncias são diferentes. Muito gente tem nostalgia ou

apreço pelo vintage. Eu estou de saco-cheio do vintage! Eu quero fazer performance honestamente e ter sempre uma nova vida! E por isso estou

abrindo mão do controle.

Manifesto sobre a vida do artista

Marina Abramovic

1 a conduta de vida do artista:

- o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros

- o artista não deve roubar idéias de outros artistas

- os artistas não devem comprometer seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte

- o artista não deve matar outros seres humanos

- os artistas não devem se transformar em ídolos

- os artistas não devem se transformar em ídolos

- os artistas não devem se transformar em ídolos

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2 a relação entre o artista e sua vida amorosa:

- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista

- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista

- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista

3 a relação entre o artista e o erotismo:

- o artista deve ter uma visão erótica do mundo

- o artista deve ter erotismo

- o artista deve ter erotismo

- o artista deve ter erotismo

4 a relação entre o artista e o sofrimento:

- o artista deve sofrer

- o sofrimento cria as melhores obras

- o sofrimento traz transformação

- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito

- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito

- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito

5 a relação entre o artista e a depressão:

- o artista nunca deve estar deprimido

- a depressão é uma doença e deve ser curada

- a depressão não é produtiva para os artistas

- a depressão não é produtiva para os artistas

- a depressão não é produtiva para os artistas

6 a relação entre o artista e o suicídio:

- o suicídio é um crime contra a vida

- o artista não deve cometer suicídio

- o artista não deve cometer suicídio

- o artista não deve cometer suicídio

7 a relação entre o artista e a inspiração:

- os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago

- Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão

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- o artista é um universo

- o artista é um universo

- o artista é um universo

8 a relação entre o artista e o autocontrole:

- o artista não deve ter autocontrole em sua vida

- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra

- o artista não deve ter autocontrole em sua vida

- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra

9 a relação entre o artista e a transparência:

- o artista deve doar e receber ao mesmo tempo

- transparência significa receptividade

- transparência significa doar

- transparência significa receber

- transparência significa receptividade

- transparência significa doar

- transparência significa receber

- transparência significa receptividade

- transparência significa doar

- transparência significa receber

10 a relação entre o artista e os símbolos:

- o artista cria seus próprios símbolos

- os símbolos são a língua do artista

- e a língua tem que ser traduzida

- Às vezes, é difícil encontrar a chave

- Às vezes, é difícil encontrar a chave

- Às vezes, é difícil encontrar a chave

11 a relação entre o artista e o silêncio:

- o artista deve compreender o silêncio

- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra

- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento

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- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento

- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento

12 a relação entre o artista e a solidão:

- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão

- a solidão é extremamente importante

- Longe de casa

- Longe do ateliê

- Longe da família

- Longe dos amigos

- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de cachoeiras

- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de vulcões em erupção

- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as corredeiras dos rios

- o artista deve passar longos períodos de tempo contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se encontram

- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as estrelas

no céu da noite

13 a conduta do artista com relação ao trabalho:

- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias

- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o de funcionário de um banco

- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma visão que irrompe como uma

surpresa

- o artista não deve se repetir

- o artista não deve produzir em demasia

- o artista deve evitar poluir sua própria arte

- o artista deve evitar poluir sua própria arte

- o artista deve evitar poluir sua própria arte

14 as posses do artista:

- os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir nove objetos:

1 roupão para o verão

1 roupão para o inverno

1 par de sapatos

1 pequena tigela para pedir alimentos

1 tela de proteção contra insetos

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1 livro de orações

1 guarda-chuva

1 colchonete para dormir

1 par de óculos se necessário

- o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos pessoais que deve ter

- o artista deve, cada vez mais, ter menos

- o artista deve, cada vez mais, ter menos

- o artista deve, cada vez mais, ter menos

15 a lista de amigos do artista:

- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito

- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito

- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito

16 os inimigos do artista:

- os inimigos são muito importantes

- o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos; porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos

- o artista deve aprender a perdoar

- o artista deve aprender a perdoar

- o artista deve aprender a perdoar

17 a morte e seus diferentes contextos:

- o artista deve ter consciência de sua mortalidade

- Para o artista, como viver é tão importante quanto como morrer

- o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais dos diferentes contextos da morte

