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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Tereza Cattacini Blois

Referenciação e humor em charges políticas

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Tereza Cattacini Blois

Referenciação e humor em charges políticas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Língua Portuguesa pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob a

orientação da Profª. Dra. Ana Rosa Ferreira Dias.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

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A Deus,

A meu marido, Luiz Alberto.

A minhas filhas, Carolina e Lígia.

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AGRADECIMENTOS

À querida orientadora, Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias, meu

profundo agradecimento, não só pela indispensável leitura e comentários

construtivos com os quais fui contemplada, mas também pelo reconfortante

apoio a mim despendido.

Meus agradecimentos também às Profª Drª Maria Lúcia da

Cunha Victório de Oliveira Andrade e Profª Drª Vanda Maria da Silva

Elias pela minuciosa leitura e observações que auxiliaram na melhoria

deste trabalho.

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RESUMO

Objetivamos, neste trabalho, identificar e analisar a referenciação como

estratégia na construção do humor em charges jornalísticas. Tais objetivos foram

motivados pela observação de charges políticas referentes ao mensalão, nas quais

encontramos a recorrência da referenciação na produção da charge, revelando assim, o

propósito comunicativo do escritor e orientando o leitor na construção de sentido.

Para atingir nosso propósito, constituímos o corpus do trabalho com onze

charges do jornal Folha de S. Paulo, selecionadas de agosto a outubro de 2012, acerca

do julgamento que foi tratado pela mídia como o maior caso de corrupção da história

política brasileira, e procedemos com a análise baseando-nos nos estudos de

referenciação tal como realizados, hoje, no campo dos estudos do texto, em uma

perspectiva sócio-cognitiva interacional bem como nos estudos do humor.

Nesta investigação, verificamos que a referenciação constitui o discurso

humorístico por meio de diferentes modalidades da linguagem possibilitando a

construção do referente na crítica da charge, e influenciando os efeitos de sentidos

promovidos pela mídia escrita.

Além disso, observamos o mensalão - que é tema das charges – e constatamos

que, na análise realizada, o referente é categorizado e recategorizado na atividade

discursiva, no qual é projetada a imagem do político, influenciando, assim, a opinião

dos leitores do jornal.

PALAVRAS-CHAVE: REFERENCIAÇÃO; HUMOR; MENSALÃO.

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ABSTRACT

This study aims to identify and analyze referencing as a strategy in building

humor in editorial cartoons. The above mentioned objectives were motivated by the

observation of political cartoons regarding the mensalão scandal, in which we found the

recurrence of referencing in cartoons creation process, thus revealing the writer’s

communicative purpose and guiding the reader in the construction of meaning.

To achieve our purpose, we built up the corpus of this study with eleven

cartoons from the newspaper Folha de S. Paulo, selected between August and October

2012, about the judgment treated by the media as the biggest corruption case in the

Brazilian political history, and we proceeded the analysis based on the referencing

studies as those performed, today, in the field of texts studies in an interactional socio-

cognitive perspective as well as on humor studies.

In this investigation, we found out that referencing builds the humorous speech

through different modalities of language, allowing the construction of the subject in the

cartoon review also influencing the meaning effects promoted by the written media.

Moreover, we have observed the mensalão - which is the main topic of the

cartoons - and we have found out through the present analysis that the subject is

classified and reclassified in the discursive activity, in which the politician image is

projected, thereby influencing the opinion of newspaper readers.

KEYWORDS: REFERENCING; HUMOR; MENSALÃO.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1

1. APRESENTAÇÃO DO CORPUS .......................................................................... 3

1.1. Angeli ................................................................................................................... 5

1.2. Contexto histórico-político: mensalão.................................................................... 6

1.3. Charge: os escândalos como critério político ....................................................... 11

2. HUMOR: UM ESTUDO INTERDISCIPLINAR ................................................ 14

2.1. Abordagem histórica: humor e seus registros históricos ....................................... 15

2.1.1. O riso grego: Aristóteles a Quintiliano .............................................................. 15

2.1.2. O riso da Idade Média à Idade Moderna ............................................................ 20

2.1.3. A Belle Époque: sua influência urbanística e humorística no Brasil ................... 24

2.1.3.1. A Belle Époque .............................................................................................. 24

