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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Victor Hugo Ramão Fernandes
Concepções linguísticas dos séculos XVI e XXI:
o pronome numa perspectiva historiográfica
Mestrado em Língua Portuguesa
SÃO PAULO
2018
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Victor Hugo Ramão Fernandes
Concepções linguísticas dos séculos XVI e XXI:
o pronome numa perspectiva historiográfica
Mestrado em Língua Portuguesa
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Língua Portuguesa sob a orientação da Prof. Dra. Neusa
Maria Barbosa de Bastos.
SÃO PAULO
2018
3
Banca Examinadora
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, Uno e Trino.
À Virgem Santíssima.
A seu Castíssimo Esposo, São José, e a todos santos que intercedem sem cessar.
À minha esposa, Shirley, a quem dedico tudo. Por todo companheirismo e fidelidade.
À minha mãe, Marinês, pelos cuidados de toda minha vida até hoje, incomparáveis.
A meu pai, José, por sempre me incentivar a dar o melhor.
A meus avós, sobretudo, minha vó Ana. Por todo exemplo e amor.
A meus filhos espirituais, sobretudo do MJ, que me são fonte de alegria e disposição.
Aos meus irmãos de comunidade, da paróquia e dos grupos de oração.
A meu diretor espiritual, Pe Cristiano, e aos Padres Marcos e Renan, pelos conselhos.
Aos meus alunos das redes estadual e municipal de ensino em Guarulhos.
Aos meus colegas de trabalho, professores e gestores.
Aos meus professores da PUC, que me abriram os caminhos da pesquisa acadêmica.
À Lourdes, que me auxiliou muitas vezes e socorreu em momentos importantes.
À Prof. Dra. Nancy dos Santos Casagrande e ao Prof. Dr. Ricardo Cavaliere que
tiveram o cuidado de ler este trabalho e muito me instruíram sobre ele.
À minha querida orientadora, Prof. Dra. Neusa Barbosa Bastos, a quem tenho enorme
gratidão por ter me acompanhado durante esses anos de modo tão generoso.
A CAPES pelo aporte financeiro.
5
AGRADEÇO A CAPES PELA BOLSA,
POR MEIO DA QUAL ESTE TRABALHO FOI POSSÍVEL.
6
Ó doce chaga, que repara os corações feridos,
Abrindo larga estrada para o Coração de Cristo.
Prova do novo amor que nos conduz a união!
Porto do mar que protege o barco de afundar!
Em Ti todos se refugiam dos inimigos que ameaçam:
Tu, Senhor, és medicina presente a todo mal!
Quem se acabrunha em tristeza, em consolo se alegra:
A dor da tristeza coloca um fardo no coração!
Por Ti Mãe, o pecador está firme na esperança,
Caminhar para o Céu, lar da bem-aventurança!
Ó Morada de Paz! Canal de água sempre vivo,
Jorrando água para a vida eterna!
Esta ferida do peito, ó Mãe, é só Tua,
Somente Tu sofres com ela, só Tu a podes dar.
Dá-me acalentar neste peito aberto pela lança,
Para que possa viver no Coração do meu Senhor!
(Poema à Virgem, São José de Anchieta)
Totus tuus ego sum
et omnia mea tua sunt
Mariae.
7
RESUMO
O presente trabalho examina os conceitos e as descrições relacionados aos
pronomes pessoais, possessivos e relativos, nos séculos XVI e XXI, sob a perspectiva
da Historiografia Linguística. Para tanto, analisamos a Grammatica da língua
Portuguesa (1540) de João de Barros e a Moderna Gramática Portuguesa (2009) de
Evanildo Bechara, em sua 37ª edição. Tal pesquisa se funda na importância da classe de
palavras e no período histórico e no período linguístico escolhidos para a pesquisa, além
de abarcar a questão sob diferentes perspectivas de Portugal e do Brasil. Com base nos
procedimentos metodológicos da Historiografia Linguística, postulados por Koerner
(1996, 2014) e Swiggers (2009, 2010), seguimos os princípios de Contextualização,
Imanência e Adequação. Dessa maneira, este trabalho contribui com as pesquisas de
Historiografia Linguística, oferecendo um estudo de uma das primeiras gramáticas da
língua portuguesa, a Grammatica da língua Portuguesa (1540), voltado para os
pronomes pessoais, possessivos e relativos. A partir disso, realizamos uma análise
comparativa dessas concepções gramaticais com as de uma obra recente, a Moderna
Gramática Portuguesa (2009). Detivemo-nos diante da questão do como os pronomes
pessoais, possessivos e relativos eram compreendidos naquele período e do como o são
atualmente. Por fim, concluímos que tanto os ditames linguísticos que precediam ambas
as obras como a emergência de novos estudos foram fundamentais para a compreensão
dessa classe de palavras, especialmente dos tipos analisados.
Palavras-chave: pronomes, gramáticas, historiografia linguística, século XVI;
8
ABSTRACT
This work examines the concepts and the descriptions related to the pronouns,
possessive and partial, in the 16th and 21st centuries, from the perspective of
Historiography of Linguistic. To do so, he analyzes a Grammatica da lingua
Portuguesa (1540) by João de Barros and a Moderna Gramática Portuguesa (2009) by
Evanildo Bechara, in its 37th edition. The research is valid for the importance of class
words and for the historical and linguistic period, besides covering and lacking on
different perspectives from Portugal and Brazil. Based on the methodological
procedures of Historiography of Linguistic, postulated by Koerner (1996, 2014) and
Swiggers (2009, 2010), we follow the principles of Contextualization, Immanence and
Adequacy. In this way, this work contributes as researches of Historiography of
Linguistic, offering a study of one of the first grammars of the Portuguese Language, a
Grammatica da lingua Portuguesa (1540), focused on personal, possessive and relative
pronouns. From this, we perform a comparative analysis of grammatical conceptions as
a recent work, a Moderna Gramática Portuguesa (2009). We reflected in front of the
subject, as the personal, possessions and possessives pronouns were understood in that
period and as they are. Finally, we conclude that both the linguistic dictates that precede
both works as an emergence of new studies were fundamental to an understanding of
this class of words, especially of the types analyzed.
Keywords: pronouns, grammars, historiography of linguistic, 16th century;
9
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................... 10
1. HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA: PRINCÍPIOS .............................................. 14
1.1 Conceitos de Historiografia Linguística ............................................................. 15
1.1.1 Definições de HL para Koerner .................................................................. 15
1.1.2 Definições de HL para Swiggers ................................................................. 21
1.1.3 Paralelos teórico-metodológicos .................................................................. 27
1.2 Panorama da HL no Brasil ................................................................................. 30
1.2.1 Grupos de Pesquisa ...................................................................................... 31
2. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA .................................................................. 33
2.1 João de Barros e a Grammatica da língua portuguesa ...................................... 34
2.1.1 A maturidade de um Império: a Portugal Renascentista ......................... 34
2.1.2 Concepções linguísticas: o Século XVI ....................................................... 38
2.1.3 Do pioneirismo sobre uma gramática de Língua Portuguesa .................. 47
2.2 Evanildo Bechara e a Moderna Gramática Portuguesa .................................... 48
2.2.1. Um mundo multiverso: o Brasil na virada do terceiro milênio .............. 49
2.2.4. Concepções Linguísticas: do século XX ao limiar do século XXI ........... 56
3. DO PRONOME E SEUS ACIDENTES: ANÁLISE DA GRAMÁTICA
BARROSIANA ............................................................................................................... 64
3.1 Fundamentos da Grammatica da língua Portuguesa: possíveis objetivos e
concepções linguísticas .............................................................................................. 65
3.1.2 Partes da Grammática da Lingua Portuguesa ................................................. 70
3.2 Do Pronome e seus acidentes .............................................................................. 72
4. DOS PRONOMES: O CONTRASTE MODERNO .................................................. 81
4.1 Fundamentos da Moderna Gramática Portuguesa: possíveis objetivos e
concepções linguísticas .............................................................................................. 82
4.1.2 Partes da Moderna Gramática Portuguesa ................................................. 86
10
4.2 Dos pronomes ....................................................................................................... 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 105
Fontes Primárias ...................................................................................................... 105
Fontes Secundárias .................................................................................................. 105
10
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este estudo se insere no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na linha de pesquisa
História e Descrição da Língua Portuguesa, delimitando-se à Historiografia Linguística,
a fim de abordar nosso objeto de pesquisa: os conceitos e a sistematização da classe de
palavras dos pronomes, especificamente, dos pessoais, dos relativos e dos possessivos,
usando, para isso, uma gramática do século XVI e outra do fim do século XX.
Num primeiro momento, a partir de uma análise das primeiras gramáticas1 da
Língua Portuguesa, do século XVI, a Grammatica da lingua Portuguesa2, de João de
Barros (1496-1570). Num segundo momento, efetuando uma análise comparativa
desses tipos de pronomes, a partir de uma das gramáticas mais atuais, do século XXI, a
Moderna Gramática Portuguesa3, de Evanildo Bechara (1928). Isso sob uma
perspectiva da Historiografia Linguística e fundamentando-se na importância do
fenômeno linguístico (a classe de palavras do pronome e seus tipos) e no período
histórico (o século XVI).
Desde as gramáticas do grego, perpassando pelo latim, e em diversas línguas4
até o português, moderno e contemporâneo5, os pronomes apresentam-se como objeto
de estudo gramatical. No entanto, há em sua síntese conceptiva, e nas variações de
termos que os identificam genericamente como tal, certas questões que podem elucidar
as diferentes normativas e usos, assim como podem ser alteradas pelas práticas
linguísticas que vigoram nas diferentes gramáticas. Essas questões abrangem: seus
1 Usaremos o termo com inicial em letra minúscula para fazer menção às obras gramaticais,
enquanto o termo com inicial em letra maiúscula servirá para fazer menção à disciplina de
estudo linguístico, a Gramática, ou a um modelo gramatical.
2 Usaremos, por vezes, apenas Grammatica, sempre em itálico.
3 Usaremos, por vezes, apenas Moderna Gramática, sempre em itálico.
4 Usaremos o termo com inicial em letra minúscula para fazer menção à linguagem, ou a línguas
variadas – genericamente, enquanto o termo com inicial em letra maiúscula servirá para fazer
menção à Língua Portuguesa, ou a uma Língua específica.
5 Levamos em consideração a proposta de periodização de Bechara (2009, p.), pela qual a
Grammática da lingua Potuguesa é situada no período do português moderno, enquanto a
própria Moderna Gramática Portuguesa é situada no período do português contemporâneo.
11
conceitos; a compreensão normativa dos pronomes pessoais do caso reto e do caso
oblíquo; a descrição e conceituação dos casos possessivos; e, por fim, a descrição e
conceituação dos pronomes relativos. Enxergando esses aspectos do ponto de vista
linguístico, considerando-se que uma língua tem historicidade e seus fenômenos são
marcados ao longo do tempo, justifica-se um estudo de caráter historiográfico e de
análise gramatical.
A língua, portanto, apresenta um caráter inquestionável de transformação. Da
mesma forma, seus estudos se modificam ao longo da história, por meio de novas
descobertas e até redescobertas. Essas transformações muitas vezes são registradas das
mais variadas formas, o que abre espaço para o resgate sempre salutar de suas
características marcantes. Os pronomes, estudados em nossa cultura desde a
Antiguidade Clássica, sofreram e sofrem transformações tanto quanto ao uso como em
seus conceitos e definições. De modo particular, as gramáticas fazem o trabalho duplo
de descrever e de sistematizar os pronomes e seus tipos, conforme o espírito da época
em que são estudados.
As primeiras gramáticas de nossa Língua6 enfrentaram o trabalho de conceituar,
caracterizar e recomendar usos da classe gramatical do pronome lançando mão dos
recursos teóricos de que dispunham. Assim o fazem as gramáticas modernas7, que
assumem um papel mais claro quanto a descrever, prescrever e/ou sistematizar,
fazendo-se revelar as concepções linguísticas que têm do mesmo fenômeno linguístico:
o pronome em Língua Portuguesa.
Nesta maneira, a Historiografia Linguística apoia este estudo, por consistir numa
área de pesquisa que abrange todas as formas de pensamento linguístico nos tempos em
que foram manifestados, valorizando a linguagem em seu aspecto histórico-científico
assim como as personagens que refletiram sobre ela. A Historiografia Linguística torna-
se, portanto, o fundamento teórico central do trabalho.
6 A primeira gramática da Língua Portuguesa é atribuída a Fernão de Oliveira, datada em 1536,
enquanto se atribui a João de Barros a segunda gramática da Língua Portuguesa, datada em
1540. Sendo, no entanto, considerada a de João de Barros “uma verdadeira gramática”,
conforme Buescu (1978, p. 6).
7 Referimo-nos às gramáticas da fase diversificada (CAVALIERE, 2001, p. 67),
cronologicamente as da virada entre o século XX e XXI, que se podem caracterizar por uma
expansão teórica para o “ambiente sem fronteiras dos usos linguísticos”. Isso, conforme
veremos no segundo capítulo desta dissertação.
12
A Grammatica da lingua Portuguesa, a segunda desta Língua, ao dar-se
publicada durante uma intensa modificação do mundo europeu e da sua influência
determinante em todo o mundo, torna-se objeto fundamental desta pesquisa. A obra de
João de Barros encontra-se em relevância dentro deste trabalho, obviamente, por se
tratar de uma das primeiras gramáticas em um momento de sistematização da Língua
Portuguesa.
A 37ª edição, revisada e ampliada, da Moderna Gramática Portuguesa8, uma das
mais atuais gramáticas da Língua, ao inserir-se num contexto de intenso processo de
globalização e emergência de significativos avanços das pesquisas linguísticas –
algumas das quais questionam a própria necessidade de uma Gramática – torna-se o
contraponto à gramática do século XVI. A obra de Evanildo Bechara importa nesta
pesquisa por trazer o pensamento linguístico na virada do século XX para o século XXI,
depois do importante acordo da comunidade lusófona9 quanto à ortografia, ampliando
assim o contato de diversos países e realidades usuais da Língua Portuguesa. No cenário
moderno, o autor contribui para o estudo descritivo e normativo apontando reflexões
sobre linguagem advindas de diferentes vertentes.
Desse modo, a pesquisa disserta a respeito do fenômeno gramatical dos
pronomes pessoais, relativos e possessivos em língua portuguesa tomando como corpus
duas gramáticas produzidas em dois períodos distintos: um do século XVI e outro do
século XXI, sob a perspectiva da Historiografia Linguística.
O problema a ser refletido está em como os pronomes pessoais, relativos e
possessivos são descritos, conceituados e normatizados em dois momentos: no primeiro,
quando a Língua Portuguesa foi, pela diáspora10, levada aos mais dispersos territórios do
mundo; e no segundo, quando a globalização interrelaciona as variedades linguísticas da
8 A 1ª edição é de 1961. A 37ª edição é de 1999, no entanto, uma nova 37ª edição foi publicada
em 2009 para conformar o texto ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que entraria em
vigor no Brasil nesse mesmo ano.
9 Comunidade Lusófona refere-se aos países de Língua Portuguesa que estão envolvidos no
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique,
Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste).
10 Diáspora refere-se ao processo histórico de emigração portuguesa para diversas regiões do
mundo a partir das Grandes Navegações, estas entre os séculos XV e XVI.
13
lusofonia. Enfim, estudamos como os pronomes eram compreendidos pelos gramáticos
renascentistas11, assim como são compreendidos pelos gramáticos modernos.
A fim de darmos respostas a esse problema, estabelecemos alguns objetivos que
que se distinguem em sua amplitude como Geral e Específicos da seguinte forma,
respectivamente:
I. Geral
Contribuir com as pesquisas de Historiografia Linguística, possibilitando
um estudo voltado para os pronomes pessoais do caso reto, do caso
oblíquo e os pronomes relativos em duas gramáticas: uma das
primeiras gramáticas, do século XVI; e outra correspondente ao século
XXI, trazendo à luz um estudo sobre descrições e normas dessa classe
nas gramáticas de João de Barros e Evanildo Bechara, oferecendo,
assim, paralelos entre esses gramáticos e a ampliação das concepções
da classe gramatical.
II. Específicos
Identificar como os pronomes eram compreendidos no século XVI a
partir da Grammatica da lingua Portuguesa, de João de Barros;
Analisar essas perspectivas à luz do clima de opinião do período;
Identificar como os pronomes são compreendidos no século XXI a partir
da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara;
Analisar essas perspectivas à luz do clima de opinião do período;
Distinguir comparativamente normas e descrições gramaticais dos
séculos XVI e XXI, a partir da gramática de João de Barros e da
gramática de Evanildo Bechara.
11 Buescu (1978, p. 6) trata a obra de João de Barros (1540) exemplar do Renascimento.
14
1. HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA: PRINCÍPIOS
A Historiografia Linguística tem assumido um importante papel para a
compreensão da linguística, na sua evolução enquanto ciência e na construção de
paradigmas de seu desenvolvimento. Emergindo como disciplina desde a década de
1970, ela amplia a própria consciência da identidade linguística remetendo-se à sua
memória enquanto ciência, ou simplesmente “estudo da linguagem”. Nesse aspecto, a
Historiografia Linguística colabora com o olhar lançado sobre a língua e, neste trabalho,
sobre a Língua Portuguesa.
Como as demais disciplinas voltadas às ciências da linguagem, a Historiografia
Linguística está voltada teórica e metodologicamente para determinados pesquisadores.
Centram-se, portanto, nos conceitos de História e de Historiografia Linguística, com as
contribuições de Koerner (1996, 2014) e Swiggers (2009, 2010, 2014) para a
determinação dos limites teóricos deste estudo. A partir de um comparativo teórico
desses dois referenciais, serão abordados alguns aspectos da posição de Auroux (2014),
principal teórico do que se convencionou chamar de História das Ideias Linguísticas.
Com base em seus conceitos e caminhos metodológicos no cenário acadêmico
brasileiro, contribuem para a fundamentação deste trabalho Bastos (2004) e Palma
(2004), além dos que se empenham em pesquisas historiográficas no Instituto de
Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Altman (2012) e Batista (2013) também se tornam referência do estudo no
ambiente nacional.
São, portanto, esses os paradigmas teóricos e metodológicos aos quais esta
pesquisa deve se ater, de modo a colaborar com os demais estudos voltados à
Historiografia Linguística. Segue-se, assim, os conceitos de Historiografia Linguística,
trazendo as definições de Koerner e Swiggers, além de um comparativo, e o panorama
da HL no Brasil, considerando os grupos de pesquisa que se formaram em torno dela.
15
1.1 Conceitos de Historiografia Linguística
A fim de melhor situar nosso trabalho teoricamente, voltemo-nos para os
conceitos de Historiografia Linguística, assim como as implicações do fazer
historiográfico de acordo com Koerner e Swigers, respectivamente.
Por reconhecermos as contribuições da linha de pesquisa em conformidade com
Silvayn Auroux, veremos um quadro em que se apresenta um paralelo teórico dos dois
principais estudiosos da Historiografia Linguística com as definições teórico-
metodológicas, conhecidas como da História das Ideias Linguísticas.
Assim, fareemos a apresentação dos parâmetros teórico-metodológicos nas quais
está incluído este trabalho.
1.1.1 Definições de HL para Koerner
Koerner (2014, p. 18) define o termo Historiografia Linguística (HL)12
como um
resumo de Historiografia das Ciências da Linguagem, nos seguintes termos:
Hoje em dia, o que é normalmente referido como ‘historiografia
linguística’ (forma abreviada da designação mais precisa
‘historiografia das ciências da linguagem’, em que o termo ‘ciência’
no sentido estrito da ‘ciência natural’ é claramente evitado) constitui
uma investigação metodologicamente informada e a apresentação de
acontecimentos passados na evolução da disciplina designada de
‘linguística’ ou ‘ciências da linguagem’.
Essa apresentação da disciplina de estudo na qual nos baseamos lança dois
campos de pesquisa essenciais para se determinar como teoria, metodologia e objeto de
estudo.
O primeiro seria ‘Historiografia’, que nos remete à escrita da história, de forma a
assumir os meandros e desafios de reconhecer a linha tênue entre memória, realidade e
discurso. Nessa linha, resume Batista (2013, p. 38) que “a historiografia (como
construção discursiva analítica da História) coloca-se como um discurso de observação
sobre o conjunto de eventos que dão forma à corrente histórica”.
O segundo seria a categoria Linguística que visa a resumir o termo “ciências da
linguagem”, escrita em plural, porque se pode discutir a definição de ciência, assim
12 Usaremos, por vezes, o termo HL para Historiografia Linguística.
16
como se pode questionar o que seria uma ciência linguística. Para resolver essa última
questão, o termo “ciências da linguagem” exprime qualquer momento histórico em que
se estudou a linguagem, quer em sua definição, quer em seu uso ou qualquer de suas
implicações, em outras palavras, tudo o que se pode chamar de ciência e tudo que se
debruça sobre linguagem.
Assim, Batista (2013, p. 40) afirma:
Linguística (e adjetivos correspondentes) é um termo que deve ser
entendido em Historiografia Linguística (ou mesmo nas outras áreas
que tratam da história dos estudos sobre a linguagem) em sentido
amplo, não restrito aos desenvolvimentos dos saberes sobre línguas e
linguagem situados nos séculos XIX e XX, períodos aos quais se
costuma atribuir a temporalidade inaugural da ciência da linguagem.
Dessa maneira, a Historiografia Linguística assume uma postura de valorização
dos mais diversos estudos sobre a linguagem, independentemente de seu tempo. Em
paralelo, Wedwood (2002, pp 10; 18-19) postula:
A linguística, tal como é hoje compreendida, inclui todos os tipos de
exame dos fenômenos da linguagem, inclusive os estudos gramaticais
tradicionais e a filologia. (...) Se a linguística é o estudo da linguagem
em todos os seus aspectos, raciocinam eles, então a história da
linguística deve abranger todas as abordagens do passado do estudo da
linguagem, quaisquer que tenham sido os métodos usados e os
resultados obtidos.
A partir disso, entende-se que a HL é “o modo de escrever a história do estudo
da linguagem baseado em princípios científicos” (KOERNER in CASAGRANDE,
2005, p. 25).
Ainda nessa linha de pensamento, Koerner postula que a HL é “uma
investigação metodologicamente informada e a apresentação de acontecimentos
passados na evolução da disciplina designada de ‘linguística’ ou ‘ciências da
linguagem’” (KOERNER, 2014, p. 18), o que implica dois momentos importantes na
pesquisa historiográfica: a investigação e a apresentação.
Ao apresentar a HL como uma investigação e uma apresentação,
compreendemos que a disciplina se utiliza de duas abordagens: a primeira de
profundidade, ao se entreter com determinados fatos linguísticos em seu contexto e em
17
suas implicações; a segunda de visão panorâmica, pois, ao situar o fato linguístico
historicamente, abrange-se um aspecto linear do curso evolutivo das ciências da
linguagem. Dessa maneira, a HL é compreendida tanto como escrita da história (mais
uma vez) como análise linguística de um determinado conhecimento a respeito da
linguagem.
Koerner (2014, p. 18) distingue claramente a Historiografia da História da
linguística:
Se a atividade de estabelecer as res gestae do estudo da linguagem é
chamada de ‘historiografia linguística’, o seu resultado deveria ser
designado de ‘história da linguística’. Por outras palavras, a ‘história
da linguística’ é o produto e não a atividade de a estabelecer.
Determina-se a historiografia como atividade científica, pesquisa, enquanto a
história corresponde seu objeto de pesquisa e resultado.
A fim de conhecermos os princípios lançados por Koerner para a HL, importa
esclarecer as questões da ‘metalinguagem’ e da “influência” refletidas por ele. Segundo
o autor, há um problema para o historiógrafo da linguística na compreensão de teorias
do passado que consiste no “uso da terminologia atual na descrição de fases anteriores
do desenvolvimento do pensamento linguístico” (KOERNER, 1996, p. 8). O autor
segue:
Nenhum escritor consegue escapar da questão ao discutir teorias do
passado, na medida em que se deve tentar, ao mesmo tempo, torna-las
acessíveis ao leitor do presente e não distorcer sua intenção e
significado originais. A menos que o único objetivo do historiógrafo
seja colecionar antiguidades, isto é, descrever conceitos desenvolvidos
muitos anos atrás unicamente nos próprios termos utilizados, ele será
tentado a usar um vocabulário técnico moderno na sua análise.
Dessa maneira, o historiógrafo13
se vê diante do problema de escrever sobre o
passado, ignorando as diferenças de conceitos decorrentes dos distintos momentos
históricos, aquele em que está e no qual seu objeto de estudo está. Ou, de outra maneira,
o problema estaria em não tornar aqueles conceitos autenticamente compreendidos,
analisados, mas assumindo-os apenas pelos termos em que foram concebidos.
13 Usaremos, por vezes, historiógrafo da Linguística.
18
Além da ‘metalinguagem’, outro risco para o historiógrafo da Linguística está
em, ao descrever determinadas ideias linguísticas, associar certos conceitos a supostas
origens, o que chamamos de ‘influência’. Essa ‘influência’ pode ser “real ou provável,
sugerida ou alegada, no desenvolvimento de uma ideia linguística, ou de um conceito
particularmente central” (KOERNER, 2014, p. 92).
Segundo Koerner (2014, p. 102), muitas vezes atribui-se ‘influência’ sem que se
ocupe em definir o termo, podendo significar, por um lado, que se trata de quando
“certas ideias faziam parte da bagagem intelectual de um determinado período”, o que
seria uma significação demasiado ampla. Se o for, abarcam-se visões de um mesmo
período, sem que se considere sua real contribuição para os estudos linguísticos, tal
como se pode distorcer o sentido de conceitos linguísticos associando-os a outras
concepções de conhecimento ou a concepções divergentes, embora de período histórico
similar.
Enfim, para que ambos problemas – e outros – possam ser enfrentados com base
metodológica informada, Koerner (2014) propõe alguns princípios metodológicos.
Segundo Koerner (2014, p. 58), “a solução para o problema dos possíveis abusos
da linguagem técnica por parte do historiógrafo da Linguística pode estar na adoção dos
três princípios (...)”. Esses princípios são denominados de: Contextualização, Imanência
e Adequação.
O primeiro princípio consiste na “apresentação das teorias linguísticas propostas
em períodos mais antigos tem a ver com o estabelecimento do ‘clima de opinião’ geral
do período em questão” (KOERNER, 2014, p. 59).
Bastos e Palma (2004, p. 11), a respeito desse princípio, explicam que
(...) as mais variadas correntes – filosóficas, políticas, econômicas,
científicas e artísticas – ao se interinfluenciarem, marcam
indelevelmente todo um determinado período histórico, e dentro dele,
portanto, o pensamento linguístico e a sociedade em geral.
Assim, o historiógrafo da Linguística posiciona as principais correntes de
pensamento que tenham relação com o principal objeto de estudo que se configura na
ideia linguística. Dessa maneira, permite-se à devida caracterização de ‘influências’ e,
assim, oferecer um quadro de teorias que serviram de acervo ao estudo linguístico
tratado.
19
Esse conjunto de correntes formam o que se é chamado de ‘clima de opinião’.
Um “clima formado pelo endosso e pelo abandono de valores”, a partir da revisão de
paradigmas” (BASTOS e PALMA, 2004, p. 11). Podemos dizer, a partir disso, que esse
quadro de influências que determinaram a ciência, num certo contexto, é resultado de
uma corrente de revisão de modelos anteriores, de forma a continuar ou descontinuar
certas tendências do pensamento.