- o artista deve morrer conscientemente e sem medo

- o artista deve morrer conscientemente e sem medo

- o artista deve morrer conscientemente e sem medo

18 o funeral e seus diferentes contextos:

- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para que tudo seja feito segundo sua vontade

- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida

- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida

- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida

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Anexo III

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Folha de São Paulo

14/04/2010 - 17h55

Conheça programas para aproveitar Nova York na primavera MARTHA LOPES

da Reportagem Local

Em qualquer época do ano, Nova York oferece uma infinidade de passeios culturais e programas gastronômicos que entretém qualquer turista. A

estação da primavera, no entanto, pode ser uma opção bastante agradável para visitar a cidade norte-americana, que se apresenta tomada por árvores

floridas e menos fria. Para quem pretende dar uma voltinha por ali nos próximos meses, a jornalista Maria Luiza Porto, que visita Nova York em abril, dá

algumas dicas. Confira:

Divulgação

"O Menino com Pregos nos Olhos" (foto) está na

mostra que vai até 26 de abril no MoMA

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Exposição

Até 26 de abril, o MoMA exibe a mostra sobre o cineasta Tim Burton. Segundo Maria Luiza, a procura pelos ingressos é tão grande que a fila começa a

se formar antes de a bilheteria abrir e chega a dar a volta no quarteirão. Para organizar a entrada, foram estabelecidos horários de visitação, assim a

jornalista adquiriu seu ticket às 11h e só pode conhecer a exposição às 15h. O passeio, no entanto, é "obrigatório", afirma. "O mais interessante são os

itens de arquivo, os desenhos e redações do colégio que já mostravam o humor negro afiadíssimo de Tim Burton. É uma verdadeira jornada através da

mente criativa do artista", conta.

Quem passar pelo local também pode desfrutar, até 31 de maio, da mostra "Marina Abramovic: The Artist Is Present" (Marina Abramovic: a artista está

presente). O acervo reúne registros de intervenções, vídeos, performances e fotografias da artista plástica. Com sorte, é possível se deparar com ações

da própria Marina por ali. Na tarde em que Maria Luiza esteve no MoMA, Abramovic ficava no pátio principal encarando os visitantes que se dispusessem

a sentar de frente a ela.

The Museum of Modern Art - 11 West 53 Street, Nova York, NY. (212) 708-9400. Seg., qua., qui., sáb. e dom.: 10h30 às 17h30. Sex.: 10h30 às 20h. Fechado às terças-feiras. Ingr.: até US$

20. www.moma.org

Gastronomia

O bairro do SoHo guarda alguns dos restaurantes mais charmosos de Nova York. A dica de Maria Luiza Porto é o italiano I Tre Merli, "que impressiona

por seu pé direito altíssimo, belas paredes com tijolos aparentes e iluminação indireta por conta de luminárias penduradas", conta. As mesas espaçadas

e os sofás de couro vermelho contribuem ainda para o estilo descolado e moderno do local.

Entre as bebidas, a carta de vinhos dispõe de opções de taça a uma média de US$ 9. Para a entrada, Maria Luiza recomenda a terrine de foie gras, a

US$ 10. Já para o prato principal, o visitante pode provar criações como o ravióli de cogumelos selvagens com molho de trufas, por US$ 14, ou o penne

à la vodca, pelo mesmo valor.

O restaurante tem outras unidades na Itália e na própria cidade de Nova York.

I Tre Merli - 463 West Broadway. (212) 254-8699. www.itremerli.com

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Noite

Para quem não dispensa uma balada, a sugestão é a Happy Ending, em Chinatown. O letreiro da entrada, que diz "Xie He Health Club", mascara o

espaço, mas o interior revela um clube que ocupa uma antiga casa de massagem, com as salas de sauna aparentes. Para entrar na casa de iluminação

colorida e sofisticada, não é preciso pagar nem encarar a temida seleção de um "door" --figura que analisa, nas casas noturnas de Nova York, quem

pode entrar.

A música é dançante e mescla hits antigos a atuais, incluindo Michael Jackson, The Ting Tings e The Gossip. Os drinques ficam na faixa de US$ 9 e são

mais um motivo para que o público composto por jovens de vinte e tantos anos se joguem na pista de dança até as 4h.

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Fale com o Folhateen ([email protected])

30/06/2010 - 12h50

Sentimentos de anônimos dão identidade a performance e blog artísticos PUBLICIDADE

DE SÃO PAULO

Até o fim do mês passado, Marina Abramovic fez o público do MoMA chorar. Em cartaz com a mostra "Marina Abramovic: A Artista Está Presente", a

eslava ora circulava pelo museu ora apresentava suas performances polêmicas.