2.1.3.2. O humor na Belle Époque .............................................................................. 26

2.1.3.3. O humor no Estado do Rio de Janeiro ............................................................ 27

2.1.3.4. O humor no Estado de São Paulo ................................................................... 30

2.2. O humor na Sociologia e na Política .................................................................... 31

2.3. O humor na Psicanálise ....................................................................................... 34

2.4. O humor na Linguística e no discurso .................................................................. 38

3. REFERENCIAÇÃO E INTENCIONALIDADE: PRÁTICAS

DISCURSIVAS......................................................................................................... 43

3.1. A referenciação e a intencionalidade: atividade discursiva

na construção de sentido ............................................................................................. 43

3.2. A anáfora indireta: um mecanismo referencial ..................................................... 47

3.3. Intertextualidade e interdiscursividade ................................................................. 49

3.4. Recategorização: estratégia de humor .................................................................. 52

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4. GÊNERO TEXTUAL: CHARGE ....................................................................... 56

4.1. Gênero textual: processo sociocomunicativo ........................................................ 56

4.1.1. Concepções teóricas de gênero textual .............................................................. 57

4.1.2. O conceito de gênero textual na perspectiva sócio-discursiva ............................ 58

4.1.3. O conceito de gênero como ação social em Miller, Bazerman e Marcuschi ....... 59

4.2. Gênero charge: definição e característica ............................................................. 61

4.3. A charge como crítica jornalística ........................................................................ 65

4.4. Charge: humor e crítica ....................................................................................... 67

5. ANÁLISE DO CORPUS ....................................................................................... 73

5.1. Algumas conclusões ............................................................................................ 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 88

FONTES ................................................................................................................... 90

DICIONÁRIOS ........................................................................................................ 90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 91

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho, objetivamos investigar o processo de referenciação em charges

políticas, por meio de elementos linguístico-cognitivos, para a construção dos efeitos de

humor. As bases são as concepções humorísticas e as abordagens sociocognitivas. Além

disso, mostraremos as contribuições desses elementos para a compreensão das charges

como gênero de ação social.

Os estudos sobre a referenciação, tema relevante dentro da Linguística Textual

(doravante LT), abrem muitas perspectivas para o tratamento do texto humorístico, uma

vez que, por meio dela, de um lado, o escritor concebe seu objeto de discurso, e de outro, o

leitor compreende o texto mediante a construção de sentido feita pelo escritor.

A abordagem de tal conceito se fará numa perspectiva teórica sobre a referenciação,

tratados por estudiosos europeus como Mondada & Dubois (2003 [1995]) e brasileiros

como Koch (2009[2004], 2010[2005], 2011); Marcuschi (2007,2010[2005]); Cavalcante

(2010[2005], 2010, 2012); Marquesi (2007), e analisará a questão em charges políticas,

pondo em foco a referenciação como um processo ativo de construção de referentes ou

objetos de discurso. Os autores adotam, para isso, formas linguísticas referenciais, que

promovem a introdução, a retomada e a transformação do objeto do discurso.

Diante dos desafios encontrados pela maioria dos autores ao longo dos tempos, o de

maior destaque foi estar atento às mudanças sociais e políticas que interferem na relação

entre as produções textuais e os seus prováveis leitores. Todavia, muito além do que

escrever, torna-se relevante para esses autores, saber exatamente para quem escrever, a fim

de que suas criações estimulem e compartilhem com seu público leitor. Para isso, os

autores viam no humor uma maneira de agradar aos mais variados leitores recorrendo à

sátira, à zombaria, aos chistes, às paródias, aos apontamentos falhos, aos costumes, entre

outros.