O segundo princípio trata de “tentar estabelecer uma compreensão completa do
texto linguístico em questão, tanto do ponto de vista histórico como crítico, talvez até
mesmo filológico” (KOERNER, 2014, p. 59). É um momento de análise, cujo princípio
se estabelece criticamente, mas com respeito à historicidade e ao ‘clima de opinião’
previamente exposto. Atenta-se a esse exposto que “o quadro geral da teoria a ser
investigada, assim como a terminologia usada no texto, deve ser definido internamente
e não em referência à doutrina linguística moderna” (KOERNER, 2014, p. 60).
Bastos e Palma (2004), em conformidade com essa linha, afirmam que essa
compreensão e exposição crítica do texto linguístico não pode desviar-se da fidelidade
em que foi dito, mas “cabe-lhe respeitar não só o quadro geral da teoria em questão,
como também as acepções terminológicas definidas internamente”. Isso nos coloca
diante de uma questão denominada de ‘metalinguagem’, que diz respeito à linguagem
utilizada para explicar o pensamento linguístico. Tal questão já fora tratado
anteriormente.
O terceiro princípio deve ser compreendido como aquele em que “o
historiógrafo pode aventurar-se a introduzir aproximações modernas do vocabulário
técnico e do quadro conceptual apresentado na obra em questão” (KOERNER, 2014, p.
60). Chama de ‘princípio de adequação’, o que corresponde ao momento em que o
pesquisador reapresenta as contribuições históricas da obra, comparando-as às
terminologias contemporâneas.
Koerner (2014) entende haver quatro motivações para a pesquisa sobre História
da Linguística: a compilação de História da Linguística; a História de campanha, ou de
propaganda; a História isolada; e, por último, a Historiografia Linguística.
A compilação da História é associada à motivação de se formar um panorama
linearmente evolutivo. Para aqueles que se debruçaram sobre a História da Linguística
20
por essa motivação, há um desenvolvimento científico contínuo formado por patamares,
dentre os quais se entendem como representantes. Segundo Koerner (2014, p. 19):
O resultado destas considerações pode ser descrito, com mais
precisão, como a compilação de histórias que consideram a evolução
da área como tendo decorrido de uma forma essencialmente unilinear,
com os desenvolvimentos mais recentes a representarem um avanço
relativamente a atividades anteriores.
A segunda motivação é semelhante à primeira. A diferença é que, enquanto os
motivados pela compilação da História da Linguística supõem um curso evolutivo
unilinear, os motivados por uma História propagandística estão avivados por uma
oposição às ideias linguísticas anteriores e, por isso, oferecem uma nova proposta, como
um novo paradigma. O exemplo clássico desse tipo de historiografia, segundo Koerner
(2014, p. 21) concerne a Cartesian linguistics, de Chomsky.
Quanto ao terceiro tipo, associa-se a algum problema linguístico para o qual vale
a pena formar um histórico das abordagens frente a tal questão. Segundo Koerner (2014,
p. 22), pode ocorrer em um “campo específico de investigação” e “tem frequentemente
uma atitude mais holística”.
Por fim, a quarta motivação é a da própria Historiografia Linguística. Para esses
motivados pela própria HL, há um esforço num modelo teórico e metodológico que
reforce a cientificidade da disciplina, a fim de colocá-la em condição e reconhecimento
iguais a qualquer área de pesquisa da Linguística. Também implica o caráter de
compreensão da História, pela qual se distingue a Historiografia Linguística de uma
mera formulação panorâmica da História da Linguística para uma interpretação.
Koerner (2014, p. 23) afirma que
Este quarto tipo, hoje normalmente designado de ‘historiografia
linguística’, reivindica que a história da linguística não deveria ser
meramente subserviente à disciplina, mas deveria assumir uma função
comparável à da história da ciência para o cientista das ciências
naturais. Em síntese, ao reconhecer a importante distinção entre
crónica e história, os recentes investigadores que contribuíram para a
história da linguística deram um passo à frente ao distinguir história e
historiografia.
21
Assim, expomos não somente os objetivos de se escrever sobre uma História da
Linguística, como também seus modelos e linguagens. Esses modelos expressam
diferentes interpretações quanto ao passado da Linguística, embora possam ser
questionados por seus métodos.
1.1.2 Definições de HL para Swiggers
Swiggers (2010, p. 2) afirma que a Historiografia Linguística é
(...) o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento
linguístico ; ela engloba a descrição e a explicação, em termos de
fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser
‘positivo’, i.e. estimulante, ou ‘negativo’, i.e. inibidores ou
desestimulantes), de como o conhecimento linguístico, ou mais
genericamente, o know-how linguístico foi obtido e implementado.
Como conhecimento linguístico, Swiggers (2009, p. 2) postula: “el corpus global
de conocimientos y reflexiones em relación con el fenómeno (antropológico) del
linguaje y el hecho (histórico) de las lenguas”14.
Desde que expressem algum conhecimento sobre língua, em qualquer tempo e
espaço, a Historiografia Linguística pode tomar os mais variados objetos de estudo.
Compreendemos todas as ideias a respeito de língua expressos de modo minimamente
científico, quer estejam em gramáticas, em dicionários, em discursos ou documentos de
políticas linguísticas, em manuais didáticos e, logicamente, em dissertações, em teses e
em livros sobre Linguística.
Por curso evolutivo, entendemos tudo o que se formulou no passado, não
exclusivamente como um panorama ou linha do tempo, mas também o que foi refletido
em um espaço e tempo definidos, que comumente chamamos de recorte. Trata-se da
história da Linguística, nesse sentido.
Como “história da linguística”15
, Swiggers (2009, pp. 68-69) define:
como el conjunto cronológico y geográfico de los acontecimientos, los
hechos, los procesos de conceptualización y de descripción, y los
14O corpus global de conhecimentos e reflexões em relação com o fenômeno (antropológico) da
linguagem e o fato (histórico) das línguas. (tradução nossa).
15 Entre aspas e com iniciais em letra minúscula para distinguir a terminologia do autor, no
sentido concebido por ele, de uma História da Linguística genericamente entendida.
22
productos que han moldeado tradiciones de pensamiento y de que
hacer linguísticos.16
Para o autor belga, a HL é um estudo interdisciplinar, essencialmente um estudo
que envolve as ciências da História, das Ciências Sociais e da Linguística, e pode,
inclusive, abranger um sem número de outras áreas de conhecimento. A HL ainda se
relaciona com essas disciplinas de modo intradisciplinar e extradisciplinar.
Por intradisciplinar, destacamos o fato de que ao se fazer historiografia, os
conhecimentos relevantes de outras disciplinas para a pesquisa – especificamente a
Filosofia, a História, a Linguística e a Sociologia da Ciência (SWIGGERS, 2010, p. 2) –
não podem ser vistos senão como parte integrante dela; em vez de estudos que se
associam entre si eventualmente, esses estudos de diferentes disciplinas, confluindo uns
com os outros são a própria HL.
Quanto à condição extradisciplinar, entendemos como o aspecto argumentativo e
histórico-comparativo das formas como o próprio conhecimento linguístico foi
elaborado, proposto, preservado, sustentado. Também, às outras questões que vão para
além das disciplinas, mas que tratam do conhecimento da linguagem.
Assim, Swiggers (2009, p. 2) especifica historiografia como:
El proceso de descripción y de comprensión de los productos así como
del que hacer que constituyen y caracterizanla (historia de la)
disciplina em cuestión. Concebida de tal modo, la historiografía
abarca uma prosopografía de autores (cf. Stammerjohann ed. 1996) y
una documentación (bio)bibliográfica [=epihistoriografía], y,
principalmente, uma descripción (analítica y sintética) combinada con
uma interpretación. Tanto la descripción como la interpretación
pueden, y suelen, tomar formas diferentes, según el objeto y el periodo
descritos, según el tipo y la cantidad de materiales a disposición del
historiador, y según la perspectiva y la metodología adoptadas por este
último.17
16Como o conjunto cronológico e geográfico de acontecimentos, feitos, processos de
conceituação e descrição e materiais que moldaram tradições do pensamento e do fazer
linguísticos. (Tradução nossa).
17 O processo de compreensão e descrição dos materiais, assim como sua produção, que
constituem e caracterizam a (história da) disciplina em questão. Concebida de tal modo, a
historiografia abarca uma descrição de perfil de autores (cf. Stammerjohann, ed. 1996) e uma
23
Podemos, assim, definir a HL como a descrição analítica e interpretativa de um
corpus global de conhecimentos e de reflexões a respeito do fenômeno da linguagem e
da língua, com perspectiva e metodologia adotadas por um historiador.
Swiggers (2010, p. 3) estabelece uma variada relação de entradas e de saídas
para o fazer historiográfico num organograma que demonstra o conjunto de
competências que interagem no trabalho do historiógrafo.
Vejamos o organograma (SWIGGERS, 2010, p. 4)18
:
estruturas linguísticas/fatos
↑
reflexão e descrição linguística
╔ epi-historiografia
↑
historiografia linguística
↓ ↑
meta-historiografia
construtiva
crítica
contemplativa
╔ simboliza uma relação de ‘integração material’ (informação factual)
↑ simboliza a relação entre descrição e objeto (de descrição)
↓ ↑ simboliza alimentação cruzada e enriquecimento mútuo
No organograma apresentado, a Historiografia Linguística – no centro – formula
uma reflexão e uma descrição linguísticas (SWIGGERS, 2010, p. 4), apresentando um
documentação (bio) bibliográfica[=epihistoriografia], e, principalmente, uma descrição
(analítica e sintética) combinada com uma interpretação. Tanto a descrição como a interpretação
podem, normalmente, tomar formas diferentes, segundo o objeto e o período descritos, segundo
o tipo e a quantidade de materiais a disposição do historiador, e segundo a perspectiva e a
metodologia adotadas por este último. (Tradução nossa)
18 Mantivemos as iniciais em letras minúsculas, conforme a edição da obra.
24
conjunto de ideias que constitui a própria “história da linguística” (id., ibid. p. 5), o que
produz um novo sentido histórico sobre uma determinada questão linguística pensada
no passado.
Essa descrição linguística expressará determinadas estruturas do conhecimento
linguístico de aspecto factual – estruturas linguísticas/fatos – (SWIGGERS, 2010, p. 4),
ou seja, a descrição trará à luz as situações que foram objeto de estudo, de
questionamento, naquele determinado tempo-espaço.
Tomamos como exemplo uma pesquisa que reflita sobre como o texto foi
pensado em meados do século XX. O historiógrafo se debruçará sobre a Gramática de
Texto que foi formulada e defendida por certo período. Ao descrever e refletir sobre a
defesa de uma gramática de texto que se supôs durante os anos 50, o pesquisador
apresentará a história da linguística. Por outro lado, ao apresentar aquele pensamento
linguístico, o próprio texto, como objeto de estudo, passa a ser discutido. Dessa
maneira, a historiografia linguística (narrativa descritivo-explicativa) faz uma reflexão e
uma descrição linguística que traria em pauta a Gramática de Texto (História da
Linguística) e esta traria em pauta o Texto como objeto de estudo (estrutura
linguística/fato).
Além disso, envolvem-se na pesquisa historiográfica a “epi-historiografia” e a
“meta-historiografia”.
Quanto ao primeiro, trata-se de uma relação lateral (SWIGGERS, 2010, p. 5),
que consiste na história dos agentes – “pesquisadores individuais, ou grupo de
pesquisadores de uma língua” – e dos materiais – “papiros, manuscritos, livros, artigos,
textos eletrônicos, etc.” (id., ibid., p. 5) – produzidos pela Historiografia. O
historiógrafo, ao tratar de um determinado pensamento linguístico, estará paralelamente
fazendo a historiografia dos pensadores e dos meios como foi expresso esse
pensamento.
Quanto à meta-historiografia, trata-se da relação crítica, construtiva e/ou
contemplativa (SWIGGERS, 2010, p. 5) do historiógrafo com os métodos, modelos,
entre outros aspectos da própria historiografia.
Embora não haja relevante distinção, como demonstraremos em outro momento,
em relação aos princípios metodológicos de Koerner (2014), já expostos, Swiggers
25
(2010) compreende haver três fases para a pesquisa historiográfica: a fase heurística, a
fase de análise argumentativa e a fase histórico-comparativa.
A historiografia linguística tem que partir de uma fase heurística, e
avançar através de uma análise “argumentativa” e de uma síntese
histórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente
fundamentada do conhecimento/know-how linguístico. (SWIGGERS,
2010, p. 2)
A fase heurística corresponde a uma fase de seleção de documentos que
expressem o pensamento linguístico. Esse pensamento linguístico é denominado no
organograma como “estruturas linguísticas/fatos” e são descritos como:
(...) os fatos (selecionados), ou conjuntos de fatos relacionados às
estruturas linguísticas e às situações linguísticas que (no passado)
foram objeto de reflexão linguística, ou de descrição; (SWIGGERS,
2010, p. 4)
Essa seleção deve, portanto, refletir as estruturas e situações linguísticas que
tenham sido objeto de reflexão linguística. Isso nos remete tanto aos problemas
linguísticos de um determinado momento, quanto às soluções apresentadas por aqueles
que se debruçaram sobre eles. Há, dessa forma, tanto a documentação dos fatos, como a
documentação das reflexões, formando o que chamamos corpus.
Sobre a fase heurística, Swiggers (2009, p. 4) afirma:
El primer problema que encuentra el historiógrafo de la lingüística es
el de la disponibilidad y accesibilidad de los textos fuentes. Aquí
mucho queda por hacer: pensamos em la edición y traducción de
numerosos textos lingüísticos de la Antigüedad y de la Edad Media,
enla (re)edición com comentario de varios textos de los Tiempos
Modernos (siglos XVI, XVII y XVIII), em la edición de materiales
inéditos (textos de archivos, correspondencia de lingüistas, borradores
y apuntes), y em la traducción de textos lingüísticos de tradiciones “no
occidentales”.19
19 O primeiro problema que encontra o historiógrafo da linguística é o da disponibilidade e
acessibilidade dos textos fontes. Aqui, há muito a se fazer: pensemos na edição e tradução de
numerosos textos linguísticos da Antiguidade e da Idade Média, na (re) edição com comentário
de vários textos do Tempos Modernos (séculos XVI, XVII e XVIII), na edição de materiais
26
Aqui, compreendemos que disponibilidade esteja ligada à questão de
preservação e acesso aos documentos. No entanto, quanto à acessibilidade,
compreendemos como referente à mesma questão apontada por Koerner (2014) como
de ‘metalinguagem’, ou seja, estamos tratando do acesso não somente ao documento em
si, mas de seu ‘sentido’.
Paralelo à questão da disponibilidade e acessibilidade, Swiggers (2010, p. 2)
aponta para uma concentração de pesquisas historiográficas sobre os “grandes textos”.
Alimenta o interesse dos pesquisadores sobre documentos tidos como marginais que,
segundo ele, são capazes de apresentar um background das ideias linguísticas,
demonstrando de que maneira os centros de pensamento linguístico interferiram na
compreensão das realidades linguísticas.
A segunda fase, de análise argumentativa, consiste na descrição e na
interpretação do corpus selecionado. Tal descrição e interpretação devem-se atentar a
três aspectos: cobertura, perspectiva e profundidade (SWIGGERS, 2010, p. 2).
Por cobertura, entendemos toda a delimitação temática, tanto histórico-
geográfica quanto linguística. Lima (2015, p. 28) afirma que “diz respeito a qual
período, qual campo geográfico e qual temática constituem o objeto de tratamento
historiográfico”20
.
Por perspectiva, entendemos a relação que se estabelece entre o objeto de estudo
e o conhecimento linguístico. Assim, uma perspectiva pode ser interna, no caso de se
tratar aspectos intrínsecos da linguagem; ou pode ser externa, quando se trata do
contexto em que o fato linguístico está inserido.
Por profundidade, entendemos como a abordagem descritiva compreende o fato
linguístico, dependendo da disponibilidade dos documentos. Segundo, Lima (2015, p.
28):
O autor afirma que este parâmetro se determina não só pela intenção
ou vocação do pesquisador, mas, sobretudo, pelo objeto de estudo e
pela documentação disponível, podendo a análise ser mais uma
apresentação de dados, de textos ou uma análise destes dados, ou
inéditos (textos de arquivos, correspondência entre linguistas, rascunhos e notas) e na tradução
de textos linguísticos de tradições “não ocidentais” (tradução nossa)
20 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
27
ainda uma tentativa de explicar os grandes processos de evolução na
história da linguística.
Por fim, a terceira fase corresponde à “síntese histórico-comparativa, em direção
a uma hermenêutica historicamente fundamentada do conhecimento/knowhow
linguístico” (SWIGGERS, 2010, p. 2). Por meio dessa fase, o historiógrafo traz sua
análise à comparação do pensamento linguístico historicamente estabelecido,
delineando as diferenças e as semelhanças com o paradigma em que ele – o
historiógrafo – se encontra.
Portanto, Swiggers sugere com suas fases aquilo que corresponderia aos
princípios de Koerner, propondo um trabalho metodologicamente informado.
1.1.3 Paralelos teórico-metodológicos
Por alguma razão, as linhas teórico-metodológicas dos estudos orientados para a
História da Linguística parecem confluir, de modo a tornar o historiógrafo capaz de
refletir sobre eles paralelamente e encontrar semelhanças.
Há esforços em outros campos de estudo linguístico no sentido de reunir
contribuições teóricas distintas. Nesse caso, há historiógrafos que consideram relevantes
tanto os fundamentos teóricos comumente reconhecidos como Historiografia
Linguística, situados sobretudo em Koerner e Swiggers, como daqueles tidos como da
História das Ideias Linguísticas, em Auroux.
Sintetizando os modelos de Swiggers e Koerner, com seus princípios e suas
fases, oferecem-nos Bastos e Palma (2004, p. 13) os seguintes procedimentos
historiográficos:
(...) podemos sintetizar os cinco pontos fundamentais utilizados na
constituição de nossa metodologia do trabalho historiográfico: 1º
ponto – princípios básicos: a) contextualização; b) imanência e c)
adequação; 2º ponto – passos investigativos: a) seleção; b) ordenação;
c) reconstrução e d) interpretação; 3º ponto – questão das fontes: a)
primárias e b) secundárias; 4º ponto – as dimensões cognitiva e social:
a) cognitiva – interna e b) social – externa; e, por fim, constituindo-se
o 5º ponto – os critérios de análise em que se detectam as
“categorias”.
28
Uma vez expressos os princípios básicos (Contextualização, Imanência e
Adequação), podemos nos voltar para os “passos investigativos”: a) selecionar, o que
implica observar todos os documentos que sirvam à pesquisa; b) ordenar, pois, havendo
documentos que sirvam à pesquisa, cabe ao historiógrafo determinar a ordem em que
cada um deve ser apresentado, se segundo aspectos cronológicos, ou obedecendo a
razões diversas; c) reconstruir, diz respeito à compreensão desses documentos,
ocupando-se do problema da ‘metalinguagem’, de modo a oferecer um entendimento à
comunidade científica moderna, os expostos linguísticos do período/pensamento
abordado; e) interpretar, a partir da reconstrução, de modo a examinar, nos documentos,
aquilo que contribui, de fato, à pesquisa.
Durante os ‘passos investigativos’, o pesquisador da HL se coloca diante de dois
tipos de ‘fontes’ que se caracterizam como ‘primárias’ e ‘secundárias’, ambas a serem
selecionadas, ordenadas, reconstruídas e interpretadas.
As fontes primárias correspondem aos textos que expressam determinadas
acepções linguísticas dos períodos escolhidos. Como parte da fase heurística
apresentada por Swiggers, compreende o desafio do acesso e da importância desses
documentos. Tais textos podem ser tratados filosóficos sobre a linguagem, as
gramáticas, os dicionários, os livros didáticos, entre outros.
As fontes secundárias correspondem a todo acervo teórico e todo tipo de
documentos que acrescentem às fases de pesquisa que culminam com a interpretação
crítica. Esses são documentos teóricos, pesquisas do mesmo campo, históricos,
linguísticos, além de outros.
Lima (2015, pp. 28-29) considera semelhanças nas definições metodológicas
desses dois grupos de estudo sobre a História da Linguística e forma um paralelo, como
vemos a seguir:
Konrad Koerner Pierre Swiggers Sylvain Auroux
1 Contextualização: diz Metodologia heurística: Definição puramente
respeito à fase em que envolve o momento da fenomenológica do
o historiógrafo seleção do objeto a ser objeto: subjaz à
estabelece o clima de estudado, no qual o necessidade de se ter
opinião que envolve o historiógrafo deve fazer respeito às terminologias
29
objeto de pesquisa, ou
seja, esta fase constitui-
se a partir de um
profundo estudo
histórico do período
temporal recortado.
um estudo crítico da
“história textual” das
fontes. Nesta fase, cabe
pesquisar as edições, as
traduções e os estudos já
realizados sobre o
objeto. Além disso, o
autor, cabe a busca das
fontes periféricas que
auxiliem no
esclarecimento das
fontes canônicas.
usadas na época em que foi
produzido o objeto em
análise.
2 Imanência: nesta fase
o historiógrafo há de se
esforçar para olhar o
objeto sem se deixar
contaminar pelo saber
linguístico estruturado
a partir de sua
formação, ou seja, há
de se volver com o
olhar do homem
daquele período
temporal estabelecido,
buscando compreender
como se estabeleceu o
pensamento linguístico
naquele momento.
Metodologia
hermenêutica:
nesta fase, diz o
autor, ser necessária uma
interpretação
contextualizada dos
textos fonte. Aqui se
devem estabelecer as
relações entre textos,
autores, grupos de
pesquisa, tradições.
Da neutralidade
epistemológica: implica
em não julgar se algo é ou
não é ciência, mas em
considerar a palavra ciência
apenas como uma palavra
descritiva.
3 Adequação: é o passo
que permite as
associações entre o
objeto de estudo
selecionado, ou seja, o
pensamento linguístico
passado e o que se tem
Metodologia da
redação histórica: onde
o autor propõe ao seu
leitor uma “história”
sistemática do passado
linguístico reconstruído.
Entre os aspectos
Historicismo moderado:
diz respeito à importância
de se destacarem os fatos
históricos, assim como
outros fatores que
influenciaram o
aparecimento de
30
hoje no quadro da apontados pelo autor, e determinado instrumento
linguística moderna. que envolvem esta fase linguístico, sem, no
está a categorização entanto, considerar
profunda feita pelo demasiadamente os aspetos
historiógrafo. externos e contextuais,
sobrepondo-os aos internos,
ou seja, o objeto em si
mesmo.
Assim, podemos perceber que há basicamente três momentos determinantes no
processo dos estudos historiográficos da Linguística: a) de coleta de dados e estudo de
época; b) de análise e estudo corpus em neutralidade; c) de reconstrução do pensamento
linguístico, estudado de modo a apresentá-lo em linguagem próxima à Linguística
contemporânea ao historiógrafo.
A valorização de algum desses aspectos pode alinhar uma determinada pesquisa
a um campo de estudo específico, sem que haja razões para desconsiderar um campo em
relação ao outro.
1.2 Panorama da HL no Brasil
A Historiografia Linguística, conforme as proposições de EFK Koerner e Pierre
Swiggers assentou-se no Brasil na década de 1990, juntamente com aquelas de
SylvainAuroux, que seriam reconhecidas com da História das Ideias Linguísticas.
Anteriormente a isso, entretanto, há uma tradição em descrição panorâmica da
História da Linguística que tem relevância sobretudo na obra postumamente publicada
de Joaquim Mattoso Câmara Júnior (1904-1970), intitulada de História da Linguística
(1975). Outros trabalhos sem a mesma notoriedade foram “publicados em revistas, anais
de congresso ou em prefácios a obras de outros interesses linguísticos” (BATISTA,
2013, p. 25).
A esse respeito, Altman (2012, p. 15) afirma:
A prática de fazer preceder ao problema descritivo ou teórico que se
aborda seu percurso histórico, como de hábito também no Brasil
(ALTMAN, 1996), desenvolveu-se de forma secundária em relação a
outros interesses, tomando frequentemente a forma ou de uma
31
introdução panorâmica aos manuais de linguística geral (rever, por
exemplo, SAUSSURE, 1993; JESPERSEN, 1949; BLOOMFIELD,
1933), ou de capítulo inicial às teses acadêmicas. De maneira geral,
essas “introduções históricas” visam mostrar os avanços da disciplina,
ou de parte da disciplina, em relação a estágios anteriores. Ou seja,
muitos dos pesquisadores do século XIX, e mesmo do XX, que se
dedicaram a historiar a linguística, estavam em alguma medida
interessados ou na promoção de uma determinada teoria ou na
manutenção do que entendiam ser a unidade essencial da disciplina
como um todo. Vista dessa maneira, a historiografia linguística parece
cumprir ora a função de moldura para uma questão que se coloca no
presente, ora uma função terapêutica, destinada a remediar a
fragmentação das ciências da linguagem que se considera excessiva.
Desse modo, retomamos as motivações de Koerner (2014). Embora se possa
dizer que aqueles trabalhos sejam historiográficos, suas motivações não são as mesmas
de um estudo orientado para aquilo que conhecemos, dentro do escopo teórico e
metodológico expostos, como Historiografia Linguística.
A partir de uma maior divulgação das propostas teóricas e metodológicas de
Koerner e Swiggers, além de Auroux, e consequente reconhecimento, a HL estabeleceu-
se como disciplina na esfera das ciências da linguagem em meio à comunidade
científica brasileira.
1.2.1 Grupos de Pesquisa
Conforme Batista (2013), destacam-se dois grupos no Brasil na área que
corresponde à Historiografia Linguística e um reconhecido como correspondente à
História das Ideias Linguísticas.
O primeiro grupo está ligado à Universidade de São Paulo (USP), denominado
de Grupo de Estudos em Historiografia Linguística, do Centro de Documentação em
Historiografia Linguística (CEDOCH, Departamento de Linguística da USP). Destaca-
se nesse grupo Cristina Altman.
O segundo grupo está ligado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
denomina-se Grupo de Pesquisa em Historiografia Linguística, do Instituto de Pesquisas
Linguísticas Sedes Sapientiae (IPPUC-SP), cuja participação inclui pesquisadores
ligados à Universidade Presbiteriana Mackenzie. Destacam-se nesse grupo Neusa
32
Barbosa Bastos e Dieli Palma. Atualmente, o grupo trabalha com as pesquisas de livros
didáticos de Língua Portuguesa para Ensino Médio da década de 80 do século passado.
O terceiro grupo, que se identifica com as orientações teóricas e metodológicas
de Sylvain Auroux, envolve pesquisadores no projeto “História das Ideias Linguísticas:
Ética e Política de Línguas”. Destaca-se nesse grupo Eni Orlandi.
Sobre a distinção entre os dois primeiros grupos e o terceiro – da Unicamp –,
correspondem a tradições que se diferenciam, mas não se divergem. Quanto a isso,
Altman (in Batista, 2013) afirma que “a oposição entre historiografia ou história das
ideias é, entretanto, uma falsa questão”. Assim, supõe-se que, embora possam se
distinguir os métodos e motivações, ambos modelos estão fundamentados teórica e
metodologicamente e contribuem para a comunidade acadêmica.