Acomodada em uma cadeira, Marina recebia os espectadores, que podiam sentar à sua frente e engatar uma "conversa" em silêncio, com o olhar. A

maioria não segurava as lágrimas.

O fotógrafo Marco Anelli fez retratos dos anônimos emocionados, que podem ser vistos no blog marinaabramovicmademecry.tumblr.com. Ao lado de

cada foto está o tanto de tempo que cada um levou para derramar lágrimas.

Divulgação

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Visitantes choram em performance da artista Marina Abramovic no MoMA

Outro site que expõe sentimentos de anônimos é o postsecret.com. Atualizada aos domingos, a página de Frank Warren mostra cartões postais

enviados por leitores.

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Todos eles contam um segredo por meio de colagens e desenhos, entre outras estilizações. Revelações engraçadas --como a da foto abaixo-- ou mais

pesadas podem ser vistas por lá.

Reprodução

No site Post Secret, mãe de 33 anos revela amor pelo vampiro de "Crepúsculo"

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Anexo IV

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Abaixo, o relato do performer Flávio Rabelo em

uma das situações em que realizou a ação

“Estranho, um cara comum”, feito com o auxílio de

um pequeno gravador que o performer portava na

ocasião, e transcritos posteriormente.

1º caminho – Igreja Catedral Metropolitana de

Nossa Senhora dos Prazeres. Maceió, Alagoas.

Data: 04 de Maio de 2005

Não dormi do dia três para o dia quatro de Maio,

passei toda a noite chuvosa resolvendo detalhes do

figurino e objetos.

São quatro horas da manhã do dia quatro de maio

de 2005, estou começando a trocar de roupa para

fazer a apresentação da performance “Estranho, um

cara comum”, no centro da cidade de Maceió, em

frente à igreja da Catedral. O tempo está chuvoso,

agora deu uma parada, mas estava chovendo forte,

possivelmente vai chover durante o dia. Estou

calmo, estou cansado, algumas dores no corpo, é

isso.

(...)

Faz mais ou menos uns cinco minutos que eu

cheguei aqui na catedral; quando eu saí de casa tava

caindo uma chuva fina, eu fui pelo Salgadinho,

peguei a Avenida da Paz, dois carros da polícia

cruzaram, passaram por mim, diminuíram a

velocidade, olharam. Confesso que fiquei meio

apreensivo; não sei se sabia, se conseguia

identificar se eu queria que eles parassem ou

continuassem; não fizessem nada. Durante todo o

caminho eu tinha vontade de chegar logo aqui.

Estou sentado, está chovendo, só quem está

passando pela rua são trabalhadores. A maioria não

olha pra mim. E os que olham estranham, fazem

cara de quem não está entendendo. Teve um cara

que passou numa bicicleta e fez uma cara feia, me

senti mal. Muita gente passa de bicicleta, na

verdade. Mas a maioria das pessoas nem olha.

Vai ser um longo dia. Um longo e chuvoso dia.

Todas as pessoas caminham lentamente pro

trabalho, com seus guarda –chuvas e sombrinhas

abertos. Poucos carros passam, muitas bicicletas.

A igreja está fechada.

Muita gente passa e fica olhando, virando a cabeça,

olhando até dobrar a rua.

(...)

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Acabou de passar um cara que fez “êêêêê” pra

mim; foi a primeira pessoa que se comunicou com

algum som. Eu fiz “êêêê” pra ele. Ficou me

olhando, tava carregando duas grandes sombrinhas,

parecia um vendedor, um ambulante.

(...)

Acabei de ... fazer xixi nas calças.

No começo foi difícil relaxar, mas depois, achei

interessante a ação, me diverti vendo o xixi

descendo pela ladeira. Espero que realmente não

me dê vontade de fazer coco, espero que meu corpo

não chegue a tanto, mesmo.

(...)

Ações bem típicas: um carro parou, uma besta

branca, com o vidro aberto, o cara olhou pra mim e

depois virou a cara e fechou o vidro.

(...)

Fiquei pensando quase agora sobre arte, sobre o que

a caracteriza. Mas não nos conceitos; assim: o que é

além dos conceitos, pra fora dos conceitos? O que

determina que uma coisa pode ser classificada

como arte ou não?