Nesse cenário, estudiosos como Bergson (2001[1900]); Travaglia (1990, 1992,

2005); Possenti (2010) entendem o humor como uma manifestação própria do ser humano;

um desvio negativo que estabelece a ordem da vida e da sociedade. O humor passa a

exercer uma função social de denuncia e crítica aos costumes e comportamentos

impróprios aos padrões morais e éticos de uma sociedade. Além desses pesquisadores,

Minois (2003), historiador francês, aborda o humor dentro de um contexto histórico e

mostra como este se transformou no decorrer dos tempos. De um riso puro e alegre para

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um riso maldoso, crítico e zombeteiro, pois estamos imersos em uma “sociedade

humorística”, na qual os meios de comunicação difundem modelos descontraídos,

personagens cheios de humor e, em que se levar a sério é falta de correção.

A fim de contribuir para essa discussão, propomos, nesta tese, analisar a

referenciação em charges políticas, corpus deste trabalho, no período do maior e mais

importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF): o mensalão, um

esquema ilegal de financiamento organizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Esta

negociata tinha como objetivo a compra de apoio político para o governo no Congresso e

ocorreu logo após a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2003. O

mensalão foi denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson numa entrevista à Folha de

S.Paulo, em 2005.

Para a análise, partimos do pressuposto de que os referentes, entendidos como

construções sociocognitivo-interacionais, podem ser introduzidos, categorizados e

recategorizados por meio dos componentes verbais e visuais. As questões que orientam

essa pesquisa são as seguintes: i) Como o processo de referenciação contribui para

construção dos referentes em charges políticas, em se tratando de um gênero textual

constituído de elementos verbais e não verbais? ii) De que forma processos referenciais

contribuem para a construção de efeitos de humor?

Nossa inferência é a de que, no gênero textual charge, a constituição de referentes

se dá sociocognitivamente na inter-relação palavra-imagem. Dessa forma, as interações

sociais não se efetivam apenas pelo verbal, mas agregam diversas modalidades de

linguagem. Além disso, ao serem recategorizados ao longo do texto, os referentes

contribuem para uma quebra de expectativa do leitor, produzindo o humor.

Para procedermos às análises dos processos referenciais em charges políticas,

recorremos aos estudos sobre gêneros textuais tratados por Bazerman (2004); Miller

(2009); Marcuschi (2011), nos quais afirmam que os gêneros textuais representam nossas

ações sociais, nossos propósitos comunicativos e nossas intenções num determinado meio

social.

Para o desenvolvimento do trabalho, propomos sua apresentação em cinco

capítulos: No capítulo 1¸ apresentamos o corpus e descrevemos os fatos sobre o mensalão.

No capítulo 2, abordamos as concepções humorísticas numa perspectiva interdisciplinar

para fundamentar a análise sobre a relação entre o processo de referenciação e produção do

humor em charges políticas. No capítulo 3, discutimos teoricamente a referenciação,

ressaltando como o verbal e o não verbal atuam na introdução, na categorização e na

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recategorização dos referentes em charges políticas. No capítulo 4, tratamos da concepção

de gênero textual como ação social. No capítulo 5, com base nos estudos realizados nos

capítulos anteriores, analisamos o processo de referenciação e produção do humor em

charges políticas.

1. APRESENTAÇÃO DO CORPUS

O corpus de análise deste trabalho é a charge jornalística cujo tema é a crise do

mensalão: esquema de propinas pagas regularmente a congressistas, com dinheiro público

desviado, para que votassem a favor do governo. Foi, provavelmente, o fato mais

investigado na história política da República Brasileira, por isso ganhou visibilidade na

sociedade.

Os escândalos políticos e denúncias de corrupção de pessoas públicas são muito

frequentes no Brasil e a ação dos meios de comunicação de massa dão aos fatos mais

popularidade e ênfase, ganhando força na opinião pública. Exemplo disso está na denúncia

de um esquema de corrupção divulgado pela revista Veja, que ganhou nova dimensão após

a entrevista do então deputado Roberto Jefferson ao jornal Folha de S. Paulo, em 6 de

junho de 2005. Daí em diante, os principais jornais diários e as revistas semanais de

informação passaram a competir por novas denúncias e evidências contra autoridades da

República, repetindo a parceria mídia/CPI que, em 1992, levou ao impeachment do

presidente Fernando Collor de Mello.