Além desses, há o Grupo de Trabalho em Historiografia da Linguística
Brasileira, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística
(ANPOLL), fornecendo um esforço conjunto de caráter nacional tanto na realização de
pesquisas quanto no empenho de consolidar a HL como disciplina linguística no país.
Em meio às contribuições da comunidade científica brasileira para com
Historiografia Linguística, citamos a coleção História Entrelaçada, já no sexto volume.
A coleção faz “uma reflexão acerca do percurso histórico das gramáticas de Língua
Portuguesa, numa perspectiva historiográfica” (Bastos, Palma et alli., 2004). Do século
XVI até a década de 1970, a coleção tem apresentado os diferentes pensamentos
linguísticos de cada período, expressos nas gramáticas e manuais didáticos
selecionados.
33
2. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
Bakhtin (2006) afirma que “a consciência individual é um fato socioideológico”.
Tal postulado leva os estudos historiográficos a respeitar, de modo sistemático, o
critério social e ideológico em que determinada obra linguística foi produzida, pois,
parafraseando o autor russo, a consciência do autor corresponde ao grupo social e
ideológico com o qual foi formado e se identifica.
O discurso científico, independente do que se pode pressupor como ‘ciência’,
não foge à característica marcante de qualquer outro discurso, sendo resultado, como já
dito, de um processo social, histórico e ideológico. Por isso, é determinante conhecer o
processo de um pensamento linguístico específico para conhecê-lo. Sem isso, o uso dos
termos e as proposições perdem seu sentido contributivo das correntes linguísticas, quer
sejam da época em estudo, quer sejam as subsequentes.
Ao encontro, Koerner (2014) defende o princípio da contextualização, já
descrito neste trabalho no primeiro capítulo, o qual compreende o estudo acerca das
condições sociais e intelectuais, no acesso a determinados conhecimentos. É a partir
desse estudo que se chegam ao mais adequado entendimento dos postulados
linguísticos, assim como caracteriza melhor o que chamamos de ‘influência’, a qual
consideraremos contribuições práticas e/ou teóricas observáveis de outras obras e outros
autores.
Em linha semelhante, Swiggers (2010) apresenta, denominando-se como fase
heurística, a seleção de documentos que correspondem ao pensamento linguístico.
Inferimos, a partir disso, que se sustente uma criteriosa observação e uma síntese dos
fundamentos científicos e linguísticos que permeiam o objeto de estudo a que se
determina descrever em HL.
Dessa maneira, devemos nos ater a uma breve biografia dos autores – João de
Barros e Evanildo Bechara, respectivamente –, seguida de uma abordagem do ‘clima de
opinião’ do período em que as obras a serem estudadas se inserem para, enfim,
apresentarmos alguma ‘influência’.
34
2.1 João de Barros e a Grammatica da língua portuguesa
João de Barros foi um português nascido em Vila Verde, próximo a Viseu,
nordeste de Portugal (BUESCU, 1978, p. 54). Acredita-se que tenha nascido em 1496 e
falecido em 1570 (BASTOS, 1981, p. 93.). Fora um filho ilegítimo do nobre Lopo de
Barros e, por isso, recebeu alguns tratos de nobreza, sendo-lhe permitida a educação no
paço real “em estreita amizade com D. Manuel I e também com D. João III” (id., ibid.,
p. 93).
Em 1516, foi Moço de Guarda-Roupa do então príncipe D. João (BUESCU,
1978, p. 55.) e, depois que este fora coroado, chegou a exercer cargos públicos de
relevância como Governador da Fortaleza de São Jorge da Mina; Tesoureiro da Casa da
Índia, Mina e Ceuta; e, Feitor da Casa da Índia. Sua proximidade com a Corte permitiu-
lhe boa influência e acesso aos mais variados documentos.
Bastos (1981) descreve-o como “novelista e poeta (Crônica do Imperador
Clarimundo); filósofo erásmico (Rópica Pnefa ou Mercadoria Espiritual); historiador
(Décadas); e pedagogo (Gramática da Língua Portuguesa)”. Buescu (1978), ao
descrever uma de suas obras, afirma que “na sua Ásia, concorrem informações
geográficas, etnológicas e até linguísticas, em que podemos distinguir uma atitude
precursora do corporativismo linguístico”.
Sigamos, primeiro, com um perfil do período em que se insere o gramático,
pedagogo, pensador português João de Barros. Depois, num segundo momento, uma
breve apresentação de dois gramáticos de seu tempo com quem Barros se relacionou ou
certamente conheceu suas obras. Por fim, trataremos sobre o pioneirismo acerca da
primeira gramática de língua portuguesa.
2.1.1 A maturidade de um Império: a Portugal Renascentista
Podemos considerar o período em que vive João de Barros como o período de
maturidade da expansão portuguesa, fruto da luta contra os mouros em Ceuta, iniciada
no século XV. O avanço marítimo está condicionado a três características que
entendemos como fundamentais: uma é de aspecto geográfico, dado o espaço ocupado
pelo povo português na faixa ocidental da Europa, sem outras rotas de comércio
marítimo senão pelo Atlântico; outro é de aspecto político-econômico, consequente de
um ambiente mercantilista favorável em séculos anteriores; e, por último, de aspecto
religioso, pois, o estabelecimento do reino português se deu em disputa religiosamente
35
motivada pela expulsão dos mulçumanos que ocupavam a Península Ibérica e que se
estendeu a uma cruzada para além das fronteiras europeias. Obviamente, poderíamos
adentrar em outros aspectos, mas determinamo-nos a tratar desses três que nos
pareceram mais relevantes.
Quanto aos aspectos geográficos, Portugal forma-se num espaço entre as
montanhas do leste português e os 854 km de costa marítima, território em que o país se
acomodou. Sua costa era o extremo oeste do continente europeu, tido por muitos como
o fim do mundo, e fazia a ligação por mar entre o norte da Europa e os importantes
portos do Mediterrâneo. Seus grandes estuários colaboravam para condicionar Portugal
à vocação das navegações.
“No extremo sudoeste, ou ‘cabo do mundo’ então conhecido, e
colocado no cruzamento das grandes estradas marítimas (mediterrânea
e atlântica), fazia de Portugal o país europeu mais próximo, ao mesmo
tempo, da África e da América e, por isso, em posição privilegiada no
globo para as empresas da expansão marítima” (MARTINS
AFONSO, s/d, p. 126)
Tanto mar à frente, aliada às condições cada vez mais precárias na agricultura,
fez com que os lusos enxergassem nas águas salgadas a alternativa econômica
favorável. D. Fernando estimulou consideravelmente, por meio de isenções fiscais, a
chegada de matérias-primas necessárias para a tecnologia náutica da época, quer vindas
do interior ou do estrangeiro, além de dispensar dos serviços militares aqueles que se
dedicavam à construção naval. Como consequência do domínio turco no Oriente Médio,
as arriscadas viagens mediterrâneas visando ao comércio com a Ásia foram se tornando
ainda mais complicadas. O avanço português sobre o norte da África trouxe o sonho de
um caminho alternativo às rotas comerciais tradicionais, gerando grande expectativa de
que contornar a África não só era possível, como estava próximo de acontecer. Isso
significaria que Portugal poderia deter o monopólio comercial com Índia e China, o que
motivava grandes investimentos na empresa lusa. Esses investimentos advinham de
recursos de uma coroa bem centralizada – em distinção das demais coroas europeias que
muitas vezes sofriam com guerras entre senhores feudais. Em outras palavras, a
expansão marítima era a maior oportunidade lusa, sem ela, Portugal poderia cair no
ostracismo de uma agricultura pouco atrativa, dependente de importações vindas do
norte da Europa ou do Mediterrâneo, sob os riscos de uma invasão espanhola, ou moura.
36
Por fim, as navegações tiveram um arraigado espírito de Cruzadas. Não nos
esqueçamos de que a formação do Reino de Portugal foi dada a partir de motivações
religiosas numa guerra entre cristãos e mulçumanos. Apesar de afirmações de convívio
pacífico entre fieis dos dois lados, Ameal (1949, p. 25) explica também que os árabes se
dirigiam em ondas sobre a Europa, muitas vezes saqueando, violando e destruindo.
Assim, conforme as Cruzadas diminuíam no leste europeu, acrescia na Península Ibérica
e, por isso, dada a extinção da Ordem dos Templários, D. Dinis funda a Ordem de
Cristo (1319), “a quem entregou os bens dos templários” (MARTINS AFONSO, s/d, p.
132). A Ordem de Cristo seria a coluna que concederia recursos e um espírito religioso
de conquistas à expansão portuguesa. Enfim, Ameal (1949, p. 169) confirma a tese de
que o homem medieval (ainda nos referimos ao século XV) “compreende que a sua
plenitude, de facto, no serviço de Deus”. Por isso, entendemos que a política das
navegações tem forte vínculo com a visão religiosa expansionista dos portugueses, uma
espécie de gênese das conquistas mulçumanas com a da reconquista cristã de espírito
cruzado.
Os passos tomados foram de: primeiro conhecer o Atlântico Norte, o que incluía
terras insulares e a costa noroeste do continente africano, a partir de 1415 (conquista de
Ceuta); seguiram-se então para o golfo de Guiné, a partir de 1470; chegando, enfim, ao
sudoeste africano e de lá ao importante cabo da Boa Esperança, pelo navegador
Bartolomeu Dias, em 1488. O projeto alcançaria seu objetivo em 20 de maio de 1498,
com Vasco da Gama, depois de 370 anos de soberania portuguesa. Tal feito seria
realizado apenas dois depois de João de Barros nascer, e sua vida estaria marcada pelo
progresso socioeconômico consequente do período.
Graças às navegações, Portugal foi-se estabelecendo em diversos pontos em
África, América e Ásia. Administrava-os por diferentes modelos que diferiam quanto
aos objetivos no controle local, quanto à autonomia e quanto ao povoamento. Nas
primeiras décadas, no Brasil e nas ilhas do Atlântico, havia uma administração bastante
autônoma, por meio de donatarias, que ofereciam aos donatários direitos sobre os
produtos, mas também a obrigação de proteger a terra e torná-la produtiva. O próprio
Barros seria donatário da capitania do Pará, junto com Aires da Cunha e, conforme
Buescu (1978, p. 59), aventurar-se-ia em uma tentativa de encontrar ouro no Brasil,
resultando em um fracasso que o deixaria em certa penúria. Quanto à África Ocidental,
formavam-se feitorias administradas por um capitão, auxiliado por um ouvidor e um
37
feitor, dentre as quais estava a fortaleza de São Jorge da Mina da qual João de Barros
fora feitor, em tempos em que seu ouro já era escasso. Na Ásia, a administração
chefiada por um vice-rei era bastante hierarquizada com capital em Goa, de onde
partiam decisões de ordem militar, civil e financeira, para diversos pontos do continente
e da África Ocidental.
Em Lisboa, funcionava a Casa da Índia, da qual João de Barros fora feitor.
Como feitor, deveria administrar o local, diretamente fiscalizado pelo próprio rei. A
Casa era um lugar em que
Corriam todos os negócios do Oriente, através das suas 4 mesas ou
repartições: mesa grande, das roupas e pedrarias; mesa das drogas ou
especiarias; mesa das armadas; e mesa da tesouraria – o que tornava
este famoso estabelecimento simultaneamente, alfândega, capitania do
porto e Ministério do Ultramar. (MARTINS AFONSO, s/d, p. 199)
A capital do império português era o principal centro comercial da Europa na
primeira metade do século XVI, com mais de 100 mil habitantes, entre os quais 7 mil
estrangeiros (MARTINS AFONSO, p. 199). Muitos homens do interior português e de
diversos pontos do Velho Mundo acorriam à cidade, a fim de se sustentar e/ou lucrar
com os negócios.
Portugal investira de tal maneira no comércio com o Oriente que tudo no país
respirava as navegações. Nas ciências, a Geografia, a Astronomia, a Cartografia, as
Ciências Naturais e Náuticas, a Medicina, entre outros, recebiam novos produtos e
experiências notáveis para se redescobrirem certos rumos, justamente graças aos relatos
e observações de marinheiros, cronistas, religiosos e inclusive estudiosos que
embarcavam pelo mundo. Na literatura, certamente a cultura portuguesa recebeu sua
maior obra, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, publicada em 1572. Na arquitetura,
na escultura e em outras artes, diversas referências às navegações e a navegadores
ilustres, com traços de exuberância, sinal das muitas descobertas e tons pelo mundo, e
desenhos da Ordem de Cristo e da esfera armilar.
Prosperou, além das ciências e dos negócios, o projeto difusor da fé
compartilhada pelos portugueses. Primeiro por meio dos freis franciscanos, seguidos
pela importante Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, Portugal estendeu sua
condição de protetor da igreja local aos mais diversos cantos do mundo. Erguia-se uma
feitoria, lá haveria uma cruz. A relação entre a expansão do império português era tão
38
íntima do projeto de evangelização, que seminários e colégios administrados por ordens
religiosas espalharam-se pelo mundo, à medida que os navegadores descobriam e
tomavam posse das terras em nome do rei.
A convicção religiosa quinhentista não se expressava somente pela atividade
missionária. João III, rei entre 1502 e 1557, de quem João de Barros fora próximo, foi
responsável pela formação da Inquisição portuguesa, ratificada na Bula Cum ad nihil
magis, de 1536. Apelidado de O Piedoso, preocupado com a dispersão do
protestantismo surgido no centro do continente, ocupa-se de promover os meios de
evitar inquietações públicas por conta da fé. Apesar de no imaginário popular tal
instituição ser objeto de muitas censuras, a Inquisição ajudou a estabelecer um processo
de julgamento em diversas ocasiões em que as questões de crença se tornavam razão de
contenda. Antes dela, não havia nenhum aparato que se ocupasse de realizar
investigação sobre acusações de cunho religioso que, muito antes da Inquisição, já eram
motivo de condenações, públicas ou oficiais.
Definimos, assim, um retrato do período em que João de Barros vive e escreve a
Grammática. Período marcado pela maturação das conquistas portuguesas resultantes
de um longo processo de formação do país que se desenrolou num clima de expansão
territorial, de determinação religiosa e de atratividades econômicas. Esse período ponta
para um universo que nos revela os dilemas das pessoas da época, como o fidalgo
português que conhecera o rei D. João III, foi administrador público, donatário de terras
no Brasil, intelectual quinhentista, católico fervoroso e que viveu num centro comercial
da Europa do século XVI.
2.1.2 Concepções linguísticas: o Século XVI
Humanista e católico, tinha visão crítica capaz de analisar e posicionar-se sobre
tudo o que não fosse dogma. Autodidata, ampliou sua formação de grande erudição dos
clássicos. Assim, podemos destacar a condição social, intelectual e religiosa do
gramático, determinando, de alguma forma, os meios pelos quais empreenderia suas
análises sobre a Língua Portuguesa.
Destaquemos o período da Renascença em que João de Barros está inserido
como um período de grande movimentação intelectual, a ponto de estabelecer
verdadeiro paradigma na civilização ocidental. Nesse tempo, houve um sobressalto
científico que transformou o pensamento europeu capacitando-o para a expansão
39
política, econômica e cultural; um fenômeno linguístico caracterizado pela intensa
normatização das línguas; e, por fim, um estabelecimento do estado português – e
consequente expansão política-cultural – que justificará a obra de João de Barros.
Buescu (1998, p. 18) descreve o panorama como “vocacionado para as grandes e
definitivas opções”. Isso porque, segundo ela, o período se determinou dentro da
“célebre controvérsia em torno da analogia e da anomalia” (Id., ibid., p. 15). Ou seja,
situa-se em meio à questão entre a valorização do sistema e do uso, entre a simetria
convencional e a criatividade, entre o estável e o instável.
Se, por um lado, os analogistas tenderiam naturalmente para o latim, os
anomalistas tenderiam naturalmente para as línguas vernáculas. Assim, estes
valorizariam a poética, enquanto aqueles a gramática. De que modo então o pensador
humanista seria levado à gramatização sob um ponto de vista mais intelectual?
Buescu (1998, p. 18) postula que tal problema teria sido resolvido por dois
modos:
1) Efetuando o cisma necessário, em direção a um formalismo, entre a
gramática e a filosofia (conciliação antiga) e entre a gramática e a
teologia (conciliação medieval), ainda que mantendo aquela dentro
dos esquemas tributários do pensamento e da terminologia lógica de
Aristóteles. Embora acolhendo as pertinências dogmáticas de certas
questões para linguísticas de um legado medieval é, neste momento
que a Gramática surge como ciência autônoma, como objeto e
metodologia próprios.
2) Optando, no contexto referido da controvérsia entre analogistas e
anomalistas, por uma posição híbrida, de paradoxal conciliação.
Efetivamente, é essa a grande opção dos gramáticos do Renascimento.
Observando – o que já Dante fizera, no Convívio, ao referir-se à
“artificiosa gramática” – a variabilidade das línguas românicas,
incodificáveis, segundo os modelos antigos, é, afinal, o conceito de
anomalia, que vem, paradoxalmente, pôr ordem no desordenado: as
línguas são anômalas mas codificáveis.
Desse modo, em primeiro lugar, a Renascença se posicionou no pensamento
linguístico, separando o estudo linguístico da Filosofia e da Teologia; e, em segundo
40
lugar, numa “posição híbrida, de paradoxal conciliação” entre analogia e anomalia,
portanto, superando suas tendências em favor de um novo contexto.
Vale notar, no entanto, que essa ruptura, ou descontinuidade, no trato do
pensamento científico da época com as ideias linguísticas não impede certa
continuidade, ou permanência, dos valores medievais, entre os quais a reverência à
Gramática Latina, por exemplo.
Ao longo desse período, houve, segundo Auroux (2014, pp. 35-36), uma
mudança na concepção de cientificidade, a qual só foi possível pela transformação das
ciências da linguagem. Pois, na passagem de uma concepção tradicional de ciências da
natureza para uma concepção físico-matemática, houve uma profunda mudança na
concepção das linguagens para um sentido mais prático da língua.
Nesse contexto, Buescu (1998, p. 19) afirma:
É esse, pois, o perfil mental do homem do Renascimento e, no caso
sobre o qual nos debruçamos, de João Barros e de Fernão de Oliveira:
a curiosidade presencialista, por um lado, em relação ao mundo
circundante, a par de um majestático sentimento de veneração pelo
legado cultural dos Antigos, por via dos Romanos, sem que isso
jamais signifique aceitação passiva e acrítica. Essa majestade, com
efeito, parece ser a marca ou o traço distintivo da latinitas aos olhos
dos Humanistas de Quinhentos e para ela apela numerosas vezes João
de Barros, adepto da monumental gravidade do discurso e da ação.
Surge, então, um interesse pela língua em seu estado mais prático, pois, essa
mudança de visão científica incitará uma busca por mais observação e comprovação.
Ainda que não houvesse no período uma preocupação com a língua em uso, estava claro
que não importava tanto as línguas clássicas que se verificavam estáticas, mas as
línguas nacionais que careciam de estudo sistemático e eram faladas naturalmente pelos
povos, portanto, estavam abertas à observação e, consequentemente, à comprovação.
O elemento das línguas vernáculas que se pretendia observar e comprovar era a
tese de que era possível dotá-las de um sistema igual ou parecido com o dos latinos e
gregos. João de Barros, como homem de seu tempo, afirma justamente propor à língua
portuguesa, naturalmente falada e, portanto, observável e comprovável, uma “arte”, que
será verificada ao longo de todo seu texto essa condição de sistema semelhante ao dos
latinos e gregos.
41
Outras duas realidades revolucionárias marcarão o homem do século XVI: a
descoberta de novas terras e a imprensa. Uma capaz de interferir diretamente na
compreensão que o homem ocidental tinha de si e do mundo, desfazendo “mitos” que se
passavam como “verdades” e revelando um universo de coisas que, a partir de então,
precisavam ser compreendidas e explicadas. Outra capaz de acelerar os processos
informativos e comunicativos em uma civilização conformada aos livros pesados, às
longas viagens, à informalidade das notícias e aos discursos fortemente marcados pela
pessoalidade.
Quanto ao primeiro, Auroux (2014, p. 57) concorda com os que entendem que,
com a chegada do homem europeu aos quatro cantos do mundo, houve “uma mudança
de visão de mundo fechado (o cosmos antigo e medieval) para um universo infinito”.
Assim, o universo finalmente amplia-se, de forma a obrigar o homem europeu a
reformular seu pensamento a respeito de si e do cosmos, além de assimilar novas
realidades. Quanto ao segundo, destaca como “um motor decisivo para a gramatização e
a estandardização dos vernáculos europeus” (Id., ibid., p. 31).
Assim, João de Barros situa-se num contexto de decisivas transformações no
pensamento europeu, pelas quais as línguas vernáculas, com base na tradição gramatical
latina, ganhariam destaque. Tal destaque estaria vinculada à superação das questões
entre analogia e anomalia, assim como à nova visão de mundo estabelecida com a
descoberta de novas rotas marítimas e à tecnologia de imprensa que favoreceu, como
veremos, uma tendência de se pôr em gramática essas línguas vernáculas.
Desse modo, o pensamento linguístico sofreu importantes influências
desencadeando um interesse pelas línguas vernáculas. Diversos intelectuais, fossem
literários, pedagogos, religiosos, procuraram realçar cada qual a língua de sua
comunidade e começaram a descrevê-la de modo a torná-la em meio relevante de
comunicação escrita. Essa descrição deu origem às primeiras gramáticas da maior parte
das línguas modernas da Europa. Tal fenômeno aconteceu de modo inter-relacional e
espontâneo, promovendo uma busca na compreensão das linguagens.
Esteve no auge, então, o que Auroux (2014, p. 35) chamará de “segunda
revolução técnico-linguística”. Tal revolução consiste na Gramatização, quando uma
“rede homogênea de comunicação centrada inicialmente na Europa” foi capaz de
espalhar pelo mundo em contato com essa rede um grande número de publicações de
gramáticas, cujas técnicas de descrição e de explicação da Língua foram compartilhadas
42
entre si. Essa revolução técnico-linguística, tida como a segunda – uma vez que a escrita
também constitui uma técnica linguística desenvolvida entre povos que compartilhavam
seus saberes –, desenvolve-se ao longo de um período que vai do século V de nossa era
até o século XIX. A Gramatização, em seu contexto histórico, é compreendida,
portanto, como um conturbado período de divisão do Império Romano e início de sua
desintegração no Ocidente, indo até a industrialização, considerada por ele como
consequência prática das mudanças nas ciências da natureza.
Quanto à fase tida como de Gramatização clássica, e que corresponde à da
Grammática da lingua Portuguesa, como razões para a produção de uma gramática do
vernáculo, mostra-nos Auroux (2014, p. 50):
Em um contexto no qual já existe uma tradição linguística, a
necessidade de aprendizagem de uma língua estrangeira, (...), é
potencialmente a primeira causa da gramatização (...). Essa
necessidade é capaz de responder ela mesma a vários interesses
práticos:
i) acesso a uma língua de administração;
ii) acesso a um corpus de textos sagrados;
iii) acesso a uma língua de cultura;
iv) relações comerciais e políticas;
v) viagens (expedições militares, explorações);
vi) implantação/exportação de uma doutrina religiosa;
vii) colonização.
A segunda causa da gramatização, concerne essencialmente à política
de uma língua dada (ela é, pois, suscetível de afetar a língua materna)
e pode se reduzir a dois interesses:
viii) organizar e regular uma língua literária;
ix) desenvolver uma política de expansão linguística de uso interno ou
externo.
Destaquemos as viagens de explorações (v) por meio das quais surgiu entre os
europeus o apetite colonizador (vii) e a inevitável necessidade de se normatizar a língua
materna com o objetivo de impor aos povos conquistados (ix).
43
Esse contexto é perfeitamente encontrado em Portugal. Talvez, nenhum outro
país europeu tenha se adiantado tanto no esforço pelas viagens e pelas conquistas, de
modo que o pequeno reino lusitano aventurava-se pelo norte da África muito antes de se
conquistar a América. A esse respeito, afirma Casagrande (2005, p. 43):
Calcados em princípios cristãos, com os quais fomos
presenteados, junto às contas e às miçangas coloridas, a partir do
instante em que os autóctones ergueram a cruz e prostraram-se diante
dela, os portugueses, que aqui aportaram há 500 anos, traziam como
herança o espírito empreendedor que , desde 1184, fizera com que
seus ancestrais visitassem Marseille e Montpellier, estabelecendo as
primeiras relações comerciais de que se tem notícia Cerca de 400 anos
antes de chegar ao Brasil os lusitanos já se aventuravam pelo
Mediterrâneo com o objetivo de estreitar relações com outros povos.
Percebe-se com isso o quanto Portugal, sendo um país pequeno e até pouco
povoado, procurou no comércio marítimo a via de desenvolvimento econômico. Senão
pela necessidade, revelada logo na formação do estado português, os portugueses não
buscariam tão brevemente a perícia das navegações e não teriam condições de chegar,
por via marítima, à Índia e China, de modo pioneiro.
Quanto à língua, esses fatos permitem o entendimento de uma relação bastante
íntima, uma vez que, estabelecendo-se as conquistas políticas, estabelecem-se as
conquistas linguísticas, as quais, sem uma gramática sistematizada, tornam-se
praticamente inviáveis. Fernão de Oliveira chegou a escrever em sua obra que “porque
milhor he que ensinemos a Guiné cá que sejamos ensinados de Roma” (OLIVEIRA,
1536).
Além das conquistas políticas, há uma questão importante para a formação do
estado português: sua identificação religiosa. Constituindo-se como nação no processo
de Reconquista cristã da Península Ibérica, Portugal insere-se num ambiente fortemente
religioso e isso estará associado, mais tarde, à expansão das escolas jesuíticas que não
dispensavam o ensino da Língua Portuguesa.
A esse respeito, Casagrande (2005, p. 47) defende:
Esse espírito empreendedor abrigava, além de interesses políticos e
comerciais que beneficiassem sua pátria, o desejo de salvar aquelas
almas. Através da bula papal assinada em 1442 pelo Papa Eugênio IV
44
– e renovada pelo Papa Nicolau V, em 1452 -, os portugueses teriam a
concessão do monopólio no comércio com a África, com autorização
de fazer a guerra contra os infiéis, tirar-lhes as terras e escravizá-los.
Barros, sobre os povos a serem conquistados, afirma que “per esta nóssa árte
aprenderem a nóssa linguágem, com que póssam ser doutrinádos em os preçeitos da
nóssa fe, que nella uám escritos” (BARROS, 1540, p. 58) 21. O que explicita as
motivações religiosas para a escrita de sua obra.
Contribui muito para compreender a gramática de João de Barros, portanto, essa
rede de comunicação que permitiu a transferência de um modelo teórico e
metodológico, por um lado, somando-se aos interesses políticos, econômicos e
religiosos, por outro, que motivaram a escrita de uma gramática normativa em Língua
Portuguesa. Dessa maneira, o português entra numa célebre lista de gramáticos das
línguas vernáculas que marcaram a história, ao escrever suas obras durante, sobretudo, o
final do século XV e ao longo do século XVI.