As pessoas me olham sempre muito desconfiadas...

muito desconfiadas...

(...)

Amarrei a cabeça com muita força, a meia; e a

minha cabeça ta começando a doer. Acho que daqui

para o final, com certeza, vai estar rolando uma

dorzinha, está meio que apertado. Vou agüentar o

tempo que der.

(...)

Resolvi folgar a meia; calmamente tirei a toca de

plástico, folguei a meia.

Enquanto eu estou falando, as pessoas passam e me

olham. Devem achar estranho; mesmo o gravador

disfarçado na minha mão, mas o fato de eu estar

falando; enfim, a cabeça deu uma aliviada. O

movimento de carro aumentou, continua passando

muita gente de bicicleta. Muitos trabalhadores.

(...)

Duas mulheres atravessaram a rua morrendo de

medo. Olharam pra mim.

Acabou de passar também um carro da TV

Pajussara, parou no sinal, o motorista percebeu

primeiro a minha presença, acho que ficou

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intrigado e comentou com os outros. Todos do

carro ficaram olhando e conversando, acho que

cogitando possibilidades. Antes deles, passou o

dono da lanchonete lá perto de casa, onde eu

sempre como. Não olhei muito. Mas acho que ele

não me reconheceu, mas também não tenho certeza.

(...)

Acho que faz mais ou menos meia hora que eu

estou aqui e a situação já mudou muito. O número

de carros aumentou, o barulho também. Quando eu

cheguei estava tudo muito calmo; a cidade começa

realmente a se movimentar.

Acabei de sentir um cheiro de maconha, passou

uma fragrância de maconha; será que tem alguém

perto fumando?

(...)

Passou um pivete cheirando cola.

Ficou olhando pra mim.

Parou um tempo, depois foi embora.

(...)

Muita gente atravessa a rua pra não passar perto,

acho que com medo.

(...)

Tentei deitar um pouco, mas não consegui não ficar

muito tempo. Fiquei com medo que um carro viesse

por cima de mim, num acidente; sei lá... Realmente

são muitos perigos. Também alguém podia chegar

por trás, fazer alguma coisa, não sei.

Esse tipo de pensamento ficou passando pela minha

cabeça, sensação estranha mesmo de desproteção.

De perigo mesmo.

De muitas possibilidades.

Muitas coisas podem realmente acontecer quando

você está na rua.

Sozinho.

Olhando pras pessoas.

E elas não estão olhando para você.

(...)

Duas ricaças passaram num carro, ouvindo uma

música religiosa. Pararam bem na minha frente. Eu

fiquei mostrando o espelho pra elas; elas viraram a

cara. Foi bem interessante. Bem óbvio, na verdade.

(...)

Faz uns dez minutos que eu comecei a usar o

espelho. Quando as pessoas ficam olhando pra mim

eu mostro pra elas o espelho. Às vezes fico parado,

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às vezes faço pequenos movimentos e fico

brincando também de ver o mundo através desse

espelho.

A igreja. A rua.

É muito bom quando inverte o plano, quando as

coisas ficam de cabeça pra baixo ou na lateral.

Eu acabei de fazer xixi nas calças de novo. Não faz

nem uma hora que estou aqui e já é a segunda vez.

Acho que com o tempo vai diminuir. Espero...

Dessa vez foi mais gostoso, me diverti mais em

estar fazendo isso, no meio da rua, nas calças.

O movimento continua aumentando. Agora passa

todo tipo de gente, muitos carros, muitas crianças,

muita gente indo pro trabalho, muita gente indo pra

escola.

(...)

Um taxista passou e falou comigo e logo depois – o

taxista, ele acenou, fez um sinal de legal - e logo

depois um senhor que vinha andando achou que eu

tava pedindo esmola, fez uma cara de caridoso e

disse: “Perdoe, eu não tenho”.

(...)

Continuo brincando com espelho. As reações têm

se diversificado mais. Passaram dois carros da

polícia, pararam, ficaram olhando. Um dos

motoristas, inclusive estancou o carro quando foi

sair, por que estava olhando pra cá.

(...)

Duas loiras passaram rindo, quase batem o carro.

(...)

Acabou de passar um ex - aluna minha, que fez a

oficina do CEFET, a off – sina com Thiago. Ela não

me reconheceu.

(...)