Para a seleção do corpus, acompanhamos as charges das edições da Folha de S.

Paulo no período de 02 de agosto a 29 de novembro de 2012. Após o término do

julgamento com a condenação dos vinte cinco réus do mensalão, iniciou-se, no segundo

semestre de 2013, uma nova fase. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reexaminar

as acusações e condenações contra doze pessoas, denominados embargos infringentes,

recurso previsto para os réus que tiveram quatro votos pela absolvição. José Dirceu,

Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Genoino, Marcos Valério e outros sete réus terão

direito a novo julgamento, o que pode reduzir suas penas, mas não inocentá-los.

Assim, durante o período do julgamento, recortamos os textos que tratavam da

temática sob a visão de Angeli, chargista que publica suas produções no jornal desde 1973

e, tem sido, em suas palavras, “contra o humor a favor” (Revista Veja, 2006). Dessa forma,

nesse mesmo recorte, trazemos elementos linguísticos que caracterizam os conceitos do

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humor político na imprensa ligado com as notícias de destaque durante o julgamento do

mensalão.

Na Folha de S. Paulo, no período sob análise, há espaço não só para charges sobre

o tema, mas estas são parte do caderno de Opinião. A charge ocupa o centro da parte

superior da página A-2, ao lado e/ou acima de editoriais e comentários. Ela é considerada

pelo veículo midiático a única expressão opinativa em que predomina o código visual, com

cores e humor como recursos importantes, pois cumpre o papel de chamar a atenção do

leitor.

A Folha de S. Paulo mantém dois chargistas em seus quadros profissionais, desde

1989 até os dias de hoje, dois chargistas que se revezam na criação das charges diárias. No

mesmo ano, o cartunista Glauco (1989-2010) dividiu o espaço da página com Spacca e, em

1994, com Angeli.

O jornal Folha de S. Paulo, que pertence ao Grupo Folha, foi fundado¹ em 1960,

resultado da fusão entre os periódicos Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha da Tarde.

Nessa época, ele era o segundo maior jornal de circulação do Brasil, segundo dados do

Instituto Verificador de Circulação (IVC). A circulação média diária em 2010 foi de

294.498 exemplares. Ao lado de O Globo, Correio Brasiliense e O Estado de S. Paulo, a

Folha de S. Paulo é um dos jornais mais influentes do país.

Desde meados do período do regime militar, a Folha de S. Paulo manteve posição

crítica diante dos fatos políticos, sociais e econômicos. Foi a primeira a recomendar a

publicação do impeachment do chefe do governo, Fernando Collor de Mello, consumado

em 1992. Da revelação da fraude na concorrência para a Ferrovia Norte-Sul (1985) até a

revelação de Roberto Jefferson do escândalo do mensalão (2005), ela tem estado na

vanguarda da fiscalização das autoridades e da revelação de desmandos e abusos.

Em 1986, a Folha de S. Paulo tornou-se o jornal de maior circulação em todo o

país, liderança que mantém desde então. Segundo o Datafolha², o perfil do público leitor da

Folha impressa tem como produto um relacionamento duradouro e satisfatório. A maioria

dos brasileiros avalia que o veículo traz prestígio e é essencial para entrar no mercado. O

leitor da Folha nas versões papel e digital está no topo da pirâmide social.

_____________________________________________________________________________

¹ As informações acerca das características e história do jornal foram retirados do site

http://www.wikipedia.org/wik./Folha_de_S_Paulo - acesso em 05/07/2013;

http://www.folha.uol.com.br/folha/conheça - acesso 05/07/2013.

² http://www.folha.uol.com .br /painel do leitor/leitor - acesso em 05/07/2013.

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1.1. ANGELI

Para o desenvolvimento das análises selecionamos charges políticas do cartunista

Angeli, para quem o “humor a favor” não agrada, ou seja, para ele a função do chargista e

do cartunista é “criticar, satirizar e levantar discussões, caso contrário, deixe isto para os

publicitários”.