A Grammatica da lingua Portuguesa, de João de Barros, foi escrita em 1540,
como vimos, dentro de um processo por que passou diversas línguas europeias. Por essa
razão, devemos nos voltar para duas referências na formação de gramáticas em língua
vernácula que, pela proximidade com Barros, podem tê-lo ajudado em sua composição
e, assim, podem ser consideradas como “influência”, pela perspectiva de Koerner (2014,
p. 56). Antonio de Nebrija e Fernão de Oliveira anteciparam-se a Barros no esforço de
descrever suas línguas, sendo o primeiro pioneiro da gramatização da Língua
Espanhola, enquanto o segundo foi o primeiro a formar uma descrição da Língua
Portuguesa.
Conforme nos aponta Auroux (2014, pp. 38-39), antes de se publicar a
Grammatica da lingua Portuguesa já havia gramáticas do Irlandês, do Islandês, do
Provençal, do Gaulês, do Francês, do Italiano, do Espanhol, do Tcheco e do Alemão.
Considerando que muitas dessas línguas tinham pouca proximidade com o Português,
entendemos que João de Barros parecia conhecer ao menos três dessas línguas de raiz
latina: o francês, o italiano e o espanhol. Na obra, Barros (1540, pp. 53-54) chega a
afirmar:
21 Usaremos uma adaptação que se aproxime da ortografia original, de forma que a torne
inteligível à moderna.
45
Hũa destas ȩ a Italiana, na outra a françesa, e a outra a espanhól (F)
Quál destas á por melhór, e mais elegante (P) A que se mais confórma
com a latina, assi em uocábulos como na orthografia. E nesta párte
muita uantaiem tem a italiana e espanhól, á francesa: e destas duas
aque se escreue como se fála, e que menos cõsoãtes lȩua perdidas.
Se Barros conheceu as três línguas citadas, uma em particular parece-nos ser
mais importante: a Espanhola. Por uma questão de identidade nacional, visto que os
portugueses, os catalães, os galegos, os bascos e os castelhanos formavam o conjunto de
povos ibéricos que ansiavam por formar suas próprias pátrias, depois da saída do
elemento árabe da região, tinham de digladiarem-se umas com as outras em busca de
confirmar parte do território peninsular para si. Nesse contexto, a língua tornar-se-ia o
sinal preponderante de identidade que lhes permitia reclamar um espaço, e nenhum
outro povo soube aproveitar disso melhor que o português. Sobre isso, Buescu (1978, p.
67) afirma:
Vem em primeiro lugar, entre as outras línguas, o castelhano, a mais
perigosa rival do português, obstáculo para o prestígio que queriam
vê-la alcançar os grandes paladinos quinhentistas da língua.
Com efeito, embora raras vezes Barros se refira concretamente à
língua castelhana, cujo prestígio como língua literária e de cultura foi
crescente até meados do século XVII, sente-se que é principalmente,
visando essa rivalidade perigosa para o desenvolvimento da língua
portuguesa que Barros constrói a apologia contida no Diálogo.
Assim, fica clara a importância de Nebrija no contexto de João de Barros, uma
vez que havia a necessidade de contrapor o Português ao Espanhol ao tempo em que
precisava estabelecer um modelo gramatical para uma língua vernácula, é de se supor
que Nebrija tenha servido de referência.
Cordeiro (2008, p. 120) apresenta-nos algumas compreensões quanto ao
humanista espanhol:
No contexto de Nebrija, a gramática é a arte ou ciência responsável
pelo estudo da palavra enquanto signo que estabelece congruências,
analogias, entre a racionalidade humana e o mundo real. A linguagem
humana é sinal de uma inteligência singular, que diferencia o homem
46
dos animais. Essa inteligência, por sua vez, informa os sons
articulados e lhes outorga significado.
Tais pressupostos, segundo Cordeiro (2008, p. 121), aproximavam-no aos
‘modistas’ que no século XIV confrontavam-se com os ‘nominalistas’. Resumidamente,
para aqueles, havia uma correspondência entre a palavra (signo) e a coisa (a que se
refere), assim como o sujeito ao falar conhece o signo e seu referente, de modo que o
primeiro permite que se conheça o segundo. Quanto aos ‘nominalistas’, estes refutavam
o conhecimento do sujeito quanto ao objeto conhecido, de modo a não haver universal
correspondência entre o signo e o mundo extralinguístico, levando-os a defender que a
ideia de ciência deveria fundar-se em termos próprios e não universais.
Embora esteja associado à tradição gramatical latinista e modista, Antonio de
Nebrija também valoriza as correntes modernas do Renascimento, sendo um de seus
maiores expoentes na cultura espanhola. Cordeiro (2008) afirma que é pela valorização
do uso que Nebrija transporta seus valores tradicionais para uma nova forma de estudo
linguístico.
Dessa maneira, entendemos que o espanhol está alinhado ao conjunto de ideias
de seu tempo, de modo a conformar os conceitos das línguas tidas como vulgares a
esses modelos. De um modo bem amplo, podemos indicar que Nebrija alia os conceitos
mais tradicionais da língua com aspectos que são próprios do humanismo renascentista.
Quanto a Fernão de Oliveira, Casagrande (2005, p. 69) traz-nos um esboço do
pensamento de Oliveira da seguinte forma:
No tocante a sua obra, podemos afirmar que Fernão de Oliveira
baseou-se em gramáticas latinas, direcionando seus estudos à palavra,
de modo que se deteve mais profundamente na formação de palavras e
nas descrições fonéticas.
Podemos perceber a partir da leitura de sua obra, que o autor tinha
como objetivos principais: a) tecer louvores à língua portuguesa,
indicando que sua estrutura era semelhante às línguas de prestígio,
como o latim e o grego; b) descrever a língua portuguesa por meio do
bem falar e do bem escrever; c) trabalhar a ortografia portuguesa
Dessa maneira, entendemos que Fernão de Oliveira ocupa-se da ortografia e da
fonética, o que demonstra um olhar linguístico ocupado com o que considera bem falar
e bem escrever. Para tanto, procura descrever o que entende como melhor maneira de se
47
usar a língua, preocupado em fazer-se entender em cada detalhe da pronúncia. Essas
características mostram-nos sua vertente mais “presencialista”, conforme Buescu (1978,
p. 8). Ainda segundo Buescu (1978, p. 53), a publicação de Fernão de Oliveira é
“eminentemente pragmática, baseada numa experiência pedagógica e humana”, além de
“altamente expressiva dum espírito aberto e atento à obra circundante”.
A Fernão de Oliveira podemos destacar a formação de uma gramática
tipicamente renascentista, mas com um caráter bastante premonitório a respeito do valor
que deu aos aspectos fonéticos que séculos mais tarde se tornariam a tônica da
linguística.
Sem dúvida, tanto as carências de uma gramática sistemática, mas com alto
valor ortográfico de Fernão de Oliveira, como o modelo completo de Nebrija
influenciaram João de Barros na articulação de uma gramática de caráter normativo e
tão próximo dos modelos clássicos, que se pode dizer ser a primeira gramática da
Língua Portuguesa.
2.1.3 Do pioneirismo sobre uma gramática de Língua Portuguesa
Tratemos da questão sobre o pioneirismo da produção gramatical de Língua
Portuguesa: seria João de Barros ou Fernão de Oliveira quem desenvolveu a primeira
gramática da Língua? Mesmo que se considere a obra de Oliveira a primeira, Barros
ainda reserva grande importância pelo seu papel de pioneirismo na formação de uma
gramática verdadeiramente sistemática.
Fernão de Oliveira escreveu sua Grammatica da Lingoagem Portuguesa, em
1536. Apenas quatro anos depois é que João de Barros escreveria sua Grammatica da
lingua Portuguesa. Ambos se conheciam, de modo que, segundo Buescu (1978, p. 50),
Fernão de Oliveira assumiu a educação de Barros.
No entanto, a obra de Oliveira não terá a mesma dimensão sistemática, tratando-
se mais como uma “primeira anotação” (OLIVEIRA, 1536), conforme ele próprio
escrevera. Do ponto de vista moderno sobre a constituição de uma gramática, a obra de
Oliveira distingue-se mais pela descrição fonética e pela persuasão para uso da língua
portuguesa do que por uma formação normativa.
A obra de João de Barros, por outro lado, é tida como “uma verdadeira
gramática, dotada de uma sistematização e dum caráter não só vincadamente
pedagógico, mas também normativo” (BUESCU, 1978, p. 6). Nesse sentido, Bastos
48
(1981, p. 94) afirma que “ele é realmente o primeiro, se se considerar o sentido que é
dado à arte, em sua gramática, isto é, sistematizar a língua com a finalidade de mostrar
como falar e escrever bem”.
Portanto, a Grammatica da lingua Portuguesa de João de Barros pode ser
assumida como a primeira gramática realmente normativa em nossa língua. O próprio
autor, em sua obra, afirma sobre a serventia de uma gramática como para “hũ módo
cȩrto e iusto de falár, & escreuer” (BARROS, 1540, p. 2).
2.2 Evanildo Bechara e a Moderna Gramática Portuguesa
Evanildo Cavalcante Bechara é um gramático e filólogo brasileiro da cidade de
Recife (BECHARA, 2008, p. 45). Nascido em 1928 em Pernambuco, fica órfão de pai
aos 11 anos de idade e, por isso, passa a viver no Rio de Janeiro, junto de seu tio-avô,
onde recebe as instruções do período ginasial (id., ibid., p. 46). Durante o colégio,
procura dar aulas particulares de Matemática, embora só recebesse alunos de Português
e Latim. Concluído os estudos básicos, prossegue para o curso clássico na Faculdade do
Instituto La-Fayette (id., ibid., p. 46).
Ainda entre seus 15 e 16 anos, conheceu o professor Said Ali por meio de quem
conheceria Lindolfo Gomes, Mattoso Câmara, Antenor Nascentes, entre outros
membros da Academia Brasileira de Filologia (BASTOS, 2008, p. 18). Ao terceiro ano
do curso clássico, torna-se assistente de Latim do professor Ernesto Faria e, ao terminar
a faculdade, presta sua livre-docência com a tese O futuro românico (id., ibid. p. 20-21).
Em 1954, assume como professor no renomado Colégio Pedro II e chega à cátedra de
Filologia Românica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UEG (atual UERJ),
em 1964.
Quanto à sua relação com Said Ali, ela foi mais do que significativa, pois foi por
ele que Evanildo foi inserido no mundo das pesquisas linguísticas. Segundo o próprio
Bechara, quando ainda cursava o ginasial da época, teve contato com a obra
“Lexeologia do portuguez historico” (1921), de Said Ali (BECHARA, 2008, p. 13). A
partir daquele momento, Evanildo Bechara procurou ler as obras do filólogo, conheceu-
o e frequentou sua casa. Quando em 1954, em concurso para o Colégio Dom Pedro II,
apresentou a tese “Estudos sobre o meio de expressão do pensamento concessivo em
português”, a influência do filólogo chegou a ser considerada pelo próprio autor como
do “espírito de Said Ali” (id., ibid., p. 22).
49
Bastos et alli (2008, p. 8) descrevem-no como “pesquisador excelente” e
Cavaliere (2008, p. 91) destaca certo “espírito empreendedor”. Preti (2008, pp. 62, 64)
considera-o um gramático de linha tradicional, embora demonstre algum “apoio à
renovação”, para quem não há “oposição à língua oral”. Seja como filólogo, como
gramático ou como catedrático da língua portuguesa, Evanildo Bechara é objeto de
diversos estudos e de muitos elogios.
Sigamos, primeiro, com um perfil do período em que se insere o gramático,
filólogo, linguista pernambucano Evanildo Bechara. Depois, num segundo momento,
uma apresentação do período linguístico dos estudos brasileiros sobre linguagem, mais
propriamente à fase diversificada, em que as tendências linguísticas de todo século XX
desembocam na obra de Evanildo Bechara.
2.2.1. Um mundo multiverso: o Brasil na virada do terceiro milênio
Considerado por muitos o melhor gramático da atualidade, Evanildo Bechara é
um estudioso de língua atento ao seu tempo, sem deixar de se orientar pela tradição
gramatical brasileira. Para melhor compreender a obra, exige-se uma adequada leitura
do ‘clima de opinião’ que vai da segunda metade do século XX até o início do século
XXI. A edição da Moderna Gramática Portuguesa de 2009 é a 37ª22 de um trabalho
iniciado em 1961, cujos propósitos são tidos como os mesmos pelo autor em seu
prefácio, no entanto, revisada e ampliada, após “leitura atenta dos teóricos da
linguagem” (BECHARA, 2009, p. 19).
Antes de nos atermos às concepções linguísticas que marcam o período em que
Bechara escreve sua gramática, apresentaremos um pouco do cenário político e
econômico do momento. Para isso, somos levados a considerar todo o fim do século XX
como meio de se entenderem as mudanças significativas que moldaram a década de
1990 e o início do século XXI, importando para nós uma leitura de mundo que possa
nos ajudar a interpretar as mudanças linguísticas do início do século XXI. Cremos,
assim, que esses aspectos não correm em paralelo às transformações da linguística
moderna e das produções de gramática, mas fazem parte de uma ampla mudança
cultural e comportamental.
22 Como já dissemos em nota nas Considerações Iniciais deste trabalho, a 37ª edição é de 1999,
entretanto, em 2009, uma nova 37ª edição pôs o trabalho em conformidade com o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
50
A fim de estabelecermos uma contextualização geral desse período sobre o qual
nos debruçaremos, tomamos por parâmetro Oliveira (2013, p. 53) o qual distingue três
fases sociopolíticas dos países de Língua Portuguesa. Para cada fase, trataremos de fatos
que consideramos importantes para compreendermos o período em que a Moderna
Gramática Portuguesa, em sua 37ª edição, foi escrita. Assim, as fases são:
[1] A Guerra Fria propriamente dita, que significou para os dois países
de então, Brasil e Portugal, pelo tipo de inserção possível o Bloco
Ocidental da época, um longo período de governos autoritários.
[2] A longa transição para a normalização democrática no Brasil e em
Portugal e para a paz nos Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (...) e Timor-Leste no pós-25 de Abril.
[3] O período pós-2004, a partir das novas relações de poder e das
novas inserções internacionais dos países de língua portuguesa na
economia mundial.
A primeira fase, cuja importância consiste apenas para melhor apresentarmos
como foi o período subsequente, corresponde às décadas de 50, 60 e 70, fortemente
marcadas pelo impacto da II Guerra Mundial e início da Guerra Fria. Faccina,
Casagrande e Hanna (2008), afirmam a esse respeito que:
O pós-guerra mostrou-se, a princípio, aterrorizante, pois o mundo
poderia explodir a qualquer instante, afinal o homem construiu a
bomba atômica e seus efeitos o tiraram do eixo lógico. (...)
A citação dos historiadores é pertinente para contextualizarmos o
clima de opinião desse momento de conflitos interno e externo; isso
resultou em mudança comportamental em todos os segmentos da
sociedade.
Essa mudança de comportamento pode ser expressa de variadas maneiras, mas o
suspense de uma nova guerra de grandes proporções contribuiu para a valorização do
uso de tecnologias como forma de embate das potências, em um clima de engajamento
ideológico (de um lado e de outro), que intensificou o câmbio de informações.
Entendemos, dessa forma, que o pensamento ocidental da segunda metade do século,
influenciado pelo clima sociopolítico da Guerra Fria, foi de disputas pela novidade
científica e alinhamento ideológico (trata-se do esforço intelectual para se posicionar no
51
espectro das ideias sociopolíticas) que permitiram a emergência de novos paradigmas,
num acúmulo de proposições como nunca se havia visto.
No Brasil, as disputas ideológicas e a polarização geopolítica se refletiram em
forças autoritárias, como afirma Oliveira (2013, p. 58)
Conter o suposto comunismo e os movimentos de reivindicação
popular no contexto da manutenção de estruturas capitalistas antigas, e
geradoras de pobreza, foi um dos principais objetivos dos 41 anos da
ditadura salazarista em Portugal, por um lado, e dos oito anos do
Estado Novo brasileiro (1937-45) e depois dos 21 anos do regime
militar (1964-1985), por outro.
Podemos, assim, entender que a primeira fase se forma: historicamente, entre o
fim da II Guerra Mundial e início da Guerra Fria, e marca o Brasil por um breve período
democrático e pelo golpe de 1964. Podemos sintetizar o clima de época como de um
persistente racionalismo, envolto numa atmosfera solvente e em crise.
A segunda fase corresponde ao período das décadas 80 e 90, antecedentes da 37ª
edição, revisada e ampliada, da Moderna Gramática Portuguesa. O Brasil seria
marcado pelo fim da Guerra Fria e início da Globalização. Em âmbito doméstico, o
período assistiria ao declínio da ditadura militar e a uma abertura democrática e
econômica.
De um mundo quase sempre dividido ao meio, as questões sociopolíticas e
culturais passaram a conviver com a multilateralidade. Assim expressam Palma e
Mendes (2008, p. 158) que “a partir dos anos de 1980, a economia mundial inicia um
processo de Globalização em que diversos setores da atividade econômica se integram,
isto é, passam a atuar em conjunto no mundo inteiro”. Para o homem do fim do segundo
milênio, a desconstrução dos paradigmas político-ideológicos da Guerra Fria e o acesso
rápido a informações permitiriam um volume inimaginável de proposições, seja pela
rápida assimilação, seja pela contestação frequente. A esse respeito, mostram-nos Palma
e Mendes (Id., ibid., p. 158):
Gigantescas redes de comunicação por fibra óptica e por satélites
possibilitam o tráfego de informações de televisão, de rádio e de
telefone, bem como o de dados dos mercados financeiro, comercial,
científico, etc. Destaca-se, nesse setor, a internet, rede mundial de
computadores que teve sua origem nos Estados Unidos do final da
52
década de 1960 e que, atualmente, interliga os usuários do mundo
inteiro. Seu auge ocorre a partir dos anos 1990, com o aumento do
número de usuários e de aplicações.
Esse montante de informações, associadas a uma percepção de fim da luta
ideológica, permitiu uma cultura da diversidade e uma estigmatização dos sistemas
político-ideológicos. Gera-se um clima de unidade e de diversidade, de individualidade
e de interdependência relacional, de localidade e de globalidade, sem concretude, mas
formada a partir da relatividade entre esses aspectos.
Portanto, o fim da Guerra Fria tornou o ambiente, em vez de mais homogêneo
numa suposta superação dos embates político-ideológicos, ainda mais diversificado em
que se formaram grupos que disputavam o espaço de sua identidade em um mundo
ainda mais global, mas, agora sem um “território” a disputar. O contraste entre um
mundo globalizado e uma localidade que busca inserção, tornou a diversidade e a
confluência de pensamentos o tom da virada do milênio.
No Brasil, vemos o advento de um novo período democrático marcado pelas
ideias plurais e pelas garantias de liberdade individual. Essa condição, consequência do
cenário global, obrigaria o país a dar respostas ainda mais democráticas nos âmbitos
político-econômico, educacional e linguístico, tanto na relação entre Estado e Sociedade
quanto nas relações internacionais.
No plano econômico, além de sucessivos fracassos de política monetária,
podemos apontar algumas medidas que caracterizariam o Brasil do terceiro milênio: a
abertura econômica, que tornou o mercado interno “mais atraente a investimentos
estrangeiros” (AQUINO, 2013, p. 106); a formação do Mercosul, entre os países da
Bacia do Prata, que estreitou, entre os membros, “laços econômicos e culturais”
(PALMA et MENDES, 2008, p. 159); e, o Plano Real, que se revela “prático e bem-
sucedido no controle da inflação” (id., ibid., p. 160). Resumimos o cenário econômico
da virada do milênio com Aquino (2013, p. 107) para quem a tríade acima permitiu um
Fluxo de investimentos associado com a baixa capitalização das
empresas nacionais levou a uma especialização produtiva industrial
dos anos 1990. Concomitantemente, a abertura econômica levou a
uma situação (somada à apreciação cambial) de desnacionalização da
indústria pela via das fusões e aquisições, e assim resultante da queda
do capital nacional na participação tanto nas vendas da indústria
53
quanto no investimento. Esse processo foi catalisado pela política de
investimento industrial em infraestrutura, e pelo aumento das
exportações intra-firma entre filiais de multinacionais presentes nos
países do Mercosul.
Com o fim do regime militar, tornou-se tendência a pluralização de ideias e a
abertura para novas concepções pedagógicas. A fim de se democratizar também o
ensino, houve o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de
20 de dezembro de 1996. A lei cuja finalidade era disciplinar a educação escolar a partir
dos novos princípios democráticos, estabeleceu em seu Art. 3º os seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II –
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à
tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII –
gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de
qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI –
vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
(BRASIL, 1996, p. 2)
O primeiro princípio da LDB contribuiu para amplo acesso às escolas em
diferentes realidades sociais ou geográficas, sobretudo nas redes públicas. A gratuidade
de ensino, agora contando com grandes redes públicas, facilitou a entrada das
comunidades mais carentes do país no público educativo. Para cumprir as metas de
escolarização, o Estado já vinha intensificando recursos para a construção de escolas
que em meio século eram raras e bastante elitizadas. O esforço em atender um padrão de
qualidade fez com que se estabelecessem estruturas de avaliação externa da qualidade
de ensino, entre os quais o ENEM.
Concomitantemente, as escolas se viram incapazes de atender à demanda, de
modo a superlotar salas de aula, sem estruturas nem preparo profissional para lidar com
um público cujas origens não remontam à cultura escolar. A qualidade do ensino caiu
severamente, enquanto os professores acostumavam-se a práticas pedagógicas que
divergiam das tradicionais.
54
Portanto, a segunda fase se destaca pela quebra acelerada dos paradigmas
modernos que se expressavam pelas políticas autoritárias, pelos modelos educacionais
padronizados e pelos estudos linguísticos estruturalistas. As motivações político-
econômicas de abertura contribuem para a dilatação das redes públicas de ensino.
Dentro desse cenário de mudanças, surge um amplo espaço para a diversificação de
ideias e de práticas, permitindo aos estudos gramaticais lançar mão de diferentes teorias
linguísticas, tanto como fundamento como meio de apologia a suas bases.
Enfim, a terceira fase constitui-se no pleno desenvolvimento do período
anteriormente citado: de diversificação de ideias e de práticas. De modo que as
novidades das décadas de 70, 80 e 90 tenham se tornado verdadeiros padrões em
qualquer esfera política, cultural ou intelectual.
No campo político internacional, especialmente entre os países de Língua
Portuguesa, vale menção a independência do Timor Leste em 2002. A emancipação
timorense foi importante para a concepção para as interações entre os países lusófonos,
pois o pequeno país necessitava de professores de Língua Portuguesa quando ainda
persistia dois padrões ortográficos.
Com relação aos aspectos socioculturais, ressaltamos que a internet foi
determinante para o período, pois, ao passo que se populariza no início do terceiro
milênio, permitiu às pessoas das mais diversas camadas sociais realidades de qualquer
parte do mundo. Por causa dos smartphones, a internet vai além das informações
instantaneamente apresentadas – característica marcante do final do século XX – e, sim,
de uma intercomunicação sem barreiras, por meio das redes sociais, aproximando
línguas, culturas e cotidianos, separados por milhares de quilômetros. A facilidade de
acesso a uma cultura de consumo massivo viabilizou uma percepção da realidade
condicionada às impressões pessoais, divulgadas por meio de twitters, instagrans,
snapchats, youtubers e tantos outros meios. O mundo deixou de ser o que se vê, para ser
aquilo que se posta.
É nesse contexto que se estabelece a oficialização do Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, resultado das tentativas de inserção global (no mundo da internet)
das comunidades lusófonas. Por isso, a 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa
que é datada de 1999, recebe a versão estudada aquela revisada, ampliada e atualizada
conforme o Acordo Ortográfico, publicada em 2009. O Acordo fora ratificado em 1º de
55
janeiro de 2009, passando a vigorar, oficialmente, em todos os membros da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a partir de 2015.
Sobre o Acordo, Oliveira (2013, p. 60) afirma que o momento imediato pós-
Guerra Fria dava a impressão de haver “dois claros vencedores: os Estados Unidos da
América e a língua inglesa”. Essa condição, no entanto, viu-se passageira, uma vez que
a hegemonia da língua, da política e da economia americanas tomou contornos globais,
embora convivesse com uma sociedade global organizada por blocos multilaterais de
acordo com os interesses internacionais, nas esferas econômicas, políticas e linguísticas.
Dada a dispersão dos modelos globais estáticos, os países de Língua Portuguesa
propuseram-se a buscar uma política que protegesse seu patrimônio linguístico, ao
mesmo tempo que se buscasse ganhar e manter mercado. Assim, vemos que
Dadas essas pressões, entre outras, podemos propor que o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 assinado por todos os
países de língua oficial portuguesa e ratificado por todos, menos
Angola e Moçambique, e sua tardia entrada em vigor no Brasil, a
partir de 2009 e em Portugal a partir de 2011, foi o primeiro indício do
avanço das pressões por uma normatização convergente. (OLIVEIRA,
2013, p. 70)
Essa normatização convergente assume, portanto, o papel de ser una e plural em
perfeita consonância com as ideias da época. Ela também se insere justamente em um
momento em que a norma é discutida em círculos de intelectuais, que compreendem a
necessidade de uma “aproximação com o português popular” (OLIVEIRA, 2013, p. 68).
A 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa é marcada pela primeira ortografia
resultada de um acordo, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Quanto à política educacional brasileira, no início do século XXI, apesar de não
ter havido melhorias substanciais no ensino fundamental, houve um investimento
significativo na tentativa de se ampliar o acesso à escola pública. As universidades
federais ganhavam novos campi em locais distantes dos grandes centros econômicos,
com modelos de administração descentralizada. Instituições privadas de pequeno e
médio porte receberam grande impulso com o Prouni (Programa Universidade para
Todos), instituída pela lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, por meio do qual
diversas bolsas de estudo contribuíram para que um grande número de jovens e adultos
ingressassem no ensino superior. Outras instituições voltaram-se para a Educação à
56
Distância (EaD), regulamentada naquele momento pelo decreto 5.622, de dezembro de
2005, facilitando ainda mais a diplomação e a qualificação de nível superior para a
parcela limitada por distâncias geográficas e/ou financeiras.
Foi a essa nova geração de alunos, especialmente do ensino superior que, direta
ou indiretamente, a Moderna Gramática de 2009 seria publicada. Devemos considerar
que, em seu prefácio, Bechara (2009, p. 6) ocupou-se de anunciar sua gramática “aos
colegas de magistério, aos alunos e ao público estudioso de língua portuguesa”.
Portanto, Moderna Gramática portuguesa está calcada no cenário social,
político e econômico que se estabeleceu nas três décadas que a precederam. Um mundo
ocupado com as tensões humanas, consequência dos conflitos de larga escala e do poder
de destruição adquiridos pelas potências. Com maior interação econômica e
comunicativa, emerge uma hiper-realidade, tomada por inúmeras informações e
impressões pessoais quer do cotidiano, quer de fatos marcantes para o país ou para o
mundo. Esse acesso ilimitado ao mundo pautou a política educacional direcionando-a
para o Ensino à Distância (EaD). Num universo em que quase todos tem acesso a quase
tudo, Evanildo Bechara formula uma gramática na linha da tradição gramatical atenta
aos estudos linguísticos.