O tempo todo eu fico me lembrando da aula que eu

fiz com o Jorge há uns dois anos atrás:

A possibilidade de sentar na rua.

A arte como desculpa.

A possibilidade de fazer isso.

Queria realmente acreditar que eu estou sentado

aqui independente de eu estar fazendo uma

performance ou não.

E eu realmente estou aqui.

Sentado.

Na rua.

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Sem desculpas.

(...)

Acabou de passar o menino que faz espetáculo com

o Gajuru, que é ator. Ele olhou pra cá, pra mim,

mas acho que não me reconheceu não.

(...)

Já faz mais de uma hora que eu estou aqui, estou

começando a ficar com fome.

(...)

São oito e vinte; eu achei que eram oito horas. Ou

seja, minha noção de tempo está mais ou menos

correta. O movimento aumentou, mas as lojas aqui

perto ainda não abriram. As reações têm sido bem

variadas, bem variadas. Existe sempre a

desconfiança, mas agora eu começo a achar que as

pessoas percebem que tem algo a mais

acontecendo. O fato de eu encará-las, de estar

olhando nos olhos, por mais que esteja numa

postura bem cotidiana, mas o fato de eu encarar

essas pessoas nos olhos as deixa em dúvida.

(...)

Duas coisas interessantíssimas acabaram de

acontecer:

Primeiro passou um menino do Espaço Cultural, ele

faz licenciatura, me reconheceu. Ele veio falar

comigo eu acabei respondendo. Ele perguntou: É o

tcc? E depois perguntou quando eu ia defender. E

depois, imediatamente depois, quando ele tava

saindo foi chegando uma mulher e me ofereceu um

chá. Disse que custava R$ 0,25, eu disse que não

tinha dinheiro, o nome dela é Josefa, Zefinha ou Jô.

Ela vende café, chá, bolo e leite pela rua. Quando

eu disse que não tinha dinheiro, ela parou, pensou e

me deu. Encheu um copo pra mim de chá de Capim

Santo. Quentinho. Tomei dois goles e guardei um

pouco. Passou uma desconfiança pela minha

cabeça. Engraçado isso ter acontecido; a primeira

pessoa que faz alguma coisa, alguma ação humana

de contato, de conversa com essa pessoa estranha e

mesmo assim eu fiquei desconfiado.

O que será que tem nesse chá?

A Josefa perguntou por que meus dedos estavam

enrolados do jeito que estão, por que meu olho estar

tapado; eu disse que estava machucado. O olho ela

não se convenceu muito, ficou com cara de quem

tava duvidando, insistiu.

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(...)

Acabou de passar um cara num carro, o carro

estava parado, ele ficou com uma cara de quem está

paquerando, jogando charme. Quando o carro

passou, ele me cumprimentou. Ele era uma figura

super interessante, bonito, cabelos grandes.

Estranho, muito estranho.

(...)

Está começando a me dar muito sono. Um sono,

muito sono. E eu estou com vontade de fumar um

cigarro.

Sono e cigarro.

A fome já passou.

Quer dizer, está aqui, mas não é forte.

Agora, um sono, sono, sono, um sono, um sono,

uma vontade de fumar um cigarro.

(...)

Eu pedi um cigarro pro cara que tava fumando num

carro. Ele primeiro disse que não tinha, depois de

um tempo fez um barulho, quando eu olhei, ele

jogou um cigarro pra mim. Era um coroa, num

carro gol.

(...)

Estou com vontade de fazer xixi de novo. Meu

deus, eu vou passar o dia me mijando...

(...)

Silvio Sarmento passou por aqui e depois de uma

pausa longa disse: “Isso é laboratório, né bi?” parou

e disse: “Mas eu não vou dar esmola não”.

Depois passaram Jota e Eulina. Eulina ficou na

dúvida de quem era e disse: “É o Flávio? É o

Flávio? É o Flávio!!!” E o Jota saiu carregando,

puxando por ela.

(...)

São dez horas, está começando a chover de novo,

Jota e Eulina passaram de volta, pararam,

conversamos um pouco. Jota perguntou se eu era o

duble do outro, me ofereceu uma moeda de

cinqüenta centavos que eu não aceitei. Perguntei se

ele tinha um cigarro e ele disse que não. Eulina

perguntou pelo outro eu disse que ele não tinha

vindo. Eles riram e foram embora.

A chuvinha está fina, eu estou com muito sono e a

fome começando a apertar e ainda são dez horas,

ainda falta muito tempo.

