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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Fourpome Brando

ANÁLISE DA ATIVIDADE DOCENTE: EM BUSCA DOS SENTIDOS E

SIGNIFICADOS CONSTITUÍDOS PELO PROFESSOR ACERCA DAS

“DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM”

Doutorado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Fourpome Brando

ANÁLISE DA ATIVIDADE DOCENTE: EM BUSCA DOS SENTIDOS E

SIGNIFICADOS CONSTITUÍDOS PELO PROFESSOR ACERCA DAS

“DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM”

Doutorado em Educação: Psicologia da Educação

 

São Paulo

2012

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Psicologia da Educação sob a orientação do Prof. Dra. Cláudia Leme Ferreira Davis

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BANCA EXAMINADORA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A função da arte

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o

mar. Viajaram para o sul.

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito

caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu

fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!

(Eduardo Galeano)

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Dedico esta tese a minha mãe,

a mulher mais corajosa que já conheci.

Por me ajudar a olhar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização desta

pesquisa. Nada teria sido possível sem a ajuda, o apoio, as lições e a presença de cada uma

dessas pessoas. E cada uma delas, de seu jeito particular, foi fundamental ao longo do

processo. Expresso, aqui, minha profunda gratidão:

À minha querida orientadora e amiga Cláudia Davis, a quem agradeço profundamente

por ter tido o privilégio de conviver e trabalhar durante tantos anos. Pelo apoio, pela

colaboração e pela compreensão. Pelas lições, pelo respeito, pelas broncas e pelo carinho.

Impossível descrever o quanto me ensinou, em todas as áreas da vida. Impossível agradecer o

suficiente...

À Ia, por ser um exemplo de professora maravilhosa, pesquisadora rigorosa e amiga

fiel. Agradeço por todos os ensinamentos (não só os teóricos e metodológicos) ao longo do

mestrado e do doutorado, que permanecerão por toda a vida.

À professora Maria Vilani Cosme de Carvalho, pelas contribuições teóricas e

metodológicas fundamentais, elaboradas de forma tão precisa, atenciosa e esclarecedora no

momento da qualificação. E por aceitar o convite para participar da banca de defesa.

À professora Marisa Eugenio Melillo Meira, por ter despertado em mim, desde a

faculdade, a paixão pela Psicologia da Educação. Por ter me proporcionado uma base teórica

crítica, por ter guiado meus passos nas primeiras experiências na área e por ter aceitado,

carinhosamente, fazer parte da banca de defesa.

À professora Ana Mercês Bahia Bock, pelos importantes ensinamentos ao longo da

pós-graduação e por participar da banca de defesa.

Ao professor Sérgio Vasconcelos Luna, por ter marcado de forma indelével minha

formação acadêmica e profissional. Por ter me ensinado, paciente e rigorosamente, os

fundamentos metodológicos necessários ao delineamento de uma boa pesquisa científica.

À professora Mitsuko Aparecida Makino Antunes, pelas importantes e variadas

contribuições a minha formação acadêmica.

Ao querido colega, amigo, e agora doutor, Julio Ribeiro Soares, pelas inúmeras

contribuições à realização desta pesquisa.

Aos colegas e parceiros de trabalho, que se tornaram também bons amigos, e com os

quais muito aprendi: Nilson Berenchtein Netto, Vivian Rachman, Virginia Machado.

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Aos professores da Unesp Bauru, que me presentearam com uma excelente formação,

especialmente em Psicologia Sócio-Histórica, e mudaram para sempre minha concepção de

homem e mundo.

A minha mãe, por ser a melhor e mais maravilhosa do mundo. Por ter despertado e

alimentado, em mim, a paixão pelo conhecimento. Sem ela, nada seria possível.

À Domitila Miranda, minha irmã, não de sangue, mas para sempre. Pela parceria, pelo

companheirismo, pelo apoio e amor incondicional.

À Marília Facco, por ser, além de companheira de trabalho, amiga para a vida toda.

Por seu ânimo contagiante e sua presença constante.

Ao querido amigo Roberto Vieira, pelo companheirismo, pela sinceridade e por

compartilhar as alegrias e angústias, sempre.

Ao amigo e parceiro Marcel Mitsuto, por estar sempre presente e por jamais

abandonar um amigo.

Ao meu amor, Peter Grabher, por ter aparecido na hora certa e por ter me ajudado a

cada minuto desde então.

Às minhas amigas/irmãs, Janaína Macena, Maria Otávia Crepaldi e Alnilan Terreri.

Por estarem ao meu lado em todos os momentos, apesar da distância.

Aos meus amigos/irmãos, que fizeram do doutorado um período leve e divertido:

Pedro Radwansky, Gabriel Franco, Domingos Meira.

Ao Edson, secretário do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação, que

tanto me ajudou ao longo desses anos. E às antigas secretárias Irene e Helena, que tanto me

ajudaram antes dele.

À professora participante da pesquisa, pelo papel fundamental que aqui desempenhou,

de muitas formas. Pelo tempo dedicado, pela paciência, pela vontade contínua de melhorar o

que já está ótimo. Por ser um exemplo de que é possível ensinar muito bem a todos os alunos,

mesmo em condições adversas. Por ter não só me ajudado, mas me ensinado muito. E por ter

se tornado uma boa amiga.

À toda a equipe da escola na qual se realizou esta pesquisa: a coordenadora

pedagógica, a diretora, todo o corpo docente e também aos funcionários e merendeiras, por

terem me recebido tão bem na escola e por terem me ajudado tanto, criando um clima de

colaboração e amizade.

À professora convidada a participar da autoconfrontação cruzada, pela presença e

disponibilidade.

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À equipe do Procad, pelas diversas contribuições metodológicas e oportunidades de

aprendizado.

À Fernanda, pela revisão ágil e cuidadosa deste texto.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, por ter me

recebido de braços abertos. Pelo apoio e pela contribuição inestimáveis ao longo desses anos.

À PUC e ao CNPq, por possibilitarem minha dedicação integral aos meus estudos pós-

graduados e ao desenvolvimento desta pesquisa.

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RESUMO

O objetivo da presente pesquisa foi investigar os sentidos e os significados constituídos por

uma professora acerca das “dificuldades de aprendizagem”. O referencial teórico e

metodológico adotado foi o da Psicologia Sócio-Histórica, assim como o da Clínica da

Atividade. O sujeito da pesquisa foi uma professora do primeiro ano do ciclo I do Ensino

Fundamental. A coleta de dados envolveu a utilização de técnicas distintas: observações e

filmagens das aulas ministradas pela professora; seleção de trechos filmados e editados –

episódios curtos – para ilustrar aspectos da atividade docente relativos às “dificuldades de

aprendizagem”; entrevistas com a professora buscando aprofundar questões relacionadas a

sua atividade; sessões de autoconfrontação simples (ACS) e cruzada (ACC), nas quais a

professora assistia e analisava episódios sobre sua atuação em sala de aula sozinha e/ou

acompanhada. As sessões de autoconfrontação foram filmadas e transcritas. A partir desse

material e daquele coletado na entrevista, foram empregados os procedimentos propostos por

Aguiar e Ozella (2006) para se alcançar núcleos de significação. A análise dos núcleos

indicou que os sentidos e os significados constituídos pela professora acerca das “dificuldades

de aprendizagem” articulavam-se, na constituição de sua subjetividade, de um lado à

importância da práxis na oferta de uma atividade docente de boa qualidade, capaz de atender

às necessidades dos alunos com diferentes ritmos de aprendizagem e, de outro, à centralidade

das relações profissionais para que isso viesse a ocorrer. Verificou-se, ainda, que a passagem

pelo processo de observação e análise da própria atividade, ao converter a professora em uma

observadora de si mesma durante a atuação profissional, proporcionou-lhe o necessário

distanciamento crítico para perceber, nela, problemas que, na e pela discussão com a

pesquisadora, parecem ter ensejado oportunidades para ressignificar sua própria atividade

docente.

Palavras-chave: Atividade docente, sentidos e significados, dificuldades de aprendizagem.

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ABSTRACT

The objective of this research was to investigate the senses and meanings constituted by a

teacher about the "learning difficulties" of her pupils. The theoretical and methodological

framework adopted was that of the sociocultural approach in Psychology, as well as the one

proposed by the Clinical Activity. The research subject was a first-grade teacher, teaching the

first year of basic schooling. Data collection involved the use of different techniques: a)

observations and video recordings of classes taught by the teacher; b) selection of excerpts

filmed and edited - short episodes - in order to illustrate teaching aspects related to the

"learning difficulties"; c) interviews with the teacher, seeking to go deeply into issues related

to her professional activity; d) sessions of simple self-confrontation (ACS) and crossed-

confrontation (ACC), in which the teacher, alone and/or monitored, watched and analyzed

episodes in which she was teaching her students. The self-confrontation sessions were

videotaped and transcribed. From this material and the one collected by the interview, it was

adopted the procedures proposed by Aguiar and Ozella (2006) to reach nuclei of meaning.

The core analysis indicated that the senses and meanings constituted by the teacher about the

"learning difficulties" of her students were articulated, first, to the importance of the

pedagogical practice in providing a good quality of teaching activity, one capable of meeting

the needs of students with different learning paces; and, second, to the fact that this will only

occur through professional relationships. Going deep in the observation and analysis of one’s

own activity, making the teacher an observer of herself during the professional activity,

provided her with the necessary critical distance to see problems in it that by and via

discussion with the researcher, provided opportunities to transform her teaching.  

Keywords: teaching activity, senses and meanings, learning difficulties, sociocultural

approach in Psychology.  

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RESUMÉ  

L'objectif de cette recherche était d'étudier les significations faites par une enseignante sur les

"difficultés d'apprentissage" de leurs élèves. Le cadre théorique et méthodologique adopté est

celui de la psychologie socio-historique, ainsi que de la clinique d’activité. Le sujet a enseigné

a la 1ére année du premier cycle de l'enseignement primaire. La collecte de données

comportait l'utilisation de différentes techniques: observations et enregistrements vidéo de

classes de classe donné aux enseignées, la sélection d'extraits filmés et édités - épisodes courts

- pour illustrer les aspects de l'enseignement se rapportant à des difficultés d'apprentissage,

des entretiens avec l'enseignant qui cherchent à s’ approfondir sur des questions liées à leur

activité; sessions de autoconfrontation simple (ACS) et croisés (ACC), auxquelles

l'enseignant - seul et/ou accompagné- regarde et analyse des épisodes de leur salle de classe.

Les sessions d'auto-confrontation ont été filmées et transcrites. A partir de ces matériaux et,

aussi, de ceux obtenus lors des inteviews, ont eté utilisées les procédures proposées par

Aguiar et Ozella (2006), pour atteindre des noyaux de sens. L'analyse de base a indiquée que

les significations faites par l'enseignante sur les «difficultés d'apprentissage» de ses étudiants

ont été articulées, dans la constitution de sa subjectivité, à l'importance accordée a la pratique

en vue de fournir une bonne qualité des activités d'enseignement, capable de satisfaire aussi

bien aux besoins des élèves ayant des rythmes d'apprentissage différents et qu’a la centralité

des relations professionnelles. En outre, il a été également constaté que vivre le processus

d'observation et d'analyse de l'activité, en faisant de l'enseignant un observateur au cours de

son activité professionnelle, a donné à l'enseignant la distance critique nécessaire pour voir,

lui même, des problèmes qui, dans et à travers de la discussion avec le chercheur, semblent

avoir procurer des possibilités de transformer son propre enseignement.

Mots-clés: activité d'enseignement, senses et significations, difficultés d'apprentissage,

Psychology Socioculturel.  

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15

CAPÍTULO I

AS “DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM”.......................................................... 19

CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 36

PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA ...................................................................... 36

1.1 Atividade ........................................................................................................ 39

1.2 Consciência .................................................................................................... 42

1.3 Mediação ........................................................................................................ 44

1.4 Pensamento e linguagem .............................................................................. 47

1.5 Sentido e significado ...................................................................................... 50

1

1.6 Subjetividade .................................................................................................. 53

2 CATEGORIAS CENTRAIS DA CLÍNICA DA ATIVIDADE .............................. 55

CAPÍTULO III

MÉTODO ........................................................................................................................ 63

1 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 63

1.1 Psicologia Sócio-Histórica ............................................................................. 63

1.2 Clínica da Atividade ....................................................................................... 66

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................. 69

2.1 Local ............................................................................................................... 69

2.2 Sujeito ............................................................................................................ 71

2.3 Técnicas de levantamento de dados ............................................................... 71

2.3.1 Observação .......................................................................................... 72

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2.3.2 Entrevistas ........................................................................................... 73

Autoconfrontações .............................................................................. 75

Edição dos episódios ................................................................. 75

Autoconfrontação simples ........................................................ 77

2.3.3

Autoconfrontação cruzada ........................................................ 78

2.4 Procedimentos de análise dos dados ............................................................. 79

CAPÍTULO IV

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................... 83

1 A ESCOLA .............................................................................................................. 83

2 A PROFESSORA .................................................................................................... 85

3 NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO ........................................................................... 87

3.1 Núcleo de significação 1 – A importância da teoria como suporte para a prática pedagógica: “tudo que eu aprendo, eu procuro colocar na sala de aula” ...............................................................................................................

90

3.2 Núcleo de significação 2 – “Preciso pensar primeiro nos que têm mais dificuldade” ....................................................................................................

98

3.3 Núcleo de significação 3 – Atividade docente: “Eu invisto muito no trabalho em grupo, porque no grupo tem sempre alguém que está um pouco mais na frente” ................................................................................................

109

3.4 Núcleo de significação 4 – Relações institucionais mediadoras da atividade docente: “Tem gente que tem medo, então não quer mudar” .........................

123

3.5 Núcleo de significação 5 – Reflexões sobre a prática após a AC: “Eu poderia ter...” ..................................................................................................

129

3.6 Análise internúcleos ....................................................................................... 137

CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 154

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ANEXOS

1 PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA PUC-SP ..................... 166

2 TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA ............................. 167

3 TRANSCRIÇÃO DA AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES ................................ 178

4 TRANSCRIÇÃO DA AUTOCONFRONTAÇÃO CRUZADA ............................. 193

5 QUADROS DE PRÉ INDICADORES E INDICADORES PROVENIENTES DA ENTREVISTA .................................................................................................. 197

6 QUADROS DE PRÉ INDICADORES E INDICADORES PROVENIENTES DA AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES ............................................................. 226

7 QUADROS DE PRÉ INDICADORES E INDICADORES PROVENIENTES DA AUTOCONFRONTAÇÃO CRUZADA .......................................................... 253

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa buscou investigar os sentidos e os significados constituídos por uma

professora acerca das “dificuldades de aprendizagem”. O interesse por esse tema foi

despertado por dois motivos principais – ambos relacionados à história de vida da

pesquisadora. O primeiro deles surgiu do contato bastante próximo com uma criança que foi,

desde tenra idade, estigmatizada como portadora de “dificuldades de aprendizagem”. Essa

criança, entretanto, sempre se mostrou extremamente inteligente e capaz de aprender, desde

que o conteúdo a ser aprendido lhe causasse interesse. Assim, seu problema nunca foi

“dificuldade para aprender”, mas sim falta de um bom motivo para se submeter às normas

escolares e aos conteúdos curriculares.

O segundo elemento que estimulou a curiosidade acerca do fenômeno das

“dificuldades de aprendizagem” surgiu em decorrência da realização de dois estágios

profissionais durante a formação em Psicologia. Um desses estágios, na área de Psicologia

Escolar, tratava diretamente de temas relacionados à aprendizagem, apresentando uma série

de questões bastante interessantes acerca da relação ensino-aprendizagem. O outro não

apresentava, à primeira vista, nenhuma relação com a questão das “dificuldades de

aprendizagem”. Este foi realizado em um hospital público, no qual a pesquisadora era

responsável por realizar a triagem de todos os casos encaminhados aos atendimentos

psicológicos oferecidos pelo hospital, determinando para qual tipo de terapia cada paciente

seria encaminhado. O fato surpreendente no decorrer desse estágio foi perceber que a queixa

mais comum para atendimento psicológico de crianças era relacionada às “dificuldades de

aprendizagem”. Essa realidade encontrada no serviço público de saúde produziu uma

profunda inquietação em relação à questão das dificuldades na relação ensino-aprendizagem,

de modo que, ao delimitar um problema de pesquisa a ser investigado no doutorado, tomou-se

a decisão de direcionar a pesquisa para essa questão.

A fim de investigar os sentidos e os significados atribuídos pelos professores às

“dificuldades de aprendizagem”, partiu-se da metodologia desenvolvida por Aguiar e Ozella

(2006), denominada “Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da

constituição dos sentidos”. Para estudar as articulações de tais sentidos e significados com a

atividade docente, foram empregadas também as técnicas da autoconfrontação simples e

cruzada, conforme a proposta da Clínica da Atividade, desenvolvida por Clot (2001) e seus

colaboradores.

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O interesse por tal abordagem metodológica teve início ainda durante o processo de

definição do projeto de mestrado, cuja ideia inicial consistia em investigar, segundo o método

da Clínica da Atividade, os impedimentos subjetivos dos professores que ministram aulas de

Orientação Sexual. Tal investigação se realizaria de acordo com a proposta metodológica de

Yves Clot (2001) – a autoconfrontação simples e cruzada dos registros da atividade – pois se

considerou que essa proposta poderia responder aos objetivos da investigação científica e, ao

mesmo tempo, constituir um importante instrumento de formação docente para os

profissionais que dela participavam.

Entretanto, durante a realização da pesquisa de mestrado, diversos fatores

impossibilitaram a utilização do método completo, e apenas seus pressupostos teórico-

metodológicos foram empregados na coleta e na análise dos dados. O método foi adaptado de

acordo com as condições reais de tempo, material e número de sujeitos disponíveis. Ainda

assim, a análise – empreendida à luz do referencial teórico da Psicologia Sócio-Histórica e da

Clínica da Atividade – dos dados levantados por meio de observação, filmagem e entrevista

forneceu resultados relevantes e bastante interessantes acerca do problema levantado e

despertou ainda mais o interesse em aprofundar certos temas da investigação, tanto em

relação a aspectos da atividade docente quanto no que concerne ao método proposto por Clot.

O interesse provocado pelo método em questão não é, de forma alguma, individual:

existe um grupo de alunos e professores que tem buscado sistematicamente aprofundar seu

conhecimento teórico sobre a proposta de Clot, desenvolvendo pesquisas que pretendem

contribuir para a compreensão tanto do objeto de investigação de cada pesquisa quanto das

implicações metodológicas de tal abordagem. Assim, o presente trabalho faz parte de um

Projeto de Cooperação Acadêmica (Procad), que reúne pesquisadores de três universidades,

vinculados aos seguintes programas: Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira

(Ufal), Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Programa de Pós-Graduação em Educação

da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro.

O eixo temático comum às atividades de ensino, pesquisa e formação docente

desenvolvidas no âmago desse amplo projeto é a atividade docente. Os pesquisadores

envolvidos têm se dedicado à realização de pesquisas que, pautadas pela proposta

metodológica de Clot e pelos princípios do Materialismo Histórico e Dialético, buscam

responder a diferentes aspectos constitutivos da atividade docente. As três principais

perguntas que têm norteado as investigações são: a) Como se configura, para o professor, o

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trabalho docente? b) Quais são os sentidos e os significados que o professor atribui ao

trabalho docente e como eles se articulam na constituição de sua subjetividade docente? c)

Como se dá a dinâmica do desenvolvimento profissional em cada professor que participa do

estudo e no conjunto de professores investigados, a partir da observação e análise da prática

docente? (PROCAD, 2008, p. 10).

Partindo das questões levantadas acima, na presente pesquisa foram empregadas as

técnicas de autoconfrontação simples e cruzada com o intuito de aprofundar a investigação

acerca da atividade docente, principalmente no que se refere aos sentidos e significados

constituídos pelos professores acerca de sua atividade. Mais especificamente, buscou-se

investigar os sentidos e significados constituídos pelos professores acerca das “dificuldades

de aprendizagem” dos alunos e como tais elementos subjetivos se articulam com a atividade

docente.

Esta pesquisa assumiu a hipótese de que a proposta de Clot para investigação e estudo

da atividade pode auxiliar a formação docente continuada e também a inicial1. Assim, este

trabalho também objetivou verificar se a passagem pelo processo de observação e análise da

própria atividade – conforme a proposta da autoconfrontação – pode acarretar o

desenvolvimento da atividade profissional dos participantes, aumentando seu poder de

reflexão e ação sobre a própria atividade, ou provocar uma ressignificação dos sentidos e

significados que atribuem a sua profissão.

Desse modo, o objetivo principal foi aprofundar a compreensão acerca dos sentidos e

significados atribuídos por uma professora às “dificuldades de aprendizagem”, ao passo que

os objetivos específicos foram: 1) investigar como esses sentidos se articulavam em sua

atividade docente; 2) compreender como se dava a relação pedagógica entre a professora e os

alunos que, segundo a própria professora, apresentavam alguma “dificuldade de

aprendizagem”; 3) averiguar se a experiência de analisar aspectos da própria atividade

docente durante o processo de autoconfrontação provocaria ressignificações e/ou mudanças

em sua atuação em sala de aula, geradas por um aumento de seu poder de reflexão e ação no

decorrer da atuação profissional.

A relevância da pesquisa repousa na possibilidade de construção de conhecimentos na

área da Educação, mais especificamente na Psicologia da Educação, tanto no que se refere à

compreensão dos sentidos e significados constituídos pelos professores acerca das

“dificuldades de aprendizagem” quanto no que concerne à construção e ao desenvolvimento 1 Na formação inicial, a autoconfrontação poderia ser empregada mediante transformação dos episódios em animações a serem discutidas em sala de aula com os futuros docentes.

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de novas ferramentas de formação docente por meio da maior compreensão da atividade

profissional.

A pesquisa está organizada em cinco capítulos. O primeiro deles traz uma breve

revisão de literatura sobre a questão das “dificuldades de aprendizagem”, na qual se discutem

as principais concepções sobre o tema e delimita-se a perspectiva adotada na presente

pesquisa.

O segundo capítulo expõe os fundamentos teóricos que nortearam todo o processo de

investigação e encontra-se dividido em duas partes. A primeira apresenta algumas categorias

fundamentais da Psicologia Sócio-Histórica. A segunda trata dos principais conceitos

desenvolvidos pela Clínica da Atividade.

O terceiro capítulo discute os pressupostos metodológicos que embasam o estudo,

além de trazer aspectos relativos ao método empregado, tais como os procedimentos de coleta

e a análise de dados.

No quarto capítulo, são descritos e analisados os dados encontrados, os quais são

dispostos da seguinte maneira: inicialmente, são apresentados alguns aspectos de

caracterização da escola e da professora participante da pesquisa. Em seguida, procede-se à

análise de cada núcleo de significação, ou seja, a análise intranúcleos. Finalmente, os núcleos

são articulados entre si, configurando a análise internúcleos.

A apresentação da pesquisa se encerra com o quinto capítulo, no qual se encontram as

considerações finais.

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CAPÍTULO I

AS “DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM”

Se os distúrbios de aprendizagem são mito, os distúrbios do processo

ensino-aprendizagem são reais. (Moysés)

A expressão “dificuldades de aprendizagem” abrange numerosas definições,

apresentando uma heterogeneidade de conceitos que incluem aspectos passíveis de afetar o

desempenho acadêmico (FONSECA, 1995; DIAS; ENUMO, 2006). Diante de tantas

definições, Fonseca constata que a proposta pelo National Joint Committee on Learning

Disabilities (NJCLD) é a mais amplamente empregada, por dar ênfase à importância atribuída

às habilidades acadêmicas: “dificuldades de aprendizagem” (DA) é um termo geral que se

refere a um grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades

significativas na aquisição e uso da escuta, da fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades

matemáticas.” (FONSECA, 1995, p. 71).

Essa conceituação de “dificuldade de aprendizagem”, entendida como transtorno ou

distúrbio, é extremamente comum e pode ser encontrada em diversos artigos científicos sobre

o tema (MACEDO et al., 2004; RODRIGUES et al., 2006; MARINI; DEPIATTI, 2010). O

termo consta, inclusive, da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e do Diagnostic

and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM – IV), de 1995, em sua apresentação

acerca dos critérios diagnósticos para os transtornos da aprendizagem:

[...] são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização e nível de inteligência. Os problemas de aprendizagem interferem significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de leitura, matemática ou escrita. (DSM – IV, 1995, p. 299). [...] A característica essencial do Transtorno da Leitura consiste em um rendimento da leitura (isto é, correção, velocidade ou compreensão da leitura, medidas por testes padronizados administrados individualmente) substancialmente inferior ao esperado para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação da leitura interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida cotidiana que exigem habilidades de leitura (Critério B). (DSM – IV, 1995, p. 312). [...] A característica essencial do Transtorno da Matemática consiste em uma capacidade para a realização de operações aritméticas (medida por testes padronizados, individualmente administrados, de cálculo e raciocínio matemático) acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a

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inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação na matemática interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas (Critério B). (DSM – IV, 1995, p. 328). [...] A característica diagnóstica essencial do Transtorno da Expressão Escrita consiste de habilidades de escrita (medidas por um teste padronizado individualmente administrado ou avaliação funcional das habilidades de escrita) acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo (Critério A). A perturbação na expressão escrita interfere significativamente no rendimento escolar ou nas atividades da vida diária que exigem habilidades de escrita (Critério B). (DSM – IV, 1995, p. 340).

Collares e Moysés (1992) apresentam uma contundente crítica à compreensão das

“dificuldades de aprendizagem” como transtorno ou distúrbio. De acordo com as autoras, o

termo distúrbio, do ponto de vista etimológico, compõe-se do radical turbare, que significa

“alteração violenta na ordem natural” e do prefixo dis, que expressa “alteração com sentido

anormal, patológico”. Assim, essa palavra pode ser compreendida como “anormalidade

patológica por alteração violenta na ordem natural”. Segundo as autoras, seguindo a mesma

perspectiva etimológica, a expressão distúrbios de aprendizagem significaria “anormalidade

patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem”. Nesse sentido, um

distúrbio de aprendizagem remeteria a uma doença que acomete o aluno em nível orgânico e

individual. A utilização do termo distúrbio apresenta-se, portanto, como um reflexo do

processo de medicalização ou patologização da aprendizagem, conforme será explicitado

mais adiante.

Maia (2007) propõe uma problematização dos termos e conceitos empregados na

discussão das “dificuldades de aprendizagem”. De acordo com a autora, os termos

“dificuldade”, “transtorno”, “problema” e “distúrbio” são empregados indiscriminadamente,

às vezes com o mesmo significado, para conceituar as causas do não aprendizado. No entanto,

afirma que é importante problematizar esses termos, pois “a forma que utilizamos para nos

referir aos problemas, dificuldades, distúrbios ou transtornos de aprendizagem nos localiza

epistemológica e paradigmamente.” (MAIA, 2007, p. 3). De acordo com o dicionário Houaiss

(2001), os termos são assim definidos:

dificuldade s.f. 1. O que é difícil 2. obstáculo 3. complexidade 4. situação aflitiva (p.142). distúrbio s.m 1. perturbação 2. Doença (p. 146). problema s.m. 1. algo de difícil solução ou explicação 2. situação difícil 3. questão matemática para ser solucionada 4. distúrbio orgânico ou físico (p. 357) transtorno s.m. 1. desordem, desorganização 2. situação incômoda 3. contrariedade, decepção (p. 437).

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Com base nessa definição e no referencial teórico de autores como França (1996) e

Collares e Moysés (1992) – Maia (2007) aponta que, quando se utilizam os termos

“distúrbio”, “problema” ou “transtorno”, geralmente se trata de uma concepção tradicional de

aprendizagem, pois se localiza no sujeito o não aprender, determinado por fatores físicos,

orgânicos ou emocionais. Ao passo que, para a autora, o termo “dificuldade” relaciona-se não

apenas ao aluno mas também às questões sociais, culturais e econômicas de seu entorno,

incluindo-se aí o fazer pedagógico do professor.

Adotando uma perspectiva piagetiana, Miranda (2005) esclarece que, usualmente, são

considerados alunos com “dificuldades de aprendizagem” aqueles que apresentam: a)

problemas em relação à leitura e/ou à escrita e/ou à matemática, que lhes impedem de

acompanhar o ritmo dos colegas e de se apropriar dos conteúdos básicos das disciplinas

escolares; b) desinteresse pelas explicações dos professores e pelas atividades didáticas,

podendo demonstrar um histórico de múltiplas reprovações; c) comportamentos agressivos

com relativa frequência, assim como pouca (ou nenhuma) autonomia em atividades

acadêmicas; d) desenvolvimento intelectual que, em linhas gerais, se encontra aquém do

esperado. Fica claro, assim, que a classificação do aluno como um indivíduo que apresenta

“dificuldades de aprendizagem” se baseia em critérios que pressupõem heterogeneidade,

linearidade e regularidade no processo de ensino-aprendizagem, desconsiderando as

diferenças entre os indivíduos e as muitas formas do aprender. Miranda (2005, p. 9) critica

esse tipo de classificação, ao afirmar que: A atribuição aos alunos desse tipo de classificação, quando comum entre os professores, estabelece um parâmetro de normalidade almejado na avaliação, ao mesmo tempo em que, ao ressaltar as dificuldades, bloqueia as capacidades: desconsidera o potencial e a plasticidade do processo de aprendizagem. Isso significa rejeitar a possibilidade de modificar as condições do aprender, de forma a viabilizar o desenvolvimento do sujeito.

Ao apresentar um estado da arte sobre as pesquisas acerca do fracasso escolar

realizadas no período de 1991 a 2002, Patto 2 (2004) aponta que há, nelas, quatro principais

concepções. Cada uma delas adota um enfoque distinto sobre as causas das “dificuldades de

aprendizagem”, que ora são vistas como algo: a) próprio dos aprendizes, ou seja, a dificuldade

é entendida como um problema essencialmente psíquico; b) inerente aos professores, de modo

2 A autora centrou sua discussão na questão do fracasso escolar. Nesta pesquisa, compreende-se este conceito como equivalente às dificuldades de aprendizagem, considerando que, na definição apresentada por Miranda (2005), as dificuldades de aprendizagem são caracterizadas pelos mesmos elementos apontados por Patto na década de 1980.

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que a dificuldade constitui um problema meramente técnico; c) constituído nas relações

institucionais; d) gerado pelo sistema sociopolítico.

A primeira dessas concepções caracteriza as “dificuldades de aprendizagem” como

dificuldades do aprendiz, ou seja, localiza no sujeito a causa do problema e acaba por

culpabilizar, de diferentes formas, tanto o aluno quanto sua família. A culpabilização pode

ocorrer quando se busca atribuir as “dificuldades de aprendizagem” a problemas psíquicos ou

emocionais do aluno, a problemas familiares, à pobreza, à carência cultural ou a transtornos

médicos. Esse tipo de concepção está presente em boa parte das pesquisas relativas ao tema.

Podem-se citar estudos que relacionam as “dificuldades de aprendizagem” às “alterações

cognitivas em escolares de classe desfavorecida” (MACEDO et al., 2004); “ao baixo

autoconceito” (STEVANATO et al., 2003, CARNEIRO et al., 2003); “ao baixo peso ao

nascer” (RODRIGUES et al., 2006); “ao suporte parental” (BACARJI et al., 2005), todos

constituindo claros exemplos de atribuição das causas das dificuldades aos alunos e/ou a suas

famílias.

Pesquisas realizadas entre professores apontam na mesma direção dos resultados

elencados por Patto (2004). Segundo Martini e Del Prette (2002), em estudo sobre as causas

do sucesso e do fracasso escolar, os aspectos considerados pelos docentes como principais

determinantes do mau desempenho dos alunos foram a falta de capacidade do aluno, as

características emocionais e a ausência de esforço. É interessante ressaltar que, em relação ao

bom desempenho dos alunos, os professores atribuíram sua causa não só às características

individuais dos escolares mas também à ajuda do professor. Outras investigações conduzidas

entre professores obtiveram resultados que vão ao encontro dos anteriormente apresentados.

Ao estudarem as atribuições de causalidade por parte de professores de escolas públicas

quanto ao desempenho escolar dos alunos, Gama e Jesus (1994) verificaram que, para o

fracasso escolar, as causas recaem, principalmente, nos indivíduos: os alunos e sua família

(especialmente o interesse, o esforço e as condições econômicas).

Em pesquisas semelhantes, Maluf e Bardelli (1991) e Neves e Almeida (1996)

indicaram que professoras do ensino fundamental geralmente atribuem o mau rendimento

escolar de seus alunos a problemas de saúde e a causas familiares. Patto (2004) revela que

uma das concepções mais comuns acerca das “dificuldades de aprendizagem” é a que parte do

princípio de que elas se devem a prejuízos no desempenho intelectual dos alunos, em

decorrência de problemas emocionais: “Entende-se que a criança é portadora de uma

organização psíquica imatura, que resulta em ansiedade, dificuldade de atenção, dependência,

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agressividade etc., que causam, por sua vez, problemas psicomotores e inibição intelectual

que prejudicam a aprendizagem escolar.” (PATTO, 2004, p. 60).

Dentre as variadas pesquisas acerca das “dificuldades de aprendizagem”, todas elas

apoiadas em perspectivas desse tipo, pode-se citar o exemplo de Fernández (1991), que

descreve as “dificuldades de aprendizagem” como sintomas ou “fraturas” no processo de

aprendizagem. De acordo com a autora, a dificuldade para aprender seria o resultado da

anulação das capacidades e do bloqueio das possibilidades de aprendizagem de um indivíduo,

algo que pode ter sua origem em fatores externos – a exemplo da estrutura familiar – ou

internos, como a estrutura psíquica individual. Assim, ela considera as “dificuldades de

aprendizagem” como sintomas de uma estrutura psíquica que leva ao desejo inconsciente de

não conhecer e, portanto, de não aprender.

Nesse tipo de abordagem, as “dificuldades de aprendizagem” são estudadas sem que

se considerem a escola, suas condições concretas e suas implicações para a produção do

fracasso escolar. Estuda-se a questão apenas sob a perspectiva “interna” ou subjetiva do

aluno, na qual não se articulam as dimensões sociais, culturais e econômicas envolvidas.

Assim, “isola-se o aluno que ‘não aprende’ da escola que o ensina” (PATTO, 2004, p. 60).

Essa instituição é concebida, de maneira idealizada, como o lugar que possibilita o

desenvolvimento e a aprendizagem de seus alunos, competindo a estes adaptar-se ao ambiente

escolar. A autora afirma, ainda, que “no interior de uma concepção de normalidade como

adaptação, o não ajustamento à escola ou a insatisfação com as características do ambiente

escolar, são considerados como incapacidade individual de orientar-se pelo princípio de

realidade.” (PATTO, 2004, p. 60).

A fim de garantir o ajustamento do aluno a um conceito de normalidade e linearidade

previamente estabelecido, recorre-se, cada vez mais, a explicações e tratamentos pautados

pela perspectiva médica das “dificuldades de aprendizagem”. Esse processo é denominado

medicalização, de acordo com Collares e Moysés (1994, p. 25):

Medicalização refere-se ao processo de transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, isto é, tentar encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza. A medicalização ocorre segundo uma concepção de ciência médica que discute o processo saúde-doença como centrado no indivíduo, privilegiando a abordagem biológica, organicista. Daí as questões medicalizadas serem apresentadas como problemas individuais, perdendo sua determinação coletiva. Omite-se que o processo saúde-doença é determinado pela inserção social do indivíduo, sendo, ao mesmo tempo, a expressão do individual e do coletivo.

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As autoras argumentam que a medicalização ocorre em escala crescente,

representando franca biologização dos conflitos sociais. O processo de medicalização do

ensino pode ser percebido pelo número cada vez mais alto – e, por isso, alarmante – de

crianças diagnosticadas como portadoras de transtornos relacionados à aprendizagem, tais

como dislexia e transtorno de hiperatividade e déficit de atenção (TDHA). Por meio de

mecanismos ideológicos, recorre-se ao reducionismo biológico, segundo o qual a situação de

vida de indivíduos e grupos se deve a suas próprias características individuais. Nessa

perspectiva, as circunstâncias sociais, políticas, econômicas e históricas influenciam muito

pouco a vida das pessoas, de modo que os únicos responsáveis por sua condição são elas

mesmas. Da biologização das questões de ordem social decorre a isenção da responsabilidade

do sistema sociopolítico de solucionar tais questões e a consequente culpabilização da vítima

(COLLARES; MOYSÉS, 1994, p. 26). Conforme apontam Zucoloto e Patto (2007, p. 137),

“medicalizar o fracasso escolar é interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria

aquilo que a instituição espera dele em termos de comportamento ou de rendimento como

sintoma de doença localizada no indivíduo”. Ainda segundo as autoras: A patologização da educação consiste em um reducionismo biológico, que é explicar a situação e o destino de indivíduos e grupos através de suas características individuais; desse modo, escondem-se os determinantes políticos e pedagógicos do fracasso escolar, isentando de responsabilidades o sistema social vigente e a instituição escolar. Como decorrência dessa concepção, é o indivíduo o maior responsável por sua condição de vida e destino, pois as circunstâncias sociais e políticas teriam influência mínima. (ZUCOLOTO; PATTO, 2007, p. 137-138).

Collares e Moysés (1994, p. 26) apontam as implicações da medicalização na

educação, afirmando que: A Educação, assim como todas as áreas sociais, vem sendo medicalizada em grande velocidade, destacando-se o fracasso escolar e seu reverso, a aprendizagem, como objetos essenciais desse processo. A aprendizagem e a não aprendizagem sempre são relatadas como algo individual, inerente ao aluno, um elemento meio mágico, ao qual o professor não tem acesso – portanto, também não tem responsabilidade. Diante de índices de 50, 70% de fracasso entre os alunos matriculados na 1ª série da Rede Pública de Ensino brasileira, o diagnóstico é centrado no aluno, chegando no máximo até sua família; a instituição escolar, a política educacional raramente são questionadas no cotidiano da Escola. Aparentemente, o processo ensino-aprendizagem iria muito bem, não fossem os problemas existentes nos que aprendem.

Moysés (1998) salienta as duas principais explicações patologizantes das “dificuldades

de aprendizagem”: a que as consideram como consequência da desnutrição ou a que as vê

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como resultado da existência de disfunções neurológicas, como a hiperatividade e a dislexia.

Ambas as explicações são refutadas pela autora, que apresenta resultados de pesquisas

(COLLARES; MOYSÉS, 1998) que invalidam a relação de causalidade entre desnutrição e

fracasso escolar. As autoras questionam, ainda, a própria existência dos distúrbios de

aprendizagem, considerando a falta de comprovação científica e a inexistência de critérios

diagnósticos claros e precisos. Elas afirmam que os distúrbios de aprendizagem são um mito:

o que existem são distúrbios no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, a disseminação

desse mito acarreta consequências bastante reais e negativas: Ao mito corresponde a realidade inegável da medicalização da Educação, do espaço pedagógico e do próprio ambiente escolar. Trata-se de um grave problema educacional, de origem sociopedagógica como questão médica, tentando encontrar em cada criança, em nível individual, uma “doença” que justifique seu mau rendimento escolar. […] Instituição e sistema escolar são preservados de críticas, isentos de responsabilidades, ao se centrar na criança, na família e/ou no professor a busca de causas e, supostamente, de soluções. (MOYSÉS, p. 30, sem data).

Outra forma bastante frequente de culpabilizar o aluno ou sua família pelas

“dificuldades de aprendizagem” provém da ideia, amplamente difundida, de que uma de suas

principais causas está na precariedade socioeconômica da vida dos alunos, ou seja, na

pobreza. De fato, nessa interpretação, a pobreza é apontada como a razão da suposta

“deficiência intelectual” apresentada por muitas das crianças de baixa renda, bem como por

comportamentos considerados inaceitáveis em sala de aula. Considera-se que a pobreza cria,

nas crianças, maior suscetibilidade às “dificuldades de aprendizagem”. Soares (1991, p. 12-

13) assinala que: Segundo essa concepção, as condições de vida de que gozam as classes dominantes e, em consequência, as formas de socialização da criança no contexto dessas condições, permitem o desenvolvimento, desde a primeira infância, de características – hábitos, atitudes, conhecimentos, habilidades, interesses – que lhe dão a possibilidade de ter sucesso na escola. Ao contrário, as condições de vida das classes dominadas e as formas de socialização da criança no contexto dessas condições não favoreceriam o desenvolvimento dessas características e, assim, seriam responsáveis pelas “dificuldades de aprendizagem” dos alunos delas provenientes.

A teoria da “privação cultural” é um claro exemplo desse tipo de abordagem que

culpabiliza o indivíduo. Por meio de resultados de testes de inteligência questionáveis, os

estudos fundamentados nesse pensamento afirmam que crianças de classes sociais

desfavorecidas seriam portadoras de inúmeras deficiências, apresentando problemas em seu

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desenvolvimento psicomotor, perceptivo, linguístico, cognitivo e emocional, que acarretariam

problemas em seu desempenho escolar (MEIRA, 2000). Esse discurso é norteado pela ideia

de “carência” ou “deficiência”, ou seja, de “falta” de cultura do aluno, cabendo à escola

“suprir” essas deficiências de natureza sociocultural. Em concepções desse tipo, “qualquer

referência às crianças de camadas populares é realizada ‘pela negação, pela desqualificação’,

adicionando-se, ainda, estereótipos em relação a suas famílias, as quais são vistas como

desestruturadas e desestruturantes” (EARP, 1997, p. 179). Para esse autor, a diferença é vista

“enquanto desvio ou atraso, a partir de uma concepção etnocêntrica da sociedade humana, em

que o observador toma sua cultura de origem como ponto de referência” (p. 180).

Atitudes como essa implicam considerar “cultura” apenas a das classes dominantes,

desconhecendo que todo conhecimento e todas as construções desenvolvidas socialmente pela

humanidade ao longo da história constituem cultura. Assim considerada, existe,

necessariamente, uma grande diversidade de culturas, estruturadas e complexas, sem que haja

entre elas qualquer hierarquia (SOARES, 1991). Dessa forma, todos os indivíduos

humanizados encontram-se inseridos em determinada cultura, na qual são constituídos e da

qual são constituintes. Estão, portanto, inseridos em uma condição objetiva de produção,

reprodução e transmissão cultural, ainda que suas manifestações culturais não sejam aquelas

definidas e aceitas pela classe dominante. Ideais como a de privação cultural são inerentes a

um sistema de classes, que designa a cultura da elite como adequada e a cultura popular como

ausente ou deficiente, convertendo diferenças culturais em deficiências cognitivas. De acordo

com Miranda (2009, p. 35): Com base nessa perspectiva, as diferentes estruturas sócio-políticas (nas quais as instituições de ensino se encontram inseridas) são colocadas em segundo plano, sem que nenhuma crítica seja tecida às relações de poder produzidas e reproduzidas no contexto educacional, gerando uma valorização da cultura de classes dominantes e, ao mesmo tempo, uma desvalorização daquela das classes trabalhadoras.

Na posição de instância constituída e constituinte de relações socioculturais desiguais,

a escola tem produzido a exclusão de indivíduos e grupos cujos padrões culturais não

correspondem aos dominantes. Em pesquisas desenvolvidas com professores, tem se

evidenciado que, muitas vezes, as expectativas docentes acerca do desempenho escolar de

alunos que apresentam padrões culturais diferentes daqueles dos padrões dominantes são

repletas de estereótipos que se refletem na prática do professor (CANDAU, 1995; SILVA,

1992). De acordo com os resultados de sua pesquisa, Canen (2001, p. 222) afirma que as

representações docentes “revelam, muitas vezes, uma visão fragmentada dos universos

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culturais dos alunos, percebidos, em grande parte, em termos dos aspectos que lhes ‘faltam’

para se equipararem àqueles das camadas dominantes da população”. O mesmo autor salienta

a necessidade de viabilizar práticas pedagógicas que resgatem e celebrem a diversidade

cultural, algo a ser conquistado por meio de uma formação docente capaz de sensibilizar os

professores para a pluralidade de alunos presentes em sala de aula:

A importância da preparação docente que leve em conta a diversidade cultural tem sido reconhecida em virtude de dois aspectos relevantes: por um lado, a constatação do peso de estereótipos sobre o rendimento de alunos de universos culturais diferentes daqueles que perpassam as práticas pedagógico-curriculares no cotidiano escolar. Nesse sentido, preparar professores na linha da apreciação da diversidade cultural e da quebra de estereótipos favoreceria atitudes positivas que contribuiriam para transformar a situação de fracasso escolar. Por outro lado, a importância de tal educação reforça-se também em artigos recentes, que têm contribuído para desvelar o mito da democracia racial vigente até bem pouco no âmbito de nossa sociedade e para a conscientização acerca da relevância de práticas docentes que preparem futuras gerações nos valores da tolerância e apreciação à diversidade cultural, de forma a desafiar preconceitos e promover uma educação para a cidadania. (CANEN, 2001, p. 210).

Assim, é preciso vincular a educação multicultural às perspectivas de transformação

da escola e de superação dos mecanismos de exclusão presentes em seu cotidiano, o que

implica reconhecer que a necessária sensibilização para a diversidade cultural não pode ser

realizada de forma dissociada da realidade escolar. Kramer (1995) e Candau (1995) alertam

para a necessidade de promover, entre os docentes, uma atitude de compreensão e valorização

de todos os grupos étnico-culturais, entendendo-os como portadores e produtores de cultura.

Canen também discute essa questão: Reconhecer a diversidade de universos culturais de alunos no âmbito de práticas docentes implica não só a conscientização acerca do peso dessas práticas no sucesso ou no fracasso destes alunos, mas também a importância em se trabalhar no sentido de mobilizar expectativas positivas que promovam a aprendizagem de todos, independentemente de raça, classe social, sexo ou padrões culturais. Nesse sentido, trabalhar com uma proposta de conscientização cultural em formação docente significa, também, ter em vista as representações e o saber desenvolvido por docentes em seu cotidiano escolar, de forma que se incorporem as iniciativas de ruptura com a homogeneização cultural e se combatam as expectativas negativas com relação àqueles cujos padrões culturais não correspondem aos dominantes. (CANEN, 2001, p. 222).

É importante superar esse quadro de desvalorização das manifestações culturais

diversas, que acabam marginalizando alunos que não correspondem ao idealizado,

contribuindo para a caracterização das supostas “dificuldades de aprendizagem”. Como

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salienta Canen (2001, p. 207), reconhecer que a sociedade brasileira é multicultural implica

compreender a diversidade cultural dos diferentes grupos sociais que a compõem. No entanto,

“significa, também, constatar as desigualdades no acesso a bens econômicos e culturais por

parte dos diferentes grupos, em que determinantes de classe social, raça, gênero e diversidade

cultural atuam de forma marcante”.

De acordo com Patto (2004), outra concepção amplamente difundida acerca das

“dificuldades de aprendizagem” é a de que elas seriam causadas pelo uso de técnicas de

ensino inadequadas ou pela falta de prática ou de formação necessária dos professores, ou

seja, seria um problema meramente técnico. Nesse tipo de abordagem, o foco da

responsabilidade sobre as “dificuldades de aprendizagem” não se localiza mais nos problemas

individuais dos alunos ou suas famílias, mas na competência do professor. Em concepções

desse tipo, a escola chega a ser considerada um dos agentes causadores das “dificuldades de

aprendizagem”, mas a partir de uma relação abstrata e dualista, desvinculada do contexto

social, econômico e histórico mais amplo. Segundo Patto (2004, p. 61): Mesmo quando faz referência ao “descaso das autoridades” para com a escola pública, as teses dessa vertente continuam dentro da lógica tecnicista, pois o descaso é reduzido ao fato de as autoridades não proporcionarem formação técnica adequada aos professores. Afirma-se que o fracasso escolar é produzido na e pela escola, mas reduz-se esta produção a sua inadequação técnica. Na verdade, continua-se a compreender o fracasso escolar como resultado de variáveis individuais, embora nessas teses a variável independente investigada seja a capacidade profissional do professor.

Nota-se, nos estudos que adotam essa perspectiva, o pressuposto de que, se o professor

empregar técnicas de ensino corretas, será capaz de resolver e/ou sanar as “dificuldades de

aprendizagem” geradas por problemas de ordem emocional, cultural ou econômica dos

alunos. Assim, além de se culpar estes últimos por suas dificuldades, se culpabiliza o

professor, incapaz de eliminá-las. Considera-se que, se o docente apresentar certos atributos –

tais como formação adequada, capacidade de refletir sobre a própria prática, de planejar

intervenções e despertar motivação –, ele deverá ser capaz de solucionar as “dificuldades de

aprendizagem” de seus alunos. Caso, ainda assim, algum tipo de dificuldade permaneça, ela

será atribuída a um problema psíquico individual do aluno.

Abordagens como essa denotam uma perspectiva unilateral do processo de ensino-

aprendizagem, na qual todo o poder de ação está nas mãos do professor, cabendo ao aluno

apenas submeter-se à atividade docente: seu desempenho está direta e exclusivamente

relacionado à qualidade das práticas de ensino empregadas pelo professor. Desconsidera-se,

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assim, o aluno como sujeito ativo no processo de aprendizagem e nas relações constitutivas

do ambiente escolar. Da mesma forma, desconsidera-se quem é esse aluno, ou seja, a quem

essa técnica se dirige. Afirmar que a técnica adequada é capaz de garantir a aprendizagem de

todos os alunos significa supor que todos os alunos são iguais e aprendem da mesma maneira,

no mesmo ritmo.

Nesse tipo de interpretação, as questões sociais, políticas, econômicas e históricas

envolvidas na produção das “dificuldades de aprendizagem” são, mais uma vez, ignoradas.

Essa perspectiva penaliza o professor, ao alegar que ele não sabe como atuar para garantir a

aprendizagem dos alunos, por não ter se apropriado devidamente daquilo que marca sua

profissão. O mau professor é, portanto, compreendido como um fracasso decorrente dele

mesmo, já que são desconsiderados os aspectos relativos a sua formação e ao contexto

socioeconômico mais amplo no qual ele se insere. O docente passa a ser inteiramente

responsabilizado por seu fracasso e pelo de seus alunos (PATTO, 2004).

É interessante ressaltar que o discurso que responsabiliza o professor pelo fracasso de

seus alunos não considera a qualidade de sua formação docente ou os aspectos políticos e

econômicos que a determinam e constituem. Perceber as “dificuldades de aprendizagem”

como uma questão meramente técnica significa adotar uma perspectiva na qual o processo de

ensino-aprendizagem é visto como mecânico, linear e reprodutivista. Responsabilizar

unicamente a má qualidade da formação do professor pela aprendizagem dos alunos é ignorar

que a reprodução de técnicas e práticas de ensino – desvinculadas da realidade concreta dos

estudantes e dos aspectos sociais e históricos mais amplos – não garante a qualidade da

aprendizagem nem a formação dos alunos, como bem aponta Miranda (2009, p. 39):

Assim, torna-se importante considerar a existência da relação entre a boa qualidade da prática pedagógica e o processo de aprendizagem dos alunos. Mas é necessária ainda a compreensão de que esta relação, em si, não garante que os alunos deixem de manifestar as supostas “dificuldades de aprendizagem”. Este fenômeno deve ser considerado para além da relação professor – aluno ou de um polo isolado desta relação. Tanto a visão que culpabiliza o aprendiz, quanto esta, que culpabiliza o docente, consideram as escolas (que formam cidadãos) e as instituições de ensino superior (que formam os docentes) como lugares harmônicos, que possibilitam o desenvolvimento pleno dos indivíduos. Como nesta visão as instituições de ensino não se vinculam em geral à sociedade nas quais estão inseridas, as “dificuldades de aprendizagem” são tidas, sempre, como os resultados de variáveis individuais que ora se centram no aluno, ora no professor.

Vale mencionar, também, que esse tipo de abordagem se apoia na ideia de que a

atividade docente é meramente uma técnica, desconsiderando assim sua dimensão política,

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ética e estética. Segundo Rios (2008, p. 94), a técnica diz respeito à realização de uma ação, a

certa forma de fazer algo: Chamamos a dimensão técnica de suporte da competência, uma vez que esta se revela na ação dos profissionais. A técnica tem, por isso, um significado específico no trabalho, nas relações. Esse significado é empobrecido, quando se considera a técnica desvinculada de outras dimensões. É assim que se cria uma visão tecnicista, na qual se supervaloriza a técnica, ignorando sua inserção num contexto social e político e atribuindo-lhe um caráter de neutralidade, impossível justamente por causa daquela inserção.

Como ressalta Saviani (2008, p. 35), “a competência técnica é, pois, necessária,

embora não suficiente para sustentar na prática o compromisso assumido teoricamente”.

Assim, é preciso, ainda, contemplar as demais dimensões constitutivas da atividade docente: a

estética, a ética e a política. De acordo com Rios (2008), a primeira diz respeito à

sensibilidade como elemento constituinte do saber e do fazer docente, que o orienta em uma

perspectiva criadora. Ainda segundo a autora, “a docência envolve, portanto, técnica e

sensibilidade. E a docência competente mescla técnica e sensibilidade orientadas por

determinados princípios, que vamos encontrar num espaço ético-político” (RIOS, 2008, p.

99). A dimensão ética relaciona-se à necessária reflexão acerca dos valores, dos costumes e

princípios, social e historicamente constituídos. Assim, essa dimensão da educação trata da

reflexão crítica sobre o conjunto de valores e princípios que orientam a conduta dos

indivíduos e grupos nas sociedades, ou seja, concerne à orientação da ação, fundada no

princípio do respeito e da solidariedade, voltada para a realização do bem coletivo. A terceira

dimensão – a política – consiste na participação na construção coletiva da sociedade e no

exercício de direitos e deveres (RIOS, 2008, p. 108). Segundo a autora, todas essas dimensões

são indissociáveis de uma docência de boa qualidade.

Em seu estado da arte sobre o fracasso escolar, Patto (2004) aponta uma terceira

vertente nas pesquisas que estudam as “dificuldades de aprendizagem”: aquela que aborda

essa questão como uma construção institucional. Partindo do princípio de que o fracasso

escolar – fenômeno presente desde o início das instituições educativas no Brasil – é

construído na e pela instituição escolar, inserida em uma sociedade de classes e regida pelos

interesses do capital, esses estudos consideram que as políticas públicas são determinantes na

constituição das “dificuldades de aprendizagem”. Esse tipo de investigação apresenta avanços

em relação àqueles anteriormente relatados, pois, além de retirar do indivíduo, seja o aluno ou

o professor, a responsabilidade exclusiva pelas “dificuldades de aprendizagem”, considera os

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aspectos políticos e sociais nela presentes. No entanto, segundo Patto (2004, p. 62), a linha

teórica adotada nesses estudos alcança apenas uma visão parcial do assunto: Tais princípios não impedem, entretanto, uma compreensão parcial das teorias críticas da escola nas pesquisas que as têm como referência: ao mesmo tempo em que afirmam que para pensar a escola e seus resultados é preciso tomá-la como instituição seletiva e excludente, os estudos retomam o tecnicismo, ao admitirem a possibilidade de pôr sob controle o fracasso escolar, por meio da adequada implementação de políticas educacionais “progressistas”, com especial ênfase na política de ciclos de aprendizagem. O insucesso de reformas e projetos nesta direção encontra explicação no conservadorismo dos professores que, pela resistência à inovação, prejudicam sua implementação. A saída apontada é o investimento na formação intensiva dos professores, de modo a levá-los a conhecer em profundidade as propostas governamentais e, assim, garantir a realização do objetivo final de reformas e projetos oficiais: a reversão do fracasso escolar.

Existe, contudo, um risco em considerar as questões sociais e políticas como as únicas

responsáveis pela construção das “dificuldades de aprendizagem”, pois se acaba por atribuir

exclusivamente às primeiras o papel de sanar as segundas. Essa perspectiva pode acarretar um

distanciamento entre as dificuldades escolares do aluno e a prática docente, a gestão escolar e

a atividade pedagógica como um todo (MIRANDA, 2009). Dessa forma, os sujeitos

envolvidos no processo de produção das “dificuldades de aprendizagem” podem se sentir

impotentes diante dele, algo que, justificado pela falta de investimento público em políticas

educacionais eficazes, pode levar os agentes educacionais das escolas a não assumirem sua

parcela de participação na produção das dificuldades escolares dos alunos.

Finalmente, a quarta abordagem das pesquisas sobre fracasso escolar descrita por

Patto (2004, p. 62-63) é a que enfatiza a dimensão política da escola:

Assim como as pesquisas que se debruçam sobre a lógica excludente da educação escolar, analisadas no item anterior, aqui também se compreende a escola como uma instituição social regida pela mesma lógica constitutiva da sociedade de classes. O foco, entretanto, incide nas relações de poder estabelecidas no interior da instituição escolar, mais especificamente na violência praticada pela escola ao estruturar-se com base na cultura dominante e não reconhecer – e, portanto, desvalorizar – a cultura popular.

Esta última visão considera os determinantes sociopolíticos da educação e tece uma

crítica às concepções de “dificuldade de aprendizagem” anteriormente citadas. Refuta a tese

da carência cultural, questiona a existência e a produção das deficiências cognitivas ou

emocionais dos alunos, bem como as tentativas de superação das “dificuldades de

aprendizagem” por meio de medidas puramente técnicas. E a justificativa para tal negativa

residiria no fato de que não se deve entender a escola como uma entidade abstrata:

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Essas pesquisas criticam as relações causais lineares entre “problemas individuais” e “problemas de aprendizagem” para explicar as dificuldades de escolarização dos alunos oriundos das classes populares, porque questionam a polarização entre indivíduo e sociedade e compreendem a constituição do sujeito nas condições concretas de existência num determinado lugar da hierarquia social. (PATTO, 2004, p. 63).

Patto (2004) afirma que, em estudos que defendem esse ponto de vista, é comum a

construção de procedimentos de pesquisa que implicam ativamente os pesquisados – que

deixam de ser vistos apenas como “objetos de pesquisa” e passam a ter o estatuto de sujeitos

ativos no processo de investigação, sem os quais seria impossível produzir conhecimento.

Existe, desse modo, uma ruptura epistemológica, a partir da qual não se busca mais a

compreensão do fenômeno apenas nos alunos, em suas famílias ou professores, mas sim nas

múltiplas relações que o constituem.

Para Miranda (2009), estas duas últimas abordagens se aproximam mais de uma

perspectiva materialista histórica e dialética, pois se contrapõem à visão que atribui ao

indivíduo – aluno ou professor – a culpa pelas “dificuldades de aprendizagem”,

compreendendo-as à luz das relações que produzem e são produzidas por um sistema

educacional complexo, situado em uma sociedade de classes, determinada pelas relações de

capital. No entanto, a autora adverte sobre o risco de atribuir ao “sistema” a responsabilidade

integral pela produção das “dificuldades de aprendizagem”: Considerar o sistema complexo de relações que configuram a multideterminação das ““dificuldades de aprendizagem”” não exclui a ação pedagógica e as relações intra e extraescolares deste sistema. Fato é que a ação pedagógica é constituinte e constituída destas relações, e dessa forma, não se justifica a argumentação que aponta a “culpa do sistema” pela má qualidade do ensino, como se este “sistema” fosse também excluído desta relação dialética. O “sistema” é constituído por pessoas, pelas suas atividades, crenças e valores, por suas ações políticas e sociais. Culpabilizar o “sistema” como se a responsabilidade do ato pedagógico estivesse fora do alcance dos sujeitos envolvidos neste processo, mascara a responsabilidade das pessoas, agentes das relações ensino-aprendizagem e se distancia de uma proposta transformadora de educação. (MIRANDA, 2009, p. 42).

Apesar de não caber ao “sistema” a responsabilidade exclusiva pela produção das

“dificuldades de aprendizagem”, na presente pesquisa considera-se que um dos aspectos

constitutivos dessa produção reside justamente no fato de que a instituição escolar é uma

instância produzida por e produtora de uma sociedade de classes, regida por padrões culturais

e discursos ideológicos impostos pela classe dominante. A necessária articulação entre os

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fatores individuais, pedagógicos, sociais e históricos é discutida por Tuleski e Eidt (2007),

numa perspectiva que muito se aproxima da adotada no presente trabalho: Como demonstramos anteriormente, grande parte da produção científica atual acerca dos problemas de escolarização tem centrado suas análises, unicamente, nas características individuais – tomadas como naturalmente patológicas, descolando o sujeito da sociedade na qual ele está inserido. Além disso, as características humanas muitas vezes são entendidas como a-históricas, pois são apresentadas como constantes, comuns a todas as épocas e a todos os homens. Contrariando essas perspectivas, o que queremos postular é que distúrbios/dificuldades de aprendizagem precisam ser datados – analisados a partir das condições sociais e econômicas de uma determinada época histórica – e compreendidos no interior da sociedade em que se desenvolvem. Deste modo, é de fundamental importância que se analise a qualidade das mediações estabelecidas em diferentes contextos sociais (como a família e a escola), considerando que o esfacelamento das relações entre os indivíduos se tornou uma característica da pós-modernidade, na qual se verifica o surgimento de verdadeiras epidemias de desordens de aprendizagem. [...] A discussão, portanto, deve deslocar-se para o que a sociedade atual vem ou não fazendo para que os sistemas funcionais de origem cultural não se constituam a contento em muitas crianças. (TULESKI; EIDT, 2007, p. 538).

Portanto, nesta pesquisa, entende-se que as “dificuldades de aprendizagem” são

produzidas em meio a um conjunto de relações institucionais, históricas, econômicas,

culturais e pedagógicas que se constituem no cotidiano educacional, sendo, portanto, fruto de

múltiplas determinações. Dessa forma, qualquer explicação que se centre exclusivamente em

um dos aspectos constituintes do fenômeno é considerada reducionista, justamente por ignorar

a complexa teia de relações que o constituem. Assim, parte-se do princípio de que as relações

de poder existentes e constitutivas de um sistema de ensino excludente e elitizado – regido

pelos interesses do capital e historicamente produzido e reproduzido por discursos e relações

ideológicas – são constitutivas das “dificuldades de aprendizagem”, sem que, no entanto, se

retire dos sujeitos diretamente envolvidos sua participação nesse processo. Isso significa que

as “dificuldades de aprendizagem” são aqui compreendidas como um fenômeno

multideterminado, construído nas múltiplas relações históricas, econômicas e sociais que

conformam as instituições de ensino e os sujeitos nela inseridos. Dessa forma, a concepção de

“dificuldades de aprendizagem” que embasa esta investigação encontra apoio na perspectiva

assumida por Proença (sem data), segundo a qual: O desvelamento da vida diária escolar aponta para a complexidade das relações ensino-aprendizagem. Tais relações envolvem aspectos da política educacional, da organização institucional, da formação de professores, das histórias individuais e profissionais, das relações da escola com os pais e destes com a escola, da relação face a face da sala de aula, da constituição de grupos em sala de aula, da constituição de normas e regras de

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funcionamento, dentre outros. Esse conjunto de relações se entrelaça na história escolar de cada criança e na história profissional de cada professor.

A autora propõe um deslocamento no enfoque tradicionalmente conferido à questão

das “dificuldades de aprendizagem”, de modo que se busque compreender não mais “por que

a criança não aprende”, e sim “que relações e situações vivenciadas no cotidiano escolar estão

produzindo o não aprendizado da criança”. Ainda segundo Proença, a natureza de tais

questões define explicações diferentes acerca das “dificuldades de aprendizagem”. Sua

proposta consiste, portanto, em transferir o foco dos “problemas de aprendizagem” para os

“problemas de escolarização”:

A abordagem que se desloca dos problemas de aprendizagem para os problemas de escolarização possibilita-nos outra percepção da complexidade dos fenômenos escolares e a busca negociada de resolução de problemas no âmbito da escolarização. Quaisquer abordagens em Psicologia que garantam voz àqueles que historicamente têm sido desconsiderados no processo educacional estarão, de alguma forma, assumindo um compromisso político e social na direção do processo de humanização. [...] Os modelos patologizantes de interpretação do processo educacional precisam ser diariamente questionados e superados, por meio da análise e da reflexão a respeito da prática pedagógica que muitas vezes contradiz discursos mais avançados. O enfrentamento das ambiguidades dos discursos educacional e psicológico possibilitará novos agenciamentos entre os profissionais que atuam no campo educacional, impulsionando novos enfrentamentos no sentido de construir uma educação com qualidade social para todos os alunos. (PROENÇA, sem data).

Com base nos postulados mencionados acima, considera-se que, por meio da análise e

da reflexão sobre a prática pedagógica – o que inclui uma compreensão mais aprofundada a

respeito dos sentidos e significados constituídos pelos professores acerca das “dificuldades de

aprendizagem” – pode-se buscar “o enfrentamento das ambiguidades dos discursos

educacional e psicológico”, possibilitando novos “enfrentamentos no sentido de construir uma

educação com qualidade social para todos os alunos”, como bem salienta Proença. Assim,

acredita-se, aqui, que uma aproximação dos sentidos e significados constituídos pelos

professores em relação às “dificuldades de aprendizagem” pode contribuir, efetivamente, para

a construção de programas de formação docente capazes de romper com os velhos

paradigmas que permeiam a produção dessas dificuldades. Entretanto, compreender o

problema como síntese de múltiplas determinações implica reconhecer que sua solução não

está relacionada apenas a um dos aspectos constitutivos do fenômeno. Dessa forma, acreditar

que apenas programas de formação docente sejam suficientes para transformar essa realidade

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seria recair na perspectiva simplista que atribui apenas aos professores – ou a sua formação –

a culpa pelas “dificuldades de aprendizagem” dos alunos.

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CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO

A uva e o vinho

Um homem dos vinhedos falou, em agonia, junto ao ouvido de Marcela. Antes de

morrer, revelou a ela o segredo:

- A uva – sussurrou – é feita de vinho.

Marcela Pérez-Silva me contou isso, e eu pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a

gente seja as palavras que contam o que a gente é.

(Eduardo Galeano)

1 Psicologia Sócio-Histórica

O referencial teórico que fundamenta a presente pesquisa é o da Psicologia Sócio-

Histórica, que se pauta, por sua vez, pelo Materialismo Histórico e Dialético, o que implica

uma concepção de homem como ser social e historicamente construído. Nessa perspectiva,

existe uma interação contínua entre natureza e homem, pois a ação humana transforma a

natureza, e a natureza, transformada, cria novos homens, de forma que ambos, homem e

natureza, se constituem mutuamente (VYGOTSKY, 2003). Dessa maneira, apesar de

pertencer à espécie humana – condição geneticamente garantida desde sua concepção –, o

homem só se humaniza por meio da apropriação da cultura na qual está inserido, ou seja, as

características tipicamente humanas não são transmitidas por hereditariedade biológica, mas

sim adquiridas no processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes. Isso

porque: O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não são incorporadas nem nela, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que o rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se delas no decurso de sua vida ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas. (LEONTIEV, 2004, p. 301).

Isso significa que o homem se humaniza porque nasce e se desenvolve em um

contexto humanizado, construído social e historicamente ao longo das gerações que o

precederam: “O homem é um ser de natureza social, e tudo que tem de humano provém da

sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade” (LEONTIEV, 2004, p.

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279). Ainda de acordo com Leontiev (2004, p. 285), “cada indivíduo aprende a ser um

homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver em sociedade. É-lhe ainda

preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade

humana”.

Nessa perspectiva, o bebê humano possui já todas as propriedades biológicas

necessárias a seu desenvolvimento sócio-histórico ilimitado. Em outras palavras, “a passagem

do homem a uma vida em que sua cultura é cada vez mais elevada não exige mudanças

biológicas hereditárias” (LEONTIEV, 2004, p. 281). Logo, as modificações biológicas

hereditárias não determinam o desenvolvimento sócio-histórico do homem e da humanidade,

pois ele é impulsionado por outras forças que não as leis da variação e da hereditariedade.

A partir de uma base biológica, que garante a existência das funções psíquicas

elementares – definidas como habilidades naturais, tais como a memória, a atenção, a

percepção e os reflexos –, o homem constrói suas funções psicológicas superiores, nas formas

tipicamente humanas de atividade. As funções psíquicas elementares, imediatas e

involuntárias, possibilitam o desenvolvimento de aptidões, ou seja, fornecem as condições

biológicas para o processo de formação de sistemas cerebrais funcionais que originam as

funções psicológicas superiores, tais como o pensamento, a linguagem e a imaginação. Estas

não surgem naturalmente: elas são construídas, se desenvolvem a partir de transformações

qualitativas na atividade humana e são, sempre, mediadas e intencionais. Conforme indica

Veresov3 (2010, p. 84), as “funções psicológicas superiores não são construídas sobre os

processos elementares, como se fossem um ‘segundo andar’; elas são sistemas psicológicos

novos, que envolvem um complexo nexo de funções elementares que, como parte desse novo

sistema, passa a atuar segundo novas leis”.4

Assim, o homem não está subordinado apenas às leis biológicas, como esclarece Luria

(1979, p. 72): “encontramos frequentemente situações nas quais a atividade consciente do

homem, além de não se sujeitar às influências e necessidades biológicas, ainda entra em

conflito com elas e chega inclusive a reprimi-las”. Portanto, o homem está subordinado

principalmente às leis sócio-históricas, constituídas pelo movimento, pelas mudanças, tecidas

e fixadas na atividade e na cultura humana. É por meio do contato social e da apropriação da

cultura de seu entorno que o homem aprende a ser humano:

3 Todas as traduções são nossas. 4 “Higher mental functions are not built on top of elementary processes, like some kind of second storey, but are new psychological systems comprising a complex nexus of elementary functions that, as part of a new system, being themselves to act in accordance with new laws.”