2.2.4. Concepções Linguísticas: do século XX ao limiar do século XXI
Dado o contexto sociopolítico do final do século XX e esboçando alguns
importantes aspectos do século XXI, neste momento tratemos das concepções
linguísticas desse tempo. Para tanto, buscaremos apresentar uma divisão dos períodos
de estudos de língua no país, sugerida por Cavaliere (2001). A partir dela, procuraremos
apontar aquelas concepções que se tornaram relevantes para Moderna Gramática.
Quanto às tendências linguísticas do meio brasileiro, Cavaliere (2001, p. 62)
propõe a distinção periódica dos estudos no país entre: período racionalista (1802 a
1881), período científico (1881 a 1941) e período linguístico (1941 até hoje).
Considerando que a obra de Evanildo Bechara a que nos propomos analisar é de 1999,
cabe a nós nos debruçarmos sobre o período linguístico, seguindo a proposta de
periodização que nos pareceu adequada. Esse período dos estudos de língua no Brasil
teria início em 1941, com a inserção da disciplina de Linguística Geral na antiga UDF
(atual UERJ), sob os auspícios de Mattoso Câmara Jr.
57
O período linguístico é caracterizado sobretudo pelo paradigma saussuriano e
pelo que Cavaliere (2001, p. 62) denomina de “cisma teórico-metodológico”, ou seja, o
estabelecimento do dilema entre Filologia e Linguística, assim como a consolidação
deste último como “ciência autônoma dentro da Universidade”. Segundo ele,
Percebe-se haver na época noção inequívoca de que a lingüística
merecia estudo teórico específico, emergindo como disciplina em
nível superior e evidenciando-se como objeto da pesquisa
universitária. Com efeito, em todo o percurso até então traçado nos
estudos lingüísticos, o objeto imediato da descrição era a língua
vernácula.
Ainda sobre essa bifurcação dos estudos referentes à linguagem, tomemos
Altman (2012, p. 69) que cita uma formação de profissionais da língua em dois grupos:
linguistas e gramáticos, cujas competências e áreas de interesses se distanciariam. Aos
primeiros se atribuiria “a tarefa de descrever como o falante diz alguma coisa”, de forma
análoga a de um naturalista – exemplo comum de se ver. Enquanto os segundos
galgariam para si “a tarefa de apontar como esse falante deve dizer” (Id., Ibid., p. 70).
Uma dicotomia, mas que, para a autora, reflete mais uma prevalência dos aspectos reais
da língua adotada por cada uma desses grupos, seja ela de tradição gramatical ou de
análise linguística. Altman (Id., Ibid., p. 70) questiona:
Se admitirmos, entretanto, que ambos efetuam recortes sobre a
‘realidade’ que se propõem representar, isto é, elegem certos aspectos
do ‘real’ em detrimento de outros, a quem atribuir, em última
instância, a autoridade sobre a seleção e hierarquização dos fatos
linguísticos que constituem uma gramática de uma língua natural?
No entanto, se, por um lado, podemos observar posicionamentos ainda
discordantes entre essas vertentes, por outro, podemos reconhecer que os próprios traços
da Gramática de Língua Portuguesa, sobretudo no Brasil, puderam lançar mão de
muitos dos posicionamentos trazidos pela linguística saussuriana marcante na época.
Vale recordar que, a partir da perspectiva dicotômica entre langue e parole, Eugênio
Coseriu (1979) ampliaria a reflexão linguística para uma concepção tripartida da língua
que influenciaria a gramática de Bechara (2009).
Nesse clima de estabelecimento das novidades estruturalistas do período
linguístico nos estudos universitários sobre linguagem, temos o advento a Nomenclatura
58
Gramatical Brasileira (NGB). Talvez como rescaldo do que Cavaliere (2001, p. 50)
entende por período normativo ou mesmo do período científico, podemos considerar
que a Nomenclatura é constituinte de uma disposição para as padronizações vigente na
cultura e, consequentemente, nas políticas linguistas, que se posiciona sempre a
normatizar a produção humana, inclusive intelectual.
A NGB é estabelecida pela resolução 36, em 28 de janeiro de 1959. Franco,
Almeida e Zanon (2008, p. 46) enfatizam a influência de Artur de Almeida Torres na
divulgação da NGB, o qual supunha dar concórdia às diferentes posições dos estudiosos
da linguagem de sua época. Destaquemos a conclusão de Franco, Almeira e Zanon
(2008, p. 68):
Ela foi aceita, entrou em uso e uniformizou a terminologia gramatical.
Até hoje, as gramáticas expositivas seguem o padrão imposto pela
NGB, ainda que produzam notas de discordância, com a solução
proposta pela “nomenclatura” promulgada. As gramáticas, chamadas
pedagógicas, para uso direto do alunato pouco têm inovado, mas
procuram amenizar um estudo homogêneo com figuras, cores e
“tirinhas” de jornal ou textos jornalísticos.
Evanildo Bechara em seu prefácio de 1961, mantido na 37ª edição, afirma estar
de acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Segue ao afirmar que “os termos
que aqui se encontrarem e lá faltam não se explicarão por discordância ou desrespeito; é
que a NGB não tratou de todos os assuntos aqui ventilados”, de forma a demonstrar sua
adesão à nomenclatura.
Além da necessidade de se ampliar o número de “estabelecimentos oficiais”, o
país precisou investir em formação de professores, ampliando os cursos de Letras, quer
em instituições públicas, quer em instituições privadas. Cavaliere (2012, p. 230)
demonstra como, a partir da década de 1970, o perfil dos estudos gramaticais se altera
em consequência das políticas educacionais que intentam a universalização do ensino.
Segundo ele
Com a criação e rápida multiplicação dos cursos de Letras, a figura do
pesquisador-docente que atuava em classes de ensino básico veio a ser
substituída pela do pesquisador-docente que atua em classes de nível
superior. Está nesse fato a semente de uma geração de nomes
meritórios dos estudos linguísticos brasileiros que passaram a publicar
59
textos somente para o público seleto das universidades, visto que se
propunham a aplicar nas novas propostas de descrição os fundamentos
teoréticos de sua pesquisa.
Da necessidade de se pôr os estudos gramaticais para o âmbito universitário,
depois do advento da Linguística no Brasil, formou-se uma fase, já apontada, de
influências estruturalistas. Mas, esse cenário se altera bastante à medida que novas
correntes linguísticas chegam do exterior. Cavaliere (2001, p. 67) aponta, então, para
uma fase do período linguístico dos estudos brasileiros sobre a linguagem, a qual
denomina de fase diversificada. Nessa fase, que surge em meados dos anos 1980, a
gramática expande-se para além das questões da norma, para levar em consideração
variadas expressões teóricas sobre a linguagem. Assim,
Cria-se, pois, um cenário em que cooperam modelos teoréticos
díspares, não obstante tangentes, como o da sociolinguística
laboviana, do funcionalismo inspirado no trabalho de T. Givón, na
pragmática de Stephen Levingson, a par do campo imenso aberto pela
análise do discurso (em seus conhecidos ramos: o francês e o anglo-
saxão), com significativa presença da semântica argumentativa
inspirada no trabalho de Oswald Ducrot e Patnck Charaudeau, entre
outros. (CAVALIERE, 2001, p. 67)
Dessas novas tendências que se marcaram por modelos teóricos, às vezes,
divergentes, podemos citar a influência da Pragmática no campo dos estudos
linguísticos associados à gramaticografia brasileira. Esta forçará os estudos para a
linguagem tida “em uso”, como nos explica Fiorin (2006, p. 166)
A Pragmática estuda a relação entre a estrutura da linguagem e seu
uso, o que fora deixado de lado pelas correntes anteriores da
Linguística, que criaram outros objetos teóricos. O estudo do uso é
absolutamente necessário, pois há palavras e frases cuja interpretação
só pode ocorrer na situação concreta da fala.
No contexto da Pragmática, encontramos o funcionalismo e a gramática
funcional. Neves (2008, p. 123) afirma que a abordagem do funcionalismo não se
restringe à “investigação do uso da língua, mas, ainda, como a explicação da natureza
da linguagem em termos funcionais”. Nessa linha
60
O termo gramática funcional implica, como funcional, uma
fundamentação em significados e, como gramática, uma interpretação
de formas linguísticas. Entende-se, assim, que a gramática codifica o
significado, e o faz sem relacionar simplesmente porção a porção, ou a
relação a relação, mas provendo o isolamento de variáveis e suas
possíveis combinações na consecução de funções semânticas
específicas.
Desse modo, se o uso e a função da linguagem alcançam agora o foco dos
estudos, o cânon dos textos literários perde credibilidade como corpus da descrição
linguística por eles estarem distantes no tempo, uma vez que se formam
majoritariamente de obras do século XIX e início do XX. Nessa tendência, Cavaliere
(2012, p. 229) aponta para, além da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo
Bechara, a Gramática Houaiss da língua portuguesa, de José Carlos de Azeredo, e para
o Guia de uso do português: confrontando regras e usos, de Maria Helena de Moura
Neves, como exemplares de uma descrição linguística. Tanto no caso de Azeredo e
quanto no caso de Neves, nessa preocupação em ir além dos textos canônicos da
literatura nacional e portuguesa, utilizam-se tanto da literatura corrente quanto de textos
jornalísticos e acadêmicos. Ainda assim, tanto Cavaliere (2012) quanto Neves (2002)
entendem que não se deve abrir mão da linguagem escrita.
Não é essa a tônica de Evanildo Bechara que, apesar de levar em consideração
esses estudos, atento à concepção de norma no plano histórico da língua, permanece
usando-se do cânon literário para exemplificar as características gramaticais que aponta.
De modo que entendemos a Moderna Gramática como exemplar do período linguístico
em sua fase diversificada muito por sua concepção de linguagem que abarca tanto os
níveis linguísticos e os planos da língua, de Coseriu, quanto os sensos de subjetividade,
de Benveniste, e de comunicação, de Jakobson.
De fato, Eugênio Coseriu é, dentro de uma perspectiva de estudos linguísticos, a
principal referência de Bechara. Coseriu foi professor de Linguística Geral e Indo-
europeia (1951-1963) no Uruguai, onde foi visitado pelo brasileiro, e “proferiu três
conferências na Biblioteca Nacional” do Brasil (BECHARA, 2008, 25). Foi nesse
tempo que o gramático brasileiro aprofundou seus conhecimentos sobre o linguista a
ponto de trabalhar na tradução de Lições da Linguística Geral. O próprio Evanildo
Bechara testemunha como “grande lição” a “preservação dos estudos sobre a linguagem
61
realizados antes da institucionalização da Linguística” (Id., Ibid., p. 26). Vê-se que,
apesar de ampliar os estudos linguísticos de que toma partida, a lição que Bechara adota
do linguista é a de “preservação” dos estudos.
Para Coseriu (1979, p. 35), o falar é o único ato concreto da linguagem e
inseparável dela, sendo a realização da língua, a base. Por isso, estabelecer uma
dicotomia entre “langue”, entidade ideal, abstrata e social, e a “parole”, casual, concreta
e individual, “fica longe de abarcar e esgotar toda a realidade da linguagem” (Id., Ibid.,
p. 43). O que se postula é que o plano social da linguagem é “sistema normal e sistema
funcional” (Id., Ibid., p. 46), sendo um correspondente à acomodação histórica da língua
a uma comunidade, de forma a produzir formas sociais normais de fala, e a outra às
oposições funcionais mais abstratas.
Assim, Coseriu (1979, p. 76) esquematiza quatro conceitos fundamentais: “1.
Sistema – 2. Norma – 3. Fala”, além do tipo linguístico do qual só trataremos mais
adiante. Dessa maneira, o pensamento coseriano estabelece o que Duarte (2001, p. 160)
define como graus de abstração e de formalização, que se expressam em sua tripartite:
sistema, norma e fala. Sendo a norma o meio pelo qual o texto (nível individual da
linguagem) adequa-se dentro de um sistema funcional (nível social mais abstrato) e
apreende um sistema normal (nível intermediário de uso coletivo) que se impõe numa
determinada comunidade.
Nessa esteira, o teuto-romeno distingue três níveis linguísticos que Santos
(2014, p. 64) explica como “o nível universal do falar em geral, o nível histórico das
línguas e o nível individual dos textos”. Valoriza-se, assim, a língua em uso de modo a
colocar o concreto como objeto inicial de estudo, do qual se abstrai para outros dois
níveis. Pois, Coseriu (1979, p. 214) entende que pode haver uma “gramática do falar”,
que descreve o ato individual e concreto da linguagem; uma “linguística do texto”, para
tratar de um nível particular, antevendo tanto um estudo do discurso; como uma
“linguística das línguas” em seu nível histórico e, portanto, mais abstrato.
Conclui-se que
Assim, a norma – uso intermediário – estabelece o que é normal,
costumeiro, usual (o permitido: o que se diz) e o que é anormal, por
não ser o costumeiro, o usual (o interdito: o que não se diz) dentro de
uma comunidade linguística. Nesse sentido, a norma é coerciva,
enquanto que a língua não é. (DUARTE, 2001, p. 160)
62
Coseriu influiu no modo de Bechara pensar a língua, concernindo numa visão
linguística de universalidade, o que significa que os estudos sobre a linguagem devem
considerar todos os aspectos de seu objeto de estudo: fala, texto, discurso, sistema,
norma. A partir disso, o gramático propõe um estudo descritivo e normativo que
perpassa e responde às correntes linguísticas, sem deixar de ser coerente com a tradição
normativa brasileira.
Outra importante contribuição para os estudos linguísticos, com maior ou menor
influência, foi a caracterização da linguagem, a partir de sua subjetividade. Dentre
tantos significativos estudiosos, ao defrontarmo-nos com o pronome, buscamos em
Émile Benveniste – citado na obra de Evanildo Bechara – uma referência na linguística
do último quarto do século XX. Importa a subjetividade da linguagem, porque revela a
relação das pessoas na produção linguística. Como afirma Guedes (2010, p. 20), “a
partir de Benveniste, está aberto o caminho investigativo para a oposição EU/TU dentro
da teoria linguística”.
Para Benveniste (2005, p. 286), “é na linguagem e pela linguagem que o homem
se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua
realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’”23. Isso significa que a linguagem é o meio
pelo qual o ser humano se compreende conscientemente como aquele que é, e é por
meio dela que se constrói sua própria realidade do ser. A partir disso, compreende-se
que, se a linguagem é subjetiva porque expressa o ‘ego’, esse sujeito se coloca em
relação a um ‘tu’, formando a oposição do EU/TU. Tal oposição revela as pessoas do
ato linguístico, pois afirma Benveniste (id., ibid., pág. 287) que “os próprios termos dos
quais nos servimos aqui, eu, e tu, não se devem tomar como figuras mas como formas
linguísticas que indicam a ‘pessoa’”. Nesse conjunto, aquilo que não é nem eu nem tu
constitui-se como não-pessoa.
Porém, para tomarmos essa relação EU/TU como num ato comunicativo,
voltamo-nos a outra contribuição significativa na Linguística do final do século XX, a
da Teoria da Comunicação, de Roman Jakobson (2010). Para melhor entendermos essa
relação, tomamos do escritor russo sua Teoria, priorizando as funções da linguagem.
Conforme Winch e Nascimento (2012, pp. 221-222):
23 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
63
Para estabelecer as funções da linguagem, Jakobson tomou por
referência três funções básicas da língua propostas por Karl Buhler –
função expressiva; função conativa, função de representação -, e
também os fatores constitutivos do ato de comunicação verbal. Como
fatores constitutivos, o lingüista apresenta: 1) remetente (codificador);
2) mensagem; 3) destinatário (decodificador); 4) contexto (ao qual se
faz referência durante a comunicação e deve ser de possível
compeensão ao destinatário); 5) código (deve ser parcial ou totalmente
comum ao remetente e ao destinatário); e, 6) contato (canal físico a
partir do qual se estabelece a comunicação; envolve também uma
conexão psicológica entre remetente e destinatário).
Para Jakobson (2010, p. 156), “o referente envia uma mensagem ao
destinatário”. Isso significa que todo ato comunicativo é atribuído à relação de um ‘eu’
com um ‘tu’, configurando-se como básicos. Nessa perspectiva, importam-nos as
funções da linguagem que se centram nas duas pessoas do ato comunicativo: a função
emotiva ou expressiva, centrada no remetente; e, a função conativa, centrada no
destinatário. Quanto a essa segunda, o estudioso evidencia maior relevância do
vocativo.
Portanto, entendemos o quanto a segunda metade do século XX, tomada política,
social, econômica e culturalmente por grandes transformações, viu prevalecer uma
diversificação considerável dos estudos linguísticos convergentes praticamente apenas
pelo alto grau com que contemplaram a linguagem em uso. Em âmbito nacional, com
introdução da Linguística como um campo autônomo em relação à Filologia, deu-se um
processo progressivo de transformações que culminaria nessa pluralização das vertentes
das ciências da linguagem, a partir da década de 80.
Essa diversificação de tendências da Linguística está no âmbito do advento da
Pragmática que promoveu os estudos da linguagem em seu uso. De maneira paralela à
influência pragmática, que ganharia forma nas gramáticas funcionais, Bechara (2009)
procura em Coseriu um ponto de equilíbrio entre as ideias pré-linguísticas e aquelas
posteriores consideradas linguísticas. Será pelo modelo coseriano das partes da
linguagem, com seu sistema-norma-fala, que encontraremos um fio condutor que
entrelaçará outros importantes contributos para as ciências da linguagem, dentre os
maiores para o estudo dos pronomes aqueles dados por Benveniste e Jakobson.
64
3. ANÁLISE DA GRAMÁTICA BARROSIANA: DO
PRONOME E SEUS ACIDENTES
Dada a apresentação do “clima de opinião” em que a Grammatica da língua
portuguesa, que corresponde ao princípio koerniano da Contextualização, voltamo-nos
para o texto quinhentista a fim de caracterizarmos as concepções de João de Barros
sobre pronomes. Atentos às implicações da metalinguagem e partindo das observações
já feitas pelo contexto da obra, assim como às principais referências do autor, a análise
prende-se ao quadro geral da teoria do pensamento linguístico abstraindo-se da
linguística moderna.
Esse momento, como já exposto no início deste trabalho, é denominado por
Koerner (2014) de princípio de Imanência. A imanência, que consiste “em tentar
estabelecer uma compreensão completa do texto linguístico em questão, tanto do ponto
de vista histórico como crítico, talvez até mesmo filológico” (p. 58), leva em
consideração a terminologia adotada pelo gramático e busca apresentar suas concepções
nesse quadro terminológico.
Também vimos que Swiggers (2010), em sua segunda fase entendida como de
análise e interpretação do corpus, entende que a análise de perfil historiográfico
compreende três aspectos: cobertura, perspectiva e profundidade. Nossa análise a seguir
determina-se:
a. Quanto à cobertura: geograficamente, tratando de Portugal;
temporalmente, do século XVI; e, tematicamente, da classe gramatical do
Pronome;
b. Quanto à perspectiva: de caráter interno, de modo a centrar-se nas
questões linguísticas;
c. Quanto à profundidade: apresenta e analisa dados encontrados na
gramática barrosiana.
Para tanto, a análise se volta, no primeiro momento, ao objetivo e à concepção
de Gramática de João de Barros; num segundo momento, à concepção de classes
gramaticais; e, no terceiro, à do pronome e suas variações nomeadamente o pronome
65
pessoal e o pronome relativo. Consideramos, nesses momentos, as definições
encontradas no corpus e comparamos com a tradição gramatical24
.
3.1 Fundamentos da Grammatica da língua Portuguesa: possíveis
objetivos e concepções linguísticas
A Grammatica da lingua Portuguesa constitui-se pela descrição gramatical
publicada em 1540. Faz parte de uma trilogia de estudos da Língua Portuguesa
composta entre 1539 e 1541. A primeira parte da obra é denominada de Cartinha com
os Preceitos e Mandamentos da Santa Madre Igreja, cujo objetivo central é explanar
um método de alfabetização na língua materna, uma vez que os alunos não tinham um
ensino sistemático de sua própria língua e, depois de aprenderem a ler e escrever,
poderiam aprender latim. A Cartinha também consiste em uma instrução dos
mandamentos da Igreja católica e algumas orações. A terceira é conhecida como
Diálogo em lovvor da nossa lingvagem na qual contém um elogio à educação, à fé e à
língua materna produzida a partir de um diálogo entre o pai e o filho. Tratemos, então,
de situar os objetivos e as concepções de gramática que se depreendem da obra.
A fim de elucidarmos os objetivos da obra, voltamo-nos para os proêmios das
duas primeiras partes dessa trilogia: o proêmio da Cartinha e o da Grammatica.
O proêmio da Cartinha demonstra o intuito inicial de Barros ao escrever sua
trilogia e é endereçada ao príncipe Dom Felipe, falecido antes da publicação da segunda
parte que seria a Grammatica. Nesse proêmio, introduzido por um pensamento que
atribui a Esopo, João de Barros marca sua visão de língua, comparando-a à agricultura.
Em princípio, apresenta a oposição entre as hervas e os produtos agriculturáveis e
afirma ser a terra madre das primeiras e madrásta dos segundos, de forma a considerar
mais fácil aprender uma linguagem que seja própria a aprender aquela que é estrangeira.
O meio, portanto, de se aprender uma língua culta como latim ou grego é aprender a
língua de que se é filho, mas, conforme vai demonstrando, é necessário primeiro tomar
o leite: “ante que se tráte da grammática poerey os primeiros elementos das leteras, em
módo de árte memoratiua” (BARROS, 1539). Com base nesse primeiro proêmio,
entendemos que para o gramático quinhentista há uma íntima relação entre os estudos
24 Referimo-nos tanto à Gramática Latina quanto à Gramática Tradicional de Língua
Portuguesa, ambas sem uma referência específica, mas tomadas de forma genérica.
66
da língua e seu ensino, de modo que, antes que se chegue ao ensino da gramática
portuguesa é necessário um caminho de alfabetização.
De modo semelhante, no proêmio da Grammatica, propriamente dita, o
português expõe seu entendimento, reforçando o que já vimos, de que aquela primeira
parte cabe aos “mininos das escolas de ler & escreuer” (BARROS, 1540), de modo a
expressar que a segunda parte serve como “os preceitos da nossa gramatica” como
“fundamêto & primeiros elementos da Grãmatica” (id.,ibid.). Demonstra, assim, que a
obra deve ser seguida como modelo de conhecimento da língua, por se tratar de um
estudo gramatical, diversamente à Cartinha, cujos objetivos são para o ensino de “ler e
escrever” (BARROS, 1540). Apesar de se diferirem quanto ao objeto, ambas são obras
de ensino de língua, deixando claro o objetivo pedagógico da Grammatica.
O método pedagógico da Cartinha se constrói a partir de memorização, de
ilustração e de exemplificação, o que, para Fernandes (2005), pode se considerar um
trabalho “precursor na didáctica moderna”, sobretudo pelas ilustrações. Para
desenvolver seu aspecto bastante pedagógico na Grammatica, Barros (1540, p. 2)
seguirá para uma associação entre as “partes da diçam” (as classes gramaticais) com as
do xadrez, de modo a relacionar o papel das peças com o que denomina de
“Ethimologia dos uocábulos”. Nessa analogia com o xadrez, como o tabuleiro do jogo,
o Verbo e o Nome são considerados “reis”, os quais são acompanhados por suas
‘damas’ que seriam, respectivamente, o “Aduerbio” e o “Pronome”.
Além da analogia que seguirá a obra inteira, Barros (1540, p. 1) apresenta a
preocupação de fazer com que os alunos progridam em escala, do menor para o maior,
da cartinha para a gramática, afirmando que
esta, por ser o primeiro leite de sua criaçam: pareçenos que ficáua esta
sem fundamento nam declarando a ós que uirem esta sómête que na
primeira he o príncipio onde está dedicada ao príncipe nosso Senhor.
Ainda sob a perspectiva de um conhecimento de progressão, das partes para o
todo, o autor referencia sua obra anterior como sendo o meio pelo qual se deve entender
sua Grammatica. Dada essa realidade, a gramática para Barros, não é
predominantemente uma obra clássica de divulgação científica, como muitos
humanistas à época faziam, mas era um manual de ensino de uma língua corrente e
oficial, entretanto, de pouco valor intelectual. Esse ensino de Língua Portuguesa a que
67
João de Barros se propõe, portanto, visa a auxiliar num ensino primordial: o ensino do
Latim, mas também do Grego, por meio dos quais se pode alcançar toda a literatura
científica da época. Nesse sentido, o autor cita diversas vezes a Gramática Latina,
ocupando-se de exemplificar as expressões conhecidas da oralidade de Língua
Portuguesa em uma gramática clássica ao aprendente. Faz uso, assim, não somente de
alegorias, mas também de termos técnicos tirados das gramáticas referenciais, latinas e
gregas.
Apesar disso, os “mininos” de Portugal não são o único público da sua
gramática. Barros também se ocupa de um ensino da língua para os povos a serem
conquistados. Assim, entende que, por meio da gramática, “na fala como na escritura,
uenhamos em conhiçimento das tenções alheas” (BARROS, 1540, p. 1). No proêmio da
Cartinha, não ignora que a língua portuguesa é “em Africa & Assia por amos, armas &
leys tam amada & espantosa”, e ainda nessas terras será a língua por meio da qual
“muitos pouos da gentilidade sam metidos em o curral do Senhor” (BARROS, 1539, p.
2). Isso deixa claro que, além de se ensinar gramática da língua portuguesa como meio
de aprendizagem das línguas clássicas, é mister usá-la como instrumento de conquista e
evangelização.
Desse modo, notamos que João de Barros escreve sua Grammatica da Lingua
Portuguesa intuindo o ensino da língua quer para nativos portugueses quer para os
povos a se conquistar. Tal ensino estava imbuído de uma concepção pedagógica de
ensino em progressão, utilizando-se ilustrações (Cartinha), memorização, alegorias e
comparações, além de descrições técnicas (Grammatica)
Com relação às suas concepções linguísticas sobre Gramática, Barros (1540)
afirma que “Nós podemos lhe chamar artefício de paláuras”. Essa expressão retoma em
parte o trabalho gramatical clássico de origem greco-romana, sendo arte a tradução da
téchne grega, termo com o qual se nomeia a gramática de Dionísio de Trácio. Segundo
Neves (2002),
a gramática de Dionísio é uma téchne (arte) porque tem certo grau de
infalibilidade e generalidade, menor que o da epistéme (que seria a
ciência exata, de que são exemplos a astronomia e a geometria) e
maior que o da empeiría (que seria simples exercício e memória).
Há, portanto, um entendimento de gramática como uma ciência lógica,
caracterizada por certa “infalibilidade e generalidade”, ou seja, é racional, embora trate
68
de um objeto virtual que é a língua. Dessa maneira, fica entre as ciências exatas e o
conhecimento adquirido por meio de “simples exercício e memória”.
Apenas para compararmos, em linha distinta a Barros, Fernão de Oliveira (1536)
refere-se à sua obra em seu proêmio como uma “notação em alghuas cousas do falar
portugues”, dando a ela ao mesmo tempo um destaque, o de “primeyra”, e uma
modéstia. Esta afirma que se trata “em dizer não tudo mas apontar alghuas partes
necessárias da ortografia”. Tal postura delineia um método mais descritivo, como um
interesse menos pedagógico em relação a Barros, apoiado em uma observação bastante
científica, considerando o modelo de cientificidade da época25.
Nebrija (1492) refere-se a sua gramática como “artefício”. Termo parecido com
o qual Anchieta (1595) nomearia mais tarde sua gramática da língua tupi: “arte”.