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A minha bunda ta começando a coçar por causa da

roupa molhada de xixi. Ta começando a me dar

agonia.

Um cara passou e gritou: “Olha o pirata!”

(...)

Já são mais de onze horas, está chovendo muito, já

está chovendo a mais ou menos uns quarenta

minutos, a chuva, na verdade agora está fina, mas

ela é constante. Estou com frio, bastante frio.

Aconteceram coisas bem interessantes: desde o

começo da manhã, tinha do outro lado da rua, um

senhor pedindo esmola. Ele estava em baixo de

uma marquise quando a chuva começou. Mais ou

menos há uns cinco minutos ele foi embora; eu

estava aqui de cabeça baixa, ele passou por aqui e

deixou dois sacos plásticos abertos comigo, pra me

cobrir. E depois disso, o Jota passou também e

trouxe pra mim um pastel de queijo e um suco de

goiaba. Foi bem reconfortante. Apesar de que eu

não sei se o Jota faria isso por outra pessoa ou se

ele fez só por que me conhecia, sabia, identificou

que era eu. A atitude do senhor me tocou bastante.

Eu estou todo coberto com o plástico, e eu coloquei

o espelho no meu pé que está pro lado de fora,

virado pra cima. Aí, acabou de passar uma senhora

com um menino dizendo que o espelhinho era pra

eu ver as saias das mulheres...

Parou de chover faz uns cinco minutos. Está

começando a esquentar, mas eu ainda estou com

frio, a roupa toda molhada.

É internamente aconteceram muitas coisas comigo;

a chuva foi um elemento surpresa decisivo, bastante

significativo. Mudou meu estado físico,

conseqüentemente mudou estado psicológico; me

perguntei o que eu estava fazendo aqui, por que eu

tava aqui, para que serve, enfim, se existe algum

sentido, se não tem sentido e se é isso mesmo sem

sentido e tudo bem. Encontrei alguns olhares que...

Enfim, passamos um tempo nos olhando, algumas

pessoas. Durante a chuva acabei me emocionando,

tive uma sensação mesmo de sair do meu estado

normal e alterar o meu estado de consciência

mesmo.

As coisas agora estão se acalmando um pouco, a

temperatura está mudando, estamos na metade,

deve ser aproximadamente meio dia, não tenho

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certeza. Ainda faltam seis horas, vamos ver o que

vai acontecer.

Acho que são duas horas da tarde, a chuva já parou

faz um tempo, a minha roupa está úmida ainda, mas

já secou um pouco e eu não estou mais com frio.

O Glauber apareceu. Antes dele apareceu a Valéria,

me deu uma carteira de Hollywood com três

cigarros. Já fumei quatro cigarros; dois da Valéria,

um do Jota e um que eu pedi e o cara jogou. Ainda

tenho mais dois.

A Telma César também já passou por aqui, e o

Jorge Shutze também.

Nessa última uma hora, eu acabei fazendo um

processo mais racional a partir do que eu vivi na

manhã que foi bem mais solitário; tentando resgatar

as sensações que eu passei pela manhã.

Uma descoberta interessante é atrapalhar o

movimento natural da calçada, estendendo minhas

pernas, fazendo com que as pessoas tenham que

desviar ou passar por cima. Nesse desvio, elas são

obrigadas a descer pra pista. É isso que a maioria

prefere fazer, poucos são os que pulam ou passam

por cima de minha perna.

O Careca passou por aqui, perguntou se eu estava

precisando de alguma coisa. A Silvia e o Carlos, e

algumas outras pessoas também.

Acabei de receber vinte e cinco centavos, o cara

deixou em cima do espelho. Antes desse dinheiro,

já recebi um real de uma outra pessoa e cinco

centavos de uma outra.

Uma menina que trabalha no Teatro Deodoro

acabou de passar por aqui, ela ficou super em

dúvida achando que me conhecia, mas não me

reconheceu, só saiu dizendo: “ Eu conheço esse

menino, eu conheço esse menino.”

(...)

Várias pessoas que me conhecem passaram e não

me reconheceram. Várias. Acabou de passar o

César, coordenador do Marista. Passou uma ex-

aluna minha do Madalena, ex-aluna do Marista,

várias pessoas não reconheceram. Continuei

exercitando o congestionamento da calçada.

Diverti-me fazendo isso. Fazendo com que as

pessoas mudassem o seu trajeto natural.