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Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas desse mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo. (LEONTIEV, 2004, p. 284).

É importante ressaltar que a apropriação da cultura humana não ocorre de forma

automática ou passiva. Trata-se de um processo sempre ativo, por parte do indivíduo,

conforme explica Leontiev (2004, p. 286): “devemos sublinhar que este processo é sempre

ativo do ponto de vista do homem”. Outro aspecto fundamental do processo de apropriação é

que este é sempre mediado socialmente: As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, a criança, o ser humano, deve entrar em contato com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação. (LEONTIEV, 2004, p. 290).

Dessa forma, a humanização, isto é, o desenvolvimento dos processos tipicamente

humanos – a construção das funções psicológicas superiores – acontece por meio da

apropriação, em nível ontológico, da cultura desenvolvida pelas gerações precedentes: “nas

palavras de Vygotsky, desenvolvimento metal consiste na ‘transição das formas diretas, inatas

e naturais de comportamento para funções mentais mediadas e artificiais que se desenvolvem

no processo de desenvolvimento cultural” 5 (VERESOV, 2010, p. 86) Assim, o processo de

desenvolvimento das funções psicológicas superiores é o principal objeto de estudo da

Psicologia Sócio-Histórica: “precisamos concentrar-nos não nos produtos do

desenvolvimento, mas no próprio processo pelo qual as formas superiores são estabelecidas” 6

(VERESOV, 2010, p. 86)

Adotando essa concepção de homem como ser social e historicamente constituído –

que aprende a ser humano apropriando-se da cultura, por meio de atividades e relações

mediadoras – para compreendê-lo, é preciso estudá-lo em seu processo histórico, em suas

transformações e em sua gênese, ou seja, estudá-lo dialeticamente. A Psicologia Sócio-

5 “InVygotsky words, mental development consists in the ‘the transition from direct, innate, natural forms and methods of behavior to mediated, artificial mental functions that develop in the process of cultural development.’” 6 “We need to concentrate not on the product of development but on the very process by which higher forms are established.”

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Histórica propõe algumas categorias teóricas que se aplicam a esse estudo dialético do

homem. Tais categorias, compreendidas como formulações teóricas que representam uma

realidade concreta, buscam descrever, explicitar e explicar um fenômeno em sua totalidade,

carregando seu movimento, suas contradições e sua historicidade (AGUIAR, 2001). É

importante ressaltar que, embora cada categoria tenha sua especificidade, elas estão

interligadas, de modo que cada uma constitui as outras, em um constante movimento

dialético: uma não pode ser compreendida sem as demais. Algumas delas, centrais para o

entendimento dos fenômenos analisados nesta pesquisa, serão discutidas a seguir.

1.1 Atividade

Essa categoria é de fundamental importância para a Psicologia Sócio-Histórica, pois é

por meio da atividade que o homem desenvolve suas funções psicológicas superiores e se

humaniza. Isso se dá porque, para se apropriar da cultura, ou seja, dos conhecimentos e

fenômenos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade, para constituir sua

consciência e os demais processos que o caracterizam como humano, é necessário que o

homem realize atividades mediadas e mediadoras, social e historicamente construídas. De

acordo com Leontiev (2004, p. 286), “para se apropriar dos objetos e fenômenos que são

produto do desenvolvimento histórico, é necessário desenvolver em relação a eles uma

atividade que se reproduza, pela sua forma, os traços essenciais da atividade encarnada,

acumulada no objeto”. Ainda segundo o autor:

[...] pela sua atividade, os homens não fazem senão adaptar-se à natureza. Eles a modificam em função do desenvolvimento das suas necessidades. Criam os objetos que devem satisfazer as suas necessidades e, igualmente, os meios de produção destes objetos, dos instrumentos às maquinas mais complexas [...]. Os progressos realizados na produção de bens materiais são acompanhados pelo desenvolvimento da cultura dos homens. (LEONTIEV, 2004, p. 283).

A atividade não consiste somente em um simples reflexo ou resposta a um estímulo

externo: ela implica o processo dialético de transformação entre natureza e homem,

humanizando tanto um quanto outro. O homem não se relaciona com a natureza a não ser por

meio de uma atividade, ou seja, esta é mediadora na relação entre homem e natureza. Ao

mesmo tempo, a atividade é sempre mediada: ao realizar uma atividade, o ser humano não

age apenas sobre a natureza: ele colabora com seus pares, relaciona-se com os demais, e é nos

limites dessas relações sociais que se estabelece sua atividade. Dessa forma, a atividade é

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sempre mediada simultaneamente pela sociedade e pelos instrumentos e signos socialmente

construídos (LEONTIEV, 2004). A atividade só existe ligada às relações sociais e, portanto,

está subordinada às condições de vida. Segundo Leontiev (2004, p. 84), “é precisamente a

atividade dos outros homens que constitui a base material objetiva da estrutura específica da

atividade do indivíduo humano”. A atividade é voluntária e intencional e está diretamente

relacionada às necessidades e aos motivos, conforme aponta Leontiev (2001, p. 68): [...] designamos por esse termo apenas aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade correspondente a ele. [...] Por atividade, designamos os processos que são psicologicamente caracterizados pelo fato de que aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidir sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo.

As necessidades podem ser definidas como “um estado de carência do indivíduo, que

leva a sua ativação com vistas à sua satisfação, dependendo das suas condições de existência”

(AGUIAR, 2006, p. 288). A partir de um processo ao mesmo tempo histórico, singular e

subjetivo de configuração das relações sociais, as necessidades são constituídas pelo

indivíduo socialmente situado, embora este, muitas vezes, não tenha consciência ou controle

do processo de constituição de suas necessidades. Trata-se de um processo não intencional,

fruto de um tipo específico de registro cognitivo e emocional. Ademais, as necessidades são

historicamente construídas e variáveis de um indivíduo para outro. Sua unidade essencial é a

emoção, e mesmo as necessidades ditas naturais são constituídas nas relações sociais ao longo

da história.

Os motivos são aquilo que desperta e orienta a atividade e estão sempre ligados a uma

necessidade. São configurações subjetivas, produzidas nos diferentes espaços sociais de

atuação do indivíduo, e estão associados aos estados afetivos e aos sentidos subjetivos. Para

Leontiev (2004, p. 104), o termo “motivo” não designa “o sentimento de uma necessidade; ele

designa aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas condições consideradas e

para as quais a atividade se orienta, o que a estimula”. Os motivos surgem quando o sujeito

significa algo de sua realidade social como capaz de atender suas necessidades. São os

motivos, portanto, que impulsionam a ação (AGUIAR; OZELLA, 2006). Compreendida

como um processo estimulado e orientado por um motivo, no qual está objetivada uma

necessidade, a atividade é motriz do desenvolvimento da humanidade. De fato, a necessidade,

como força interior, pode realizar-se apenas na atividade (LEONTIEV, 2001). A atividade

produz uma necessidade que, para ser satisfeita, produz uma nova atividade, que gera, por sua

vez, outra necessidade, em um processo dialético que provoca o desenvolvimento humano.

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Existe um processo dialético de mútua constituição entre o homem e a atividade, pois,

ao realizá-la, o homem não está apenas modificando o meio ao qual pertence: ele está,

também, transformando a si próprio e a própria história humana. Ao transformar a natureza, o

homem transforma a si mesmo, convertendo o mundo externo em um mundo interno e,

concomitantemente, o mundo interno em externo, de forma dialética. Assim, é por meio da

atividade que o homem transforma o natural em social. Ao mesmo tempo em que a atividade

é prática e externa, ela é também interna e psicológica. Ambos os aspectos ocorrem

simultaneamente e são indissociáveis, pois a atividade externa cria possibilidades de

construção da atividade interna, gerando uma série de transformações internas, decorrentes da

transformação prática da realidade objetiva (VYGOTSKY, 2003).

Logo, por meio de sua atividade, o homem realiza ativa e simultaneamente dois

processos complementares e indissociáveis: a subjetivação, ou seja, a reconstrução interna de

uma operação externa; e a objetivação, isto é, a materialização de aspectos de sua

subjetividade. As operações que inicialmente representam atividades externas passam a

ocorrer internamente, de modo que os processos interpessoais são transformados em

processos intrapessoais graças a uma série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento: [...] todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas. (VYGOTSKY, 2003, p. 115).

De acordo com Vygotsky (2003), o processo de subjetivação consiste numa série de

transformações. Inicialmente, uma operação que representa a atividade externa é reconstruída,

passando a ocorrer internamente, de modo que um processo interpessoal transforma-se, assim,

num processo intrapessoal. A transformação de um processo interpessoal em intrapessoal

resulta de um conjunto de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento: “o processo, sendo

transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um

longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente” (VYGOTSKY, 2003, p.

75). O autor esclarece que toda função psicológica superior, antes de se tornar uma função

psicológica interna, foi uma função externa, pois foi social antes de se tornar individual e

estritamente mental – anteriormente, era uma relação social entre duas pessoas. Ou seja, todas

as funções psicológicas superiores são relações sociais internalizadas (VYGOTSKY, 1997).

Assim, antes de se tornar uma função individual, tal função não ocorreu na relação social,

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mas foi a relação social em si mesma. Dessa forma, a relação social torna-se, em si mesma,

uma função psicológica humana individual, como salienta Veresov (2005, p. 38): “relação

social não é a ‘área’, nem o ‘campo’ ou o ‘nível’ no qual as funções mentais aparecem – a

relação social em si mesma torna-se a função individual humana – aqui repousa a resposta”.7

1.2 Consciência

Ao se apropriar do conjunto de produções historicamente acumulado pela

humanidade, ao subjetivar o mundo objetivo e objetivar seu mundo subjetivo por meio de

atividades mediadoras, o homem constrói seus registros psicológicos. Assim, o mundo

psicológico, aqui compreendido como todas as funções psicológicas superiores que

constituem o psiquismo, se constitui a partir da relação do homem com a realidade física e

social, ambas históricas. Isso significa que o mundo psicológico não se constitui no homem,

mas na relação do homem com o mundo objetivo, social e cultural. Dessa forma, rompe-se a

dicotomia entre o mundo interno e o mundo externo, pois as realidades objetivas e subjetivas

passam a ser vistas numa relação de mediação, na qual uma é através da outra, sem, no

entanto, se diluírem nem perderem sua identidade (AGUIAR, 2001, p. 98). Na passagem

transcrita a seguir, Leontiev (2004, p. 94) discorre acerca do desenvolvimento histórico da

consciência e explica as condições determinantes que possibilitaram, em nível filogenético e

ontogenético, seu desenvolvimento: Vimos que a consciência não podia aparecer a não ser nas condições em que a relação do homem com a natureza era mediatizada pelas suas relações de trabalho com outros homens. Por conseguinte, a consciência é um produto histórico desde o início. Vimos em seguida que a consciência só podia aparecer nas condições de uma ação efetiva sobre a natureza, nas condições de uma atividade de trabalho por meio de instrumentos, a qual é ao mesmo tempo a forma prática do conhecimento humano. Nestes termos, a consciência é a forma do reflexo que conhece ativamente. Vimos que a consciência só podia existir nas condições de existência da linguagem, que aparece ao mesmo tempo em que ela no processo de trabalho. Por fim, vimos que a consciência individual do homem só podia existir nas condições em que existe a realidade social. A consciência é o reflexo da realidade, refratada através do prisma das significações e dos conceitos linguísticos elaborados socialmente. Estes traços característicos da consciência são todavia apenas os mais gerais e mais abstratos. A consciência do homem é a forma histórica concreta do seu psiquismo. Ela adquire particularidades diversas segundo as condições da vida dos homens e transforma-se na sequência do desenvolvimento de suas relações econômicas.

7 “Social relation is not the ‘area’, not the field, and not the ‘level’ where mental function appears – the social relation itself becomes human’s individual function – herein lays the answer.”

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A partir de tais condições de desenvolvimento da consciência, é possível perceber que

esta não é imutável – ao contrário, ela se modifica de acordo com as transformações da

atividade e das relações sociais desenvolvidas pelo homem. Assim, o desenvolvimento do

psiquismo deve ser considerado um processo de transformações qualitativas, entre as quais se

destaca a construção da consciência. A consciência é entendida, portanto, como uma etapa

superior do desenvolvimento psíquico. Vale ressaltar que essas etapas não ocorrem

naturalmente, mas são determinadas pelas circunstâncias da existência do sujeito. Nas

palavras de Leontiev (2004, p. 75): A passagem à consciência é o início de uma etapa superior no desenvolvimento psíquico. O reflexo consciente [...] é o reflexo da realidade concreta destacada das relações que existem entre ela e o sujeito, ou seja, um reflexo que distingue as propriedades objetivas estáveis da realidade. [...] A consciência humana distingue a realidade objetiva do seu reflexo, o que leva a distinguir o mundo das impressões interiores e torna possível, com isso, o desenvolvimento da observação de si mesmo.

Conforme aponta Vygotsky (2001, p. 44), a consciência pode ser compreendida como

“as formas mais complexas de organização do nosso comportamento, particularmente como

certo desdobramento da experiência, que permite prever por antecipação os resultados do

trabalho e encaminhar as nossas próprias respostas no sentido desse resultado”. Pode-se

definir a consciência, portanto, como a função psicológica que estabelece a distinção entre a

dimensão subjetiva e a objetiva da realidade. Segundo Aguiar (2001), a consciência origina-se

a partir da relação do homem com a realidade e pode ser compreendida como um sistema

integrado, em permanente movimento, no qual as condições históricas e sociais se

transformam em construções simbólicas e singulares, por meio de um processo de conversão.

A autora explica que a constituição do homem e de sua consciência é a síntese do processo de

transformação do social em individual, ou seja, a construção de um mundo interno, subjetivo,

a partir da relação dialética com a realidade objetiva. Assim, a consciência apresenta-se como

um fenômeno histórico, dialético e socialmente determinado: constitui-se e desenvolve-se na

e pela relação com os demais, em um dado tempo e lugar.

É na atividade histórica e socialmente mediada, ao mesmo tempo coletiva e individual,

que o homem se apropria da realidade e constrói sua consciência. Compreender o processo de

aparecimento da consciência na perspectiva sócio-histórica implica compreender as categorias

essenciais que a determinam, sendo a principal delas a atividade. Segundo Leontiev (2004, p.

98), “a estrutura da consciência do homem transforma-se com a estrutura da sua atividade”.

Dessa forma, a consciência conserva um caráter mutável diante do desenvolvimento histórico

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e social do indivíduo, caráter este que decorre da integração entre mecanismos que compõem

o processo de apropriação e as relações de produção que determinam as condições de

existência. De acordo com Aguiar (2001), a consciência tem um caráter social e histórico,

origina-se a partir da relação do homem com a realidade e está ligada ao trabalho e à

linguagem.

A compreensão da categoria “consciência” é fundamental para a apreensão das demais

categorias da Psicologia Sócio-Histórica, uma vez que estas se constituem mutuamente, numa

relação dialética. Assim, a constituição da consciência encontra-se profundamente ligada à

atividade mediada, uma vez que ambas se configuram dialeticamente: a atividade proporciona

o desenvolvimento da consciência, e esta, por sua vez, determina o desenvolvimento da

atividade mediada. Ao mesmo tempo, a consciência é produzida e produtora do

desenvolvimento da linguagem e, portanto, do pensamento. Além disso, os sentidos e os

significados são os principais componentes da estrutura interna da consciência (LEONTIEV,

2004). Dessa forma, estudar o desenvolvimento da consciência em seu caráter histórico e

social desempenha um papel central na compreensão da atividade docente e na aproximação

dos sentidos e significados constituídos pelo professor.

1.3 Mediação

A mediação é compreendida como uma instância que articula fatos e fenômenos, que

os constitui, possibilitando a existência de ambos. Assim, ela não deve ser vista como a mera

ligação de dois elementos, pois representa o próprio centro organizador da relação entre esses

elementos. Pode-se dizer, portanto, que a mediação é o processo pelo qual os indivíduos se

apropriam da realidade objetiva. Severino (2001, p. 44) a define da seguinte forma: “uma

instância que relaciona objetos, processos ou situações entre si; [...] o conceito designa um

elemento que viabiliza a realização de outro e que, embora distinto dele, garante a sua

efetivação, dando-lhe concretude”.

A realização da atividade e, consequentemente, os processos de subjetivação e

objetivação que são dela constitutivos, não ocorrem de forma direta. Esses processos são

sempre mediados, ou seja, a atividade não é subjetivada em si, ela é mediada semioticamente,

ao ser subjetivada (AGUIAR, 2001). A mediação, ou a realização de atividades mediadoras,

acontece por meio de instrumentos e signos. Os instrumentos são as ferramentas que o

homem desenvolve e utiliza para transformar a natureza, e trazem em si, cristalizadas, as

atividades nas quais e para as quais foram desenvolvidos. Nesse sentido, o instrumento não é

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apenas um objeto dotado de determinadas características físicas: ele é, também e

principalmente, um objeto social, produto de uma prática social de trabalho: O uso do instrumento só será possível se o homem tiver consciência das propriedades objetivas do objeto da ação, pois o instrumento passa a ser portador da primeira abstração, ou generalização, consciente e racional. [...] O instrumento passa a ser considerado como um modo de uso que lhe foi conferido socialmente, no decurso do trabalho coletivo. Por exemplo, o machado não é simplesmente um objeto feito da junção de partes de materiais, mas um meio de ação que foi elaborado socialmente, ou seja, o machado refere-se às operações de trabalho que foram nele condensadas. Desta forma, possuir um instrumento não é apenas ter um objeto: é, sobretudo, estar de posse também da ação em que ele é o elemento material para realizá-la. (DAVIS; AGUIAR, no prelo b, p. 9).

Ao passo que os signos são sistemas simbólicos que dirigem a atividade interna do

homem. As funções psicológicas superiores são mediadas por esses instrumentos culturais.

De acordo com Severino (2001, p. 35): Como objeto da experiência, o mundo só alcança o homem através da mediação simbólica. Para chegar ao sujeito, o mundo passa pelo corpo, via órgãos dos sentidos. Mas esses elementos percebidos nada expressariam além de suas afecções neurofisiológicas se não se redimensionassem enquanto símbolos.

Conforme aponta Vygotsky (2003, p. 71), o signo, na condição de instrumento da

atividade psicológica, é mediador, pois ele reorganiza toda a estrutura das funções

psicológicas superiores, assim como a inclusão de uma ferramenta reorganiza toda a estrutura

de um processo de trabalho: “a analogia básica entre signo e instrumento repousa na função

mediadora que os caracteriza”. Os signos, fundamentais no processo de reorganização

qualitativa das funções psicológicas, formam um centro estrutural que determina a

composição de tais funções e a importância relativa de cada processo. De acordo com

Veresov (2010, p. 86-87): Em outras palavras, olhando sob uma perspectiva estrutural, o signo é o produto do desenvolvimento. Mas uma análise apenas estrutural da mediação simbólica não é suficiente: a abordagem genética é necessária. Nas palavras de Vygotsky, o desenvolvimento mental consiste na “transição das formas diretas, inatas e naturais de comportamento para funções mentais mediadas e artificiais, que se desenvolvem no processo de desenvolvimento cultural”. Portanto, o segundo ponto crucial sobre o signo e a mediação simbólica na teoria histórico-cultural não consiste em investigar apenas seu lugar e seu papel na estrutura das funções maduras e reorganizadas (os “frutos do desenvolvimento”), mas estudá-las na perspectiva do processo de desenvolvimento, nas transições de seus “brotos” para seus “frutos”. Na teoria histórico-cultural, o signo é um instrumento da mente, que não simplesmente existe, que não apenas reorganiza a estrutura das funções, mas

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que surge da necessidade, no processo de desenvolvimento cultural das funções psicológicas superiores. [...] A teoria histórico-cultural apresenta o signo em uma perspectiva do desenvolvimento: o signo (ou o sistema simbólico) existe originalmente como uma ferramenta externa, como um tipo de material cultural e, posteriormente, torna-se um instrumento da atividade mediadora interna. Aqui, novamente, vemos que a mediação simbólica é apresentada do ponto de vista da transição da ação não mediada para a ação mediada. 8

A diferença mais substancial entre o signo e o instrumento é que o instrumento é

externamente dirigido, uma vez que faz a atividade do homem convergir para o objeto de sua

atividade externa, resultando em alguma mudança nesse objeto, ou seja, o instrumento dirige-

se à transformação da realidade concreta, à transformação da natureza. Por sua vez, os signos

se dirigem à atividade interna do homem, controlando seus processos comportamentais e

cognitivos, transformando suas funções elementares em funções psicológicas superiores, ou

seja: são internamente dirigidos e se voltam para a transformação do indivíduo (VERESOV,

2010). Apesar de Vygotsky ter traçado uma analogia entre signos e instrumentos, a diferença

entre ambos é evidenciada por Veresov (2005, p. 44-45): Em outras palavras, para Vygotsky o signo não é como uma ferramenta de trabalho (assim como uma analogia não é um sinônimo!). Um signo cultural (por exemplo, uma palavra, gesto ou mesmo um sinal de trânsito) faz sentido no fato de ser dirigido a outras pessoas. Um signo é um meio para a realização das relações sociais (na forma de comunicação), incluindo o amplo contexto social de comunicação. As relações sociais concretas nas quais a criança participa da comunicação são a fonte da mente humana (incluindo os componentes volitivo-emocionais). Em outras palavras, signo, como uma ferramenta psicológica, origina-se nas situações sociais de desenvolvimento. Além disso, a atividade interna (funções psicológicas mediadas pelos signos, originalmente sociais) é essencialmente diferente de atividade orientada ao objeto (mediada pelas ferramentas de trabalho) e não é dela derivada. Atividades externas (dirigidas ao objeto) e internas (mentais) são essencialmente diferentes em função dos diferentes meios de organização e dos diferentes tipos de mediação envolvidos. 9

8 “In other words, looking at it from a structural perspective, the sign is the product of development. But just a structural analysis of sign mediation is not enough; the genetic approach is needed. In Vygotsky’s words, mental development consists in the transition from direct, innate, natural forms and methods of behavior to mediated, artificial mental functions that develop in the process of cultural development. [13, p. 168]. Therefore, the second crucial point about sign and sign mediation in cultural-historical theory was not to investigate its place and role in the structure of matured (what) reorganised functions (fruits of development) only, but to study it within the frames of developmental process, i. e., within the transition from the buds of development to its fruits. In cultural-historical theory, the sign is a mental tool (tool of mind) which does not simply exist, and does not only reorganize the structure of functions, but arises with necessity in the process of the cultural development of the higher mental functions. […] Cultural Historical Theory presents the sign from developmental perspective: the sign (or system of signs) originally exists as an external tool, as a kind of cultural material, and later it becomes a tool of internal mediating activity. Here again we see that sign mediation is presented in cultural historical theory from the point of view of the transition from non-mediated to mediated action.” 9 “In other words, for Vygotsky the sign is not like tool of labor (just as an analogue is not a synonym!). A cultural sign (for example, a word, gesture or even a traffic sign) makes sense in its being directed towards other

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Assim, na realização de uma atividade externa – sempre mediada pelos instrumentos e

pela realidade social – o indivíduo objetiva aspectos de sua subjetividade. Ao mesmo tempo,

na realização de uma atividade interna – sempre mediada pelos signos – o individuo subjetiva

aspectos da realidade social. Os signos, instrumentos psicológicos, podem assumir diferentes

configurações. No entanto, pode-se afirmar que a linguagem é o principal sistema simbólico

constituído/constitutivo do homem. A seguir, as categorias linguagem e pensamento serão

brevemente apresentadas, pois apenas por meio da discussão de tais categorias é possível

apreender a constituição dos sentidos e dos significados, e como eles se articulam na

subjetividade do sujeito.

1.4 Pensamento e linguagem

A linguagem é um sistema de signos, sendo principalmente por meio dela que o

homem se apropria da cultura que o cerca. Ao nascer em um contexto humanizado, a criança

depara-se constantemente com a linguagem e, aos poucos, dela se apropria por meio das

relações sociais que estabelece com o mundo a seu redor. Da mesma forma que ocorre com as

demais atividades mediadoras, a linguagem aparece inicialmente como um processo

interpsíquico que, ao ser subjetivado, torna-se um processo intrapsíquico. Assim, a linguagem

desenvolve-se, primeiramente, para suprir uma necessidade comunicativa da criança em

relação ao mundo e realiza-se apenas na relação com o outro. A linguagem exterior é,

portanto, uma linguagem para o outro.

Em um segundo momento, a linguagem começa a ser internalizada: a criança exibe

uma fala “egocêntrica”, como se falasse consigo mesma. Essa fala egocêntrica desempenha

um papel fundamental no desenvolvimento infantil, dado que “é tão importante quanto a ação,

para [a criança] atingir um objetivo. As crianças não ficam simplesmente falando o que elas

estão fazendo; sua fala e ação fazem parte de uma mesma função psicológica complexa,

dirigida para a solução de problemas” (VYGOTSKY, 2003, p. 34). O autor explica, então,

que a fala egocêntrica constitui uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. Aos

poucos, a criança internaliza a fala socializada, de modo que esta passa a desempenhar não só

people. A sign is a means for conducting social relations (in the form of communication), including the wide social context of communication. The concrete social relations within which the child participates in communication are the source of the human mind (including volitional-emotional components). In other words, sign as a psychological tool originates in the social situation of development. Moreover, internal activity (sign-mediated mental functions, originally social ones) is essentially different from object-oriented activity (mediated by tools of labor) and is not derivative from it. External (object-related) and internal (mental) activities are essentially different because of the different means of organization and different types of mediation involved.”

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uma função interpessoal, mas também intrapessoal. Vygotsky afirma que o processo de

internalização da fala social ocorre de modo que, num primeiro estágio, a fala acompanha as

ações da criança; num estágio posterior, a fala se desloca em direção ao início do processo, de

forma que passa a preceder a ação. Passa a desempenhar, portanto, a função de planejamento

da ação: “inicialmente a fala segue a ação, sendo provocada e dominada pela atividade.

Posteriormente, entretanto, quando a fala se desloca para o início da atividade, surge uma

nova relação entre palavra e ação” (VYGOTSKY, 2003, p. 37). Uma vez que a criança

aprende a empregar a linguagem para planejar sua atividade, seu campo psicológico

transforma-se radicalmente. Dessa forma, a linguagem egocêntrica é compreendida como uma

das manifestações da transição das funções interpsicológicas para as intrapsicológicas. Essa

transição, como salienta Vygotsky (2001), é uma lei geral do desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, que surgem como formas de atividade externa, socialmente mediada,

para então serem subjetivadas, constituindo atividades internas.

Conforme a criança vai internalizando a linguagem exterior e abandonando a fala

egocêntrica, vai constituindo a linguagem interior. Esta é uma linguagem para si, não para os

outros. Segundo Vygotsky (2001, p. 425), existe uma diferença fundamental entre a

linguagem exterior e a interior: “não se pode admitir nem por antecipação que essa diferença

radical e fundamental de funções dessa ou daquela linguagem possa não ter consequências

para a natureza estrutural de ambas as funções discursivas”. Vale ressaltar que a diferença

entre ambas não está relacionada com a vocalização da palavra, mas sim com a estrutura e a

função de cada uma: “o estudo da natureza psicológica da linguagem interior [...] nos

convenceu de que a linguagem interior não deve ser vista como fala menos som mas como

uma função discursiva absolutamente específica e original por sua estrutura e seu

funcionamento” (VYGOTSKY, 2001, p. 445). Ao internalizar a linguagem, a criança é capaz

de realizar uma fala inteiramente interna. Esse momento caracteriza-se pelo fato de a criança

ter apreendido, da linguagem externa, os aspectos semânticos, os significados, passando a

empregá-los não mais apenas para a comunicação, mas para a organização de seu

pensamento. Assim, a linguagem é fundamental na construção e na organização do

pensamento.

Isso significa que a linguagem não é apenas mediadora na relação entre os indivíduos:

ela é, também, mediadora da relação dialética entre pensamento e palavra. Pode-se afirmar,

consequentemente, que a linguagem é o instrumento do pensamento. É por meio dela que o

pensamento se constitui, se organiza, se expressa. Cabe ressaltar que o pensamento e a fala

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têm raízes diferentes, de modo que existe um estágio pré-intelectual no desenvolvimento da

fala infantil e um estágio pré-verbal no desenvolvimento de seu pensamento. Até determinado

ponto do desenvolvimento da criança, ambas as modalidades seguem linhas diferentes e

independentes, até que as linhas se cruzam, e o pensamento torna-se verbal e a linguagem,

intelectual (VYGOTSKY, 2001). Assim, não existe um vínculo primário entre pensamento e

palavra. Esse vínculo surge, modifica-se e amplia-se no processo de desenvolvimento da

palavra e do pensamento. Pensamento e palavra possuem raízes genéticas diferentes, mas

mantêm uma relação dialética, na qual ambos se constituem mutuamente, apesar de não se

diluírem um no outro. De acordo com Vygotsky (2001a, p. 412):

Por sua estrutura, a linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento, razão pela qual não se pode esperar que o pensamento seja uma veste pronta. A linguagem não serve como expressão de um pensamento pronto. Ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se modifica. O pensamento não se expressa, mas se realiza na palavra.

Partindo da relação dialética entre pensamento e palavra, conclui-se que a palavra com

significado pode ser objeto de análise do pensamento humano, pois contém as características

e propriedades do pensamento discursivo como um todo. O significado constitui, portanto, a

principal unidade de análise das funções psicológicas superiores. A palavra é uma unidade

viva de som e significado, que nunca se refere a um objeto isolado, mas sim a um grupo ou a

uma classe de objetos, compondo sempre como uma generalização ou significação. Conforme

aponta Vygotsky (2001, p. 398): Encontramos no significado da palavra a unidade que reflete de forma mais simples a unidade do pensamento e da linguagem. O significado da palavra [...] é uma unidade indecomponível de ambos os processos e não podemos dizer que ele seja um fenômeno da linguagem ou um fenômeno do pensamento. A palavra desprovida de significado não é uma palavra, é um som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. É a própria palavra vista em seu aspecto interior [...]. Do ponto de vista psicológico, o significado da palavra não é senão uma generalização ou conceito. Generalização e significado da palavra são sinônimos. Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível de pensamento. Consequentemente, estamos autorizados a considerar o significado da palavra como fenômeno do pensamento.

O autor elucida essa questão ao afirmar que o significado da palavra é um fenômeno

do pensamento na medida em que o pensamento está relacionado à palavra e nela

materializado. E é um fenômeno da linguagem na medida em que a linguagem está vinculada

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ao pensamento: “É um fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente, é a

unidade da palavra com o pensamento” (VYGOTSKY, 2001, p. 398, grifo do autor). Ele

aponta que, no campo semântico, os significados correspondem às relações que uma palavra

pode encerrar; no campo psicológico, são generalizações, conceitos. Essas generalizações

permitem uma aproximação dos processos subjetivos, o que faz que os significados, assim

como os sentidos, constituam-se em categorias centrais para a Psicologia Sócio-Histórica.

1.5 Sentido e significado

Apesar de serem categorias distintas, de forma que cada uma apresenta sua

singularidade, sentido e significado travam entre si uma relação dialética na qual se

constituem mutuamente, sendo indissociáveis e impossíveis de serem compreendidos

separadamente. Os significados podem ser definidos como construções ou acordos sociais,

sínteses provisórias, compartilhadas socialmente e elaboradas historicamente. Como aponta

Vygotsky (2001), os significados constituem a unidade da palavra e do pensamento, ou seja,

do ponto de vista psicológico, são conceitos ou generalizações; do ponto de vista semântico,

são acordos sociais acerca das palavras. Portanto, embora sejam relativamente estáveis, pois

permitem a comunicação entre os indivíduos e a socialização de experiências, os significados

transformam-se e desenvolvem-se ao longo da história e nas diferentes relações. O caráter

compartilhado dos significados faz que eles se situem mais no âmbito do social e é nessa

condição que são apreendidos pelos sujeitos (AGUIAR; OZELLA, 2006). Assim, os

significados podem ser compreendidos como definições ou conceitos formados no processo

social e histórico e que são representados pela palavra, o que os coloca em um sistema de

relações objetivas. O significado carrega, portanto, a experiência social. De acordo com

Leontiev (2004, p. 100), o significado “é aquilo que num objeto ou fenômeno se descobre

objetivamente num sistema de ligações, de interações e de relações objetivas. A significação é

refletida e fixada na linguagem, o que lhe confere estabilidade”. Ainda segundo o autor, o

significado: É a generalização da realidade que é cristalizada e fixada num vetor invisível. Ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal, espiritual da cristalização da experiência e da prática sociais da humanidade. A sua esfera das representações é uma sociedade, a sua ciência, a sua língua existem enquanto sistemas de significação correspondentes. A significação pertence, portanto, antes ao mundo dos fenômenos objetivamente históricos. [...] Assim, psicologicamente, a significação é, entrada na minha consciência, o reflexo generalizado da realidade elaborada pela humanidade

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e fixada pela forma de conceitos, de um saber ou mesmo de um saber-fazer. (LEONTIEV, 2004, p. 100-102).

A relação do homem com os múltiplos significados das palavras faz, por sua vez,

surgir o sentido. É na apropriação dos significados sociais que o sujeito constrói

paulatinamente seus sentidos, de maneira que se pode afirmar que o sentido resulta do

confronto entre os significados socialmente acordados e a vivência de cada indivíduo em

particular (AGUIAR; OZELLA, 2006). Dessa forma, o sentido ainda se relaciona aos

aspectos objetivos da palavra, mas se encontra integrado às experiências e às vivências do

indivíduo. Leontiev (2004, p. 102) elucida essa questão: O homem encontra um sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se dele tal como se apropria de um instrumento, esse precursor material da significação. O fato propriamente psicológico, o fato da minha vida, é que eu me aproprie ou não, que eu assimile ou não uma dada significação, em que grau eu assimilo e também o que ela se torna para mim, para minha personalidade; este último elemento depende do sentido subjetivo e pessoal que esta significação tenha para mim.

Assim, ao passo que os significados são compartilhados socialmente, os sentidos são

singulares, pessoais e instáveis, pois são construções de cada sujeito ao longo de sua história

de vida, processados nas relações sociais que estabelece, na articulação entre experiências,

emoções e relações. São, portanto, resultantes da relação dialética existente entre o sujeito e o

mundo histórico e social. Os sentidos contêm, portanto, aspectos objetivos, uma vez que são

constituídos numa relação objetiva entre sujeito e mundo, de modo que se pode dizer que os

significados são a parte mais objetiva dos sentidos. Nas palavras de Leontiev (2004, p. 245),

“o sentido é parte integrante da consciência, sendo pessoal e único para cada indivíduo”.

Ainda segundo autor: “a entrada dessa significação na consciência do indivíduo dá-se de

maneira não conscientizada, ou seja, ela não é pensada [...] o sentido traduz, precisamente, a

relação do sujeito com os fenômenos objetivos conscientizados”, ou seja, traduz a relação do

sujeito com os significados socialmente construídos.

Vygotsky (2001, p. 465) assinala que “o sentido de uma palavra é a soma de todos os

fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma

formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada”. O

significado é, desse modo, a zona mais estável dos sentidos, os quais se encontram mais no

campo do sujeito, de sua singularidade. O sentido é muito mais amplo que o significado, pois

constitui a articulação entre os eventos psicológicos que o sujeito produz em dada realidade

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(AGUIAR; OZELLA, 2006). Um mesmo evento gera diferentes sentidos para cada um dos

indivíduos que dele participam, cada um o percebe por um prisma particular e idiossincrático,

constituído e constituinte de uma teia de sentidos dinâmica e fluida, ainda que sócio-

historicamente construída. O sentido destaca justamente essa singularidade historicamente

construída, razão que permite afirmar sua dinâmica própria: ele traduz a relação subjetiva do

sujeito com os fenômenos objetivos.

De acordo com Rey (2005), os conteúdos referentes aos sentimentos e pensamentos

relacionados às práticas sociais são elementos de sentido subjetivo10, constituídos nas

diferentes relações da vida em sociedade. Assim, o autor define sentido subjetivo como um

sistema complexo e dinâmico, a unidade inseparável dos processos simbólicos e das emoções

num mesmo sistema, no qual a presença de um desses elementos evoca o outro, sem que seja

por ele absorvido. Ainda segundo Rey (apud TACCA, 2005, p. 236), o sentido subjetivo é

“um sistema subjetivo que expressa, de forma única e diferenciada, o valor subjetivo de uma

experiência para um indivíduo e para um espaço social concreto”.

De acordo com Aguiar e Ozella (2006), os significados constituem o ponto de partida

para uma melhor compreensão do sujeito. Por conterem mais do que aparentam, sua análise e

interpretação torna possível caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou

seja, para as zonas de sentido. Sendo os significados a parte mais objetiva dos sentidos, ao

acessar os significados, também se acessam os processos subjetivos, constituídos pelos

sentidos. É impossível apreender os sentidos sem contemplar os significados, assim como é

impossível compreender os significados sem relacioná-los aos sentidos. Aguiar e Ozella

(2006) ressaltam, ainda, que apreender os sentidos não significa alcançar uma resposta única,

definida e coerente, visto que representam a busca de expressões do sujeito que são, muitas

vezes, contraditórias, parciais e complexas. De fato, o sentido não se revela facilmente, pois

não está na aparência e, muitas vezes, o próprio sujeito os desconhece.

No que concerne aos sentidos e aos significados constituídos pelos professores, vale

notar que as relações pedagógicas são constituídas por diversas configurações de sentidos e

significados, produzidas nas relações estabelecidas nos espaços sociais, e os protagonistas

dessas relações não são somente os professores e os alunos, mas todos os envolvidos nas

dimensões dos processos subjetivos que compõem a educação escolar. Entre os possíveis

indicadores da produção de sentidos nas relações escolares, encontram-se a infraestrutura das

10 Rey (2005) emprega a terminologia “sentidos subjetivos” para se referir aos sentidos. Assim, na presente pesquisa, nos momentos em que o texto se pauta pelas ideias desse autor, emprega-se a terminologia por ele utilizada.

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instituições, os aspectos relacionados às condições concretas de trabalho, as relações

estabelecidas entre todos os indivíduos ali presentes, as práticas docentes, a formação dos

profissionais, a gestão educacional, as propostas curriculares e as políticas de

profissionalização docente (STANGHERLIM, 1999). É importante ressaltar que os sentidos

estão em constante movimento de reconfiguração e transformação, de modo que não podem

ser universalizados, uma vez que se configuram em uma determinada realidade escolar, por

indivíduos singulares, com experiências próprias e particulares.

1.6 Subjetividade

A subjetividade é uma categoria compreendida como um sistema de produção e

articulação de sentidos e significados, os quais são constituídos a partir de múltiplos

elementos. Para Leontiev (1978, p. 142), a subjetividade é o que “permite a particularidade do

indivíduo, seja nas esferas constitutivas das funções psíquicas, da atividade, da consciência e,

também da personalidade. O fato da subjetividade referir-se àquilo que é único e singular do

sujeito não significa que sua gênese esteja no interior do indivíduo”. Nessa perspectiva, a

subjetividade é a articulação entre o social e o individual.

Isso se dá porque o processo dialético de apropriação, ou seja, de objetivação e

subjetivação, envolvido na atividade, não ocorre de forma direta: ele é sempre mediado pela

realidade social e histórica. Quando o indivíduo se apropria de seu meio social, o objetivo

transforma-se em subjetivo, um processo que não se dá de maneira imediata, mas mediada

pelos sentidos e significados. Dessa forma, o homem apropria-se da realidade a partir de sua

subjetividade e, dialeticamente, constitui sua subjetividade a partir da realidade social e

histórica. Isso significa que, a partir das relações entre o indivíduo e a realidade, esta se

transforma e transforma também o indivíduo, configurando sua subjetividade.

De acordo com Rey (2005), a subjetividade possui caráter multidimensional, recursivo

e contraditório, tanto em sua dimensão individual quanto social, sendo constituída por

configurações de sentidos subjetivos. Essas configurações se formam quando os elementos de

sentido de diferentes experiências de vida do sujeito emergem no decorrer de uma atividade

praticada por ele, integrando-se umas às outras. A formação social da mente é um processo de

produção de sentidos e significados, não podendo ser entendida como mera interiorização das

condições externas do meio. Ainda segundo o autor:

A teoria da subjetividade que assumo rompe com a representação que constringe a subjetividade ao intrapsíquico e se orienta para uma apresentação da subjetividade que em todo momento se manifesta na

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dialética entre social e individual, esse último representado por um sujeito implicado de forma constante no processo de suas práticas, de suas reflexões e de seus sentidos subjetivos. O sujeito representa um momento de contradição e confrontação não somente com o social, mas também com sua própria constituição subjetiva, que representa um momento gerador de sentido de suas práticas. (REY, 2005, p. 240).

A constituição da subjetividade é um processo complexo, que surge na relação

dialética entre o homem e a sociedade, ou seja, origina-se do movimento social/individual,

por meio do qual o social se subjetiva e o subjetivo se objetiva. Assim, a subjetividade

consiste numa configuração que é, concomitantemente, subjetiva e objetiva. É uma forma

qualitativa de existência do real, irredutível a outros níveis, como o biológico e o social. De

acordo com Bock e Gonçalves (2005, p. 113-114): A subjetividade, processo individual que congrega as experiências do indivíduo, sendo, ao mesmo tempo, consequência e condição dessas experiências, constitui-se nesse mesmo processo. De acordo com a concepção sócio-histórica, a subjetividade é constituída em relação dialética com a objetividade e tem caráter histórico. Isso quer dizer que é na materialidade social que se encontra a gênese das experiências humanas que se convertem em aspectos psicológicos; quer dizer ainda que as experiências individuais e subjetivas são possíveis apenas a partir das relações sociais e do espaço da intersubjetividade, e que esses têm existência e determinação material e histórica; por fim, quer dizer que a subjetividade não está pré-definida em cada indivíduo nem se constitui de processos ou estruturas universais da humanidade. Ao contrário, configura-se como algo que se constitui nessas condições e que está sempre em processo, uma vez que decorre de situações concretas que incluem, necessariamente, a atividade objetiva e subjetiva do indivíduo.

Assim, a dimensão social e a subjetiva, embora diferentes, se constituem mutuamente,

e ambas constituem o sujeito. Na subjetividade, encontram-se articulados o social e o

individual como dimensões de um mesmo processo, que os relaciona e integra, provocando o

desenvolvimento de ambos. Ao constituir sua subjetividade, o indivíduo interage com os

diferentes sistemas de relações sociais e reconfigura, continuamente, sua subjetividade.

Segundo Rey (2005), a subjetividade se organiza por processos e configurações que se

interpenetram continuamente, de modo que estão em constante movimento e

desenvolvimento. Ainda segundo o autor, o sentido subjetivo, constituído a partir de uma

dada experiência do indivíduo, não é a expressão direta da interação entre o indivíduo e a

experiência. Ele é, sim, o resultado de uma reorganização, realizada pelo sujeito, que integra o

interno e o externo de forma dialética, estabelecendo, dessa forma, uma nova dimensão

subjetiva, que se converte também em social.

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Constituindo-se na relação entre o social e o individual – relação que é, sempre,

mediada pelos sentidos e significados – a subjetividade apresenta-se como uma categoria

fundamental para a apreensão de tais sentidos e significados, uma vez que é por eles

constituída. A subjetividade é, portanto, uma categoria de análise central para possibilitar a

compreensão do processo de constituição da singularidade do professor. Segundo Cunha

(2005, p. 203-204): Quando refletimos sobre o processo de constituição do professor no dia a dia da sala de aula [...] constatamos, mais uma vez, que, do ponto de vista de uma análise histórico-cultural, a constituição do professor ocorre de acordo com as vivências e as relações desse profissional, quaisquer que sejam elas. Constatamos, também, que a significação e a produção de sentidos são operações que fundamentam as experiências na sala de aula e que o professor, quando produz seu trabalho ou fala sobre si mesmo, enfatiza aquelas questões que, em um determinado momento, são consideradas por ele, como significativas. Por isso, tais produções podem indicar uma síntese personalizada do processo social de constituição do sujeito. Podemos tomar, assim, o que é falado/pensado/discutido/feito pelo professor em relação às condições de produção do cotidiano da escola e da sala de aula, como indícios da constituição do sujeito. [...] Consideramos que a reflexão, o julgamento e as ações que o professor realiza no cotidiano da escola são vias de significação e produção de sentidos.

Dessa forma, investigar as configurações de significados e sentidos construídas pelo

sujeito acerca de um determinado fenômeno implica investigar o processo de constituição de

sua singularidade, ou seja, de sua subjetividade. O espaço escolar e todas as relações que ali

se desenvolvem representam espaços de desenvolvimento do sujeito e, por conseguinte, da de

sua subjetividade, tornando-se, portanto, necessário contemplá-la quando se busca uma

aproximação entre os sentidos e os significados atribuídos pelos professores às dificuldades

de aprendizagem.

2 Categorias centrais da Clínica da Atividade

Considerando que a atividade de trabalho assume um papel mediador entre o homem e

a natureza – ao agir sobre a natureza, transformando-a de acordo com suas necessidades, o

sujeito também é transformado pelos efeitos e resultados de sua ação –, a análise do trabalho

não pode se restringir a sua dimensão técnica, econômica ou social, justamente por ser,

também, subjetivo e intersubjetivo (DEJOURS; MOLINIER apud CLOT, 2010). Buscando

compreender a atividade de trabalho em suas esferas mais profundas, o pesquisador Yves Clot

e seus colaboradores do Conservatoire National des Arts et Métiers desenvolveram uma

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proposta metodológica para análise do trabalho denominada Clínica da Atividade. Sua base

teórica assenta-se nos postulados de Vygotsky, assumindo, ao mesmo tempo, a tradição da

psicopatologia do trabalho (LE GUILLANT, 1984; BILLIARD, 1998) e da ergonomia

francesa (WISNER, 1995; DANIELLOU, 1996). O objetivo central dessa abordagem é

transformar para compreender e, concomitantemente, compreender para transformar: “sem

esse compromisso, não acreditamos que a análise do trabalho possa trazer alguma coisa a

mais para aquele que a ela se entrega junto conosco” (CLOT, 2001a, p. 7). A preocupação

com a ação e com a transformação das situações de trabalho é, portanto, o que move os

esforços da Clinica da Atividade:

É verdade, que o objetivo é compreender para transformar. Nesse sentido, eu penso que a ergonomia também é Análise, desse ponto de vista. Quer dizer, é um dispositivo de transformação da situação e de restauração da saúde. É por isso que é Clínica: por buscar transformar a situação e também em função do modelo teórico que se adota. Evidentemente, quando dizemos “clínico” em psicologia, pensamos imediatamente no modelo de psicanálise. É por isso que podemos dizer que a psicodinâmica do trabalho, na tradição psicanalítica, é também uma Análise do trabalho. É verdade, eu decidi manter a ideia de “Clínica” ao lado, colada, digamos assim, à de “atividade”. Trata-se de uma Clínica da atividade, porque eu insisto no fato de que não podemos tratar da atividade sem tratar da subjetividade. De certa forma, a diferença entre a ergonomia e a “Análise da Atividade” reside no fato de que atividade e subjetividade são inseparáveis e é essa dupla – atividade e subjetividade – que me interessa na situação de trabalho. Por isso, eu uso o termo “clínico”: clínico do ponto de vista do meu engajamento, do lado da experiência vivida, do sentido do trabalho e do não sentido do trabalho; “clínico” do ponto de vista da restauração da capacidade diminuída. A Análise médica visa restaurar a saúde, e a “Clínica da Atividade” é a ação para restituir o poder do sujeito sobre a situação. Essa ideia eu tomo do meio médico porque eu tenho em conta uma tradição em psicopatologia do trabalho dada pelos trabalhos de Le Guillant, cuja característica é o retomar a Análise sem ter como referência essencial a psicanálise; por isso, eu me interessei por Le Guillant. [...] Trata-se de uma Análise do trabalho porque traz a ideia de que é preciso disciplina: trata-se de Análise, no sentido médico, por ter como objeto uma doença nas situações reais de trabalho. Além disso, baseia-se na ideia de que a psicologia do trabalho parte do campo (da realidade de trabalho) e volta ao campo. Em suma, a ideia é a de que não há psicologia do trabalho sem transformação da situação de trabalho. (CLOT, 2006b, p. 167).

Fica evidente, no trecho acima, que a preocupação de restaurar a saúde do trabalhador

e ampliar seu poder de agir sobre a própria atividade de trabalho assume papel fundamental

nesse processo. Clot define saúde como poder de agir sobre si e sobre o mundo. Para o autor,

a saúde está diretamente ligada à atividade vital de um sujeito, não no sentido de manutenção

da normalidade, mas no de possibilitar-lhe ir além da norma e de instituir normas novas em

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situações novas, permitindo a transformação de uma experiência vivida em forma de se viver

outras experiências. Assim, o objetivo da Clínica da Atividade de restaurar a saúde do

trabalhador implica “aumentar o poder de agir dos coletivos de trabalhadores dentro do

ambiente de trabalho real e sobre si mesmos” (CLOT, 2001a, p. 8).

Segundo Murta (2008), a partir de observações de atividades de trabalho em situações

reais, pesquisadores da ergonomia francesa perceberam que geralmente a atividade realizada

não correspondia ao que era esperado, ou seja, ao prescrito. Assim, a ergonomia francesa tem

distinguido a tarefa prescrita da atividade realizada, considerando existir uma distância entre

aquilo que deve ser feito – a tarefa – e a atividade – aquilo que efetivamente se faz. A tarefa

refere-se, mais precisamente, ao resultado esperado da atividade, ou seja, direciona a

atividade para a obtenção de seus objetivos utilizando determinados meios. É algo prescrito

ao sujeito, que requer dele adaptação às condições de execução da atividade. A tarefa tem

como principais características as descritas a seguir: sempre antecede a atividade; sugere,

implícita ou explicitamente, uma forma de execução do prescrito e, ainda, requer do sujeito

uma dupla atividade: a de elaboração mental e a manual. Envolve, dessa forma, como

determinantes no trabalho, aspectos institucionais e normativos, formais e informais

(FERREIRA, 2000). No entanto, segundo Clot (2004), a tarefa não considera as relações entre

o objeto e o meio, ou seja, o prescrito não considera as inúmeras variáveis que podem vir a

constituir a atividade. A tarefa é, portanto, incapaz de contemplar a multiplicidade de

possibilidades de atividades que a perpassam, de modo que só se transforma em atividade

porque o sujeito não se limita a suas imposições. Logo, é preciso deliberadamente transcender

o anunciado na tarefa para que se possa realizá-la. Clot (2001) denomina atividade realizada

aquela que efetivamente ocorreu, ou seja, a atividade passível de ser observada ao longo de

sua realização. Assim, a atividade realizada diz respeito à “atualização de uma das atividades

realizáveis, na situação em que ela surge. [...] dentro dessa situação, o desenvolvimento da

atividade que venceu é dirigido pelos conflitos entre as atividades concorrentes, que poderiam

ter realizado a mesma tarefa a outros custos” (CLOT et al., 2001, p. 17).

Com base na categoria “atividade”, tal como proposta por Leontiev (2004), bem como

na percepção da distância existente entre tarefa e atividade realizada, Clot (1999; 2001)

avança, ao considerar a atividade sob um espectro mais amplo, destacando que atividade

realizada e atividade real não coincidem. O autor apresenta uma perspectiva de atividade que

não se restringe apenas às ações que foram de fato realizadas, mas também às ações que não o

foram. Propõe, então, a distinção entre atividade real – que indica o que foi realizado e inclui

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tudo o que é observável, ou seja, todas as ações efetivamente desenvolvidas durante o

trabalho – e real da atividade – que designa não só o que foi feito, como também aquilo que

não o foi, que se tentou fazer sem conseguir, que se gostaria de ter feito, que foi feito para

evitar fazer o que deveria ser feito. Assim, atividade é muito mais do que aquilo que foi

efetivamente realizado. Clot (2010, p. 66) recorre à teoria de Vygotsky para explicar que “o

homem está repleto, a cada instante, de possibilidades não realizadas” e que o comportamento

observado se limita sempre ao “sistema de reações vencedoras”. Assim, a atividade oculta,

impedida ou retirada, não está de modo algum ausente. Ela pesa sobre a atividade realizada,

pois ela é apenas a atividade que “venceu” entre inúmeras outras possíveis. Essas últimas,

ainda que não tenham sido escolhidas, permanecem suspensas, impedidas ou contrariadas,

tencionando a atividade realizada e, nessa medida, são dela constitutivas. Por essa razão,

devem ser também incluídas na análise. Segundo Clot (1999, p. 75): [...] a atividade não é apenas aquilo que se faz, mas também o que não se faz, o que não pode ser feito, o que se busca fazer sem lograr êxito (os fracassos), o que poderia ter sido feito, o que se desejou fazer, o que se pensa ou se sonha fazer em outra ocasião, o que fazemos para não fazer o que deve ser feito, o que fazemos sem querer fazer, o que está para ser refeito, o que foi suspenso, o não realizado.

Para Clot (2006, p. 115-116), “as reações que não venceram, as que foram mais (ou

menos) reprimidas, formam resíduos incontrolados, cuja força é apenas suficiente para

exercer uma influência na atividade do sujeito, mas contra a qual ele pode ficar sem defesa”.

Ainda segundo o autor, a atividade possui um conteúdo que ultrapassa a atividade

efetivamente realizada e encontra-se repleta de conflitos que a constituem e tencionam: “a

atividade é uma provação subjetiva, mediante a qual o indivíduo avalia a si próprio e aos

outros, para ter a oportunidade de vir a realizar o que deve ser feito” (CLOT, 2010, p. 104).

Fica clara, portanto, a importância de considerar a atividade de forma ampliada, ressaltando

que ela não se limita ao que pode ser observado: abrange uma série de aspectos não

observáveis, mas que, nem por isso, deixam de constituir e tencionar o que se observa. A

Clínica da Atividade pretende, justamente, conhecer as possibilidades e os conflitos que

tencionam e constituem a atividade, por meio de sua transformação. O objetivo, assim, é

transformar a atividade para compreendê-la, uma vez que os conflitos e as possibilidades não

realizados, constituintes da atividade, não se revelam por meio da simples observação:

revelam-se apenas nos movimentos, em sua dinâmica de desenvolvimento.

A atividade – constituída pela tarefa, pela atividade real e pelo real da atividade –

marca, portanto, o distanciamento entre o que é prescrito e o que é efetivamente realizado.

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Essa distinção entre prescrito e realizado não é imediata: ela é mediada pelo gênero

profissional, um corpo de avaliações compartilhadas, que regulam a atividade profissional de

forma tácita (CLOT, 2001). Trata-se de um corpo social e simbólico, que se interpõe entre a

organização do trabalho e o próprio sujeito, uma espécie de memória impessoal e coletiva,

mobilizada pela ação, para indicar formas de se comportar profissionalmente. Essas formas de

se relacionar com as coisas e com as pessoas em determinado ambiente de trabalho integram

um repertório de atos adequados (ou inadequados), produzidos e conservados na história

desses ambientes. O gênero remete, desse modo, à “história de um grupo e a uma memória

impessoal de um local de trabalho” (CLOT, 2006, p. 38) e faz-se presente por meio das

prescrições institucionais, que estabelecem normas, papéis, obrigações e condutas e

determinam as atividades, apesar da dimensão subjetiva dos trabalhadores envolvidos (CLOT,

2006; CLOT et al., 2001). Se, por um lado, essas normas tácitas são restritivas, elas são

também um recurso da vida profissional, pois ajudam o sujeito a se situar e a saber como agir

em cada situação de trabalho. De acordo com Clot (2001c, p. 2): É, portanto, de forma essencialmente impessoal, que o gênero profissional exerce uma função psicológica na atividade de cada indivíduo. O gênero organiza as atribuições e as obrigações, definindo essas atividades independentemente das propriedades subjetivas dos indivíduos que as desempenham em determinado momento. Ele não regula as relações intersubjetivas, mas, sim, as relações interprofissionais.

O gênero consiste em um “trabalho de reorganização da tarefa pelos coletivos

profissionais, uma recriação da organização do trabalho pelo trabalho de organização do

coletivo” (CLOT et al., 2001, p. 18). Nessa perspectiva, o gênero profissional é o instrumento

coletivo da atividade, pois permite colocar os recursos da história acumulada a serviço da

atividade profissional em curso. Para o autor, o gênero desempenha um papel central no

desenvolvimento do poder de agir dos trabalhadores, uma vez que “apenas os coletivos

podem operar transformações duradouras em seus ambientes de trabalho” (CLOT et al., 2001,

p. 17).

Tendo em vista essas considerações, o gênero profissional assume uma função

essencial na mobilização psicológica da atividade de trabalho, dado que regula a ação dos

sujeitos nas atividades, apresentando-se como uma espécie de “guia” para a atividade e

contribuindo para minimizar a incidência de erros diante de inúmeras possibilidades. O

gênero define a filiação a um grupo profissional e orienta a ação nesse grupo, “oferecendo,

fora dessa ação, uma forma social que a representa e a precede, prefigura-a e, desse modo, a

significa” (CLOT, 2010, p. 125). Assim, o gênero designa maneiras de ver e agir sobre o

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mundo consideradas adequadas no grupo, ou seja, constitui significações comuns a um

determinado coletivo profissional: “Trata-se de um sistema flexível de variantes normativas e

de descrições [...] que nos diz como funcionam aqueles com quem trabalhamos, como agir ou

abster-se de agir em situações precisas, e como conduzir a bom termo as transações

interpessoais exigidas pela vida em comum...” (CLOT, 2010, p. 125). Dessa forma, o gênero

desempenha uma função psicológica importante no que se refere às relações interpessoais da

atividade de trabalho.

É interessante ressaltar que, ao mesmo tempo em que é resultante de um processo de

construção coletiva inesgotável, o gênero é também mediação constitutiva da atividade

profissional. Entretanto, o corpo simbólico de normas, procedimentos e prescrições

representado pelo gênero não é apropriado da mesma maneira por todos os profissionais: ele é

objeto de ajuste e retoque por parte daqueles que o constituem. Segundo Clot (2010), a

estabilidade do gênero é sempre transitória, uma vez que ele é um meio para agir com

eficácia, é constantemente submetido à prova da realidade, de modo que se encontra em

constante transformação. Isso porque os sujeitos não aplicam todas as normas contidas no

gênero: eles as adaptam, ajustam, modificam, provocando o aperfeiçoamento do gênero

profissional (CLOT, 2006). O trabalho de ajuste e reelaboração do gênero para transformá-lo

em instrumento de ação é denominado estilo da ação, uma espécie de libertação de certas

imposições genéricas, de atividades prescritas, sem negá-las, mas desenvolvendo-as de

formas diferentes. De acordo com Davis e Aguiar (2009, p. 8): [...] o estilo pessoal está relacionado ao sentido da atividade para o próprio sujeito, dizendo respeito à subjetividade do indivíduo e, tal como ele, constituída social e historicamente. [...] O estilo pessoal é um “jeito” de fazer singular e, ao mesmo tempo, social e histórico. É ele que, de certa forma, contribui para o movimento contínuo e constante de renovação e reconstrução do gênero que, ao ser interiorizado, colabora para a transformação do próprio sujeito. Compreender o estilo é apreender o gênero, porque um constitui o outro.

O estilo não consiste apenas em “libertar-se do gênero profissional, desenvolvendo-o

[...] a libertação do sujeito para agir não está unicamente voltada para o coletivo e suas

obrigações; está voltada também para si mesmo” (CLOT, 2010, p. 128). Assim, Clot et al.

(2001) consideram que o estilo se define como uma dupla libertação do indivíduo, pois, ao

estilizar o gênero na atividade de trabalho, ele liberta-se, simultaneamente, da história

impessoal e pessoal. Em relação à primeira, é essencial o afastamento do corpo simbólico

socialmente imposto, para que o sujeito possa realizar a atividade, imprimindo nela suas

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particularidades, ao modificar falas, condutas e procedimentos. Simultaneamente, ocorre

também a libertação da história pessoal do indivíduo, ou seja, “seus esquemas pessoais

também são pressionados a se mobilizarem para buscar o melhor ajuste de acordo com o

sentido que confere à atividade e perseguindo a eficiência das operações” (CLOT et al. 2001,

p. 19). Esse movimento de emancipação possibilita o desenvolvimento do indivíduo por lhe

permitir aumentar seu poder de ação sobre o meio e sobre si mesmo (CLOT, 2004; CLOT et

al., 2001).

Além de permitir ao sujeito ampliar seu poder de ação sobre a própria atividade ao

estabelecer variações do gênero, o estilo é capaz de, concomitantemente, transformar o

gênero, na medida em que é por ele validado e “absorvido”. O estilo pessoal constitui-se na

forma como o sujeito se apropria do gênero, de modo que o gênero se movimenta e se

desenvolve a partir de estilos. Segundo Clot (2010, p. 126), o “estilo pessoal é, antes de mais

nada, a transformação dos gêneros na história real das atividades no momento de agir em

função das circunstâncias”. Ambos, gênero e estilo, constituem-se dialeticamente, de modo

que existe “uma função psicológica dos gêneros sociais, assim como existe uma função social

dos estilos individuais” (CLOT, 2001, p. 3).

Outro conceito proposto por Clot (2006, p. 181) é o de catacrese, definida como a

atribuição de novas funções aos instrumentos, consistindo em um uso desviado e, ao mesmo

tempo, inventivo de uma ferramenta: “a função do conjunto de ferramentas se vê afetada por

uma atividade de reconcepção ou de recriação de técnicas, cujo uso é deslocado ou

subvertido. Chamamos de catacrese essa atribuição de novas funções às ferramentas, esse uso

desviado que se faz dela”.

De acordo com Fonseca (2010), a catacrese, ao ultrapassar o uso previsto dos

instrumentos de trabalho, amplia as possibilidades de emprego desses instrumentos e lhes

atribui novas funções, enriquecendo-os. Assim, a catacrese “não deve ser interpretada como

um erro ou um desvio pois, sendo elaborada pelo trabalhador, tem por finalidade mantê-lo

vinculado as suas ocupações” (FONSECA, 2010, p. 114). É importante ressaltar que os

instrumentos e as ferramentas não designam apenas objetos materiais: eles também se referem

a instrumentos psicológicos, como a linguagem, as diversas formas de contar e calcular, os

planos, os mapas e todos os signos possíveis (CLOT, 1993). Dessa forma, as catacreses

ocorrem tanto em relação aos instrumentos materiais como aos psicológicos. Para designar

essa dupla orientação, Clot (2001) estabelece uma distinção entre catacreses centrífugas ou

centrípetas, sendo aquelas dirigidas prioritariamente para o mundo, ao passo que estas se

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voltam principalmente para o próprio sujeito. Entretanto, ao modificar o uso previsto para

uma ferramenta, ambas agregam-lhe uma nova função psicológica, necessariamente diferente

da prevista.

As categorias propostas pela Clínica da Atividade discutidas acima representam

constructos teóricos importantes para fundamentar a compreensão da atividade de trabalho.

Assim, tais categorias, articuladas com as da Psicologia Sócio-Histórica, embasam o processo

de investigação e análise acerca da atividade docente empreendido nesta pesquisa.

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CAPÍTULO III

MÉTODO 1 Pressupostos metodológicos

Este capítulo tem como objetivo apresentar os pressupostos metodológicos que

orientaram toda a trajetória do processo de pesquisa. Com base em tais pressupostos, pautados

pelo método materialista histórico e dialético e tendo em vista o problema aqui investigado –

os sentidos e os significados atribuídos pelos professores às “dificuldades de aprendizagem” –

foram definidos instrumentos, técnicas e procedimentos de levantamento de dados, bem como

procedimentos de análise dos dados levantados. Tais elementos são também apresentados no

presente capítulo.

1.1 Psicologia Sócio-Histórica

Considerando que a presente pesquisa tem sua fundamentação teórica e metodológica

na Psicologia Sócio-histórica e no Materialismo Histórico e Dialético, o método aqui

empregado pauta-se pelas considerações metodológicas desenvolvidas por Vygotsky (2003)

com base nos postulados de Marx e Engels (1845). Ao estudar os aspectos metodológicos de

diferentes abordagens de investigação e pesquisa em Psicologia nas primeiras décadas do

século XX, Vygotsky afirmou que a Psicologia vigente na época, baseada principalmente em

modelos teóricos e metodológicos (experimentais) pautados em estruturas do tipo estímulo-

resposta, seria inadequada ao estudo das formas superiores, tipicamente humanas, de

comportamento. Segundo o autor, todos os métodos do tipo estímulo-resposta pressupõem

que a relação entre comportamento e natureza é unidirecionalmente reativa. O autor e seus

colaboradores partilhavam da concepção dialética marxista que admite “a influência da

natureza sobre o homem, mas afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria,

através de mudanças nela provocadas, novas condições para sua existência” (VYGOTSKY,

2003, p. 80).

Ao admitir essa relação dialética entre homem e natureza, tornava-se imprescindível

delinear um método adequado a essa concepção. Vygotsky revelou, assim, a necessidade de

um método de investigação capaz de fazer a mediação entre o método materialista histórico e

os fenômenos psíquicos. O método dialético de Marx e Engels proporcionou a Vygotsky a

base para a discussão dos problemas teóricos e metodológicos da Psicologia, bem como para

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a elaboração de um método de investigação capaz de abarcar a complexidade do que ele

compreendia como objeto da Psicologia, ou seja, o homem e suas funções psicológicas

superiores. De acordo com Vygotsky (2003, p. 80), o método dialético “representa o

elemento-chave de nossa abordagem do estudo e interpretação das funções psicológicas

superiores do homem e serve como base dos novos métodos de experimentação e análise que

defendemos”. Ele postulou, então, três princípios básicos que norteiam sua abordagem de

investigação e análise de tais funções.

O primeiro desses princípios prescreve que a análise deve focar processos e não

resultados. Vygotsky (2003, p. 81) traçou uma distinção entre essas duas modalidades e

considerou que a primeira “requer uma exposição dinâmica dos principais pontos

constituintes da história dos processos”, pois os processos psicológicos não são estanques e,

portanto, sofrem necessariamente mudanças ao longo de seu desenvolvimento. Dessa forma, a

tarefa básica da pesquisa é fazer que o processo analisado retorne a seus estágios iniciais,

reconstruindo-os, a fim de compreendê-lo.

O segundo princípio metodológico postula que a análise deve redundar em

explicações e não em descrições dos fenômenos estudados. Vygotsky (2003, p. 83) cita Marx

ao defender a necessidade de explicar os processos e não apenas descrever seus aspectos

externos: “se a essência dos objetos coincidisse com a forma de suas manifestações externas,

então, toda ciência seria supérflua”. Considera-se, aqui, o fato de que fenômenos de aparência

bastante similar podem ter relações dinâmico-causais radicalmente diferentes, ou seja,

apresentar diferenças internas ocultadas por similaridades externas. Assim, a tarefa de análise

torna-se a de revelar essas relações, explicitando a essência dos fenômenos psicológicos e não

só suas características perceptíveis, de modo que se possa compreender sua gênese e suas

relações dinâmico-causais.

O terceiro princípio metodológico trata dos comportamentos fossilizados, definidos

como “processos que passaram através de um estágio bastante longo do desenvolvimento

histórico e fossilizaram-se” (VYGOTSKY, 2003, p. 84). Em função de sua origem remota e

constante repetição, tais formas fossilizadas tornaram-se mecanizadas e perderam sua

aparência original, de modo que nada, em sua aparência externa, revela sua natureza interna.

Logo, para compreendê-las, é preciso compreender antes de tudo sua origem e sua

constituição. Para tanto, o pesquisador precisa romper o caráter automático, mecânico e

fossilizado dessas formas e buscar reconstruir os estágios do processo que levaram a sua

cristalização. Tudo isso implica retornar à origem do desenvolvimento de uma determinada

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estrutura e estudar o fenômeno historicamente, ou seja, em seu processo de mudança

(VYGOTSKY, 2003, p. 86).

Tendo como fundamentos norteadores do método de investigação e análise dos

fenômenos psicológicos os três princípios já explicitados, Aguiar e Ozella (2006, p. 5)

acrescentam: “nossa tarefa, portanto, é apreender as mediações sociais constitutivas do

sujeito, saindo assim da aparência, do imediato, indo em busca do processo, do não dito, do

sentido”. Os autores destacam que a adoção dessa perspectiva leva a uma crítica radical das

visões reducionistas (tanto objetivistas quanto subjetivistas), à discussão sobre aparência-

essência, à importância da noção de processo e de historicidade. Em consonância com tais

postulados, os pesquisadores desenvolvem uma proposta metodológica para estudar uma parte

importante da consciência humana: os sentidos constituídos pelos sujeitos. Aguiar e Ozella

(2006, p. 10) esclarecem, no entanto, que “a apreensão dos sentidos não significa

apreendermos uma resposta única, coerente, absolutamente definida, completa, mas

expressões do sujeito muitas vezes contraditórias, parciais, que nos apresentam indicadores

das formas de ser do sujeito, de processos vividos por ele”.

Tal proposta emprega entrevistas e relatos de história de vida dos sujeitos como

instrumentos de coleta de dados, tendo em vista seu potencial de permitir acesso a

determinados processos psíquicos, mais especificamente aos sentidos e significados atribuídos

pelos sujeitos a um dado evento. Contudo, para que tais conteúdos sejam acessíveis, é preciso

que as entrevistas sejam claras, consistentes, amplas e recorrentes, ou seja, a cada entrevista,

após uma primeira leitura, o entrevistado deve ser consultado a fim de eliminar dúvidas e

aprofundar reflexões. Um plano de observação – capaz de permitir a identificação de

indicadores não verbais ao longo das entrevistas – também é indicado, bem como a

complementação por outros materiais, tais como filmagens, observações e desenhos, a fim de

enriquecer o processo de análise. Aguiar e Ozella (2006, p. 12) consideram que: A palavra com significado é a primeira unidade que se destaca no momento ainda empírico da pesquisa. Partimos dela, sem a intenção de fazer uma mera análise das construções narrativas, mas com a intenção de analisar o sujeito. Assim, temos que partir das palavras inseridas no contexto que lhe atribui significado, entendendo aqui como contexto desde a narrativa do sujeito até as condições histórico-sociais que o constituem.