Oliveira chega a citar o termo “arte” ao se referir à “natureza dos nossos homes porq
ella por sua võtade busca & tem de seu a perfeyção da arte q outras nações aquirem com
muyto trabalho”. Desse modo, ambos se alinham, em princípio, à tradição gramatical de
origem grega que se firmaria no meio latino e em tempo medieval.
A concepção linguística apresentada também é a de uma gramática normativa ou
prescritiva26. A esse respeito aponta-nos Barros (2001, p. 17):
Das citações apresentadas, três elementos devem ser ressaltados:
a) o caráter pedagógico e prescritivo da gramática;
b) a questão do "uso e da autoridade dos doutos";
c) a obediência aos esquemas da gramática latina.
Ao tratar sua gramática, não do ponto de vista especulativo, o qual entendemos
como meramente descritivo – característica mais marcante a Fernão de Oliveira –, João
de Barros coloca-se na condição de normatizador da Língua. É no seu pensamento
linguístico que o gramático une a necessidade de ensinar didaticamente à concepção de
linguagem com a norma.
25 Conforme afirmamos no capítulo anterior, compreendemos o modelo descrito por Auroux
(2014, p. 36).
26 Ressaltamos que nem o termo “normativa” nem o termo “prescritiva” deve ser compreendido
estritamente à luz da linguística moderna. Norma e prescrição dizem respeito à intenção do
autor de estabelecer um padrão para a língua, seguindo o modelo das gramáticas gregas e
latinas.
69
Mais uma vez, vemos em Barros (2001, p. 17) a exemplificação do que para se
caracteriza como um discurso da norma:
A Gramática, por sua vez, fornece, segundo o autor, “os preceitos da
nossa gramática”, mas tem também caráter pedagógico. O termo
gramática é definido como um “modo certo e justo de falar e escrever,
colheito do uso e autoridade dos barões doutos” (p. 1). Diz ainda o
autor que vai examinar a língua “não segundo convém à ordem da
gramática especulativa, mas como requer a perceitiva, usando dos
termos da Gramatica Latina, cujos filhos nós somos, por não
degenerar dela”.
Podemos sintetizar, assim, que a compreensão de gramática que João de Barros
sustenta é a de uma ciência linguística com bases tradicionais voltadas para os gregos e
latinos dos quais formula um modelo, e que descreve um padrão de língua segundo seu
prestígio. De acordo com ele:
Grammatica ȩ uocabulo grægo: quer dizer, ciencias de leteras. E
segundo a difinçám que lhe os grãmáticos derã: e hú modo certo e
iusto de falar, & escreuer, colheito do uso, e autoridáde de barões
doutos. Nós podemos lhe chámar artefíco de palauras, postas ê seus
naturáes lugáres: pêra que mediãte ellas, assy na fála como na
escritura, uenhamos em conhicimento das tenções alheas. (BARROS,
1540, p. 2)
Percebemos, no entanto, o que Buescu (1998, p. 18) afirma como um “cisma
necessário” entre a Gramática e a Filosofia (paradigma clássico) e a Gramática e a
Teologia (paradigma medieval), transformando a Gramática numa ciência autônoma.
Sob tal ótica, não cabe à gramática a reflexão sobre a natureza da linguagem
(perspectiva filosófica), nem sobre sua origem na ‘Criação’ (perspectiva teológica), mas
de esforçar-se em estudar (ciência) as letras a partir da fala e da escrita considerada justa
e certa – aspecto normativo ainda a ser abordado.
Por outro lado, se não há uma categórica afirmação de perspectiva teológica na
obra, não podemos negar que ela esteja permanentemente presente no pensamento
barrosiano de linguagem. Essa religiosidade estaria expressa de diversas formas, quer
nas citações a “sam Bernárdo”, ou na catequese formada posteriormente à apresentação
das “leteras” em sua Cartinha, mas importa-nos a maneira mais impressiva dessa
70
religiosidade que se percebe na profundidade do seu texto. Um importante exemplo
disso está, ao longo da definição da classe do Pronome, na sua afirmação de que “Assy
que podemos dizer, ser inuentada esta párte da óraçám pera boa órdem e perfeito
intendimento da linguagẽ”. Há aqui uma clara demonstração de que a linguagem
expressa uma ordem natural e, ainda que de produção humana, possui uma relação com
uma lógica que se supõe ser universal. Assim, compreendemos as expressões “órdem” e
“perfeito intendimento”, como de uma lógica a ser entendida à luz da religiosidade
presente e marcante nos escritos de João de Barros. Seguindo esse raciocínio, há um
entendimento de um mundo naturalmente ordenado no ato criador de Deus e, do qual, o
homem é um colaborador de livre-arbítrio (colaboração expressa no termo “inuentada”).
Desse modo, temos apresentado a Grammatica da lingua Portuguesa como parte
de uma trilogia que envolve: a Cartinha, a Grammatica e os Diálogos. Tratamos de
apontar a preocupação pedagógica em que se insere a obra e do como João de Barros
compreende o ensino de modo processual e com vistas ao Latim. Por fim, apontamos a
concepção de Gramática do autor dentro de uma tradição greco-latina e com um caráter
normativo do papel de sua obra em relação à Língua Portuguesa.
3.1.2 Partes da Grammática da Lingua Portuguesa
A Grammatica da Lingua Portuguesa é formada por uma introdução de
“difinçám da grãmatica” (BARROS, 1540, p. 2) seguida de quatro partes que consistem
em Ortografia, Prosodia, Ethimologia e Syntaxis. Explicaremos o que seriam cada uma
das quatro partes antes de voltarmo-nos para aquela em que se enquadra o pronome.
A Ortografia, intitulada de “Das leteras”, é a parte da gramática que, segundo o
autor, “trata da letera” (BARROS, 1540, p. 3). Nessa parte, João de Barros define a
letra como “amais pequena párte de qualquer diçám que se póde escrever: aque os
latinos chamáram nóta, e os gregos carater, per cuia ualia e poder formamos as
palàuras”. Entendemos, a partir disso, que o autor compreende a letra como uma parte
da diçam, ou seja, da fala, não se distinguindo dela. Procura, além disso, diferenciar a
Língua Portuguesa daquelas em que se baseia, de modo a assumir um termo próprio do
vernáculo, uma vez que poderia, tranquilamente, adotar os termos “nóta” ou “carater”.
A Prosodia corresponde ao estudo da “syllaba” que, segundo Barros (1540, p. 4)
é o “aiũntamẽto de hũa uogal, cõ hũa e duas e as uezes tres cõsoantes, que iũtamente faz
71
ẽ hũa só uóz. Nessa parte, o autor ocupa-se de explicar o número de letras, o tempo
sonoro de cada sílaba e ainda cita os acentos, discernindo a altura das vogais.
A quarta parte é denominada de Contrviçam, ou Syntaxis, que trata da
“cõueniẽçia antre as partes, póstas ẽ seus naturáes lugares” (BARROS, 1540, p. 30). Em
outras palavras, trata da ordem dos termos na frase e, segundo o gramático, “dvas
cousas aquȩcem á contruiçam: concordánçia, e regimento”. Nessa parte, João de Barros
descreve a concordância e a regência: do adjetivo em relação ao substantivo; dos
relativos com seus antecedentes; da preposição em casos genitivo, dativo e ablativo; das
conjunções, em que distingue duas espécies que se denominam copulativa e disjuntiva,
embora considere haver outras.
A Gramática também se estende às figuras de linguagem, descrevendo-as em
longa lista, pelo uso de termos que ora retomam os gregos, ora retomam os latinos. Por
fim, a Gramática faz uma descrição das letras para distinguir uma a uma,
complementando a parte da Ortografia.
Quanto à parte Da Diçam, terceira pela ordem, João de Barros (1540, p. 4) a
define como “a que os latinos chamam, Ethimologia, que quer dizer naçimẽto da diçã”.
O autor faz uma referência aos estudos da origem das palavras, mas não a faz e afirma
que “se quiseßemos buscar o fundamento e raiz donde ueȩram os nóssos uocabulos,
seria ir buscar as fõtes do Nilo”27. Em vez disso, aplica-se a classificar as partes da
“diçam” ao que corresponde em termos atuais das classes gramaticais. Entendemos a
“diçam”, que no português atual seria “dicção” ou “dizer”, o discurso de modo que as
classes gramaticais estariam relacionadas com suas origens etimológicas, para
estabelecer-se, assim, seu significado.
João de Barros considera haver, na Língua Portuguesa, nove partes da “diçam”.
Ainda no início de sua gramática, Barrros (1540, p. 2) afirma: “Assy que podemos da
quy entẽder, ser anóssa linguagem cõpósta destas noue pártes: Artigo, que ȩ próprio dos
Grægos e Hebreus, Nome, Pronome, Vȩrbo, Aduȩrbio, Partiçipio, Cõiunçam,
Preposiçam, Interieçam, que tem os latinos”. Dessa maneira, ele inclui o adjetivo no
Nome.
27 Importa recordarmos que, até então, não eram conhecidas as nascentes do Rio Nilo,
descobertas pelos ingleses no século XIX.
72
Assim, o Pronome está na parte Da diçam na Grammatica da lingua
Portuguesa.
3.2 Do Pronome e seus acidentes
Para João de Barros (1540, p. 15), o Pronome é “hũa párte da óraçám que se
põem em lugár do próprio nome: e por isso dissemos que era cõiuta a elle per
matrimónio, e da quy tomou o nome”. O que leva a entender que o pronome consiste no
termo usado no lugar de substantivos e que é assim classificado por sua relação com o
substantivo, também chamado de “nome”.
A definição do pronome como o substituto do nome é a mesma usada por
Dionísio de Trácio. De acordo com Bassetto (1998, p. 74) a “palavra latina
correspondente, e através dela a das línguas ocidentais, é um simples decalque do termo
grego: = pro, ‘em lugar de’ e = nomen, donde ‘pronome’”. Na esteira da
tradição gramatical ocidental, Barros entende que o pronome serve como substituto do
nome. Mais que isso, o autor não problematiza o termo, nem oferece outra
nomenclatura, mantendo seu objetivo pedagógico de fazer com que o leitor de sua
Grammatica assimile e memorize da maneira mais fácil possível.
Após a definição, João de Barros (1540, p. 15) exemplifica o termo com a
oração “Eu escreuo esta Grãmática pera ty”, indicando quais seriam os pronomes do
período e seus substantivos correspondentes
Esta párte, eu, se chama, Pronome: aquál básta pera se entender oque
disse, sem acreçetár o meu próprio nome Ioam de Bárros, em cuio
lugár serue. Esta, também e Pronome da Grãmática: Ty, está em lugár
de António como se dissese: Eu Ioam de Bárros escreuo esta
Grammática pera ty António. Etirando cada nome destes o seu
Pronome: dizendo Ioam de Bárros escreuo Grãmática pera António.
Fica esta linguágem imperfeita.
Indica, no exemplo, então, dois pronomes pessoais (Eu e ty) e um demonstrativo
(esta). Sendo Eu = Ioam de Barros, primeira pessoa do discurso; ty = António (filho
caçula do rei D. João III); e, esta = Grammática. O pensamento que se depreende dos
exemplos, somados à definição terminológica, expressa a tradicional interpretação dos
pronomes como aquele que substitui o nome. Barros não se preocupa em explicar como
o pronome “esta” substitui o termo “Grammática”, sendo que este permanece expresso.
73
Quer por razões pedagógicas, quer por uma postura conservadora, a primeira gramática
da língua portuguesa não oferece uma problematização da definição de Pronome e se
atém aos exemplos que oferecem simplicidade à significação.
Apenas para citar uma possível confusão entre os tipos de pronomes, João de
Barros (1540, p. 15) soma aos demonstrativos os pronomes pessoais da primeira e
segunda pessoa do singular, afirmando: “Eu, nós, tu, uós, este, estes, sam demõstratiuos:
por q cásy demóstrã a cousa, per semelhante exẽplo. Este liuro ȩ do principe nósso
senhor”. Isso indica uma visão pela qual esses são considerados pronomes
demonstrativos, porque seus referentes encontram-se no momento da fala, ou seja, os
objetos de significação estão diante do locutor ou do interlocutor. Assim, João de Barros
parece não distinguir os pronomes pessoais dos demonstrativos como diferentes
classificações e, em vez disso, pressupõe a característica de demonstração à função do
pronome. De modo semelhante, considera o pronome “Elle, esse cõ seus pluráles” como
relativo, pois faz “relaçã e lẽbrança da cousa dita”, o que compreendemos ser uma
referência dentro do discurso, ou seja, que não tem um referente no momento da fala.
Apesar disso, o autor também aceita que “Elle” tem como principal ofício a função
demonstrativa.
João de Barros (1540, p. 15) considera haver seis “açidẽtes” no pronome que
seriam: Espȩçia, Genero, Numero, Figura, Pesoa, e Declinaçã per cásos”. Os acidentes
são características próprias dos pronomes, correspondendo às formas múltiplas que
estes têm, mas não subclasses, de modo que um pronome pessoal, por exemplo, possa
ser de espécie primitiva, em número singular, estando no caso ablativo.
Com relação à “espȩçia” (p. 15), o autor afirma serem de dois tipos que seriam o
primitivo e o derivado. Os pronomes primitivos são “eu, tu, sy, este, esse, elle”,
enquanto os derivados são “meu, teu, seu, nósso, uósso”. Ao que indica, Barros
considera que aqueles são formas primitivas dos quais derivariam esses, sem considerar
os casos de declinação, ou mesmo diferenças de gênero, número figura ou pessoa.
Ainda que ele classifique os pronomes “meu, teu, seu, nósso, uósso” como possessivos.
Isso demonstra o quanto não devemos entender os acidentes a que o autor se refere
como classes de pronomes, mas como características de que dispõem.
Quanto à “figura” (p. 15), considera as distinções entre “simplex” e “compósto”.
Sendo simples as preposições eu, tu, este e esse, e compostas as primeiras
acompanhadas do termo “mesmo” – eu mesmo, tu mesmo; e as palavras “aqueste e
74
aquesse”. Sendo “aqueste e aquesse” formas equivalentes a “aquele”, mais comum ao
português contemporâneo.
Quanto a gênero, pessoa e número, João de Barros (1540, p. 16) afirma que os
pronomes da língua portuguesa possuem “qvátro gêneros”: masculino, feminino, neutro
e comum de dois (portanto, poderiam ser masculino e/ou feminino). Dessa maneira,
seguindo seu exemplo, “este” é masculino, “esta” é feminino, “isto” é neutro e os
pronomes “eu, tu, de sy” são exemplos de pronomes comuns de dois. Quanto às
pessoas, “sam tres” que conforme a explicação do autor são: primeira, quem fala;
segunda, a quem se fala; e, terceira, de quem a primeira fala. Quanto ao número, dois:
singular e plural.
Quanto às pessoas, destacamos sua relação direta com o ato da “fala”, ato
destacado pelo gramático, pois há: o que fala, aquele a quem se fala e aquele de quem se
fala. Ora, esta preocupação com o ato de falar indica seu caráter presencialista de quem
se ocupa de uma língua não engessada, mas daquela que se ouve e que carece de uma
arte, técnica por meio do qual será explicada e ensinada. Em relação ao número,
destacamos o fato do gramático considerar o pronome “nós” plural de “eu”, indicando
considerar que aquele pronome plural assume a primeira pessoa do discurso garantindo
assim sua relação com este pronome singular.
Por fim, tratemos do que João de Barros (1540, p. 16) indica serem os “cásos”.
Recordamos que os casos são elementares da gramática latina e levam em consideração
a função da palavra na sintaxe simples, sendo considerados para os pronomes o
nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. Em conformidade com a
tabela apresentada pelo autor, formulamos esta:
PRIMEIRA PESSOA SEGUNDA PESSOA TERCEIRA PESSOA
Singular Plural Singular Plural Singular Plural
Nominativo EU NÓS TU VÓS Carece
Genitivo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS DE SI
Dativo A MIM A NÓS A TI A VÓS A SI
Acusativo ME NÓS TE VOS SE
Vocativo Ó EU Ó NÓS Ó TU Ó VÓS Carece
Ablativo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS DE SI
75
Destacamos de sua declinação, primeiramente o quanto a primeira gramática da
língua portuguesa tinha a gramática latina como parâmetro, pois, os casos em latim
eram fundamentais para a compreensão e formação das orações, em distinção às línguas
neolatinas, cuja formação não dependia das declinações para serem entendidas, mas da
ordem sintática e das preposições.
Em suma, podemos dizer que apenas havia alterações na primeira e na segunda
pessoa, entre o nominativo – caso do Latim que equivale à função sintática do sujeito na
Gramática descritivo-normativa – e o acusativo – equivalente ao objeto direto. Nos
demais, eram as preposições ‘de’ e ‘a’ que marcavam os casos, sendo isto reconhecido
pelo próprio João de Barros (1540, p. 16), ao afirmar que há variação de significado em
vista do uso das preposições. Vemos, por exemplo, que não há distinção na tabela
barrosiana nas formas dadas pelo genitivo, comum aos adjuntos adnominais que
indicam restrição ou posse, pelo dativo, comum aos objetos indiretos, e pelo ablativo,
comum aos adjuntos adverbiais. Assim, podemos notar dois tipos de ‘cásos’ como são
entendidos na Grammática, aqueles que são acompanhados de preposição e os que não
são acompanhados de preposição.
CASOS SING. PLURAL SING. PLURAL
Nominativo EU NÓS TU VÓS
SEM PREPOSIÇÃO Acusativo ME NOS TE VOS
Genitivo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS
COM PREPOSIÇÃO Dativo A MIM A NÓS A TI A VÓS
Ablativo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS
O uso da preposição para indicar os casos foi a forma encontrada por João de
Barros para explicar como algumas declinações comuns à Língua Latina se encontram
na Língua Portuguesa. As gramáticas de línguas neolatinas abandonariam mais tarde a
fórmula dos casos, mas o gramático humanista, em vez disso, formula uma
reapresentação desses e encontra os mesmos casos a que estava acostumado na Língua
Latina em sua Língua Portuguesa. Se considerarmos o ambiente linguístico de
superação do dilema entre analogistas e anomalistas, entendemos que para Barros não
bastava dizer que havia carência na sua língua pátria, mesmo podendo valorizar sua
diferenciação, em outra linha garante uma analogia e responde com observação
realística à anomalia.
76
Esse fenômeno de abundância de preposições, de fato ausentes na Língua Latina,
é marcante quando são apresentados os casos. Sem eles, parece-nos normal que para
cada função, a palavra seja acompanhada de um termo prepositivo, embora saibamos
que as razões estruturais variam, caso de regência, ou caso de complemento nominal, ou
mesmo adjunto adnominal. Não ignoremos também os diferentes sentidos que uma
mesma preposição pode dar. Para aquele momento, as declinações expressavam essa
diversidade em relação os latinos.
Em tese, mudam-se as palavras nas pessoas pronominais apenas em três
oportunidades em conformidade com sua função sintática que seriam:
NOMINATIVO ACUSATIVO CASOS COM PREPOSIÇÃO
EU ME MIM
TU TE TI
NÓS NOS Não muda em relação ao nominativo.
VÓS VOS Não muda em relação ao nominativo.
Enfim, as variações dos termos pronominais que podemos indicar a partir das
explanações de João de Barros são: eu > me > mim; tu > te > ti; nós > nos; vós > vos.
Embora, o autor não tenha depreendido essas como variações por caso, uma vez que,
notando não haver desinências, conclui que há somente variações em singular e plural.
Quem nos indica tal concepção é Buescu (1978, p. 63), quando afirma que o gramático
português se não discerniu, pressentiu, certas “inovações românicas”, entre as quais, o
“desaparecimento da declinação”.
Quanto ao caso vocativo, como não há uma mudança na forma entre este e o
nominativo, João de Barros encontra na interjeição “ó” o meio de expressar o caso
característico da Língua Latina. Mais uma vez, percebemos o esforço de se enquadrar a
Gramática da Língua Portuguesa nos moldes da Gramática do Latim.
Por outro lado, chama a atenção o trato dado à terceira pessoa. Apontado como
um pronome relativo e demonstrativo, o termo “Elle” não é referenciado como o
nominativo da terceira pessoa. Na sua primeira explicação, afirmou que “Eu”
substituiria a palavra “Ioam de Barros”, tanto quanto “ty” substituiria o nome do
príncipe “Afonso”, de modo que tanto “Eu” quanto “ty” seriam pronomes. Mas, em
nenhum momento se referiu ao pronome “Elle” como um substituto de um sujeito.
77
Igualmente, Nebrija (1496), em seu Quinto livro, apresenta as declinações dos
pronomes em terceira pessoa a partir do segundo caso, e omite o primeiro.
A razão disso é, certamente, o fato de as gramáticas latinas também não
contarem com um nominativo para pronomes da terceira pessoa. Isso não exclui, do
nosso ponto de vista, que a mentalidade clássica já antevia as distinções entre pessoa e
não-pessoa, de modo a conceber que haja um “eu”, o que fala, tanto como há um “tu”,
aquele a quem se fala, mas o outro pode ser qualquer coisa, ou qualquer um, e, portanto,
não se configura como pessoa.
Assim, os casos para pronomes da terceira pessoa seriam apenas o genitivo, o
dativo, o acusativo e o ablativo. Variam suas formas entre “se” e “si”, sendo esta última
sempre acompanhada de preposição, enquanto aquela, em conformidade com as
declinações da primeira e da segunda pessoa, não são acompanhadas de preposição.
Além disso, a terceira pessoa não encontra variação de número em suas formas,
enquadrando-se melhor ao que Barros considera como “comum de dois”.
Depois das declinações dos pronomes pessoais, seguem-se as declinações dos
pronomes possessivos. Antes de apresentar sua tabela de declinações, João de Barros
define os possessivos como “aietiuos”, e entende que suas declinações derivam das
declinações dos pronomes pessoais de caso genitivo.
Expomos as tabelas dos possessivos, conforme apresentado na gramática em
estudo, na ordem das pessoas: primeira, segunda e terceira. No mesmo molde dos
pessoais, adaptamos a escrita quinhentista. Assim, seguem as tabelas:
Primeira Pessoa
CASOS SINGULAR PLURAL
Nominativo MEU MINHA NOSSO NOSSA
Genitivo DE MEU DE MINHA DE NOSSO DE NOSSA
Dativo Á MEU Á MINHA Á NOSSO Á NOSSA
Acusativo MEU MINHA NOSSO NOSSA
Vocativo Ó MEU Ó MINHA Ó NOSSO Ó NOSSA
Ablativo DE MEU DE MINHA DE NOSSO DE NOSSA
Segunda Pessoa
78
CASOS SINGULAR PLURAL
Nominativo TEU TUA VOSSO VOSSA
Genitivo DE TEU DE TUA DE VOSSO DE VOSSA
Dativo Á TEU Á TUA Á VOSSO Á VOSSA
Acusativo TEU TUA VOSSO VOSSA
Vocativo Ó TEU Ó TUA Ó VOSSO Ó VOSSA
Ablativo DE TEU DE TUA DE VOSSO DE VOSSA
Terceira Pessoa
CASOS SINGULAR PLURAL
Nominativo SEU SUA SEUS SUAS
Genitivo DE SEU DE SUA DE SEUS DE SUAS
Dativo Á SEU Á SUA Á SEUS Á SUAS
Acusativo SEU SUA SEUS SUAS
Vocativo Carece Carece Carece Carece
Ablativo DE SEU DE SUA DE SEUS DE SUAS
As disposições dos pronomes possessivos em Barros (1540) assemelham-se aos
pronomes pessoais quanto às declinações. Dessa vez, no entanto, não indica o vocativo
da terceira pessoa, tanto plural quanto singular. Segundo o entendimento do autor, já
exposto, os pronomes possessivos seriam adjetivais, de modo que variam de número e
de gênero (masculino/feminino/comum de dois), conforme o substantivo com o qual
concorda. Os possessivos derivariam dos pronomes pessoais, especificamente do caso
genitivo, assim, fica a impressão de que a associação entre o possessivo e o genitivo está
na função de posse que ambos compartilham. Assim, contrasta com a Gramática Latina,
o gramático entendeu haver o vocativo para os possessivos da segunda pessoa do
singular (ó teu, ó tua), na mesma linha de Nebrija (1496).
Além disso, na tabela de Barros (1540), parece haver uma confusão na
concordância dos pronomes possessivos uma vez que este indica a terceira pessoa do
plural caracterizada pelo ‘s’ final, em distinção ao singular. Como sabemos, o pronome
pessoal concorda com o objeto possuído, a partir do que, a caracterização do possuidor
advém de uma derivação do pronome pessoal.
79
Quanto aos pronomes relativos, o autor mantém as declinações e diferencia entre
os que considerava propriamente relativos e os interrogativos, sendo ambos
considerados relativos. Segue a tabela de declinações:
Interrogativos
SINGULAR PLURAL
Nominativo QUEM QUAL QUAIS
Genitivo DE QUEM DE QUAL DE QUAIS
Dativo A QUEM A QUAL A QUAIS
Acusativo QUEM QUAL QUAIS
Ablativo DE QUEM DE QUAL DE QUAIS
Relativos
SINGULAR PLURAL
Nto QUE O QUAL A QUAL QUE OS QUAIS AS QUAIS
Gto DE QUE DE QUAL DA QUAL DE QUE DOS QUAIS DAS QUAIS
Dto Á QUE AO QUAL Á QUAL A QUE AOS QUAIS AS QUAIS
Acto QUE O QUAL A QUAL QUE OS QUAIS AS QUAIS
Ablto DE QUE DO QUAL DA QUAL DE QUE DOS QUAIS DAS QUAIS
Barros (1540, p. 35) destaca em sua “Constrviçam” o quanto os relativos
dependem de uma concordância de gênero, número e pessoa com seu “anteçedente”.
Exemplifica: “como eu amo os moços os quáes fólgam de aprender”. O gramático
ressalta a importância do artigo na definição dos “acidẽtes” gênero e número, que no
caso estabelecem a concordância para plural e masculino.
Tamanha é a proximidade entre os nomes e os pronomes na concepção de Barros
(1540), que o autor não cita os relativos em sua “Constrviçam” como pronomes e sim
como “nomes relativos”. Ao que indica, não o faz por considerar os relativos
substantivos ou mesmo adjetivos, mas por sua natureza “matrimonial” com o nome.
80
A Grammática da Lingua Portuguesa é coerente aos seus objetivos em sua
apresentação dos pronomes, pois, oferece uma descrição simples, com referências
clássicas.
A simplicidade com que descreve a Língua é perceptível nas afirmações
categóricas dos termos e nas exemplificações imediatas quando há. Essa dinâmica
decorre tanto de seu objetivo pedagógico, uma vez que intenta o ensino da Língua
Portuguesa para jovens nativos e para estrangeiros, quanto de seu caráter normativo28.
As referências clássicas são consequência do espírito da época que valorizava
sobretudo o Latim como língua das ciências, mas também como língua da Igreja. Aqui,
podemos distinguir o interesse humanístico de um ensino cuja finalidade é oferecer aos
jovens o acesso a todo patrimônio cultural do Ocidente, de um segundo interesse mais
catequético, cujo objetivo é garantir o acesso ao culto e aos textos sagrados católicos,
distanciando-se do movimento protestante que abraçava as línguas vernáculas em seus
textos sagrados e em seus cultos.