Acho que agora não falta mais muito tempo.

Passou um cara e disse: “Gostei da performance”.

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E passou outra mulher, os dois tipos bem simples, e

a mulher disse bem eufórica: “Está representando a

arte!!!”

(...)

São duas horas da tarde, eu achei que era mais

tarde. Na verdade, ainda falta muito tempo.

É interessante perceber como as pessoas estão

condicionadas, elas reagem automaticamente, sem

mesmo se dar conta do que se trata, sem nem se dar

ao trabalho de ver. Elas reagem sem ver.

(...)

As pessoas continuam fazendo comentários bem

interessantes. Acabaram de comentar: “Isso é

loucura pura”; um outro ficou gritando: “Money,

Money, Money, Money, Money”. Uma menina

pediu pra se olhar no espelho, começou a se olhar,

depois achou que tinha que pagar, riu e saiu. Disse

que tava lisa, sem dinheiro.

(...)

Alguém comentou: “Eu queria muito saber o que é

isso!”

São quase quatro horas, eu estou com muito sono,

estou deitado de lado, dando umas cochiladas, o

sono está brabo.

(...)

São mais ou menos umas quatro e meia da tarde, a

cidade está começando a se acalmar, não chegou a

fazer sol quente, mas esquentou um pouco, não

choveu mais. O clima está brando, as pessoas estão

saindo do centro, o movimento agora é de saída.

Eu estou com muito sono, e com fome. Muita coisa

eu não gravei, vou ter que escrever. Muitas

nuances, meu humor mudou muito, cheguei a ficar

irritado, cheguei a me divertir muito, cheguei a

ficar muito triste. Realmente foram muitas

mudanças de humor.

Queria que seis horas chegasse logo. Queria ir pra

casa, tomar banho tirar esse fedor de mijo, comer

alguma coisa.

(...)

A quantidade de carros diminuiu bastante; só

pessoas andando, andando. Quase não passa carro

mais. Acho que já são perto das cinco horas.

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Ai, meu deus, como eu estou cansado. Meu

estômago chega está queimando... E esse cheiro de

mijo que eu já não agüento mais. Falta muito.

Ainda falta muito, mas foi muito bom.

Muitas coisas passaram pela minha cabeça, muitos

olhares diferentes, muitas formas de se estranhar

alguma coisa.

Estranhar como curiosidade.

Estranhar com desprezo.

Estranhar com afeto.

Estranhar com pena.

Estranhar com pânico.

Estranhar...

Muitos olhares diferentes; muita gente também não

notou. Mas acho que a maioria viu, a maioria das

pessoas que passou por aqui. As pessoas saem

andando pela rua e ficam olhando pra trás, olhando,

olhando, olhando.

E teve gente que passou mais de uma vez durante o

dia, e que voltou a olhar espantado.

Testei meus limites físicos e psicológicos, as cinco

da tarde o desgaste já era grande e eu não via a hora

de Glauber e / ou Renata aparecerem. Estava com

sono, a cabeça pesada, o estômago apertado e uma

vontade de urinar novamente, mas não queria fazê-

lo ali mais uma vez. Mas, como não podia terminar

sem registro imagético, tinha que esperar. Esperei.

Renata apareceu, se aproximou, tirou umas fotos

enquanto conversávamos, avisei que entraria na

Catedral. Lá, andei em direção do altar e deitei no

chão, olhando o teto-céu azul com estrelas

douradas. Tive vontade de urinar ali, no altar, mas

desisti por não considerar necessário. Ouvi vozes

vindas do interior, levantei e saí.

Voltei pra casa andando com a Renata,

conversamos um pouco, mas o silèncio

predominou. Assim que chequei, tirei a roupa e fui

tomar banho.

Estou escrevendo esse texto as vinte três horas do

dia do acontecimento, cinco horas após seu

término, e ainda me sinto alterado física e

emocionalmente. Não consigo dormir, já me

alonguei, fumei, mas não relaxo. Estou sentindo a

pressão no olho direito por conta do tampão de fita

isolante (não coloquei nenhuma proteção por não

ter feito nenhum teste), as maçãs do rosto

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endurecidas, costas doloridas, o pensamento

solto, muitas idéias e lembranças. Conversei sobre

o assunto compulsivamente com os amigos.

Trocamos nossas impressões, tenho escutado relatos

interessantes, que só atiçam mais minhas energias.

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