Assim, após a realização e a transcrição das entrevistas, o pesquisador deve iniciar o

processo de análise que envolve a identificação de pré-indicadores, de indicadores e de

núcleos de significação. Esse processo está detalhadamente descrito mais à frente, na seção

“Procedimentos de análise”.

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1.2 Clínica da Atividade

Embasados na teoria vygotskiana e pautados pelos princípios do método Materialista

Histórico e Dialético, Yves Clot (2001) e seus colaboradores do Conservatoire National des

Arts et Métiers (CNAN) desenvolveram uma abordagem teórica e metodológica denominada

Clínica da Atividade, que busca compreender, de forma ampla, a atividade e a dinâmica de

ação dos trabalhadores. O principal pressuposto dessa abordagem consiste na ideia de que não

só é preciso compreender para transformar, mas também é preciso transformar para

compreender. Para tanto, desenvolveram um método de estudo e análise da atividade de

trabalho denominado autoconfrontação simples (ACS) e autoconfrontação cruzada (ACC),

que assume a forma de uma atividade reflexiva dos trabalhadores sobre seu próprio trabalho e

busca possibilitar a aumento do poder de agir desses trabalhadores sobre a própria atividade.

Nas palavras dos autores: [...] esse método visa, acima de tudo, criar um quadro de referência que permita o desenvolvimento da experiência profissional dos profissionais envolvidos no trabalho de análise [...] essa metodologia privilegia o aumento do poder desses coletivos (de trabalho) de transformar os objetivos, os meios e os conhecimentos de sua atividade profissional. (CLOT et al., 2001, p. 3-5).

O método em questão utiliza imagens como principal suporte das observações e

propõe como fundamental a possibilidade de que os trabalhadores possam se tornar

observadores da própria atividade, uma vez que, depois de realizadas a observação e a análise,

a experiência passada (já analisada) pode se transformar em novas formas de viver situações

presentes ou futuras. Isso significa que o processo de observação e análise da própria

atividade pode possibilitar uma ressignificação do fazer, promovendo transformações e

aumentando o poder de agir do sujeito sobre sua atividade profissional. De acordo com Clot

(2001, p. 3): A análise do trabalho é um recurso para sustentar uma experiência coletiva de modificação do trabalho feita por aqueles que o fazem. [...] O objetivo da Clínica da Atividade não é, portanto, a observação, mas o desenvolvimento, entre os trabalhadores, da observação de sua própria atividade: uma mudança dos protagonistas da observação.

A fim de alcançar essa mudança nos protagonistas da observação, Clot propõe que o

método de investigação e análise da atividade envolva três fases. A primeira trata da

constituição de um grupo de análise: “é preciso começar por um longo trabalho de observação

das situações e dos ambientes profissionais, para produzir concepções compartilhadas com os

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trabalhadores” (CLOT, 2001, p. 4). A partir dessas concepções, o coletivo de trabalho escolhe

o grupo cuja atividade será analisada, bem como as sequências de atividades que serão

filmadas, de forma que a construção da análise é feita coletivamente.

A segunda fase do método consiste na realização das filmagens a das sessões de ACS

e ACC. As filmagens registram os trabalhadores desenvolvendo sua atividade de trabalho. A

partir dessas imagens, realiza-se então o processo de autoconfrontação. A ACS refere-se à

interação entre o pesquisador e o sujeito da atividade perante as imagens. Nesse momento, o

sujeito vê, analisa, comenta com o pesquisador e explica as imagens de seu trabalho. O sujeito

busca explicar o que fez e por que o fez, além de refletir e discorrer sobre o que poderia (ou

não) ter feito de outra forma. O papel do pesquisador, aqui, é o de tecer conjecturas e pontuar

o discurso do sujeito com trechos do filme, buscando “mostrar ao sujeito que a minúcia da

observação da atividade realizada é um meio de ter acesso ao real da atividade” (CLOT Et al.,

2001, p. 4). As sessões de ACS são também registradas em filme, de forma a enquadrar de

frente o sujeito e as cenas analisadas.

A ACC consiste na interação do pesquisador com dois sujeitos e as imagens da

atividade registrada. As sessões também são inteiramente filmadas, com os dois sujeitos

enquadrados de frente. Nesse momento, é apresentada, sucessivamente, a filmagem de cada

um deles em atividade, cabendo ao pesquisador solicitar, sistematicamente, comentários por

parte do sujeito que está assistindo à filmagem da atividade de seu colega. Assim, o sujeito

cuja atividade está sendo analisada é confrontado com os comentários e as reflexões de seu

colega sobre sua própria atividade. A seguir, os papéis são invertidos, de modo que ambos os

sujeitos tenham oportunidade de analisar a própria atividade e a de seu par.

De forma geral, é comum que, na ACS, o sujeito recorra ao gênero profissional para

encontrar argumentos capazes de justificar sua atividade, ou seja, ele tende a lançar mão das

prescrições genéricas que orientam a atividade analisada. Entretanto, na ACC, o sujeito se

confronta com comentários e questões colocados por um colega pertencente ao mesmo gênero

profissional, de modo que não lhe é mais possível servir-se das prescrições genéricas para

justificar sua atividade, o que o leva a recorrer ao estilo pessoal na busca de explicar suas

escolhas. O material filmado durante as sessões de autoconfrontação é editado, sendo

realizada uma montagem com o material filmado e validado pelo grupo, o que encerra a

segunda fase do método. A terceira fase estende o trabalho de análise para o coletivo

profissional: A partir do conjunto de dados produzidos durante os momentos anteriores, o coletivo coloca-se novamente no trabalho de análise, estabelecendo um

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círculo entre o que os trabalhadores fazem e o que afirmam fazer, em busca do real da atividade. Busca-se reencontrar, a partir das imagens daquilo que foi feito e daquilo que os profissionais dizem que fizeram, aquilo que poderia ter sido feito. Enfim, é uma forma de análise do trabalho que assume a forma de um empreendimento que parte do concreto – a atividade – para, via reflexão e análise, ampliar, para o coletivo, a visão acerca de seu próprio trabalho. (RACHMAN et al., 2011, p. 21).

Como fica claro na proposta da Clínica da Atividade elucidada acima, Clot e seus

colaboradores realizam a investigação e a análise da atividade com coletivos de trabalhadores.

Na França, onde ocorre boa parte das pesquisas realizadas segundo essa abordagem

metodológica, existe uma demanda dos próprios coletivos profissionais para que esse tipo de

pesquisa/intervenção se realize. Entretanto, no Brasil, a realidade é bastante diversa, e as

pesquisas que buscam analisar a atividade docente segundo a proposta da Clínica da

Atividade não puderam, ainda, ser feitas de acordo com todas as prerrogativas da proposta

original. Assim, o método proposto por Clot tem sido adaptado ao contexto educacional e

social vivenciado pelos pesquisadores brasileiros. Pesquisas recentes (MURTA, 2008;

DAVIS; AGUIAR, 2009; SOARES, 2011) realizadas com base nesse método e voltadas para

a investigação de diversos aspectos da atividade docente têm procurado seguir, tanto quanto

possível, os procedimentos propostos por Clot e seus colaboradores. Rachman et al. (2011, p.

23) argumenta, contudo, que nem sempre tem sido possível empregar todos os procedimentos: Principalmente no que se refere à primeira etapa do método, ou seja, a organização de um coletivo de trabalhadores engajados no processo de análise da atividade, ainda não tem sido possível, na realidade das pesquisas nacionais, alcançar tal nível de colaboração. No contexto presente, os pesquisadores têm realizado o processo de autoconfrontação com professores que se disponibilizem a participar do projeto, e não com aquela indicada pelos coletivos profissionais, dada a inexistência, até o momento, de uma demanda coletiva por intervenções dessa espécie. Da mesma forma, a escolha e edição dos episódios filmados a serem analisados tem sido realizada por pesquisadores, bem como a análise das sessões de autoconfrontação.

É importante ressaltar que, na presente pesquisa, não foi empregado o método

completo da autoconfrontação, conforme proposto por Clot e seus colaboradores. Da mesma

forma que Murta (2008) e Soares (2011), foram realizados aqui os processos de ACS e ACC,

sem, no entanto, recorrer ao coletivo profissional na escolha dos sujeitos participantes ou das

cenas analisadas. Pode-se dizer, assim, que apenas a segunda etapa do método de Clot foi

seguida, abdicando-se da primeira e da terceira etapas. Lousada (2006, p. 126) discorre acerca

das diferenças entre as pesquisas que seguem esse método na França e no Brasil. Em sua

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pesquisa de doutorado, a autora empregou apenas a técnica da ACS, mas crê que a restrição

da proposta não acarreta a perda da validade do material colhido: Surge, assim, a questão da validade dos nossos procedimentos de realização das ACS. Mesma estando conscientes das diferenças e reconhecendo o interesse em realizar esse procedimento tal como é desenvolvido na França, acreditamos que as análises feitas nos parecem confirmar a validade de nosso processo de realização das ACS.

Considera-se, portanto, que, embora o método francês tenha sido submetido a

adaptações no contexto brasileiro, ele não perdeu seu valor ou sua especificidade. Seu

emprego em trabalhos realizados aqui mantém os pressupostos fundamentais, além do

objetivo de promover o desenvolvimento da atividade por meio da análise feita por aqueles

que a exercem, propiciando aos sujeitos envolvidos refletir sobre sua atividade profissional,

ressignificando-a e transformando-a, aumentando, assim, seu poder de agir. As pesquisas

feitas com esse método têm indicado que, apesar das adequações necessárias ao contexto

nacional, o processo de autoconfrontação pode se constituir em um importante instrumento de

pesquisa e formação docente. Ao tratar dos resultados de sua pesquisa, na qual empregou o

método da autoconfrontação, Soares (2011, p. 282) afirma que: Não podemos deixar de reconhecer que, ao passar por um marcante processo de autoconfrontação, vivendo, com isso, um intenso movimento de reflexão, o sujeito não deixa de ressignificar algumas de suas ações. Com isso, queremos ressaltar que, embora a professora tenha demonstrado, em alguns momentos das autoconfrontações, indícios de resistência em relação às mudanças no modo como operacionaliza a sua prática, noutros ela demonstrava-se aberta a possíveis mudanças, chegando, inclusive, a ponto de tecer críticas a seu modo de realizar algumas ações.

O autor complementa, ainda, que a pesquisa de autoconfrontação, “além de apresentar

um grande potencial de explicação do real, produzindo novos conhecimentos sobre a

realidade estudada, também pode contribuir para possíveis intervenções, gerando, com isso,

movimentos no sujeito” (p. 283).

2 Procedimentos metodológicos

2.1 Local

A coleta de dados foi realizada em uma escola municipal de Ensino Fundamental do

ciclo I. A escolha da escola em questão se deu por dois motivos. O primeiro foi a imensa

dificuldade percebida em realizar a pesquisa em alguma escola existente na cidade de São

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Paulo, onde foram realizados numerosos contatos com diversas escolas da rede pública de

Ensino Fundamental. Tais contatos se mostraram infrutíferos, uma vez que as escolas em

questão apresentaram diferentes argumentos para justificar a impossibilidade da pesquisa se

realizar em seu interior. Algumas escolas recusaram logo de início, outras após a reunião com

diretores e professores, nas quais eram explicitados os objetivos e o método de coleta dos

dados.

Dada essa enorme dificuldade em conseguir uma escola cujos professores se

disponibilizassem a participar da pesquisa, passou-se a considerar a possibilidade de realizar a

coleta de dados em uma instituição fora da cidade de São Paulo, partindo da hipótese de que

em tal metrópole os professores da rede pública de ensino se encontram em uma situação

mais complexa, repleta de problemas e exigências que dificultam sua participação em um

projeto que exigiria ainda mais de seu tempo e disponibilidade. Considerando ainda que o

problema de pesquisa poderia ser investigado em praticamente qualquer escola de Ensino

Fundamental, uma vez que, de acordo com a literatura, os professores se deparam com alunos

que eles consideram apresentar alguma “dificuldade de aprendizagem” em qualquer tipo de

ambiente escolar, decidiu-se que a coleta de dados poderia ocorrer em uma instituição

localizada em outra região.

O município de Lençóis, no estado da Bahia, foi então escolhido em função de seu

tamanho reduzido e ao fato de a pesquisadora frequentar sazonalmente tal localidade. Em

oposição à realidade encontrada na cidade de São Paulo, as tentativas de contato com escolas

de Ensino Fundamental no município em questão foram altamente frutíferas. A pesquisadora

foi extremamente bem recebida nas escolas, nas quais teve a oportunidade de apresentar o

projeto de pesquisa de forma detalhada, além de ter encontrado diversos professores dispostos

a colaborar. Estes demonstravam não apenas disponibilidade, mas também interesse,

disposição e até certo orgulho de fazer parte de uma pesquisa de doutorado vinculada a uma

instituição de renome. Ao contrário do cenário encontrado em São Paulo, os professores não

se mostravam saturados de problemas, mas animados e interessados.

A partir dessa recepção calorosa e interessada, foi definido como local de coleta de

dados uma escola municipal de Ensino Fundamental, a maior do município. Convém

esclarecer que o principal aspecto que motivou a escolha dessa instituição foi o acolhimento e

a gentil recepção com a qual a pesquisadora deparou-se desde o início. Todo o corpo de

funcionários e docentes da instituição mostrou-se sempre bastante cordial e acessível, de

modo que se estabeleceu uma relação bastante próxima e amigável. Diversas vezes, a

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pesquisadora foi convidada para almoços coletivos e outras atividades extracurriculares, nas

quais foi possível confraternizar com a equipe docente. De igual modo, a pesquisadora foi

convidada a assistir às reuniões pedagógicas semanais. A presença nas reuniões que se

realizaram durante o processo de coleta e produção de dados permitiu maior aproximação

com a realidade da escola.

2.2 Sujeito

A definição do sujeito de pesquisa ocorreu quando o projeto foi apresentado à equipe

gestora da escola selecionada. Realizou-se uma reunião com a diretora e a coordenadora

pedagógica a fim de explicar os objetivos da pesquisa e os procedimentos que seriam

empregados, bem como elaborar o cronograma das atividades que ocorreriam no espaço

escolar. Isso feito, a diretora e a coordenadora pedagógica indicaram uma professora que,

segundo elas, se interessaria em colaborar no processo de investigação. Ainda de acordo com

esses atores, a professora apresentaria disponibilidade para refletir a respeito de sua atividade

docente.

Foi realizada, então, uma segunda reunião, dessa vez apenas com a professora

indicada, com o intuito de apresentar os objetivos e procedimentos metodológicos da pesquisa

e, ainda, de verificar seu interesse em se envolver no estudo. Nessa reunião, foi abordada a

questão da importância de contar com um professor que quisesse analisar sua prática

pedagógica e refletir sobre ela, já que essa atitude era essencial para o processo de

autoconfrontação. A professora prontamente anuiu em participar da pesquisa, dizendo-se

disposta a analisar e a refletir sobre sua atuação profissional. A seguir, foram agendados os

dias e os horários nos quais seriam realizadas as observações e as filmagens das aulas. Nessa

mesma ocasião, foram distribuídos também os “Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido” para serem assinados pela professora, pela coordenadora pedagógica, pela

diretora e pelos pais de alunos, conforme a demanda do Comitê de Ética da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

2.3 Técnicas de levantamento de dados

Com base nos pressupostos metodológicos discutidos anteriormente, foram definidas

algumas técnicas de produção e coleta de dados, consideradas capazes de fornecer

informações relevantes à pesquisa, subsidiando uma aproximação dos sentidos e significados

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constituídos pelos professores acerca das “dificuldades de aprendizagem”. Considerou-se que

a utilização de várias técnicas e diferentes fontes de informação poderia enriquecer

notavelmente a compreensão do fenômeno estudado, por proporcionar valiosos indicadores

que, possivelmente, não seriam alcançados apenas por meio de apenas uma delas. Assim,

foram empregadas entrevistas, observações e autoconfrontação simples e cruzada na produção

e coleta de dados. A seguir, apresenta-se o papel de cada uma delas nesse processo, além da

descrição da forma como foram utilizadas na presente pesquisa.

2.3.1 Observação

Nas pesquisas de abordagem qualitativa, a observação é uma das técnicas mais

empregadas, por permitir uma maior aproximação da realidade na qual um determinado

fenômeno ocorre. De acordo com Alvez-Mazzotti (1999, p. 166), a observação tem um papel

importante nas pesquisas qualitativas graças ao fato de permitir que comportamentos sejam

“observados e relatados da forma como ocorrem, visando a descrever e a compreender o que

está ocorrendo em uma dada situação”. Segundo Ludke e André (2003, p. 26), outro ponto a

ser considerado na produção e coleta de dados por meio da observação é que: “na medida em

que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar

apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os

cerca e às suas próprias ações”.

Assim, ao longo deste processo de pesquisa, empregou-se a técnica da observação

direta, ou seja, o “registro de uma dada situação ou fenômeno enquanto ele ocorre” (LUNA,

2003, p. 51). Uma filmadora foi utilizada durante todo o processo de observação, a fim de

fornecer um registro preciso das aulas observadas, capaz de permitir, ainda, uma segunda

observação, posterior e mais detalhada, fornecendo as imagens que, uma vez editadas, dariam

origem aos episódios posteriormente utilizados no processo de autoconfrontação. Após o

contato com a escola e a aprovação da professora, iniciou-se a observação do espaço físico e

do ambiente escolar, com o intuito de compreender sua organização, seu funcionamento e sua

dinâmica, para que fosse possível perceber as relações institucionais e identificar algumas das

mediações de gênero profissional ali presentes.

A seguir, iniciou-se o processo de observação das aulas ministradas pela professora

participante da pesquisa, com o objetivo de permitir a familiarização com o ambiente de sala

de aula e ter acesso a uma visão mais ampla da vida escolar e da prática docente. Foram

observadas aulas desenvolvidas nos meses de julho e agosto de 2011, sempre no período

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matutino, em diferentes dias da semana. A escolha das aulas observadas deu-se de maneira

aleatória. Foram registrados em vídeo 9h57’46’’ de aula. Normalmente, das quatro horas

diárias de aula, eram realizadas observações em sala durante aproximadamente duas ou três

delas, mas esse período, de fato, variava de acordo com as atividades desenvolvidas pela

professora e, também, em função das demais atividades escolares. Assim, às sextas-feiras, por

exemplo, o período de permanência da pesquisadora em sala de aula era menor porque o dos

alunos também o era, uma vez que eram liberados mais cedo em razão da reunião semanal

dos professores com a equipe gestora.

Desde o início do processo de observação e filmagem, os alunos demonstraram muita

curiosidade em relação à presença da pesquisadora na sala de aula. Vinham frequentemente

conversar ou fazer perguntas. Pareciam, também, muito interessados nas filmagens realizadas,

manifestando, repetidamente, a vontade de aparecer no vídeo por meio de sinais, caretas e

gestos diante da câmera. Essa curiosidade foi maior no início do procedimento, mas não

desapareceu de todo, mantendo-se estável até o fim das observações e filmagens. Entretanto,

as manifestações de interesse e curiosidade dos alunos não atrapalharam, em absoluto, o

registro das aulas. De igual modo, a professora afirmou que a presença da pesquisadora em

sala de aula também não dificultou ou tolheu o desenvolvimento de suas atividades

pedagógicas. O processo de observação e filmagem prosseguiu até que as informações e

impressões coletadas e registradas fossem consideradas ricas o bastante para permitir uma

análise acerca da atividade docente, mais especificamente no que dizia respeito à forma como

a professora lidava com os alunos que ela considerava apresentar alguma “dificuldade de

aprendizagem”.

2.3.2 Entrevistas

A entrevista consiste em uma técnica de coleta e produção de dados amplamente

empregada em pesquisas científicas, defendida por diversos autores em função das vantagens

que apresenta em relação a outros instrumentos desse tipo. Dentre suas vantagens, pode-se

citar seu potencial para investigar temas complexos, dificilmente apreendidos por meio de

questionários (ALVES-MAZZOTTI, 1999). Na verdade, a entrevista envolve uma relação

pessoal entre o pesquisador e o(s) sujeito(s) da pesquisa, facilitando o esclarecimento de

pontos nebulosos e permitindo o aprofundamento de aspectos levantados por outras técnicas

de coleta e produção de dados, como a observação e o questionário (MOROZ;

GIANFALDONI, 2002; LUDKE; ANDRÉ, 2003).

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Existem diferentes técnicas e modalidades de entrevistas, de modo que sua

classificação varia de autor para autor. Segundo Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p. 168),

as modalidades de entrevistas diferenciam-se em razão do grau de controle exercido pelo

pesquisador durante sua realização. Na presente pesquisa, foram empregadas entrevistas

estruturadas, semiestruturadas e não estruturadas. A primeira consiste em um roteiro fechado

de perguntas, bastante semelhante a um questionário, que fornece informações pontuais

acerca da realidade investigada. Esse tipo de instrumento foi empregado junto à equipe

gestora da instituição, para colher informações sobre a escola, tais como quantidade de

alunos, professores e funcionários; turnos de funcionamento; aspectos relacionados à

infraestrutura e ao espaço físico, como a existência de biblioteca, laboratórios, computadores

etc. Essa mesma técnica também foi utilizada para obter dados relativos ao sujeito de

pesquisa, tais como idade, estado civil, número de filhos e tempo de experiência no

magistério.

A técnica de entrevista semiestruturada consiste em um esquema flexível de perguntas

que, a partir de um roteiro básico, permite ao pesquisador uma grande liberdade para adaptar

e/ou aprofundar as perguntas feitas. Esse recurso foi empregado na obtenção de dados

relativos à estrutura administrativa e pedagógica da escola, tais como elaboração do projeto

político e pedagógico; realização de reuniões pedagógicas; formação do corpo docente;

relações institucionais etc. Elas foram empregadas junto à diretora e à coordenadora

pedagógica da escola, para melhor conhecer a dinâmica da organização e o funcionamento da

instituição, ou seja, como nela se planejavam, avaliavam e coordenavam as práticas

pedagógicas.

A entrevista não estruturada, a terceira modalidade aqui empregada, diferencia-se das

anteriores por seu “caráter aberto”: apesar de centrar-se no tema ou no tópico que se busca

investigar, não existem perguntas predeterminadas ou fixas. O pesquisador apenas pede ao

sujeito que fale livremente a respeito dos temas de interesse e, a partir daí, propõe perguntas

que possam esclarecer ou aprofundar certos aspectos da fala do sujeito. No presente estudo,

essa técnica foi utilizada junto à professora para conhecer sua história de vida, principalmente

no que se refere a sua vida escolar e profissional, de modo a compreender as experiências que

ela vivenciou ao longo de sua formação como docente. Os temas aqui focados foram a opção

pela docência, sua experiência e formação profissional, as práticas pedagógicas adotadas, a

perspectiva acerca das dificuldades de aprendizagem, as relações institucionais, entre outros.

O objetivo era conseguir material que permitisse, posteriormente, a constituição dos núcleos

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de significação e, assim, uma aproximação dos sentidos e significados que a professora havia

constituído acerca das “dificuldades de aprendizagem”. Uma vez transcritas as entrevistas,

seu conteúdo foi apresentado aos participantes para que eles conferissem e/ou

complementassem suas falas.

2.3.3 Autoconfrontações

Para que fosse possível dar início ao processo de autoconfrontação simples e cruzada,

foi necessário, antes de tudo, selecionar e editar trechos do material filmado ao longo da

observação das aulas ministradas pela professora. Foram editados, então, três episódios para

serem utilizados nas sessões de autoconfrontação. Os critérios para edição desses episódios

foram os seguintes: eles deveriam ser curtos, com aproximadamente cinco minutos cada;

apresentarem começo, meio e fim; e, principalmente, permitirem ilustrar momentos da

atividade docente que estivessem diretamente relacionados ao problema de pesquisa

investigado. Assim, na edição dos episódios, priorizaram-se os momentos nos quais a

professora interagia com alunos que ela havia informado que apresentavam “dificuldades de

aprendizagem”. Os episódios deveriam evidenciar contradições ou aspectos da atividade

docente que poderiam ser tratados de outra forma, permitindo, ainda, uma análise mais

aprofundada quando do momento da autoconfrontação. Os conteúdos de tais episódios

encontram-se descritos a seguir.

Episódio 1 – Escrita da palavra “pé” (duração: 5’25”)

Esse episódio retratava um momento da aula de Língua Portuguesa no qual a

professora trabalhava leitura e escrita com base em uma parlenda já bastante conhecida pelos

alunos. A cena mostrava a professora e um aluno junto ao quadro-negro, momento em que a

primeira pedia ao segundo para localizar a palavra “pé” no texto escrito na lousa. O menino

esforçava-se nitidamente para responder de forma correta, sem alcançar sucesso, apesar do

direcionamento e das pistas fornecidas pela professora, que escreveu na lousa outras palavras

que se iniciavam com a letra “p”, indicando que a palavra a ser identificada começava da

mesma forma: com a mesma letra. Outras pistas foram dadas, sem que o aluno conseguisse

identificar a palavra. Em determinado momento, o menino apontou a palavra “pulem” (que se

iniciava com “p”), seguindo a dica apresentada pela professora. Ela, então, lhe disse que

aquela não era a palavra buscada, salientando, no entanto, que ela começava com a mesma

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letra. Contudo, a professora deixou de estabelecer a diferença entre o som da palavra “pé” e o

da palavra “pulem”, bem como de mostrar, sonoramente, que havia diferenças na quantidade

de letras entre os dois vocábulos ou mesmo de dizer que “pé” só apresenta duas letras. Até o

fim da atividade, o aluno não foi capaz de identificar a palavra correta. A professora pediu,

então, aos demais alunos que lhe mostrassem qual era a palavra “pé”, o que foi feito com

bastante entusiasmo. Apesar de o aluno chamado à frente não ter acertado a resposta, a

professora não o repreendeu, tampouco desvalorizou sua resposta. Ao final da atividade,

disse-lhe o seguinte: “Muito bem, fulano! Você tentou de verdade! Na próxima vez, você vai

conseguir acertar!”.

Episódio 2 – Correção da lição de Matemática (duração: 5'42'')

O episódio mostrava a professora e os alunos sentados no chão, em círculo, corrigindo

o dever de casa de Matemática, passado no dia anterior. No início da atividade, todos

participavam e mostravam-se bastante interessados. No entanto, ao longo da correção da

lição, foram ficando cada vez mais dispersos. A professora averiguou que um dos alunos não

havia feito o dever, chamando-o, então, para ilustrar, na lousa, a forma como resolveria os

problemas propostos. Os colegas deveriam ajudá-lo a fazer isso, indicando-lhe a forma como

haviam solucionado os problemas em casa. O aluno que foi à lousa desenhava traços

referentes aos valores numéricos como estratégia para solucionar as questões. No entanto, era

nítida sua dificuldade para resolver os problemas: ora desenhava traços a mais, ora a menos

do que os necessários para a solução da conta. Posteriormente, outro aluno foi chamado à

frente para demonstrar à classe sua forma de resolver os problemas. A mesma estratégia do

aluno anterior foi empregada: desenhar pequenos traços para indicar números. Ambos os

alunos chamados à lousa pareciam bastante à vontade na situação e não apresentavam

qualquer tipo de inibição por estarem diante da classe. Ao contrário, pareciam satisfeitos com

seu papel. Enquanto isso se passava, os demais alunos dispersavam-se mais, prestando menos

atenção à correção dos problemas.

Episódio 3 – Palavras cruzadas (duração 5'57'')

Esse episódio mostrava um grupo de alunos sentados no chão, em círculo, diante da

classe. Os demais alunos permaneciam sentados em suas carteiras. O episódio iniciava-se com

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a professora explicando que apenas os alunos que estavam na frente poderiam participar da

atividade, enquanto os demais deveriam permanecer quietos e atentos. Com isso, deixou claro

que não havia necessidade de todos participarem da atividade. Algumas das crianças

excluídas questionaram a decisão da professora, propondo a alternância dos grupos, para que

todos tivessem a oportunidade de participar da atividade. A professora explicou-lhes que esse

modo de executar a atividade não fora planejado por ela, de modo que fazer a inversão

atrapalharia a própria atividade. Os alunos aceitaram essa resposta e aquietaram-se, prestando

atenção ao que os colegas que deveriam fazer a atividade – que, segundo a explicação da

professora, consistia em completar e resolver um jogo de palavras cruzadas pendurado na

lousa, composto de palavras provenientes da parlenda já conhecida por eles. Eram, portanto,

palavras com as quais os alunos estavam bastante familiarizados. Após explicar

detalhadamente a atividade, a professora chamou um dos alunos sentados no chão para ir até a

lousa, fornecendo-lhe uma série de letras recortadas, com as quais ele deveria preencher um

dos espaços vazios, completando a palavra “pulem”. O estudante selecionou a letra “u” e a

professora, então, chamou uma de suas colegas para ajudá-lo a preencher as letras dos demais

espaços. A professora deu dicas, escrevendo na lousa a palavra “pular” e indicando que

“pulem” começava com a mesma letra. A aluna selecionou o “p” apesar de não saber o nome

dessa letra. Nesse momento, os demais alunos gritavam em uníssono “p”. A seguir, a

professora indagou qual seria a próxima letra da palavra e alguns deles responderam: o “l”.

Nesse momento, muitas crianças já estavam se levantando do chão e de suas carteiras para ir

até a lousa. A professora pediu a um deles que selecionasse o “l” dentre as letras recortadas.

Cada vez mais alunos se levantando, aglomerando-se junto à lousa. Todos queriam participar.

Autoconfrontação simples (ACS)

Conforme explicitado anteriormente, a ACS consiste, basicamente, em gravar, em

vídeo, um trabalhador executando sua atividade, para, depois, confrontá-lo com sua imagem

gravada, momento em que são feitas perguntas sobre ela. Na presente pesquisa, a ACS teve

duração de aproximadamente 1 hora e 20 minutos. Foi realizada na escola em um horário

posterior ao período de aulas. O primeiro episódio foi apresentado à professora e visto por ela

com atenção. A seguir, a pesquisadora formulou questões e solicitou comentários relativos à

cena apresentada. Essas perguntas buscavam indagar a professora acerca do que ela havia

planejado fazer, do que havia realmente feito e do que ficara faltando fazer, além de pedir que

comentasse sobre os aspectos que considerava positivos (ou negativos). O mesmo

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procedimento foi adotado em relação aos dois outros episódios, ou seja, primeiro a professora

assistia à cena inteira, depois ela a comentava, explicando o que havia feito, quais eram seus

objetivos naquele momento, o que havia deixado de fazer ou, ainda, o que poderia ter sido

feito de outra forma. A sessão de ACS foi inteiramente filmada e contou apenas com a

presença da professora e da pesquisadora. A primeira parecia confortável na situação de

autoconfrontação, fato que permitiu que este fosse um momento bastante rico em termos de

análise da própria atividade.

Autoconfrontação cruzada (ACC)

A ACC consiste na interação de dois professores e do pesquisador diante dos registros

filmados da atividade de cada um deles. É apresentada a filmagem de um deles em atividade,

após a qual o pesquisador solicita comentários do sujeito que assiste à filmagem da atividade

de seu colega. A seguir, os papéis são invertidos, de modo que o segundo sujeito tenha

oportunidade de analisar a própria atividade e a de seu par. Na presente pesquisa, a ACC

contou com duas professoras, mas apenas uma delas teve sua atividade analisada. Assim,

nesse processo, os episódios contendo os registros da atividade da professora participante da

pesquisa foram vistos e analisados por ela e outra professora, convidada apenas para a ACC.

Não houve, dessa forma, inversão dos papéis, situação na qual cada docente analisaria sua

atividade e, ainda, a executada por seu colega.

A ACC ocorreu em um dia diferente da ACS, com a presença de uma segunda

professora, que atuava em outra escola e que foi convidada para analisar a atividade docente

daquela que participava da pesquisa. Essa segunda professora lecionava em uma escola

municipal de Ensino Fundamental do ciclo II, dando aulas de Língua Portuguesa. As duas

professoras já se conheciam, pois já haviam lecionado em uma mesma instituição. A ACC

durou aproximadamente 45 minutos, em razão de alguns contratempos11. Os procedimentos

foram os mesmos anteriormente adotados na sessão de ACS: primeiro, as professoras

assistiam às cenas inteiras e, depois, a professora convidada requisitava da outra, cuja

atividade estava sendo analisada, que comentasse e justificasse cada uma das cenas. A sessão

de ACC foi também inteiramente filmada. Participaram dela a pesquisadora e as duas

professoras. O material filmado na ACS e na ACC foi inteiramente transcrito e,

posteriormente, utilizado na formulação dos núcleos de significação.

11 Tais contratempos serão descritos detalhadamente no capítulo de apresentação e análise dos dados.

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2.4 Procedimentos de análise dos dados

Esta seção tem como objetivo apresentar os procedimentos adotados para analisar os

dados levantados. Busca-se, neste momento da pesquisa, articular as informações produzidas

por meio das técnicas de coleta descritas, ou seja, observação, entrevistas e autoconfrontação

simples e cruzada, sempre à luz do referencial teórico adotado. É importante lembrar que, na

pesquisa qualitativa, o processo de análise ocorre de forma interpretativa, como argumenta

Rey (2005, p. 47): “o conhecimento se produz em um processo construtivo-interpretativo do

pesquisador sobre as expressões múltiplas e complexas dos sujeitos estudados”. Assim, o

processo de análise constituiu-se em um movimento analítico-interpretativo, no qual, como

bem salienta Soares (2011, p. 137), “a análise é sempre histórica e determinada pelos

sentimentos e emoções de quem analisa”.

O processo de análise e interpretação dos dados foi realizado de acordo com a

proposta de Aguiar e Ozella (2006), denominada “Núcleos de significação como instrumento

para a apreensão da constituição dos sentidos”, com o intuito de buscar uma maior

aproximação dos sentidos e significados constituídos pela professora em relação às

dificuldades de aprendizagem. Ao discorrer sobre essa proposta metodológica, Soares (2011,

p. 138) afirma que, nela, “o pesquisador tem a obrigação de não apenas descrever, decompor

e articular dados empíricos, mas, também, a partir da manipulação teórica desses dados,

penetrar as zonas de sentidos do sujeito e, com isso, inferir e explicar os movimentos da

realidade investigada”.

A análise teve início com sucessivas leituras “flutuantes” do material gravado e

transcrito da entrevista com a professora e das sessões de autoconfrontação simples e cruzada.

Pretendia-se, com isso, alcançar uma boa familiarização e apropriação de seus conteúdos.

Essas leituras permitiram destacar e organizar os pré-indicadores, ou seja, identificar os

vários temas presentes nos relatos analisados e, ainda, sua frequência na fala do sujeito, seja

por repetição ou reiteração, por apresentarem uma carga emocional ou, ainda, por suas

contradições. Os pré-indicadores foram bastante numerosos e compuseram um quadro amplo

de possibilidades para serem aglutinados em indicadores, de acordo com a orientação de

Aguiar e Ozella (2006). O critério básico para filtrar os pré-indicadores foi o de sua

importância na compreensão do objetivo da investigação. Vale ressaltar que o levantamento

de pré-indicadores foi realizado com o material transcrito da entrevista e de cada sessão de

autoconfrontação separadamente, ou seja, ao fim desse procedimento, contava-se com três

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diferentes quadros de pré-indicadores, cada um deles com material proveniente de uma

determinada técnica de coleta e produção de dados (ver anexos 5, 6 e 7).

Os pré-indicadores levantados foram reunidos com base nos critérios de similaridade,

complementaridade, contraposição ou contradição, dando origem aos indicadores. Esses

critérios, vale lembrar, não são mutuamente excludentes nem necessariamente isolados entre

si, de modo que podem ter significados diversos em condições específicas: “Os indicadores só

adquirem significado quando inseridos e articulados na totalidade dos conteúdos temáticos

apresentados, ou seja, na totalidade das expressões do sujeito” (AGUIAR; OZELLA, 2006, p.

13). O número de indicadores, expressivamente menor do que o de pré-indicadores, permitiu

caminhar em direção à constituição dos núcleos de significação. Segundo Aguiar e Ozella

(2006, p. 229), “este momento já caracteriza uma fase do processo de análise, mesmo que

ainda empírica e não interpretativa, mas que ilumina um início de nuclearização”. Ainda em

relação aos indicadores, eles foram aglutinados com base nos pré-indicadores advindos das

falas da entrevista e das autoconfrontações separadamente, originando, assim, três quadros

distintos.

Teve início, então, o processo de organização e articulação dos indicadores, o que

levou à constituição dos núcleos de significação. Os indicadores que possibilitaram a

identificação dos conteúdos presentes na fala (e suas múltiplas relações), revelando e

objetivando a essência dos conteúdos expressos pelo sujeito, foram também articulados com

base nos mesmos critérios: semelhança, complementaridade, contraposição e/ou contradição.

É importante mencionar que foi tomada a decisão de formar os núcleos de significação a

partir dos indicadores encontrados por meio de instrumentos distintos: a fala da professora na

entrevista, na ACS e na ACC. Embora esses indicadores sejam provenientes de três técnicas

diferentes de coleta de dados, caracterizando três momentos e três contextos bastante distintos

e específicos da fala da professora, optou-se por reuni-los. Essa decisão se deu porque, uma

vez realizadas as leituras do material transcrito e definidos os pré-indicadores e indicadores

provenientes de cada uma dessas técnicas, percebeu-se a semelhança, a complementaridade, a

contraposição ou a contradição existentes entre eles.

Assim, notou-se que, se fossem formados núcleos isolados para cada um desses

momentos da fala da docente, eles trariam conteúdos bastante repetitivos e, em especial, não

dariam conta de articular a complexidade dos sentidos atribuídos pela professora às

“dificuldades de aprendizagem” dos alunos. Apesar da compreensão acerca das

peculiaridades relativas a cada um desses diferentes contextos de fala da professora,

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considerou-se que eles tratam da mesma atividade e dos mesmos conteúdos, situação que

possibilita articular, em núcleos conjuntos, indicadores provenientes de distintos momentos.

Acredita-se que essa junção proporcionou mais e melhores articulações entre os indicadores,

algo que dificilmente se obteria caso os dados produzidos por meio de diferentes técnicas

fossem analisados separadamente.

Estabelecida a organização dos núcleos, foi possível verificar algumas transformações

e contradições que ocorreram no processo de constituição de sentidos e significados relativos

às dificuldades de aprendizagem. Considera-se que, desse modo, foi possível alcançar uma

análise mais consistente, capaz de ir além da aparência, por considerar as condições

subjetivas, sociais e históricas do sujeito e de seu ofício naquele momento e local. Nesta etapa

do processo, esperava-se um número bem reduzido de núcleos, a fim de evitar o retorno aos

indicadores. De acordo com os propositores dessa forma de análise: [...] é nesse o momento em que, efetivamente, iniciamos o processo de análise e avançamos do empírico para o interpretativo. Os núcleos resultantes devem expressar os pontos centrais e fundamentais que trazem implicações para o sujeito, que o envolvem emocionalmente, que revelam as suas determinações constitutivas. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 230).

Seguindo a proposta dos autores, a nomeação dos núcleos foi extraída da própria fala

da professora, utilizando uma ou mais de suas expressões, de modo a compor uma frase curta,

que ilustrasse tanto a articulação realizada na elaboração dos núcleos quanto o processo e o

movimento do sujeito. Dessa forma, os nomes dos núcleos expressaram o que eles tinham de

central, ou seja, o que, a partir do movimento interpretativo da análise, foi percebido como

essencial em sua compreensão. A análise dos núcleos de significação foi realizada,

inicialmente, para cada núcleo (intranúcleo), avançando, posteriormente, para uma análise

capaz de articular os conteúdos dos vários núcleos (internúcleos). Esse procedimento tentou

apreender, notadamente, as contradições, pois se considera que são elas que revelam o

movimento do sujeito. Tais contradições – vale ressaltar – não se encontram necessariamente

expressas na fala dos sujeitos, devendo ser apreendidas por meio da análise interpretativa do

pesquisador, uma vez que o procedimento adotado busca avançar do empírico para o

interpretativo, isto é, da fala para seu sentido. Dessa forma: [...] o processo de análise não deve ser restrito à fala do informante: ela deve ser articulada (e aqui se amplia o processo interpretativo do investigador) ao contexto social, político e econômico ou, em síntese, histórico, por permitir acesso à compreensão do sujeito, na sua totalidade. Assim, só avançaremos na compreensão dos sentidos, quando os conteúdos dos núcleos forem articulados. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 230).

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Os núcleos de significação foram analisados à luz do contexto social e histórico,

sempre com base na teoria sócio-histórica. É importante ressaltar que, a fim de alcançar uma

aproximação dos sentidos constituídos pelo sujeito, é fundamental considerar suas

determinações constitutivas, suas necessidades e sua atividade. Enfim, é fundamental situá-lo

sócio-historicamente. Em consonância com os pressupostos teóricos e metodológicos

apresentados, a análise e a interpretação dos núcleos de significação compuseram-se por meio

de um movimento que buscou articular dois referenciais teóricos: o da Psicologia Sócio-

Histórica e o da Clínica da Atividade. Dessa forma, procurou-se apreender as mediações

constitutivas do sujeito, suas necessidades e seus motivos, bem como os significados

compartilhados com outros docentes, em busca dos sentidos constituídos pelo próprio sujeito.

Pretendeu-se, também, articular a tarefa, o real da atividade e a atividade real, de forma que,

partindo da realidade empírica, fosse possível apreender o movimento contraditório criado

entre as prescrições da tarefa e a atividade realizada, para, assim, alcançar o real da atividade.

Na análise dos núcleos, foram também consideradas as mediações do gênero e do estilo, bem

como as possíveis reflexões e transformações na atividade docente geradas pelo processo de

análise da própria atuação profissional ao longo do processo de autoconfrontação.

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CAPÍTULO IV

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O presente capítulo tem como objetivo apresentar os dados coletados por meio das

técnicas anteriormente descritas – observação, entrevista e autoconfrontação – bem como

ilustrar o processo de análise dos núcleos de significação. Assim, o capítulo tem início com

uma breve exposição do contexto da pesquisa, na qual são descritos o município e a escola em

que foi realizada a coleta de dados; a seguir, é apresentada uma caracterização do sujeito da

pesquisa, com base nos dados levantados durante a entrevista e a observação das aulas

ministradas. Na sequência, é apresentado o quadro contendo os núcleos de significação e seus

respectivos indicadores, compostos pelos conteúdos advindos da entrevista e das sessões de

autoconfrontação. O capítulo apresenta, então, a análise de cada um dos núcleos de

significação, ou seja, a análise intranúcleos. Finalmente, os núcleos são articulados entre si,

configurando a análise internúcleos.

1 A escola

Considerando que a abordagem epistemológica que orienta a presente pesquisa – a

Materialista Histórica e Dialética – defende que o indivíduo se constitui na relação dialética

com o mundo material, para compreendê-lo faz-se necessário considerar seu contexto social e

histórico. Conforme afirma Soares (2011, p.143): Embora a fala seja um elemento fundamental em todo esse processo de investigação, ela, por si só, não é capaz de revelar as zonas de sentidos do sujeito, isto é, as zonas mais fluídas e dinâmicas que constituem as articulações entre pensamento e linguagem. Para nos apropriarmos dessas articulações, devemos conhecer as condições históricas objetivas e subjetivas nas quais elas são dialeticamente constituídas.

Alcançar, portanto, uma aproximação dos sentidos atribuídos pelo professor a sua

atividade docente requer considerar o contexto no qual essa atividade se insere, além de suas

condições objetivas e subjetivas, pois delas provêm muitos dos elementos constituintes de tais

sentidos. Ou seja, é preciso conhecer a escola na qual a atividade docente aqui analisada se

desenvolve, sua conjuntura administrativa e pedagógica. Essa escola localiza-se em Lençóis,

um município da região central do estado da Bahia que tem como principal atividade

socioeconômica o turismo. De acordo com o Censo brasileiro realizado pelo Instituto

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Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2010, Lençóis contava com

aproximadamente 10.000 habitantes, possuía 13 pré-escolas (41,9% do total de escolas da

cidade), 17 escolas de ensino fundamental (54,8%) e uma escola de ensino médio (3,2%). O

número de matrículas por série revelava que 13,7% dos estudantes estavam matriculados na

pré-escola, 71,1% no ensino fundamental e 15,3% no ensino médio.

A escola funcionava tanto no período matutino quanto no vespertino e tinha 311

alunos, dez professores e oito funcionários, dentre os quais uma diretora, uma coordenadora

pedagógica e uma vice-diretora, que também atuava como professora. Em relação ao espaço

físico, a escola dispunha de oito salas de aula, todas elas bastante limpas, bem iluminadas e

ventiladas. Uma sala grande era subdividida entre secretaria, diretoria e sala de professores.

Todas essas salas estavam distribuídas dos dois lados de um amplo pátio central, no qual os

alunos brincavam na hora do intervalo entre as aulas, realizando, também ali, as aulas de

Educação Física, uma vez que a escola não dispunha de quadras esportivas. Na sala da

secretaria e da direção, havia computadores que podiam ser utilizados pelos professores, mas

não pelos alunos, aos quais era vedado o acesso. A biblioteca estava passando por um

processo de reativação, de modo que não havia uma sala reservada para esse fim: os livros

ficavam em um pequeno anexo da secretaria, de difícil acesso aos alunos. Havia ainda uma

cozinha, mas como a escola não possuía um refeitório, a merenda era preparada na sala de

aula, antes do horário da recreação.

No que diz respeito à estrutura administrativa e pedagógica, a escola passava por um

processo de intensa mudança no momento em que se realizou a coleta de dados. Essa

mudança, iniciada com a saída do diretor anterior e o ingresso da nova diretora, buscava

implementar e consolidar diversas alterações no funcionamento da instituição, boa parte delas

já propostas e reivindicadas pelos próprios professores. Entre elas, pode-se destacar o suporte

às novas propostas pedagógicas trazidas pelos docentes, bem como a substituição de uma

parte do quadro dos funcionários (merendeiras) que, de acordo com o relato de algumas

professoras, não se relacionavam bem com os demais colegas, gerando um ambiente

desagradável.

Além das propostas implementadas pela nova diretora, outro acontecimento

primordial para a transformação das relações constituintes do ambiente escolar e das práticas

pedagógicas ali desenvolvidas foi a saída da antiga coordenadora pedagógica. Seu posto foi

ocupado por uma professora que já fazia parte do corpo docente da escola, indicada pelos

demais professores, que consideravam seu trabalho excelente. Apesar de não ter formação

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específica para essa nova função, a professora, ao ser indicada, buscou um curso de

capacitação que lhe fornecesse os subsídios necessários para a adequada realização de sua

nova atividade profissional.

Em relação ao projeto político e pedagógico, as professoras e a coordenadora

pedagógica esclareceram que ele foi sempre desenvolvido de forma coletiva, envolvendo uma

intensa participação de todo o corpo docente. Observou-se, também, que semanalmente

ocorria uma reunião, da qual participavam todos os professores, a coordenadora pedagógica e

a diretora e na qual eram discutidos assuntos relativos à pratica docente, tais como as

concepções e as expectativas dos professores acerca da relação ensino-aprendizagem; as

dificuldades encontradas por eles em sala de aula e suas possíveis soluções; as atividades a

serem realizadas, os objetivos a serem alcançados e os materiais a serem nelas empregados.

Tais momentos de discussão coletiva pareciam funcionar como uma importante oportunidade

de troca de conhecimentos teóricos e práticos, capazes de auxiliar os professores na realização

de suas tarefas e na reflexão acerca da própria atividade e daquela de seus pares. Foi possível

observar, também, que as relações interpessoais entre professores, funcionários e alunos

ocorriam de forma harmônica e tranquila, existindo, na escola, um clima de cooperação entre

todos os envolvidos.

2 A professora

A professora que se disponibilizou a fazer parte da pesquisa foi extremamente cordial,

atenciosa e colaborativa durante todo o processo de levantamento de dados. A seguir, são

apresentados alguns aspectos de sua história de vida considerados importantes para

possibilitar uma melhor compreensão de seu percurso e de sua formação como docente.

No momento da coleta de dados, Cássia12 tinha 37 anos, era casada e mãe de dois

filhos: um menino de 17, que também gostaria de seguir carreira no magistério, e uma menina

de 15. Essa professora lecionava para o 1o ano do Ensino Fundamental em uma escola

municipal, na qual atuava havia oito anos, sempre em séries iniciais, ou seja, como professora

alfabetizadora. Sua carga horária era de 40 horas semanais. Antes disso, Cássia havia

trabalhado, durante um período de sete anos, como professora de classes multisseriadas em

uma escola rural de um povoado localizado nos arredores de Lençóis.

Segundo seu relato, um dos principais fatores que a levaram a decidir-se pela docência

foi sua trajetória como estudante, fortemente marcada por uma professora que desempenhou

12 Nome fictício escolhido pela docente.

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um papel fundamental nessa história. De acordo com Cássia, essa professora era muito

carinhosa e, ao mesmo tempo, empenhava-se muito para que todos os alunos aprendessem.

Trabalhava segundo o método tradicional, utilizando a cartilha como principal material

pedagógico, mas ensinava também valores e princípios éticos, opondo-se radicalmente, por

exemplo, à forte discriminação racial que existia dentro e fora da escola. Segundo Cássia, essa

professora lhe despertava muita admiração, fator determinante em sua escolha pela profissão

docente.

Outro aspecto fundamental no processo de escolha de Cássia foi a falta de opções

profissionais no município de Lençóis. Fica evidente em seu relato que, apesar de gostar

muito de ser professora, caso fosse mais amplo seu escopo de opções profissionais, sua

primeira opção não seria a docência. Comentou seu interesse e sua admiração pela profissão

de enfermeira, que escolheria caso lhe fosse possível. Disse, ainda, que a desvalorização da

docência em termos de remuneração salarial era um fator que a faria considerar outras

profissões, uma vez que seu salário não era suficiente, por exemplo, para manter os filhos em

uma boa faculdade. Antes de começar a trabalhar como professora, Cássia atuou como

cozinheira, atendente de hotel e recepcionista da Secretaria de Educação. Desempenhou essas

atividades profissionais até aparecer uma oportunidade como professora na zona rural em um

povoado nos arrabaldes de Lençóis, como já mencionado.

Dessa forma, Cássia deu início a sua carreira docente sem nenhuma formação

específica para isso. Inclusive, até o momento em que se realizou o levantamento de dados

para a pesquisa, ela ainda não contava com tal formação. Estava cursando o 7o semestre da

faculdade de Pedagogia, e lhe faltava ainda um ano para que se graduasse como pedagoga.

Assim, não havia concluído nem a formação inicial, apesar de atuar como docente há quase

15 anos. Fica bastante claro, no discurso de Cássia, que o curso que realizava estava

contribuindo para seu desempenho na atividade docente: “Mas, aí, depois que eu entrei na

faculdade, muita coisa melhorou... E, aí, eu pude investir mais nisso, com embasamento

teórico, né? Fui percebendo que eu estou indo na linha certa”. De fato, por algumas vezes ao

longo da entrevista, a professora reiterou que a faculdade estava lhe fornecendo os subsídios

teóricos para refletir sobre sua prática em sala de aula e aperfeiçoá-la. Quando indagada sobre

a importância da formação inicial para sua atividade docente, respondeu:

Essa importância, assim, de que a gente não trabalha aleatoriamente: você tem um embasamento para trabalhar e você tem o conhecimento para estar entendendo melhor o aluno... Essa vinculação da teoria com a prática... Tudo que eu aprendo lá, eu tento colocar em prática. [...] Ajuda bastante na minha prática... Por isso que eu escolhi pedagogia, porque é a minha área

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mesmo, uma coisa que eu quero entender. E vou fazer psicopedagogia também, depois que eu concluir a faculdade.

Cássia também ressaltou, na entrevista, que desde o início de sua trajetória docente,

sempre preferiu trabalhar com classes de alfabetização, por considerar que esta constitui a

base fundamental do ensino. Sua preferência por ensinar crianças entre cinco e sete anos

vinha ainda do fato de considerá-las mais respeitosas e compreensivas do que os alunos mais

velhos ou adolescentes. Afirmou que via seus alunos “como seres pensantes, que já trazem

muito conhecimento” e que considerava importante sempre valorizar e compartilhar esses

conhecimentos. Mencionou, inclusive, que essa valorização dos conhecimentos prévios dos

alunos era justamente um dos pontos positivos de sua prática como professora .

Ao ser indagada sobre aquilo de que gostava em sua atividade profissional, Cássia

relatou: Eu gosto de trabalhar com crianças... Eu sei que é desvalorizado, é muito desvalorizada essa nossa classe [profissional], mas eu gosto de trabalhar, eu me sinto muito satisfeita ao ver que as crianças estão aprendendo... Estão aprendendo de uma maneira diferente, mas estão aprendendo... E de valorizar isso também, a sala de aula como um todo... Porque, antigamente, a gente trabalhava de outra maneira, trabalhava com a cartilha... E, hoje em dia, a gente pode trabalhar o mesmo conteúdo, sem precisar da cartilha, e sem precisar também dizer: “fulano sabe mais do que sicrano”!

No que se refere às aulas observadas ao longo da pesquisa, foi possível constatar que

Cássia era uma professora bastante dinâmica, que imprimia em suas atividades um tom

lúdico, pois frequentemente utilizava músicas, parlendas, brincadeiras e jogos como recursos

pedagógicos. Além disso, muitas vezes as atividades propostas aos alunos eram realizadas em

duplas ou grupos, cujos resultados eram, quase sempre, socializados com toda a classe ao

final. Foi possível perceber também que o relacionamento da professora com seus alunos era

muito afetuoso, sem deixar de ser firme quando necessário. Sua relação com os demais

docentes da escola, bem como com a equipe gestora e os funcionários, pareceu bastante

cordial e respeitosa.

3 Núcleos de significação

Apresenta-se, a seguir, o quadro contendo os núcleos de significação articulados com

base nos pré-indicadores e indicadores levantados da fala da professora durante a entrevista, a

autoconfrontação simples (ACS) e a autoconfrontação cruzada (ACC). É possível observar

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que, ao lado de cada indicador, está assinalada a técnica de coleta de dados da qual o

respectivo indicador foi extraído.

Núcleos de significação formados por indicadores da entrevista e das autoconfrontações

Núcleos Indicadores Falta de formação docente: estou cursando Pedagogia (Entrevista) Escolha profissional (Entrevista) Admiração por uma professora como forte fator de influência na escolha profissional (Entrevista) Trajetória na profissão docente (Entrevista) Transformações na prática pedagógica provocadas pela formação docente: a vinculação entre teoria e prática (Entrevista) Importância da formação continuada no trabalho do corpo docente da escola (Entrevista) Transformações na atividade da professora após o inicio da formação docente: a importância da teoria como suporte para a prática em sala de aula (ACS) A importância da formação profissional no trabalho da equipe escolar (ACS)

A importância da teoria como suporte para a prática pedagógica: “tudo que

eu aprendo, eu procuro colocar na sala de aula”.

Considerações sobre a formação inicial e continuada disponibilizada no município (ACS) Atividade diferenciadas para alunos em diferentes níveis de aprendizagem (Entrevista) Problemas enfrentados para lidar com alunos que tem dificuldades (Entrevista) Quem são os alunos com “dificuldades de aprendizagem” (Entrevista) Estratégias para lidar com alunos com dificuldades (ACS) Alunos com “dificuldades de aprendizagem” (ACS) “Preciso pensar primeiro nos que tem mais dificuldade” (ACC) Justificativas para a estratégia de chamar alunos com dificuldade na lousa (ACS) Justificativa da escolha de certos alunos para ir à lousa (ACC) Atividades diferenciadas para alunos com diferentes ritmos de aprendizagem (ACS) Os alunos mais adiantados ficam impacientes por ter que esperar os mais atrasados (ACC) Sobre a relação dos pais com a aprendizagem dos alunos (Entrevista)

“Preciso pensar primeiro nos que têm

mais dificuldade”

Sobre o papel dos pais na aprendizagem dos

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alunos (ACS) Dificuldades geradas por falta de acompanhamento dos pais (ACC) Organização do tempo (Entrevista) Prática pedagógica: formas de trabalhar em sala de aula (Entrevista) Importância de atividades em grupo (Entrevista) Trabalho coletivo na escola ajuda bastante na prática pedagógica (Entrevista) Sobre avaliação (Entrevista) Preferência por séries iniciais (Entrevista) Valorização da profissão: “é muito desvalorizada a nossa classe” (Entrevista) Atividade de leitura com parlenda: textos conhecidos pelos alunos facilitam a aprendizagem (ACS) Intervenções da professora ajudam as crianças a conseguir desenvolver a atividade (ACC) Importância da intencionalidade na prática docente (ACS) Sobre silabação (ACS) Atividades em grupo: vantagens e desafios (ACS) Atividades em grupos: os alunos se ajudam (ACC) Critérios para formação de duplas de trabalho (ACS) Benefícios e dificuldades das atividades em duplas (ACS) Quem é o aluno (Entrevista) Auto avaliação - pontos positivos da prática docente: sempre valorizar o que a criança já traz (Entrevista) Auto avaliação - pontos negativos da prática docente (Entrevista) Dificuldades na prática pedagógica: “gostaria de fazer outras atividades” (Entrevista) Ausência de material didático (ACS) Dificuldades na prática pedagógica (ACS) Necessidade de ajuda: gostaria de ter mais uma professora auxiliando na atividades durante as aulas (ACC) Dificuldades na prática pedagógica geradas por falta de material didático (Entrevista) Meta: alfabetizar todos os alunos (Entrevista) Meta de alfabetizar todos os alunos: ideal X realidade (ACS)

Atividade docente: “Eu invisto muito no trabalho em grupo, porque no

grupo tem sempre alguém que esta um pouco a mais na frente”.

Meta de alfabetizar todos os alunos: “não quero cumprir só por cumprir, mas porque sei que eles

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precisam” (ACC) Realização profissional: se sente satisfeita ao ver que as crianças estão aprendendo (Entrevista) Trabalho coletivo na escola ajuda bastante na prática pedagógica (Entrevista) Mudanças na equipe gestora: “muita coisa já mudou” (Entrevista) Mudanças na equipe de funcionários decididas coletivamente após a mudança da equipe gestora (Entrevista) Relações com as novas professoras: “tem gente que tem medo, então não quer mudar” (Entrevista) Avaliação da escola (Entrevista)

Relações institucionais mediadoras da atividade docente: “Tem gente que tem

medo, então não quer mudar”.

Importância da continuidade entre o trabalho de professoras de diferentes séries (ACS) Reflexões críticas sobre a atividade da parlenda (ACS) Reflexão sobre a prática da correção coletiva do dever de casa: poderia ter disponibilizado material concreto que ajudasse na apresentação dos problemas resolvidos (ACS) Reflexões sobre a atividade da cruzadinha: poderia ter disponibilizado um banco de dados (ACS) Repensando a prática docente: chamar alunos com dificuldade para responder questões na lousa (ACS) Reflexões sobre o processo de autoconfrontação simples (ACS)

Reflexões sobre a prática após a AC:

“Eu poderia ter...”

Auto avaliação da prática em sala de aula: deveria ter avançado mais (ACS)

3.1 Núcleo de significação 1 – A importância da teoria como suporte para a prática

pedagógica: “tudo que eu aprendo, eu procuro colocar na sala de aula”.

Este núcleo de significação é resultado de um processo de articulação de indicadores

cujos conteúdos tratam, de forma ampla, da formação docente. Assim, estão aqui aglutinados

desde indicadores relativos à escolha da profissão e à trajetória profissional até aqueles

referentes às transformações na prática docente desencadeadas pela formação inicial e

continuada. Alguns dos indicadores reunidos neste núcleo foram extraídos da fala da

professora no decorrer da entrevista, tais como: 1) a falta de formação docente inicial: estou

cursando Pedagogia ; 2) a escolha profissional; 3) a admiração por uma professora como forte

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fator de influência na escolha profissional; 4) a trajetória na profissão docente; 5) as

transformações na prática pedagógica provocadas pela formação docente: a vinculação entre

teoria e prática e 6) a importância da formação continuada no trabalho do corpo docente da

escola.

Outros indicadores foram levantados com base na fala da professora no momento da

autoconfrontação simples: 1) as transformações na atividade da professora após o início da

formação docente: a importância da teoria como suporte para a prática em sala de aula; 2) a

importância da formação profissional no trabalho da equipe escolar e 3) as considerações

sobre a formação inicial e continuada disponibilizada pelo município. Não existem, neste

último núcleo, indicadores extraídos da autoconfrontação cruzada.

Um dos indicadores deste núcleo trata da questão da escolha profissional de Cássia.

Em seu discurso, a professora apontou que, em Lençóis, onde nasceu e residiu durante toda

sua vida, não existiam muitas opções profissionais: tratava-se de uma cidade pequena, na qual

não havia cursos profissionalizantes. As ofertas de trabalho eram, portanto, restritas à

prestação de serviços relacionados ao turismo – principal atividade econômica da região – ou

à lavoura, ou seja, ao pesado trabalho na roça. Para as mulheres, uma das poucas opções de

atividade econômica distinta das arroladas acima era o magistério. Assim, Cássia nunca pôde,

de fato, escolher sua profissão. Antes de ser professora, ela trabalhou em setores relacionados

à prestação de serviços: foi cozinheira, recepcionista, atendente em hotel. Diante da falta de

oferta profissional, quando surgiu a oportunidade de atuar como professora, ela

imediatamente a agarrou.

É relevante salientar duas questões divergentes em relação à carreira seguida por

Cássia. Por um lado, ela afirmou nunca ter tido uma vasta gama de opções profissionais, por

isso a escolha pela docência não teria sido exatamente uma escolha, mas sim a adesão a uma

das poucas oportunidades que o ambiente profissional de sua cidade lhe propiciava. Segundo

seu próprio discurso, se pudesse ter optado por outra carreira, teria preferido ser enfermeira.

Por outro lado, Cássia afirmou também que sempre quis ser professora. Essa contradição fica

mais aparente em seu discurso quando se analisam, conjuntamente, os seguintes pré-

indicadores, retirados de momentos distintos da sua entrevista: E, aí, também, Lençóis não tem muitas oportunidades... Aí, quando eu cresci, realmente segui essa carreira. Não tinha, também, outras oportunidades... [...] ela [uma das professoras que teve quando aluna] sempre fazia uma redação, em que perguntava: o que vocês querem ser quando crescer? Aí, eu falava: eu quero ser professora, igual à senhora.

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Desse modo, a opção de Cássia pela docência parece ter decorrido, por um lado, da

falta de outras perspectivas profissionais e, por outro, do gosto pelos estudos, aliados à

admiração que nutria pela antiga professora, cuja atuação marcou positivamente a história de

Cássia como estudante. Esses aspectos parecem ter exercido uma forte influência na decisão

de ingressar na carreira docente tão logo surgisse uma oportunidade. Essa contradição entre a

falta de escolha profissional e o desejo de ser professora evidenciou-se, também, quando da

análise do pré-indicador “Por isso que eu escolhi pedagogia: porque é a minha área

mesmo, uma coisa que eu quero entender, e eu vou fazer psicopedagogia também, depois

que eu concluir a faculdade”. Aqui, Cássia parecia remeter-se ao curso de pedagogia como

uma escolha bem justificada. No entanto, é possível perceber que essa eleição se deu dentre as

limitadas possibilidades disponíveis, ou seja, entre ser atendente de hotel ou recepcionista, a

preferência recaiu sobre ser professora, como ficou claro em seu relato: “antes, passei por

essas outras experiências, porque eu não tinha oportunidade para ensinar. Aí, quando

surgiu...”.

Consideradas as duas razões que teriam levado Cássia à sala de aula, pode-se indagar,

então, como essa contradição entre a falta de opções profissionais e o desejo de ser professora

articula-se na constituição dos sentidos e significados que Cássia atribui à própria atividade

docente. A fim de melhor compreender essa questão, é interessante, aqui, retomar alguns

pontos relacionados à constituição das necessidades e dos motivos, tal como são concebidos

na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica. De acordo com Aguiar e Ozella (2006, p. 228),

as necessidades consistem em um “estado de carência do indivíduo que leva a sua ativação

com vistas à sua satisfação, dependendo das condições de existência”. Como salientam os

autores, as necessidades têm estrita relação com o social, uma vez que “se constituem e se

revelam a partir de um processo de configuração das relações sociais, processo esse que é

único, singular, subjetivo e histórico ao mesmo tempo”.

Os motivos, por sua vez, podem ser compreendidos como configurações subjetivas,

constituídas na articulação de elementos de sentidos, com base nos quais os sujeitos

significam algo da realidade social como sendo suficiente para satisfazer suas necessidades.

São os motivos, portanto, que impulsionam a ação. Segundo Leontiev (2004, p. 104), “para

encontrar o sentido pessoal devemos descobrir o motivo que lhe corresponde”. Assim, em

termos de necessidades e motivos, é possível inferir que a constituição de Cássia como

professora partiu da necessidade, social e historicamente construída, de ter uma profissão.

Apesar de não ser a que ela escolheria caso existissem outras possibilidades, a docência foi

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uma profissão significada por ela como sendo capaz de atender a suas necessidades. Dessa

forma, Cássia conseguiu encontrar no professorado algo que se configurou como um motivo,

impulsionando sua ação em direção ao magistério. Posteriormente, a atuação como professora

converteu-se, ela mesma, em um motivo capaz de levar Cássia a buscar um curso de formação

profissional na área, fato que ela descreveu como uma escolha desencadeada por um motivo,

e não como simples consequência da falta de opções antes mencionada.

É interessante notar que, embora o magistério se apresentasse como uma das poucas

opções profissionais disponíveis em Lençóis, até poucos anos atrás não existiam no município

cursos de formação docente. Havia, sim, a possibilidade de cursar o magistério no decorrer do

ensino médio (antigo segundo grau), mas não existiam cursos de Pedagogia nem licenciaturas

de qualquer espécie. Tampouco era oferecido qualquer tipo de formação continuada. A

graduação tornou-se possível para os professores há apenas quatro anos. Ainda assim, Cássia

relatou uma série de problemas relacionados aos cursos de formação docente: inicialmente,

uma boa universidade estadual oferecia o curso de Pedagogia, uma vez que um campus

avançado havia sido inaugurado na cidade, contando com ótimos professores e boas

condições de ensino. No entanto, em razão de problemas políticos, essa instituição retirou-se

do município:

[...] a Uefes era ótima, menina! É a faculdade de Feira de Santana. Mas, aí, teve um problema na prefeitura, que não estava pagando a Uefes e, aí, eles fecharam a unidade daqui... Era naquele prédio branco na praça, sabe? Era ótimo! Mas, aí, acabou... porque a prefeitura não pagou [o que devia].

Após a desativação da universidade, o curso de Pedagogia passou a ser oferecido por

outra, cuja qualidade era, segundo a professora, bastante questionável:

Agora, nesse curso, a gente está fazendo assim: a gente paga e a prefeitura dá a metade (da mensalidade). Mas não é tão boa, não, como a anterior. E está uma confusão, tem um monte de problemas lá: parece que a prefeitura também não está pagando direito a parte dela... Mas a gente não quer desistir!

Cássia afirmou, repetidamente, que a base da boa formação docente dos professores da

cidade se devia ao curso iniciado na universidade anterior: “como antes dessa faculdade a

gente já tinha iniciado, a gente fez, antes, seis meses de Uefes... e eram todos os dias... A

gente já estava bem, a gente tinha ótimos professores e, aí, a gente seguiu essa linha”.

Posteriormente, a professora reafirmou essa mesma posição: “como a gente já vinha naquela

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linha, com aquela vontade de estudar e tal, porque a gente fazia Uefes antes, a gente seguiu

[em frente, na mesma orientação]”.

A professora contou que, no seu entender, o curso oferecido no momento da coleta de

dados cumpria apenas a função de disponibilizar aos alunos materiais de apoio pedagógico.

Assim, ao longo das entrevistas, torna-se claro que o primeiro curso de Pedagogia exerceu um

papel fundamental em sua formação docente – uma vez que, conforme verifica-se na

pesquisa, eram os conteúdos ali ministrados que norteavam sua atividade em sala de aula – ao

passo que o curso atual lhe disponibilizava apenas suporte pedagógico. Considerando que este

último curso oferecia apenas aulas virtuais que ocorriam, além disso, apenas uma vez por

semana, é possível compreender a insatisfação da professora. Segundo ela, “a FTC, na

realidade, ela tem material, tem tudo para ajudar, mas é um só dia de aula e é aula

virtual! Então, tem gente que vai e não liga muito para a aula, porque é virtual e o professor

não está ali, ao vivo. Mas a gente tem material disponível”.

Este núcleo indica, de maneira bastante clara, a importância atribuída por Cássia ao

processo de formação docente. O discurso da professora remeteu-se, reiteradamente, às

transformações que sua atividade pedagógica havia sofrido em função da formação pela qual

estava passando. É interessante notar que, apesar de lecionar há cerca de 15 anos, Cássia

nunca havia realizado nenhum curso, como fica claro no indicador “Falta de formação

docente: estou cursando Pedagogia”. Conforme citado anteriormente, o ingresso de Cássia

nessa profissão não se deu em razão de uma escolha bem pensada de sua parte e, sim, graças a

um convite inesperado: ela não havia sequer cursado o magistério no ensino médio. Durante

anos, sua atuação docente pautou-se exclusivamente por sua experiência como aluna em sala

de aula e, um pouco mais tarde, como professora leiga. O simples fato de ter sido uma boa

aluna e de sempre ter gostado de estudar pareceu-lhe suficiente para desenvolver a docência

na zona rural, trabalhando junto a classes multisseriadas.