Ao observar as definições e mesmo os exemplos da primeira gramática da língua
portuguesa, não podemos nos prender às classificações modernas. O melhor – e quase
exclusivo – parâmetro seriam as gramáticas medievais da Língua Latina. A
compreensão de pronomes em João de Barros obedece aos princípios gramaticais de
tradição, formulando uma analogia dos termos das línguas clássicas equiparando-os aos
da sua própria. Em nenhum momento que descreve os pronomes da Língua Portuguesa,
Barros apresenta alguma realidade de sua língua que não encontre paralelo no Latim, ou
por semelhança ou por dessemelhança.
28 Consideremos o aspecto normativo do modo como descrevemos e explicamos os objetivos da
Gramática como está no início do 3º capítulo.
81
4. ANÁLISE DA MODERNA GRAMÁTICA: DOS
PRONOMES
Realizada a análise dos pronomes, conforme descritos na Grammática da lingua
Portuguesa, a qual corresponde ao princípio da Imanência, já descrito, voltamo-nos para
a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, mais precisamente ao capítulo
Dos Pronomes. Escolhida como exemplar moderno dos estudos linguísticos sobre o
pronome, em atenção às concepções linguísticas que entendemos serem importantes
para a sua compreensão, a gramática da virada para o terceiro milênio vem oferecer-nos
um contraste das perspectivas mais atuais dos pronomes em relação àquelas do século
XVI.
Como vimos, o terceiro princípio é aquele em que “o historiógrafo pode
aventurar-se a introduzir aproximações modernas do vocabulário técnico e do quadro
conceptual apresentado na obra em questão” (KOERNER, 2014, p. 60). Chamado de
‘princípio de adequação’, trataremos das contribuições históricas da obra de João de
Barros, comparando-as às terminologias contemporâneas de Evanildo Bechara.
Esse momento estabelece-se em conformidade teórica à terceira fase do estudo
historiográfico apresentada por Swiggers (2010, p. 2). Na terceira, fase realiza-se uma
“síntese histórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente
fundamentada do conhecimento/knowhow linguístico”. Dessa forma, a Moderna
Gramática é tomada como exemplar do conhecimento linguístico atual, por meio do
qual faz-se uma síntese comparativa com a Grammática da lingua Portuguesa.
Para isso, faremos uma descrição e uma análise da gramática de Evanildo
Bechara, em sua 37ª edição de 2009 revisada, ampliada e adequada ao Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Para compreendermos essa obra, iremos aos
seus prefácios – tanto o da primeira quanto da 37ª edição –, pelos quais observaremos
seus possíveis objetivos. Depois disso, daremos importância à parte da Teoria
Gramatical, pois explica as concepções e as expressões gramaticais adotadas ao longo
de todo o trabalho. Dadas essas disposições, trataremos dos pronomes pessoais, dos
possessivos e dos relativos numa análise comparativa em relação à obra barrosiana.
82
4.1 Fundamentos da Moderna Gramática Portuguesa: possíveis
objetivos e concepções linguísticas
No prefácio da 1ª edição da Moderna Gramática Portuguesa, de 1961, Bechara
(2009, p. 21) aponta para o principal intento ao escrever sua obra: “levar ao magistério
brasileiro, num compêndio escolar escrito em estilo simples, o resultado dos progressos
que os modernos estudos da linguagem alcançaram no estrangeiro e em nosso país”.
Assim, o gramático brasileiro define o público principal, os professores, ao qual é dado
tanto o adjetivo de ‘colegas’, indicando proximidade, quanto o substantivo ‘magistério’,
o que nos faz concluir que se trata do professorado de ensino superior, do qual o próprio
Bechara faz parte. Além do público, apresenta-se um diferencial a fim de se justificar a
obra: a contribuição dos então recentes estudos linguísticos.
No prefácio da 37ª edição, Bechara (2009, p. 19) expressa que a obra, apesar de
atualizada e revisada, tem os “mesmos propósitos”, além de se dirigir aos mesmos
“colegas de magistério”. Entretanto, para atender aos mesmos objetivos, a atenção ao
estado mais atualizado das ciências linguísticas torna essa edição singular. Se, no
prefácio da 1ª edição, confessa ter de assumir termos que faltam na NGB, o que indica
as próprias novidades de seu trabalho, na 37ª, o autor entende que as linhas teóricas que
adota em seu trabalho podem favorecer uma “reformulação da teoria gramatical”.
Desse modo, não podemos entender a Moderna Gramática – em qualquer edição
– senão como um trabalho ocupado, ao mesmo tempo, com sua função pedagógica e
com seu caráter científico no ambiente das pesquisas linguísticas. Por isso, é uma
gramática descritiva e normativa e em conformidade tanto com a tradição gramatical29
quanto com as inovações teóricas da linguagem.
Bechara (2009, p. 28) inicia sua “Teoria Gramatical” com uma definição de
linguagem que, para ele, é “qualquer sistema de signos simbólicos empregados na
intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos, isto é,
conteúdos da consciência”. A expressão “qualquer” pode pressupor uma totalidade de
casos, dos quais todo sistema de signos simbólicos empregados para uma
29 Bechara (2009, p. 39) refere-se à “gramática tradicional” diversas vezes. Entendemos que
essa referência diz respeito à tradição gramatical que vigorava até a fase diversificada, do
período linguístico.
83
intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos seria
linguagem, mas o autor usa o termo para se referir ao conjunto mais ou menos estável
de realidades que se caracterizam dessa forma. A definição abarca ao mesmo tempo os
conceitos de subjetividade da linguagem quanto da intersubjetividade. Sua percepção de
linguagem como “conteúdos da consciência” faz-se eco à ideia de Benveniste (2005, p.
286) de que é por meio da linguagem que o ser humano assume um ‘eu’. Por outro lado,
quando se refere aos “signos simbólicos” e à intercomunicação social, remete-nos às
concepções de Jakobson (2010, pp. 156-158) de código e das funções da linguagem
submetidas à comunicação. Entretanto, é no termo “sistema” que o autor condensa sua
definição, transmitindo a ideia de estrutura, afinal, a linguagem é um processo mais ou
menos organizado, o que conforma sua perspectiva àquilo que Benveniste (2005, p. 22)
considera como princípio fundamental da linguística moderna, o fato de que “a língua
forma um sistema”.
Nesse quadro, a língua é a linguagem por excelência. Bechara considera
“língua” a formação histórica de certas comunidades, a partir de um sistema de
“isoglossas”, ou seja, uma estabilização de características de linguagem comuns a um
espaço geográfico. Em outras palavras, a língua é a linguagem de uma determinada
comunidade historicamente formada, conceituação que corresponde àquilo que Coseriu
(1979) considera “sistema normal” de que tratamos. Assim, quando o autor se dispõe a
apresentar uma gramática moderna da Língua Portuguesa, tem para si
fundamentalmente a caracterização da Língua como um sistema normal de símbolos
próprio de uma comunidade historicamente definida, que expressa conteúdos de
consciência em função de um outro.
Sua concepção de língua/linguagem compreende não um conjunto ideal de
expressões simbólicas, mas uma realidade de três planos e três níveis. Tais planos são:
universal, correspondente ao todo expressivo da linguagem; histórico, concernente à
linguagem normalizada em determinado espaço/tempo, ou às línguas; e, individual,
quanto ao ato comunicativo que se expressa no texto. Os níveis consistem em: falar
geral, que indica a competência de se expressar a partir de “congruências em relação aos
padrões universais” (BECHARA, 2009, p. 33); falar idiomático, tratando-se da
competência de se expressar em uma língua particular; e, falar individual que é o ato da
fala.
84
Ao citar o ato da fala, o autor utiliza-se do termo “texto”30, que constitui a
concretude do uso da linguagem. É, finalmente ao texto, ao ato comunicativo, que
Bechara (2009, p. 33) atribui um saber técnico, gramatical. Não estamos, obviamente,
tratando de uma gramática de texto e, sim, da competência individual de usar os
recursos sistêmicos da linguagem (como um todo) e de uma língua particular.
Essas competências próprias do falar revelam os “planos de estruturação”
próprios de uma língua funcional, tida como “uma realidade linguística idealmente
homogênea e unitária” (BECHARA, 2009, p. 38). Os planos de estruturação são a
expressão tripartite de Coseriu (1979) ampliada para mais um aspecto coerente aos
estudos do teuto-romeno que expressam um certo sistema comum às línguas do mesmo
tipo. Essa compreensão dos planos de estruturação de uma linguagem funcional,
portanto, são: fala, a realização da linguagem, mais ou menos condizente à parole
saussuriana; norma, que diz respeito àquilo que se estabelecera como normal em uma
determinada língua; sistema, condizente à estrutura funcional da linguagem que
expressa, na forma ou no conteúdo, uma lógica particular do idioma, associável à
langue saussuriana; tipo linguístico, já citado, corresponde às ocorrências comum e
incomum de um mesmo grupo de línguas, formando o plano mais abstrato da
estruturação.
Assim, a gramática pode ser descritiva, normativa, geral, comparada, histórica e
histórica interna. Quanto às gramáticas históricas, Bechara (2009, p. 56) entende que há
aquela ocupada em realizar um estudo diacrônico de uma língua funcional31, por outro
lado, há aquela que se ocupa de estudar os aspectos diacrônicos de uma língua histórica.
No que tange à gramática comparada, entende que realiza a comparação entre línguas
com algum “parentesco” (Id., Ibid., p. 56). No que diz respeito à gramática geral, estuda
aqueles “fundamentos teóricos dos conceitos gramaticais” ou os “fatos gramaticais
comuns” às línguas (Id., Ibid., p. 55).
A Moderna Gramática Portuguesa assume-se como uma gramática descritiva e
normativa. No Prefácio da 37ª edição, Bechara (2009, p. 19) afirma ter se atualizado “no
30 Em tabela apresentada na página 36 de sua Moderna Gramática Portuguesa (2009) para a
sistematização das explicações dadas nas páginas anteriores, Bechara utiliza o termo “discurso”
como atividade linguística (enérgeia). Apesar disso, ao tratar das atividades da linguagem em
seus diferentes planos utiliza o termo “texto”, supomos que para diferenciar a atividade do
produto. 31 O sentido de língua funcional aqui é o mesmo do autor (BECHARA, 2009, p. 38), já tratado.
85
plano teórico da descrição do idioma” e por trazer fatos gramaticais apresentados por
outros estudiosos “à orientação normativa”. Por isso, ao tratar das diferentes formas de
gramática, Bechara explana mais longamente sobre os tipos descritivo e normativo.
Entende como gramática descritiva aquela “que registra e descreve” o sistema de
uma língua. Para compreendermos essa conceituação, precisamos estar atentos à
distinção de sistema, que não se configura aos usos costumeiramente assumidos como
exemplares, mas às condições de funcionalidade estrutural da língua, no que tange a sua
forma ideal, a língua funcional. Segundo o autor da Moderna Gramática, tal estudo tem
um caráter científico, por isso, esta se reveste de uma metodologia, a fim de examinar
de modo isento. Esse exame deve elucidar os aspectos fonético-fonológico,
morfossintático e léxico. Fica claro, o quanto Bechara distingue seu papel na construção
de uma gramática, a partir de uma atividade científica. A compreensão do termo
“científica” dá margem à compreensão de estudo de um objeto específico, por meio de
um método igualmente específico, de modo a sobrelevar a observação em detrimento
dos juízos de valor.
Entretanto, sua gramática não se restringe à atividade descritiva, assumindo
também um caráter normativo. Bechara (2009, p. 52) entende que a finalidade de uma
gramática normativa é pedagógica, o que compreende oferecer àqueles que estudam a
Língua Portuguesa uma “exemplaridade idiomática” para “circunstâncias especiais do
convívio social”. Como exemplaridade idiomática, entendemos um conjunto de
realidades de uso linguístico que, a partir daquela normalidade à qual nos referimos,
tornam-se típicas das relações sociais envoltas em grau de formalidade. Mas, como
devemos tomar como exemplar algum modelo de expressão da língua? O tom
conservador de Evanildo Bechara se expressa na escolha dos “escritores corretos e dos
gramáticos e dicionaristas esclarecidos”. Isso remete, certamente, àqueles trabalhos que
contam com o prestígio social.
Concluímos, assim, que, em vista de um propósito que mescla tanto a divulgação
científica quanto a promoção pedagógica, Evanildo Bechara concebe sua gramática à
luz da Linguística moderna, sem perder as importantes referências tradicionais de
estudo da Língua Portuguesa. A partir das perspectivas modernas da língua, entende a
linguagem como expressão da consciência de função intercomunicativa, ou seja, acolhe
a compreensão de que a linguagem é fruto e meio de consciência de um ‘eu’ que se
contrapõe a um ‘tu’, de um remetente que envia uma mensagem a um destinatário.
86
De modo mais abrangente, o gramático parte das perspectivas de níveis da
linguagem e de sua realidade tripartida – Sistema, Norma e Fala – para descrever um
“sistema funcional” e apresentar seu modelo exemplar, sem ignorar a realidade mais
concreta da língua: o texto. Assim, distingue sua obra como descritiva e normativa,
enfatizando uma metodologia científica e atualizada ao tempo que conserva os aspectos
mais prestigiados da língua portuguesa.
Comparativamente, quanto às perspectivas gramaticais de Barros (1540) e
Bechara (2009), apesar do tempo que os distancia, mantêm-se algumas características
similares. Ambos se preocuparam com a função pedagógica da gramática; ambos
respeitaram os modelos de suas tradições; e, ambos se ocuparam de introduzir
inovações.
4.1.2 Partes da Moderna Gramática Portuguesa
A Moderna Gramática Portuguesa é dividida, além da Introdução que conta
com a Teoria Gramatical, em cinco partes: Fonética e fonologia; Gramática descritiva
e normativa; Pontuação; Noções elementares de estilística; e, Noções elementares de
versificação. Explicaremos o que seriam cada uma das cinco partes, antes de voltarmo-
nos para aquela em que se enquadra o pronome.
A parte denominada de Fonética e fonologia, segundo Bechara (2009, p. 53),
estuda “o aspecto físico-fisiológico”. O autor aponta a Fonética, em distinção à
Fonologia, como aquela ocupada com a produção sonora, caso das articulações
fisiológicas. Por outro lado, a Fonologia centra-se no estudo dos fonemas, investigando
o som do ponto de vista linguístico, na formação das palavras. Partindo desses
conceitos, podemos relacionar à parte da Sylaba, na gramática barrosiana, à Fonologia,
guardadas suas proporções. No entanto, não há nada comparável ao estudo da Fonética
na gramática quinhentista.
A Pontuação trata dos sinais gráficos de função sintática. Bechara (2009, p. 604)
reconhece que a pontuação é recente “na história da escrita”, apesar de entender que há
“uma continuidade de alguns sinais desde os gregos, latinos e alta Idade Média”. João
de Barros (1540, pp. 49-50) trata dos sinais de pontuação em sua Orthografia e
considera-os como “hũa das cousas prinçipáes da orthografia”, ou seja, embora não seja
um sinal alfabético, a pontuação é considerada um elemento ortográfico.
87
Na parte denominada Noções elementares de Estilística, Bechara (2009)
apresenta a Estilística como disciplina à parte da gramática, cujo objeto de estudo é o
estilo, o qual se constitui pela linguagem afetiva. Para o gramático, o estilo se configura
num conjunto de processos de expressão psíquica e de apelo, de valor estético. Aqui,
percebemos uma clara contraposição entre a concepção moderna de estudos linguísticos
e a renascentista32
, pois se para Bechara (2009) não se deve “baralhar” a gramática e a
estilística, tampouco reduzir o estilo a figuras de linguagem, Barros (1540, pp. 34-39)
não faz outra coisa senão citar em sua Das figuras uma lista considerável de figuras,
algumas das quais podem ser citadas modernamente como figuras de linguagem.
Quanto à parte Noções Elementares de Versificação, nela Bechara (2009) se
dedica às questões de métrica, tratando dos versos, das sílabas poéticas e do ritmo. Não
encontramos paralelo na obra de João de Barros.
Enfim, a segunda parte de sua gramática, posterior à Fonética e Fonologia, é a
da Gramática Descritiva e Normativa. Bechara (2009) principia citando os dez grupos
de palavras: substantivo, adjetivo, artigo, numeral, pronome, verbo, advérbio,
preposição, conjunção e interjeição. Contudo, entende que esses termos são tratados
sem distinção de “natureza e funcionalidade”, de modo que, se se levarem em
consideração “critérios categoriais, morfológicos e sintáticos”, podem ser entendidos
não como categorias de um mesmo fenômeno linguístico, mas diferentes realidades.
A partir de uma diferenciação que leva em consideração os critérios de
categoria, de morfologia e de sintaxe, Bechara (2009) aponta para a significação lexical,
a qual compreende a relação entre as palavras e o mundo extralinguístico. Logo,
importa reconhecer que empedrar tem relação com pedra, sendo o primeiro uma
variação do segundo, formando uma “série de palavras” (Id., ibid., p. 109), cuja
significação se estende a pedreiro, pedregulho, pedraria e todos referem-se a realidades
extralinguísticas. Independe, para isso, qualquer discussão sobre o objeto pedra.
Tendo apresentado a questão do significado lexical, Bechara (2009, p.109)
apresenta a questão das categorias, que correspondem ao “como da apreensão do
mundo extralinguístico”33
. Para o autor da Moderna Gramática, as categorias dizem
respeito a um “modo de ser das palavras no discurso” (Id., ibid., p. 109), refletindo
32 Referimo-nos aos dois exemplares de cada período, a Moderna Gramática Portuguesa e a
Grammática da lingua Portuguesa. 33
Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
88
variadas expressões da realidade na linguagem, como é próprio do verbo indicar aquilo
que acontece ou que se faz, ou como é do adjetivo caracterizar as coisas. Essas
categorias, entretanto, não formam “classes léxicas fixas” (Id., ibid., p. 109) porque,
como vimos, a significação lexical estabelece-se em uma realidade na língua. Por
exemplo, rosa pode ser substantivo ou adjetivo, da mesma forma que viver pode ser um
substantivo num determinado enunciado, não podendo, portanto, serem catalogados em
uma classe fixa de palavras, exatamente por não importar os objetos a que se referem,
mas sua significação no discurso.
É capital compreendermos a forma como Bechara entende as categorias,
sobretudo, porque em sua obra afirma não considerar os pronomes uma categoria. Para
o gramático, “constituem o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio as quatro
únicas reais ‘categorias gramaticais’ da língua” (BECHARA, 2009, p. 110), porque
somente elas têm referências extralinguísticas, ou seja, expressam um “modo de ser das
palavras no discurso” (Id., ibid., p. 109). Conforme apresenta,
Assinalando com F a forma física, com L o significado léxico e com C
o significado categorial, as palavras abstratas podem ser constituídas:
a) como puras “formas” (F), por exemplo “amo” em português, e
somente levando em conta sua forma, pode-se classificar apenas pelo
seu lado material: é uma palavra dissílaba; é uma palavra paroxítona;
é uma palavra com três fonemas, etc.; b) como “formas léxicas” ou
“lexemas” (FL), por exemplo o português verde, independentemente
dos diferentes significados categoriais, isto é, como adjetivo ou como
substantivo; c) como “formas categoriais” ou “categoremas” (FC), por
exemplo, quadro, papel, como substantivos, independentemente dos
diferentes significados léxicos (“quadro de um pintor”, “quadro de
futebol”, “folha de papel”, “papel de um ator”) e d) como palavras
com significado léxico e categorial (FCL), por exemplo, em português
amo ‘senhor’, substantivo, e amo ‘quero bem’, verbo. Somente as
palavras abstratas dotadas com FC ou com FCL podem ser
classificadas categorialmente graças ao elemento C; isto significa que
uma mesma palavra FL poderá figurar em classes distintas se
apresenta diferentes significados C, como foi o caso de verde
(adjetivo: “folha verde”, e substantivo: “o verde da folha”) e amo
(substantivo e verbo). Em suma: não podemos querer que a palavra
verde, substantivo, pertença à classe da palavra verde, adjetivo, apenas
89
porque tem o mesmo significado lexical, isto é, apelando para um
traço que nada tem que ver com o critério com que está constituída a
classe verbal. (Id., ibid. 2009, p. 111)
Portanto, retomando o exemplo, a palavra rosa terá a mesma forma física tanto
em “rosa é minha cor favorita”, como em “a caneta é rosa”; também terá o mesmo
significado lexical, referente à cor; entretanto, difere em seu significado categorial,
sendo um substantivo no primeiro enunciado e um adjetivo no segundo.
Por outro lado, os pronomes não possuem referências extralinguísticas, mas
servem para articular-se na significação àqueles termos, estes sim, que se referem a
objetos da realidade. Dessa forma, são consideradas “palavras categoremáticas”
(BECHARA, 2009, p. 112), juntamente com os numerais, pois servem a um
“significado estrutural”.
Antes de tratarmos do significado estrutural, importa compreendermos o
significado instrumental, conforme a Moderna Gramática. Para Bechara (2009, p. 110),
o significado instrumental corresponde àqueles morfemas ou “palavras morfemáticas”
que servem como instrumentos para “combinações gramaticais”, como o ‘s’ final que
indica a pluralidade. Dentre as palavras com significação instrumental, estão as
preposições e os artigos, pois, em vez de referirem-se a uma realidade ou a um elemento
sintático, servem para ampliar o sentido de palavras de significação lexical. Além do
artigo e da preposição, tradicionalmente tidas como classes, incluem-se entre os de
significação instrumental as desinências, assim como o ‘s’ final, os prefixos e os
sufixos, etc.
Esse significado instrumental reflete-se em um significado estrutural, que
“resulta das combinações de unidades lexemáticas ou categoremáticas com unidades
morfemáticas e morfemas, dentro da oração” (BECHARA, 2009, p. 111). Dessa
maneira, as palavras de significado léxico e categorial, por meio de unidades, tanto
morfemáticas quanto lexemáticas, formam combinações gramaticais que se refletem em
um significado estrutural. Assim, em “O garoto viu o carro e desviou-se dele a tempo”,
o pronome ele, contraído à preposição de, não faz referência a um elemento
extralinguístico – não tem significado lexical. Mas, indica um outro termo servindo a
uma combinação gramatical na oração, ou servindo à estrutura. O pronome, conforme
Bechara (Id., p. 112), tem um significado categorial associando-se às autênticas
categorias, pois “são substantivos, adjetivos, advérbios e – em algumas línguas que não
90
o português – até verbos”. Logo, não é uma categoria, mas uma classe de palavras
categoremáticas.
Logo, conforme o esquema adotado pelo gramático brasileiro, em distinção ao
quinhentista português, os estudos gramaticais dividem-se em cinco. Enquanto os
estudos de estilística, na Moderna Gramática, dividem-se em duas partes – noções de
estilística e noções de poética –, na Grammatica sequer é considerada uma parte,
estando Das Figuras em separado. Ressaltando que Das Figuras tomam diversas
expressões idiomáticas, algumas das quais seriam consideradas figuras de linguagem,
que não constam na gramática moderna. Por outro lado, a Prosódia e a Orthografia
formavam partes separadas de estudo, constando alguns de seus aspectos na Fonologia
e Fonética. Quanto à Pontuação, não encontra uma parte na gramática quinhentista,
porém, é tratada em Da Orthografia. Ethimologia e Syntaxis, ambas têm seus conceitos
implicados na Gramática Descritiva e Normativa, constituindo a duas partes em Barros
(1540) e a uma só – a maior, entretanto – em Bechara (2009).
Para Bechara (2009), classes gramaticais distinguem-se de classes verbais,
correspondendo as primeiras às categorias. Nesse caso, haveria apenas quatro categorias
gramaticais: substantivo, adjetivo, verbo e advérbio. Cabe, assim, ao numeral e ao
pronome a classificação de palavras categoramáticas, as quais estariam associadas ao
significado estrutural e categorial, e não gramatical, associando-se às autênticas
categorias.
Diferentemente, Barros (1540) entende haver dez partes da “diçam”
considerando, além das quatro constatadas como classes gramaticais por Bechara
(2009), a interjeição, o artigo, a preposição, a conjunção, o numeral e, enfim, o
pronome. Entretanto, embora não coloque na mesma relevância a categoria do advérbio,
Barros (1540) compreende que a classe do pronome se distingue da do nome, que inclui
o adjetivo, e da classe do verbo. Enquanto nome e verbo são “reis”, o pronome é
“dama”, ou seja, está em diferente nível de classificação.
Assim, os pronomes estão na parte da Gramática Descritiva e Normativa.
4.2 Dos pronomes
Para Evanildo Bechara (2009, p. 162), o Pronome “é a classe de palavras
categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um
significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto”. Assim, o gramático
91
reafirma sua posição quanto à classificação de palavras entre gramaticais ou categorias
(substantivo, adjetivo, verbo, advérbio), morfemáticas (artigo, preposição e conjunção)
e categoremáticas (numeral e pronome). Também considera limitado o número de
unidades pronominais, o que é um fato relevante, pois, distintamente às categorias,
justamente por não ter um significado léxico, ou por fazer referências genéricas34
, os
pronomes são sempre os mesmos, não acompanhando as novidades culturais e
científicas que precisam ser “nomeados”.
Inclusive por situar o pronome entre as palavras categoremáticas, Bechara
(2009, p. 162) mantém a histórica ligação entre pronomes e substantivos, afirmando que
“de modo geral”, aquele significado lexical a que se refere o pronome é um “objeto
substantivo”. Ou seja, o pronome não é uma categoria, mas refere-se a palavras de
significado lexical, cuja classificação é de categoria, sobretudo, o substantivo. Assim, o
gramático distancia-se em muito da concepção expressa pela obra barrosiana – a qual
não só relaciona o pronome ao nome, como entende que sua razão de ser está nessa
outra classe –, embora não possa ignorar que, dentre outras funções, o pronome
funciona geralmente como um substituto dos substantivos.
Ressaltamos que Barros (1540), como faz Bechara (2009), não põe a classe do
pronome no mesmo grupo que as classes do substantivo, do adjetivo e do verbo. Para o
gramático português, os nomes fazem a função de “reis” na linguagem, da mesma forma
que, para o gramático brasileiro, os substantivos e os adjetivos têm um “modo próprio
de ser” no discurso. Assim, enquanto Barros (1540) considera a classe do pronome a
“dama” de um jogo de xadrez, numa classificação menor, assim o faz Bechara (2009)
por não considerar o pronome uma categoria, mas uma classe categoremática. Divergem
os gramáticos quanto à condição do advérbio, que para o renascentista é igualmente
uma “dama”, ao contrário do moderno, para quem o advérbio estaria em condição
similar às categorias do substantivo, do adjetivo e do verbo.
Por outro lado, a Moderna Gramática considera o papel dos pronomes de
referenciar as pessoas do discurso. Logo após a definição, Bechara (2009, p. 162)
aponta para as pessoas nos seguintes termos: “São duas as pessoas determinadas do
discurso: 1.ª eu (a pessoa correspondente ao falante) e 2.ª tu (correspondente ao
ouvinte)”. Sua consideração toma as contribuições relevantes sobre a natureza dos
34 Bechara (2009, p. 112) assume que, quando se refere a um elemento extralinguístico, o
pronome o faz genericamente.
92
pronomes da Linguística moderna, como sobre a concepção de discurso, compreendida
como ato comunicativo envolvendo um eu/remetente e um tu/destinatário. Ainda nessa
perspectiva, o autor trata da sua perspectiva dêitica, associada aos aspectos semânticos
de marcas extralinguísticas, que inclui os pronomes demonstrativos e a terceira pessoa.
Quanto aos tipos de pronomes, Bechara (2009, p. 163) indica haver os “pessoais,
possessivos, demonstrativos (abarcando o artigo definido), indefinidos (abarcando o
artigo indefinido), interrogativos e relativos”. Desses, como já expusemos, trataremos
apenas dos pessoais, dos possessivos e dos relativos.
Quanto aos pronomes pessoais, Bechara (2009, p. 164) divide-os em pessoa e
número. A fim de mantermos coerência com as explanações sobre pronomes na obra de
Barros (1540), apresentaremos em tabela os pronomes pessoais dispostos:
PESSOAS SINGULAR PLURAL
1ª EU NÓS
2ª TU VÓS
3ª ELE ELA ELES ELAS
Diferentemente do gramático quinhentista, Bechara (2009, p. 164) propõe-se a
elucidar o caso do plural em primeira pessoa, sobre o que afirma: “o plural nós indica eu
mais outra ou outras pessoas, e não eu + eu”35
.
Enquanto Barros (1540) toma o modelo clássico gramatical e, por isso, conforma
a Língua Portuguesa aos casos de declinação próprios do Latim, Bechara (2009) toma o
modelo gramático tradicional como ponto de partida. Isso faz com que o gramático
apresente a fórmula dos pronomes conforme a tradição gramatical dividindo-os em:
pessoa, número e, apenas na terceira pessoa, gênero. Mas, a fim de atualizar os
conceitos de gramática normativa em consideração à linguística novecentista36
,
concorda que a terceira pessoa é uma entidade negativa em relação às duas pessoas
“determinadas do discurso” (Id., Ibid., p. 164), ou seja, a terceira pessoa é a não-
primeira e a não-segunda. Reconhece, assim, a perspectiva tradicional de uma terceira
35 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
36 Referimo-nos às novidades dos estudos linguísticos de todo século XX, a partir de Curso da
Linguística Geral, compilação de textos do suíço Ferdinand Saussure.
93
pessoa ao tempo que abarca sua natureza não-pessoal compreendida pela linguística
moderna. Ora, se há apenas duas pessoas no discurso, não haveria uma terceira, mas
afirmá-lo exigiria reformular a clássica tabela dos pronomes e, provavelmente, não
consideraria a sua real compreensão por parte do gramático. Por isso, aceita-se uma
terceira pessoa e faz-se a ressalva: é uma pessoa “negativa” (BECHARA, 2009, p. 163).
Bechara (2009, p. 164) explica que, para cada pronome pessoal que se ocupa da
função de sujeito – e, assim, é denominado de reto –, há um pronome pessoal do caso
oblíquo. Segundo afirma, o pronome pessoal oblíquo “funciona como complemento e
pode apresentar-se em forma átona ou forma tônica”. A relação entre o pronome pessoal
reto e o oblíquo se estabelece a partir da função do pronome na oração e depois
subdivide-se pela fonética. Sistematizam-se os pronomes da seguinte forma, adaptada
de Bechara:
PRONOMES PESSOAIS RETOS PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS
ÁTONOS
(sem prep.)
TÔNICOS
(com prep.)
SINGULAR
EU ME MIM
TU TE TI
ELE/ELA LHE, SE, O/A ELE/ELA, SI
NÓS NOS NÓS
PLURAL VÓS VOS VÓS
ELES/ELAS LHES, SE, OS/AS ELES/ELAS, SI
Diante desse esquema, podemos retomar a gramática renascentista e observar
que aquilo que estava definido conforme os casos latinos passa a ser descrito a partir das
relações sintáticas e da fonologia. Ou seja, a diferença na forma física37
de eu para me e
mim – palavras com o mesmo significado categorial/estrutural – que antes era explicada
pelos casos, correspondendo ao modelo clássico, agora se explica a partir das distinções
de função sintática (sujeito/complemento direto/indireto) e da performance fonológica
(átono/tônico). Nesse quadro, Bechara (2009, p. 164) não ignora a necessidade da
37 Tomamos o termo escolhido por Bechara (2009, p. 111), para a forma com que a palavra se
apresenta.
39 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
94
preposição (classe de palavras morfemáticas) para a disposição dos pronomes oblíquos
tônicos, afirmando que “as tônicas vêm sempre presas a preposição”38
.
Essa característica própria dos pronomes oblíquos tônicos foi exposta no modelo
barrosiano, quando os pronomes da Língua Portuguesa foram encaixados nos casos
genitivo, dativo e ablativo, os quais corresponderiam aproximadamente na gramática
tradicional aos casos de adjunto adnominal (indicando restrição ou posse), objeto
indireto e adjunto adverbial, respectivamente. Na Moderna Gramática, a função
exercida pelo pronome oblíquo tônico, em relação ao átono, é eclipsada pelo aspecto
fonológico, provavelmente, por causa das contribuições da Fonética e da Fonologia que
se desenvolveram ao longo dos mais de quatro séculos que separam João de Barros de
Evanildo Bechara.
Para demonstrarmos as semelhanças e os contrastes entre as listas de Barros
(1540) e Bechara (2009), apresentamos a seguinte tabela:
GRAMMATICA (1540) MODERNA GRAMÁTICA (2009)
Nominativo Outros casos Caso reto Caso Oblíquo
EU ME/MIM EU ME/MIM
TU TE/TI TU TE/TI
Carece
SE/SI
ELE O/LHE/SE/SI
ELA A/LHE/SE/SI
NÓS NOS/NÓS NÓS NOS
VÓS VOS/VÓS VÓS VOS
Carece
SE/SI
ELES OS/LHES/SE/SI
ELAS AS/LHES/SE/SI
Além de diferir os pronomes oblíquos entre átonos e tônicos, Bechara (2009, p.
165) menciona os casos de pronome oblíquo reflexivo e recíproco. Explica o significado
do pronome reflexivo como sendo o mesmo que “a mim mesmo, a ti mesmo”,
exemplificando por “Eu me vesti rapidamente”39
. Este pode ser comparado ao que
Barros (1540) denomina de pronome composto, afirmando haver o caso de “me” e
“mim mesmo”, embora não mencione que o pronome “me”, constante no ablativo,
possa significar o mesmo que “mim mesmo”, provavelmente porque não havia a
38 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
40 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.
95
construção simples do reflexivo. Quanto ao pronome recíproco, Bechara (2009) relata
apenas os pronomes “nos”, “vos” e “se”, divergindo dos reflexivos por envolver uma
ideia de “um ao outro”. Barros (1540) sequer menciona essa perspectiva de uso dos
pronomes.
Outro fator importante, em Bechara (2009, p. 179), é o reconhecimento dos
pronomes oblíquos átonos “o”, “a” e “lhe”, ausentes na gramática renascentista. Eles
tornam possíveis as combinações de pronomes átonos, de modo que um pronome, em
função de objeto indireto, contrai-se a outro pronome, este em função de objeto direto.
Disso, encontram-se construções como “Eles pediram férias. O patrão lhas concedeu”,
em que combinam os pronomes “lhe”, referente a “eles” e “as”, referente a “férias”,
encontradas apenas no gramático moderno.
Para Barros (1540) os pronomes da terceira pessoa eram “se” e “si”, nenhum
deles nominativo, visto que as palavras “ille”, “illa” e “illud”, das quais os pronomes
“ele” e “ela” se originam, eram tidos como pronomes demonstrativos e podem ser
traduzidos, em Língua Portuguesa, por “aquele”, “aquela” e “aquilo” em algumas
circunstâncias. Bechara (2009, p. 176) apresenta o pronome “se” para destacar sua
construção reflexiva e recíproca, característica de que os pronomes “o”, “a”, “lhe” e
plurais não compartilham. Bechara (Id., p. 178) também constata a concorrência de “si”
e “ele” na reflexidade, possibilidade surgida, segundo ele, a partir do século XVIII.
Por fim, cabe ressaltar os casos de pronomes oblíquos contraídos à preposição
“com”, ignorados em Barros (1540). Esses são citados por Bechara (2009, p. 165) da
seguinte maneira:
Se a preposição é com, dizemos comigo, contigo, consigo, conosco,
convosco, e não: com mi, com ti, com si, com nós, com vós.
Empregam-se, entretanto, com nós e com vós, ao lado de conosco e
convosco, quando estes pronomes tônicos vêm seguidos ou precedidos
de mesmos, próprios, todos, outros, ambos, numeral ou oração
adjetiva
Quanto aos pronomes relativos, Bechara (2009, p. 171) define-os como “os que
normalmente se referem a um termo anterior chamado antecedente”. Como exemplo,
apresenta a frase “Eu sou o freguês que por último compra o jornal”40
, destacando a
96
palavra “que” como pronome relativo por referir-se a “freguês”, seu antecedente. A fim
de diferenciá-lo da conjunção integrante, o gramático aponta que é característica do
pronome relativo exercer função sintática na oração em que está inserido, como a
palavra “que” exerce a função de sujeito no exemplo. Também caracteriza, a partir do
exemplo, a condição de adjunto adnominal que pode exercer o pronome relativo.
Em seguida, encontramos a lista de pronomes relativos: “qual, o qual (a qual, os
quais, as quais), cujo (cuja, cujos, cujas), que, quanto (quanta, quantos, quantas), onde.”
(BECHARA, 2009, p. 171).
Apesar de “quem” não aparecer na lista supracitada, é o primeiro a ser descrito
como “o que se refere a pessoas e a coisas personificadas”, especificando que “sempre
aparece precedido de preposição” e que funciona como pronome substantivo.
Diferentemente, o pronome “o qual” aparece tanto como substantivo como adjetivo,
podendo referir-se a pessoas ou a coisas. O pronome “que” pode se referir tanto a
pessoas como coisas, mas funciona como substantivo. Quanto ao pronome “cujo”,
Bechara (2009, p. 172) afirma que “sempre com função adjetiva, reclama, em geral,
antecedente e consequente expressos e exprime que o antecedente é possuidor do ser
indicado pelo substantivo a que se refere”. Além disso, cita casos em que “cujo” pode
ser usado sem consequente, embora considere seu uso arcaizante, como no caso de “a
obra cujo comentador eu sou”. Em relação ao pronome “quanto”, toma-o como aquele
“que tem por antecedente um pronome indefinido (tudo, todo, todos, todas, tanto)”
(BECHARA, 2009, p. 172).
Considerando que a exposição de Barros (1540) sobre os pronomes relativos é
bastante direta, deixando à parte de Constrviçam certos detalhes de uso, parece-nos
pouca coisa a comparar com a explanação de Bechara (2009). Em grande parte,
concordam sobre os pronomes relativos referirem-se a antecedentes, apontando o
segundo para algumas exceções. Os pronomes do primeiro encontram-se todos no
segundo, neste a lista é acrescida com os pronomes “onde”, “que” e “cujo (a) (s)”.
Dadas essas explicações, o gramático aponta para os casos em que o pronome
relativo não tem um antecedente. Casos de “quem” e “onde” de valor absoluto, segundo
os quais, não há uma referência no texto, mas se refere a uma ideia, parecendo-se mais
com os pronomes indefinidos. Exemplifica em “Moro onde quero”, de modo que
“onde” não expressa um elemento linguístico anterior, porém, serve como relativo entre
“moro” e “quero”.
97
2ª pessoa TEU TUA TEUS TUAS
Quanto aos pronomes possessivos, são tratados como pronomes adjetivos, tal
qual o considera Barros (1540), conforme expressa logo após a definição dos tipos de
pronome. Segundo Bechara (2009, p. 163), os pronomes “meu” e “teu” são aqueles que
se referem às pessoas do discurso, “eu” e “tu”, enquanto ao pronome possessivo da
terceira pessoa, dado seu “caráter relativamente indeterminado” faz necessária, em
certas ocasiões, explicação como em “seu mesmo”.
Os pronomes possessivos são definidos na Moderna Gramática como aqueles
que indicam a posse das “três pessoas do discurso” (BECHARA, 2009, p. 166), tendo
considerado apenas a condição genérica da terceira pessoa, quando trata do caráter
adjetivo dos pronomes. O fato é que, se o pronome é aquele que substitui o nome, como
afirma o gramático quinhentista, difícil é considerar os possessivos da classe do
pronome, como supõe Bassetto (1998, p. 76), apesar de os adjetivos serem considerados
nomes na gramática de Barros; por outro lado, se os pronomes são palavras
categoremáticas que funcionam tanto como substantivo, adjetivo, advérbio e verbos –
este não em Língua Portuguesa (BECHARA, 2009, p. 112) –, os possessivos teriam
caráter pronominal.
Entretanto, apesar de Bechara (2009, p. 166) definir os pronomes possessivos
como aqueles que indicam posse, mais adiante trata dos casos em que estes assumem
“variados matizes contextuais” (Id., Ibid., p. 183) para além do sentido de posse. São
casos em que o pronome indica a proximidade numérica, como em “Quando tinha lá
meus trinta anos”; ou casos em que indica uma relação afetiva, como em “Este é nosso
herói” ou “Minha querida professora”, enfim.
A tabela dos pronomes possessivos de Bechara (2009) apresenta-se de
semelhante forma:
SINGULAR
1ª pessoa MEU MINHA MEUS MINHAS
3ª pessoa SEU SUA SEUS SUAS
1ª pessoa NOSSO NOSSA NOSSOS NOSSAS
PLURAL 2ª pessoa VOSSO VOSSA VOSSOS VOSSAS
3ª pessoa SEU SUA SEUS SUAS
98
Vale citar que os pronomes possessivos são apresentados por Barros (1540)
atrelados aos casos latinos e, por isso, não apontam para uma concordância com o
número do objeto possuído, de modo que “seus”, “suas” e variados são associados,
exclusivamente, à terceira pessoa do plural. Bechara (2009), ao contrário, expõe
claramente essas posições, de modo a exibir o “seu” e o “seus” tanto como forma da
terceira pessoa do singular como da terceira pessoa do plural em sua tabela. Assim faz
com “meus”, “minhas”, “teus”, “tuas” e outros, evidenciando sua concordância com o
objeto possuído, em vez de concordar com o possuidor.
Logo, persistem os questionamentos quanto à categorização dos possessivos. De
modo geral, não substituem nenhum substantivo, nem adjetivo, nem advérbio.
Funcionam claramente como adjetivos significando a posse de um determinado
substantivo, ou de outro pronome – como em “Ela é minha”. Esse significado de posse
pode ser acrescido de alguma conotação, variando seu significado, sem deixar de perder
seu significado categorial adjetivo. Para Bassetto (1998, p. 76)
Considerando que não substituem o nome, mas indicam uma relação
de posse com alguma das pessoas do discurso, não parece que se
enquadram na definição de pronome dada acima.41
No pensamento
dos primeiros gramáticos gregos, porém, seriam pronomes porque se
relacionam semanticamente com um pronome, derivando-se dele,
devendo ter por isso a mesma natureza, tanto mais que se relacionam
sempre com as pessoas do discurso, para as quais se palmou a
designação de pronome. Contudo, não há qualquer substituição.
Realmente, a definição da classe dada por Barros (1540) não incluiria os
pronomes possessivos. Já a definição de Bechara (2009, p. 162) aponta uma saída, ao
afirmar que os pronomes se referem “a um significado léxico pela situação”, o que
incluiria um adjetivo. Assim, os pronomes pessoais fazem “referência” às pessoas do
discurso e à terceira pessoa, as quais não se estabelecem senão pelo discurso,
recordando que a existência de um “eu” está vinculada à linguagem, ou seja, os
pronomes pessoais não se referem, de fato, a um elemento extralinguístico. Na mesma
esteira, os pronomes relativos se referem a seus antecedentes, outro elemento
estritamente linguístico. Os outros casos não estudados neste trabalho apontam para
alguma similitude: os pronomes, em geral, tratam de elementos linguísticos, não se
41 Bassetto (1998, p. 76) refere-se à definição de Dionísio de Trácio a qual considera os
pronomes possessivos uma espécie derivada de pronome.
99
referindo a objetos específicos do universo extralinguístico e, por isso, não são
considerados uma categoria. Entretanto, os pronomes possessivos não fazem referência
a nenhum objeto linguístico, pois caracterizam os objetos extralinguísticos. Tal questão,
assim, nem na gramática quinhentista, pouco na gramática moderna, não é satisfeita.
Entendemos, por fim, que a Moderna Gramática Portuguesa é coerente aos seus
objetivos, quando explana do ponto de vista descritivo e normativo os pronomes,
propondo um novo linguístico à tradição gramatical.
Partindo da perspectiva linguística de sistema, norma e fala, de Coseriu (1979),
os pronomes são descritos em sua natureza sistêmica, da qual os compreende como
palavras categoremáticas de importante significado estrutural e instrumental. Também
os toma quanto ao uso normal, ou seja, apresenta a normatividade, intentando expressar
pedagogicamente, como quem instrui, o que se diz em Português e como se diz,
apontando muitas vezes para as inevitáveis exceções.
Para tanto, faz constante referência àquilo que o próprio compreende como
gramática tradicional. Nessa esteira, expõe suas divergências sempre partindo de uma
conceituação – ou nomenclatura – tradicional, quando não as confirma. Assim, para
tratar dos pronomes, trata das classes gramaticais, ainda que seja para divergir da
tradição gramatical, talvez aprofundá-la. Quando lista os pronomes, pessoais, relativos
ou possessivos, mantém os tradicionalmente conhecidos, opondo-se mais quanto às
funções e às naturezas do que ao cânone estabelecido.
O autor dialoga mais com outros gramáticos e linguistas, os “colegas de
magistério” e “público estudioso da língua” (BECHARA, 2009, p. 19) do que com os
alunos, se entendermos em ampla extensão. A linguagem mais técnica e os exemplos
tirados de textos clássicos exigem de seu leitor conhecimento da tradição gramatical e
atenção às tendências da Linguística da última centena de anos.
Cumpre, portanto, o papel a que se propôs. Uma gramática descritiva e
normativa “revista, atualizada e ampliada”, amadurecida pela “leitura atenta dos
teóricos da linguagem” (BECHARA, 2009, p. 19)
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa tem por tema as concepções linguísticas acerca da classe de
palavras dos pronomes, especificamente, dos pessoais, dos relativos e dos possessivos,
usando, para isso, uma gramática do século XVI e outra do fim do século XX.
Empreendemos esse esforço por compreendermos quão importantes são os objetos de
descrição e análise, assim como os períodos escolhidos para tanto.
As análises realizadas neste trabalho permitiram-nos compreender os conceitos e
as descrições sistemáticas da classe de palavras dos pronomes, genericamente, e dos
tipos pessoais, possessivos e relativos, tal como esses conceitos e essas descrições se
apresentavam no século XVI. Essas concepções foram-nos apresentadas pela
Grammatica da lingua Portuguesa (1540), de João de Barros, as quais comparamos
com um estudo recente, a Moderna Gramática Portuguesa (2009), de Evanildo
Bechara, conforme os princípios de Koerner (1996, 2014) e os passos metodológicos de
Swiggers (2009, 2010).
Nossos objetivos específicos, inicialmente definidos, foram concluídos. Tivemos
três conclusões que abrangem desde a compreensão de Gramática até os tipos de
pronomes a que nos determinados estudar com relação aos objetivos que se
apresentaram:
identificar como os pronomes eram compreendidos no século XVI, a
partir da Grammatica da Língua Portuguesa, de João de Barros;
analisar suas perspectivas à luz do clima de opinião do período.
Concluímos, num primeiro momento, que Barros (1540) apropriou-se do modelo
gramatical latino para explanar seu próprio estudo da Língua Portuguesa. Dessa
apropriação, mantiveram-se três importantes concepções gerais: da Gramática como
téchne, o que abrange uma compreensão universal desse ramo das ciências; das classes
de palavras, conforme o modelo clássico, apresentadas de acordo com os casos latinos;
e do pronome como extensão do substantivo.
Num segundo momento, notamos que Barros (1540) supera as dificuldades
resultantes do modelo fixo ao contribuir com novas perspectivas. Isso acontece quando
aponta para as preposições como meio de acomodação dos pronomes aos casos latinos
101
em Língua Portuguesa. Oferece fato novo ao deixar registrado que não há desinências
entre os pronomes senão aquelas de plural/singular e masculino/feminino.
Num terceiro momento, evidenciamos uma concepção da natureza das classes
gramaticais, que faz distinguir o substantivo, o adjetivo e o verbo, num grupo categorial
– o dos “reis” – diferentemente do pronome. Guardadas as proporções, antevê a
negatividade da terceira pessoa, pois apresenta a carência de um nominativo entre os
pessoais, como há de um vocativo entre os possessivos, embora isso estivesse conforme
à Gramática Latina. Relaciona os possessivos aos pessoais em função do caso genitivo e
caracteriza-os como pronomes adjetivos. Tal é a relação dos pronomes com os
substantivos que os relativos também são denominados de nomes e pouco se fala sobre
eles no capítulo reservado à categoria pronominal, pois importa sua função na
construção frasal e, por isso, recebem atenção no capítulo reservado à sintaxe.
Concernente aos outros três objetivos, consideramos tê-los atingido. Esses se
referiam:
à identificação de como os pronomes são compreendidos no século XXI,
a partir da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara;
à análise de suas perspectivas à luz do clima de opinião da época;
à análise comparativa das normas e das descrições gramaticais dos
séculos XVI e XXI, a partir da gramática de João de Barros e da
gramática de Evanildo Bechara.
Notamos a importância das concepções impressas na gramática quinhentista,
quando as comparamos com sua Moderna Gramática. A partir de um contraste entre
sua gramática e a de Barros (1540), evidenciam-se certas similitudes que consideramos
importantes: ambos estabelecem uma relação de continuidade das tradições gramaticais
que lhes antecedem; ambos expandem esses modelos a que tomam por referência; e
ambos levam em consideração os aspectos pedagógicos e descritivos da Gramática. Em
relação aos pronomes pessoais, possessivos e relativos, assemelham-se em alguns
aspectos, pois: ambos compreendem haver distinção de natureza categorial do pronome
entre as classes gramaticais que chegaram a eles; ambos distinguem as pessoas do
discurso; ambos têm reservas à terceira pessoa, tanto aos pessoais quanto aos
possessivos; ambos relacionam os pronomes possessivos aos pessoais; ambos
compreendem os relativos em função de um antecedente.
102
Com relação às semelhanças associadas às concepções gramaticais, como
afirmamos, ambos estabelecem uma relação de continuidade com os estudos
linguísticos que lhes antecederam. Enquanto Barros (1540) apresenta os pronomes a
partir dos casos latinos, Bechara (2009) mantém as exemplificações literárias e as
terminologias comuns à Gramática Tradicional. Apesar disso, ambos se preocupam em
expandir os modelos, Barros (1540) expande o modelo latino já ao propor uma
gramática em língua vernácula, enquanto Bechara (2009) apropria-se das contribuições
de diferentes modelos teóricos voltados à língua e à linguagem. Inclusive como
característica pedagógica, a fim de apresentar um modo padronizado de uso linguístico
dos pronomes, além de uma disposição científica, atrelada à observação dos fatos
linguísticos.
Concernente às semelhanças associadas à categoria dos pronomes, e aos tipos
pessoais, possessivos e relativos, importa a diferença categorial que dão ao pronome em
relação aos outros. Mais pedagógico que Bechara (2009), Barros (1540) expõe essa
diferença ao fazer uma analogia entre os nomes e os reis, ao tempo que o gramático
moderno lança mão de uma classificação distinta da tradição gramatical, a de classe de
palavras categoremáticas. Esses pronomes são qualificados em função da fala, tanto
para Barros (1540), quanto para Bechara (2009), de modo a indicar quem fala/o
remetente e a quem se fala/o destinatário. Para o gramático português, a terceira pessoa
não apresenta um nominativo entre os pessoais, tampouco possui o vocativo entre os
possesivos. Para o brasileiro, a terceira pessoa é negativa à primeira e à segunda e o seu
possessivo é genérico. Ambos apontam para a importância das preposições na colocação
dos pronomes pessoais oblíquos. Se, para o gramático renascentista os possessivos
advêm do genitivo dos pronomes pessoais, para Bechara (2009), aqueles são adjetivos
de posse destes. Os relativos são associados, sobretudo, à função de conector frasal,
estando sempre correlato ao termo antecedente.
Quanto às diferenças, essas expõem os séculos de contribuição dos estudos
linguísticos entre a Grammatica da lingua Portuguesa e a Moderna Gramática
Portuguesa. Barros (1540) não compreendia a possibilidade de diferentes naturezas
categoriais o que o fez encontrar numa analogia ao xadrez uma expressão da realidade
linguística. Da mesma forma, estabelecia íntima relação entre a palavra que denomina a
classe com sua natureza, ou seja, pronome é aquele que substitui o nome, por isso é
denominado assim. Por outro lado, Bechara (2009) distingue os fatos linguísticos das
103
descrições históricas e preocupa-se em definir os pronomes a partir de sua função
linguística.
No que diz respeito aos pronomes pessoais, Bechara (2009) aponta para uma
mudança importante se comparada a Barros (1540), o aspecto fonético determinante na
distinção entre os oblíquos átonos e tônicos. Ao que indica, a própria Língua se
encarregou de dar novos ares à realidade dos pronomes oblíquos como no caso das
combinações, ignoradas na gramática do século XVI. Barros (1540) também não se
preocupa em definir claramente de que modo o pronome “nós” é plural de “eu”, uma
vez que não há mais de um “eu”, contrariamente a Bechara (2009) que se ocupa de
afirmar que “nós” é plural enquanto “eu + outros”.
No que tange aos pronomes possessivos, sua própria classificação como
pronome fica em xeque na definição barrosiana. Se o pronome substitui o nome, o que
para Barros (1540) inclui o adjetivo, a que nome os possessivos substituem? Bechara
(2009), entretanto, tem como partida uma definição mais abrangente e percebe que o
pronome, como adjetivo, assume um significado instrumental e estrutural para além da
substituição. Apesar disso, ambos garantem a classificação dos possessivos entre os
pronomes.
Com relação aos pronomes relativos, Bechara (2009) apresenta a novidade do
pronome “cujo” e suas variações ausentes em tabela divulgada por Barros (1540). Além
disso, o gramático moderno entende haver exceções quanto à necessária referência a um
antecedente, algo não apontado pelo renascentista.
Assim, entendemos ter apresentado como os pronomes pessoais, relativos e
possessivos são descritos e normatizados em dois momentos: no primeiro, quando a
língua portuguesa foi, pela diáspora, levada aos mais dispersos territórios do mundo; e
no segundo, quando a globalização inter-relaciona as variedades linguísticas da
lusofonia.
Portanto, chegamos ao fim desta pesquisa, certos de que muito ainda pode ser
feito com relação aos objetos deste estudo. Isso, porque algumas possibilidades
emergem, por um lado, quanto ao uso dos pronomes na variedade escrita da Língua
Portuguesa dos séculos a que nos detivemos. Por outro lado, abrem-se questionamentos
com relação às perspectivas linguísticas dos gramáticos, o que oferece uma
104
oportunidade de estudo sobre as tendências de continuidade e descontinuidade em suas
obras.
105
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