Essa forma de atuação, orientada pela espontaneidade e marcada pela falta de

referencial teórico, na qual a cartilha era o único recurso pedagógico utilizado, foi bastante

criticada por Cássia ao longo da pesquisa. A formação até então realizada em Pedagogia havia

lhe permitido transformar a compreensão acerca das questões pedagógicas e das

possibilidades de atuação em sala de aula. Essas transformações foram extremamente

significativas para Cássia, se considerada a frequência com que apareceram em seu discurso.

Dois indicadores ilustram claramente a importância dada à formação profissional:

“Transformações provocadas na prática pedagógica pela formação docente: a vinculação entre

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teoria e prática” – indicador extraído da entrevista – e “Transformações na atividade da

professora após o início da formação docente: a importância da teoria como suporte para a

prática em sala de aula”, proveniente da autoconfrontação simples.

Cássia apontou o embasamento teórico como o aspecto fundamental da sua formação

docente. Diversos pré-indicadores demonstram as mudanças ocasionadas pelo contato com as

teorias pedagógicas, bem exemplificados nos dois fragmentos da entrevista transcritos abaixo: E, outra coisa, antigamente, quando eu trabalhava na zona rural e não tinha essa formação, eu pensava assim: tinha que trabalhar com silabação, né?! Então, hoje em dia, eu não penso mais assim. [...] porque, antigamente, a gente trabalhava de outra maneira, trabalhava com a cartilha... E, hoje em dia, a gente pode trabalhar o mesmo conteúdo, sem precisar da cartilha e sem precisar, também, dizer assim: “fulano sabe mais do que sicrano”... Eu gosto mais [agora]

Além de ocasionar o abandono de práticas que marcavam sua antiga forma de

trabalhar, a fundamentação teórica também proporcionou a Cássia embasamento para outras

atividades pedagógicas, como bem ilustra a fala que segue: “olha, desde quando eu

trabalhava na zona rural, eu já via por esse lado! Só que eu não tinha nenhum

embasamento teórico, eu fazia [de um dado modo], porque eu acreditava que era assim que

tinha que ser...”. Dessa forma, o saber acadêmico revelou-se central na atividade docente de

Cássia, tanto por proporcionar mudanças em práticas de ensino já ultrapassadas, quanto por

justificar práticas consideradas, intuitivamente, mais efetivas. O pré-indicador “Mas, aí,

depois que eu entrei na faculdade, muita coisa melhorou... E, aí, eu pude investir mais

nisso, com embasamento teórico, né? Fui percebendo que eu estou indo na linha certa” é um

exemplo claro da influência exercida pela formação teórica na prática de sala de aula,

segundo a opinião da professora.

Como já visto, a vinculação entre teoria e prática foi tema bastante recorrente no

discurso de Cássia. Para ela, residiria nessa ligação o aspecto fundamental da formação

docente: [...] essa importância, assim, de que a gente não trabalha aleatoriamente, de você ter um embasamento para trabalhar, e de você ter o conhecimento para estar entendendo melhor o aluno... Essa vinculação da teoria com a prática... Tudo que eu aprendo lá, eu tento colocar em prática.

Na autoconfrontação, esse também foi um tema frequente, como comprova o exemplo

a seguir: questionada sobre o que, a seu ver, havia promovido tantas transformações em sua

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atividade docente, a professora respondeu: “foi depois que eu comecei... Depois da faculdade,

depois que comecei a faculdade. Eu sempre gostei muito de estudar e tudo que iam falando

lá, eu comecei a botar na prática”. Cássia salientou que os conhecimentos teóricos que

obteve sobre a sala de aula passaram a orientar sua atuação docente, promovendo avanços

significativos na aprendizagem dos alunos: “Aí eu fui vendo isso, os níveis de aprendizagem,

como fazia. Aí eu comecei a ver isso mesmo como uma coisa da minha prática, e trouxe

para a sala de aula. E funcionou bem, muita coisa já mudou. Muita coisa mesmo”.

A importância atribuída por Cássia à vinculação entre teoria e prática parece ser uma

exceção entre professores. Diversas pesquisas têm apontado que, de forma geral, os docentes

conferem muito mais valor aos saberes adquiridos na própria experiência de sala de aula do

que à fundamentação teórica proporcionada pelos cursos de formação inicial e/ou continuada.

Alunos de licenciatura entrevistados no estudo de Mizukami (1983) afirmaram que aprendiam

mais com a prática docente de seus próprios professores do que com as teorias sobre práticas

docentes que eles lhes ensinavam. Ao analisar os sentidos e os significados conferidos por

três professoras à profissão docente, Cericato (2010, p. 193) afirma que duas delas “atribuem

grande valor aos conhecimentos que o professor produz em função de sua atuação cotidiana,

desvalorizando totalmente aqueles oriundos da formação técnica e especializada”.

Essa afirmação vai ao encontro dos resultados alcançados em outras pesquisas

(GUARNIERI, 1996; CANDAU; LELIS, 1983; MIZUKAMI, 1983; SILVA, 2005; LELIS,

2011) acerca da atividade docente, nas quais se evidencia a presença de um discurso corrente

entre os professores, segundo o qual “se aprende a ser professor na sala de aula”. De acordo

com Lelis (2011, p. 43), “sob matrizes diversas, o que parece ser consenso é a valorização da

prática cotidiana como lugar de construção de saberes”. Silva (2005, p. 157) afirma que “a

frase ‘é na prática que se aprende a ser professor ou professora’ é um discurso que no Brasil

ninguém pode negar nunca ter ouvido de profissionais do ensino, de alunos e de pessoas que

nunca exerceram a profissão docente”.

Em contraposição à tendência traçada por esses estudos, Cássia demonstrava perceber

a fundamentação teórica como um aspecto fundamental e indissociável da prática cotidiana.

Por isso, afirmava levar para a sala de aula os conceitos e as técnicas aprendidos no curso de

Pedagogia, buscando no saber acadêmico a instrumentalização necessária para o bom

exercício da docência. Segundo Candau e Lelis (1999), a relação entre teoria e prática pode

ser compreendida a partir de duas perspectivas: a dicotômica e a da unidade. A primeira

repousa na separação entre teoria e prática, enfatizando a autonomia de uma em relação à

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outra. Ao passo que a segunda prega que teoria e prática são componentes indissolúveis da

práxis, definida como atividade teórico-prática, na qual ambos os aspectos da atividade

constituem uma unidade de tal ordem que a teoria se modifica em função da experiência

prática, na mesma medida em que esta se altera com a teoria. Pode-se dizer, então, que Cássia

percebia sua atividade docente na perspectiva da práxis.

Vale ressaltar que não era apenas em relação à própria atividade que Cássia via a

teoria e a prática como uma unidade indissociável. Essa mesma perspectiva era empregada

quando analisava a atuação dos demais professores da escola, algo que os indicadores

“Importância da formação continuada no trabalho do corpo docente da escola” (extraído do

conteúdo da entrevista) e “Importância da formação profissional no trabalho da equipe

escolar” (cujo conteúdo proveio da autoconfrontação simples) evidenciaram. Cássia

enfatizou, ainda, que as mudanças ocasionadas pela formação docente inicial não incidiram

apenas em sua atividade: elas imprimiram mudanças também no desempenho profissional das

demais professoras que estavam passando pelo mesmo processo. Segundo disse, até poucos

anos atrás, nenhum membro do corpo docente da escola tinha qualquer formação para o

magistério: “aqui, na escola, todo mundo era concursado e ninguém tinha formação!

Hoje, já temos duas pedagogas, uma psicopedagoga e temos nós, que estamos concluindo no

ano que vem. Nós, eu digo, tem seis professoras”. Além das docentes que haviam concluído

ou estavam concluindo a formação inicial em Pedagogia, todo o corpo docente passava,

segundo Cássia informou, por um processo de formação continuada, no qual se abriu espaço

para a reflexão coletiva acerca dos problemas enfrentados no cotidiano da sala de aula. Em

suas palavras: “são professores especializados, que vão trabalhar tudo que a gente trabalha na

faculdade. E vai trazendo para eles de uma maneira, sabe... E traz a prática da sala de aula

para estar sendo analisada por nós”.

Mais uma vez, cabe destacar que Cássia explicitou, em seu relato, considerar a

formação um elemento essencial para a boa prática docente. Isso reapareceu quando se referia

às professoras que ainda não tinham formação: “porque isso, que eu te falei antes, do aluno

que escreve de uma maneira que a gente, antes, achava que era insignificante, a gente já

tem uma nova visão sobre isso. Quem está chegando agora, não tem e continua trabalhando

da mesma forma, do jeito que essa pessoa acredita que deve ser”. Posteriormente, Cássia

complementou: “tem as formações, embora essas professoras novas, que estão chegando, elas

não fazem ainda faculdade, mas elas participam da formação. E essa formação é

justamente para isso”. É possível perceber, portanto, a importância atribuída pela professora à

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formação, considerada um instrumento fundamental de transformação da prática docente.

Cássia salientava, reiteradamente, que passar pelo processo de formação docente – tanto

inicial quanto continuada – permitia-lhe tentar novas possibilidades e imprimir modificações

significativas no trabalho que desenvolvia na escola, como bem ilustra a fala a seguir: Sinto [que a formação docente faz diferença]. Está fazendo um efeito grande, porque todo mundo aqui incorporou e está trazendo isso para a sala de aula. A gente fica buscando, sabe? Se preocupa, sai daqui e vai para a outra escola, quem vai pegar a turma, a gente vai na Secretaria de Educação, conversa... A gente já estava naquela linha da Uefes, então, a gente está pegando o melhor dessa [formação], pegou o melhor da Uefes e está trazendo para cá [a sala de aula]! Estamos estudando, então isso está melhorando. A gente sabe que tem muita coisa que precisa mudar, mas a gente evoluiu bastante já.

Nota-se, assim, que o valor conferido por Cássia à formação docente relaciona-se

diretamente à questão da unidade entre teoria e prática, ou seja, da práxis. Esse era o aspecto

concreto que vinha desempenhado um papel transformador na realidade da escola.

Efetivamente, o contato com o arcabouço teórico da Pedagogia parece ter trazido, para aquela

escola e para aqueles professores, a possibilidade de implementar novas práticas, que, por sua

vez, levantavam novas questões, respondidas pelas professoras mediante consulta à teoria.

Esse processo dialético parece ter possibilitado o desenvolvimento da atividade docente.

3.2 Núcleo de significação 2 – “Preciso pensar primeiro nos que têm mais dificuldade”

O segundo núcleo de significação é constituído de indicadores cujo conteúdo diz

respeito a diferentes aspectos relativos às “dificuldades de aprendizagem”. Dada a natureza da

presente pesquisa e considerados os objetivos propostos, cabe notar a extrema relevância da

constituição e da análise deste núcleo. Nele, foram aglutinados depoimentos da professora que

tratam tanto de seu entendimento acerca das “dificuldades de aprendizagem” quanto de suas

formas de atuação perante tais dificuldades. Assim, o núcleo articula aspectos diversos das

significações constituídas pela professora a respeito dessa questão, por meio de indicadores

provenientes da entrevista e das autoconfrontações.

Dentre os extraídos da entrevista estão: 1) as atividades diferenciadas para alunos em

diferentes níveis de aprendizagem; 2) os problemas enfrentados para lidar com alunos que

têm dificuldades; 3) quem são os alunos com “dificuldades de aprendizagem” e 4) a relação

dos pais com a aprendizagem dos alunos. Dos indicadores provenientes da ACS encontram-

se: 1) as estratégias para lidar com alunos com dificuldades; 2) os alunos com “dificuldades

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de aprendizagem”; 3) as justificativas para a estratégia de chamar alunos com dificuldade na

lousa; 4) as atividades diferenciadas para alunos com diferentes ritmos de aprendizagem e 5)

o papel dos pais na aprendizagem dos alunos. Finalmente, os indicadores retirados da ACC

são: 1) “Preciso pensar primeiro nos que têm mais dificuldade”; 2) a justificativa da escolha

de certos alunos para ir à lousa; 3) os alunos mais adiantados ficam impacientes por ter de

esperar os mais atrasados e 4) as dificuldades geradas pela falta de acompanhamento dos pais.

Com base no material empírico coletado – os depoimentos da professora –, foi

possível buscar uma articulação dessa materialidade e, por meio de um processo analítico-

interpretativo, alcançar uma aproximação com os sentidos e significados constituídos por

Cássia a respeito das “dificuldades de aprendizagem”. Cabe, assim, destacar um primeiro

aspecto em seu discurso sobre a questão: ao longo da coleta de dados, ela citou dados

diferentes com relação ao número de crianças que, a seu ver, apresentavam alguma

dificuldade. Assim, quando questionada acerca dos alunos que tinham dificuldade, em alguns

momentos ela se referiu a cinco deles e, em outros, mencionou oito. Na entrevista, afirmou:

“quem tem ‘dificuldades de aprendizagem’... Tenho, aqui, nessa turma da manhã, cinco

alunos; à tarde, já tem uns oito...”. Na ACS, entretanto, relatou: “acho que são seis ou oito...

Deixe ver... [ela enumera os alunos citando seus nomes]. São seis. Não, são sete... Então, eu

tenho que ficar com esses sete e ver o que eu posso fazer com eles, para ver se eles

avançam...”. Essa imprecisão do número de alunos com dificuldades pode indicar que, para

Cássia, não estava muito claro quais eram, como se constituíam e se manifestavam essas

dificuldades, o que dificultaria identificar, de fato, os alunos que as apresentavam.

De acordo com a hipótese aqui levantada, a falta de clareza quanto às “dificuldades de

aprendizagem” parece estar relacionada a outro fato: o de Cássia não significar as diferenças

de aprendizado em termos de “dificuldades”, mas segundo “diferentes ritmos de

aprendizagem”. Na verdade, a professora quase nunca se referiu aos alunos que se

encontravam defasados no aprendizado como apresentando alguma “dificuldade”. Esse termo

apareceu em seu discurso apenas quando se viu questionada a respeito. De forma geral, Cássia

referiu-se sempre aos diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos, ou seja, atribuiu a maior

dificuldade de alguns para aprender a um processo mais lento de apropriação e não às

“dificuldades de aprendizagem” em si. Isso fica claro no pré-indicador retirado da ACS:

Ele aprende de um outro jeito, em outro ritmo e a gente fica angustiado, querendo que ele aprenda logo... Porque cada um tem seu ritmo, mas eu fico preocupada: “ai, meu Deus, só avançou até aqui, tem que chegar até aqui”! A minha preocupação é essa! Não quer dizer que ele não avançou, mas que avança em outro ritmo, mais devagar. Esses seis mesmo estão

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assim... E, apesar de estarem menos avançados, eles avançaram, mas cada um dentro de um nível. Ou [pode ser que] estão no mesmo nível, mas pensam diferente.

Entretanto, existe em seu discurso uma notável contradição em relação a sua própria

concepção dos diferentes ritmos de aprendizagem. Por um lado, Cássia acredita que todas as

crianças são capazes de aprender e que as diferenças encontradas entre elas se devem aos

ritmos variados com os quais aprendem – algo que fica claro em sua fala na entrevista:

“quando a gente tem uma sala... por exemplo, na manhã são 25 alunos, mas tem uns poucos

que já leem convencionalmente, outros não... Mas eu sei que, apesar de ainda não estar

decodificando, eles também estão aprendendo”. Por outro lado, na ACS, afirmou: “tem

alunos que a gente está explicando, está explicando, e ele não consegue entender e nem ele

pergunta! Ele se esforça, mas não consegue aprender! A gente fica preocupada”. Aqui,

fica evidente a contradição mencionada: Cássia considerou que, por mais que o aluno se

esforçasse, ele não conseguia aprender. Cabe perguntar, então, se essa “incapacidade” para

aprender se deveria, em seu entender, a uma “dificuldade de aprendizagem” ou a uma

dificuldade de ensino, agora causada pela professora, considerando que, em sua própria

opinião, todos eles são capazes de aprender.

Ainda que não se solucione a contradição aqui apresentada, uma vez que ela parece ser

parte constitutiva dos sentidos e significados que Cássia atribui às “dificuldades de

aprendizagem”, uma possível resposta a essa questão pode ser encontrada no discurso da

professora. Ela se questionou, repetidamente, sobre a possibilidade de a qualidade das aulas

por ela ministradas estar diretamente relacionada ao não aprendizado por parte de alguns

alunos: “fico preocupada, porque eu queria que eles avançassem mais rápido e eu acho

que está faltando alguma coisa para poder ajudar. Mas eu não sei o que é! Não sei se são

as atividades, a forma... Eu não sei, porque, assim, a gente trabalha mais com texto, papel,

quadro, essas coisas”.

Em outro momento da entrevista, o mesmo questionamento reapareceu: “às vezes, eu

fico, assim, com alguma dúvida, porque eu queria que todo mundo aprendesse da mesma

maneira, no mesmo momento, né?”. Nesse fragmento, Cássia parece sugerir que considera

seus alunos capazes de aprender, mas que esse aprendizado se processa em diferentes ritmos

para diferentes alunos. E preocupa-se com essa situação por querer que todos aprendam da

mesma maneira, no mesmo momento. Fica claro, portanto, que a professora questiona a

qualidade do ensino que oferece às crianças e, ainda, que considera a possibilidade de as

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dificuldades enfrentadas pelos alunos estarem diretamente relacionadas à forma como exerce

a atividade docente.

É interessante notar que Cássia desenvolve as atividades pedagógicas sempre tendo

em vista as diferenças nos ritmos de aprendizagem das crianças, algo que parece se coadunar

com a perspectiva de que todos os alunos estão aprendendo, ainda que de formas e ritmos

diversos. A professora relatou que procura realizar atividades diferenciadas, que contemplem

cada aluno em seu nível de aprendizagem: “eu tento montar uma atividade que caiba para

vários graus de aprendizagem. Agora, é difícil, né?”. Na entrevista, a docente explicou

como planeja e cumpre essas atividades: “todo mundo trabalhando com o mesmo texto. É

assim: todo mundo participa, todo mundo tem conhecimento do mesmo texto: a atividade

é que é diferenciada”. Ela mencionou, ainda, que, para os alunos mais adiantados, as

atividades envolvem a solução de questões mais complexas e também que “para aqueles que

já estão mais avançados, tem atividades de produção e revisão textual, já pensando nas

questões ortográficas”. Na ACS, a professora novamente discorreu sobre sua forma de

desenvolver atividades diferenciadas: “aí, você dá a mesma atividade e não é a mesma

atividade. Às vezes, pode até ser a mesma, mas a forma de conduzir é diferente”. Em outro

momento da ACS, Cássia reforçou essa questão:

No caso dessa aula de Matemática, ou nas aulas de Português, eu sempre coloco a mesma atividade, o mesmo texto. Mas, aí, um vai escrever o texto de memória, outros vão montar, outros encontrar palavras, outros vão selecionar as letras que formam tais palavras... É a mesma atividade, assim, mas não é a mesma forma.

No entanto, Cássia relacionou uma série de problemas para oferecê-la, contemplando

todos os alunos, em diferentes momentos do aprender. Um deles se refere à necessidade de,

nas atividades, atingir não só os alunos com dificuldades, mas também os mais adiantados.

Estes últimos, segundo Cássia, frequentemente terminam suas tarefas muito mais rápido que

os demais, ficando impacientes ou entediados por terem de esperar os outros, conforme

explicitou em seu relato: “Você vê que, quando uns avançam demais, outros menos,

aqueles que avançam demais correm o risco até de regredir, porque já sabem tanto e

não têm tanto desafio: fica monótono!”. Posteriormente, ela complementou: “Então,

trabalhar essa diferença é muito complicado, mesmo trabalhando com grupo produtivo e

tudo”. Na ACC, esse conteúdo foi, mais uma vez, retomado: “como os meninos [mais

adiantados] já tinham feito essa atividade, não era desafiador ficar ali, só prestando

atenção... Aí, começaram a sair do lugar, ficar agoniados, já queriam logo fazer...”.

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É interessante notar, entretanto, que o fato de os alunos mais adiantados terminarem

mais depressa e ficarem entediados ou impacientes – e, portanto, começarem a bagunçar –

parece ser decorrência de uma falha no planejamento das atividades. Isso porque, se elas

devem atingir todas as crianças, precisam ser elaboradas de modo que seus níveis de

dificuldade sejam suficientemente desafiadores para manter a classe toda ocupada. Mas, ao

que consta, não é isso o que acontece, pois elas o são apenas para os alunos mais defasados.

Pode- se inferir que essa falha no planejamento das atividades diferenciadas decorra do fato

de Cássia privilegiar, constantemente, justamente esses alunos – os mais atrasados – durante a

elaboração das atividades pedagógicas.

Esse procedimento realizado pela professora fica bastante evidente no indicador

“Preciso pensar primeiro nos que têm mais dificuldades”, retirado da ACC, no qual Cássia

afirmou o seguinte: “já tem uma grande maioria, graças a Deus, que já está lendo, mas têm

aquelas crianças, ali, que são seis, que ainda não reconhecem nem as letras! Então, a gente

tem que, primeiro, pensar nelas”. Em outro momento da ACC, ela reiterou essa opinião:

“preciso ajudar os alunos, preciso pensar primeiro, agora, nesse momento, mais neles, os

que estão mais atrasados e precisam de mais investimento. E preciso elaborar, também,

atividades para os outros”. Apesar de Cássia afirmar a necessidade de elaborar atividades para

os mais adiantados, fica bastante nítido, em seu discurso e em sua prática em sala de aula,

que, ao planejar tais atividades, ela se dedica majoritariamente aos alunos mais atrasados,

conforme se pode perceber em sua fala na ACC: Os outros, que já estavam mais avançados, ficaram impacientes. E a gente, também, tem que pensar em atividades que favoreçam esses... Porque, geralmente, quando eu vou pensando, planejando, penso que tem pouco tempo para os outros avançarem, esses também, esses que ainda não avançaram tanto... E os outros, que já estão mais adiante, eles querem ajuda logo, porque eles precisam, também, fazer a parte deles, seguir [em frente].

A realização do planejamento das atividades pedagógicas focadas, principalmente, nos

alunos mais atrasados em termos de aprendizagem aparece também na estratégia,

frequentemente empregada por Cássia, de privilegiar esses alunos na produção coletiva,

quando toda a classe compartilha as atividades realizadas. Nesses momentos, mostrou-se

comum a professora chamar alunos para responder às questões no quadro-negro, para que

pudessem dividir com os colegas os resultados que cada um havia alcançado. Na escolha dos

alunos para resolver as atividades na lousa, a professora geralmente selecionava os mais

atrasados. Nos indicadores “Justificativas para a estratégia de chamar alunos com dificuldade

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na lousa” (retirado da ACS) e “Justificativa da escolha de certos alunos para ir à lousa”

(proveniente da ACC), Cássia explicou essa estratégia: é preciso cuidar da autoestima das

crianças. Segundo ela: [...] quando vai na frente, ele [o aluno] se sente importante e, ao mesmo tempo que pode se sentir vulnerável, ele se sente também protegido, porque sabe que alguém vai ajudar. Porque eu sempre peço: “gente, agora vocês podem ajudar fulano”... Então, eu acho isso interessante, também.

A docente tem razão quando considera que as crianças chamadas à lousa se sentem

reconhecidas: Cássia encontra-se respaldada na atitude dos próprios alunos, que aparentam,

de fato, apreciar – com raríssimas exceções – a oportunidade de resolver as atividades diante

dos demais, algo observado pela pesquisadora no decorrer das aulas filmadas. A satisfação

das crianças escolhidas para ir à lousa era evidente, uma vez que todas requisitavam e

insistiam muito para serem chamadas.

Entretanto, nem todas iam à lousa com a mesma frequência. Conforme explicado

anteriormente, Cássia privilegia, nesses momentos, os alunos mais atrasados em termos de

aprendizagem, justificando essa seleção com uma série de argumentos. O primeiro deles é o

de que, indo à lousa para responder às questões, os alunos com dificuldades ficam mais

atentos e menos dispersos: “aí, com eles, foi, também, porque eles são inquietos, não prestam

muita atenção... Então, eles indo na frente, também tem essa coisa de que eles, estando lá,

ficam mais centrados lá...”. Assim, Cássia demonstra que, para ela, responder às questões no

quadro-negro constitui um momento especial para o aprendizado das crianças, como

esclareceu no pré-indicador: “Eu queria chamar esses meninos aí, para que eles percebessem

realmente a questão”. Ela explicou a importância de chamar à frente da lousa os alunos menos

adiantados, pois: “se eu deixasse cá num canto, eles nem iriam ligar, porque, para eles,

não tem tanto significado, como para os outros; eles ainda não sabem ler nem escrever

direito, eles iriam pensar: ‘ah, deixa lá para quem já sabe! Vamos ficar brincando aqui’... Por

isso, eu chamo eles para ir [à lousa]”.

Se, por um lado, ir à lousa constitui um fator de mais atenção para os alunos

defasados, na opinião de Cássia, essa mesma atividade pode ser considerada muito fácil pelas

crianças mais adiantadas e sua resolução muito rápida. A professora afirmou acreditar que,

caso chamasse com mais frequência os mais adiantados, eles responderiam facilmente às

questões, impedindo, assim, que os colegas se apropriassem de suas respostas: “porque, se eu

chamasse, logo de imediato, os meninos que já sabem, eles já saberiam de imediato e a

gente não teria, assim, esse momento para eles [os mais atrasados] aprenderem”. Outra

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justificativa ressaltou que os alunos mais adiantados haviam sido muitas vezes chamados para

participar junto à lousa no início do ano letivo, de modo que, em meados de julho, quando se

deu a coleta de dados, era chegada a vez de investir mais fortemente nos mais atrasados. Esse

conteúdo aparece no pré-indicador “É porque, no início, eles [os mais adiantados] já foram

muito até a lousa e conseguiram avançar. E, então, agora, é o momento desses outros...”.

Apesar das diversas explicações oferecidas por Cássia para suas escolhas pedagógicas,

as crianças mais adiantadas eram claramente preteridas nos momentos de participação

coletiva, ressentindo-se dessa situação: esse descontentamento era demonstrado tanto por

meio de palavras e pedidos de participação quanto por atitudes que sinalizavam que, caso a

situação perdurasse, sem que fossem chamadas a participar, deixariam de prestar atenção às

explicações dadas em aula. Esse conteúdo aparece nos episódios analisados nas

autoconfrontações, momento em que Cássia percebeu essa realidade, conforme indicou em

sua fala: “porque você vê que alguns ficam chateados, ou começam a brincar... Mas...

Esse também é um problema, né?”. Se a professora nota isso, ela dá, ao mesmo tempo, sinais

de que não sabe ao certo como lidar com esse problema. E reflete sobre o assunto: Agora, realmente, eu tenho que pensar em outras atividades que eles poderiam ir mais... Para chamar a atenção desses outros, também... Porque eles estão indo menos, mesmo. Tem uma justificativa: tem essas questões de ter que ajudar mais quem precisa mais, mas eles, os outros, não entendem isso e acabam ficando chateados... É um problema. Não é um problemão, mas é um problema.

Novamente, cabe aqui uma reflexão acerca da estratégia adotada pela professora no

planejamento das atividades pedagógicas. Em diversos momentos, ela indicou ter consciência

de não estar contemplando, em suas aulas, as necessidades de todos os alunos e reafirmou sua

prioridade em relação aos mais atrasados, algo que é compreensível, porque tais crianças

realmente precisam de atenção e dedicação maiores. Entretanto, não se justifica a elaboração

de estratégias pedagógicas voltadas apenas para as necessidades de uma parcela dos alunos.

Caso a professora tivesse elaborado atividades diferenciadas, que se mostrassem interessantes

e complexas para as diferentes crianças às quais se destinavam – e não apenas às mais lentas –

o problema poderia ter sido sanado e as crianças mais velozes não teriam se entediado. Da

mesma forma, se Cássia tivesse um repertório mais variado, a docência seria mais fácil para

ela, pois disporia de mais recursos para ajudar as crianças que mais necessitam dela. Se, em

vez de chamar os mesmos alunos sempre à lousa, ela propusesse, por exemplo, mais

exercícios em duplas e/ou grupos, a classe ficaria entretida na solução dos problemas, de sorte

que ninguém precisaria esperar, pacientemente, o término da exposição dos outros colegas de

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como solucionaram as questões dadas no quadro-negro. Nesse sentido, a falta de formação

docente sólida faz-se presente, em prejuízo dos alunos.

Outro fator citado pela professora como grave dificuldade para a realização de

atividades diferenciadas refere-se à forma de administrar uma sala de aula repleta de alunos

em diferentes níveis de aprendizagem: “tem horas que a gente tem que dar muita assistência

para esses alunos que têm mais dificuldades! E, como as salas são lotadas, às vezes, a

gente não consegue dar conta. [...] Você quer dar uma atenção especial para aquela

criança e não tem como...”. À dificuldade de gerir a sala de aula soma-se o grande número

de alunos, de modo que Cássia sente-se premida por vários obstáculos para a adequada

realização da atividade docente, conforme reiterou na entrevista: Porque tem momentos em que aquela criança não quer fazer nada Mas, no momento que ela quer fazer, se você chegar perto, aí ela consegue dar uma avançada... E, às vezes, naquele momento, você não tem como chegar perto dele, porque tem que dar conta de outros, ou de outras coisas, na própria sala: tipo alguém que não trouxe material ou outro, que está cutucando o coleguinha.

Em busca de estratégias eficazes para sanar essa dificuldade de administrar uma sala

de aula formada por alunos diferentes entre si em termos de conhecimentos, experiências e

ritmos de aprendizagem, Cássia contou ter encaminhado a questão ao conselho docente, com

o intuito de receber de seus pares uma eventual sugestão ou solução para esse problema.

Entretanto, o encaminhamento oferecido pelo conselho não lhe trouxe resultados positivos.

Em suas palavras:

A gente colocou como encaminhamento, no conselho de classe, que tem alguns alunos bem adiantados e outros bem menos. A gente colocou, assim, 15 minutos ou 20 antes de ir para casa: eles [os alunos mais atrasados] ficam com o professor, enquanto os outros brincam ou fazem alguma atividade e tal. Mas não está funcionando! Eu tento fazer isso, mas, quando eu vejo, o tempo já passou e os outros brincam e brigam, fazem barulho... Aí, eu não dou conta, atrapalha. E a criança que esta lá, também, ela fica perdida, fica agoniada, aquele barulho, todo mundo brincando e ela lá.

Em outro momento da ACS, a professora mencionou mais um possível

encaminhamento para essa questão. Disse que conversaria com a professora de Educação

Física para “ver se prioriza mais a minha turma. Não que deixe de dar [aulas] para as

outras turmas também, mas que priorize, depois do intervalo, a minha, para que eu fique 40

minutos só com aqueles que precisam mais. Porque, se eu trago todos para a sala, não dá

certo”. É possível perceber, assim, que os demais professores da escola também não sabem

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como se portar diante dos impasses que a variedade dos alunos coloca à docência.

Aparentemente, não foi cogitada a possibilidade de desenvolver outras atividades

pedagógicas, capazes de interessar e ocupar todos os alunos. Uma única estratégia foi

levantada pela equipe docente: separar os alunos segundo diferentes níveis de aprendizado.

Em momento nenhum foi mencionada a hipótese de elaborar novas estratégias que reunissem

os alunos para permitir a troca de conhecimentos e, sobretudo, para que uns pudessem

contribuir para o aprendizado dos outros.

Cássia referiu-se, repetidamente, ao fato de não conseguir, sozinha, coordenar a sala

toda, pois alguns alunos se dispersam e causam tumulto. Isso significa que a docente se

considera a única mediadora entre os alunos e o conhecimento. Desconsidera, portanto, a

possibilidade de outros estudantes, os mais adiantados, poderem realizar essa mediação,

ajudando os mais defasados na apropriação dos conteúdos ministrados em aula e das

habilidades que deles se esperam. É interessante observar que, embora busque soluções para

trabalhar com os diferentes ritmos de aprendizagem, a professora não dispõe de um arcabouço

teórico e metodológico que lhe permita adotar uma abordagem mais efetiva quanto a isso.

Sem dúvida, Cássia busca romper com a perspectiva das “dificuldades de aprendizagem”

como sendo um problema localizado exclusivamente no aluno: para ela, as dificuldades são

significadas como diferentes ritmos de aprendizagem. Ela indicou, também, que busca refletir

acerca da própria atividade na tentativa de melhor lidar com a situação. No entanto, apesar de

suas louváveis intenções, a professora não consegue se desvencilhar de velhos padrões,

provavelmente porque eles foram construídos ao longo de anos – algo que a breve formação

docente recebida não lhe permite, ainda, modificar inteiramente.

Ainda que Cássia signifique as “dificuldades de aprendizagem” como ritmos

diferentes de aprendizagem e tente buscar, em sua atividade pedagógica, as soluções para tais

questões, a professora recai na perspectiva frequentemente assumida pelos professores: a de

que a subjetividade do aluno – ou sua condição material – é a possível causa das “dificuldades

de aprendizagem”. Essa posição de Cássia apareceu quando, na entrevista, ela citou os

prováveis motivos das dificuldades enfrentadas pelos alunos mais “lentos”: Uns, é porque faltam muito; outros não têm acompanhamento em casa: chega, na sala, sem material – e a gente tem que estar improvisando no momento da aula; e alguns que têm outros fatores, assim, pessoais. Chegam e não querem fazer nada! Estão tristes, alguns que até questionam, que não têm comida em casa, essas coisas...

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Essa explicação de Cássia vai ao encontro de diversas pesquisas (FERNANDEZ,

1991; MARTINI; DEL PRETTE, 2002; PATTO, 2004) realizadas com professores, segundo

as quais os docentes tendem a atribuir as causas das “dificuldades de aprendizagem” às

características individuais do aluno. Em outros momentos, Cássia atribuiu à estrutura familiar

do aluno um papel importante – embora não único – no sucesso escolar. Essa concepção

aparece claramente nos indicadores “Sobre a relação dos pais com a aprendizagem dos

alunos”, retirado da entrevista; “Sobre o papel dos pais na aprendizagem dos alunos”,

proveniente da ACS, e “Dificuldades geradas por falta de acompanhamento dos pais”, da

ACC. O pré-indicador “Fora isso, tem a questão dos pais, que não ajudam muito... Não

ajudam mesmo. É uma minoria, os pais que chegam, aqui, para poder saber sobre o filho. Só

vêm quando é chamado nas reuniões” exemplifica como a professora configura o problema.

Outro exemplo é o pré-indicador “Eles não têm apoio em casa, nas atividades... Eles teriam

que ter sempre alguém ali observando, apoiando...”. Esse conteúdo apareceu, também, quando

Cássia comentou a relevância da formação dos pais: Tem a questão dos pais, alguns pais não têm nenhuma formação também, não estudaram, ou estudaram muito pouco, trabalham muito, outros que acham que o papel da escola é ensinar e acabou! Então, não fazem o dever de casa, não ajudam, tem meninos que chegam com o material incompleto... Então, isso são fatores que vão contribuindo para que esses alunos não avancem...

De acordo com Patto (2004), a responsabilização da família do aluno pelas

“dificuldades de aprendizagem” é muito frequente entre os professores. Contudo, cabe

salientar que, apesar de atribuir aos pais parte importante da culpa pelos problemas

pedagógicos enfrentados pelos alunos, Cássia não se exime de sua parcela de

responsabilidade na produção e na manutenção de tais problemas, como fica claro no pré-

indicador transcrito abaixo:

Mas eu acho que é essa questão do acompanhamento em casa... na sala, tem também a questão do pedagógico, talvez não é de qualidade, assim, como eles gostariam que fosse. Mas, também essa questão de... em casa, o desinteresse... Aí, chega na escola, presta atenção em alguma coisinha, mas não acha assim, tão interessante e chega em casa, leva a atividade, mas o pai não dá a devolutiva. Tem sempre alguém que fala assim: “ah, meu pai estava cansado, minha mãe estava cansada, não fez a atividade porque disse que pode fazer na sala, com a senhora, que essa questão, aí, a senhora que tem que fazer”... Então, isso deixa muito a escola sobrecarregada, eles tiram o corpo fora e a gente não dá conta!

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A professora acredita, portanto, que a atenção e a ajuda dos pais são uma condição

necessária para um ensino eficaz, desconsiderando que a função docente é dela e não da

família: “eles não têm esse acompanhamento e isso dificulta, porque a gente precisa

dessa parceria. Você sabe, né? A gente precisa dessa parceria! Se não tem, fica só o

professor lá, se desmiolando. E, às vezes, o resultado não vem como a gente quer...”. A

professora relatou que, dada a importância da família no sucesso da aprendizagem de seus

filhos, ela vinha buscando formas de fortalecer os laços da escola com os pais de seus alunos: Agora a gente está explicando [aos pais] como é feito o trabalho, baseado em que o que a gente está aprendendo, o que os meninos estão trazendo, para eles perceberem que a escola não trabalha isolada da sociedade, que a escola trabalha em parceria, quer trabalhar em parceria...

Tendo em vista tais considerações, este núcleo de significação possibilita, de fato, uma

aproximação com os sentidos e, principalmente, com os significados constituídos por Cássia

acerca das “dificuldades de aprendizagem”. Fica claro, aqui, que o processo de formação

docente provocou mudanças em sua atividade pedagógica, alterando sua maneira de significar

as “dificuldades de aprendizagem”, que passaram a ser percebidas como diferentes ritmos de

aprendizagem. Essa transformação é extremamente positiva, uma vez que permite a

compreensão do fenômeno sob uma ótica a partir da qual é possível desenvolver práticas

pedagógicas eficazes para que o ensino por ela ministrado provoque o aprendizado de todas as

crianças, com seus diversos ritmos e formas de aprender. Por outro lado, pode-se inferir que,

se para Cássia os significados foram bastante alterados, os sentidos constituídos acerca das

“dificuldades de aprendizagem” não sofreram o mesmo impacto. Embora a professora tenha

apresentado sinais claros de que a mudança nos significados acarretou uma ressignificação,

ou seja, a transformação da constituição de seus sentidos sobre essa questão, eles,

aparentemente, ainda se encontram vinculados à ideia de que o problema se localiza ora nos

alunos, em suas famílias ou em suas condições sociais; ora em sua própria atividade docente.

Assim, segundo sua perspectiva, as dificuldades estão sempre fundamentadas em um dos

polos da relação ensino-aprendizagem, ou seja, a professora não extrapolou ainda essas

esferas, de modo a articular a produção das “dificuldades de aprendizagem” às múltiplas

determinações que as constituem.

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3.3 Núcleo de significação 3 – Atividade docente: “Eu invisto muito no trabalho em

grupo, porque no grupo tem sempre alguém que está um pouco mais na frente.”

O terceiro núcleo de significação é resultado de uma grande variedade de indicadores,

uma vez que trata de uma série de conteúdos relacionados à atividade docente de forma

ampla. Assim, inclui desde indicadores relativos às práticas pedagógicas, aos objetivos e às

metas que direcionam a atividade, às dificuldades enfrentadas na prática de sala de aula, até as

concepções que norteiam essa prática e, ainda, a forma como os alunos e a própria atividade

profissional são avaliados pela professora. Este núcleo é, também, fruto da articulação de

indicadores retirados tanto da entrevista quanto das sessões de autoconfrontação. Os

indicadores da entrevista são: 1) a organização do tempo; 2) a prática pedagógica: as formas

de trabalhar em sala de aula; 3) a importância das atividades em grupo; 4) os aspectos

envolvidos na avaliação; 5) a preferência pelas séries iniciais; 6) a valorização da profissão:

“é muito desvalorizada a nossa classe”; 7) quem é o aluno; 8) a autoavaliação – pontos

positivos da prática docente: sempre valorizar o que a criança já traz; 9) a autoavaliação –

pontos negativos da prática docente; 10) as dificuldades na prática pedagógica: “gostaria de

fazer outras atividades”; 11) as dificuldades na prática pedagógica geradas pela falta de

material didático; 12) a meta: alfabetizar todos os alunos e 13) a realização profissional:

satisfação ao ver que as crianças estão aprendendo.

Incorporaram-se também a este núcleo indicadores advindos da ACS, a saber: 1) a

atividade de leitura com parlenda: textos conhecidos pelos alunos facilitam a aprendizagem;

2) a importância da intencionalidade na prática docente; 3) a silabação; 4) as atividades em

grupo: vantagens e desafios; 5) os critérios para a formação de duplas de trabalho; 6) os

benefícios e as dificuldades das atividades em duplas; 7) a ausência de material didático; 8) as

dificuldades na prática pedagógica e 9) a meta de alfabetizar todos os alunos: ideal versus

realidade. A ACC forneceu os seguintes indicadores: 1) as intervenções da professora ajudam

as crianças a desenvolver a atividade; 2) as atividades em grupo: os alunos se ajudam

mutuamente; 3) a necessidade de ajuda: “gostaria de ter mais uma professora auxiliando as

atividades durante as aulas” e 4) a meta de alfabetizar todos os alunos: “não quero cumprir só

por cumprir, mas porque sei que eles precisam”.

A partir deste núcleo, é possível compreender certos aspectos constituintes da

atividade docente de Cássia, que afirmou gostar muito de ser professora, embora saiba que a

carreira docente é muito desvalorizada: “eu gosto de ser professora, mas queria ser mais

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valorizada, financeiramente... E penso, também, nos meus filhos, porque com o salário que

eu ganho, não posso mandá-los para uma faculdade boa...”. A desvalorização da docência é

um fato já bastante conhecido na realidade da educação brasileira. Apesar do baixo salário,

Cássia afirmou: “é muito desvalorizada, a nossa classe; mas eu gosto de trabalhar, eu me

sinto muito satisfeita ao ver que as crianças estão aprendendo”. Dessa forma, a vivência

de Cássia em relação à profissão parece ser bastante positiva. Essa impressão acentua-se ainda

mais quando se observa que seu filho expressou o desejo seguir a mesma carreira da mãe, o

que provavelmente indica que o contato com tal profissão em casa – e por meio da mãe – foi

bastante positivo.

Além de gostar de lecionar, Cássia aprecia também o fato de poder ministrar aulas

para as crianças das séries iniciais: “eu sempre trabalhei com [o ensino] multisseriado, com a

educação de jovens e adultos. Eu tenho preferência por trabalhar com as séries iniciais, na

faixa etária de cinco até sete anos”. A professora afirmou que essa preferência se deve a dois

motivos. O primeiro diz respeito ao conteúdo a ser ensinado, ou seja, a alfabetização: “porque

eu trabalho com alfabetização e eu gosto, porque acho que é a base...”. A possibilidade de

alfabetizar crianças apresenta-se, para ela, como um forte motivo de realização profissional,

como indicou em sua fala: “agora, eu me sinto realizada assim, porque eu estou

trabalhando com a turma que gosto, que é a de alfabetização”. A segunda razão

assinalada por Cássia como determinante de sua preferência pelas séries iniciais é a faixa

etária dos alunos: “eu gosto de trabalhar com criança. Adolescente... eu já acho que eles são

agitados demais... As crianças são agitadas, mas elas compreendem mais, elas respeitam

mais... Aí, eu gosto mais dessas séries”.

Em relação à preparação das aulas, Cássia relatou que, semanalmente, são realizadas

reuniões com as demais professoras e a equipe gestora, para planejar os conteúdos a serem

ministrados. No entanto, o tempo disponível para essas reuniões não é suficiente para preparar

as aulas: “Eu fico 40 horas na escola; e a gente, na sexta-feira, a gente planeja aqui. Mas eu

dou continuidade em casa, porque é muita coisa, a gente tem que pesquisar o material e, aí,

na escola, não dá!”. Assim, Cássia desenvolve em casa, diariamente, o planejamento de suas

aulas: “eu levo para casa, para poder estar planejando diariamente as atividades da

segunda, terça, quarta e assim vai de acordo com o que a gente discutiu no grupo”.

Segundo Cássia, o planejamento diário das atividades a serem desenvolvidas em sala

de aula é muito importante em razão do papel fundamental que ela atribui à intencionalidade

da atividade docente. Ela relatou que, muitas vezes, os professores não desenvolvem uma boa

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docência pela falta de planejamento, ou seja, pela falta de clareza acerca dos objetivos que

buscam alcançar e das atividades que devem desenvolver para que tais objetivos sejam

alcançados. Essa perspectiva adotada por Cássia fica evidente no seguinte pré-indicador: E isso por causa da falta desse planejamento do como ensinar, do que você quer fazer com cada um, ou com cada dupla. Tem que intencionar mesmo! Porque se você não intenciona, fica aquela coisa: você lá na frente pá, pá, pá, pá, achando que está dando tudo na aula. Os meninos repetindo que nem uns papagainhos e a gente achando que está fazendo e acontecendo! E não está! Está discriminando, está deixando para lá e nem está pensando [que isso está acontecendo]!

Cássia acredita, entretanto, que não basta a intenção de ensinar a todos os alunos: é

preciso ter, também, uma base teórica que fundamente a prática. É necessário conhecer os

processos de ensino-aprendizagem para criar estratégias eficazes de aprendizado. Segundo

seu relato: “antes, eu tinha intenção de ajudar os alunos, quando eu trabalhava na zona

rural. Mas eu não tinha esse conhecimento, ainda. Então, os meninos silabavam que era

uma beleza, mas os que não conseguiam logo, coitados, acabavam perdendo, ficavam para

trás”. Da mesma forma, quando se remeteu ao reforço escolar, Cássia assumiu uma posição

crítica, atribuindo-lhe um papel central, desde que executado por professores qualificados e

bem embasados teoricamente, capazes de superar práticas ultrapassadas, como a silabação: Teria que ser um reforço de alguém que está nessa área e entenda [do assunto]. Porque alguns reforços por aí, não adiantam: só fazem a criança copiar... E em outros, os professores só silabam e não querem nem saber como a criança aprende, não querem saber de nada.

Além da importância da intencionalidade e da fundamentação teórica para o exercício

de uma boa docência, Cássia confere um papel importante ao desenvolvimento de atividades

capazes de despertar o interesse dos alunos. A seu ver, elas deveriam ser lúdicas e dinâmicas,

mantendo uma relação clara com a realidade concreta das crianças. A professora relatou,

como exemplo, uma experiência bem-sucedida, que gerou interesse e promoveu efetivamente

a aprendizagem das letras do alfabeto: “aí, eu fiz um alfabeto móvel e a gente coletou garrafa

PET para fazer um boliche. E isso ajudou bastante, foi bem interessante!”. Na ACS, Cássia

abordou, também, a questão de desenvolver atividades que estabeleçam relação com

conteúdos conhecidos pelos alunos. Informou que, a partir de uma parlenda já trabalhada

diversas vezes de forma lúdica – cantada em roda na aula de Educação Física e,

posteriormente, em uma atividade em que os alunos pulavam corda –, ela desenvolveu

atividades de leitura e escrita. Duas dessas atividades, baseadas na parlenda em questão,

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foram analisadas nas sessões de autoconfrontação. Cássia comentou, na ACS, a importância

de trabalhar a habilidade de leitura com base em um texto já conhecido pelos alunos, visto por

eles como algo leve e divertido: Então, eu já tinha feito uma sequência e eles já tinham brincado com essa música, também, na aula de Educação Física, pulando corda. Então, percebi que eles já sabiam esse texto de memória e, então, apresentei esse texto de memória escrito, para que eles percebessem esse paralelo entre como se fala e como se escreve. Assim, teria que ser um texto conhecido, porque o texto facilitaria essa leitura! A gente não poderia pegar um texto do nada: teria que ser um texto de memória, porque essa é uma condição muito boa, para que o aluno comece a despertar esse interesse em ler.

A percepção de Cássia sobre a necessidade de desenvolver, frequentemente, atividades

lúdicas ligadas à realidade dos alunos, aparece, também, como preocupação em relação à boa

qualidade de seu trabalho. Apesar de buscar constantemente preparar atividades pedagógicas

planejadas e, portanto, com intencionalidade educativa, a professora afirmou que nem sempre

consegue atingir suas metas: “eu queria estar fazendo coisas a mais, coisas mais lúdicas...

Porque essa fase, né, exige isso. Então, às vezes, eu acho que fica faltando algo, que fica

muito pobre para eles...”. Essa inquietação retornou quando, ao avaliar os aspectos positivos e

negativos de sua prática docente, apresentou como ponto negativo a impossibilidade de

desenvolver, diariamente, práticas pedagógicas vinculadas à realidade concreta dos alunos.

Em suas palavras: “é um ponto negativo, para mim, não dar essa condição para o aluno

trabalhar diretamente com o útil, todos os dias. E eu não tenho essa condição, a de fazer

essas atividades desse jeito e nem tenho quem me ajude a fazer”.

Cássia parece não ter percebido a impossibilidade de realizar todas as atividades

pedagógicas relacionando-as à realidade concreta dos alunos. Nem sempre é possível

apresentar as atividades previstas no currículo vinculando-as ao dia a dia das crianças, de

modo que a ideia apresentada por Cássia parece bastante idealizada. Nas situações nas quais

não é possível vincular os conteúdos programáticos às vivências cotidianas, o desejável é que

se explique a importância do que se aprenderá para a vida presente ou futura dos alunos.

O valor atribuído por Cássia ao planejamento e à realização de atividades lúdicas e

concretas relaciona-se, diretamente, ao fato de ela acreditar que ambas exercem um papel

fundamental na aprendizagem, especialmente na faixa etária com a qual trabalha: crianças de

seis a sete anos de idade. A professora considera que só assim se consegue despertar o

interesse dos alunos e, consequentemente, promover a aprendizagem dos conteúdos. É

interessante observar que a importância dada às atividades que se vinculam diretamente à

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vivência concreta das crianças encontra apoio na teoria de Vygotsky (2000), no que se refere

à formação de conceitos espontâneos e conceitos científicos.

Os conceitos espontâneos são cotidianos, informais, não mediados. Ou seja, são

adquiridos na e pela experiência direta das crianças em seus contextos de vida, sem mediação

docente e, portanto, sem que exista nenhuma intencionalidade educativa. Os conceitos

científicos, por sua vez, são mediados pelo professor, que ajuda a criança a formar um sistema

hierarquizado de conhecimento. Segundo Vygotsky (2000), a diferença fundamental entre os

conceitos espontâneos e os científicos reside, justamente, na mediação do docente. Assim, o

desenvolvimento de um conceito científico parte de uma definição verbal, abstrata, que vai ao

encontro do concreto, do que é vivido no cotidiano. Nas palavras de Vygotsky (2000, p. 244),

o caminho do desenvolvimento dos conceitos científicos “é determinado pela definição verbal

primária que, nas condições de um sistema organizado, descende ao concreto, ao fenômeno,

ao passo que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos se dá fora do sistema, ascendendo

para generalizações”.

Ainda segundo o autor, a aprendizagem escolar – que trata especificamente dos

conceitos científicos – é sempre mais abstrata e genérica do que a aprendizagem dos conceitos

cotidianos. Desse modo, para ensinar os conceitos científicos, é importante que o professor

seja capaz de estabelecer os nexos entre os conceitos científicos e os cotidianos, de modo que

os primeiros se enraízem nos segundos. Entretanto, nem sempre se alcança esse

entrelaçamento entre os dois tipos de conceitos, uma vez que muitas vezes os científicos não

apresentam uma relação imediata com a realidade concreta do aluno naquele determinado

momento da aprendizagem. Apesar disso, discutir as articulações entre os conceitos

científicos e cotidianos, de modo a evidenciar a centralidade da apropriação dos conceitos

científicos para os conhecimentos futuros do aluno é, sim, factível para um bom professor.

Para Daniels (2003, p. 73), “uma maneira de compreender parte do processo de ensino

é em termos de ajudar as crianças a fazerem ligações entre sua compreensão cotidiana e o

conhecimento escolarizado”. Assim, quando Cássia enaltece a importância de partir do

conhecimento concreto, que o aluno já traz de seu cotidiano, a fim de se apropriar do

científico, ela está, por um lado, de acordo com os conceitos elaborados pela teoria

vygotskiana, que busca ancorar os conceitos científicos nos conhecimentos cotidianos. Por

outro lado, Cássia acaba limitando a abrangência de seu ensino: se não lhe é possível

relacionar os conceitos científicos aos cotidianos, ela acaba também por não discutir a

importância dos primeiros para a vida atual ou futura dos alunos.

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De fato, o valor que ela atribui à relação entre os dois tipos de conhecimento a serem

ensinados vincula-se à maneira como vê seus alunos, conforme relatou na entrevista: “eu vejo

meus alunos como seres pensantes, que já trazem muitos conhecimentos... Eles trazem

muitos conhecimentos, mas, eu diria que alguns conhecimentos precisam ser aprimorados e

compartilhados...”. Quando indagada, durante a entrevista, acerca do que considerava ser o

ponto positivo de sua prática docente, Cássia respondeu: “pontos positivos? Humm... A

questão de valorizar tudo que a criança já traz com ela e tentar ajudar, da melhor maneira,

ela a lidar com isso, a socializar, a fazer enxergar”. Nesse sentido, ela corroborou a posição

assumida por Paulo Freire (1996, p. 33) de que “ensinar exige respeito aos saberes dos

educandos”, ou seja, aos saberes socialmente construídos, nas práticas comunitárias,

discutindo, com os alunos, como se dá a relação da realidade concreta com os conteúdos da

disciplina que se está ensinando.

Outro ponto que merece destaque no discurso de Cássia é o papel que ela atribui à

aprendizagem na atividade educativa. Em seu discurso, promover aprendizagem de todos os

alunos é o cerne da atividade docente. Esse fato vai ao encontro da afirmação de Saviani

(2000, p. 17), para quem “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente,

em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens”. Nessa perspectiva, a relação ensino-aprendizagem é a razão mesma da

existência das instituições escolares.

Esse fato pode parecer óbvio, mas, infelizmente, nem todos os professores têm clareza

acerca dos objetivos da escola e de sua função social, ética e política. Como bem salienta

Paulo Freire (1996), não existe ensino sem aprendizagem, de forma que não há como o

professor afirmar que ensina se os alunos não aprendem com ele. Em sua pesquisa sobre os

sentidos da profissão docente, Cericato (2010, p. 144) depara-se com o depoimento de

professoras que, apesar de acreditarem desempenhar bem sua função docente, aceitam

tranquilamente o fato de não ensinarem a todos os alunos. A autora destaca a ausência de

compromisso político visível nesse tipo de posição: A escola é a instituição social responsável por transmitir o conhecimento historicamente produzido e acumulado de forma sistematizada e organizada. Quando o professor não ensina adequadamente a todos os estudantes, ele está prejudicando o futuro das novas gerações, justamente porque compromete a transmissão de saberes. Assim, além de realizar sua atividade sem compromisso político, ele prejudica, no mesmo movimento, as possibilidades de desenvolvimento dos alunos.

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Vê-se, dessa forma, que Cássia demonstra comprometimento ético e político com a

educação. De fato, ao considerar que a promoção da aprendizagem de todos os alunos é o que

caracteriza efetivamente o professor, a aprendizagem constitui a principal realização docente:

“é muito desvalorizada nossa classe [docente], mas eu gosto de trabalhar, eu me sinto

muito satisfeita ao ver que as crianças estão aprendendo...”. Ela contou que seu momento

de maior alegria e realização profissional ocorreu quando conseguiu alfabetizar uma turma

inteira, apesar da utilização de métodos tradicionais, que, atualmente, considera ultrapassados: Foi quando eu trabalhava na Ponte, lá na zona rural... E, lá, eu trabalhava com três turmas, a da manhã, a da tarde e a da noite... E eu consegui alfabetizar a turma todinha, a turma da manhã todinha, a turma da alfabetização... Na época, ganhei até um prêmio, aqui, de melhor professora alfabetizadora! Nessa linha, né, tradicional mesmo... Mas, aí, eu consegui, eu me senti muito realizada!

Em outro momento de sua fala, o sentimento de realização por promover a

aprendizagem dos alunos mostrou outra faceta: a da preocupação por não conseguir sempre

alcançar esse objetivo: “agora, eu me sinto realizada, assim, porque eu estou trabalhando

com a turma que eu gosto: a de alfabetização. Mas, eu estou um pouco triste, também,

porque a essa altura [do ano], ainda não tem nem metade de sala alfabetizada...”. Mais

uma vez, percebe-se, aqui, a presença, de um compromisso da professora com a educação de

seus alunos. De fato, a meta de alfabetizar todos eles apareceu muito frequentemente em seu

discurso e parece direcionar sua atividade docente: “como é uma classe de alfabetização, eu

tracei, desde o final do ano passado, que eu queria que essa turma desse ano saísse todo

mundo, 100% da classe, bem alfabetizada. A gente sempre pensa alto, porque quer o

melhor...”. O tema é recorrente, visto que ela discorre sobre ele em todos os momentos da

coleta de dados. Na ACS, essa mesma meta reapareceu, não como uma decisão sua ou da

escola, mas como uma meta traçada por toda a rede municipal de ensino: Porque, assim, se a gente tem uma meta de alfabetizar, a gente colocou 100% das crianças – a gente, eu digo, a rede, o município todo – e estou percebendo que isso está difícil... Eu já consegui bastante, mas essa minoria que está aí vai fazer o diferencial, na hora de olhar para essa porcentagem. Então, eu quero investir mais neles... Porque a meta é alfabetizar todos, com qualidade, sem discriminação, essas coisas...

É possível perceber que Cássia se preocupa bastante com a possibilidade de não

atingir a meta traçada: “estamos no mês de julho, e eu percebo que não vou alcançar

totalmente essa meta. Mas 80% [de alunos alfabetizados], eu creio que sim”. Na ACS, mais

uma vez ela se referiu à mesma preocupação: “só que eu fico preocupada, porque já

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estamos em agosto e não sei se vão chegar a estar alfabetizados até o fim do ano”. A

estratégia elaborada por Cássia para alcançar o objetivo de alfabetizar a todos foi separar os

alunos em grupos, com base nos níveis de apropriação do código de representação da língua

escrita em que se encontravam, conforme esclareceu no pré-indicador retirado da entrevista:

“e, assim, o que eu vou fazer para alcançar essa meta é... Eu fiz alguns encaminhamentos,

eu separei por grupos, cada nível em que eles se encontram...”. A partir disso, ela afirmou que

procuraria dedicar mais tempo e atenção aos alunos que ainda não estavam alfabetizados,

conforme relato feito na ACS: “Então, a gente tem que ver tudo isso, porque se a gente

pensar, se eu quiser fazer além agora, eu não vou dar conta! Eu tenho que pensar nesses,

que ainda não sabem, nessa porcentagem”.

É interessante observar certa ambiguidade no discurso de Cássia. Ora, sugere ter um

forte compromisso político com a educação de todas as crianças, ora a alfabetização integral

aparece como uma imposição da rede municipal de ensino. Essa oscilação revela-se bastante

contraditória e levanta dúvidas a respeito de seu compromisso pessoal com a aprendizagem da

leitura e da escrita de todos os alunos. Ao analisar a fala de Cássia, encontrada no pré-

indicador retirado da ACS – “você sabe que a criança está com problemas e que isso pode

estar impactando no aprendizado, mas, no final do ano, você é cobrado pelo que

determinou junto com a rede, na meta” –, fica evidente que existe, por parte da Secretaria

Municipal de Educação, uma cobrança em relação à porcentagem de alunos alfabetizados até

o final do ano letivo. Nessa perspectiva, alfabetizar todos eles se apresenta como uma tarefa a

ser a todo custo realizada.

No entanto, essa evidente contradição entre a imposição da tarefa e o compromisso

pessoal com a educação de todos pode ser mais bem compreendida quando se considera que

Cássia está ciente de que existem diferentes ritmos de aprendizagem. Assim, para ela, todos

estão aprendendo, mesmo que alguns ainda não estejam alfabetizados: “e, agora, assim, eu

posso até não conseguir os 100% alfabetizados, mas muitos desses que ainda não estão,

têm condição plena de ir para a próxima série”. Na verdade, apesar de haver uma meta,

muito desejável, a ser cumprida por todos os professores da rede municipal de ensino – a de

alfabetizar todos os alunos –, ela não se configura como pré-requisito para o ingresso no 2o

ano do ciclo 1 do Ensino Fundamental. Mesmo considerando a possibilidade de não conseguir

alcançá-la, a professora explicou que, caso isso venha a ocorrer: [...] nem por isso eles serão reprovados! Porque a gente vê, também, muita coisa da parte qualitativa deles... E, aí, a gente vai analisar, vai ver a questão das competências, que eles devem ter conseguido ao final dessa série e, é em cima disso, que a gente vê se eles serão aprovados, ou não.

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Cássia demonstra, assim, desconhecer a Resolução nº 07 do CNE/CER, que trata das

Novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental de nove anos, segundo a qual a

escola deve considerar os três primeiros anos do Ensino Fundamental como um bloco ou um

ciclo sem interrupção. Isso significa que a retenção não é desejável nesse início da educação

básica. Dessa forma, os alunos devem passar para o segundo ano, mesmo sem pleno domínio

da leitura e da escrita, exceção feita aos casos em que a frequência escolar for inferior a 75%

de comparecimento nas aulas dadas.

Ainda assim, ser cobrada pela Secretaria Municipal de Educação para alfabetizar todos

os alunos é um fator de muita preocupação para Cássia. Segundo seu relato, o que mais a

inquieta é a certeza de a leitura e a escrita serem conquistas fundamentais e necessárias para

os alunos. Na ACC, ela abordou essa questão: E, aí, minha intenção é, assim... Eu já tinha até comentado que a gente tem uma meta para o final de cada série e uma dessas metas foi alfabetizar 100% dos alunos. A gente ousou: 100%! Então, eu tenho que conseguir, mas esses seis alunos aí, eles vão ser uma porcentagem altíssima e vai implicar... E, aí, a minha intenção é fazer com que eles aprendam, mas aprendam mesmo, com qualidade! Eu não quero só cumprir por cumprir, eu quero, porque eu sei que eles precisam disso para seguir para a próxima série.

É possível perceber novamente, aqui, a contradição. Considerando que os alunos não

devem ser reprovados nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a preocupação de Cássia

com a cobrança da Secretaria Municipal de Educação parece relacionar-se não tanto ao fato

de os alunos ficarem retidos, uma vez que eles não devem mesmo ser reprovados. Sua

preocupação com a cobrança da rede municipal não se liga aparentemente nem mesmo ao

possível prejuízo a ser sofrido por seus alunos caso não se alfabetizem: é esperado, na cultura

escolar, que nem todos cheguem ao 2º ano alfabetizados. A mesma cultura prega que cabe à

professora do ano seguinte estar preparada para completar esse processo. Além disso, a

preocupação com a necessidade de alfabetizar todas as crianças no 1º ano vai de encontro à

perspectiva, assumida pela docente, de que todos estão aprendendo, embora em ritmos

diferentes. A inquietação de Cássia parece estar relacionada, portanto, mais a aspectos

constituintes de sua subjetividade, como sua própria expectativa em relação à qualidade de

seu trabalho e, ainda, à possibilidade de ver destruída a imagem de excelente professora que

construiu junto à equipe gestora e ao corpo docente da escola.

No que concerne à avaliação dos alunos, a professora explicou que essa atividade é

feita de forma processual, ao longo de todo o ano letivo, por meio de diversos instrumentos:

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“a avaliação, na realidade, a gente faz através de diagnósticos, através da observação, na

própria sala de aula, diante das atividades. É uma coisa constante, a gente está sempre

registrando”. Ela salientou, ainda, que cada aluno é comparado com ele mesmo e não com a

turma como um todo, para que seja possível verificar o avanço de cada um, individualmente.

Na entrevista, ela discorreu sobre como é o processo avaliativo:

No final do ano, eu faço, assim, tipo uma prova, mas, na verdade, ela não é o único instrumento para avaliação. Tem essa prova, tem o registro individual da cada aluno, tem a apresentação dos resultados de cada um... A gente tem portfólios: a gente vai guardando as atividades escritas, os registros que a gente faz, diariamente, o prazer de casa13, tudo isso... Aí, a gente vai avaliar, quantitativamente e qualitativamente. Agora, o que conta mais aí, é qualitativamente. Aí, a gente avalia em cima disso, dessa ficha – e essa ficha é elaborada em cima dos PCNs, que trazem as habilidades e competências para cada série.

A forma de avaliar descrita por Cássia segue as prescrições genéricas da atividade

docente, ao menos de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), para os

quais a avaliação deve ocorrer da seguinte maneira: A avaliação, ao não se restringir ao julgamento sobre sucessos ou fracassos do aluno, é compreendida como um conjunto de atuações que tem a função de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica. Acontece contínua e sistematicamente, por meio da interpretação qualitativa do conhecimento construído pelo aluno. Possibilita conhecer o quanto ele se aproxima (ou não) da expectativa de aprendizagem que o professor tem em determinados momentos da escolaridade, em função da intervenção pedagógica realizada. Portanto, a avaliação das aprendizagens só pode acontecer se forem relacionadas com as oportunidades oferecidas, isto é, analisando a adequação das situações didáticas propostas aos conhecimentos prévios dos alunos e aos desafios que estão em condições de enfrentar. (BRASIL, 1997, p. 81).

Cabe ressaltar que os PCNs seguem uma orientação construtivista, pautada pela teoria

de Piaget. Em relação ao processo de avaliação, Cássia parece seguir essa mesma orientação,

que, não obstante, a leva a variar os instrumentos de avaliação e a avaliar seus alunos muitas

vezes. Com isso, torna-se possível conhecer melhor não só o que os alunos já dominaram

como também, em especial, aquilo que ainda não são capazes de fazer sozinhos, sem ajuda.

Em outras palavras, ao agir assim, Cássia consegue identificar a natureza da ajuda que é

preciso dar às crianças: formar novas duplas, retomar os conhecimentos recém-ensinados,

13 Cássia e seus alunos empregam o termo “prazer de casa” para denominar a lição – ou dever – de casa, na tentativa de romper com uma perspectiva que associa as atividades extrassala a algo negativo, desprazeroso.

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avançar nos conteúdos a serem tratados, de modo a ensinar o que está faltando para que os

alunos consigam dominar o conteúdo que se pretende trabalhar.

No entanto, sua prática avaliativa difere bastante da proposta por Vygotsky (2000),

uma vez que, na ótica desse autor, a avaliação não se prende ao conhecimento prévio, ao

menos não pelas razões piagetianas, que se devem, notadamente, à maturação. Na proposta

vygotskiana, o foco está na zona de desenvolvimento próximo, de modo que o trabalho

pedagógico deve recair sobre os procedimentos empregados pelos docentes, que foram – ou

não – capazes de nela atuar. Logo, o foco está em analisar os erros cometidos pelos alunos,

com o intuito de melhor planejar a atividade docente e, não, com o objetivo de traçar um

diagnóstico acerca do desempenho dos alunos.

Por outro lado, um aspecto bastante positivo da atividade docente desenvolvida por

Cássia, que coincide com a proposta vygotskiana, está na importância que ela atribui às

atividades em duplas ou grupos. Segundo seu relato e com base no observado em suas aulas,

as atividades em duplas ou grupos constituem uma das principais estratégias empregadas pela

professora no desempenho de sua atividade docente: “eu trabalho bastante com essa coisa

de um ajudando o outro, essa parceria... São grupos produtivos, eu trabalho com isso”.

Cássia acredita que as atividades em grupo favorecem a aprendizagem dos alunos, pois nelas

eles se ajudam e se ensinam mutuamente, conforme elucida o pré-indicador retirado da ACS:

“o grupo ajuda, ainda mais nessa turma, que já tem muitos alunos alfabéticos... Ajuda,

porque um vai de encontro com o outro, e explica [para ele]. Aí, o outro começa a pensar

e vê, percebe que é realmente daquela forma e avança, muda de nível”. Na ACC, ela,

novamente, justificou seu investimento nas atividades coletivas:

Quando se coloca [os alunos] em grupos, favorece, porque eu coloco sempre uma questão que vá dar discussão, porque eu percebo que se um já sabe o número, mas o outro ainda não conhece aquele número, o que já tem um conhecimento a mais já ajuda o outro.

Cássia explicou, entretanto, que a formação de grupos ou duplas não ocorre de forma

aleatória, mas com base em critérios bem definidos: Assim, apesar de colocar [as crianças] nas duplas, tem critérios... A gente tem que ver... Eu não posso, também, colocar um aluno que sabe, de um nível diferenciado, com um que só conhece as letras, mas ainda não conhece som nenhum, junto com um aluno já alfabético, que já sabe tudo! Porque, daí, ele vai e faz para o outro [o aluno que não sabe]. Isso já aconteceu aqui na sala. Então, eu tenho que colocar aquele que sabe menos com um que saiba um pouquinho mais, que saiu um pouco daquele nível, por exemplo [...]. Então é isso: na hora de escolher as duplas, eu coloco crianças de níveis diferentes, mas próximos. Níveis próximos: aí funciona bem.

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Esse critério de formação de duplas ou grupos está de acordo com os postulados de

Vygotsky (2000), segundo os quais o professor deve ter como meta incidir na zona de

desenvolvimento próximo, ou seja, organizar situações de aprendizagem que se antecipem

àquilo que o aluno já alcançou. Uma das formas de incidir na zona de desenvolvimento

próximo é, justamente, criar situações de ensino nas quais a colaboração entre pares de

crianças com diferentes níveis de aprendizagem promova a aprendizagem da dupla e,

consequentemente, seu desenvolvimento. Isso porque, em colaboração, a criança é capaz de

realizar muito mais do que o é sozinha, de maneira independente. Segundo Daniels (2003, p.

81), o foco de ação na zona de desenvolvimento próximo recai “na criação, no

desenvolvimento e na comunicação de significados, pelo uso colaborativo de meios

mediacionais e, não, na transferência de habilidades do parceiro mais capaz para o menos

capaz”.

A experiência de Cássia com o trabalho em duplas corrobora a teoria de Vygotsky,

como se pode observar em um dos exemplos obtidos na ACS: “aí, elas [as duas alunas]

escreveram o texto completo, sendo que uma ajudou a outra! Não ficou nenhuma parada:

uma foi ditando e a outra escrevendo, mas elas iam se ajudando”. Apesar dos grandes

benefícios para a aprendizagem proporcionados pelas atividades em grupos e/ou duplas,

Cássia relatou que nem sempre é fácil atuar dessa maneira. Em atividades desse tipo, ela

eventualmente se depara com problemas, conforme contou na ACS: “eu sinto dificuldade,

porque eu quero fazer muito nos grupos, mas tem os outros, também, que vêm... Se eu

pudesse estar só com esses aí, investindo, eu sei que eles estariam além [de onde estão hoje],

mas tem essas questões de briga, de sair o tempo todo”. A professora afirmou que o sucesso

das atividades em grupos ou duplas não depende apenas da divisão da turma segundo critérios

adequados. É preciso, também, intervir nesses grupos, de acordo com a necessidade

percebida, dedicando atenção diferenciada a cada um deles. Conforme seu relato na ACS,

essa é uma tarefa difícil:

Só que assim, às vezes é muito trabalhoso porque você tem que dar assistência a todas as duplas ou todos os trios, e vem aquela questão de priorizar os que têm mais necessidade. E, aí, quem termina primeiro, vem atrás, vem e atrapalha: você está explicando para uma dupla e eles vêm e tiram a atenção daqueles que estavam ali [com a professora, antes].

Na ACC, Cássia retomou a questão da importância das intervenções docentes para a

eficácia do aprendizado dos alunos: “em outras atividades a partir daí, eu já sabia que ele ia

precisar de ajuda, aí fui até ele e ele já conseguiu encontrar outras palavras também que a

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gente foi trabalhando. Mas sempre assim com ajuda”. Ou seja, em sua opinião, não basta

formar duplas ou grupos para que os alunos se ajudem mutuamente. É preciso também

intervir nos momentos em que o conhecimento do grupo não é suficiente para garantir o

aprendizado. Essa fala converge com o conteúdo do indicador anteriormente analisado, no

qual ela se referiu à importância da intencionalidade da prática pedagógica. Cássia percebe

que é fundamental intervir adequadamente a fim de alcançar os objetivos da atividade. Para

tanto, é necessário ter clareza desses objetivos e da forma como se deve intervir para alcançá-

los. Mais uma vez, a perspectiva adotada por Cássia segue os postulados de Vygotsky (apud

DANIELS, 2003, p. 76):

O desenvolvimento do conceito científico – um fenômeno que ocorre como parte do processo educacional – constitui uma forma única de cooperação sistemática entre o professor e a criança. A maturação das funções psicológicas superiores da criança ocorre nesse processo cooperativo, ou seja, pela assistência e pela participação do adulto [...]. Em um problema que envolve conceitos científicos, o aluno deve ser capaz de fazer, com a colaboração do professor, algo que nunca fez espontaneamente.

Em relação às dificuldades enfrentadas por Cássia no desenvolvimento de sua

atividade docente, destacam-se aquelas que aparecem mais frequentemente em seu relato,

tanto na entrevista quanto nas sessões de autoconfrontação. O primeiro aspecto relatado por

ela como algo que dificulta sua atividade é a falta de ajuda em sala de aula. Ela abordou

repetidamente essa questão, explicitando o quanto considera difícil administrar, sozinha, o

aprendizado de um grande número de alunos. Esse conteúdo apareceu no decorrer de sua fala

nos três momentos da coleta de dados. Na entrevista, ela afirmou: “se a gente tivesse pelo

menos uma pessoa para estar ajudando, sabe? Isso ajudaria mais...”. Na ACS, ela abordou

novamente o assunto: “até porque as salas são muito cheias. Alfabetização é primordial, não

é? Agora coloca um professor só para um monte de alunos, vários fatores de vida e tudo, aí a

gente não dá conta”. E complementou: “se o município tivesse condições de colocar dois

professores em uma sala, aí a gente poderia pensar diferente em relação a isso. Mas não

tem! Aí eu não tenho em vista nada que possa ajudar, a não ser um reforço no turno

oposto...”. Na ACC, ao assistir à própria atividade, ela comentou com a outra professora: Até porque a questão – todas as séries eu acredito que precisaria – mas eu penso que na alfabetização, que é uma base para depois, deveria ter uma professora ajudando, para estar dando esse suporte, ajudar com as atividades... Porque se você está ali, para dar conta de tudo é difícil. Você viu, eu nem tinha percebido isso, mas eu estava lá explicando e toda hora interrompendo: “fulano, senta e presta atenção”, aí chega alguém na porta, toda hora tem que parar e voltar de novo. Ter esse controle é um pouco complicado.

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Esses indicadores sugerem que Cássia se sente incapaz de administrar a constante

demanda de atenção por parte de seus alunos, além das demandas externas, responsáveis por

interromper a aula frequentemente. Essa sensação de desamparo apresentada por ela reflete-se

também em sua fala sobre as atividades que gostaria de poder desenvolver com os alunos,

mas que acaba por não realizar:

Assim, a gente faz algumas atividades na sala de aula, mas a gente gostaria de fazer outras atividades fora da sala de aula... Visita à biblioteca pública... A gente está trabalhando sobre a natureza e a natureza de Lençóis é tão rica! A gente mostra figuras, mostra fotos, mas a gente não visita... Então, tem esse tipo de passeio que a gente... que eu gostaria de fazer, mas não faço, porque tenho medo de ir sozinha com a turma... Tenho medo de acontecer algum acidente, alguma coisa com eles e, depois, eu ter que responder por isso.

Cássia citou também a falta de material didático como um fator que dificulta bastante

sua atividade docente. Ela relatou que, no ano em que se realizou a pesquisa, a escola não

havia recebido os livros didáticos. A falta desse instrumento apareceu em seu discurso como

um aspecto que exerce influência sobre sua prática pedagógica. Na entrevista, ela contou que,

apesar de considerar o livro mais uma ferramenta, ela eventualmente sente falta de poder

contar com esse recurso: A gente está sem livro didático, não que ele seja uma ferramenta única, mas ajuda muito, porque a gente tem uma sequência de atividades, ele vem mais colorido, tem mais imagens.... é tipo um apoio para sistematizar o que está sendo trabalhado. A gente não tem.

Na ACS, ela abordou novamente essa questão, afirmando que o livro em si não é uma

condição, mas um auxílio para o aprendizado dos alunos. Cássia contou que conseguiu, na

Secretaria da Educação Municipal, alguns livros para dar aos alunos. No entanto, o número de

exemplares não foi suficiente para todas as crianças. Cássia revoltou-se ao relatar essa

situação: “eles têm um aí, que eu consegui. Mas não é todo mundo que tem... E esse ano não

chegou o livro didático... Então, isso é uma condição que desfavorece mais ainda aqueles

que já não têm praticamente nada”. Ela mencionou ainda que, além dos livros didáticos,

outros materiais também são escassos na escola: Tem a questão do livro didático, a questão do material, folha de ofício costuma faltar sempre... Agora, nesse momento, a gente está com um pacote para duas turmas, que precisa durar uns três ou quatro meses... E não vai dar certo... Porque, se a gente não tem o livro didático, caderno a gente precisa usar! Mas, nessa faixa etária, não dá para ficar o tempo todo usando caderno, porque vai cansar a criança, né? Então, isso também vem impactando o trabalho da gente...

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É oportuno, aqui, levantar uma hipótese acerca da relação entre a carência de material

didático e as práticas pedagógicas elaboradas por Cássia: é possível supor que a falta de

materiais, especialmente de livros didáticos, apesar de ser um fator limitador, constitua

também um elemento que contribui para que a professora, comprometida com a qualidade do

ensino que oferece a seus alunos, prepare aulas sempre dinâmicas, lúdicas e criativas? Uma

vez que não dispõe do apoio de material pedagógico, é possível que a docente se esmere ainda

mais na elaboração de atividades pautadas na criatividade e na realidade concreta de seus

alunos? Não se pretende, aqui, responder a tais questões. No entanto, o esforço demonstrado

por Cássia com o intuito de proporcionar uma aprendizagem efetiva aos alunos, a despeito das

dificuldades concretas que enfrenta em seu cotidiano de trabalho, comprova o forte

compromisso assumido pela professora em relação à educação.

3.4 Núcleo de significação 4 – Relações institucionais mediadoras da atividade docente:

“Tem gente que tem medo, então não quer mudar”

O quarto núcleo resulta da aglutinação de indicadores concernentes às relações

institucionais que permeiam a atividade docente. Dada a frequência com que esse tema

aparece na fala da professora – e a importância que ela lhe atribui – constituiu-se um núcleo

de significação que aborda especificamente o tema, em vez de reuni-lo aos indicadores

relativos à prática docente. Os indicadores que aqui são tratados foram retirados da entrevista

e da ACS. Da primeira, foram extraídos os seguintes: 1) o trabalho coletivo na escola ajuda

bastante a prática pedagógica; 2) as mudanças na equipe gestora: “muita coisa já mudou”; 3)

as mudanças na equipe de funcionários decididas coletivamente após a mudança da equipe

gestora; 4) as relações com as novas professoras: “tem gente que tem medo, então não quer

mudar” e, finalmente, 5) a avaliação da escola. Apenas um indicador desse núcleo foi extraído

da ACS: a importância da continuidade entre o trabalho de professoras de diferentes séries.

Os indicadores que compõem este núcleo de significação demonstram a relevância

que Cássia dá às relações institucionais em sua atividade docente, relevância que ora se

apresenta como positiva, ora como negativa. Um ponto muito valorizado pela professora é o

trabalho coletivo do corpo docente e da equipe gestora da escola. Cássia afirmou que,

semanalmente, são realizadas reuniões, das quais participam todas as professoras, a diretora e

a coordenadora pedagógica e cujos objetivos são o planejamento das atividades, a reflexão

conjunta acerca dos desafios enfrentados em sala de aula, a discussão de temas

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interdisciplinares, a troca de experiências e, também, o levantamento de sugestões para

aprimorar a prática pedagógica.

Nas palavras de Cássia, “a gente tem esse momento para planejar aqui... Sentar,

discutir, ver no que um pode ajudar o outro, conselhos e registros e, assim, apresentar

resultados e também indicar algum livro, alguma atividade, ou até construir atividades...”.

Para ela, esses momentos de reflexão conjunta desempenham um papel importante em sua

atividade: “as reuniões ajudam bastante. A gente tem uma relação boa, de troca de

experiências, um ajuda o outro sempre”. Cássia relatou que planeja suas atividades semanais

baseando-se nas deliberações conjuntas realizadas nessas reuniões: “aqui, eu faço listar [os

conteúdos a serem trabalhados] com colegas, com a coordenação pedagógica, ver algumas

coisas, algumas questões específicas de sala de aula. E, aí, eu levo para casa, para poder

estar planejando diariamente as atividades da segunda, terça, quarta (e assim por diante), de

acordo com o que a gente discutiu no grupo”. Cássia relatou, ainda, que o projeto político-

pedagógico da escola é elaborado coletivamente.

Ao possibilitar um espaço de troca de experiências e reflexões entre professoras, o

trabalho coletivo cumprido na instituição enriquece, significativamente, a atuação em sala de

aula. Nesse sentido, quando Cássia atribui grande importância ao trabalho coletivo, à

interação e à cooperação entre professoras, rompe com a noção de que o trabalho docente

precisa ou deve ser sempre isolado. De acordo com Thurler (2001), essa noção é bastante

disseminada entre os professores, os quais, muito frequentemente, atuam numa perspectiva

solitária e individualista. A autora denuncia, portanto, a existência de uma “cultura do

isolamento”, firmemente enraizada na profissão docente. Reitera, entretanto, o valor da

cooperação profissional, ao sustentar que, nas culturas que rompem com esse paradigma e se

abrem para a cooperação, “cada qual se percebe como uma unidade importante do sistema e

participa ativamente em seu desenvolvimento” (THURLER, 2001, p. 87). Dessa forma, ao

proporcionar espaço para a participação e a cooperação entre as professoras, a escola

pesquisada fomenta a elaboração de melhores formas de ensinar todos os alunos e, também, o

aperfeiçoamento da atividade docente. Essa cultura cooperativa exerce, ainda, um importante

papel no comprometimento das professoras com os objetivos e com as práticas pedagógicas,

uma vez que estes são coletivamente construídos e acordados.

É interessante notar, contudo, que há até pouco tempo, essa escola, como tantas outras,

participava da “cultura do isolamento”. Um ponto muito significativo no relato de Cássia,

justamente, diz respeito ao motivo que teria ocasionado a transformação da “cultura do

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isolamento” em “cultura da cooperação”. Na opinião de Cássia, isso se deu em razão da

mudança da equipe gestora da escola. Segundo seu relato, a partir do início do ano letivo de

2011, uma nova diretora substituiu o antigo diretor, cujas intervenções repercutiam

negativamente no trabalho desenvolvido pelas professoras: “ele só pensava no poder e não

tinha conhecimento do que é educação. Ele não dava oportunidade de encontros dos

professores e, aí, ele teve que sair. A gente deu graças a Deus”. Ainda de acordo com

Cássia, as professoras buscavam espaços de reflexão conjunta e de colaboração, mas o antigo

diretor impedia ou dificultava tais tentativas: A gente já vinha com essa ideia antes, só que a gente era podada. E, se a gente tentasse fazer [reuniões conjuntas], era assim [como se a gente quisesse] “tomar a frente do diretor”... E, como a gente estava brigando muito com ele, a gente acabava se acomodando também... Com a nova diretora não, tudo mudou.

Ainda sobre essa mudança, ela informou: “agora chegou a nova diretora, que tem

uma nova visão. Ela também é professora; ela está na mesma área que a gente. Então, muita

coisa já mudou”. Em sua fala, é possível perceber, nitidamente, o quanto essa troca na equipe

gestora tem, em sua opinião, contribuído para o desenvolvimento das atividades escolares. A

seu ver, as professoras estão mais envolvidas e engajadas com o trabalho, uma vez que se

sentem corresponsáveis pelas decisões tomadas e pelos projetos elaborados na escola. Cássia

reiterou que as mudanças implementadas pela nova gestão foram muito importantes para sua

própria atividade. Essa importância parece se dever, em grande parte, ao aumento do poder de

agir da professora: “A diretora se reuniu com a gente, pediu opinião [de como a escola

deveria proceder] e todo mundo decidiu. Foi uma decisão coletiva”.

As decisões coletivas – uma antiga solicitação das professoras – passaram a fazer

parte da realidade do trabalho docente, de forma que, segundo Cássia, agora todos têm voz

ativa na definição de estratégias pedagógicas e na solução de problemas enfrentados pela

escola. As reuniões com os pais de alunos são um exemplo de práticas implementadas com

base nas sugestões das professoras: “as reuniões da gente eram bem chatas antigamente!

Agora, já mudamos tanta coisa... Não é mais aquela reunião fechada, até o espaço, mais

aberto, permite um ver o outro, se sentir mais livre...”. Outra decisão tomada coletivamente

foi a escolha da nova coordenadora pedagógica. Após a troca do diretor, a antiga

coordenadora foi também substituída, e sua substituta foi escolhida pelo próprio corpo

docente da escola. De acordo com Cássia, a nova coordenadora já fazia parte do professorado

e acabou eleita para ocupar esse cargo graças ao excelente trabalho que vinha desenvolvendo.

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Decisões coletivas desse tipo indicam que houve, efetivamente, um grande aumento no poder

de agir dos atores escolares.

Outro exemplo do aumento do poder de agir das professoras no ambiente escolar – e

que parece ser muito significativo para Cássia – diz respeito a um tema espontaneamente

levantado por ela durante a entrevista: a mudança no quadro de funcionários, solicitada pelas

professoras e alcançada após a chegada da nova diretora. Cabe, aqui, relatar como se deu a

entrada desse tópico na conversa. Ao final da entrevista, quando indagada sobre a

possibilidade de abordar algum assunto sobre o qual não fora questionada, ela disse: É a respeito das merendeiras da escola. Elas estavam seguindo a linha do antigo gestor, e aí era muita indireta na escola, muito arrelio, sabe? Criticavam as crianças, criticavam professores, a maneira de vestir, a maneira de falar, tudo. [...] Com a mudança do gestor, a diretora nova foi mostrar... Fez uma reunião e fez uma abordagem assim tão transparente do que ela queria e tal, pediu a opinião das meninas e elas não queriam participar de nada. [...] A gente se reuniu e achou melhor que elas fossem para uma outra escola, fossem remanejadas. E a gente conseguiu isso. Hoje o pessoal que está aqui é ótimo [...]. Elas ajudam a gente em tudo, apoiam os meninos, então o trabalho agora está até mais leve, mais alegre. Todo mundo aqui já chega alegre na escola. [...] As meninas estão envolvidas. Então a escola está mais leve, mais gostosa de trabalhar.

Percebe-se, portanto, que a mudança na equipe gestora ampliou a participação das

professoras, o que resultou no aumento do poder de agir das docentes, não só no que tange a

sua prática em sala de aula, mas também no que concerne ao ambiente escolar como um todo.

Parece ter havido uma profunda transformação na cultura escolar, uma grande mudança nas

mediações do gênero profissional. Vale lembrar que, de acordo com Clot et al. (2001, p. 18),

o gênero constitui um “trabalho de reorganização da tarefa pelos coletivos profissionais, uma

recriação da organização do trabalho pelo trabalho de organização do coletivo”. Assim, a

partir dessa reorganização do trabalho pelo coletivo profissional, foi possível instaurar ali uma

nova cultura, pautada pela colaboração, pela cooperação e pela participação de todos. É

importante ressaltar que essa transformação não se deveu apenas à mudança na equipe gestora

mas também à formação inicial e continuada que as professoras têm realizado, conforme

enunciado no Núcleo de significação 1. É possível inferir que o processo de formação docente

trouxe novas perspectivas e ideias para as professoras – tais como a importância da

colaboração e do trabalho conjunto – e que a substituição dos gestores permitiu a execução

dessas ideias na prática pedagógica. Como bem salientam Clot et al. (2001, p. 17), “apenas os

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coletivos podem operar transformações duradouras em seus ambientes de trabalho”. Ainda

segundo os autores: O gênero profissional é o instrumento coletivo da atividade, permitindo colocar os recursos da história acumulada a serviço da ação presente de uns e de outros. Esse acoplamento da atividade em curso e de seus instrumentos genéricos explica o desenvolvimento do poder de agir. [...] O gênero profissional é um instrumento decisivo no poder de agir. (CLOT, 2010, p. 35).

Como afirma Clot (2010, p. 15), o poder de agir diz respeito à atividade, ou seja, ele se

desenvolve ou se atrofia na atividade; aumenta o raio de ação efetivo do sujeito em sua esfera

profissional habitual, possibilitando uma recriação da atividade. Ademais, ele “aumenta ou

diminui, em função da alternância funcional entre o sentido e a eficiência da ação em que se

opera o dinamismo da atividade, ou seja, sua eficácia”. Quanto à relação entre o sentido da

atividade e o poder de agir, o autor esclarece:

Como vimos, esvaziada de seu sentido, a atividade do sujeito vê-se amputada de seu poder de agir, ou seja, os objetivos da ação em vias de se realizar ficam desvinculados do que é realmente importante para os sujeitos e outros objetivos válidos, terminam por ser reduzidos ao silêncio, terminam sendo deixados em suspenso. Essa desvitalização da atividade constitui uma modalidade corriqueira, que atrofia o poder de agir. (CLOT, 2010, p. 16).

O autor afirma, ainda, que o aumento no poder de agir pode levar a uma renovação do

sentido da atividade para o sujeito, algo que, por sua vez, ocasiona uma intensificação vital na

atividade. Assim, “o sentido da atividade diz respeito, diretamente, ao poder de agir” (CLOT,

2010, p. 17). O aumento do poder de agir resultante da transformação do gênero profissional –

que se deu em virtude da formação docente e da instituição da cultura de colaboração escolar

– parece ter feito que Cássia ressignificasse sua atividade docente, passando a perceber os

professores como uma unidade que caminha em direção aos mesmos objetivos, construídos

coletivamente. Esse ponto de vista se evidencia quando se analisa sua fala a respeito das

professoras recém-chegadas, que ainda não teriam se integrado à nova cultura colaborativa

vigente na instituição: Então a escola vai andando numa linha, aí de repente, por questões políticas, chegam novas pessoas, entendeu? E aí quebra um pouco... Porque tem vários professores trabalhando numa linha, aí chegam outras pessoas, elas sabem da linha, mas trabalham do jeito que acham que deve ser. Então eu não poderia dizer que a escola toda trabalha nessa linha.

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O fato de algumas pessoas trabalharem numa perspectiva diferente daquela adotada

pelo coletivo da escola parece incomodar Cássia profundamente. Ela tece críticas às novas

professoras, que parecem não querer modificar sua forma de ensinar. Para ela, “mesmo a

maioria trabalhando numa linha, essa minoria que chegou está atrapalhando um pouco,

trabalhando de um jeito diferente. Mas ela está trabalhando dentro do que acredita e está

dando seu melhor também.”. Tais críticas indicam uma preocupação de que a escola, como

um todo, obtenha uma boa qualidade de ensino, uma vez que a instituição é vista por Cássia

como uma unidade. É possível perceber que ela busca compreender os motivos que impedem

as novas professoras de transformar sua atividade, tal como ela e outras fizeram algum tempo

atrás. No entanto, mesmo que isso viesse a ocorrer, os motivos alegados para não adotar

novas estratégias de ação não seriam suficientes para que Cássia aceitasse a imobilidade

percebida nas novas colegas de trabalho: Mas tem gente que tem medo, que já tem segurança no que faz, então não quer mudar de imediato assim porque tem medo, para ele é mais cômodo segurar o que ele já sabe do que arriscar alguma coisa. Então eu não sei até que ponto seria uma coisa boa para a escola, entendeu? Sem menosprezar os colegas, porque eles estão tentando, estão dando o melhor. Mas é complicado, é complicado.

O incômodo que a postura das novas professoras produz em Cássia compareceu

novamente na ACS, quando ela discorreu sobre a importância de assegurar continuidade no

trabalho de professoras de diferentes séries/anos. Ela afirmou que, quando um aluno passa

para a série seguinte, cabe à próxima professora verificar o relatório do ano anterior a fim de

averiguar o que o aluno sabe e dar continuidade ao trabalho iniciado. No entanto, segundo seu

relato, “às vezes aqui não acontece isso, porque tem professores novos chegando, não estão

sabendo ainda desse processo [...]. Nem olham os relatórios, nem nada. Não olham nada

e começam do zero. E, aí, muitos [alunos] repetem, muitos começam a repetir [de ano]”.

Cássia contou que, quando a professora da série seguinte a sua é uma das que já trabalhavam

na instituição – e, portanto, já engajada na cultura da colaboração –, ambas desenvolvem

juntas as atividades mais adequadas para os alunos, de acordo com os conteúdos já

apropriados no ano anterior. No entanto, quando a professora da série seguinte é uma das

professoras novas, esse processo de colaboração fica bastante limitado, acabando por

prejudicar os alunos. Cássia comentou a dificuldade de diálogo e cooperação com as docentes

recém-chegadas: E aí falar às vezes é ruim, porque você acaba conseguindo inimizade. O grupo é bom, é legal, mas assim, quando parte para a sala de aula,

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quando você quer falar alguma coisa para ajudar – muitos aqui não, porque já sabem, estão estudando o processo – mas quem está chegando agora, essas novas que estão chegando agora, se sentem ofendidas de ouvir alguma coisa [...] Aí é a criança que perde. Mas não é maioria não, a escola já mudou muito.

É interessante observar que, apesar de ter tecido contundentes críticas à postura e ao

trabalho das novas professoras, Cássia procurou suavizar seu julgamento, afirmando,

repetidamente, que “elas estão dando o seu melhor” ou “estão fazendo o que acreditam ser o

certo”. Essa tentativa de amenizar os pontos negativos percebidos na atividade das outras

docentes pode ser interpretada como um esforço para manter relações cordiais de trabalho no

interior da escola, ou seja, pode representar uma tentativa de “não criar inimizades”.

Entretanto, é possível perceber que, para Cássia, a forma de trabalhar de algumas professoras

tem um caráter bastante negativo, influenciando fortemente sua avaliação sobre a escola,

como fica claro no pré-indicador: “Essa escola? Eu daria 8 para ela. Mesmo apesar dessas

mudanças aí... Eu daria 8. Eu sei que ela precisa melhorar muito, muito, muito mesmo, mas

muita coisa já mudou... muita coisa”.

Assim, este núcleo permite perceber que, para Cássia, as relações institucionais,

mediadas pelo gênero profissional, constituem um aspecto fundamental de sua atividade. A

possibilidade de desenvolver um trabalho docente coletivo, compartilhando estratégias,

buscando soluções conjuntas, elaborando novas formas de avaliar assume, assim, um papel

transformador, capaz de construir uma nova perspectiva, na qual todos os profissionais da

escola – funcionários, professores e gestores – são percebidos como uma unidade, um corpo

único de pessoas movidas por um objetivo claro: educar bem todos os alunos.

3.5 Núcleo de significação 5 – Reflexões sobre a prática após a AC: “Eu poderia ter...”

Este núcleo resulta da articulação de indicadores que reúnem as reflexões feitas pela

professora acerca da própria atividade, quando analisou os episódios que retratavam sua

atuação em sala de aula. Ou seja, expõem-se, aqui, os momentos da autoconfrontação nos

quais a professora, ao se deparar com as cenas selecionadas e com as perguntas pertinentes a

sua atividade, refletiu sobre o que fez; o que poderia (ou não) ter feito de outra forma; o que

gostaria de ter feito. Os indicadores constitutivos deste núcleo são provenientes apenas da

sessão de ACS: 1) as reflexões críticas sobre a atividade da parlenda; 2) as reflexões sobre a

prática da correção coletiva do dever de casa: “poderia ter disponibilizado material concreto

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que ajudasse na apresentação dos problemas resolvidos”; 3) as reflexões sobre a atividade de

cruzadinha: “poderia ter disponibilizado um banco de dados”; 4) repensando a prática

docente: chamar os alunos com dificuldade para responder às questões na lousa; 5) reflexões

sobre o processo de ACS; 6) a autoavaliação da prática em sala de aula: “deveria ter avançado

mais”.

É interessante observar que não existem, neste núcleo, indicadores extraídos da ACC,

embora esta também seja considerada um possível momento de reflexão sobre a própria

atividade. Acredita-se que a ACC não proporcionou essa possibilidade para Cássia em razão

de alguns acontecimentos. O principal aspecto que prejudicou o bom andamento da ACC foi a

limitação do tempo. Ao passo que na ACS Cássia discorreu tranquilamente sobre os episódios

gravados, dedicando-lhes o tempo necessário para tanto e analisando-os sem pressa, a

realização da ACC foi prejudicada por alguns contratempos. Renata14, a professora

convidada, compareceu ao encontro com mais de uma hora de atraso. Como Cássia tinha

outros compromissos agendados para depois, o tempo disponível para a ACC – duas horas,

período suficiente para a análise de três episódios de aproximadamente cinco minutos cada –

acabou sendo reduzido a apenas 50 minutos. Dessa forma, no decorrer da ACC, notou-se a

aflição da professora Cássia, fato que a levou a responder às perguntas de forma resumida,

muitas vezes antecipando-se às questões colocadas por Renata. Em função da pressa, a

professora transmitiu a sensação de que não queria aprofundar as reflexões para que a sessão

pudesse terminar logo.

Além disso, Cássia mostrou-se muito defensiva, parecia temer possíveis críticas a sua

atividade, por isso as antecipava. Descrevia e justificava cada uma de suas ações no vídeo de

forma direta e sucinta, sem abrir espaço para uma análise mais aprofundada de sua própria

atuação. É possível atribuir esse recurso defensivo a duas razões: o tempo escasso disponível

para a ACC e o fato de a análise se restringir à atividade de Cássia. Além disso, não houve

possibilidade de marcar outra sessão de ACC, na qual se poderiam sanar os problemas

enfrentados. Tudo isso prejudicou, em muito, os resultados do processo de ACC.

Por outro lado, a ACS constituiu-se em um processo bastante rico, no qual Cássia

aprofundou a reflexão e a análise sobre sua atividade docente, tentando responder da forma

mais fiel possível ao que lhe era perguntado. A professora salientou ter se sentido confortável

durante a ACS, quando percebeu que a pesquisadora não estava ali para criticá-la nem para

lhe prescrever formas de desenvolver seu trabalho. Essa compreensão levou-a a se sentir livre

14 Nome fictício.

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para analisar, por si mesma, as cenas apresentadas. Em diversos momentos, a professora

sinalizou que essa análise gerou, de fato, muitas reflexões e, inclusive, ressignificações de

algumas de suas práticas pedagógicas. É interessante notar que, invariavelmente, Cássia

percebia os pontos mais “problemáticos” de sua atividade antes mesmo que as perguntas lhe

fossem propostas. O simples fato de assistir a si mesma em ação parece ter lhe despertado

uma série de considerações a respeito do que deixou de fazer, do que poderia ter feito de outra

forma, do que gostaria de ter feito.

O primeiro episódio, denominado “escrita da palavra pé”, retrata um momento da aula

de Língua Portuguesa no qual a professora trabalhava a leitura e a escrita com base numa

parlenda já bastante conhecida pelos alunos. A cena mostrava a professora e um aluno junto à

lousa. A professora indagava a criança sobre a escrita da palavra pé, e o aluno nitidamente

esforçava-se para responder da forma correta. Entretanto, não era capaz de fazê-lo mesmo

com o direcionamento e as pistas fornecidas pela professora. Na ACS do primeiro episódio,

Cássia inicialmente descreveu a atividade que realizava e, imediatamente após a descrição,

começou a discorrer sobre encaminhamentos que poderia ter realizado de outra forma: Aí teve um momento no “pulem de um pé só” que ele leu “pé” e “só” junto, como uma palavra só, e aí, ao invés de pedir que ele lesse de novo e perguntar “e aí, você sente o som de alguma letra?”, eu nem perguntei para ver se ele iria associar... “tem o É, pro, termina com é”... Então ele iria logo na hora perceber, eu imagino que ele iria perceber que “pé” tem esse som e não precisaria do “só”... Então eu ignorei isso e já fui direto, aqui tem “pulem” e “pé”, tem essa e essa, qual dos dois pode ser... Eu não fui até aquela que ele achou que podia ser “pé”... Acho que isso aí também foi um erro, porque se ele disse que foi aquela outra, eu tinha que continuar intervindo lá, e não na anterior.

Quando questionada se ela considerava que a atividade de leitura havia alcançado os

objetivos propostos para a criança retratada no episódio, Cássia respondeu que “naquele

momento não atingiu, né, porque é um processo... Mas ele percebeu que “pé” não começa

como ele pensava, com qualquer letra...”. É interessante observar que, apesar de ter refletido

sobre a atividade, percebendo alguns aspectos que poderiam ter sido mais bem executados,

Cássia procurou se justificar, afirmando que, se os objetivos não haviam sido completamente

alcançados, ao menos parte deles havia sido cumprida. Mas o que a professora poderia ter

feito de diferente para alcançar plenamente suas metas? Cássia afirmou que não deveria ter

chamado aquele aluno para responder às questões na lousa naquela atividade específica: “eu

faria diferente... Talvez não tivesse chamado ele na frente aquele dia, talvez não fosse o

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momento... Porque ele foi na frente, quem sabe se ele não ficou meio perdido, porque viu

que todos já estavam além dele? Tem isso também... ele não gostou”.

Aqui, Cássia parece ter percebido que a estratégia – frequentemente utilizada – de

chamar os alunos com dificuldades para responder às questões na lousa nem sempre se mostra

efetiva: a criança pode se sentir pressionada ao ver-se alvo da observação de todos os colegas.

Segundo suas palavras: “talvez não fosse o momento de ter chamado logo esse aluno, porque

ele é um dos que tem mais dificuldade... Talvez se eu deixasse ele no lugar dele, e só

chamasse atenção para que ele percebesse como outra criança faz na frente, seria mais

interessante naquele dia”. Conforme se pode depreender desse fragmento, Cássia reflete

acerca da situação de exposição na qual coloca os alunos mais frágeis em termos de

aprendizagem e dá sinais de notar os danos que isso pode acarretar para a autoestima das

crianças. É possível perceber um importante movimento de reflexão, no qual a docente se

questiona sobre uma prática que emprega amiúde – talvez de forma um tanto quanto

automática. Pode-se supor, então, que essa prática constituía um comportamento fossilizado

da professora, construído e mantido ao longo de anos de repetição mecanizada, e que

possivelmente foi quebrado na ACS, permitindo à docente repensar e refletir acerca de seu

propósito e de sua eficácia.

O segundo episódio ilustrou um momento da aula no qual se realizava a correção do

“prazer de casa” 15. O episódio mostrava a professora e os alunos sentados no chão, em

círculo, corrigindo o dever de Matemática, pedido no dia anterior. No início da atividade,

todos os alunos participavam e mostravam-se bastante interessados. No entanto, ao longo da

correção da lição, os alunos foram ficando cada vez mais dispersos. Alguns deles –

justamente os que não haviam feito a tarefa em casa – foram chamados para indicar, na lousa,

a forma como resolveriam os problemas propostos. Enquanto isso, os demais alunos

distraíam-se cada vez mais, porque já haviam resolvido os problemas e ficavam cansados de

ver os esforços e as tentativas de acerto daqueles que estavam na lousa, junto com a

professora.

Na ACS desse episódio, foi marcante o movimento de análise realizado por Cássia.

Ao assistir a si mesma em atividade, ela imediatamente passou a falar de forma crítica sobre

sua forma de atuação. O primeiro aspecto que lhe chamou a atenção foi a falta de materiais16

15 Cássia e seus alunos utilizam o termo “prazer de casa” para referirem-se ao dever de casa. 16 Vale esclarecer que cada aluno tem uma “caixa” com os materiais de Matemática. Em razão da falta de recursos da escola, os alunos coletaram, no início do ano letivo, uma determinada quantidade de objetos que compõem esse material. Assim, alguns alunos têm em suas caixas conchas, outros têm tampinhas de garrafa

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concretos que auxiliassem os alunos a solucionar os problemas. Segundo seu relato: “eu

poderia ter colocado, ali, alguns materiais para eles resolverem utilizando aquele

material. E, não, mandar logo no quadro”. Assim, ao se observar em atividade, Cássia

pareceu perceber possibilidades de estratégias não realizadas, que teriam, em seu entender,

tornado a atividade mais interessante. Ela comentou que a resolução de problemas de

Matemática com o auxílio de material concreto teria tornado a atividade mais eficaz, evitando

os erros apresentados pelos alunos chamados ao quadro-negro. Segundo suas palavras: “com

o material... acho que teria sido bem mais interessante e eles, também, aprenderiam

mais... No caso desse aluno, ele foi contar, acabou contando um a mais. Com o material, isso

não aconteceria”. Quando questionada a respeito do que faria de forma diferente, ela

explicou como desenvolveria a atividade caso fosse realizá-la após a ACS: Por exemplo, esse aluno não fez a atividade de casa. Então, nesse caso, eu colocaria todos novamente em roda, para fazer com o material, e ficaria com ele, que não fez... E ele já poderia, também, fazer a atividade com o material! Eu levei ele ao quadro, mas ele não fez a atividade...

É possível perceber que, nesse momento da análise, Cássia já mencionou a

possibilidade de disponibilizar o material para os alunos – algo que ela não havia feito – como

um aspecto resolvido: ela considerou que deveria ter feito isso. Assim, ao dar um exemplo do

que faria de forma diferente, ela refletiu sobre a possibilidade de não pedir ao aluno que não

havia feito o dever que fosse ao quadro, como se o trabalho com o material já estivesse

contemplado. Vale notar que, ao analisar esse episódio, a professora repensou sua prática –

até então rotineira e cuja eficácia não era motivo de reflexão – de chamar os alunos para

resolver questões na lousa. Assim, pode-se perceber que a ACS possibilitou a Cássia um

movimento analítico e reflexivo a fim de avaliar esse procedimento.

Outro aspecto da atividade registrada no episódio que pareceu chamar sua atenção foi

sua própria dispersão durante a atividade: “e eu, também, eu fiquei prestando atenção lá e cá,

lá e cá... Eu teria que estar mais centrada em quem eu queria que, que...”. Ao observar-se

atuando, Cássia percebeu que o fato de dividir os alunos em dois grupos – um sentado em

círculo no chão e outro junto à lousa resolvendo problemas – acabou por dividir sua atenção

entre uns e outros. Dessa forma, nenhum grupo recebeu atenção integral, razão plausível para

explicar a dispersão crescente dos alunos no decorrer da atividade. De fato, caso agisse de

outra maneira, os alunos não precisariam dedicar atenção aos problemas resolvidos na lousa,

PET, anéis de latas de alumínio, etc. Esse material é normalmente utilizado como apoio à realização dos exercícios de Matemática.

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mas sim ao material concreto colocado diante deles, tentando, por seu intermédio, resolver as

questões. A atividade teria sido mais lúdica e mais concreta, permitindo que todos – e não

apenas os que haviam sido chamados para responder às questões no quadro-negro – se

envolvessem. Finalmente, cabe salientar que, embora Cássia tenha apreendido parte do

problema apresentado nesse episódio, ela não aventou a possibilidade de realizar um trabalho

diversificado, reunindo os alunos em duplas ou grupos de crianças com diferentes

conhecimentos e experiências – que é, precisamente, o que marca o pensamento vygotskyano,

além de ser uma estratégia que ela empregava com frequência em outras situações

pedagógicas.

O terceiro episódio analisado na ACS, denominado “Palavras cruzadas”, mostrava um

grupo de alunos sentados no chão, em círculo, diante da classe. Os demais alunos

permaneciam sentados em suas carteiras. A professora explicou, então, qual seria a atividade

em questão: completar e resolver um jogo de palavras cruzadas, que se encontrava pendurado

na lousa. Esse jogo era formado por palavras provenientes da parlenda, já trabalhada pelas

crianças em diversas outras atividades. Após explicar detalhadamente a proposta, a professora

chamou um dos alunos sentados no chão para ir até a lousa, fornecendo-lhe uma série de

letras recortadas, com as quais ele deveria preencher um dos espaços vazios, avançando na

descoberta da palavra. A criança selecionou uma letra e a professora chamou outra aluna para

ajudar a preencher os demais espaços com as letras disponíveis. Nesse momento, vários

alunos se levantaram – do chão e de suas carteiras – e dirigiram-se à lousa, agrupando-se em

torno da professora.

Na análise desse episódio, Cássia pareceu assustar-se com a bagunça na qual a sala

havia se transformado ao longo da atividade. Aparentemente, durante da aula, ela não havia

percebido a falta de ordem. A professora comentou, também, que poderia ter realizado essa

atividade de outra maneira, modificando-a em distintos aspectos. Em relação à divisão da

classe em dois grupos – um que participaria da atividade e outro que apenas observaria – a

professora comentou: “as atividades poderiam ter sido feitas... Porque eu fiz, não é? Fiz

bastante em grupos, mas poderia ter feito mais... Poderia ter mexido mais nos grupos...”.

Cássia pareceu dar-se conta de que relegar parte da classe à condição de meros observadores,

enquanto os demais participavam da descoberta da palavra, não havia sido uma boa estratégia.

De fato, as crianças demonstraram desejo de participar do desenvolvimento da proposta,

tentando resolver as palavras cruzadas. Mas Cássia justificou o emprego dessa estratégia

afirmando que precisava dar prioridade aos alunos mais defasados, que ainda não

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reconheciam todas as letras, motivo pelo qual havia solicitado que apenas alguns dos alunos

identificassem as palavras. No entanto, as crianças mais adiantadas, que já conheciam o

alfabeto e eram capazes de formar palavras corretamente, não ficaram satisfeitas com essa

exclusão. Diante desse fato, Cássia explicou que, se fosse realizar novamente o exercício com

palavras cruzadas, faria isso de outra forma:

Aquela cruzadinha, por exemplo, depois dali eu poderia ter feito o que eu não fiz, ter voltado para o grupo em outro dia, porque se não ia ficar cansativo, e fazer a mesma cruzadinha só para esses meninos [os que apresentam mais dificuldade], nos grupos, pedir aos outros que fizessem uma outra atividade, e pedir para eles montarem, dar a quantidade de letras exatas e pedir para eles montarem porque o desafio seria maior, e ficaria com esses no grupo com uma cruzadinha cada um, mas eles iriam fazem em grupo. Aí eu nesse caso sairia perguntando questões para cada um “e aí, fulano, você concorda? Por quê?” Aí eles iriam aprender mais...

Percebe-se, aqui, o movimento empreendido pela professora, ao refletir sobre sua

forma de conduzir a atividade. Em relação ao mesmo episódio, Cássia também demonstrou

insatisfação com a forma como interveio junto às crianças que estavam na lousa. A professora

parece ter percebido que as dicas fornecidas por ela para que fosse possível solucionar as

palavras cruzadas não haviam sido efetivas: “eu teria que ter colocado um banco de dados

para favorecer eles... [...]. Poderia pedir que eles silabassem mesmo a palavra, para sentir,

perceber o som... É, acho que eu poderia ter feito assim...”. Apesar de ter indicado diversos

aspectos que poderiam ser modificados nessa atividade, Cássia considerou que ela foi

bastante produtiva, atingindo os objetivos propostos. A seu ver, se tivesse empregado outras

estratégias, os resultados teriam sido ainda melhores, algo que não implica que essa maneira

não tenha tido impacto na aprendizagem dos alunos: “então, foi bom, mas o banco de dados

iria favorecer mais... Mas eu acho que foi legal. Foi legal”.

Após ver e analisar os três episódios na ACS, Cássia passou a enumerar outros

aspectos dessa mesma atividade que mereceriam uma reflexão mais aprofundada, tendo em

vista que ela só os percebeu durante o processo de ACS. Um desses aspectos foi sua

ansiedade em relação ao aprendizado das crianças: “eu percebi que eu fico muito nervosa, né,

tenho muita ansiedade que eles aprendam logo...”. Tendo observado na ACS a desordem

criada em sala de aula, Cássia questionou-se também acerca da qualidade das atividades

pedagógicas que elaborara e atribuiu a “bagunça” à falta de elementos lúdicos capazes de

despertar a atenção dos alunos: “outra coisa, também, é a questão da concentração na sala de

aula! Eu sou uma pessoa só... E, fico pensando, será que a atividade não está lúdica? Será

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que ela não está chamando a atenção deles? Então, pode ser também isso, que contribuiu

[para a bagunça em sala]”.

É possível perceber, no discurso de Cássia, que a autoconfrontação permitiu um

processo de auto-observação, reflexão e análise de sua atividade docente, levando-a a levantar

outras formas possíveis de atingir suas metas. A articulação, possibilitada por essa análise,

entre a tarefa a ser desempenhada e a atividade efetivamente realizada gerou uma

aproximação da professora ao real de sua atividade. Ou seja, Cássia conseguiu identificar as

possibilidades que, por não terem sido levadas a cabo, acabaram por tencionar a atividade

realizada, sendo dela constitutivas. Cabe retomar aqui a definição apresentada por Clot (2010)

do real da atividade: ele não é só o realizado, mas também o que não foi feito, o que se tentou

fazer sem conseguir, o que se desejaria fazer ou o que poderia ter sido feito. Assim, segundo o

autor: A atividade possui, portanto, um conteúdo cuja abordagem demasiado cognitiva da consciência, como representação da ação, priva de seus conflitos vitais. Ora, a existência dos sujeitos é tecida nesses conflitos vitais, que procuram reverter em intenções mentais para deles se desprenderem. A atividade é uma provação subjetiva, mediante a qual o indivíduo avalia a si próprio e aos outros, para ter a oportunidade de vir a realizar o que deve ser feito. As atividades suspensas, contrariadas ou impedidas – até mesmo, as contra atividades – devem ser incluídas na análise. Por que negar a qualidade de atividade real à atividade não realizada? A atividade subtraída, ocultada ou recuada, nem por isso está ausente; ela está, com todo o seu peso, na atividade presente. (CLOT, 2010, p. 104).

Isso se dá porque, como bem salienta Vygotsky (apud CLOT, 2010, p. 103), “o

homem está pleno, a cada minuto, de possibilidades não realizadas”, de modo que o

comportamento é o sistema de reações vencedoras dentre todas as outras possíveis. Estas, por

sua vez, formam resíduos incontrolados, que exercem uma forte influência na atividade do

sujeito. Assim, os aspectos da atividade docente de Cássia que não aparecem na atividade

realizada, observada e analisada nos episódios, nem por isso deixam de ser parte constituinte

de sua atividade real. O processo de autoconfrontação pretende, justamente, conhecer as

possibilidades e os conflitos que tencionam e constituem a atividade, por meio de sua

transformação. O objetivo é, portanto, transformar para compreender. Segundo o relato de

Cássia, ao abrir um espaço de análise e reflexão acerca de suas próprias práticas pedagógicas,

a autoconfrontação possibilitou-lhe modificar certos aspectos de sua atuação como docente.

Ao discorrer sobre o processo de ACS, a professora afirmou ter gostado muito dessa

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experiência: “fez só favorecer, porque me fez perceber: ‘ah, naquele momento, eu poderia

ter feito tal coisa, poderia ter sido feito assim’”. Então, foi muito bom!”.

Ao que tudo indica, o processo de autoconfrontação foi muito significativo para a

professora. Por meio dele, Cássia percebeu novas possibilidades de atuar em sala de aula e de

atingir seus objetivos junto aos alunos. Conforme se evidenciou em seu discurso, buscar

constantemente melhores formas de ensinar parece ser um ponto fundamental em sua prática

docente: Foi muito bom! Foi importante, porque, às vezes, a gente vai fazendo as coisas, achando que está tudo muito bom, e não para nem para refletir tanto... E assim, agora foi muito bom, porque eu comecei a perceber, por exemplo, nas aulas o que poderia ter sido diferente, o que poderia ter feito... Me fez refletir mais sobre, pensar ainda mais neles, nos alunos.

Fica claro, portanto, que a possibilidade de refletir sobre a própria atuação docente,

tendo como suporte as imagens gravadas das aulas, permitiu à professora, se não uma

ressignificação de sua atividade, ao menos uma abertura nessa direção.

3.6 Análise internúcleos

Conforme a proposta metodológica de Aguiar e Ozella (2006), após a realização da

análise de cada um dos núcleos de significação anteriormente apresentados, ou seja, da

análise intranúcleos, cabe, agora, proceder a uma análise que articule os núcleos de

significação entre si, ou seja, proceder a uma análise internúcleos. O objetivo, aqui, é articular

alguns temas e conteúdos que permearam os núcleos anteriormente examinados, com o intuito

de revelar aspectos peculiares, semelhantes, complementares e/ou contraditórios da forma de

pensar e agir da professora participante da pesquisa. De acordo com Aguiar e Ozella (2006, p.

231), o procedimento de análise internúcleos pretende explicitar: [...] semelhanças e/ou contradições que vão, novamente, revelar o movimento do sujeito. Tais contradições não necessariamente estão manifestas na aparência do discurso, sendo apreendidas a partir da análise do pesquisador. Do mesmo modo, o processo de análise não deve ser restrito à fala do informante, pois ela deve ser articulada (e aqui se amplia o processo interpretativo do investigador) ao contexto social, político, econômico, em síntese, histórico, que permite acesso à compreensão do sujeito na sua totalidade.

Dessa forma, a análise internúcleos consiste em um movimento analítico-

interpretativo por parte do pesquisador, que almeja avançar “do empírico para o

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interpretativo, isto é, da fala para seu sentido” (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 231). Os

autores revelam, ainda, a importância de articular não apenas os temas contidos nos diversos

núcleos de significação mas também os elementos de sentidos que emergem das experiências

historicamente vivenciadas pela professora em diferentes espaços sociais: Caminhando na compreensão dos sentidos, relembramos a importância da análise das determinações constitutivas do sujeito, e para isso é importante apreendermos as necessidades, de alguma forma, colocadas pelos sujeitos e identificadas a partir dos indicadores. Entendemos que tais necessidades são determinantes/constitutivas dos modos de agir/sentir/pensar dos sujeitos. São elas que, na sua dinamicidade emocional, mobilizam os processos de construção de sentido e, também, as atividades do sujeito. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 232).

Assim, a partir da articulação de temas que atravessaram diferentes núcleos de

significação e sempre considerando o contexto social e histórico mais amplo e o referencial

teórico adotado, procura-se, aqui, apreender os movimentos do sujeito, de modo a tornar

possível uma aproximação dos sentidos e significados atribuídos pela professora às

“dificuldades de aprendizagem” dos alunos.

Diversos aspectos dos conteúdos que permearam os núcleos de significação

mostraram-se passíveis de articulação. O primeiro deles refere-se à formação docente e às

relações institucionais, ou seja, articula conteúdos do núcleo 1 – denominado “A importância

da teoria como suporte para a prática pedagógica: ‘tudo que eu aprendo, eu procuro colocar na

sala de aula”’ – e do núcleo 4, “Relações institucionais mediadoras da atividade docente:

‘Tem gente que tem medo, então não quer mudar”’. A partir da articulação dos conteúdos

desses dois núcleos, é possível perceber que a transformação do gênero docente e a

instituição, no âmbito escolar, de uma nova cultura de colaboração (discutida no núcleo 4)

encontram-se diretamente relacionadas à formação docente – relatada no núcleo 1 – pela qual

passavam as professoras da escola investigada. De fato, as mudanças na atividade das

professoras – proporcionadas tanto pela formação profissional quanto pela substituição da

equipe gestora – resultaram na transformação da escola, de suas práticas e, ainda, da cultura

escolar como um todo. Dessa forma, esses dois processos não podem ser compreendidos

separadamente, uma vez que um se encontra profundamente enraizado no outro.

No decorrer da análise do núcleo 1, evidencia-se que a passagem pelo processo de

formação inicial e continuada provocou transformações na atividade docente de Cássia. A

professora discorreu, repetidamente, acerca da importância da fundamentação teórica para o

desenvolvimento de sua prática profissional, ressaltando que a formação até então realizada

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em Pedagogia lhe permitiu compreender as questões pedagógicas, o que, por sua vez, a levou

a implementar novas práticas em sala de aula. Cássia relatou, também, que a formação

continuada desempenhava, para ela, um importante papel, por permitir que as questões e

dúvidas geradas na e pela prática cotidiana fossem abordadas nesse espaço formativo. Em

razão disso, a professora afirmou que foi capaz de perceber que teoria e prática constituem o

aspecto central da formação docente. Compreende-se, portanto, que a perspectiva da práxis

proporcionou uma profunda reformulação da atividade docente de Cássia.

Na análise do primeiro núcleo, fica claro, também, que a formação docente teve um

papel transformador não só para Cássia como também para as colegas de trabalho. A

professora enfatizou que as mudanças ocasionadas pela formação docente não incidiram

apenas em sua atividade, mas também na das demais professoras que estavam passando pelo

mesmo processo. A formação inicial e continuada, entre outras coisas, abriu espaço para uma

reflexão coletiva sobre os problemas enfrentados no cotidiano da escola. Essa possibilidade

de refletir em grupo constituiu, certamente, um fator determinante na transformação da

cultura escolar, com fortes implicações para a mudança de gênero profissional na instituição.

Assim, a substituição do antigo diretor por uma nova diretora – apontada no núcleo 4

como um fator central na transformação da cultura escolar – não parece ter sido, em si

mesma, suficiente para gerar tão profundas mudanças. Apenas quando se observa a alteração

da equipe gestora de maneira articulada com as transformações na prática pedagógica

desencadeadas pela formação docente é que se pode compreender a instauração de uma nova

cultura de colaboração no bojo da instituição escolar. Da mesma forma, a escolha de uma

nova coordenadora pedagógica, eleita dentre as professoras da escola, parece relacionar-se

diretamente à formação docente. Com base nos estudos teóricos realizados, as professoras

chegaram à conclusão de que era necessário eleger para esse cargo alguém capaz de

compreender as novas perspectivas adotadas pelo corpo docente e apto a assumir uma postura

cooperativa e colaborativa na tomada de decisões relativas ao cotidiano escolar.

Outro aspecto concernente aos núcleos 1 e 4 que merece atenção é a relação com as

novas professoras. Segundo o relato de Cássia, elas ainda não haviam passado pelo processo

de formação inicial e, de certa forma, se recusavam a assumir o novo gênero escolar. Cássia

atribuía à falta de formação de tais professoras essa resistência em participar da cultura

colaborativa instaurada pelas demais. De fato, como não haviam ressignificado sua atividade

docente, provavelmente as novas professoras se encontravam presas às velhas concepções e

aos anteriores padrões de conduta, já abandonados por aquelas que tiveram a oportunidade de

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passar pela formação. Fica evidente, mais uma vez, a forte relação que se estabelece entre

formação docente e instauração de um gênero profissional renovado, pautado pela

colaboração entre professores, o que amplia o poder de agir de cada um.

É possível inferir que o antigo diretor cerceava toda e qualquer iniciativa das

professoras, de forma a atividade docente encontrava-se desvitalizada. Ora, como bem

salienta Clot (2010, p. 16), o sentido da atividade para o sujeito está diretamente relacionado a

seu poder de agir, de modo que “esvaziada de seu sentido, a atividade do sujeito vê-se

amputada de seu poder de agir, ou seja, os objetivos da ação em vias de se realizar ficam

desvinculados do que é realmente importante para os sujeitos”. Portanto, ao gerar uma

ressignificação do trabalho, a formação docente parece ter aumentado significativamente o

poder de agir das professoras em relação a sua atividade profissional, que foi revitalizada.

Dessa forma, pode-se afirmar que existe uma relação dialética entre formação docente

e transformação do gênero profissional constituído na escola, pois, ao produzir uma

ressignificação do trabalho pedagógico, a formação aumentou o poder de agir das professoras,

o que, por sua vez, incidiu no gênero e na cultura escolar. Tal processo também reconfigurou

os sentidos e significados constituídos pelas professoras. A partir disso, o poder de agir das

professoras também aumentou, provocando mudanças em seus sentidos e significados,

mudanças essas que, por sua vez, produziram transformações na cultura escolar. A

substituição da equipe gestora parece ter sido, assim, providencial, por ter permitido que as

mudanças de fato se instituíssem: o diretor antigo dificultava sobremaneira a instauração de

uma cultura pautada pela colaboração. Desse modo, a formação docente, relacionada

diretamente à questão da unidade entre teoria e prática, ou seja, à práxis, foi um aspecto que

desempenhou um papel transformador concreto na realidade escolar. Logo, a alteração da

equipe gestora e o processo dialético de apropriação do arcabouço teórico da Pedagogia –

além de seu emprego em novas práticas – possibilitaram, em conjunto, o desenvolvimento da

atividade docente e a transformação do gênero profissional ali constituído.

O núcleo que trata da questão da formação docente relaciona-se também ao núcleo 3:

“Atividade docente: ‘Eu invisto muito no trabalho em grupo, porque no grupo tem sempre

alguém que está um pouco mais na frente”’. A articulação dos conteúdos desses dois núcleos

diz respeito às mudanças na atividade docente de Cássia provocadas pelo ingresso no curso de

Pedagogia. No terceiro núcleo, Cássia discorreu a respeito das práticas pedagógicas que

configuravam sua forma de ensinar no cotidiano em sala de aula e relatou que diversas delas

eram pautadas justamente pelo conhecimento adquirido durante a formação. Dentre essas

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práticas, é possível citar, como exemplo, as atividades em duplas ou grupos de alunos,

frequentemente empregadas pela docente, embasadas em teorias pedagógicas por ela

aprendidas na faculdade. Pode-se ressaltar, também, a estratégia de relacionar, sempre que

possível, os conteúdos ministrados em aula com os conhecimentos prévios dos alunos e sua

vivência cotidiana fora do espaço escolar. Ambas as estratégias fundamentam-se nos

conhecimentos apropriados por Cássia no decorrer de sua formação docente e constituem

práticas bastante positivas para o aprendizado dos alunos em sala de aula. Assim, ao longo da

análise do núcleo 3, evidencia-se a importância do processo de formação para o

desenvolvimento e o aprimoramento dessas práticas, quando contrastadas às realizadas

enquanto ela ainda era uma professora leiga.

No entanto, a partir da articulação do primeiro e do terceiro núcleos, aparece uma

contradição no discurso de Cássia: no primeiro núcleo, a professora mencionou,

enfaticamente, o papel essencial da formação docente para o desenvolvimento de uma prática

profissional de boa qualidade. Ela afirmou, então, que o acesso ao referencial teórico e

metodológico da Pedagogia havia lhe proporcionado a necessária vinculação entre teoria e

prática, a qual acarretou profundas e positivas transformações em sua atividade docente.

Entretanto, no núcleo 3, Cássia relatou que seu momento de maior realização profissional

ocorreu na escola da zona rural, quando conseguiu alfabetizar a turma inteira. Essa realização

se deu, no entanto, antes de todo seu processo de formação docente, pois, até aquele

momento, ela nunca havia tido contato com as teorias educacionais – um exemplo disso pode

ser encontrado em sua metodologia de ensino: a cartilha era seu único instrumento

pedagógico. Além disso, naquele momento, ela ainda utilizava a silabação, método que ela

criticou enfaticamente durante a coleta e a produção dos dados. Evidencia-se, paulatinamente,

em seu discurso, uma contradição: a formação é assinalada como um fator determinante da

docência de boa qualidade, mas o mais importante feito de sua carreira – a alfabetização de

uma turma inteira da zona rural – ocorreu sem a “interferência” do saber acadêmico, apenas

com base em métodos considerados, por ela mesma, limitados e ultrapassados.

Essa divergência em sua fala fica mais aguda quando se considera que seus relatos

foram feitos durante o período em que a professora passava por formação inicial e continuada,

dois processos extremamente valorizados por Cássia. Não obstante, ela se preocupava muito

com a possibilidade de não ser capaz de repetir a mesma façanha: chegar ao fim do ano letivo

com todos os alunos alfabetizados. Ora, se Cássia foi capaz de alfabetizar a turma toda

quando ainda não passara por nenhuma formação, por que não estaria apta a repetir o mesmo

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feito após se apropriar do referencial teórico e metodológico da Pedagogia? Essa contradição

– entre o valor do arcabouço teórico para a qualidade da prática pedagógica e a realização de

uma docência capaz de alfabetizar a todos sem contar com nenhum apoio teórico – parece ser

um aspecto revelador dos sentidos e significados por ela constituídos acerca de sua atividade.

O tema da formação docente, que constitui o núcleo 1, também se articula com os

conteúdos do núcleo 2: “Preciso pensar primeiro nos que têm mais dificuldade”. Nele, Cássia

relatou a mudança de perspectiva em relação às “dificuldades de aprendizagem”. Como se

pode depreender da análise desse segundo núcleo, a professora conferiu, após o início da

formação profissional, uma nova significação às “dificuldades” no aprender, que passaram a

ser entendidas não mais como problemas ou empecilhos, mas como diferenças de ritmos na

aprendizagem dos alunos. Vale ressaltar que, embora a professora não tivesse se apropriado

completamente de práticas pedagógicas coerentes com a nova significação, ela apostava

fortemente na perspectiva de que “todos os alunos são plenamente capazes de aprender, ainda

que em diferentes ritmos”. Ainda assim, se o processo de formação docente implicou

transformações no significado das “dificuldades de aprendizagem” – que levaram, por sua

vez, à ressignificação da prática docente –, o arcabouço teórico da Pedagogia, com o qual

Cássia passou a ter contato no decorrer de sua formação, não fora, até o momento da coleta de

dados, suficiente para conferir aos pais um novo papel na aprendizagem de seus filhos. A

família continuava a ser vista como figura central na produção e manutenção das dificuldades

dos alunos. Outro aspecto não superado pela professora diz respeito à relação entre as

características subjetivas dos alunos e suas “dificuldades de aprendizagem”: as velhas

significações persistiam.

A análise dos conteúdos dos núcleos de significação 2 e 3 mostra aspectos comuns a

ambos, permitindo sua articulação na análise internúcleos. Um tema que os perpassa refere-se

à dificuldade de Cássia para administrar uma sala de aula repleta de alunos em diferentes

ritmos de aprendizagem e com diferentes necessidades educativas. Nos dois núcleos, essa

questão foi abordada pela professora, que afirmava, muitas vezes, que a boa qualidade de seu

trabalho ficara prejudicada em função da quantidade e diversidade de demandas das crianças,

que interrompiam suas aulas constantemente. Alguns exemplos foram citados por ela, tais

como a desordem provocada pelas crianças que terminavam suas atividades antes das demais,

as interrupções provocadas por alunos que brigavam entre si, as solicitações incessantes para

sair da sala, a permanente demanda por ajuda. Certos indicadores desses núcleos ilustraram o

fato de que Cássia parecia se sentir incapaz de administrar a demanda de atenção por parte

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dos alunos, que se somavam às demandas externas, contribuindo igualmente para as

frequentes interrupções nas atividades de aula.

Ainda nos núcleos 2 e 3, é possível articular os indicadores que versam sobre a

questão referente aos “diferentes ritmos de aprendizagem”. No segundo núcleo, Cássia

explicou que considerava que todos os alunos estavam aprendendo, ainda que em diferentes

ritmos, salientando que pretendia planejar e desenvolver atividades diferenciadas, capazes de

contemplar as diferenças encontradas nas crianças. Por outro lado, o núcleo 3 trouxe à tona

sua preocupação em não conseguir alcançar a meta da Secretaria Municipal de Educação:

alfabetizar a turma toda até o final do ano. Tal como aqui se entende, a articulação dos

conteúdos desses dois núcleos evidencia, mais uma vez, a contradição já discutida na análise

do núcleo 3 e que incide na meta de alfabetizar 100% dos alunos. Se Cássia acreditava que

todos os alunos estavam aprendendo, ainda que em diferentes ritmos, a que se deveria a

preocupação em atingir uma única meta para todos? Mais uma vez, isso parece sugerir um

aspecto bastante contraditório no discurso e na prática da professora, que se apresenta,

possivelmente, como um aspecto constituinte dos sentidos e significados que ela atribui a sua

atividade docente. Conforme discutido no terceiro núcleo, a preocupação de Cássia em atingir

a meta de alfabetizar a todos até o fim do ano letivo parece relacionar-se mais a aspectos

constituintes de sua subjetividade – como sua própria expectativa em relação à qualidade de

seu trabalho e à possibilidade de comprometer a imagem de excelente professora, construída

junto à equipe gestora e ao corpo docente da escola.

A articulação dos núcleos 3 e 4 demonstra, também, elementos divergentes no

discurso da professora. No decorrer do núcleo 4, Cássia relatou que existia, na escola, uma

nova cultura pautada pela colaboração e pela cooperação entre professores e equipe gestora.

No entanto, no núcleo 3, quando questionada sobre possíveis atividades pedagógicas que

gostaria de realizar, mas que, por alguma razão, não realizava, Cássia informou que gostaria

de poder sair da escola com os alunos, organizar passeios e excursões, a fim de relacionar

certos conteúdos trabalhados em aula com a realidade concreta das crianças. Contou, ainda,

que só não desempenhava essas atividades extraclasses por medo de realizá-las sozinha,

assumindo integralmente a responsabilidade pelas crianças. Considerando que existia, no

interior da instituição escolar, uma cultura de colaboração, por que não se pensou em planejar

tais atividades de modo a envolver mais professoras? Cássia poderia fazer os passeios e

excursões com seus alunos e outras professoras e crianças, com atividades conjuntas.

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Desse modo, as docentes ajudar-se-iam mutuamente, dividiriam funções e

responsabilidades. Cabe questionar, então, se a impossibilidade de Cássia em levar adiante

atividades extraclasses não ocorreria por falta de planejamento ou de colaboração entre as

professoras. Essa perspectiva pode levar à conclusão de que a cultura da colaboração, embora

fosse muito desejada, era também muito incipiente na instituição. Além disso, cabe mencionar

que o medo, impeditivo relatado pela professora para realizar atividades fora da escola,

aparece como um aspecto constitutivo de sua subjetividade. Conforme salientam Aguiar e

Ozella (2006), sentidos e significados são constituídos pela unidade contraditória do

simbólico e do emocional. Assim, é possível inferir que a oposição entre o medo de assumir

integralmente a responsabilidade pelos alunos fora do contexto da escola e o desejo de

realizar atividades extraclasses configuram elementos de sentidos e significados constituídos

por Cássia acerca de sua atividade.

No que concerne à articulação entre o núcleo 5 – “Reflexões sobre a prática após a

AC: ‘Eu poderia ter...’” – e os demais núcleos de significação, pode-se relacionar certas

reflexões de Cássia sobre sua atividade docente, proporcionadas pela autoconfrontação, a

vários conteúdos de diversos núcleos. Vale salientar que o quinto núcleo apresenta certas

peculiaridades em relação aos demais, pois se restringe à análise que Cássia realiza a respeito

de sua própria atividade. Ao passo que todos os núcleos de significação contêm indicadores

retirados não só da entrevista mas também das sessões de autoconfrontação, o núcleo 5 é

composto apenas por indicadores fornecidos pela ACS, ou seja, por reflexões desenvolvidas

naquele contexto específico. Dessa forma, todas as falas da professora que originaram esse

núcleo se baseiam nas imagens por ela analisadas. É interessante ressaltar que, como explica

Soares (2011, p. 274): [...] o sentido é uma construção histórica e subjetiva de cada sujeito. Por isso, ao se autoconfrontar com imagens de si mesma na atividade de aula, bem como com os comentários de sua colega de profissão, a professora resgata e analisa não apenas a atividade realizada num determinado momento, mas todo um conjunto de elementos que, historicamente, a constitui como sujeito. Em outras palavras, os diversos elementos de sentido que emergem de sua fala durante as sessões de autoconfrontação simples e cruzada, elementos esses que, dialeticamente articulados, se configuram como sentidos constituídos por ela, têm a ver não apenas com a atividade observada, tampouco com o momento em que ela assiste ao vídeo e é convidada a refletir sobre suas ações e, sim, com o conjunto das experiências docente que configura a sua dimensão histórico-subjetiva.

Durante a realização da ACS, Cássia refletiu acerca de aspectos de sua atividade que

se relacionam a conteúdos de outros núcleos. Dentre essas reflexões, destaca-se aquela em

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que a docente se questionou sobre sua estratégia de chamar alunos para responder a questões

na lousa. Na análise do núcleo 2, nota-se que a professora frequentemente solicitava aos

alunos, especialmente àqueles mais atrasados em termos de aprendizagem, que se dirigissem

ao quadro-negro para resolver e/ou compartilhar com o resto da turma as soluções dadas a

alguns problemas. No conteúdo do segundo núcleo, a professora justificou que o emprego

dessa prática elevava a autoestima das crianças, pois, indo à lousa, elas se sentiam

importantes e valorizadas. A observação realizada pela pesquisadora das aulas de Cássia

confirmou o fato de que os alunos apreciavam a possibilidade de se destacar, respondendo às

questões na lousa. Por outro lado, essa mesma prática pedagógica foi alvo de análise por parte

de Cássia no decorrer da ACS, conforme fica claro no quinto núcleo. O primeiro episódio

analisado na autoconfrontação ilustrou uma situação na qual não se verificou essa reação: o

aluno chamado ficou constrangido por ser chamado à frente. Assim, ao assistir a essa cena e

analisá-la, Cássia questionou muito sua própria estratégia, chegando à conclusão de que não

deveria ter chamado aquele aluno naquele dia específico. Assim, nota-se que foi aberto, na

ACS, um espaço de reflexão sobre práticas e estratégias comumente empregadas pela

professora em sala de aula.

Outro aspecto da atividade docente criticado por Cássia no núcleo 5 refere-se às

práticas seguidas por ela no segundo episódio da ACS. Ali, a professora afirmou que deveria

ter lançado mão de materiais concretos, que poderiam ter auxiliado as crianças a resolver o

problema de Matemática. No núcleo 3, por outro lado, ela disse que procurava realizar,

sempre que possível, atividades pedagógicas que fossem lúdicas e que se relacionassem à

realidade concreta dos alunos. Analisando o episódio apresentado na ACS (ver núcleo 5), a

professora percebeu que, ao não disponibilizar material concreto na solução dos problemas

matemáticos, havia infringido seus próprios parâmetros. Esse fato chocou-se com sua própria

concepção de como deveriam ser desenvolvidas as atividades, algo de que Cássia tomou

ciência durante a autoconfrontação. Assim, foi-lhe possível perceber a contradição entre seu

discurso (núcleo 3) e a atividade analisada (núcleo 5).

Este último núcleo se articula, também, ao núcleo 2, que trata de conteúdos

concernentes às “dificuldades de aprendizagem” ou aos “diferentes ritmos de aprendizagem”.

A relação entre esses dois núcleos repousa na reflexão da professora sobre a prática de

separar, nas atividades pedagógicas, crianças que se encontram em diferentes níveis de

aprendizado, priorizando as mais atrasadas. No núcleo 5, Cássia avaliou que essa é uma

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prática ineficaz e contraproducente, pois as crianças que não haviam sido chamadas a

participar se sentiram insatisfeitas, algo que acabou por tumultuar a sala de aula.

Por meio da articulação dos conteúdos abordados no núcleo 5 com os conteúdos dos

demais núcleos de significação, percebe-se que o processo de autoconfrontação permitiu que

a professora refletisse criticamente acerca de vários aspectos de sua atividade. Essa reflexão e

análise da própria atividade docente perpassaram amplos aspectos constituintes de sua prática

profissional, abrindo espaço para a constituição de novos elementos de sentidos. Conforme

explica Soares (2011, p. 275): [...] convém ressaltar que, com as sessões de autoconfrontação, não tínhamos a pretensão de levar a professora à produção de novos sentidos, de modo que pudesse configurar uma nova subjetividade a partir da imediaticidade da aplicação desse procedimento. Havia, contudo, uma intenção de contribuir com a sua mobilização, colocando-a na posição de refletir sobre muitas de suas ações. E, assim, potencializar a abertura de novos caminhos, isto é, a constituição de novos elementos de sentido, que pudessem contribuir para a mudança qualitativa em sua forma de mediar a atividade docente. [...] Mesmo não tendo essa pretensão [...] partimos do pressuposto de que a professora, mediada pela experiência afetivo-cognitiva gestada nas sessões de autoconfrontação, poderia constituir novos elementos de sentido que, no decurso do processo histórico, possivelmente viriam a se articular e configurar novos sentidos.

De acordo com essa perspectiva e com base na articulação do núcleo de significação 5

com os demais, é possível afirmar que a ACS realmente potencializou a abertura de um

espaço para a constituição de novos elementos de sentido, precisamente por permitir que

Cássia repensasse e analisasse sua atividade docente. Esses novos elementos podem vir a

transformar os sentidos e significados já constituídos sobre sua docência, configurando novos

sentidos para sua atividade.

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CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo desta pesquisa consistiu em investigar os sentidos e os

significados constituídos por uma professora do Ensino Fundamental I em relação às

“dificuldades de aprendizagem” de seus alunos. Buscou-se, desse modo, apreender as

configurações subjetivas que constituem a teia de significações produzidas pela professora

perante as experiências historicamente vivenciadas por ela em seus diversos espaços sociais.

É importante ressaltar que apreender os sentidos e os significados não implica alcançar uma

resposta única, definida e coerente, uma vez que a investigação dessas configurações

históricas e subjetivas pretende chegar às expressões do sujeito, as quais são, muitas vezes,

contraditórias, parciais e complexas (AGUIAR; OZELLA, 2006).

A aproximação das configurações subjetivas que constituem os sentidos produzidos

pelo sujeito parte de uma base material desordenada – o empírico – para se encaminhar em

direção ao interpretativo – ou seja, o concreto pensado – para, de posse dele, voltar ao

empírico e verificar se ele se tornou inteligível. Nesse caminho, um aspecto central a ser

examinado é o sentido que o sujeito confere a alguns ou a vários aspectos de sua vivência, que

se apresenta mediante uma fala plena de contradições. Assim, de acordo com Aguiar e Ozella

(2006, p. 225):

[...] a apreensão dos sentidos está pautada em uma visão que tem no empírico seu ponto de partida, mas com clareza de que é necessário irmos para além das aparências, não nos contentarmos com a descrição dos fatos, mas buscarmos a explicação do processo histórico de constituição do objeto estudado.

Ainda segundo esses autores, “nossa tarefa, portanto, é apreender as mediações sociais

constitutivas do sujeito, saindo assim da aparência, do imediato, indo em busca do processo,

do não dito, do sentido” (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 227). A busca pela apreensão dos

sentidos é possível a partir da análise e da interpretação dos significados, pois estes últimos,

sendo a parte mais estável e objetiva dos sentidos, contam mais do que aparentam, revelando

os processos mais subjetivos que os constituem. A análise dos significados socialmente

construídos permite caminhar em direção às zonas mais instáveis, fluidas e profundas – as

zonas de sentido. Para tanto, procura-se desvelar semelhanças e contradições envolvidas no

movimento constitutivo da subjetividade dos sujeitos. Aguiar e Ozella (2006, p. 231) afirmam

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que “tais contradições não necessariamente estão manifestas na aparência do discurso, sendo

apreendidas na análise do pesquisador”.

Na perspectiva teórica adotada, as contradições podem ser compreendidas como uma

composição de forças contrárias, que se inter-relacionam possibilitando o movimento, o

processo de mudança que caracteriza os fenômenos. Estudar os fenômenos em seu

movimento, em seu processo histórico, requer, como condição fundamental, que se

apreendam as contradições que os constituem. A contradição é, portanto, vista como a

unidade dos contrários, ou seja, a afirmação e a negação coexistindo no mesmo ser, no mesmo

momento. A luta de forças contrárias, característica das contradições, ocasiona um

movimento dialético da tese e da antítese, levando a uma síntese qualitativamente superior, ou

seja, à superação de uma e de outra. Como são constitutivas das redes de sentido construídas

pelos sujeitos, as contradições, ao serem por eles apreendidas, podem ensejar a possibilidade

de alcançar novas sínteses – que nada mais são do que a superação das contradições .

Partindo do empírico, ou seja, dos dados coletados na entrevista, na ACS e na ACC,

empreendeu-se, aqui, um movimento analítico-interpretativo, na tentativa de evidenciar como

era o discurso da professora, sua atividade docente e, em especial, as diversas contradições

presentes em um e na outra. Foi preciso, portanto, não só articular os conteúdos de sua fala

em diferentes momentos da coleta de dados mas também relacionar seus relatos com as

atividades realizadas. É interessante observar que as contradições percebidas na análise não

estavam explícitas na fala ou na atividade da participante, de modo que só foi possível acessá-

las quando se articularam e interpretaram os conteúdos nelas presentes.

Por meio da análise dos núcleos de significação, percebe-se que a formação docente,

tanto a inicial quanto a continuada, desempenha, de fato, um papel fundamental na qualidade

da atividade docente. As transformações relatadas por Cássia em sua prática pedagógica após

a formação evidenciam que esse processo incidiu de maneira muito positiva em sua atividade,

provocando nela mudanças profundas. Essa mudança se deve, principalmente, ao fato de a

formação ter proporcionado à professora relacionar, cotidianamente, as teorias apropriadas na

academia a sua prática na escola. A perspectiva assumida pela docente após a formação – a de

que há uma relação indissociável entre teoria e prática – acarretou transformações qualitativas

em sua maneira de desempenhar sua atividade profissional. Segundo seu relato, essa mudança

ocasionada pela práxis – a relação entre teoria e prática, a qual foi apropriada durante a

formação docente – incidiu não apenas em sua atividade mas na de todas as professoras que

passaram pelo mesmo processo.

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A análise demonstra que a formação acarretou um aumento do poder de agir das

docentes, o que, por seu turno, permitiu a transformação do gênero profissional da instituição.

A mudança na perspectiva das professoras deu-se de maneira tão profunda que ocasionou

também a transformação da cultura escolar. Fica claro, portanto, o poder da formação docente

de converter um trabalho pedagógico bem-intencionado, mas medíocre, em um trabalho de

boa qualidade. É importante salientar que foram tantas e tão profundas as transformações

ocorridas em razão do processo formativo relativamente curto de Cássia, que ela mesma se

questiona como isso foi possível.

Vale notar que, apesar das transformações já relatadas na formação profissional da

professora, a análise de sua atividade docente apresenta, ainda, uma série de contradições

entre aquilo que ela acreditava fazer e/ou deveria fazer e o que, de fato, conseguia realizar.

Torna-se claro que a professora se apropriou de muitos, mas não de todos os aspectos do

arcabouço teórico da Pedagogia, a despeito de buscar, constantemente, fazer a transposição,

frequentemente difícil, dos princípios teóricos do Construtivismo para sua prática docente

cotidiana. Entretanto, ela continuava a empregar determinados modos de ensinar seus alunos

do 1º ano do Ensino Fundamental que se chocavam frontalmente com seus novos

conhecimentos acadêmicos. É importante ressaltar que a presença dessas contradições entre

os preceitos teóricos da Pedagogia e a prática cotidiana dos professores não é, de forma

alguma, uma característica individual de Cássia: ela circula em nossa literatura especializada

desde a década de 1970 e, desde a de 1950, na estrangeira.

Contudo, o objetivo da presente pesquisa não consistiu apenas em perceber as

contradições constitutivas da atividade docente, a fim de poder se aproximar dos sentidos e

significados atribuídos por Cássia às “dificuldades de aprendizagem” dos alunos. A pretensão

era, também, verificar se a utilização da técnica de autoconfrontação ensejaria, na

participante, um movimento de ressignificação. E, efetivamente, observa-se que o processo de

autoconfrontação permitiu que a professora, ao assistir a si mesma e ao analisar sua ação em

sala de aula, percebesse aspectos contraditórios que, de outra forma, dificilmente seriam

acessados. Ao assistir a sua atividade, Cássia deu-se conta de uma série de aspectos que não

estavam de acordo com as perspectivas que pensava ter adotado, situação que lhe provocou

reflexões e questionamentos, abrindo espaço para eventuais transformações nos sentidos

constituídos sobre sua docência e sobre seus alunos “com dificuldades”.

Apesar das grandes possibilidades que a autoconfrontação oferece para a

ressignificação e a transformação da atividade docente, essa técnica tem como aspecto

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limitador o fato de que apenas as contradições evidenciadas nos episódios selecionados, vistos

no vídeo, foram acessadas pela professora. Todas as demais – as contradições entre seus

vários discursos e entre eles e sua prática pedagógica – não puderam ser apreendidas por

Cássia e permaneceram ignoradas. Como se sabe, se ignoradas, as contradições não

configuram um problema para a pessoa e seguem, desse modo, inalteradas. Assim, apenas as

cenas analisadas permitiram que ela, ao se ver em ação, refletisse sobre suas metas e, à luz

dos resultados obtidos, entrasse em contato com as contradições entre o desejado e o

realizado. As demais, como já mencionado, não puderam ser analisadas pela professora e,

dessa forma, não geraram espaço para uma possível ressignificação. A autoconfrontação,

como se pode inferir, contribui para o desenvolvimento e a transformação da atividade

docente, mas apenas daquela que foi alvo de observação e análise pelo sujeito.

Contradições, por sua vez, não são catastróficas, visto serem inerentes aos fenômenos.

Sua existência não implica, necessariamente, uma avaliação negativa da atividade de Cássia.

Ao contrário: observou-se ao longo desta investigação que a professora apresentava uma série

de características extremamente positivas, que a diferenciavam da maioria dos professores

que têm participado das pesquisas do grupo de estudo da PUC. Cássia quer melhorar sua

atuação, acolhe de bom grado sugestões, procura entender o que lhe é confuso. Tem

disposição para mudar a atividade quantas vezes isso se fizer preciso, parece alguém sempre

em busca de se superar. Ela se percebe em constante transformação e, ao se deparar com a

contradição, busca sua superação.

Quando aspectos de suas práticas pedagógicas cotidianas eram observados pela

pesquisadora, percebia-se o planejamento cuidadoso de atividades que procuravam

contemplar todos os alunos em seus diversos ritmos e formas de aprender; além da tentativa

de sempre apresentar-lhes atividades lúdicas, com muito emprego de materiais concretos, para

que pudessem relacionar os conhecimentos científicos aos espontâneos. Via-se como a

professora se empenhava em utilizar, no cotidiano da sala de aula, os conteúdos apropriados

no decorrer de sua formação pedagógica. Cássia demonstrava forte compromisso com a

educação de seus alunos, percebia que deixar uma criança de lado implicaria derrota política e

ética diante do grupo inteiro. Todos esses aspectos fazem dela uma professora especial, que

acredita em seu ofício e se preocupa com o futuro das próximas gerações. Por isso, quer ser

cada vez melhor.

Ao contrário de tantas outras, que veem a prática como única fonte de conhecimentos

válidos para a docência, Cássia é capaz de perceber e valorizar que a teoria sustenta a prática

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pedagógica, direcionando-a. Daí a procura por atividades teoricamente bem fundamentadas

para desenvolver junto aos alunos. É no saber teórico que Cássia escrutina respostas para as

questões e os problemas que surgem na e da prática. A perspectiva de práxis assume, para ela,

um papel fundamental: direciona sua conduta profissional. E, justamente, foi essa busca por

constante aprimoramento em seu ofício que a motivou a participar de atividades que poderiam

contribuir positivamente para seu trabalho, caso desta pesquisa e do processo de

autoconfrontação. A disponibilidade para participar desse processo indica que essa professora

não teme o olhar do outro ou as críticas alheias: está aberta a elas, pois sem elas entende que

não há como cumprir o compromisso de ensinar bem a todos os alunos.

Essa aceitação do olhar do outro sobre seu próprio trabalho é um aspecto que distingue

Cássia das demais professoras e indica a valorização do trabalho coletivo, da troca entre

pares, da colaboração recíproca. Logo, pode-se concluir que Cássia procura, com os meios de

que dispõe, melhorar sua atividade docente, sem temer o confronto com as contradições.

Pode-se mesmo afirmar que ela o busca, percebendo que, por meio dele, pode dar um salto de

qualidade e alcançar um novo e melhor patamar para conduzir o processo de ensino-

aprendizagem. Nesse sentido, além de intencionalidade educativa, vê-se nela uma outra: a de

tornar-se uma excelente educadora, traço que a faz se sobressair na massa de professores para

quem a mediocridade é o melhor padrão a seguir.

Essas diferenças, entretanto, não podem ser vistas como os principais determinantes

da atividade profissional de Cássia. Não se trata de voluntarismo, pois só é possível superar as

contradições presentes no real quando o próprio real permite, visto ser ele que as gera.

Superar contradições requer, portanto, condições objetivas para tal: boa formação inicial e

continuada; salário compatível com a importância de educar os adultos de amanhã; um plano

de carreira atraente, uma escola bonita e bem cuidada para alunos e professores, aberta à

comunidade nos finais de semana, com material didático farto, atualizado e em boas

condições para todos os alunos. Uma escola limpa, cheia de luz, muito verde, espaço para

correr e jogar, uma biblioteca bem fornida para que todos possam fruir da leitura. Um espaço

agradável de estar, enfim. São essas condições que podem fazem do magistério uma carreira a

ser seguida por pessoas motivadas, empenhadas, comprometidas ética e politicamente com a

transformação da realidade social. Mas isso tudo é, hoje, no Brasil, um sonho muito distante

da realidade. A escola real é dura, feia, barulhenta, com professoras que lá estão presentes de

corpo, mas não de espírito.

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Não é de se estranhar, assim, que diversas pesquisas constatem as contradições e não

saibam por que elas não movem os docentes para a tentativa de superação. Se por um lado as

pesquisas apontam, repetidamente, as contradições entre o discurso e a prática docente, por

outro lado não criam as condições para vencer tais contradições. E não o fazem porque agir

diferentemente teria implicações éticas: não se pode apontar para o sujeito as contradições

que permeiam sua prática sem lhe dar condições de lidar com a desestruturação que isso

significa para sua atividade profissional e para a imagem que faz de si mesmo.

As pesquisas científicas ensejam contradições nos sujeitos, mas não podem – nem

devem – fazer que eles tomem delas consciência. Este é um trabalho longo, sistemático e

absolutamente necessário, mas não pode ser empreendido pelo pesquisador, exceto por alguns

que sigam outra proposta metodológica, caso, por exemplo, da pesquisa-ação. Levar os

participantes das pesquisas acadêmicas a entrarem em contato com as múltiplas contradições

que a escola de hoje lhes coloca, sem, no entanto, apresentar-lhes possibilidades efetivas de

agir e de mudar, seria leviandade. Existem limitações na vida acadêmica – tanto objetivas,

como os prazos e as verbas, quanto outras de natureza ética – que impedem o pesquisador de

assinalar problemas e contribuir para sua solução. Desse modo, a pesquisa em Educação

acaba por divulgar conhecimentos para a academia, sem atingir, contudo, os que se encontram

mais diretamente envolvidos: os professores.

Conclui-se, então, que atuar nas contradições do pensar, do sentir e do agir só pode ser

feito com a concorrência de situações materiais propícias, com novos conhecimentos e com a

aprendizagem de novas posturas. Isso é tarefa da formação inicial, a qual, mais uma vez,

ocupa o centro das preocupações dos pesquisadores: como preparar melhor os formadores de

professores? Qual é o papel da Universidade na melhoria da Educação Básica? Como

articular conhecimentos acadêmicos com a realidade das escolas? Essas questões já anunciam

quais são as sugestões para as futuras investigações e estudos na área: focar os formadores

dos futuros professores, de modo que, ao se apropriarem dos conhecimentos elaborados na

academia, tais constructos teóricos possam ser colocados a serviço dos docentes em formação

de maneira sistemática e intencional, para ensejar contradições e permitir que o contato com

elas configure problemas e leve, por sua vez, à possibilidade de transformação. À

Universidade cabe o papel não só de realizar as pesquisas e construir conhecimentos sobre a

realidade educacional. É preciso, também, formar os futuros educadores em licenciaturas

sólidas em termos de conhecimentos científicos e práticas de ensino, para que se graduem

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dominando teorias e derivando delas rumos de ação, além de empreender o movimento

contrário: por meio da análise da ação, questionar e aprimorar a teoria.

Finalmente, é fundamental investir em políticas públicas que garantam, tanto aos

formadores de professores quanto aos próprios professores, melhores condições de atuar

profissionalmente. Isso implica mais recursos para a educação; mais e melhor formação

docente, capaz de evidenciar o compromisso ético e político inerente ao papel do educador;

escolas mais bem aparelhadas para acolher crianças e jovens e que estes possam contar com a

mediação de um professor valorizado e bem pago ao longo de seu caminho profissional.

Enquanto tais condições não forem garantidas, as pesquisas científicas na área de Educação

continuarão a apresentar apenas as contradições.

Do ponto de vista teórico, cabe investigar melhor por que as contradições

reiteradamente encontradas não propiciam transformações, mesmo que o professor as

conheça. Talvez porque elas não constituam problemas para eles, ao passo que são vitais para

quem pretende transformar a educação. Qualquer que seja a resposta, ela não é nem fácil nem

simples. Algumas hipóteses apontam a importância de romper com a cultura do isolamento

docente, para evidenciar as contradições que não se quer ou não se pode ver. O trabalho

colaborativo entre professores pode, de fato, permitir a apreensão das contradições como

problemas a serem superados, pois o olhar do outro quebra as respostas prontas e os

comportamentos fossilizados, que não são mais produtivos. Isso requer, por sua vez,

considerar os pares como colaboradores e não como fonte de desconfiança.

Outro aspecto fundamental é a formação profissional. A realização de cursos

formativos de boa qualidade pode permitir aos professores perceber as discrepâncias entre o

senso comum, o conhecimento científico e a atividade profissional. Nesse sentido, a técnica

de autoconfrontação mostra-se central para garantir essa apreensão, como já dito. Como seria

emprega-la em situações formativas? A aposta vai nessa direção: se utilizada com a mediação

de um formador bem preparado, em um trabalho sistemático, os próprios professores, ao se

depararem com as contradições, podem ser amparados, acolhidos, empoderados para virem a

superá-las, transformando, portanto, sua atividade. Entende-se que o valor dessa técnica está

na situação em que o professor é colocado: de observado, ele passa a observador, criando um

espaço para refletir sobre sua atividade, ou seja, sobre aspectos da docência que não seriam

acessados de outra forma.

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ANEXO 1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA PUC-SP SEDE CAMPUS MONTE ALEGRE

Protocolo de Pesquisa nº 426/2011 Faculdade de Educação Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação Orientador(a): Prof.(a). Dr.(a). Claudia Leme Ferreira Davis Autor(a): Maria Fourpome Brando PARECER sobre o Protocolo de Pesquisa, em nível de Tese de Doutorado , intitulado Análise da atividade docente: em busca dos sentidos e significados constituídos pelos professores acerca das “dificuldades de aprendizagem”

CONSIDERAÇÕES APROVADAS EM COLEGIADO

Em conformidade com os dispositivos da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996 e demais resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS), em que os critérios da relevância social, da relação custo/benefício e da autonomia dos sujeitos da pesquisa pesquisados foram preenchidos.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permite ao sujeito compreender o significado, o alcance e os limites de sua participação nesta pesquisa.

A exposição do Projeto é clara e objetiva, feita de maneira concisa e fundamentada, permitindo concluir que o trabalho tem uma linha metodológica bem definida, na base do qual sera possível retirar conclusões consistentes e, portanto, válidas.

No entendimento do CEP da PUC-SP, o Projeto em questão não apresenta qualquer risco ou dano ao ser humano do ponto de vista ético.

CONCLUSÃO Face ao parecer consubstanciado apensado ao Protocolo de Pesquisa, o Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP – Sede Campus Monte Alegre, em Reunião Ordinária de 20/12/2011, APROVOU o Protocolo de Pesquisa nº 426/2011. Cabe ao(s) pesquisador(es) elaborar e apresentar ao CEP da PUC-SP – Sede Campus Monte Alegre, os relatórios parcial e final sobre a pesquisa, conforme disposto na Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996, inciso IX.2, alínea “c”, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS), bem como cumprir integralmente os comandos do referido texto legal e demais resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS).

São Paulo, 20 de dezembro de 2011.

Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho

Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP.

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ANEXO 2

Transcrição Entrevista Professora Cássia1 – 1.a serie fundamental 1

P: Bom, primeiro eu gostaria que você me contasse um pouco sobre sua trajetória pessoal, sua

historia de vida, como você chegou até a docência, o que te fez escolher essa profissão, como

foi esse percurso até você se tornar professora?

C: Eu sempre estudei em escola pública, e tive uma professora muito boa... E assim, naquela

época, existia muita discriminação, né? Quando a pessoa era negra... E essa professora só

tinha 3 alunos que tinham uma cor mais clara, e todo mundo era negro mesmo. E ela era de

uma cor misturada, ela tinha a pele mais clara, mas tinha também os descendentes dela que

eram negros, então ela valorizava muito isso. E aí ela tinha muito carinho por todos, e fazia

questão que todos aprendessem. Ela trabalhava no método tradicional, mas que a gente

aprendia principalmente a decodificar e também a valorizar o outro. Ela sempre fazia uma

redação que perguntava: “o que vocês querem ser quando crescer?”, aí eu falava: “eu quero

ser professora igual a senhora”. E aí também que Lençóis não tem muitas oportunidades, aí

quando eu cresci realmente segui essa carreira, não tinha também outras oportunidades... Mas

antes de ser professora eu fui cozinheira, atendente de hotel, recepcionista da Secretaria de

Educação aqui de Lençóis, depois professora.

P: E por que você decidiu abandonar essas outras profissões anteriores e seguir para a

docência?

C: Porque eu antes passei por essas outras experiências porque eu não tinha oportunidade para

ensinar, aí quando surgiu... aí um professor meu veio a minha procura e me perguntou se eu

queria ser professora da zona rural, aí eu aceitei e fui para a zona rural e trabalhei lá 4 anos.

Era um povoado aqui de Lençóis, o nome de lá é Distrito São José, a gente chama lá de Ponte

porque tem uma ponte lá que corta o povoado.

P: E você foi dar aula lá sem ter nenhuma formação especifica?

C: Eu não tinha formação especifica, inclusive ainda não tenho... Estou na área de Pedagogia,

mas ainda não me formei. Estou cursando Pedagogia aqui em Lençóis mesmo. Estou no

sétimo semestre, aí o ano que vem eu concluo.

P: Há quanto tempo você começou a dar aulas nessa escola rural?

1 Nome fictício

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C: Desde 1997. Faz uns 15 anos. Eu sempre trabalhei com multisseriado, educação de jovens

e adultos, e eu tenho preferência em trabalhar com as séries iniciais, na faixa etária de 5 até 7

anos.

P: E por que essa preferência?

C: Porque eu trabalho com alfabetização, e eu gosto porque eu acho que é a base... Eu gosto

de trabalhar com criança também, adolescente eu já acho que eles são muito agitados

demais... As crianças são agitadas, mas elas compreendem mais, elas respeitam mais... aí eu

gosto mais dessas séries.

P: Ha quanto tempo você trabalha nessa escola?

C: Nessa escola eu trabalho ha 6 anos. Mas assim, esse prédio é do estado e esta emprestado

ao município, e aí eu trabalhava em outro prédio, mas é a mesma escola, José Senna. Aí nessa

escola eu já tenho 8 anos.

P: Você é casada? Tem filhos?

C: Sou casada, tenho 2 filhos, um menino e uma menina, um com 17 e a menina com 15 anos.

O menino também quer seguir a carreira de professor, então ele esta cursando o magistério.

P: E como é a sua carga horária de trabalho?

C: Eu fico 40 horas na escola, e a gente na sexta feira a gente planeja aqui, mas eu dou

continuidade em casa, porque é muita coisa, a gente tem que pesquisar, ver material, e aí na

escola não dá

P: Você prepara as aulas da semana toda às sextas feiras?

C: Aqui eu só faço listar com colegas, com a coordenação pedagógica, ver algumas coisas,

algumas questões especificas de sala de aula, e aí eu levo para casa para poder estar

planejando diariamente as atividades da segunda, terça, quarta, de acordo com o que a gente

discutiu no grupo.

P: E sobra algum tempo livre para você?

C: É corrido, mas sobra, sabe? Porque eu tento organizar bem o tempo... Porque eu também

sou mãe, dona de casa, mulher... Aí tem que organizar o tempo. Também tenho uma mãe que

teve aneurisma cerebral e eu tenho que estar revezando com minhas irmãs para cuidar dela.

P: Você gosta de ser professora?

C: Eu gosto. Eu gosto de trabalhar com crianças... Eu sei que é desvalorizado, é muito

desvalorizada nossa classe, mas eu gosto de trabalhar, eu me sinto muito satisfeita ao ver que

as crianças estão aprendendo... Estão aprendendo de uma maneira diferente, mas estão

aprendendo... E de valorizar isso também, a sala de aula como um todo... Porque antigamente

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a gente trabalhava de outra maneira, trabalhava com a cartilha... E hoje em dia a gente pode

trabalhar o mesmo conteúdo sem precisar da cartilha, e sem precisar também dizer: “fulano

sabe mais do que sicrano”... Eu gosto.

P: E você acha que essa liberdade de usar outros métodos de ensino... É a Pedagogia que esta

te ajudando ou você já fazia isso antes de entrar na faculdade de Pedagogia?

C: Olha, desde que eu trabalhava na zona rural eu já via por esse lado, só que eu não tinha

nenhum embasamento teórico, eu fazia porque eu acreditava que assim que tinha que ser...

Até porque essa coisa de ver todo mundo aprendendo... Mas aí depois que eu entrei na

faculdade, muita coisa melhorou... E aí eu pude investir mais nisso, com embasamento

teórico, né? Fui percebendo que eu estou indo na linha certa. Às vezes eu fico assim com

alguma dúvida, porque eu queria que todo mundo aprendesse da mesma maneira, no mesmo

momento, né? Quando a gente tem uma sala... por exemplo, na manhã são 25 alunos, mas tem

poucos que já leem convencionalmente, outros não... Por trás disso tem outros fatores também

que estão impactando alguma coisa... mas eu sei que apesar de ainda não estar decodificando,

eles também estão aprendendo...

P: Se você pudesse escolher outra profissão, você escolheria ser professora de novo?

C: Eu gosto de ser professora, mas eu queria ser mais valorizada, financeiramente... E eu

penso também nos meus filhos, porque com o salário que eu ganho eu não posso mantê-los

em uma faculdade boa... E assim, eu escolheria ser enfermeira, porque é uma profissão que eu

acho muito valiosa também, alem de ser professora, porque você vai ajudar alguém, eu acho

tão importante essa questão do cuidar da vida e tudo... Enfermeira. Não sei também se o

salário compensaria, mas eu escolheria enfermeira.

P: Como você vê os seus alunos, e como você se relaciona com eles?

C: Eu vejo meus alunos como seres pensantes, que já trazem muito conhecimento... Eles

trazem muitos conhecimentos, mas alguns conhecimentos precisam ser aprimorados e

compartilhados, eu diria...

P: Que metas você pretende alcançar até o fim do ano, com seus alunos? E quais estratégias

você utiliza para poder alcançar essas metas?

C: Assim, como é uma classe de alfabetização, eu tracei desde o final do ano passado, que eu

queria que essa turma desse ano saísse todo mundo, 100% da classe, alfabetizado. A gente

sempre pensa alto, é, porque quer o melhor... Estamos no mês de julho, e eu percebo que eu

não vou conseguir alcançar totalmente essa meta. Mas 80% eu creio que sim. Mas nem por

isso eles serão reprovados, porque a gente vê também muita coisa da parte qualitativa deles...

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E aí a gente vai analisar, vai ver a questão das competências que eles devem garantir ao final

dessa série, e em cima disso é que a gente vai ver se eles serão aprovados ou não... Agora essa

meta de 100% alfabetizados, eu creio que não vou conseguir... Mas assim, pode ser que eu

tenha uma surpresa, né? E assim, o que eu vou fazer para alcançar essa meta é... eu fiz alguns

encaminhamentos, eu separei por grupos, cada nível em que eles se encontram, então...

Alguns alunos que estão no nível diferenciado, ou seja, eles conhecem as letras, escrevem

com as letras, porque já sabem que se escreve com letras, mas eles ainda não fazem a

correspondência, então eu pensei em atividades que despertassem neles essa visão de que o

que a gente fala é representado através da escrita, e aí são atividades que tem alfabeto móvel,

atividades com alunos que estão pensando um pouquinho a mais que eles, algum aluno que

esteja no qualitativo, ou no silábico, que aí já tem uma noção de sonoridade e já vai também

ajudar... Eu trabalho bastante com essa coisa de um ajudando o outro, essa parceria... São

grupos produtivos, eu trabalho com isso. E para aqueles que já estão mais avançados também

tem atividades de produção e revisão textual, já pensando nas questões ortográficas. Agora,

com o mesmo texto, entendeu? Todo mundo trabalhando com o mesmo texto. É assim, todo

mundo participa, todo mundo tem conhecimento do mesmo texto, a atividade é que é

diferenciada, pensando no que cada um já trás, e no que pode avançar.

P: E a que você atribui essa diferença entre eles, de alguns já estarem tão para frente dos

outros na questão do aprendizado?

C: No caso dessa turma é porque a maioria esta saindo da creche, é eles estão chegando aqui

já com um déficit... Eles chegam assim, com alguns conteúdos que eles deveriam ter

trabalhado lá e que não foram trabalhados, eu não sei por quais motivos, e aí chega aqui eu

tenho que dar conta disso... Outros porque faltam muito, outros não tem acompanhamento em

casa, chega na sala sem material, a gente tem que estar providenciando, improvisando no

momento da aula, e alguns que tem outros fatores, assim... pessoais... chegam e não querem

fazer nada, estão tristes, alguns que até questionam que não tem comida em casa, essas

coisas...

P: Então você acha que tem alguns alunos na sua sala que tem dificuldade de aprendizagem?

C: Tem. Tem dificuldades de aprendizagem... Tenho aqui nessa turma da manhã 5 alunos, à

tarde tem uns 8.... Que eles não conseguem avançar, por mais diferente que seja a atividade,

eles não conseguem avançar... Agora assim, tem horas que a gente tem que dar muita

assistência para esses alunos que tem mais dificuldades, e como as salas são lotadas, as vezes

a gente não consegue dar conta... Até porque enquanto você esta dando aula, um começa a

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bater no outro, xingar, e alguém entra na sala, uma pessoa quer falar com você.... Então muita

coisa acontecendo, você quer dar uma atenção especial para aquela criança e não tem como...

Se a gente tivesse pelo menos uma pessoa para estar ajudando, sabe? Isso ajudaria mais...

Porque tem momentos em que aquela criança não quer fazer nada, mas no momento que ela

quer fazer, se você chegar perto, aí consegue dar uma avançada... E as vezes naquele

momento você não tem como chegar perto dele, porque tem que dar conta de outros, ou de

outras coisas na própria sala, tipo violência, agressões, ou alguém que não trouxe material, ou

outro que esta cutucando o coleguinha...

P: Então como você tenta dar conta desses alunos, como você tenta lidar com essas

dificuldades?

Rita: Eu sempre fico pensando, né? Como eu te falei, eu invisto muito no trabalho em grupo,

porque no grupo tem sempre alguém que esta um pouco a mais na frente, então eu tento

investir nesses grupos para um ajudar o outro, e estar me ajudando também... Agora, eu fico

auxiliando todos os grupos.

P; O que você acha sobre avaliação? O que é avaliação para você? Como você aplica? Quais

são seus critérios de avaliação?

C: Assim, a gente trabalha em cima do Projeto Político e Pedagógico, e aqui e gente tem... A

gente trabalha numa concepção sócio-construtivista, a gente avalia... A avaliação, na

realidade, a gente faz através de diagnósticos, através da observação na própria sala de aula,

diante das atividades. É uma coisa constante, a gente está sempre registrando, e isso eu não

fazia antes, quando eu estava lá na zona rural, eu não tinha esse conhecimento. Eu sabia que

tinha isso, mas eu não fazia. Hoje eu já acho necessário que se faça mesmo um registro... A

gente esta sempre registrando para ver o que avançou, porque se você vai avaliar a sala como

um todo, aí você vai pecar, mas se você avaliar diante do que apresenta cada aluno, aí você

vai ter como avaliar, comparando cada um consigo mesmo, e investindo individualmente.

P: E tem prova, ou a avaliação é feita só processual, como você disse?

C: No final do ano, eu faço tipo uma prova, mas na verdade ela não é o único instrumento

para avaliação. Tem essa prova, tem o registro individual da cada aluno, tem apresentação de

resultados de cada um... A gente tem portfólios, e a gente vai guardando as atividades escritas,

os registros que a gente fez diariamente, o prazer de casa, tudo isso. Aí a gente vai avaliar,

quantitativamente e qualitativamente. Agora, o que conta mais aí é qualitativamente,

principalmente nessa turma. Aí a gente avalia em cima disso, dessa ficha, e essa ficha é

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elaborada em cima dos PCNs, que trazem ali as habilidades e competências de cada série, aí a

gente avalia em cima daquilo, agora não desconsiderando todo o registro anual.

P: Você troca experiências com seus colegas?

C: Trocamos. A gente tem o momento de AC, seria esse momento (da entrevista). Mas assim,

está tendo uma formação, e a diretora e a coordenadora estão lá hoje, nesse momento esta

tendo essa formação. O meu grupo, de professoras de ciclo I do ensino fundamental já

participou, semana passada, e esse outro grupo esta participando hoje, então a nossa

coordenadora está lá, mas a gente tem esse momento para planejar aqui... Sentar discutir, ver

o um pode ajudar o outro, conselhos e registros, e assim, apresentar resultados e também

indicar algum livro, alguma atividade, ou até construir atividades...

P: E esses momentos ajudam você na sua atividade?

C: Ajudam bastante.

P: Como é a relação com os outros professoras, com a diretoria, com a coordenação...?

C: A gente tinha aqui um diretor que era um pouco caxias, né? Ele só pensava no poder, e não

tinha conhecimento do que é educação, aí ele não dava oportunidade de encontros dos

professores, e aí ele teve que sair, a gente deu graças a deus e chegou Mirtes agora, que tem

uma nova visão. Ela também é professora, ela está na mesma área que a gente, então muita

coisa já mudou. A gente tem uma relação boa, de troca de experiências, um ajuda o outro

sempre, por isso que ontem e essa semana os meninos ficaram sem recreio justamente por

isso, porque foi pensando na coletividade... Aconteceu um imprevisto, de os meninos estarem

fazendo uma apresentação sobre mitos africanos, e alguns alunos que não participaram e não

queriam que a coisa acontecesse começaram a vaiar, e toda a escola também começou a vaiar,

mas os menores na realidade eles seriam até dispensados dessa punição, mas dois

participaram vaiando, e aí a gente achou melhor que toda a escola ficasse sem recreio, porque

vaiou os alunos que estavam participando da apresentação. A diretora se reuniu com a gente,

pediu opinião e todo mundo decidiu. Foi uma decisão coletiva.

P: Me fala um pouco sobre suas condições de trabalho, você tem algum obstáculo para

realizar seu trabalho, e como você lida com esses obstáculos, você acha que a escola te

apóia..?

C: Eu tenho vários obstáculos... A gente no momento está sem livro didático, não que ele seja

uma ferramenta única, mas ajuda muito, porque a gente tem uma sequencia de atividades, mas

às vezes a gente precisa de um apoio do livro didático, porque ele vem mais colorido, tem

mais imagens.... é tipo um apoio para sistematizar o que está sendo trabalhado... A gente não

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tem... O que a gente tem é folha de ofício, temos computadores na escola, mas nem todo

mundo sabe lidar com esse instrumento, eu mesma sei muito pouco. Quem digita meus

trabalhos é ou a secretária ou meu filho... Eu estou aprendendo agora porque estou com essa

necessidade urgente de aprender a fazer. Tem também essa questão da faculdade... E também

tem isso, a gente tem computador agora, mas antes só tinha um, então ficava a fila, para poder

digitar as atividades... Então agora chegaram outros computadores aí, e a gente está se

empenhando mais em aprender e aí acho que vai ajudar bastante. Mas assim, tem a questão do

livro didático, tem a questão do material, folha de oficio, costuma faltar sempre... Agora nesse

momento a gente está com um pacote para duas turmas e tem que durar uns 3 ou 4 meses, e

não vai dar certo... Porque se a gente não tem o livro didático, caderno a gente tem que usar,

mas nessa faixa etária não dá para ficar o tempo todo usando caderno porque vai cansar a

criança, né? Então tem que ter atividades digitadas, construídas mesmo, e isso também vem

impactando o trabalho. E fora isso, tem a questão dos pais que não ajudam muito... Não

ajudam mesmo. É minoria os pais que chegam aqui para poder saber sobre o filho, só vem

quando é chamado nas reuniões... E as reuniões da gente eram bem chatas antigamente, agora

já mudamos tanta coisa... Mas eles já estão habituados com aquele outro tipo de reuniões, já

chegam perguntando: “O que foi que eles aprontaram dessa vez? O que meu filho fez? Eu já

falei com ele, ele vai apanhar” e a gente chega para eles com essa nova visão, eles já dão uma

respirada, mas ainda ficam insistindo no que o filho aprontou... Eles não se colocam também

como pessoa que faz parte da aprendizagem do filho.... Parece que a escola é só a escola e em

casa é outra coisa, eles não querem dar continuidade em casa não...

P: Como vocês estão fazendo essas reuniões com pais agora, que você disse que mudou... ?

C: Na verdade, assim.. A gente apresenta resultados, a gente coloca a coordenação para falar

sobre o trabalho, como é feito, a respeito das atividades, que eles questionam muito... Quando

a criança ainda não sabe ler, eles ficam achando que a atividade está muito além para aquela

turma, aí começam a criticar e tal. Então agora a gente está explicando como é feito o

trabalho, baseado em que, o que a gente está aprendendo, o que os meninos estão trazendo, e

colocamos também temas da atualidade, para eles perceberem que a escola não trabalha

isolado da sociedade, que a escola trabalha em parceria, quer trabalhar em parceria... A gente

coloca várias coisas, vários temas, faz recreação com eles, dinâmicas para descontração, tem

chá.... Não é mais aquela reunião fechada, até o espaço aberto, onde um vê o outro, se sente

mais livre...

P: O que ocasionou essa mudança? Foi uma decisão da direção?

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C: A nova direção... A gente já vinha com essa ideia antes, só que a gente era podado, e se a

gente tentasse fazer, era assim: “quer tomar a frente do diretor”.... E como a gente estava

brigando muito com ele, e a gente acabava se acomodando também... Com a nova diretora

não, tudo mudou.

P: Tem alguma atividade que você gostara de fazer com seus alunos e você não consegue?

C: Assim, a gente faz algumas atividades na sala de aula, mas a gente gostaria de fazer outras

atividades fora da sala de aula... Visita a biblioteca pública... A gente está trabalhando sobre a

natureza, e a natureza de Lençóis é tão rica, a gente mostra figuras, mostra fotos, mas a gente

não visita... Então tem esse tipo de passeio que a gente... que eu gostaria de fazer, mas não

faço, porque tenho medo de ir sozinha com a turma... Tenho medo de acontecer algum

acidente, alguma coisa com eles, e depois eu ter que responder por isso...

P: Quais você acha que são os pontos positivos da sua prática como professora?

C: Pontos positivos? Hmm... A questão de valorizar tudo que a criança já traz consigo, e

tentar ajudar da melhor maneira a lidar com isso, a socializar, a fazer enxergar.. Por exemplo,

tem criança que se sente com a autoestima lá embaixo, aí eu tento colocar para cima: “ah,

você conseguiu tal coisa, parabéns! Eu sempre soube que você iria conseguir”... Eu acho que

esse lado de sempre colocar a criança para cima, valorizar cada um, é um ponto positivo em

mim, sabe? E também de valorizar tudo que ele traz... Eu fico às vezes preocupada porque eu

queria que eles avançassem mais rápido, e eu acho que esta faltando alguma coisa para poder

ajudar... Mas eu não sei o que é... Não sei se são as atividades, a forma... Eu não sei, porque

assim, a gente trabalha mais com texto, papel, quadro, essas coisas... E aí, eu fui um alfabeto

móvel, e a gente coletou garrafa pet para fazer um boliche, e isso ajudou bastante, foi bem

interessante, mas eu queria estar fazendo coisas a mais, coisas mais lúdicas.. Porque essa fase,

né, exige isso, então às vezes eu acho que fica algo muito pobre para eles... Eu acho... Então

talvez a pergunta que você me fez antes seria essa a resposta, porque assim, é um ponto

negativo, para mim, não dar essa condição para o aluno trabalhar diretamente com o útil,

todos os dias, e eu não tenho essa condição, de fazer essas atividades, e nem tenho quem me

ajude a fazer.

P: Como você se atualiza profissionalmente? E qual a importância que você atribui a essa

formação inicial e depois a alguma formação continuada que você venha a fazer?

C: Qual a importância? Eu te falei... Essa importância assim, de que a gente não trabalha

aleatoriamente, você tem um embasamento para trabalhar, e você tem o conhecimento para

estar entendendo melhor o aluno... Essa vinculação da teoria com a prática... Tudo que eu

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aprendo lá eu tento colocar em prática. E outra coisa é, antigamente, quando eu trabalhava na

zona rural, não tinha essa formação, eu pensava assim: tinha que trabalhar com silabação,

né?! Tinha que trabalhar uma família por semana, quem desse conta seguia, quem não desse

conta, coitado, ficava lá, entendeu? Mesmo pensando, escrevendo abacate, colocando uma

letra para cada silaba, e lendo abacate, ele lia abacate, aquilo para mim não significava nada...

E aí, as reuniões em cima disso: “olha para cá, falta de atenção, fulaninho escreveu assim,

sicrano escreveu dessa forma”, entendeu? Então hoje em dia eu não penso mais assim, e

quando chega uma mãe já falando justamente isso: “ah, eu olhei o caderno de sicrano, ele já

esta escrevendo bonitinho, até letra cursiva já usa, e o meu filho não, descaramento, vou

bater!” eu já tenho uma nova visão, uma nova explicação, e material que comprove aquilo que

estou dizendo. Ajuda bastante na minha prática. Por isso que eu escolhi pedagogia, porque é a

minha área mesmo, uma coisa que eu quero entender, e vou fazer psicopedagogia também,

depois que eu concluir a faculdade.

P: Você conhece o Projeto Político Pedagógico? Vocês professores ajudam a elaborar, como

funciona?

C: A gente ajuda a elaborar. Foi construído em 2006, aí tem o apoio e mundo, a gente que

ajudou. Inclusive agora a gente vai sentar, na próxima semana, acho que na sexta feira, para a

gente rever, pensar se tem alguma coisa que a gente pode acrescentar, ou tirar.... A gente vai

rever.

P: Como você avalia o trabalho dessa escola?

C: Essa escola é considerada uma escola boa. Mas assim, tem seus poréns, né?! Aqui na

escola, todo mundo era concursado, e ninguém tinha formação. Hoje já temos duas

pedagogas, uma psicopedagoga, e temos nós que estamos concluindo no ano que vem. Nós,

eu digo, tem seis professoras. Só que aí tem professores novos, que entraram agora, ainda não

tem essa formação, ainda estão até na silabação e não gostam de ouvir muita opinião, tal...

Estão chegando agora e ainda estão assim um pouco confusos... Então a escola vai andando

numa linha, aí de repente, por questões políticas, chegam novas pessoas, entendeu? E aí

quebra um pouco... Porque tem vários professores trabalhando numa linha, aí chegam outras

pessoas, elas sabem da linha, mas trabalham do jeito que acham que deve ser... Então eu não

poderia dizer que a escola toda trabalha nessa linha. Tem as formações, embora essas

professoras novas que estão chegando, eles não fazem ainda faculdade, mas eles participam

da formação, e essa formação é justamente para isso. São professores especializados que vão

trabalhar tudo que a gente trabalha na faculdade, e vai trazendo para eles de uma maneira,

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sabe... e traz a prática da sala de aula para estar analisando... Mas tem gente que tem medo,

que já tem segurança no que faz, então não quer mudar de imediato assim porque tem medo,

para ele é mais cômodo segurar o que ele já sabe do que arriscar alguma coisa. Então eu não

sei até que ponto seria uma coisa boa para a escola, entendeu? Sem menosprezar os colegas,

porque eles estão tentando, estão dando o melhor. Mas é complicado, é complicado. Porque

isso que eu te falei antes do aluno que escreve de uma maneira que a gente antes achava que

era insignificante, a gente já tem uma nova visão sobre isso, quem está chegando agora não

tem, e trabalha da mesma forma, do jeito que essa pessoa acredita que é...

P: Essa questão do erro do aluno... Como você lida com isso?

C: A gente trabalha em cima desse erro, que não é nem tanto erro... É a maneira que ele esta

pensando, inicialmente, porque não conhece ainda outra maneira. Aí a gente trabalha em cima

dessa situação que ele esta trazendo, e aí vai fazer comparações, mostrar exemplos para ele

mesmo perceber que existe uma maneira única de fazer tal coisa, de escrever tal coisa... Para

ele perceber, em cima do que ele fez... Nunca desvaloriza o que ele já traz...

P: Qual foi sua maior realização como professora?

C: Foi quando eu trabalhava na Ponte, lá na zona rural... E aí eu trabalhava com três turmas,

de manha, à tarde e à noite, e aí, assim que eu cheguei, tinha uma moça lá, uma colega, que

não gostava de mim e achava que não iria dar conta... E eu consegui alfabetizar a turma

todinha, a turma da manhã todinha, a turma da alfabetização... Na época ganhei até um

prêmio aqui de melhor professora alfabetizadora! Nessa linha, né, tradicional mesmo... Mas aí

eu consegui. Os meninos também já estavam preparados para... Aí eu consegui, eu me senti

muito realizada. Agora eu me sinto realizada assim, porque eu estou trabalhando com a turma

que eu gosto, que é de alfabetização, mas eu estou triste um pouco porque a essa altura ainda

não tem nem metade de sala alfabetizada... No código...

P: Que nota você daria para essa escola? De zero a dez?

C: Essa escola? Eu daria 8 para ela. Mesmo apesar dessas mudanças aí... Porque mesma a

maioria trabalhando numa linha, essa minoria que chegou está atrapalhando um pouco,

trabalhando de um jeito diferente, mas está trabalhando dentro do que acredita, e está dando

seu melhor também... Eu daria 8. Eu sei que ela precisa melhorar muito, muito, muito mesmo,

mas muita coisa já se mudou, muita coisa.

P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?

C: Ahh, não sei... Porque eu estou doida para ir lá no dentista... RS...

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P: Bom, tudo que você falou vai ficar em sigilo, e seu nome será alterado... Se tiver alguma

coisa que você queira acrescentar ou alterar depois, se lembrar de algo e quiser complementar,

essa possibilidade está aberta a qualquer momento....

C: Tudo bem. Mas eu lembrei agora de uma outra coisa. É a respeito das merendeiras da

escola. Elas estavam seguindo a linha do antigo gestor, e aí era muita indireta na escola, muito

arrelio, sabe? Criticavam as crianças, criticavam professores, a maneira de vestir, a maneira

de falar, tudo.... Num momento desse a gente estaria aqui conversando, elas estariam lá fora

sorrindo... E aí, porque isso, porque elas não cumpriam o horário, e a gente ia questionar e

elas não gostavam... Com a mudança do gestor, a diretora nova foi mostrar... Fez uma

reunião, e fez uma abordagem assim tão transparente do que ela queria e tal, pediu a opinião

das meninas e elas não queriam participar de nada... “Ah, sempre foi assim, eu não vou

cumprir o horário não”... Não secavam talheres, não secavam pratos, não faziam nada na

cozinha, era tudo uma coisa assim mal apanhada... E depois teve o recesso junino, a gente se

reuniu e achou melhor que elas fossem para uma outra escola, fossem remanejadas. E a gente

conseguiu isso, hoje o pessoal que está aqui é ótimo com a gente, prepara almoço, pergunta o

que queremos que prepare, se quiser trazer alguma coisa elas preparam e a gente almoça

junto, tratam as crianças realmente bem, como criança mesmo, ajudam... As meninas, as

crianças estavam brincando aqui na área, elas viam alguma coisa de errado, caíam na risada...

essas novas não, elas estão aí para isso, ganham para isso, não vão reclamar... Elas ajudam a

gente em tudo, apóiam os meninos, então o trabalho agora está até mais leve, mais alegre...

Todo mundo aqui já chega alegre na escola... A gente fez agora uma caixinha do anjo, onde

cada um protege o outro, para não ter essa coisa de discriminação... As meninas estão

envolvidas... Então a escola está mais leve, mais gostosa de trabalhar...

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ANEXO 3

Transcrição Autoconfrontação Simples

Duração: 1hora e 15 minutos.

Episódio 1:

P: Eu vou passar primeiro o episodio inteiro, depois a gente conversa sobre ele, ta?

Cássia assiste ao episódio. Comenta, durante a apresentação:

“E eu fico estressada.... Só assim para ver mesmo... hehehe...”

P: Cássia, eu queria que você descrevesse essa atividade, o que você estava fazendo?

C: É uma atividade de leitura, onde os alunos teriam que refletir sobre o sistema de escrita

também, uma coisa associada a outra.... E assim, teria que ser um texto conhecido, o texto

facilitaria essa leitura, a gente não poderia pegar um texto do nada, teria que ser um texto de

memória, porque seria uma condição muito boa, seria não, é uma condição muito boa para

que o aluno comece a despertar esse interesse em ler. Então eu já tinha feito uma sequencia,

eles já tinham brincado com essa musica, também na aula de educação física, pulando corda,

então percebi que eles já sabiam esse texto de memória, então apresentei esse texto de

memória escrito, para que eles percebessem esse paralelo entre como se fala e se escreve. A

partir daí eu trabalhei no coletivo, fiz a leitura, cantei com eles, fiz a leitura junto com eles, e

depois chamei para eles identificarem algumas palavras, mas antes disso a gente já tinha

trabalhado também a sequencia de perceber com que letra começa, com que letra termina,

quais letras que devem ter tal palavra... E aí nesse momento eu chamei Thomas e Matheus

porque eles e mais uns 6 aí tem muita dificuldade de aprendizagem. Então como eles já

sabiam o texto de memória, eu pedi que eles fossem à lousa procurar certas palavras.

P: Você acha que foi boa a atividade? Atingiu o objetivo?

C: Naquele momento não atingiu, né, porque é um processo... Mas ele percebeu que “pé” não

começa como ele pensava, com qualquer letra. Porque ele já sabe que se escreve com letras.

No inicio, Thiago, Marcos e Carlos2, eles representavam qualquer palavra com desenhos só, e

aí agora eles já usam letras, mas eles ainda não conseguem selecionar quais letras, e o que eu

queria fazer com que ele percebesse, mesmo que não tenha caído a ficha de imediato, é que a

palavra começa com uma determinada letra, e não qualquer letra.

P: E assistindo agora a atividade, você acha que tem alguma coisa que você poderia ter feito

diferente do que você fez? Alguma coisa que você faria diferente?

2 Todos os nomes são fictícios.

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C: Eu faria diferente talvez não ter chamado ele na frente aquele dia, talvez não seria o

momento... Eu faria aquele atividade com os que já conseguem, e ele eu faria primeiro no

individual... Talvez no individual... Porque ele foi na frente, quem sabe se ele não ficou meio

perdido porque viu que todos já estavam alem dele.. Tem isso também... ele não gostou...

P: Isso de chamar o aluno na frente... Eu percebi que você utiliza bastante essa estratégia.

Você tem uma razão para fazer isso também...?

C: Tenho, porque assim, é um ajudando o outro. Então quando vai na frente, ele se sente

importante, e ao mesmo tempo que pode se sentir vulnerável, se sente também protegido,

porque sabe que alguém vai ajudar, porque eu sempre peço “gente, agora vocês podem ajudar

fulano”.... Então eu acho isso interessante também. Talvez naquele dia não era o momento de

ter chamado logo Thomas, porque ele é um dos que tem mais dificuldade... Talvez se eu

chamasse, porque minha intenção era que ele percebesse, talvez se eu deixasse ele no lugar

dele, e só chamasse atenção para que ele percebesse outra criança fazendo na frente seria mais

interessante naquele dia.

P: Tem mais alguma coisa que você percebeu nessa atividade que você gostaria de comentar,

explicar melhor...?

C: Assim, eu percebi que eu fico muito nervosa, né, tenho muita ansiedade que eles aprendam

logo... Aí teve um momento no “pulem de um pé só” que ele leu “pé” e “só” junto, como

uma palavra só, e aí ao invés de pedir que ele lesse de novo e perguntar: “e aí, você sente o

som de alguma letra?” eu nem perguntei para ver se ele iria associar.... “tem o É, pro, termina

com é”... Então ele iria logo na hora perceber, eu imagino que ele iria perceber que “pé” tem

esse som e não precisaria do “só”... Então eu ignorei isso e já fui direto, aqui tem “pulem” e

“pé”, tem essa e essa, qual dos dois pode ser... Eu não fui até aquela que ele achou que podia

ser “pé”... Acho que isso aí também foi um erro, porque se ele disse que foi aquela outra, eu

tinha que continuar intervindo lá, e não na anterior...

Episódio 2:

P: Vou passar agora outro episódio, ta? A gente assiste de pois comenta...

P: Bom, de novo, eu queria que você me descrevesse o que você estava fazendo...

C: Situação problema, né... Foi uma atividade de casa, para eles encontrarem... utilizarem

uma estratégia própria para encontrar o resultado. E aí eu fui fazer a verificação da atividade

de casa, quem fez, como fez... Só isso...

P: E qual era o seu objetivo?

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C: O objetivo era de que eles resolvessem o problema mesmo... É... Porque a gente tinha,

aliás, às vezes a gente ainda tem muito esse hábito, de fazer continhas a partir do nada, e ali

tinha um problema a ser resolvido. Agora, eu poderia ter colocado ali alguns materiais para

eles resolverem utilizando aquele material, e não mandar logo no quadro.

P: Você acha que mandar ao quadro complicou mais a atividade? Você acha que poderia ter

sido melhor?

C: Poderia. E os outros também poderiam estar fazendo naquele momento, porque aí poderia

haver esse confronto, “fulano achou tanto, você achou tanto, como você fez”... Com o

material... Acho que teria sido bem mais interessante, e eles aprenderiam mais... No caso do

Daniel, ele foi contar, contou um a mais, com o material isso não aconteceria. E também eu

fiquei prestando atenção lá e cá, lá e cá... Eu teria que estar mais centrada em quem eu queria

que, que... Por exemplo, Daniel não fez a atividade de casa, então nesse caso eu colocaria

todos novamente em roda para fazer com o material, “faça aí como você fez em casa”, e

ficaria com Daniel, que não fez... E ele já poderia também fazer com a atividade, eu levei ele

ao quadro mas ele não fez a atividade...

P: Essa dinâmica de lidar assim na mesma sala com os alunos que já estão mais adiantados...

C: Isso é um problema... Um problemão, sabia? Porque tem pais que vem às vezes falar, “ah,

fulano ta atrasado, fulano ta adiantado”... Aí você dá a mesma atividade, e não é a mesma

atividade. Às vezes pode até ser a mesma, mas a forma de conduzir é diferente... No caso

dessa aula de matemática, ou nas aulas de português, eu sempre coloco a mesma atividade, o

mesmo texto, mas aí um vai escrever por conta o texto, de memória, outros vão montar,

outros encontrar palavras, outros vão selecionar as letras que formam tais palavras... É a

mesma atividade assim, mas não é a mesma forma. Eu tento montar uma atividade que caiba

para vários graus de aprendizagem. Agora, é difícil, né?! Porque é um pouco complicado.

Tem uns que terminam mais rápido, mesmo se você da um livro para ler, uma pintura, alguma

coisa, eles terminam mais rápido, e já querem fazer logo outra coisa, e eu tenho que ficar de

olho também naqueles que estão menos adiantados. Aí eu começo a ficar preocupada porque

a sala começa a ficar muito bagunçada, eu fico preocupada em dar conta daquela multidão

que esta bagunçando, e acabo até inervando o trabalho, porque eu quero terminar logo, “bora,

fulano”, e fulano esta pensando ainda e tal, quando é a hora dele resolver realmente a questão

eu tenho que parar porque alguém brigou, porque aconteceu alguma coisa, aí já vai, fecha o

caderno, e fulano fica para trás do mesmo jeito. Aí a gente colocou como encaminhamento no

conselho de classe, que tem alguns alunos bem adiantados e outros bem menos, a gente

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colocou assim, 15 minutos ou 20 antes de ir para casa, ficar com o professor, enquanto os

outros brincam ou fazem alguma atividade e tal. Mas não esta funcionando, porque eu tento

fazer isso, mas quando eu vejo o tempo já passou, os outros brincam e brigam, fazem barulho,

aí eu não dou conta, atrapalha. E a criança que esta lá também, ela fica perdida, fica agoniada,

aquele barulho, todo mundo brincando e ela lá...

P: Pensando idealmente, você imagina alguma solução, algo que ajudaria a resolver isso? A

dar conta dessa disparidade, de uma sala tão heterogênea?

C: É assim, se o município tivesse condições de colocar dois professores em uma sala, aí a

gente poderia pensar diferente em relação a isso. Mas não tem! Aí eu não tenho em vista nada

que possa ajudar, a não ser um reforço no turno oposto... Mas teria que ser também um

reforço de alguém que já esta também nessa área e que entenda. Porque tem alguns reforços

por aí que não adiantam, que fazem a atividade para a criança, copia... E tem reforços também

que os professores só silabam, eles não querem saber como a criança aprende, não querem

saber nada. Aí acontece que alguns conseguem silabar, outros não, aí para. Aí não consegue

seguir mesmo, aí para tudo, trava. Eu acho que é porque alguma coisa de lá ou aqui confunde.

Porque por exemplo, quando eu mando que uma criança identifique uma palavra, “batatinha

quando nasce, batatinha” aí ele fala “B com A, BA, B com A, BA”, aí vai no BA. A primeira

palavra que ele ver que tem o BA, por exemplo, batata e batatinha, ele vai na primeira que

tiver BA, e não sai daquele BA, só naquela primeira silaba... “mas batatinha, batatinha, tem

que ter o TI, nessa daqui tem?” “não, mas tem o BA”. Como ele não trabalhou as outras

silabas ainda, ele não vai descobrir que tem o TA também, que tem o TI... Então a gente tem

percebido isso aqui, em todas as salas.

P: E essa estratégia que você usa bastante de colocar os alunos em duplas, um que sabe mais

com um que sabe menos, como você vê isso?

C: Assim, apesar de colocar nas duplas, tem critérios... A gente tem que ver. Eu não posso

também colocar um aluno que sabe, que esta num nível diferenciado, ou seja, que só conhece

as letras, mas ainda não conhece som nenhum, junto com um aluno que já esta alfabético, que

já sabe tudo, porque ele vai e faz para ele. Isso já aconteceu aqui na sala. Então eu tenho que

colocar aquele diferenciado com um que saiba um pouquinho mais, que saiu um poço daquele

nível, que esteja no quantitativo, por exemplo. Porque o diferenciado ele coloca varias letras

para escrever a palavra, e o quantitativo ele vai pensar na quantidade, e aí junto com o outro

ele vai dizer: “vamos ver, você colocou aqui...” BA TA TI NHA, vamos dizer que ele colocou

seis, ele vai pensar em quantas vezes ele abre a boca BA TA TI NHA, quatro vezes, então ele

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vai colocar só quatro. Ao o outro já vai perceber que precisa de tantas letras, já vai pensar na

quantidade junto com ele. Então esse outro, em duas ou três atividades, a depender da

intervenção que eu venha a fazer, ele já vai mudar de nível também. Pode ir para o

quantitativo ou até alem, para o qualitativo por exemplo. Então é isso, eles explicam um para

o outro. Agora a gente também tem que pensar nessas intervenções, o que eles devem fazer,

porque as vezes um quer fazer tudo pelo colega. Tem uma menina... tenho varias, mas eu vou

falar de um caso assim, que eu priorizei em certa época, de duas meninas assim, uma silábica

alfabética, pensava silábica mas ainda não estava alfabética, e a outra alfabética, e aí a silábica

alfabética ia ditando e a que estava alfabética ia escrevendo... Ai ela falava assim ”coloca

agora tal letra” e não era ainda aquela letra, tinha aquela letra, mas era depois.... Tipo BALA,

a outra já tinha escrito o BA e ela falava para colocar o A, pulando o L, aí a colega falava

“não, peraí, esta faltando o L”, por exemplo. Aí elas escreveram o texto completo, sendo que

uma ajudou a outra, não ficou nenhuma parada, uma foi ditando e outra escrevendo, mas ela

iam se ajudando. Então é isso, na hora de escolher as duplas eu coloca crianças de níveis

diferentes, mas próximos. Níveis próximos.

P: E funciona bem:

C: Aí funciona bem. Só que assim, às vezes é muito trabalhoso porque você tem que dar

assistência a todas as duplas ou todos os trios, e vem aquela questão de priorizar os que tem

mais necessidade. E aí quem termina primeiro vem atrás, vem a atrapalha, você esta

explicando para uma dupla e eles vem e tiram a atenção daquele que estava ali... Mas tem

ajudado. No inicio do ano mesmo todos os alunos eram diferenciados, eles sabiam que se

escrevia com letras, menos Daniel, Thiago e Marcos. Agora, depois desses agrupamentos eles

avançaram muito, eu tenho uma boa maioria que já esta alfabético mesmo e tenho vários no

silábico alfabético, não tem mais nenhum diferenciado. Tinha Marcos e Thiago, já não estão

mais, estão qualitativos, só que eu fico preocupada porque já esta em agosto e eles estão no

qualitativo e não sei se vão chegar a alfabéticos até o fim do ano.

P: Em relação a esse episodio que a gente assistiu, da lição de matemática, tem mais alguma

coisa que você percebeu alem dessa questão do material, que você disse que teria facilitado?

Alguma coisa que você poderia ter feito diferente, que você deixou de fazer...

C: É aquela questão que eu falei, do material concreto...

P: Você chegou a perguntar para o aluno se ele queria material ou queria o giz...

C: Ahh é, eu perguntei... Dei a opção, mas se eu estivesse com o material já ali também,

talvez ele tivesse escolhido o material... E envolveria as outras crianças...

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Episódio 3:

Enquanto assistimos o episódio, Cássia faz algumas observações: “olha o Marquinho,

nem aí para a explicação...“; “Juliana ainda não conhece as letras...” ; “Ana Clara é muito

atenta, ela é bem centrada para a idade dela”

P: Cássia, novamente eu gostaria que você descrevesse para mim o que você está fazendo,

qual é a atividade...

C: Assim, como eles... Foi no coletivo, para... Eu queria realmente que todos ajudassem... Só

que naquele momento eu tinha intenção com essas crianças, Thiago, Marcos, Edilene

também... Aí para que eles percebessem também que as palavras tem uma quantidade exata

de letras, então a cruzadinha possibilita isso, porque eles já sabem qual é a palavra, e eles

tinham que pensar não só com qual letra começa a palavra mas também quais letras devem

colocar, e a quantidade de letras. E aí eu acredito que eles pensaram sobre, porque a gente fez

a cruzadinha com ajuda, eles foram percebendo qual letra vem, “e agora, deu para ler”,

porque o mais importante também é esse momento de “agora leiam como ficou”, porque é o

momento que eles se impactam mais, principalmente quem está começando agora... Porque...

PULEM, por exemplo, tem cinco letras. Se eles leem PULE e para no LE, porque sentem

mais o som do E, aí é o caso de perguntar assim: “se vai até aí, que letra vem aqui, se a gente

viu que tem cinco letras?” Aí alguém vai dizer assim: “não, pro, pulem vai até o M”. E aí ele

vai ficar pensando, vai pronunciar algumas vezes e vai perceber que tem alguma coisa

estranha no que ele leu, vai perceber que precisa realmente de mais letras. Então essa

cruzadinha foi isso, para ver se eles estavam realmente pensando nessa questão de quantidade

de letras, e quais letras. Depois dessa atividade também eu fiz uma outra com eles no caderno,

também em duplas, para ver isso também...

P: Eu observei que nessa atividade você de novo chamou para ajudar na lousa alguns alunos

que estão mais atrasados...

C: É porque se não os outros chegariam lá e colocariam rapidinho as respostas... Aí com eles

foi também porque eles são inquietos, não prestam muita atenção, então eles indo na frente

também tem essa coisa de que eles estando lá, ficam mais centrados lá... Se eu deixasse cá

num canto, eles nem iriam ligar, porque para eles não tem tanto significado como para os

outros, eles ainda não sabem ler nem escrever direito, eles iriam pensar “ah, deixa lá para

quem já sabe, vamos ficar brincando aqui”... Por isso eu chamo eles para ir, para eles

perceberem, e os outros ajudam.

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P: No começo da atividade, quando você está explicando que vai chamar só alguns na lousa,

outros reclamam que são sempre eles, que você deveria chamar todos... Todos querem

participar...

C: Eles adoram participar! É uma turma assim enérgica mas bem participativa. Questionam...

Tudo eles questionam. E as vezes eu não consigo dar a explicação e digo que vou dar depois,

peço para eles me lembrarem, para eu não esquecer de explicar, para eles perceberem que eu

não estou enrolando, porque eu também esqueço, e se eles me lembrarem eu posso dar a

devolutiva depois...

P: E esses que não são chamados na lousa com tanta frequência, você explicou que é porque

eles terminam rapidinho a não da tempo de todos acompanharem... Então eles acabam indo

muito menos para a frente...

C: É porque no inicio eles já foram muito, e conseguiram avançar, então agora é o momento

desses outros...

P: E você acha que eles entendem isso?

C: Talvez não tanto... Porque você vê que alguns ficam chateados, ou começam a brincar...

Mas... Esse também é um problema, né?! Eu também fico pensando as vezes... Mas... Por isso

que as vezes eles também vão, e eles vão e explicam. Mas assim, depende da atividade, tem

atividade que eles vão, falam “eu fiz assim e assim, porque esse é assim e assim”, eles vão e

explicam. Mas nesse momento aí, não. Não precisaria deles. Agora, realmente eu tenho que

pensar em outras atividades que eles poderiam ir mais... Para chamar a atenção desses outros

também... Porque eles estão indo menos, mesmo. Tem uma justificativa, tem essas questões

de ter que ajudar mais quem precisa mais, mas eles acabam ficando chateados... É um

problema. Não é um problemão, mas é um problema. Porque assim, se a gente tem uma meta

de alfabetizar, a gente colocou 100% das crianças, a gente eu digo a rede, o município todo, e

estou percebendo que isso está difícil... Assim, eu já consegui bastante, mas essa minoria que

está aí vai fazer o diferencial na hora de olhar para essa porcentagem, então eu quero investir

mais neles... Porque a meta é alfabetizar todos, com qualidade, sem discriminação, essas

coisas... Não quero ficar só silabando, aí quem silaba vai e quem não silaba não vai... Então a

gente tem que ver tudo isso, porque se a gente pensar, se eu quiser fazer além agora, eu não

vou dar conta, eu tenho que pensar nesses que ainda não sabem, nessa porcentagem.

P: E de onde você acha que vem essa diferença tão grande entre eles? De alguns já estarem

bem alfabetizados e outros ainda não conseguirem nem identificar as palavras simples como

“pé”?

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C: Tem essa questão que eu já falei, que eles vieram da creche, alguns vieram sem varias

habilidades... Tem a questão dos pais, alguns pais não tem nenhuma formação também, não

estudaram, ou estudaram muito pouco, trabalham muito, outros que acham que o papel da

escola é que deve ensinar e acabou, então não fazem o dever de casa, não ajudam, tem

meninos que chegam com o material incompleto, então isso são fatores que vão contribuindo

para que esses alunos não avancem... E outros chegam na escola assim... talvez porque assim

eles cobram muito o livro didático, eu sei que o livro didático só não é uma condição, mas

ajuda muito, a questão das imagens e tal... Só de falar assim: “eu tenho meu livrinho”... Eles

tem um aí que eu consegui, mas não é todo mundo que tem, eu consegui alguns na secretaria

de educação, mas não é todo mundo que tem, e esse ano não chegou o livro didático... Então

isso é uma condição que desfavorece mais ainda aqueles que já não tem praticamente nada.

Outra coisa também é a questão da concentração na sala de aula, eu sou uma pessoa só... E

fico pensando, será que a atividade não está lúdica, não esta chamando a atenção deles...

Então pode ser também isso que contribui. Mas eu acho que na maioria é essa questão do

acompanhamento em casa... na sala tem também a questão do pedagógico, talvez não é de

qualidade assim, como eles gostariam que fosse, mas também essa questão de em casa, o

desinteresse, aí chega na escola, presta atenção em alguma coisinha mas não acha assim tão

interessante, chega em casa, leva a atividade e o pai não da a devolutiva, tem sempre alguém

que fala assim: “ah, meu pai estava cansado, minha mãe estava cansada, não fez a atividade

porque disse que pode fazer na sala com a senhora, que essa questão aí a senhora que tem que

fazer”... Então isso deixa muito a escola sobrecarregada, eles tiram o corpo fora e a gente não

da conta. Até porque as salas são muito cheias. Alfabetização é primordial, não é? Agora

coloca um professor só para um monte de alunos, vários fatores de vida e tudo, aí a gente não

da conta. Você vê que quando uns avançam demais, outros menos, aqueles que avançam

demais correm o risco até de regredir, porque já sabem tanto e não tem tanto desafio, fica

monótono, então tudo é um problema. Então trabalhar essa diferença é muito complicado.

Mesmo trabalhando com grupo produtivo e tudo, é muito complicado. Então eu acho assim, a

questão das salas superlotadas, a falta de material, as condições de trabalho, e essa questão

dos pais, que jogam tudo para a escola...

P: Eu assisti muitas aulas suas, e percebi que você tem uma dedicação com todos os alunos,

sempre tentando gerar um interesse em todos, mas sempre também tendo em vista aqueles

que precisam mais da sua ajuda e direcionando bastante ajuda para eles...

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C: Isso mesmo. E agora já tem outro encaminhamento em vista, com a professora Regina, que

ela dá aula de educação física em varias turmas, conversar com ela para ver se prioriza mais a

minha turma, não que deixe de dar para as outras turmas também, mas que priorize depois do

intervalo a minha, para que eu fique 40 minutos só com aqueles que precisam mais. Porque se

eu trago todos para a sala não dá certo. Então talvez se der certo isso, porque as outras

professoras também podem ter outros interesses, talvez não queiram liberar, porque é um

momento onde o professor fica mais à vontade ou para ver outras atividades ou para ir no

computador ver alguma coisa, então eles podem dizer “ah não, porque eu preciso fazer tal

coisa” porque enquanto a pro Regina está com a turma o professor também está fazendo

alguma outra coisa lá, aí eu tenho que ver isso...

P: Aí nesses momentos você chamaria esses alunos, que são poucos..

C: Acho q são 6 ou 8... Deixe eu ver... Edilson, Edilene, Amanda, Carlos, Marcos e Thiago.

São 6.

P: E a Jaqueline?

C: Jaqueline!! Jaqueline também! Então são 7... Então eu tenho que ficar com esses 7, e ver o

que eu posso fazer com eles, para ver se eles avançam.... Ela é muito dispersa, demais, e agora

a avó dela faleceu, hoje mesmo ela não veio... Ta triste, chora... Aí fica mais dispersa ainda...

E a minha preocupação é tem isso aí, mas ninguém investiga... Sabe que a criança está com

problemas, e que isso pode estar impactando no aprendizado, mas no final do ano você é

cobrado pelo que eu determinei junto com a rede na meta. Então digamos que ela não avance

tanto, não vou alcançar 100% por causa dela, aí a gente não vai conseguir.... Mas não é só por

conta disso, porque é interesse realmente da escola fazer com que a criança avance, então a

gente tem que trabalhar em cima disso. Se a gente não fez nada para que avançasse, aí fica

ruim. Mas nesse meio tempo tem muita coisa que acontece...

P: Mesmo entre esses alunos que tem mais dificuldade você percebe do começo do ano para

cá...

C: Um avanço!! Teve muito avanço! A coordenadora tem isso lá, ela tem um documento que

a gente fez, uma planilha, tudo direitinho, de cada aluno, como iniciou, como pensava, e

como está agora no mês de agosto. Eles estão avançando bastante. Era para ter avançado

mais, por exemplo a gente já deveria estar produzindo mais textos , com escrita alfabética... A

gente produz textos, mas é mais coletivo.. Eu tenho realmente investir mais na questão da

leitura e escrita para partir para a questão da produção individual, porque... Não que eles

deixem de fazer, eles fazem, mas a ideia é que eles façam alfabético...

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P: Em relação a esse episodio da palavra cruzada, que a gente assistiu agora, tem alguma

coisa que você faria diferente, ou deixou de fazer, ou gostaria de fazer de outra forma?

C: Tem. É que eu teria que ter colocado um banco de dados para favorecer eles... Um banco e

dados... Porque na hora de colocar ali “pulem”, eu poderia ter colocado lá “pulem”, uma outra

palavra que não começasse com P, e uma outra que começasse mas a segunda letra fosse

diferente, uma outra que começasse e a ultima letra fosse diferente, para eles ficarem na

duvida e começarem a pensar a partir daquelas palavras também. Aí eles iriam descobrir

“pulem” com facilidade mas com qualidade. “Ah, ta, é essa daqui porque começa com P e

depois vem o U, e tem também o LE”.... Eles iriam descobrir as letras mesmo. Poderia pedir

que eles silabassem mesmo a palavra, para sentir, perceber o som... É, acho que eu poderia ter

feito assim...

P: Você acha que assim conseguiria um resultado melhor?

C: É, eu conseguiria melhor. Mas foi interessante também... Para Juliana, por exemplo,

porque Juliana não conhece as letras, ela percebeu... O colega que queria que começasse com

U, porque está nesse nível, que sente o som da vogal, e Juliana não sente o som, ma quando

eu coloquei lá que começa com PU, ela percebeu “ahh, a letra é essa!” apesar de não conhecer

a letra, aí alguém já falou “letra P” e eu perguntei: “como é mesmo, Juliana, o nome da letra?”

e ela respondeu “P”, ela aprendeu que era P... Então foi bom, mas o banco de dados iria

favorecer mais... Mas eu acho que foi legal, foi legal...

P: E assim, pensando em todos esses episódios que você assistiu, tem alguma outra coisa que

você gostaria de colocar, acrescentar, comentar, explicar, justificar... ?

C: As atividades poderiam ter sido feitas... Porque eu fiz, não é? Fiz bastante em grupos, mas

poderia ter feito mais... Poderia ter mexido mais nos grupos... Apesar de ser trabalhoso,

porque tem sempre alguém que atrapalha, mas mesmo com tudo isso ajuda, ajuda bastante.

Aquela cruzadinha, por exemplo, depois dali eu poderia ter feito o que eu não fiz, ter voltado

para o grupo em outro dia, porque se não ia ficar cansativo, e fazer a mesma cruzadinha só

para esses meninos, nos grupos, pedir aos outros que fizessem uma outra atividade, e pedir

para eles montarem, dar a quantidade de letras exatas e pedir para eles montarem porque o

desafio seria maior, e ficaria com esses no grupo com uma cruzadinha cada um, mas eles

iriam fazem em grupo. Aí eu nesse caso sairia perguntando questões para cada um “e aí,

fulano, você concorda? Por que?” aí eles iriam aprender mais... Eu sinto dificuldade porque

eu quero fazer muito nos grupos, mas tem os outros também que vem... Se eu pudesse estar só

com esses aí, investindo, eu sei que eles estariam alem, mas tem essas questões de briga, de

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sair, o tempo todo... Mas o grupo ajuda, ainda mais nessa turma que já tem muitos alunos

alfabéticos... Ajuda porque um vai de encontro ao outro, e explica, aí o outro começa a

pensar, e vê, e percebe que realmente é daquela forma, e avança de nível. Eu quero fazer, eu

estava falando essa semana, quero fazer mais atividades em grupos... E para o grupão

também, agora quero fazer mais atividades de texto para eles seguirem, e vou investir nessas

atividades com alfabeto móvel, que é muito bom para eles, para ir montando as palavras... É

ótimo, porque aí eles vão selecionando, vão vendo como ficou, sabe? Tem a chance de brincar

com as letras... Nessa turma eu não tenho muito problema com alunos assim hiperativos, mas

na turma da tarde eu tenho... Tem um menino que quando ele não vem a sala fica uma benção,

mas quando ele vem é um furdunço... Porque a mãe não sabe se ele é, se ele tem algum.... sei

lá, alguma necessidade especial... Só se sabe que ele não consegue se concentrar e bate em

todos os alunos, sabe? Nessa turma, em relação a hiperatividade não, é mais essa questão....

Tem alunos que a gente está explicando, está explicando e ele não consegue entender, e nem

ele pergunta... Ele se esforça mais não consegue aprender, a gente fica preocupado.... Ou ele

aprende de um outro jeito, em outro ritmo, e a gente fica angustiado querendo que ele aprenda

logo... Porque cada um tem seu ritmo, mas eu fico preocupada: “ai meu deus, só avançou até

aqui, tem chegar até aqui”. A minha preocupação é essa. Não quer dizer que ele não avançou,

mas avança em outro ritmo, mais devagar. Esses seis mesmo estão assim. E apesar de estarem

menos avançados, eles avançaram mas cada um dentro de um nível, ou estão no mesmo nível

mas pensam diferente. Por exemplo, Edilson pensa só qualitativamente, mas não em todas as

letras, ele pensa que para escrever “boi” só basta do O e do I. Já Douglas e a irmã dele,

Edilene, percebem que para fazer “boi” preciso do B, do O e do I, então essa dupla por

exemplo já é interessante de trabalhar, porque já traz outros elementos. Aí essa questão das

intervenções, porque eu acho muito importante em qualquer processo é essa questão das

intervenções, o que você pretende. Porque hoje você fala: “ah, hoje eu vou dar a família do

B”, e você planejou o que você vai dar, mas você não planejou como vai dar, aí estraga tudo.

Antes eu tinha intenção de ajudar os alunos, quando eu trabalhava na zona rural, mas eu não

tinha esse conhecimento ainda. Então os meninos silabavam que era uma beleza, mas os que

não conseguiam logo, coitados, acabavam perdendo. Tinha lá uns 12 ou 13 reprovados, dois

anos seguidos, por conta dessa coisa. E tinham uma ótima compreensão. E isso por causa da

falta desse planejamento do como ensinar, do que você quer fazer com cada um, ou com cada

dupla. Tem que intencionar mesmo! Porque se você não intenciona fica aquela coisa, você lá

na frente pá pá pá pá, você achando que está dando tudo na aula, os meninos repetindo que

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nem uns papagainhos, e a gente achando que está fazendo e acontecendo e não está, está

discriminando, está deixando para lá, e nem está pensando. A gente nem pensava, a gente por

exemplo, quando os meninos estavam escrevendo a silaba CA, eles pensam que é o C e o A, e

se eles escrevessem CADEIRA de outro jeito que não fosse com o C e o A, ali já estaria

errado, e agora a gente sabe que não é assim, que poderia ser com K ou Q, quer dizer, eles vão

formulando hipóteses. Aí cabe à você intencionar, explicar “ta, pode ser K, mas tal palavra se

escreve assim, elas começam do mesmo jeito”.

P: E essa mudança toda, desde esse tempo anterior, quando você não tinha ainda essa

intencionalidade em cada atividade, até agora, o que você acha que trouxe essa mudança?

C: Foi depois que eu comecei.... Depois da faculdade. Depois que comecei a faculdade. Eu

sempre gostei muito de estudar, e tudo que iam falando lá eu comecei a botar na prática. Aí eu

fui vendo isso, os níveis de aprendizagem, como fazia. Aí eu comecei a ver isso mesmo como

uma coisa da minha prática, e trouxe para a sala de aula. E funcionou bem, muita coisa já

mudou. Muita coisa mesmo. E agora assim, eu posso até não conseguir os 100% alfabéticos,

mas muitos desses que ainda não estão, tem condição plena de ir para uma outra série. Agora

cabe ao professor ver o relatório individual dele, ver o que ele já sabe, o que ele já garante,

para a partir daí seguir. E às vezes aqui não acontece isso, porque tem professores novos

chegando, não estão sabendo ainda desse processo, dizem “não ta sabendo tal coisa, tem que

saber” e nem olham relatório nem nada, não olham nada, e começam do zero, e ai muitos

repetem, muitos começam a repetir. Eu, tem dois anos, passei alunos silábicos qualitativos

para uma oura serie, no caso segundo ano, porque agora alfabetiza no primeiro ano. Aí passei,

coloquei no relatório, aí os professores que já estavam aqui, que já sabiam até as atividades,

“Cássia, você tem uma atividade assim assim, que possa ajudar fulano”, eu elaborava as

atividades junto, passava, o professor fazia, me pedia até ajuda, os meninos avançaram. São

ótimos alunos. Já desse ano, eu não passei silábico qualitativo, passei silábicos alfabéticos,

um pouco a mais ainda, e o menino está lá do mesmo jeito, correndo o risco de voltar. Tem

que ver isso, porque se não ele vai regredir. Porque todo dia essa outra pro me fala: “fulano

não ta fazendo nada, ele não sabe nada”. Aí nas atividades nada para favorecer para ele

seguir. Não tem nada disso, é tipo “leia o texto e responda”, ele vai conseguir o que ali? E aí

falar as vezes é ruim, porque você acaba conseguindo inimizade. O grupo é bom, é legal, mas

assim, quando parte para a sala de aula, quando você quer falar alguma coisa para ajudar –

muitos aqui não, porque já sabem estão estudando o processo – mas quem está chegando

agora, essas novas que estão chegando agora, se sentem ofendidas de ouvir alguma coisa.

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Você vai com jeitinho, arrumando as palavras certas para poder não magoar, mas mesmo

assim no final acaba magoando, porque a pessoa não fala na hora mas depois acaba falando

para outros, fica um clima ruim. Aí é a criança que perde. Os pais não entendem também, não

estão nesse processo, aí as crianças perdem. Mas não é maioria não, a escola já mudou muito.

P: Então você considera importante esse trabalho coletivo dentro da escola?

C: Muito! E também essa questão de qualificar.... Se qualificar também. Porque esses

professores que estão chegando agora tem muito tempo fora da sala de aula, eles estavam

desempregados e o prefeito foi e empregou. Aí coloca na sala de aula. Aí eles vão querer

ensinar como eles aprenderam.

P: Então você percebe nos outros professores, que também estão passando pelo processo de

formação, no mesmo curso que você faz, você percebe neles também essa mudança na forma

de ensinar, assim como está acontecendo com você?

C: Sinto. Está fazendo um efeito grande, porque todo mundo aqui incorporou e está trazendo

isso para a sala de aula. A gente fica buscando, sabe? Se preocupa, sai daqui e vai para a outra

escola, quem vai pegar a turma, a gente vai na secretaria de educação, conversa... A secretária

de educação do município também tem essa visão... Mas tem coisas que passam por cima

dela...

P: Você considera então que essa faculdade é boa, já que os professores que tem passado por

ela estão melhorando muito?

C: Na realidade é assim, é a FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências) . A gente só tem uma

aula, um dia de aula. Mas tem vários trabalhos, é uma trabalheira.... Como antes dessa

faculdade a gente já tinha iniciado, a gente fez antes seis meses de UEFES, e eram todos os

dias, agente já estava bem, a gente tinha ótimos professores, e aí a gente seguiu essa linha.

Porque a FTC na realidade ela tem material, tem tudo para ajudar, mas é um só dia de aula, e

é aula virtual, então tem gente que vai e não liga muito para a aula, porque é virtual, o

professor não está ali ao vivo, ele está só no vídeo, a gente assiste aula pelo vídeo. Mas a

gente tem material disponível. Como a gente já vinha naquela linha, com aquela vontade de

estudar e tal, porque a gente fazia UEFES antes, a gente seguiu. A UEFES era ótima, menina!

É a faculdade de Feira de Santana. Mas aí teve um problema na prefeitura, que não estava

pagando a UEFES, aí eles fecharam a unidade daqui.... Era naquele prédio branco na praça,

sabe? Era ótimo! Mas aí acabou porque a prefeitura não pagou. Agora nesse curso a gente

está fazendo assim, a gente paga e a prefeitura dá a metade. Mas não é tão boa não, como a

anterior. E está uma confusão, tem um monte de problemas lá, parece que a prefeitura

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também não está pagando direito a parte dela... Mas a gente não quer desistir! A gente já

estava naquela linha da UEFES, então a gente está pegando o melhor dessa, pegou o melhor

da UEFES e está trazendo para cá, estamos estudando, então isso está melhorando. A gente

sabe que tem muita coisa que precisa mudar, mas a gente evoluiu bastante já.

P: Então essa mudança, essa evolução que está ocorrendo na atividade dos professores, você

atribui mais ao empenho e a dedicação dos próprios professores do que à qualidade na

formação?

C: Sim, atribuo mais aos professores. Até porque a FTC não da tantas condições para a gente.

Até o espaço físico, a gente ficou 20 dias sem aula por conta do espaço físico. A prefeitura

também não pagou o aluguel do prédio, não pagou a FTC, aí a FTC ficou sem espaço, e a

gente sem aula. Mas estudando em casa.

P: E tem outras coisas que você viu na faculdade, que você aprendeu dessa parte teórica, que

você gostaria de implementar mas que ainda não conseguiu? Você me contou que tudo que

você foi aprendendo, foi colocando em prática... Tem alguma coisa que ainda não deu para

colocar?

C: Tem essa questão.... Trabalhar com crianças hiperativas ou especiais, surdos.... A gente

tem que mudar muito, mudar as atividades.... Ano passado eu tive uma menina na minha sala,

e aí eu não conseguia fazer nenhuma atividade assim com ela. Ela não ouvia. Não ouve nem

fala, mas era tão participativa, prestava atenção em tudo! E ela ia na minha mesa, aí eu fiz

poucas coisas com ela assim, sabe? Eu não tive tempo.... 40 horas, aí eu não tive tempo. Mas

ela era tão esforçada! Então talvez isso, dar mais atenção às crianças com necessidades

especiais, mas não sei como. Porque de qualquer forma, na sala aí eu trabalho com crianças

especiais, todos são especiais.... Mas no caso dela, especifico, eu ainda não planejei, elaborei

atividades específicas para ela, tanto quanto eu deveria. Eu fiz algumas, mas não todas que

deveria. Mas mesmo assim eu busquei, eu fui, busquei o alfabeto em libras, cores, animais,

fui na internet buscar isso... Agora ela está com outra professora, não é mais minha aluna, e a

outra professora também esta buscando, mas eu mesma não fiz muita coisa... Mas procurei!

Mas aí tem isso aí.... Tem mais o que? (Pensa durante alguns minutos) Acho que é isso,

porque no mais tudo que eu aprendo eu procuro colocar na sala de aula...

P: E tem alguma coisa que você aprendeu que você pensa: “ah, isso é bobagem, não vou

colocar isso em prática, não acredito nisso...”?

C: Tem a questão da gestão escolar que a gente vê.... A relação com os pais, as merendeiras....

A gente já tentou, mas é difícil lidar com isso. Tem coisas que eu acho melhor não falar,

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porque aí vai gerar os problemas, aí tem coisas que eu vi que acho melhor não falar, não é

porque eu acho bobagem, mas porque eu acho que vai criar muita confusão...

P: tem mais alguma coisa que você queira falar sobre sua atividade, Cássia?

C: Que eu me lembre agora não tem não....

P: Eu queria que você me contasse como você se sentiu de assistir aos episódios, de se assistir

em atividade, o que você achou desse processo, disso que a gente fez agora... Como foi para

você?

C: Foi muito bom! Foi importante, porque às vezes a gente vai fazendo as coisas, achando que

está tudo muito bom, e não para nem para refletir tanto.... E assim, agora foi muito bom,

porque eu comecei a perceber por exemplo nas aulas o que poderia ter sido diferente, o que

poderia ter feito.... Me fez refletir mais sobre, pensar ainda mais neles, nos alunos. E eu não vi

nenhum problema em você ficar aí não, achei tranquilo, você não incomodou, ficou tranquila

lá, com os meninos. E me deixou à vontade, porque se eu me sentisse nervosa, envergonhada,

aí seria ruim. Mas não, eu me senti à vontade, continuei do mesmo jeito. Fez só favorecer,

porque me fez perceber “ah, naquele momento poderia ter feito tal coisa, poderia ter sido feito

assim”. Então foi muito bom!

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ANEXO 4

Transcrição da ACC

Episódio 1:

Renata: Eu só fiquei na dúvida sobre o seguinte: qual o objetivo principal? Você pegou um

menino, o que te levou a pegar essa criança? Deu para perceber um pouco, mas qual era seu

objetivo mesmo com essa criança?

Cássia: Assim, considerando os níveis da turma e levando em consideração que todos

deveriam trabalhar o mesmo texto, esse texto foi trabalhado numa sequencia. Nesse momento

eu chamei exatamente esse aluno para que ele percebesse que para escrever usava-se letras, e

determinadas letras, letras selecionadas através de alguma estratégia. Ele não reconhece ainda

totalmente o alfabeto, mas ele sabia a palavra que ia encontrar, só precisava de apoio, de

condições para encontrar, só que nesse momento ele não encontrou, porque ele está num nível

diferenciado onde ele não consegue ver quantidade nem qualidade. Ele sabe que se escreve

com letras, mas não sabe quais e nem quantas. Aí você viu que eu intervi de uma maneira que

ele percebesse que PÉ começava com P, fui lá, grifei, mas isso para ele não foi tão

significativo naquele momento. A partir daí, como ele não conseguiu, a gente foi e ajudou ele

no coletivo. Aí ele começou a pensar sobre. Porque se eu chamasse logo de imediato os

meninos que já sabem, eles já saberiam de imediato e a gente não teria assim esse momento

para ele. Por isso que depois eu levei para o grupo “agora, gente, vamos ajudar, como se

escreve PÉ?”

R: E ele é um aluno frequente?

C: Ele já foi infrequente, agora é frequente, não falta tanto não...

R: E ele não consegue acompanhar?

C: Não. Ele e mais 6

R: Essa musica já tinha sido trabalhada com eles?

C: Já. É aquela parlenda “um homem bateu em minha porta e eu abri....” Nós já trabalhamos

em aula, e a professora de educação física também já trabalhou com eles, então eles

conhecem de cor. Essa atividade foi uma sequencia, e ele participou de todas, e ainda não

conseguiu naquele momento encontrar PÉ.

R: E nas outras?

C: Em outras atividades a partir daí, eu já sabia que ele ia precisar de ajuda, aí fui até ele e ele

já conseguiu encontrar outras palavras também que a gente foi trabalhando. Mas sempre

assim com ajuda. Se colocar “fulano, procure aí PÉ” ele não acha não.

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A professora Cássia pede para seguir para o próximo episódio.

Episódio 2:

Renata: Vou repetir a pergunta anterior... Porque você escolheu aquelas crianças para

responder as questões de cálculo?

Cássia: Na realidade eu nem escolhi. Foi uma atividade de correção da lição de casa, eu

queria saber se todos tinham feito a atividade e como resolveram. Aí como esse aluno não

havia feito a atividade, eu encontrei um momento para que ele pudesse fazer lá na frente, para

depois a gente confrontar se alguém tinha feito diferente, mas pelo que eu vi as respostas

estavam todas iguais. Agora eu não sei qual estratégia eles tinham usado, mas o resultado foi

encontrado. E também eu deveria ter.... Na realidade, eu queria saber como eles resolveram,

mas eu tive que focar e uma outra coisa, porque como esse aluno não tinha feito, eu parti para

ele, para que ele fizesse e mostrasse como. E foi até legal porque na hora que ele estava

contando, ele contava tão rápido que ele pulou um, aí eu fui, interferi e pedi ajuda dos

meninos. Só que como os meninos já tinham feito essa atividade, não era tão desafiador ficar

ali, só prestando atenção... Aí começaram a sair do lugar, ficar agoniados, já queriam logo

fazer...

R: E durante as aulas, esses alunos participam direitinho? Principalmente aulas assim de

matemática?

C: Participam bastante! É uma turma muito participativa. Só que assim, eles participam no

coletivo, quando é individual eles ficam perdidos. Quando coloca em grupos, favorece porque

eu coloco sempre uma questão para ter discussão, porque eu percebo que um já sabe o

número, mas o outro ainda não conhece aquele número, aí o que já tem um conhecimento a

mais já ajuda o outro.

R: Eu te conheço a bastante tempo, conheço seu trabalho, sempre com alfabetização... No

caso dessas crianças, elas tem assim um acompanhamento?

C: Não, isso é que dificulta, essa questão do acompanhamento... Nesse dia, só esse aluno

disse que não tinha feito. Na verdade, tinha mais dois ou três que também não tinham feito,

mas como eles não se manifestaram eu não quis chamá-los logo na frente, mas eu sei que

aquela explicação poderia servir para eles também. Mas eles não tem apoio em casa, nas

atividades... Eles teriam que ter sempre alguém ali observando, apoiando... Todos os dias tem

alguém que fala “ah, eu não fiz por isso, não fiz por aquilo, minha mãe ta doente, minha mãe

viajou”e essas coisas assim. Então eles não tem esse acompanhamento, e isso dificulta porque

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a gente precisa dessa parceria. Você sabe, né?! A gente precisa dessa parceria. Se não tem,

fica só o professor lá, se desmiolando, e às vezes o resultado não vem como a gente quer...

A professora Cássia pede para seguir para o próximo episódio.

Episódio 3:

R: Num determinado momento, o que a gente pode perceber é que as crianças que tem mais

facilidade assim para aprender não tem paciência de esperar aqueles que tem menos

habilidade... O que eu vi é que essa cruzadinha é com a mesma parlenda da outra atividade, e

aí no caso também tinha seis alunos...

C: Eu chamei seis, mas depois os outros começaram a levantar... Porque assim, nessa

atividade eles teriam que pensar sobre quais letras e a quantidade de letras também, e para

fazer isso eles teriam que ir ajustando, por partes, encaixando as letras. Eu queria chamar

esses meninos aí para que eles percebessem realmente a questão. Os outros que já estavam

mais avançados ficaram impacientes, e a gente também tem que pensar em atividades que

favoreçam esses... Porque geralmente quando eu vou pensando, planejando, penso que tem

pouco tempo para os outros avançarem também, esses que ainda não avançaram tanto. E os

outros que já estão mais adiante, eles querem ajudar logo, porque eles precisam também fazer

a parte deles, seguir... Aí naquele momento eu peço para eles ficarem ali só observando

porque vai chegar o momento também deles ajudarem. Não é da forma que eles querem,

porque eles não tem ainda esse conhecimento... Então se eu que tenho esse conhecimento e

preciso ajudar os alunos, preciso pensar primeiro, agora, nesse momento, mais neles que estão

mais atrasados e precisam de mais investimento, e preciso elaborar também atividades para os

outros. Infelizmente nessa atividade aí não foi pensada de maneira que eles ficassem lá

centrados. Eu queria que eles ficassem lá prestando atenção para depois vir auxiliar os

colegas.

R: A gente sabe que é muito difícil fazer atividades diferenciadas para contemplar alunos que

estão mais avançados e aqueles que estão mais atrás é complicado, porque é uma professora

só para dar conta de uma turma de quase 30

C: Até porque a questão – todas as series eu acredito que precisaria – mas eu penso que não

alfabetização, que é uma base para depois, deveria ter uma professora ajudando, para estar

dando esse suporte, ajudar com as atividades... Porque se você está ali, para dar conta de tudo

é difícil. Você viu, eu nem tinha percebido isso, mas eu estava lá explicando e toda hora

interrompendo: “fulano, senta e presta atenção”, aí chega alguém na porta, toda hora tem que

parar e voltar de novo. Ter esse controle é um pouco complicado.

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R: Essas interferências às vezes atrapalham, como no caso daquela menina, ela não reconhece

as letras ainda e a gente já está no mês de agosto...

C: Mas já tem uma grande maioria, graças à deus, que já está lendo, mas tem aquelas crianças

ali, que são seis, que ainda não reconhecem nem as letras. Então a gente tem que primeiro

pensar nelas

R: Mas só tem esses seis?

C: Que não reconheça letras só. Mas tem uns que reconhecem mais ainda não saíram do nível

diferenciado, ou que saíram do diferenciado mas ainda estão no quantitativo... Mas o mais

sério são esses seis. Tem também alunos que estão em outros níveis mais ainda não estão

alfabéticos. Tem silábicos, pré-alfabeticos, que ficam oscilando... E aí minha intenção é

assim, eu já tinha até comentado que você sabe que a gente tem uma meta ao final de cada

série, e aí uma das metas foi alfabetizar 100% dos alunos. A gente ousou, 100%. Então eu

tenho que conseguir, e esses seis alunos aí vão ser uma porcentagem altíssima e vai

implicar.... E aí a minha intenção é fazer com que eles aprendam, mas aprendam mesmo, com

qualidade! Eu não quero só cumprir por cumprir, eu quero porque eu sei que eles precisam

disso para seguir para a próxima série.

Prof.1: Então é isso, pesquisadora! Acabamos por aqui?!

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ANEXO 5

Quadro de Pré Indicadores da Entrevista.

Eu sempre estudei em escola publica, e tive uma professora muito boa...

E assim, naquela época, existia muita discriminação, né? Quando a pessoa era negra... E essa

professora só tinha 3 alunos que tinham uma cor mais clara, e todo mundo era negro mesmo.

E ela era de uma cor misturada, ela tinha a pele mais clara, mas tinha também os

descendentes dela que eram negros, então ela valorizava muito isso.

E aí ela tinha muito carinho por todos, e fazia questão que todos aprendessem. Ela

trabalhava no método tradicional, mas que a gente aprendia principalmente a decodificar e

também a valorizar o outro.

Ela sempre fazia uma redação que perguntava: “o que vocês querem ser quando crescer?”, aí

eu falava: “eu quero ser professora igual a senhora”

E aí também que Lençóis não tem muitas oportunidades, aí quando eu cresci realmente

segui essa carreira, não tinha também outras oportunidades...

Mas antes de ser professora eu fui cozinheira, atendente de hotel, recepcionista da

Secretaria de Educação aqui de Lençóis, depois professora.

Porque eu antes passei por essas outras experiências porque eu não tinha oportunidade

para ensinar, aí quando surgiu...

Aí um professor meu veio a minha procura e me perguntou se eu queria ser professora da

zona rural, aí eu aceitei e fui para a zona rural e trabalhei lá 4 anos.

Eu não tinha formação especifica, inclusive ainda não tenho... Estou na área de

pedagogia, mas ainda não me formei. Estou cursando pedagogia aqui em Lençóis mesmo.

Estou no sétimo semestre, aí o ano que vem eu concluo.

Desde 1997. Faz uns 15 anos

Eu sempre trabalhei com multisseriado, educação de jovens e adultos, e eu tenho

preferência em trabalhar com as séries iniciais, na faixa etária de 5 até 7 anos.

Porque eu trabalho com alfabetização, e eu gosto porque eu acho que é a base...

Eu gosto de trabalhar com criança também, adolescente eu já acho que eles são muito

agitados demais... As crianças são agitadas, mas elas compreendem mais, elas respeitam

mais... aí eu gosto mais dessas séries.

Nessa escola eu trabalho há 6 anos. Mas assim, esse prédio é do estado e esta emprestado

ao município, e aí eu trabalhava em outro prédio, mas é a mesma escola, José Senna. Aí

nessa escola eu já tenho 8 anos.

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Eu fico 40 horas na escola, e a gente na sexta feira a gente planeja aqui, mas eu dou

continuidade em casa, porque é muita coisa, a gente tem que pesquisar, ver material, e aí

na escola não dá

Aqui eu só faço listar com colegas, com a coordenação pedagógica, ver algumas coisas,

algumas questões especificas de sala de aula, e aí eu levo para casa para poder estar

planejando diariamente as atividades da segunda, terça, quarta, de acordo com o que a

gente discutiu no grupo.

Porque eu tento organizar bem o tempo... Porque eu também sou mãe, dona de casa,

mulher... Aí tem que organizar o tempo.

Eu gosto. Eu gosto de trabalhar com crianças...

Eu sei que é desvalorizado, é muito desvalorizada nossa classe, mas eu gosto de

trabalhar, eu me sinto muito satisfeita ao ver que as crianças estão aprendendo... Estão

aprendendo de uma maneira diferente, mas estão aprendendo... E de valorizar isso também,

a sala de aula como um todo...

Porque antigamente a gente trabalhava de outra maneira, trabalhava com a cartilha... E

hoje em dia a gente pode trabalhar o mesmo conteúdo sem precisar da cartilha, e sem

precisar também dizer: “fulano sabe mais do que sicrano”... Eu gosto.

Olha, desde que eu trabalhava na zona rural eu já via por esse lado, só que eu não tinha

nenhum embasamento teórico, eu fazia porque eu acreditava que assim que tinha que ser...

Até porque essa coisa de ver todo mundo aprendendo...

Mas aí depois que eu entrei na faculdade, muita coisa melhorou... E aí eu pude investir

mais nisso, com embasamento teórico, né? Fui percebendo que eu estou indo na linha certa.

Às vezes eu fico assim com alguma dúvida, porque eu queria que todo mundo aprendesse

da mesma maneira, no mesmo momento, né?

Quando a gente tem uma sala... por exemplo, na manhã são 25 alunos, mas tem uns poucos

que já leem convencionalmente, outros não... Por trás disso tem outros fatores também que

estão impactando alguma coisa... mas eu sei que apesar de ainda não estar decodificando,

eles também estão aprendendo...

Eu gosto de ser professora, mas eu queria ser mais valorizada, financeiramente. E eu

penso também nos meus filhos, porque com o salário que eu ganho eu não posso mantê-los

em uma faculdade boa

E assim, eu escolheria ser enfermeira, porque é uma profissão que eu acho muito valiosa

também, além de ser professora, porque você vai ajudar alguém, eu acho tão importante

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essa questão do cuidar da vida e tudo... Enfermeira. Não sei também se o salário

compensaria, mas eu escolheria enfermeira.

Eu vejo meus alunos como seres pensantes, que já trazem muito conhecimento... Eles

trazem muitos conhecimentos, mas alguns conhecimentos precisam ser aprimorados e

compartilhados, eu diria...

Assim, como é uma classe de alfabetização, eu tracei desde o final do ano passado, que eu

queria que essa turma desse ano saísse todo mundo, 100% da classe, alfabetizado. A gente

sempre pensa alto, é, porque quer o melhor...

Estamos no mês de julho, e eu percebo que eu não vou conseguir alcançar totalmente

essa meta. Mas 80% eu creio que sim.

Mas nem por isso eles serão reprovados, porque a gente vê também muita coisa da parte

qualitativa deles... E aí a gente vai analisar, vai ver a questão das competências que eles

devem garantir ao final dessa série, e em cima disso é que a gente vai ver se eles serão

aprovados ou não...

Agora essa meta de 100% alfabetizados, eu creio que não vou conseguir... Mas assim,

pode ser que eu tenha uma surpresa, né?

E assim, o que eu vou fazer para alcançar essa meta é... eu fiz alguns encaminhamentos,

eu separei por grupos, cada nível em que eles se encontram, então...

Eu trabalho bastante com essa coisa de um ajudando o outro, essa parceria... São grupos

produtivos, eu trabalho com isso.

E para aqueles que já estão mais avançados também tem atividades de produção e revisão

textual, já pensando nas questões ortográficas.

Agora, com o mesmo texto, entendeu? Todo mundo trabalhando com o mesmo texto. É

assim, todo mundo participa, todo mundo tem conhecimento do mesmo texto, a atividade

é que é diferenciada, pensando no que cada um já trás, e no que pode avançar.

No caso dessa turma é porque a maioria esta saindo da creche, é eles estão chegando

aqui já com um déficit... Eles chegam assim, com alguns conteúdos que eles deveriam ter

trabalhado lá e que não foram trabalhados, eu não sei por quais motivos, e aí chega aqui eu

tenho que dar conta disso...

Outros porque faltam muito, outros não tem acompanhamento em casa, chega na sala

sem material, a gente tem que estar providenciando, improvisando no momento da aula, e

alguns que tem outros fatores, assim... pessoais... chegam e não querem fazer nada, estão

tristes, alguns que até questionam que não tem comida em casa, essas coisas...

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Tem dificuldades de aprendizagem... Tenho aqui nessa turma da manhã 5 alunos, à tarde

tem uns 8.... Que eles não conseguem avançar, por mais diferente que seja a atividade,

eles não conseguem avançar...

Agora assim, tem horas que a gente tem que dar muita assistência para esses alunos que

tem mais dificuldades, e como as salas são lotadas, as vezes a gente não consegue dar

conta... Até porque enquanto você esta dando aula, um começa a bater no outro, xingar, e

alguém entra na sala, uma pessoa quer falar com você.... Então muita coisa acontecendo,

você quer dar uma atenção especial para aquela criança e não tem como...

Se a gente tivesse pelo menos uma pessoa para estar ajudando, sabe? Isso ajudaria mais...

Porque tem momentos em que aquela criança não quer fazer nada, mas no momento que ela

quer fazer, se você chegar perto, aí consegue dar uma avançada... E as vezes naquele

momento você não tem como chegar perto dele, porque tem que dar conta de outros, ou

de outras coisas na própria sala, tipo violência, agressões, ou alguém que não trouxe

material, ou outro que está cutucando o coleguinha...

Como eu te falei, eu invisto muito no trabalho em grupo, porque no grupo tem sempre

alguém que esta um pouco a mais na frente, então eu tento investir nesses grupos para um

ajudar o outro, e estar me ajudando também... Agora, eu fico auxiliando todos os grupos.

Assim, a gente trabalha em cima do Projeto Político e Pedagógico, e aqui e gente tem...

A gente trabalha numa concepção sócio-construtivista, a gente avalia...

A avaliação, na realidade, a gente faz através de diagnósticos, através da observação na

própria sala de aula, diante das atividades. É uma coisa constante, a gente está sempre

registrando

E isso eu não fazia antes, quando eu estava lá na zona rural, eu não tinha esse

conhecimento. Eu sabia que tinha isso, mas eu não fazia. Hoje eu já acho necessário que se

faça mesmo um registro..

A gente esta sempre registrando para ver o que avançou, porque se você vai avaliar a

sala como um todo, aí você vai pecar, mas se você avaliar diante do que apresenta cada

aluno, aí você vai ter como avaliar, comparando cada um consigo mesmo, e investindo

individualmente.

No final do ano, eu faço tipo uma prova, mas na verdade ela não é o único instrumento

para avaliação. Tem essa prova, tem o registro individual da cada aluno, tem apresentação

de resultados de cada um... A gente tem portfólios, e a gente vai guardando as atividades

escritas, os registros que a gente fez diariamente, o prazer de casa, tudo isso. Aí a gente vai

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avaliar, quantitativamente e qualitativamente. Agora, o que conta mais aí é

qualitativamente, principalmente nessa turma. Aí a gente avalia em cima disso, dessa ficha, e

essa ficha é elaborada em cima dos PCNs, que trazem ali as habilidades e competências de

cada série, aí a gente avalia em cima daquilo, agora não desconsiderando todo o registro

anual.

Trocamos. A gente tem o momento de AC

A gente tem esse momento para planejar aqui... Sentar discutir, ver o um pode ajudar

o outro, conselhos e registros, e assim, apresentar resultados e também indicar algum livro,

alguma atividade, ou até construir atividades...

Ajudam bastante. A gente tem uma relação boa, de troca de experiências, um ajuda o

outro sempre

Ele só pensava no poder, e não tinha conhecimento do que é educação, aí ele não dava

oportunidade de encontros dos professores, e aí ele teve que sair, a gente deu graças a

deus

Chegou Mirtes agora, que tem uma nova visão. Ela também é professora, ela está na mesma

área que a gente, então muita coisa já mudou.

A diretora se reuniu com a gente, pediu opinião e todo mundo decidiu. Foi uma decisão

coletiva

Eu tenho vários obstáculos... A gente no momento está sem livro didático, não que ele

seja uma ferramenta única, mas ajuda muito, porque a gente tem uma sequencia de

atividades, mas às vezes a gente precisa de um apoio do livro didático, porque ele vem

mais colorido, tem mais imagens.... é tipo um apoio para sistematizar o que está sendo

trabalhado... A gente não tem... O que a gente tem é folha de ofício

Temos computadores na escola, mas nem todo mundo sabe lidar com esse instrumento,

eu mesma sei muito pouco. Quem digita meus trabalhos é ou a secretária ou meu filho... Eu

estou aprendendo agora porque estou com essa necessidade urgente de aprender a fazer.

E também tem isso, a gente tem computador agora, mas antes só tinha um, então ficava a

fila, para poder digitar as atividades... Então agora chegaram outros computadores aí, e a

gente está se empenhando mais em aprender e aí acho que vai ajudar bastante.

Mas assim, tem a questão do livro didático, tem a questão do material, folha de oficio,

costuma faltar sempre... Agora nesse momento a gente está com um pacote para duas

turmas e tem que durar uns 3 ou 4 meses, e não vai dar certo... Porque se a gente não tem o

livro didático, caderno a gente tem que usar, mas nessa faixa etária não dá para ficar o tempo

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todo usando caderno porque vai cansar a criança, né? Então tem que ter atividades digitadas,

construídas mesmo, e isso também vem impactando o trabalho

E fora isso, tem a questão dos pais que não ajudam muito... Não ajudam mesmo. É

minoria os pais que chegam aqui para poder saber sobre o filho, só vem quando é chamado

nas reuniões...

E as reuniões da gente eram bem chatas antigamente, agora já mudamos tanta coisa...

Mas eles já estão habituados com aquele outro tipo de reuniões, já chegam perguntando: “O

que foi que eles aprontaram dessa vez? O que meu filho fez? Eu já falei com ele, ele vai

apanhar” e a gente chega para eles com essa nova visão, eles já dão uma respirada, mas

ainda ficam insistindo no que o filho aprontou...

Eles não se colocam também como pessoa que faz parte da aprendizagem do filho....

Parece que a escola é só a escola e em casa é outra coisa, eles não querem dar continuidade

em casa não...

A gente apresenta resultados, a gente coloca a coordenação para falar sobre o trabalho,

como é feito, a respeito das atividades, que eles questionam muito...

Então agora a gente está explicando como é feito o trabalho, baseado em que, o que a

gente está aprendendo, o que os meninos estão trazendo, e colocamos também temas da

atualidade, para eles perceberem que a escola não trabalha isolado da sociedade, que a escola

trabalha em parceria, quer trabalhar em parceria... A gente coloca várias coisas, vários temas,

faz recreação com eles, dinâmicas para descontração, tem chá....

Não é mais aquela reunião fechada, até o espaço aberto, onde um vê o outro, se sente mais

livre...

A nova direção... A gente já vinha com essa ideia antes, só que a gente era podado, e se a

gente tentasse fazer, era assim: “quer tomar a frente do diretor”.... E como a gente estava

brigando muito com ele, e a gente acabava se acomodando também... Com a nova diretora

não, tudo mudou.

Assim, a gente faz algumas atividades na sala de aula, mas a gente gostaria de fazer outras

atividades fora da sala de aula... Visita a biblioteca pública... A gente está trabalhando

sobre a natureza, e a natureza de Lençóis é tão rica, a gente mostra figuras, mostra fotos, mas

a gente não visita... Então tem esse tipo de passeio que a gente... que eu gostaria de fazer,

mas não faço, porque tenho medo de ir sozinha com a turma... Tenho medo de acontecer

algum acidente, alguma coisa com eles, e depois eu ter que responder por isso...

Pontos positivos? Hmm... A questão de valorizar tudo que a criança já traz consigo, e

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tentar ajudar da melhor maneira a lidar com isso, a socializar, a fazer enxergar..

Eu acho que esse lado de sempre colocar a criança para cima, valorizar cada um, é um

ponto positivo em mim, sabe? E também de valorizar tudo que ele traz...

Eu fico às vezes preocupada porque eu queria que eles avançassem mais rápido, e eu

acho que esta faltando alguma coisa para poder ajudar... Mas eu não sei o que é... Não sei se

são as atividades, a forma... Eu não sei, porque assim, a gente trabalha mais com texto,

papel, quadro, essas coisas...

E aí, eu fiz um alfabeto móvel, e a gente coletou garrafa pet para fazer um boliche, e isso

ajudou bastante, foi bem interessante, mas eu queria estar fazendo coisas a mais, coisas

mais lúdicas.. Porque essa fase, né, exige isso, então às vezes eu acho que fica algo muito

pobre para eles...

É um ponto negativo, para mim, não dar essa condição para o aluno trabalhar

diretamente com o útil, todos os dias, e eu não tenho essa condição, de fazer essas

atividades, e nem tenho quem me ajude a fazer.

Essa importância assim, de que a gente não trabalha aleatoriamente, você tem um

embasamento para trabalhar, e você tem o conhecimento para estar entendendo melhor o

aluno... Essa vinculação da teoria com a prática... Tudo que eu aprendo lá eu tento

colocar em prática.

E outra coisa é, antigamente, quando eu trabalhava na zona rural, não tinha essa

formação, eu pensava assim: tinha que trabalhar com silabação, né?! Então hoje em dia eu

não penso mais assim

Então hoje em dia eu não penso mais assim, e quando chega uma mãe já falando

justamente isso: “ah, eu olhei o caderno de sicrano, ele já esta escrevendo bonitinho, até letra

cursiva já usa, e o meu filho não, descaramento, vou bater!” eu já tenho uma nova visão,

uma nova explicação, e material que comprove aquilo que estou dizendo. Ajuda

bastante na minha prática.

Por isso que eu escolhi pedagogia, porque é a minha área mesmo, uma coisa que eu

quero entender, e vou fazer psicopedagogia também, depois que eu concluir a faculdade.

A gente ajuda a elaborar. Foi construído em 2006, aí tem o apoio e mundo, a gente que

ajudou. Inclusive agora a gente vai sentar, na próxima semana, acho que na sexta feira, para

a gente rever, pensar se tem alguma coisa que a gente pode acrescentar, ou tirar.... A gente

vai rever.

Essa escola é considerada uma escola boa.

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Aqui na escola, todo mundo era concursado, e ninguém tinha formação. Hoje já temos

duas pedagogas, uma psicopedagoga, e temos nós que estamos concluindo no ano que vem.

Nós, eu digo, tem seis professoras.

Só que aí tem professores novos, que entraram agora, ainda não tem essa formação,

ainda estão até na silabação e não gostam de ouvir muita opinião, tal... Estão chegando

agora e ainda estão assim um pouco confusos... Então a escola vai andando numa linha, aí

de repente, por questões políticas, chegam novas pessoas, entendeu? E aí quebra um

pouco... Porque tem vários professores trabalhando numa linha, aí chegam outras pessoas,

elas sabem da linha, mas trabalham do jeito que acham que deve ser... Então eu não

poderia dizer que a escola toda trabalha nessa linha.

Tem as formações, embora essas professoras novas que estão chegando, eles não fazem

ainda faculdade, mas eles participam da formação, e essa formação é justamente para

isso

São professores especializados que vão trabalhar tudo que a gente trabalha na faculdade, e

vai trazendo para eles de uma maneira, sabe... e traz a prática da sala de aula para estar

analisando...

Mas tem gente que tem medo, que já tem segurança no que faz, então não quer mudar

de imediato assim porque tem medo, para ele é mais cômodo segurar o que ele já sabe do

que arriscar alguma coisa. Então eu não sei até que ponto seria uma coisa boa para a

escola, entendeu? Sem menosprezar os colegas, porque eles estão tentando, estão dando o

melhor. Mas é complicado, é complicado.

Porque isso que eu te falei antes do aluno que escreve de uma maneira que a gente antes

achava que era insignificante, a gente já tem uma nova visão sobre isso, quem está

chegando agora não tem, e trabalha da mesma forma, do jeito que essa pessoa acredita que

é...

A gente trabalha em cima desse erro, que não é nem tanto erro... É a maneira que ele

esta pensando, inicialmente, porque não conhece ainda outra maneira. Aí a gente trabalha

em cima dessa situação que ele esta trazendo, e aí vai fazer comparações, mostrar

exemplos para ele mesmo perceber que existe uma maneira única de fazer tal coisa, de

escrever tal coisa... Para ele perceber, em cima do que ele fez... Nunca desvaloriza o que

ele já traz.

Foi quando eu trabalhava na Ponte, lá na zona rural... E aí eu trabalhava com três turmas, de

manha, à tarde e à noite, e aí, assim que eu cheguei, tinha uma moça lá, uma colega, que não

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  205

gostava de mim e achava que não iria dar conta... E eu consegui alfabetizar a turma

todinha, a turma da manhã todinha, a turma da alfabetização... Na época ganhei até um

prêmio aqui de melhor professora alfabetizadora! Nessa linha, né, tradicional mesmo...

Mas aí eu consegui. Os meninos também já estavam preparados para... Aí eu consegui, eu

me senti muito realizada.

Agora eu me sinto realizada assim, porque eu estou trabalhando com a turma que eu

gosto, que é de alfabetização, mas eu estou triste um pouco porque a essa altura ainda não

tem nem metade de sala alfabetizada...

Essa escola? Eu daria 8 para ela. Mesmo apesar dessas mudanças aí... Eu daria 8. Eu sei

que ela precisa melhorar muito, muito, muito mesmo, mas muita coisa já se mudou,

muita coisa.

Porque mesmo a maioria trabalhando numa linha, essa minoria que chegou está

atrapalhando um pouco, trabalhando de um jeito diferente, mas está trabalhando dentro do

que acredita, e está dando seu melhor também...

É a respeito das merendeiras da escola. Elas estavam seguindo a linha do antigo gestor, e

aí era muita indireta na escola, muito arrelio, sabe? Criticavam as crianças, criticavam

professores, a maneira de vestir, a maneira de falar, tudo.... Num momento desse a gente

estaria aqui conversando, elas estariam lá fora sorrindo... E aí, porque isso, porque elas não

cumpriam o horário, e a gente ia questionar e elas não gostavam...

Com a mudança do gestor, a diretora nova foi mostrar... Fez uma reunião, e fez uma

abordagem assim tão transparente do que ela queria e tal, pediu a opinião das meninas

e elas não queriam participar de nada... Não secavam talheres, não secavam pratos, não

faziam nada na cozinha, era tudo uma coisa assim mal apanhada...

A gente se reuniu e achou melhor que elas fossem para uma outra escola, fossem

remanejadas. E a gente conseguiu isso

Hoje o pessoal que está aqui é ótimo com a gente, prepara almoço, pergunta o que

queremos que prepare, se quiser trazer alguma coisa elas preparam e a gente almoça junto,

tratam as crianças realmente bem, como criança mesmo, ajudam...

Elas ajudam a gente em tudo, apóiam os meninos, então o trabalho agora está até mais leve,

mais alegre... Todo mundo aqui já chega alegre na escola... A gente fez agora uma

caixinha do anjo, onde cada um protege o outro, para não ter essa coisa de discriminação...

As meninas estão envolvidas... Então a escola está mais leve, mais gostosa de trabalhar...

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Quadro de Indicadores e Pré Indicadores da Entrevista.

Indicadores Pré Indicadores

E aí também que Lençóis não tem

muitas oportunidades, aí quando eu

cresci realmente segui essa carreira, não

tinha também outras oportunidades...

Mas antes de ser professora eu fui

cozinheira, atendente de hotel,

recepcionista da Secretaria de Educação

aqui de Lençóis, depois professora

Antes passei por essas outras

experiências porque eu não tinha

oportunidade para ensinar, aí quando

surgiu...

E assim, eu escolheria ser enfermeira,

porque é uma profissão que eu acho

muito valiosa também, além de ser

professora, porque você vai ajudar

alguém, eu acho tão importante essa

questão do cuidar da vida e tudo...

Enfermeira. Não sei também se o salário

compensaria, mas eu escolheria

enfermeira.

Escolha profissional

Por isso que eu escolhi pedagogia,

porque é a minha área mesmo, uma

coisa que eu quero entender, e vou

fazer psicopedagogia também, depois que

eu concluir a faculdade.

Eu sempre estudei em escola pública, e

tive uma professora muito boa..

Admiração por uma professora como forte

fator de influência na escolha profissional E aí ela tinha muito carinho por todos, e

fazia questão que todos aprendessem.

Ela trabalhava no método tradicional,

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  207

mas que a gente aprendia principalmente

a decodificar e também a valorizar o

outro

Ela sempre fazia uma redação que

perguntava: “o que vocês querem ser

quando crescer?”, aí eu falava: “eu quero

ser professora igual a senhora”

E assim, naquela época, existia muita

discriminação, né? Quando a pessoa era

negra... E essa professora só tinha 3

alunos que tinham uma cor mais clara, e

todo mundo era negro mesmo. E ela era

de uma cor misturada, ela tinha a pele

mais clara, mas tinha também os

descendentes dela que eram negros, então

ela valorizava muito isso.

Falta de formação docente: estou cursando

pedagogia

Eu não tinha formação específica,

inclusive ainda não tenho... Estou na

área de pedagogia, mas ainda não me

formei. Estou cursando Pedagogia aqui

em Lençóis mesmo. Estou no sétimo

semestre, aí o ano que vem eu concluo.

Desde 1997. Faz uns 15 anos (que dou

aulas)

Eu sempre trabalhei com

multisseriado, educação de jovens e

adultos, e eu tenho preferência em

trabalhar com as séries iniciais, na faixa

etária de 5 até 7 anos.

Trajetória na profissão docente

Nessa escola eu trabalho há 6 anos.

Mas assim, esse prédio é do estado e esta

emprestado ao município, e aí eu

trabalhava em outro prédio, mas é a

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mesma escola, José Senna. Aí nessa

escola eu já tenho 8 anos.

Aí um professor meveio a minha procura

e me perguntou se eu queria ser

professora da zona rural, aí eu aceitei e

fui para a zona rural e trabalhei lá 4

anos.

Porque eu trabalho com alfabetização, e

eu gosto porque eu acho que é a base...

Eu gosto de trabalhar com criança

também, adolescente eu já acho que eles

são muito agitados demais... As crianças

são agitadas, mas elas compreendem

mais, elas respeitam mais... aí eu gosto

mais dessas séries.

Preferência por séries iniciais

Eu sempre trabalhei com multisseriado,

educação de jovens e adultos, e eu tenho

preferência em trabalhar com as séries

iniciais, na faixa etária de 5 até 7 anos.

Eu fico 40 horas na escola, e a gente na

sexta feira a gente planeja aqui, mas eu

dou continuidade em casa, porque é

muita coisa, a gente tem que pesquisar,

ver material, e aí na escola não dá

Aqui eu só faço listar com colegas, com

a coordenação pedagógica, ver algumas

coisas, algumas questões especificas de

sala de aula, e aí eu levo para casa para

poder estar planejando diariamente as

atividades da segunda, terça, quarta, de

acordo com o que a gente discutiu no

grupo.

Organização do tempo

Porque eu tento organizar bem o

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tempo... Porque eu também sou mãe,

dona de casa, mulher... Aí tem que

organizar o tempo.

Eu gosto. Eu gosto de trabalhar com

crianças...

Eu sei que é desvalorizado, é muito

desvalorizada nossa classe, mas eu

gosto de trabalhar, eu me sinto muito

satisfeita ao ver que as crianças estão

aprendendo... Estão aprendendo de uma

maneira diferente, mas estão

aprendendo... E de valorizar isso também,

a sala de aula como um todo.

Foi quando eu trabalhava na Ponte, lá na

zona rural... E aí eu trabalhava com três

turmas, de manha, à tarde e à noite, e aí,

assim que eu cheguei, tinha uma moça lá,

uma colega, que não gostava de mim e

achava que não iria dar conta... E eu

consegui alfabetizar a turma todinha, a

turma da manhã todinha, a turma da

alfabetização... Na época ganhei até um

prêmio aqui de melhor professora

alfabetizadora! Nessa linha, né,

tradicional mesmo... Mas aí eu consegui.

Os meninos também já estavam

preparados para... Aí eu consegui, eu me

senti muito realizada.

Realização profissional: se sente satisfeita ao

ver que as crianças estão aprendendo

Agora eu me sinto realizada assim,

porque eu estou trabalhando com a

turma que eu gosto, que é de

alfabetização, mas eu estou triste um

pouco porque a essa altura ainda não tem

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nem metade de sala alfabetizada...

E aí, eu fiz um alfabeto móvel, e a gente

coletou garrafa pet para fazer um boliche,

e isso ajudou bastante, foi bem

interessante, mas eu queria estar

fazendo coisas a mais, coisas mais

lúdicas.. Porque essa fase, né, exige isso,

então às vezes eu acho que fica algo

muito pobre para eles...

Assim, a gente trabalha em cima do

Projeto Político e Pedagógico, e aqui e

gente tem... A gente trabalha numa

concepção sócio-construtivista, a gente

avalia...

Prática pedagógica: formas de trabalhar em

sala de aula

A gente trabalha em cima desse erro,

que não é nem tanto erro... É a maneira

que ele esta pensando, inicialmente,

porque não conhece ainda outra maneira.

Aí a gente trabalha em cima dessa

situação que ele esta trazendo, e aí vai

fazer comparações, mostrar exemplos

para ele mesmo perceber que existe uma

maneira única de fazer tal coisa, de

escrever tal coisa... Para ele perceber,

em cima do que ele fez... Nunca

desvaloriza o que ele já traz.

Transformações na prática pedagógica pela

formação docente: a vinculação teoria e

prática

Porque antigamente a gente trabalhava

de outra maneira, trabalhava com a

cartilha... E hoje em dia a gente pode

trabalhar o mesmo conteúdo sem

precisar da cartilha, e sem precisar

também dizer: “fulano sabe mais do que

sicrano”... Eu gosto.

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Mas aí depois que eu entrei na

faculdade, muita coisa melhorou... E aí

eu pude investir mais nisso, com

embasamento teórico, né? Fui

percebendo que eu estou indo na linha

certa.

Olha, desde que eu trabalhava na zona

rural eu já via por esse lado, só que eu

não tinha nenhum embasamento

teórico, eu fazia porque eu acreditava

que assim que tinha que ser... Até porque

essa coisa de ver todo mundo

aprendendo...

E isso eu não fazia antes, quando eu

estava lá na zona rural, eu não tinha

esse conhecimento. Eu sabia que tinha

isso, mas eu não fazia. Hoje eu já acho

necessário que se faça mesmo um

registro..

Essa importância assim, de que a gente

não trabalha aleatoriamente, você tem

um embasamento para trabalhar, e

você tem o conhecimento para estar

entendendo melhor o aluno... Essa

vinculação da teoria com a prática...

Tudo que eu aprendo lá eu tento

colocar em prática.

E outra coisa é, antigamente, quando eu

trabalhava na zona rural, não tinha

essa formação, eu pensava assim: tinha

que trabalhar com silabação, né?! Então

hoje em dia eu não penso mais assim

Então hoje em dia eu não penso mais

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assim, e quando chega uma mãe já

falando justamente isso: “ah, eu olhei o

caderno de sicrano, ele já esta escrevendo

bonitinho, até letra cursiva já usa, e o

meu filho não, descaramento, vou bater!”

eu já tenho uma nova visão, uma nova

explicação, e material que comprove

aquilo que estou dizendo. Ajuda

bastante na minha prática.

Tem as formações, embora essas

professoras novas que estão chegando,

elas não fazem ainda faculdade, mas

eles participam da formação, e essa

formação é justamente para isso

Aqui na escola, todo mundo era

concursado, e ninguém tinha formação.

Hoje já temos duas pedagogas, uma

psicopedagoga, e temos nós que estamos

concluindo no ano que vem. Nós, eu

digo, tem seis professoras

São professores especializados que vão

trabalhar tudo que a gente trabalha na

faculdade, e vai trazendo para eles de

uma maneira, sabe... e traz a prática da

sala de aula para estar analisando...

Importância da formação continuada no

trabalho do corpo docente da escola

Porque isso que eu te falei antes do aluno

que escreve de uma maneira que a

gente antes achava que era

insignificante, a gente já tem uma nova

visão sobre isso, quem está chegando

agora não tem, e trabalha da mesma

forma, do jeito que essa pessoa acredita

que é...

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Eu sei que é desvalorizado, é muito

desvalorizada nossa classe, mas eu

gosto de trabalhar, eu me sinto muito

satisfeita ao ver que as crianças estão

aprendendo... Estão aprendendo de uma

maneira diferente, mas estão

aprendendo... E de valorizar isso também,

a sala de aula como um todo...

Valorização da profissão: “é muito

desvalorizada a nossa classe”

Eu gosto de ser professora, mas eu

queria ser mais valorizada,

financeiramente... E eu penso também

nos meus filhos, porque com o salário

que eu ganho eu não posso mantê-los em

uma faculdade boa...

Assim, como é uma classe de

alfabetização, eu tracei desde o final do

ano passado, que eu queria que essa

turma desse ano saísse todo mundo,

100% da classe, alfabetizado. A gente

sempre pensa alto, é, porque quer o

melhor...

Estamos no mês de julho, e eu percebo

que eu não vou conseguir alcançar

totalmente essa meta. Mas 80% eu

creio que sim

Agora essa meta de 100%

alfabetizados, eu creio que não vou

conseguir... Mas assim, pode ser que eu

tenha uma surpresa, né?

Meta: alfabetizar todos os alunos

E assim, o que eu vou fazer para

alcançar essa meta é... eu fiz alguns

encaminhamentos, eu separei por grupos,

cada nível em que eles se encontram,

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então...

Eu trabalho bastante com essa coisa de

um ajudando o outro, essa parceria...

São grupos produtivos, eu trabalho

com isso.

Importância de atividades em grupo

Como eu te falei, eu invisto muito no

trabalho em grupo, porque no grupo

tem sempre alguém que esta um pouco

a mais na frente, então eu tento investir

nesses grupos para um ajudar o outro, e

estar me ajudando também... Agora, eu

fico auxiliando todos os grupos.

E para aqueles que já estão mais

avançados também tem atividades de

produção e revisão textual, já pensando

nas questões ortográficas

Agora, com o mesmo texto, entendeu?

Todo mundo trabalhando com o mesmo

texto. É assim, todo mundo participa,

todo mundo tem conhecimento do

mesmo texto, a atividade é que é

diferenciada, pensando no que cada um

já trás, e no que pode avançar.

Eu fico às vezes preocupada porque eu

queria que eles avançassem mais

rápido, e eu acho que esta faltando

alguma coisa para poder ajudar... Mas eu

não sei o que é... Não sei se são as

atividades, a forma... Eu não sei, porque

assim, a gente trabalha mais com texto,

papel, quadro, essas coisas...

Atividades diferenciadas para alunos em

diferentes níveis de aprendizagem

Às vezes eu fico assim com alguma

duvida, porque eu queria que todo

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mundo aprendesse da mesma maneira,

no mesmo momento, né?

Quando a gente tem uma sala... por

exemplo, na manhã são 25 alunos, mas

tem uns poucos que já leem

convencionalmente, outros não... Por trás

disso tem outros fatores também que

estão impactando alguma coisa... mas eu

sei que apesar de ainda não estar

decodificando, eles também estão

aprendendo...

Mas nem por isso eles serão reprovados,

porque a gente vê também muita coisa

da parte qualitativa deles... E aí a gente

vai analisar, vai ver a questão das

competências que eles devem garantir ao

final dessa série, e em cima disso é que a

gente vai ver se eles serão aprovados ou

não...

A avaliação, na realidade, a gente faz

através de diagnósticos, através da

observação na própria sala de aula, diante

das atividades. É uma coisa constante, a

gente está sempre registrando

A gente esta sempre registrando para

ver o que avançou, porque se você vai

avaliar a sala como um todo, aí você vai

pecar, mas se você avaliar diante do que

apresenta cada aluno, aí você vai ter

como avaliar, comparando cada um

consigo mesmo, e investindo

individualmente.

Sobre avaliação

No final do ano, eu faço tipo uma prova,

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  216

mas na verdade ela não é o único

instrumento para avaliação. Tem essa

prova, tem o registro individual da cada

aluno, tem apresentação de resultados de

cada um... A gente tem portfólios, e a

gente vai guardando as atividades

escritas, os registros que a gente fez

diariamente, o prazer de casa, tudo isso.

Aí a gente vai avaliar,

quantitativamente e qualitativamente.

Agora, o que conta mais aí é

qualitativamente, principalmente nessa

turma. Aí a gente avalia em cima disso,

dessa ficha, e essa ficha é elaborada em

cima dos PCNs, que trazem ali as

habilidades e competências de cada série,

aí a gente avalia em cima daquilo, agora

não desconsiderando todo o registro

anual.

No caso dessa turma é porque a maioria

esta saindo da creche, é eles estão

chegando aqui já com um déficit... Eles

chegam assim, com alguns conteúdos que

eles deveriam ter trabalhado lá e que não

foram trabalhados, eu não sei por quais

motivos, e aí chega aqui eu tenho que

dar conta disso...

Quem são os alunos com “dificuldades de

aprendizagem”

Outros porque faltam muito, outros não

tem acompanhamento em casa, chega

na sala sem material, a gente tem que

estar providenciando, improvisando no

momento da aula, e alguns que tem

outros fatores, assim... pessoais...

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chegam e não querem fazer nada, estão

tristes, alguns que até questionam que

não tem comida em casa, essas coisas...

Tem dificuldades de aprendizagem...

Tenho aqui nessa turma da manhã 5

alunos, à tarde tem uns 8.... Que eles não

conseguem avançar, por mais diferente

que seja a atividade, eles não

conseguem avançar...

Trocamos. A gente tem o momento de

AC

A gente tem esse momento para

planejar aqui... Sentar discutir, ver o

um pode ajudar o outro, conselhos e

registros, e assim, apresentar resultados e

também indicar algum livro, alguma

atividade, ou até construir atividades...

Ajudam bastante. A gente tem uma

relação boa, de troca de experiências,

um ajuda o outro sempre

A diretora se reuniu com a gente, pediu

opinião e todo mundo decidiu. Foi uma

decisão coletiva

A gente ajuda a elaborar. Foi

construído em 2006, aí tem o apoio e

mundo, a gente que ajudou. Inclusive

agora a gente vai sentar, na próxima

semana, acho que na sexta feira, para a

gente rever, pensar se tem alguma coisa

que a gente pode acrescentar, ou tirar....

A gente vai rever.

Trabalho coletivo na escola ajuda bastante na

prática pedagógica

A gente se reuniu e achou melhor que

elas fossem para uma outra escola,

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fossem remanejadas. E a gente

conseguiu isso

Aqui eu só faço listar com colegas, com

a coordenação pedagógica, ver

algumas coisas, algumas questões

especificas de sala de aula, e aí eu levo

para casa para poder estar planejando

diariamente as atividades da segunda,

terça, quarta, de acordo com o que a

gente discutiu no grupo.

Ele só pensava no poder, e não tinha

conhecimento do que é educação, aí ele

não dava oportunidade de encontros

dos professores, e aí ele teve que sair, a

gente deu graças a deus.

Chegou Mirtes agora, que tem uma nova

visão. Ela também é professora, ela está

na mesma área que a gente, então muita

coisa já mudou.

E as reuniões da gente eram bem chatas

antigamente, agora já mudamos tanta

coisa...

Não é mais aquela reunião fechada, até

o espaço aberto, onde um vê o outro, se

sente mais livre...

Mudanças na equipe gestora: “muita coisa já

mudou”

A nova direção... A gente já vinha com

essa ideia antes, só que a gente era

podado, e se a gente tentasse fazer, era

assim: “quer tomar a frente do diretor”....

E como a gente estava brigando muito

com ele, e a gente acabava se

acomodando também... Com a nova

diretora não, tudo mudou

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É a respeito das merendeiras da escola.

Elas estavam seguindo a linha do

antigo gestor, e aí era muita indireta na

escola, muito arrelio, sabe? Criticavam as

crianças, criticavam professores, a

maneira de vestir, a maneira de falar,

tudo.... Num momento desse a gente

estaria aqui conversando, elas estariam lá

fora sorrindo... E aí, porque isso, porque

elas não cumpriam o horário, e a gente ia

questionar e elas não gostavam...

Com a mudança do gestor, a diretora

nova foi mostrar... Fez uma reunião, e

fez uma abordagem assim tão

transparente do que ela queria e tal,

pediu a opinião das meninas e elas não

queriam participar de nada... Não

secavam talheres, não secavam pratos,

não faziam nada na cozinha, era tudo uma

coisa assim mal apanhada...

A gente se reuniu e achou melhor que

elas fossem para uma outra escola,

fossem remanejadas. E a gente conseguiu

isso

Hoje o pessoal que está aqui é ótimo

com a gente, prepara almoço, pergunta o

que queremos que prepare, se quiser

trazer alguma coisa elas preparam e a

gente almoça junto, tratam as crianças

realmente bem, como criança mesmo,

ajudam...

Mudanças na equipe de funcionários decididas

coletivamente após a mudança da equipe

gestora

Elas ajudam a gente em tudo, apóiam os

meninos, então o trabalho agora está até

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mais leve, mais alegre... Todo mundo

aqui já chega alegre na escola... A gente

fez agora uma caixinha do anjo, onde

cada um protege o outro, para não ter

essa coisa de discriminação... As meninas

estão envolvidas... Então a escola está

mais leve, mais gostosa de trabalhar...

Só que aí tem professores novos, que

entraram agora, ainda não tem essa

formação, ainda estão até na silabação

e não gostam de ouvir muita opinião,

tal... Estão chegando agora e ainda estão

assim um pouco confusos... Então a

escola vai andando numa linha, aí de

repente, por questões políticas, chegam

novas pessoas, entendeu? E aí quebra um

pouco... Porque tem vários professores

trabalhando numa linha, aí chegam outras

pessoas, elas sabem da linha, mas

trabalham do jeito que acham que deve

ser... Então eu não poderia dizer que a

escola toda trabalha nessa linha.

Porque mesmo a maioria trabalhando

numa linha, essa minoria que chegou

está atrapalhando um pouco,

trabalhando de um jeito diferente, mas

está trabalhando dentro do que acredita, e

está dando seu melhor também...

Relações com as novas professoras: “tem

gente que tem medo, então não quer mudar”

Mas tem gente que tem medo, que já

tem segurança no que faz, então não

quer mudar de imediato assim porque

tem medo, para ele é mais cômodo

segurar o que ele já sabe do que

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arriscar alguma coisa. Então eu não sei

até que ponto seria uma coisa boa para a

escola, entendeu? Sem menosprezar os

colegas, porque eles estão tentando, estão

dando o melhor. Mas é complicado, é

complicado.

Porque isso que eu te falei antes do aluno

que escreve de uma maneira que a gente

antes achava que era insignificante, a

gente já tem uma nova visão sobre isso,

quem está chegando agora não tem, e

trabalha da mesma forma, do jeito que

essa pessoa acredita que é...

E fora isso, tem a questão dos pais que

não ajudam muito... Não ajudam

mesmo. É minoria os pais que chegam

aqui para poder saber sobre o filho, só

vem quando é chamado nas reuniões...

Mas eles já estão habituados com aquele

outro tipo de reuniões, já chegam

perguntando: “O que foi que eles

aprontaram dessa vez? O que meu filho

fez? Eu já falei com ele, ele vai apanhar”

e a gente chega para eles com essa nova

visão, eles já dão uma respirada, mas

ainda ficam insistindo no que o filho

aprontou...

Eles não se colocam também como

pessoa que faz parte da aprendizagem

do filho.... Parece que a escola é só a

escola e em casa é outra coisa, eles não

querem dar continuidade em casa não...

Sobre a relação dos pais com a aprendizagem

dos alunos

A gente apresenta resultados, a gente

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coloca a coordenação para falar sobre o

trabalho, como é feito, a respeito das

atividades, que eles questionam muito...

Então agora a gente está explicando

como é feito o trabalho, baseado em

que, o que a gente está aprendendo, o que

os meninos estão trazendo, e colocamos

também temas da atualidade, para eles

perceberem que a escola não trabalha

isolado da sociedade, que a escola

trabalha em parceria, quer trabalhar em

parceria... A gente coloca várias coisas,

vários temas, faz recreação com eles,

dinâmicas para descontração, tem chá....

Quem é o aluno

Eu vejo meus alunos como seres

pensantes, que já trazem muito

conhecimento... Eles trazem muitos

conhecimentos, mas alguns

conhecimentos precisam ser aprimorados

e compartilhados, eu diria...

Eu tenho vários obstáculos... A gente

no momento está sem livro didático,

não que ele seja uma ferramenta única,

mas ajuda muito, porque a gente tem uma

sequencia de atividades, mas às vezes a

gente precisa de um apoio do livro

didático, porque ele vem mais colorido,

tem mais imagens.... é tipo um apoio para

sistematizar o que está sendo trabalhado...

A gente não tem... O que a gente tem é

folha de ofício

Dificuldades na prática pedagógica geradas

por falta de material didático

Mas assim, tem a questão do livro

didático, tem a questão do material,

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folha de oficio, costuma faltar sempre...

Agora nesse momento a gente está com

um pacote para duas turmas e tem que

durar uns 3 ou 4 meses, e não vai dar

certo... Porque se a gente não tem o livro

didático, caderno a gente tem que usar,

mas nessa faixa etária não dá para ficar o

tempo todo usando caderno porque vai

cansar a criança, né? Então tem que ter

atividades digitadas, construídas mesmo,

e isso também vem impactando o

trabalho

Temos computadores na escola, mas

nem todo mundo sabe lidar com esse

instrumento, eu mesma sei muito pouco.

Quem digita meus trabalhos é ou a

secretária ou meu filho... Eu estou

aprendendo agora porque estou com essa

necessidade urgente de aprender a

fazer.

E também tem isso, a gente tem

computador agora, mas antes só tinha um,

então ficava a fila, para poder digitar as

atividades... Então agora chegaram

outros computadores aí, e a gente está

se empenhando mais em aprender e aí

acho que vai ajudar bastante.

Problemas enfrentados para lidar com alunos

que tem dificuldades

Agora assim, tem horas que a gente tem

que dar muita assistência para esses

alunos que tem mais dificuldades, e

como as salas são lotadas, as vezes a

gente não consegue dar conta... Até

porque enquanto você esta dando aula,

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um começa a bater no outro, xingar, e

alguém entra na sala, uma pessoa quer

falar com você.... Então muita coisa

acontecendo, você quer dar uma

atenção especial para aquela criança e

não tem como...

Porque tem momentos em que aquela

criança não quer fazer nada, mas no

momento que ela quer fazer, se você

chegar perto, aí consegue dar uma

avançada... E as vezes naquele

momento você não tem como chegar

perto dele, porque tem que dar conta

de outros, ou de outras coisas na própria

sala, tipo violência, agressões, ou alguém

que não trouxe material, ou outro que está

cutucando o coleguinha...

Assim, a gente faz algumas atividades na

sala de aula, mas a gente gostaria de

fazer outras atividades fora da sala de

aula... Visita a biblioteca pública... A

gente está trabalhando sobre a natureza, e

a natureza de Lençóis é tão rica, a gente

mostra figuras, mostra fotos, mas a gente

não visita... Então tem esse tipo de

passeio que a gente... que eu gostaria de

fazer, mas não faço, porque tenho

medo de ir sozinha com a turma...

Tenho medo de acontecer algum

acidente, alguma coisa com eles, e depois

eu ter que responder por isso...

Dificuldades na prática pedagógica: “gostaria

de fazer outras atividades”

Se a gente tivesse pelo menos uma

pessoa para estar ajudando, sabe? Isso

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ajudaria mais...

Essa escola é considerada uma escola

boa.

Avaliação sobre a escola

Essa escola? Eu daria 8 para ela. Mesmo

apesar dessas mudanças aí... Eu daria 8.

Eu sei que ela precisa melhorar muito,

muito, muito mesmo, mas muita coisa já

se mudou, muita coisa.

Pontos positivos? Hmm... A questão de

valorizar tudo que a criança já traz

consigo, e tentar ajudar da melhor

maneira a lidar com isso, a socializar, a

fazer enxergar..

Auto avaliação - pontos positivos da prática

docente: sempre valorizar o que a criança já

traz

Eu acho que esse lado de sempre colocar

a criança para cima, valorizar cada

um, é um ponto positivo em mim, sabe?

E também de valorizar tudo que ele traz...

Auto avaliação - pontos negativos da prática

docente

É um ponto negativo, para mim, não dar

essa condição para o aluno trabalhar

diretamente com o útil, todos os dias, e

eu não tenho essa condição, de fazer

essas atividades, e nem tenho quem me

ajude a fazer.

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ANEXO 6

Quadro de Pré Indicadores da ACS – episódio 1

E assim, teria que ser um texto conhecido, o texto facilitaria essa leitura, a gente não poderia

pegar um texto do nada, teria que ser um texto de memória, porque seria uma condição

muito boa, seria não, é uma condição muito boa para que o aluno comece a despertar esse

interesse em ler.

Então eu já tinha feito uma sequencia, eles já tinham brincado com essa musica, também na

aula de educação física, pulando corda, então percebi que eles já sabiam esse texto de

memória, então apresentei esse texto de memória escrito, para que eles percebessem esse

paralelo entre como se fala e se escreve.

A partir daí eu trabalhei no coletivo, fiz a leitura, cantei com eles, fiz a leitura junto com

eles, e depois chamei para eles identificarem algumas palavras, mas antes disso a gente já

tinha trabalhado também a sequencia de perceber com que letra começa, com que letra

termina, quais letras que devem ter tal palavra...

E aí nesse momento eu chamei esses dois alunos porque eles e mais uns 6 aí tem muita

dificuldade de aprendizagem. Então como eles já sabiam o texto de memória, eu pedi que

eles fossem à lousa procurar certas palavras.

Naquele momento não atingiu, né, porque é um processo...

Mas ele percebeu que “pé” não começa como ele pensava, com qualquer letra. Porque ele

já sabe que se escreve com letras. No inicio, esses alunos representavam qualquer palavra com

desenhos só, e aí agora eles já usam letras, mas eles ainda não conseguem selecionar quais

letras, e o que eu queria fazer com que ele percebesse, mesmo que não tenha caído a ficha de

imediato, é que a palavra começa com uma determinada letra, e não qualquer letra.

Eu faria diferente talvez não ter chamado ele na frente aquele dia, talvez não seria o

momento... Eu faria aquele atividade com os que já conseguem, e ele eu faria primeiro no

individual... Talvez no individual... Porque ele foi na frente, quem sabe se ele não ficou meio

perdido porque viu que todos já estavam além dele.. Tem isso também... ele não gostou...

Tenho, porque assim, é um ajudando o outro.

Então quando vai na frente, ele se sente importante, e ao mesmo tempo que pode se sentir

vulnerável, se sente também protegido, porque sabe que alguém vai ajudar, porque eu

sempre peço “gente, agora vocês podem ajudar fulano”.... Então eu acho isso interessante

também

Talvez naquele dia não era o momento de ter chamado logo ele, porque ele é um dos que tem

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mais dificuldade... Talvez se eu chamasse, porque minha intenção era que ele percebesse,

talvez se eu deixasse ele no lugar dele, e só chamasse atenção para que ele percebesse

outra criança fazendo na frente seria mais interessante naquele dia.

Assim, eu percebi que eu fico muito nervosa, né, tenho muita ansiedade que eles aprendam

logo...

Aí teve um momento no “pulem de um pé só” que ele leu “pé” e “só” junto, como uma

palavra só, e aí ao invés de pedir que ele lesse de novo e perguntar: “e aí, você sente o som de

alguma letra?” eu nem perguntei para ver se ele iria associar.... “tem o É, pro, termina com

é”... Então ele iria logo na hora perceber, eu imagino que ele iria perceber que “pé” tem esse

som e não precisaria do “só”... Então eu ignorei isso e já fui direto, aqui tem “pulem” e “pé”,

tem essa e essa, qual dos dois pode ser... Eu não fui até aquela que ele achou que podia ser

“pé”... Acho que isso aí também foi um erro, porque se ele disse que foi aquela outra, eu

tinha que continuar intervindo lá, e não na anterior...

Quadro de Pré Indicadores da ACS – episódio 2

Situação problema, né... Foi uma atividade de casa, para eles encontrarem... utilizarem

uma estratégia própria para encontrar o resultado. E aí eu fui fazer a verificação da

atividade de casa, quem fez, como fez... Só isso...

O objetivo era de que eles resolvessem o problema mesmo...

Porque a gente tinha, aliás, às vezes a gente ainda tem muito esse hábito, de fazer

continhas a partir do nada, e ali tinha um problema a ser resolvido.

Agora, eu poderia ter colocado ali alguns materiais para eles resolverem utilizando

aquele material, e não mandar logo no quadro.

Poderia. E os outros também poderiam estar fazendo naquele momento, porque aí poderia

haver esse confronto, “fulano achou tanto, você achou tanto, como você fez”... Com o

material... Acho que teria sido bem mais interessante, e eles aprenderiam mais... No caso

desse aluno, ele foi contar, contou um a mais, com o material isso não aconteceria.

E também eu fiquei prestando atenção lá e cá, lá e cá... Eu teria que estar mais centrada em

quem eu queria que, que...

Por exemplo, esse aluno não fez a atividade de casa, então nesse caso eu colocaria todos

novamente em roda para fazer com o material, “faça aí como você fez em casa”, e ficaria

com ele, que não fez... E ele já poderia também fazer com a atividade, eu levei ele ao quadro

mas ele não fez a atividade...

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Isso é um problema... Um problemão, sabia?

Aí você dá a mesma atividade, e não é a mesma atividade. Às vezes pode até ser a mesma,

mas a forma de conduzir é diferente...

Porque tem pais que vem às vezes falar, “ah, fulano ta atrasado, fulano ta adiantado”...

No caso dessa aula de matemática, ou nas aulas de português, eu sempre coloco a mesma

atividade, o mesmo texto, mas aí um vai escrever por conta o texto, de memória, outros vão

montar, outros encontrar palavras, outros vão selecionar as letras que formam tais palavras... É

a mesma atividade assim, mas não é a mesma forma.

Eu tento montar uma atividade que caiba para vários graus de aprendizagem. Agora, é

difícil, né?!

Porque é um pouco complicado. Tem uns que terminam mais rápido, mesmo se você da

um livro para ler, uma pintura, alguma coisa, eles terminam mais rápido, e já querem

fazer logo outra coisa, e eu tenho que ficar de olho também naqueles que estão menos

adiantados. Aí eu começo a ficar preocupada porque a sala começa a ficar muito bagunçada,

eu fico preocupada em dar conta daquela multidão que esta bagunçando, e acabo até

inervando o trabalho, porque eu quero terminar logo, “bora, fulano”, e fulano esta pensando

ainda e tal, quando é a hora dele resolver realmente a questão eu tenho que parar porque

alguém brigou, porque aconteceu alguma coisa, aí já vai, fecha o caderno, e fulano fica para

trás do mesmo jeito.

Aí a gente colocou como encaminhamento no conselho de classe, que tem alguns alunos

bem adiantados e outros bem menos, a gente colocou assim, 15 minutos ou 20 antes de ir

para casa, ficar com o professor, enquanto os outros brincam ou fazem alguma atividade

e tal. Mas não esta funcionando, porque eu tento fazer isso, mas quando eu vejo o tempo já

passou, os outros brincam e brigam, fazem barulho, aí eu não dou conta, atrapalha. E a criança

que esta lá também, ela fica perdida, fica agoniada, aquele barulho, todo mundo brincando e

ela lá...

Se o município tivesse condições de colocar dois professores em uma sala, aí a gente

poderia pensar diferente em relação a isso. Mas não tem! Aí eu não tenho em vista nada que

possa ajudar, a não ser um reforço no turno oposto...

Mas teria que ser também um reforço de alguém que já esta também nessa área e que entenda.

Porque tem alguns reforços por aí que não adiantam, que fazem a atividade para a criança,

copia... E tem reforços também que os professores só silabam, eles não querem saber

como a criança aprende, não querem saber nada.

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Aí acontece que alguns conseguem silabar, outros não, aí para. Aí não consegue seguir

mesmo, aí para tudo, trava

Assim, apesar de colocar nas duplas, tem critérios... A gente tem que ver. Eu não posso

também colocar um aluno que sabe, que esta num nível diferenciado, ou seja, que só conhece

as letras, mas ainda não conhece som nenhum, junto com um aluno que já esta alfabético, que

já sabe tudo, porque ele vai e faz para ele. Isso já aconteceu aqui na sala. Então eu tenho que

colocar aquele diferenciado com um que saiba um pouquinho mais, que saiu um poço

daquele nível, que esteja no quantitativo, por exemplo.

Então é isso, eles explicam um para o outro. Agora a gente também tem que pensar

nessas intervenções, o que eles devem fazer, porque as vezes um quer fazer tudo pelo

colega.

Aí elas escreveram o texto completo, sendo que uma ajudou a outra, não ficou nenhuma

parada, uma foi ditando e outra escrevendo, mas ela iam se ajudando.

Então é isso, na hora de escolher as duplas eu coloca crianças de níveis diferentes, mas

próximos. Níveis próximos. Aí funciona bem

Só que assim, às vezes é muito trabalhoso porque você tem que dar assistência a todas as

duplas ou todos os trios, e vem aquela questão de priorizar os que tem mais necessidade.

E aí quem termina primeiro vem atrás, vem a atrapalha, você esta explicando para uma dupla e

eles vem e tiram a atenção daquele que estava ali...

Mas tem ajudado.

Agora, depois desses agrupamentos eles avançaram muito.

Só que eu fico preocupada porque já esta em agosto e eles estão no qualitativo e não sei se

vão chegar a alfabéticos até o fim do ano.

É aquela questão que eu falei, do material concreto... Ahh é, eu perguntei... Dei a opção, mas

se eu estivesse com o material já ali também, talvez ele tivesse escolhido o material... E

envolveria as outras crianças...

Quadro de Pré Indicadores da ACS – episódio 3

Foi no coletivo, para... Eu queria realmente que todos ajudassem... Só que naquele momento

eu tinha intenção com essas crianças específicas...

E aí eu acredito que eles pensaram sobre, porque a gente fez a cruzadinha com ajuda, eles

foram percebendo qual letra vem, “e agora, deu para ler”, porque o mais importante também é

esse momento de “agora leiam como ficou”, porque é o momento que eles se impactam

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mais, principalmente quem está começando agora...

É porque se não os outros chegariam lá e colocariam rapidinho as respostas...

Aí com eles foi também porque eles são inquietos, não prestam muita atenção, então eles indo

na frente também tem essa coisa de que eles estando lá, ficam mais centrados lá...

Se eu deixasse cá num canto, eles nem iriam ligar, porque para eles não tem tanto

significado como para os outros, eles ainda não sabem ler nem escrever direito, eles iriam

pensar “ah, deixa lá para quem já sabe, vamos ficar brincando aqui”... Por isso eu chamo eles

para ir, para eles perceberem, e os outros ajudam.

Eles adoram participar! É uma turma assim enérgica mas bem participativa. Questionam...

Tudo eles questionam

É porque no inicio eles já foram muito, e conseguiram avançar, então agora é o momento

desses outros...

Porque você vê que alguns ficam chateados, ou começam a brincar... Mas... Esse também é

um problema, né?!

Agora, realmente eu tenho que pensar em outras atividades que eles poderiam ir mais... Para

chamar a atenção desses outros também... Porque eles estão indo menos, mesmo. Tem uma

justificativa, tem essas questões de ter que ajudar mais quem precisa mais, mas eles

acabam ficando chateados... É um problema. Não é um problemão, mas é um problema.

Porque assim, se a gente tem uma meta de alfabetizar, a gente colocou 100% das crianças,

a gente eu digo a rede, o município todo, e estou percebendo que isso está difícil... Assim, eu

já consegui bastante, mas essa minoria que está aí vai fazer o diferencial na hora de

olhar para essa porcentagem, então eu quero investir mais neles... Porque a meta é

alfabetizar todos, com qualidade, sem discriminação, essas coisas...

Não quero ficar só silabando, aí quem silaba vai e quem não silaba não vai...

Então a gente tem que ver tudo isso, porque se a gente pensar, se eu quiser fazer além agora,

eu não vou dar conta, eu tenho que pensar nesses que ainda não sabem, nessa

porcentagem.

Tem essa questão que eu já falei, que eles vieram da creche, alguns vieram sem varias

habilidades...

Tem a questão dos pais, alguns pais não tem nenhuma formação também, não estudaram,

ou estudaram muito pouco, trabalham muito, outros que acham que o papel da escola é

que deve ensinar e acabou, então não fazem o dever de casa, não ajudam, tem meninos que

chegam com o material incompleto, então isso são fatores que vão contribuindo para que

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esses alunos não avancem...

E outros chegam na escola assim... talvez porque assim eles cobram muito o livro didático, eu

sei que o livro didático só não é uma condição, mas ajuda muito, a questão das imagens e

tal... Só de falar assim: “eu tenho meu livrinho”...

Eles tem um aí que eu consegui, mas não é todo mundo que tem, eu consegui alguns na

secretaria de educação, mas não é todo mundo que tem, e esse ano não chegou o livro

didático... Então isso é uma condição que desfavorece mais ainda aqueles que já não tem

praticamente nada.

Outra coisa também é a questão da concentração na sala de aula, eu sou uma pessoa só... E

fico pensando, será que a atividade não está lúdica, não esta chamando a atenção deles...

Então pode ser também isso que contribui.

Mas eu acho que na maioria é essa questão do acompanhamento em casa... na sala tem

também a questão do pedagógico, talvez não é de qualidade assim, como eles gostariam

que fosse, mas também essa questão de em casa, o desinteresse, aí chega na escola, presta

atenção em alguma coisinha mas não acha assim tão interessante, chega em casa, leva a

atividade e o pai não da a devolutiva, tem sempre alguém que fala assim: “ah, meu pai estava

cansado, minha mãe estava cansada, não fez a atividade porque disse que pode fazer na sala

com a senhora, que essa questão aí a senhora que tem que fazer”... Então isso deixa muito a

escola sobrecarregada, eles tiram o corpo fora e a gente não da conta.

Até porque as salas são muito cheias. Alfabetização é primordial, não é? Agora coloca um

professor só para um monte de alunos, vários fatores de vida e tudo, aí a gente não dá conta.

Você vê que quando uns avançam demais, outros menos, aqueles que avançam demais

correm o risco até de regredir, porque já sabem tanto e não tem tanto desafio, fica

monótono, então tudo é um problema. Então trabalhar essa diferença é muito

complicado.

Mesmo trabalhando com grupo produtivo e tudo, é muito complicado.

Então eu acho assim, a questão das salas superlotadas, a falta de material, as condições de

trabalho, e essa questão dos pais, que jogam tudo para a escola...

E agora já tem outro encaminhamento em vista, com a professora Regina, que ela dá aula de

educação física em varias turmas, conversar com ela para ver se prioriza mais a minha

turma, não que deixe de dar para as outras turmas também, mas que priorize depois do

intervalo a minha, para que eu fique 40 minutos só com aqueles que precisam mais.

Porque se eu trago todos para a sala não dá certo.

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Acho q são 6 ou 8... Deixe eu ver... São 6. Não, são 7... Então eu tenho que ficar com esses

7, e ver o que eu posso fazer com eles, para ver se eles avançam....

Sabe que a criança está com problemas, e que isso pode estar impactando no aprendizado, mas

no final do ano você é cobrado pelo que eu determinei junto com a rede na meta.

Mas não é só por conta disso, porque é interesse realmente da escola fazer com que a

criança avance, então a gente tem que trabalhar em cima disso. Se a gente não fez nada para

que avançasse, aí fica ruim. Mas nesse meio tempo tem muita coisa que acontece...

Teve muito avanço! A coordenadora tem isso lá, ela tem um documento que a gente fez, uma

planilha, tudo direitinho, de cada aluno, como iniciou, como pensava, e como está agora no

mês de agosto. Eles estão avançando bastante.

Era para ter avançado mais, por exemplo a gente já deveria estar produzindo mais textos ,

com escrita alfabética...

A gente produz textos, mas é mais coletivo.. Eu tenho realmente investir mais na questão

da leitura e escrita para partir para a questão da produção individual. Não que eles

deixem de fazer, eles fazem, mas a ideia é que eles façam alfabético...

Tem. É que eu teria que ter colocado um banco de dados para favorecer eles... (...) Poderia

pedir que eles silabassem mesmo a palavra, para sentir, perceber o som... É, acho que eu

poderia ter feito assim...

É, eu conseguiria melhor. Mas foi interessante também...

Então foi bom, mas o banco de dados iria favorecer mais... Mas eu acho que foi legal, foi

legal..

As atividades poderiam ter sido feitas... Porque eu fiz, não é? Fiz bastante em grupos, mas

poderia ter feito mais... Poderia ter mexido mais nos grupos... Apesar de ser trabalhoso,

porque tem sempre alguém que atrapalha, mas mesmo com tudo isso ajuda, ajuda bastante.

Aquela cruzadinha, por exemplo, depois dali eu poderia ter feito o que eu não fiz, ter

voltado para o grupo em outro dia, porque se não ia ficar cansativo, e fazer a mesma

cruzadinha só para esses meninos, nos grupos, pedir aos outros que fizessem uma outra

atividade, e pedir para eles montarem, dar a quantidade de letras exatas e pedir para eles

montarem porque o desafio seria maior, e ficaria com esses no grupo com uma cruzadinha

cada um, mas eles iriam fazem em grupo. Aí eu nesse caso sairia perguntando questões para

cada um “e aí, fulano, você concorda? Por que?” Aí eles iriam aprender mais...

Eu sinto dificuldade porque eu quero fazer muito nos grupos, mas tem os outros também

que vem... Se eu pudesse estar só com esses aí, investindo, eu sei que eles estariam alem, mas

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tem essas questões de briga, de sair, o tempo todo...

Mas o grupo ajuda, ainda mais nessa turma que já tem muitos alunos alfabéticos... Ajuda

porque um vai de encontro ao outro, e explica, aí o outro começa a pensar, e vê, e

percebe que realmente é daquela forma, e avança de nível.

Eu quero fazer, eu estava falando essa semana, quero fazer mais atividades em grupos...

Nessa turma eu não tenho muito problema com alunos assim hiperativos, mas na turma da

tarde eu tenho...

Tem um menino que quando ele não vem a sala fica uma benção, mas quando ele vem é

um furdunço... Porque a mãe não sabe se ele é, se ele tem algum.... sei lá, alguma necessidade

especial... Só se sabe que ele não consegue se concentrar e bate em todos os alunos, sabe?

Tem alunos que a gente está explicando, está explicando e ele não consegue entender, e nem

ele pergunta... Ele se esforça mais não consegue aprender, a gente fica preocupado....

Ou ele aprende de um outro jeito, em outro ritmo, e a gente fica angustiado querendo

que ele aprenda logo... Porque cada um tem seu ritmo, mas eu fico preocupada: “ai meu

deus, só avançou até aqui, tem chegar até aqui”. A minha preocupação é essa. Não quer dizer

que ele não avançou, mas avança em outro ritmo, mais devagar. Esses seis mesmo estão

assim. E apesar de estarem menos avançados, eles avançaram mas cada um dentro de

um nível, ou estão no mesmo nível mas pensam diferente.

Aí essa questão das intervenções, porque eu acho muito importante em qualquer processo é

essa questão das intervenções, o que você pretende.

Antes eu tinha intenção de ajudar os alunos, quando eu trabalhava na zona rural, mas eu

não tinha esse conhecimento ainda. Então os meninos silabavam que era uma beleza,

mas os que não conseguiam logo, coitados, acabavam perdendo.

E isso por causa da falta desse planejamento do como ensinar, do que você quer fazer

com cada um, ou com cada dupla. Tem que intencionar mesmo! Porque se você não

intenciona fica aquela coisa, você lá na frente pá pá pá pá, você achando que está dando tudo

na aula, os meninos repetindo que nem uns papagainhos, e a gente achando que está fazendo e

acontecendo e não está, está discriminando, está deixando para lá, e nem está pensando.

Foi depois que eu comecei.... Depois da faculdade. Depois que comecei a faculdade. Eu

sempre gostei muito de estudar, e tudo que iam falando lá eu comecei a botar na prática.

Aí eu fui vendo isso, os níveis de aprendizagem, como fazia. Aí eu comecei a ver isso mesmo

como uma coisa da minha prática, e trouxe para a sala de aula. E funcionou bem, muita

coisa já mudou. Muita coisa mesmo.

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E agora assim, eu posso até não conseguir os 100% alfabéticos, mas muitos desses que

ainda não estão, tem condição plena de ir para uma outra série.

Agora, cabe ao professor ver o relatório individual dele, ver o que ele já sabe, o que ele já

garante, para a partir daí seguir. E às vezes aqui não acontece isso, porque tem professores

novos chegando, não estão sabendo ainda desse processo, dizem “não ta sabendo tal coisa,

tem que saber” e nem olham relatório nem nada, não olham nada, e começam do zero, e ai

muitos repetem, muitos começam a repetir.

Aí passei, coloquei no relatório, aí os professores que já estavam aqui, que já sabiam até as

atividades (...) eu elaborava as atividades junto, passava, o professor fazia, me pedia até

ajuda, os meninos avançaram (...) Já desse ano, eu não passei silábico qualitativo, passei

silábicos alfabéticos, um pouco a mais ainda, e o menino está lá do mesmo jeito, correndo o

risco de voltar. Tem que ver isso, porque se não ele vai regredir. Porque todo dia essa outra

pro me fala: “fulano não ta fazendo nada, ele não sabe nada”. Aí nas atividades nada para

favorecer para ele seguir.

E aí falar as vezes é ruim, porque você acaba conseguindo inimizade. O grupo é bom, é legal,

mas assim, quando parte para a sala de aula, quando você quer falar alguma coisa para

ajudar – muitos aqui não, porque já sabem estão estudando o processo – mas quem está

chegando agora, essas novas que estão chegando agora, se sentem ofendidas de ouvir

alguma coisa (...)Aí é a criança que perde. Mas não é maioria não, a escola já mudou muito.

E também essa questão de qualificar.... Se qualificar também. Porque esses professores que

estão chegando agora tem muito tempo fora da sala de aula, eles estavam desempregados

e o prefeito foi e empregou. Aí coloca na sala de aula. Aí eles vão querer ensinar como eles

aprenderam.

Sinto. Está fazendo um efeito grande, porque todo mundo aqui incorporou e está

trazendo isso para a sala de aula. A gente fica buscando, sabe? Se preocupa, sai daqui e vai

para a outra escola, quem vai pegar a turma, a gente vai na secretaria de educação, conversa...

Na realidade é assim, é a FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências). A gente só tem uma

aula, um dia de aula. Mas tem vários trabalhos, é uma trabalheira....

Porque a FTC na realidade ela tem material, tem tudo para ajudar, mas é um só dia de

aula, e é aula virtual, então tem gente que vai e não liga muito para a aula, porque é virtual, o

professor não está ali ao vivo, ele está só no vídeo, a gente assiste aula pelo vídeo. Mas a gente

tem material disponível.

Como antes dessa faculdade a gente já tinha iniciado, a gente fez antes seis meses de

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UEFES, e eram todos os dias, agente já estava bem, a gente tinha ótimos professores, e

aí a gente seguiu essa linha.

Como a gente já vinha naquela linha, com aquela vontade de estudar e tal, porque a

gente fazia UEFES antes, a gente seguiu.

A UEFES era ótima, menina! É a faculdade de Feira de Santana. Mas aí teve um problema

na prefeitura, que não estava pagando a UEFES, aí eles fecharam a unidade daqui.... Era

naquele prédio branco na praça, sabe? Era ótimo! Mas aí acabou porque a prefeitura não

pagou.

Agora nesse curso a gente está fazendo assim, a gente paga e a prefeitura dá a metade. Mas

não é tão boa não, como a anterior. E está uma confusão, tem um monte de problemas lá,

parece que a prefeitura também não está pagando direito a parte dela... Mas a gente não quer

desistir!

A gente já estava naquela linha da UEFES, então a gente está pegando o melhor dessa,

pegou o melhor da UEFES e está trazendo para cá, estamos estudando, então isso está

melhorando. A gente sabe que tem muita coisa que precisa mudar, mas a gente evoluiu

bastante já.

Até porque a FTC não da tantas condições para a gente. Até o espaço físico, a gente ficou

20 dias sem aula por conta do espaço físico. A prefeitura também não pagou o aluguel do

prédio, não pagou a FTC, aí a FTC ficou sem espaço, e a gente sem aula. Mas estudando em

casa.

Tem essa questão.... Trabalhar com crianças hiperativas ou especiais, surdos.... A gente tem

que mudar muito, mudar as atividades (...)Então talvez isso, dar mais atenção às crianças com

necessidades especiais, mas não sei como. Porque de qualquer forma, na sala aí eu

trabalho com crianças especiais, todos são especiais....

Mas no caso dela, especifico, eu ainda não planejei, elaborei atividades específicas para

ela, tanto quanto eu deveria. Eu fiz algumas, mas não todas que deveria. Mas mesmo

assim eu busquei, eu fui, busquei o alfabeto em libras, cores, animais, fui na internet buscar

isso...

Acho que é isso, porque no mais tudo que eu aprendo eu procuro colocar na sala de aula...

Foi muito bom! Foi importante, porque às vezes a gente vai fazendo as coisas, achando

que está tudo muito bom, e não para nem para refletir tanto.... E assim, agora foi muito

bom, porque eu comecei a perceber por exemplo nas aulas o que poderia ter sido

diferente, o que poderia ter feito.... Me fez refletir mais sobre, pensar ainda mais neles, nos

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alunos.

Fez só favorecer, porque me fez perceber “ah, naquele momento poderia ter feito tal coisa,

poderia ter sido feito assim”. Então foi muito bom!

Quadro de Indicadores e Pré Indicadores da ACS

Indicadores Pré Indicadores

E assim, teria que ser um texto conhecido, o texto

facilitaria essa leitura, a gente não poderia pegar

um texto do nada, teria que ser um texto de

memória, porque seria uma condição muito boa,

seria não, é uma condição muito boa para que o

aluno comece a despertar esse interesse em ler.

A partir daí eu trabalhei no coletivo, fiz a leitura,

cantei com eles, fiz a leitura junto com eles, e

depois chamei para eles identificarem algumas

palavras, mas antes disso a gente já tinha

trabalhado também a sequencia de perceber com

que letra começa, com que letra termina, quais

letras que devem ter tal palavra...

Atividade de leitura com parlenda:

textos conhecidos pelos alunos

facilitam a aprendizagem

Então eu já tinha feito uma sequencia, eles já

tinham brincado com essa musica, também na

aula de educação física, pulando corda, então

percebi que eles já sabiam esse texto de memória,

então apresentei esse texto de memória escrito,

para que eles percebessem esse paralelo entre

como se fala e se escreve.

Naquele momento não atingiu, né, porque é um

processo...

Reflexões críticas sobre a atividade da

parlenda Mas ele percebeu que “pé” não começa como

ele pensava, com qualquer letra. Porque ele já

sabe que se escreve com letras. No inicio eles

representavam qualquer palavra com desenhos só,

e aí agora eles já usam letras, mas eles ainda não

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conseguem selecionar quais letras, e o que eu

queria fazer com que ele percebesse, mesmo que

não tenha caído a ficha de imediato, é que a

palavra começa com uma determinada letra, e não

qualquer letra.

Aí teve um momento no “pulem de um pé só” que

ele leu “pé” e “só” junto, como uma palavra só, e

aí ao invés de pedir que ele lesse de novo e

perguntar: “e aí, você sente o som de alguma

letra?” eu nem perguntei para ver se ele iria

associar.... “tem o É, pro, termina com é”... Então

ele iria logo na hora perceber, eu imagino que ele

iria perceber que “pé” tem esse som e não

precisaria do “só”... Então eu ignorei isso e já fui

direto, aqui tem “pulem” e “pé”, tem essa e essa,

qual dos dois pode ser... Eu não fui até aquela que

ele achou que podia ser “pé”... Acho que isso aí

também foi um erro, porque se ele disse que foi

aquela outra, eu tinha que continuar

intervindo lá, e não na anterior...

E aí nesse momento eu chamei esses dois alunos

porque eles e mais uns 6 aí tem muita

dificuldade de aprendizagem. Então como eles

já sabiam o texto de memória, eu pedi que eles

fossem à lousa procurar certas palavras.

Estratégias para lidar com alunos com

dificuldades

Aí a gente colocou como encaminhamento no

conselho de classe, que tem alguns alunos bem

adiantados e outros bem menos, a gente

colocou assim, 15 minutos ou 20 antes de ir

para casa, ficar com o professor, enquanto os

outros brincam ou fazem alguma atividade e

tal. Mas não esta funcionando, porque eu tento

fazer isso, mas quando eu vejo o tempo já passou,

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os outros brincam e brigam, fazem barulho, aí eu

não dou conta, atrapalha. E a criança que esta lá

também, ela fica perdida, fica agoniada, aquele

barulho, todo mundo brincando e ela lá...

E agora já tem outro encaminhamento em vista,

com a professora Regina, que ela dá aula de

educação física em varias turmas, conversar com

ela para ver se prioriza mais a minha turma,

não que deixe de dar para as outras turmas

também, mas que priorize depois do intervalo a

minha, para que eu fique 40 minutos só com

aqueles que precisam mais. Porque se eu trago

todos para a sala não dá certo.

Tenho, porque assim, é um ajudando o outro.

Mas o grupo ajuda, ainda mais nessa turma que

já tem muitos alunos alfabéticos... Ajuda porque

um vai de encontro ao outro, e explica, aí o

outro começa a pensar, e vê, e percebe que

realmente é daquela forma, e avança de nível.

Eu quero fazer, eu estava falando essa semana,

quero fazer mais atividades em grupos...

Atividades em grupo: vantagens e

desafios

Eu sinto dificuldade porque eu quero fazer

muito nos grupos, mas tem os outros também

que vem... Se eu pudesse estar só com esses aí,

investindo, eu sei que eles estariam alem, mas tem

essas questões de briga, de sair, o tempo todo...

Repensando a prática docente: chamar

alunos com dificuldade para responder

questões na lousa

Eu faria diferente talvez não ter chamado ele

na frente aquele dia, talvez não seria o

momento... Eu faria aquele atividade com os que

já conseguem, e ele eu faria primeiro no

individual... Talvez no individual... Porque ele foi

na frente, quem sabe se ele não ficou meio

perdido porque viu que todos já estavam além

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dele.. Tem isso também... ele não gostou...

Talvez naquele dia não era o momento de ter

chamado logo esse aluno, porque ele é um dos

que tem mais dificuldade... Talvez se eu

chamasse, porque minha intenção era que ele

percebesse, talvez se eu deixasse ele no lugar

dele, e só chamasse atenção para que ele

percebesse outra criança fazendo na frente

seria mais interessante naquele dia.

Então quando vai na frente, ele se sente

importante, e ao mesmo tempo que pode se

sentir vulnerável, se sente também protegido,

porque sabe que alguém vai ajudar, porque eu

sempre peço “gente, agora vocês podem ajudar

fulano”.... Então eu acho isso interessante também

Aí com eles foi também porque eles são inquietos,

não prestam muita atenção, então eles indo na

frente também tem essa coisa de que eles

estando lá, ficam mais centrados lá...

É porque se não os outros chegariam lá e

colocariam rapidinho as respostas...

Se eu deixasse cá num canto, eles nem iriam

ligar, porque para eles não tem tanto

significado como para os outros, eles ainda não

sabem ler nem escrever direito, eles iriam pensar

“ah, deixa lá para quem já sabe, vamos ficar

brincando aqui”... Por isso eu chamo eles para

ir, para eles perceberem, e os outros ajudam.

É porque no inicio eles já foram muito, e

conseguiram avançar, então agora é o momento

desses outros...

Justificativas para a estratégia de

chamar alunos com dificuldade na

lousa

Porque você vê que alguns ficam chateados, ou

começam a brincar... Mas... Esse também é um

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problema, né?!

Agora, realmente eu tenho que pensar em outras

atividades que eles poderiam ir mais... Para

chamar a atenção desses outros também... Porque

eles estão indo menos, mesmo. Tem uma

justificativa, tem essas questões de ter que

ajudar mais quem precisa mais, mas eles

acabam ficando chateados... É um problema.

Não é um problemão, mas é um problema.

Foi no coletivo, para... Eu queria realmente que

todos ajudassem... Só que naquele momento eu

tinha intenção com essas crianças específicas...

Agora, eu poderia ter colocado ali alguns

materiais para eles resolverem utilizando

aquele material, e não mandar logo no quadro.

Poderia. E os outros também poderiam estar

fazendo naquele momento, porque aí poderia

haver esse confronto, “fulano achou tanto, você

achou tanto, como você fez”... Com o material...

Acho que teria sido bem mais interessante, e

eles aprenderiam mais... No caso desse aluno,

ele foi contar, contou um a mais, com o material

isso não aconteceria.

E também eu fiquei prestando atenção lá e cá, lá e

cá... Eu teria que estar mais centrada em quem

eu queria que, que...

Reflexão sobre a prática da correção

coletiva do dever de casa: poderia ter

disponibilizado material concreto que

ajudasse na apresentação dos

problemas resolvidos

Por exemplo, esse aluno não fez a atividade de

casa, então nesse caso eu colocaria todos

novamente em roda para fazer com o material,

“faça aí como você fez em casa”, e ficaria com

ele, que não fez... E ele já poderia também fazer

com a atividade, eu levei ele ao quadro mas ele

não fez a atividade...

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É aquela questão que eu falei, do material

concreto... Ahh é, eu perguntei... Dei a opção,

mas se eu estivesse com o material já ali

também, talvez ele tivesse escolhido o

material... E envolveria as outras crianças...

No caso dessa aula de matemática, ou nas aulas

de português, eu sempre coloco a mesma

atividade, o mesmo texto, mas aí um vai escrever

por conta o texto, de memória, outros vão montar,

outros encontrar palavras, outros vão selecionar as

letras que formam tais palavras... É a mesma

atividade assim, mas não é a mesma forma

Aí você dá a mesma atividade, e não é a mesma

atividade. Às vezes pode até ser a mesma, mas a

forma de conduzir é diferente...

Eu tento montar uma atividade que caiba para

vários graus de aprendizagem. Agora, é difícil,

né?!

Isso é um problema... Um problemão, sabia?

Você vê que quando uns avançam demais,

outros menos, aqueles que avançam demais

correm o risco até de regredir, porque já

sabem tanto e não tem tanto desafio, fica

monótono, então tudo é um problema. Então

trabalhar essa diferença é muito complicado.

Mesmo trabalhando com grupo produtivo e tudo,

é muito complicado.

Atividades diferenciadas para alunos

com diferentes ritmos de aprendizagem

Ou ele aprende de um outro jeito, em outro

ritmo, e a gente fica angustiado querendo que

ele aprenda logo... Porque cada um tem seu

ritmo, mas eu fico preocupada: “ai meu deus, só

avançou até aqui, tem chegar até aqui”. A minha

preocupação é essa. Não quer dizer que ele não

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avançou, mas avança em outro ritmo, mais

devagar. Esses seis mesmo estão assim. E apesar

de estarem menos avançados, eles avançaram

mas cada um dentro de um nível, ou estão no

mesmo nível mas pensam diferente.

Porque é um pouco complicado. Tem uns que

terminam mais rápido, mesmo se você da um

livro para ler, uma pintura, alguma coisa, eles

terminam mais rápido, e já querem fazer logo

outra coisa, e eu tenho que ficar de olho

também naqueles que estão menos adiantados.

Aí eu começo a ficar preocupada porque a sala

começa a ficar muito bagunçada, eu fico

preocupada em dar conta daquela multidão que

esta bagunçando, e acabo até inervando o

trabalho, porque eu quero terminar logo, “bora,

fulano”, e fulano esta pensando ainda e tal,

quando é a hora dele resolver realmente a questão

eu tenho que parar porque alguém brigou, porque

aconteceu alguma coisa, aí já vai, fecha o

caderno, e fulano fica para trás do mesmo jeito.

Assim, apesar de colocar nas duplas, tem

critérios... A gente tem que ver. Eu não posso

também colocar um aluno que sabe, que esta num

nível diferenciado, ou seja, que só conhece as

letras, mas ainda não conhece som nenhum, junto

com um aluno que já esta alfabético, que já sabe

tudo, porque ele vai e faz para ele. Isso já

aconteceu aqui na sala. Então eu tenho que

colocar aquele diferenciado com um que saiba

um pouquinho mais, que saiu um poço daquele

nível, que esteja no quantitativo, por exemplo.

Critérios para formação de duplas de

trabalho

Então é isso, eles explicam um para o outro.

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Agora a gente também tem que pensar nessas

intervenções, o que eles devem fazer, porque as

vezes um quer fazer tudo pelo colega.

Então é isso, na hora de escolher as duplas eu

coloca crianças de níveis diferentes, mas

próximos. Níveis próximos. Aí funciona bem

Só que assim, às vezes é muito trabalhoso

porque você tem que dar assistência a todas as

duplas ou todos os trios, e vem aquela questão

de priorizar os que tem mais necessidade. E aí

quem termina primeiro vem atrás, vem a

atrapalha, você esta explicando para uma dupla e

eles vem e tiram a atenção daquele que estava

ali...

Mas tem ajudado.

Agora, depois desses agrupamentos eles

avançaram muito.

Benefícios e dificuldades das atividades

em duplas

Aí elas escreveram o texto completo, sendo que

uma ajudou a outra, não ficou nenhuma

parada, uma foi ditando e outra escrevendo, mas

ela iam se ajudando

Só que eu fico preocupada porque já esta em

agosto e eles estão no qualitativo e não sei se

vão chegar a alfabéticos até o fim do ano.

Meta de alfabetizar todos os alunos:

ideal x realidade

Porque assim, se a gente tem uma meta de

alfabetizar, a gente colocou 100% das crianças,

a gente eu digo a rede, o município todo, e estou

percebendo que isso está difícil... Assim, eu já

consegui bastante, mas essa minoria que está aí

vai fazer o diferencial na hora de olhar para

essa porcentagem, então eu quero investir mais

neles... Porque a meta é alfabetizar todos, com

qualidade, sem discriminação, essas coisas...

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E agora assim, eu posso até não conseguir os

100% alfabéticos, mas muitos desses que ainda

não estão, tem condição plena de ir para uma

outra série.

Então a gente tem que ver tudo isso, porque se a

gente pensar, se eu quiser fazer além agora, eu

não vou dar conta, eu tenho que pensar nesses

que ainda não sabem, nessa porcentagem.

Sabe que a criança está com problemas, e que isso

pode estar impactando no aprendizado, mas no

final do ano você é cobrado pelo que eu

determinei junto com a rede na meta.

Tem a questão dos pais, alguns pais não tem

nenhuma formação também, não estudaram,

ou estudaram muito pouco, trabalham muito,

outros que acham que o papel da escola é que

deve ensinar e acabou, então não fazem o dever

de casa, não ajudam, tem meninos que chegam

com o material incompleto, então isso são fatores

que vão contribuindo para que esses alunos

não avancem...

Sobre o papel dos pais na

aprendizagem dos alunos

Mas eu acho que na maioria é essa questão do

acompanhamento em casa... na sala tem

também a questão do pedagógico, talvez não é

de qualidade assim, como eles gostariam que

fosse, mas também essa questão de em casa, o

desinteresse, aí chega na escola, presta atenção

em alguma coisinha mas não acha assim tão

interessante, chega em casa, leva a atividade e o

pai não da a devolutiva, tem sempre alguém que

fala assim: “ah, meu pai estava cansado, minha

mãe estava cansada, não fez a atividade porque

disse que pode fazer na sala com a senhora, que

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essa questão aí a senhora que tem que fazer”...

Então isso deixa muito a escola sobrecarregada,

eles tiram o corpo fora e a gente não da conta

E outros chegam na escola assim... talvez porque

assim eles cobram muito o livro didático, eu sei

que o livro didático só não é uma condição, mas

ajuda muito, a questão das imagens e tal... Só de

falar assim: “eu tenho meu livrinho”...

Falta de material didático

Eles tem um aí que eu consegui, mas não é todo

mundo que tem, eu consegui alguns na

secretaria de educação, mas não é todo mundo

que tem, e esse ano não chegou o livro didático...

Então isso é uma condição que desfavorece

mais ainda aqueles que já não tem

praticamente nada.

Até porque as salas são muito cheias.

Alfabetização é primordial, não é? Agora coloca

um professor só para um monte de alunos, vários

fatores de vida e tudo, aí a gente não dá conta.

Então eu acho assim, a questão das salas

superlotadas, a falta de material, as condições

de trabalho, e essa questão dos pais, que jogam

tudo para a escola...

Dificuldades na prática pedagógica

Se o município tivesse condições de colocar

dois professores em uma sala, aí a gente poderia

pensar diferente em relação a isso. Mas não tem!

Aí eu não tenho em vista nada que possa ajudar, a

não ser um reforço no turno oposto...

Acho q são 6 ou 8... Deixe eu ver... São 6. Não,

são 7... Então eu tenho que ficar com esses 7, e

ver o que eu posso fazer com eles, para ver se

eles avançam....

Alunos com “dificuldades de

aprendizagem”

Nessa turma eu não tenho muito problema com

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alunos assim hiperativos, mas na turma da tarde

eu tenho...

Tem um menino que quando ele não vem a sala

fica uma benção, mas quando ele vem é um

furdunço... Porque a mãe não sabe se ele é, se ele

tem algum.... sei lá, alguma necessidade

especial... Só se sabe que ele não consegue se

concentrar e bate em todos os alunos, sabe?

Tem alunos que a gente está explicando, está

explicando e ele não consegue entender, e nem ele

pergunta... Ele se esforça mais não consegue

aprender, a gente fica preocupado....

Tem essa questão.... Trabalhar com crianças

hiperativas ou especiais, surdos.... A gente tem

que mudar muito, mudar as atividades (...) Então

talvez isso, dar mais atenção às crianças com

necessidades especiais, mas não sei como.

Porque de qualquer forma, na sala aí eu

trabalho com crianças especiais, todos são

especiais....

Tem essa questão que eu já falei, que eles vieram

da creche, alguns vieram sem varias

habilidades...

Tem. É que eu teria que ter colocado um banco

de dados para favorecer eles... (...) Poderia pedir

que eles silabassem mesmo a palavra, para sentir,

perceber o som... É, acho que eu poderia ter

feito assim...

É, eu conseguiria melhor. Mas foi interessante

também...

Reflexões sobre a atividade da

cruzadinha: poderia ter

disponibilizado um banco de dados

Então foi bom, mas o banco de dados iria

favorecer mais... Mas eu acho que foi legal, foi

legal..

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As atividades poderiam ter sido feitas... Porque eu

fiz, não é? Fiz bastante em grupos, mas poderia

ter feito mais... Poderia ter mexido mais nos

grupos... Apesar de ser trabalhoso, porque tem

sempre alguém que atrapalha, mas mesmo com

tudo isso ajuda, ajuda bastante.

Aquela cruzadinha, por exemplo, depois dali eu

poderia ter feito o que eu não fiz, ter voltado

para o grupo em outro dia, porque se não ia

ficar cansativo, e fazer a mesma cruzadinha só

para esses meninos, nos grupos, pedir aos

outros que fizessem uma outra atividade, e

pedir para eles montarem, dar a quantidade de

letras exatas e pedir para eles montarem porque o

desafio seria maior, e ficaria com esses no grupo

com uma cruzadinha cada um, mas eles iriam

fazem em grupo. Aí eu nesse caso sairia

perguntando questões para cada um “e aí, fulano,

você concorda? Por que?” Aí eles iriam

aprender mais...

Aí essa questão das intervenções, porque eu acho

muito importante em qualquer processo é essa

questão das intervenções, o que você pretende.

Importância da intencionalidade na

prática docente

E isso por causa da falta desse planejamento do

como ensinar, do que você quer fazer com cada

um, ou com cada dupla. Tem que intencionar

mesmo! Porque se você não intenciona fica

aquela coisa, você lá na frente pá pá pá pá, você

achando que está dando tudo na aula, os meninos

repetindo que nem uns papagainhos, e a gente

achando que está fazendo e acontecendo e não

está, está discriminando, está deixando para lá, e

nem está pensando.

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Aí acontece que alguns conseguem silabar, outros

não, aí para. Aí não consegue seguir mesmo, aí

para tudo, trava

Antes eu tinha intenção de ajudar os alunos,

quando eu trabalhava na zona rural, mas eu não

tinha esse conhecimento ainda. Então os meninos

silabavam que era uma beleza, mas os que não

conseguiam logo, coitados, acabavam

perdendo.

Não quero ficar só silabando, aí quem silaba vai

e quem não silaba não vai...

Sobre silabação

Mas teria que ser também um reforço de alguém

que já esta também nessa área e que entenda.

Porque tem alguns reforços por aí que não

adiantam, que fazem a atividade para a criança,

copia... E tem reforços também que os

professores só silabam, eles não querem saber

como a criança aprende, não querem saber

nada.

Antes eu tinha intenção de ajudar os alunos,

quando eu trabalhava na zona rural, mas eu

não tinha esse conhecimento ainda. Então os

meninos silabavam que era uma beleza, mas os

que não conseguiam logo, coitados, acabavam

perdendo.

Foi depois que eu comecei.... Depois da

faculdade. Depois que comecei a faculdade. Eu

sempre gostei muito de estudar, e tudo que iam

falando lá eu comecei a botar na prática.

Transformações na atividade da

professora após o inicio da formação

docente: a importância da teoria como

suporte à prática em sala de aula

Aí eu fui vendo isso, os níveis de aprendizagem,

como fazia. Aí eu comecei a ver isso mesmo

como uma coisa da minha prática, e trouxe

para a sala de aula. E funcionou bem, muita

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coisa já mudou. Muita coisa mesmo.

Acho que é isso, porque no mais tudo que eu

aprendo eu procuro colocar na sala de aula...

Aí passei, coloquei no relatório, aí os professores

que já estavam aqui, que já sabiam até as

atividades (...) eu elaborava as atividades

junto, passava, o professor fazia, me pedia até

ajuda, os meninos avançaram (...) Já desse ano,

eu não passei silábico qualitativo, passei silábicos

alfabéticos, um pouco a mais ainda, e o menino

está lá do mesmo jeito, correndo o risco de voltar.

Tem que ver isso, porque se não ele vai regredir.

Porque todo dia essa outra pro me fala: “fulano

não ta fazendo nada, ele não sabe nada”. Aí nas

atividades nada para favorecer para ele seguir.

E aí falar as vezes é ruim, porque você acaba

conseguindo inimizade. O grupo é bom, é legal,

mas assim, quando parte para a sala de aula,

quando você quer falar alguma coisa para

ajudar – muitos aqui não, porque já sabem estão

estudando o processo – mas quem está chegando

agora, essas novas que estão chegando agora, se

sentem ofendidas de ouvir alguma coisa (...)Aí

é a criança que perde. Mas não é maioria não, a

escola já mudou muito.

Importância da continuidade entre o

trabalho de professoras de diferentes

séries

Agora, cabe ao professor ver o relatório

individual dele, ver o que ele já sabe, o que ele já

garante, para a partir daí seguir. E às vezes aqui

não acontece isso, porque tem professores novos

chegando, não estão sabendo ainda desse

processo, dizem “não ta sabendo tal coisa, tem

que saber” e nem olham relatório nem nada,

não olham nada, e começam do zero, e ai

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muitos repetem, muitos começam a repetir.

Assim, eu percebi que eu fico muito nervosa, né,

tenho muita ansiedade que eles aprendam

logo...

Outra coisa também é a questão da concentração

na sala de aula, eu sou uma pessoa só... E fico

pensando, será que a atividade não está lúdica,

não esta chamando a atenção deles... Então

pode ser também isso que contribui.

Era para ter avançado mais, por exemplo a

gente já deveria estar produzindo mais textos ,

com escrita alfabética...

A gente produz textos, mas é mais coletivo.. Eu

tenho realmente investir mais na questão da

leitura e escrita para partir para a questão da

produção individual. Não que eles deixem de

fazer, eles fazem, mas a ideia é que eles façam

alfabético...

Auto avaliação da prática em sala de

aula: deveria ter avançado mais

Mas no caso dela, especifico, eu ainda não

planejei, elaborei atividades específicas para

ela, tanto quanto eu deveria. Eu fiz algumas,

mas não todas que deveria. Mas mesmo assim

eu busquei, eu fui, busquei o alfabeto em libras,

cores, animais, fui na internet buscar isso...

E também essa questão de qualificar.... Se

qualificar também. Porque esses professores

que estão chegando agora tem muito tempo

fora da sala de aula, eles estavam

desempregados e o prefeito foi e empregou. Aí

coloca na sala de aula. Aí eles vão querer ensinar

como eles aprenderam.

A importância da formação

profissional no trabalho da equipe

escolar

Sinto. Está fazendo um efeito grande, porque

todo mundo aqui incorporou e está trazendo

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isso para a sala de aula. A gente fica buscando,

sabe? Se preocupa, sai daqui e vai para a outra

escola, quem vai pegar a turma, a gente vai na

secretaria de educação, conversa...

A gente já estava naquela linha da UEFES, então

a gente está pegando o melhor dessa, pegou o

melhor da UEFES e está trazendo para cá,

estamos estudando, então isso está

melhorando. A gente sabe que tem muita coisa

que precisa mudar, mas a gente evoluiu bastante

já.

Na realidade é assim, é a FTC (Faculdade de

Tecnologia e Ciências). A gente só tem uma

aula, um dia de aula. Mas tem vários

trabalhos, é uma trabalheira....

Porque a FTC na realidade ela tem material,

tem tudo para ajudar, mas é um só dia de aula,

e é aula virtual, então tem gente que vai e não

liga muito para a aula, porque é virtual, o

professor não está ali ao vivo, ele está só no

vídeo, a gente assiste aula pelo vídeo. Mas a gente

tem material disponível.

Como antes dessa faculdade a gente já tinha

iniciado, a gente fez antes seis meses de UEFES,

e eram todos os dias, a gente já estava bem, a

gente tinha ótimos professores, e aí a gente

seguiu essa linha.

Como a gente já vinha naquela linha, com

aquela vontade de estudar e tal, porque a gente

fazia UEFES antes, a gente seguiu.

Considerações sobre a formação inicial

e continuada disponibilizada no

município

A UEFES era ótima, menina! É a faculdade de

Feira de Santana. Mas aí teve um problema na

prefeitura, que não estava pagando a UEFES,

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aí eles fecharam a unidade daqui.... Era naquele

prédio branco na praça, sabe? Era ótimo! Mas aí

acabou porque a prefeitura não pagou.

Agora nesse curso a gente está fazendo assim, a

gente paga e a prefeitura dá a metade. Mas não é

tão boa não, como a anterior. E está uma

confusão, tem um monte de problemas lá, parece

que a prefeitura também não está pagando direito

a parte dela... Mas a gente não quer desistir!

Até porque a FTC não dá tantas condições para

a gente. Até o espaço físico, a gente ficou 20 dias

sem aula por conta do espaço físico. A prefeitura

também não pagou o aluguel do prédio, não

pagou a FTC, aí a FTC ficou sem espaço, e a

gente sem aula. Mas estudando em casa.

Foi muito bom! Foi importante, porque às vezes

a gente vai fazendo as coisas, achando que está

tudo muito bom, e não para nem para refletir

tanto.... E assim, agora foi muito bom, porque eu

comecei a perceber por exemplo nas aulas o

que poderia ter sido diferente, o que poderia

ter feito.... Me fez refletir mais sobre, pensar

ainda mais neles, nos alunos

Reflexões sobre o processo de

autoconfrontação simples

Fez só favorecer, porque me fez perceber “ah,

naquele momento poderia ter feito tal coisa,

poderia ter sido feito assim”. Então foi muito

bom!

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ANEXO 7

Quadro de Pré Indicadores da ACC - episódio 1

Nesse momento eu chamei exatamente esse aluno para que ele percebesse que para

escrever usava-se letras, e determinadas letras, letras selecionadas através de alguma

estratégia. Ele não reconhece ainda totalmente o alfabeto, mas ele sabia a palavra que ia

encontrar, só precisava de apoio, de condições para encontrar, só que nesse momento ele não

encontrou, porque ele está num nível diferenciado onde ele não consegue ver quantidade nem

qualidade. Ele sabe que se escreve com letras, mas não sabe quais e nem quantas.

Aí você viu que eu intervi de uma maneira que ele percebesse que PÉ começava com P, fui lá,

grifei, mas isso para ele não foi tão significativo naquele momento. A partir daí, como ele não

conseguiu, a gente foi e ajudou ele no coletivo.

Porque se eu chamasse logo de imediato os meninos que já sabem, eles já saberiam de

imediato e a gente não teria assim esse momento para ele.

É aquela parlenda “um homem bateu em minha porta e eu abri....” Nós já trabalhamos em

aula, e a professora de educação física também já trabalhou com eles, então eles conhecem de

cor. Essa atividade foi uma sequencia, e ele participou de todas, e ainda não conseguiu

naquele momento encontrar PÉ.

Em outras atividades a partir daí, eu já sabia que ele ia precisar de ajuda, aí fui até ele e ele

já conseguiu encontrar outras palavras também que a gente foi trabalhando. Mas sempre

assim com ajuda.

Quadro de Pré Indicadores da ACC - episódio 2

Na realidade eu nem escolhi. Foi uma atividade de correção da lição de casa, eu queria saber

se todos tinham feito a atividade e como resolveram. Aí como esse aluno não havia feito a

atividade, eu encontrei um momento para que ele pudesse fazer lá na frente, para depois

a gente confrontar se alguém tinha feito diferente

Só que como os meninos já tinham feito essa atividade, não era tão desafiador ficar ali, só

prestando atenção... Aí começaram a sair do lugar, ficar agoniados, já queriam logo fazer...

Participam bastante! É uma turma muito participativa. Só que assim, eles participam no

coletivo, quando é individual eles ficam perdidos.

Quando coloca em grupos, favorece porque eu coloco sempre uma questão para ter

discussão, porque eu percebo que um já sabe o número, mas o outro ainda não conhece aquele

número, aí o que já tem um conhecimento a mais já ajuda o outro.

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Nesse dia, só esse aluno disse que não tinha feito. Na verdade, tinha mais dois ou três que

também não tinham feito, mas como eles não se manifestaram eu não quis chamá-los logo

na frente, mas eu sei que aquela explicação poderia servir para eles também.

Não, isso é que dificulta, essa questão do acompanhamento (dos pais)...

Mas eles não tem apoio em casa, nas atividades... Eles teriam que ter sempre alguém ali

observando, apoiando...

Todos os dias tem alguém que fala “ah, eu não fiz por isso, não fiz por aquilo, minha mãe

ta doente, minha mãe viajou” e essas coisas assim.

Então eles não tem esse acompanhamento, e isso dificulta porque a gente precisa dessa

parceria. Você sabe, né?! A gente precisa dessa parceria. Se não tem, fica só o professor lá, se

desmiolando, e às vezes o resultado não vem como a gente quer...

Quadro de Pré Indicadores da ACC - episódio 3

Eu chamei seis, mas depois os outros começaram a levantar...

Porque assim, nessa atividade eles teriam que pensar sobre quais letras e a quantidade de

letras também, e para fazer isso eles teriam que ir ajustando, por partes, encaixando as letras.

Eu queria chamar esses meninos aí para que eles percebessem realmente a questão.

Os outros que já estavam mais avançados ficaram impacientes, e a gente também tem

que pensar em atividades que favoreçam esses... Porque geralmente quando eu vou

pensando, planejando, penso que tem pouco tempo para os outros avançarem também, esses

que ainda não avançaram tanto. E os outros que já estão mais adiante, eles querem ajudar

logo, porque eles precisam também fazer a parte deles, seguir...

Aí naquele momento eu peço para eles ficarem ali só observando porque vai chegar o

momento também deles ajudarem.

Então se eu que tenho esse conhecimento e preciso ajudar os alunos, preciso pensar

primeiro, agora, nesse momento, mais neles que estão mais atrasados e precisam de mais

investimento, e preciso elaborar também atividades para os outros.

Infelizmente essa atividade aí não foi pensada de maneira que eles ficassem lá centrados.

Eu queria que eles ficassem lá prestando atenção para depois vir auxiliar os colegas.

Até porque a questão – todas as séries eu acredito que precisaria – mas eu penso que na

alfabetização, que é uma base para depois, deveria ter uma professora ajudando, para

estar dando esse suporte, ajudar com as atividades... Porque se você está ali, para dar conta de

tudo é difícil. Você viu, eu nem tinha percebido isso, mas eu estava lá explicando e toda hora

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interrompendo: “fulano, senta e presta atenção”, aí chega alguém na porta, toda hora tem que

parar e voltar de novo. Ter esse controle é um pouco complicado.

Mas já tem uma grande maioria, graças à deus, que já está lendo, mas tem aquelas crianças ali,

que são seis, que ainda não reconhecem nem as letras. Então a gente tem que primeiro

pensar nelas

Mas tem uns que reconhecem mais ainda não saíram do nível diferenciado, ou que saíram do

diferenciado mas ainda estão no quantitativo... Mas o mais sério são esses seis.

E aí minha intenção é assim, eu já tinha até comentado que você sabe que a gente tem uma

meta ao final de cada série, e aí uma das metas foi alfabetizar 100% dos alunos. A gente

ousou, 100%. Então eu tenho que conseguir, e esses seis alunos aí vão ser uma

porcentagem altíssima e vai implicar.... E aí a minha intenção é fazer com que eles

aprendam, mas aprendam mesmo, com qualidade! Eu não quero só cumprir por cumprir,

eu quero porque eu sei que eles precisam disso para seguir para a próxima série.

Quadro de Indicadores e Pré Indicadores da ACC

Indicadores Pré Indicadores

Nesse momento eu chamei exatamente esse

aluno para que ele percebesse que para

escrever usava-se letras, e determinadas letras,

letras selecionadas através de alguma estratégia.

Ele não reconhece ainda totalmente o alfabeto,

mas ele sabia a palavra que ia encontrar, só

precisava de apoio, de condições para encontrar,

só que nesse momento ele não encontrou, porque

ele está num nível diferenciado onde ele não

consegue ver quantidade nem qualidade. Ele sabe

que se escreve com letras, mas não sabe quais e

nem quantas.

Porque se eu chamasse logo de imediato os

meninos que já sabem, eles já saberiam de

imediato e a gente não teria assim esse

momento para ele.

Justificativa da escolha de certos

alunos para ir à lousa

Na realidade eu nem escolhi. Foi uma atividade

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de correção da lição de casa, eu queria saber se

todos tinham feito a atividade e como resolveram.

Aí como esse aluno não havia feito a atividade,

eu encontrei um momento para que ele pudesse

fazer lá na frente, para depois a gente confrontar

se alguém tinha feito diferente

Nesse dia, só esse aluno disse que não tinha feito.

Na verdade, tinha mais dois ou três que também

não tinham feito, mas como eles não se

manifestaram eu não quis chamá-los logo na

frente, mas eu sei que aquela explicação

poderia servir para eles também.

Eu queria chamar esses meninos aí para que

eles percebessem realmente a questão.

Aí naquele momento eu peço para eles ficarem ali

só observando porque vai chegar o momento

também deles ajudarem.

Aí você viu que eu intervi de uma maneira que ele

percebesse que PÉ começava com P, fui lá, grifei,

mas isso para ele não foi tão significativo naquele

momento. A partir daí, como ele não conseguiu,

a gente foi e ajudou ele no coletivo.

Intervenções da professora ajudam as

crianças a conseguir desenvolver a

atividade

Em outras atividades a partir daí, eu já sabia que

ele ia precisar de ajuda, aí fui até ele e ele já

conseguiu encontrar outras palavras também que

a gente foi trabalhando. Mas sempre assim com

ajuda.

Só que como os meninos já tinham feito essa

atividade, não era tão desafiador ficar ali, só

prestando atenção... Aí começaram a sair do

lugar, ficar agoniados, já queriam logo fazer...

Os alunos mais adiantados ficam

impacientes por ter que esperar os

mais atrasados

Eu chamei seis, mas depois os outros

começaram a levantar...

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Os outros que já estavam mais avançados

ficaram impacientes, e a gente também tem

que pensar em atividades que favoreçam

esses... Porque geralmente quando eu vou

pensando, planejando, penso que tem pouco

tempo para os outros avançarem também, esses

que ainda não avançaram tanto. E os outros que já

estão mais adiante, eles querem ajudar logo,

porque eles precisam também fazer a parte

deles, seguir...

Infelizmente essa atividade aí não foi pensada

de maneira que eles ficassem lá centrados. Eu

queria que eles ficassem lá prestando atenção para

depois vir auxiliar os colegas.

Atividades em grupos: os alunos se

ajudam

Quando coloca em grupos, favorece porque eu

coloco sempre uma questão para ter discussão,

porque eu percebo que um já sabe o número, mas

o outro ainda não conhece aquele número, aí o

que já tem um conhecimento a mais já ajuda o

outro.

Não, isso é que dificulta, essa questão do

acompanhamento (dos pais)...

Mas eles não tem apoio em casa, nas

atividades... Eles teriam que ter sempre alguém

ali observando, apoiando...

Todos os dias tem alguém que fala “ah, eu não

fiz por isso, não fiz por aquilo, minha mãe ta

doente, minha mãe viajou” e essas coisas assim.

Dificuldades geradas por falta de

acompanhamento dos pais

Então eles não tem esse acompanhamento, e

isso dificulta porque a gente precisa dessa

parceria. Você sabe, né?! A gente precisa dessa

parceria. Se não tem, fica só o professor lá, se

desmiolando, e às vezes o resultado não vem

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como a gente quer...

Então se eu que tenho esse conhecimento e

preciso ajudar os alunos, preciso pensar

primeiro, agora, nesse momento, mais neles

que estão mais atrasados e precisam de mais

investimento, e preciso elaborar também

atividades para os outros.

“Preciso pensar primeiro nos que tem

mais dificuldade”

Mas já tem uma grande maioria, graças à deus,

que já está lendo, mas tem aquelas crianças ali,

que são seis, que ainda não reconhecem nem as

letras. Então a gente tem que primeiro pensar

nelas

Necessidade de ajuda: gostaria de ter

mais uma professora auxiliando na

atividades durante as aulas.

Até porque a questão – todas as séries eu acredito

que precisaria – mas eu penso que na

alfabetização, que é uma base para depois,

deveria ter uma professora ajudando, para estar

dando esse suporte, ajudar com as atividades...

Porque se você está ali, para dar conta de tudo é

difícil. Você viu, eu nem tinha percebido isso,

mas eu estava lá explicando e toda hora

interrompendo: “fulano, senta e presta atenção”,

aí chega alguém na porta, toda hora tem que parar

e voltar de novo. Ter esse controle é um pouco

complicado.

Meta de alfabetizar todos os alunos:

“não quero cumprir só por cumprir,

mas porque sei que eles precisam”

E aí minha intenção é assim, eu já tinha até

comentado que você sabe que a gente tem uma

meta ao final de cada série, e aí uma das metas

foi alfabetizar 100% dos alunos. A gente ousou,

100%. Então eu tenho que conseguir, e esses

seis alunos aí vão ser uma porcentagem

altíssima e vai implicar.... E aí a minha intenção é

fazer com que eles aprendam, mas aprendam

mesmo, com qualidade! Eu não quero só

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cumprir por cumprir, eu quero porque eu sei

que eles precisam disso para seguir para a

próxima série.


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