As charges de cunho político do cartunista paulistano retrataram os presidentes da

República Federativa do Brasil e “estilo de governo”, portanto, parlamentares, juízes e

empresários foram personagens importantes de uma coletânea de charges durante o

período do maior julgamento da história republicana.

Contrário à opinião de muitos cartunistas, Angeli apresentou uma percepção crítica

acerca do governo do Presidente Lula . Fatos evidenciados na galeria de charges veiculadas

no jornal Folha de S. Paulo, em que o autor descortina episódios que permeiam o contexto

político e econômico do governo. Seu olhar crítico advém de seu posicionamento social, já

que foi ex-militante do Partido Comunista e explicitou ter encarado com desconfiança a

chegada dos petistas ao poder. Evidencia-se isso na afirmação “sempre me incomodou

aquele nariz empinado deles e aquela postura de detentores da honestidade”³.

Arnaldo Angeli Filho, conhecido como Angeli, nasceu em 31 de agosto de 1956.

Começou a desenhar aos catorze anos na revista Senhor e em 1973 foi contratado pelo

jornal Folha de S. Paulo, no qual continua até hoje. Inspirou-se no cartunista norte-

americano Robert Crumb, do qual faz a seguinte afirmação: “eu aprendi lendo Crumb”

(Revista Língua Portuguesa, ano 7, nº 83 – setembro de 2012, p.15).

________________________________

³Repotagem de Renata Peña. Contra o humor a favor. Veja on-line, São Paulo, jul.2006. Seção Perfil.

Disponível em: http://veja.abril.com.br/260706/p_100.html - Acesso em jul.2013.

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Apesar de não ser um bom aluno de Português, preocupava-se com a fala de suas

personagens e, principalmente, com a relação texto-imagem.

Antes de tudo, eu fui um péssimo aluno de Português. Na

verdade, não concluí nem o antigo primário e o ginásio. Foi

tudo muito caótico. Então, sempre tive atenção ao Português

na hora de trabalhar algum personagem, até por insegurança.

[...]. Não sei como são os outros cartunistas, mas penso tudo

junto – o texto e a imagem (grifo nosso). (Revista Língua

Portuguesa, set. 2012, p.13)

Assim, referente ao seu estilo, revela um humor agudo, crítico e engajado

socialmente como veremos na análise. Angeli, munido de pincéis e senso crítico, traça

personagens essenciais ao contexto histórico da política brasileira e seu talento é

reconhecido no que diz respeito à faceta literária e ao amadurecimento de sua obra, visto

que as personagens do autor apresentam densidade e transitam na literatura. O autor afirma

que, mesmo não tendo muita habilidade em escrever, aborda seus pensamentos sob a forma

de palavra e desenho, sendo assim sua verdadeira linguagem. (Revista Língua Portuguesa,

2012).

A seguir, apresentamos informações sobre o mensalão, para posteriormente,

procedermos à análise das charges produzidas por Angeli.

1.2. CONTEXTO HISTÓRICO – POLÍTICO: MENSALÃO

Segundo Leite (2013), mensalão foi o nome dado pela mídia a um caso de denúncia

de corrupção política mediante compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional

do Brasil entre 2005 e 2006. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo

Lula, membros do PT, de outros partidos e, em especial, empresários das áreas financeira e

publicitária. A Ação Penal de número 470, movida pelo Ministério Público no STF,

resultou no julgamento mais midiático da história brasileira e, possivelmente, do mundo. A

sociedade vigiou todos os atos dos juízes, acompanhando-os diariamente. O escândalo do

mensalão chamou a atenção tanto pela quantidade de empresas brasileiras públicas e

privadas envolvidas no esquema, quanto pelo número de pessoas públicas envolvidas.

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Em maio de 2005, a mídia apresentou o retrato acabado de como a corrupção estava

arraigada até mesmo nos cantos mais obscuros da máquina pública brasileira. Na época, o

Presidente Lula, negou conhecer qualquer prática de mensalão. Os envolvidos receberam

acusações de crimes como corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro,

gestão fraudulenta, evasão de divisas e peculato. Entre os 38 réus acusados destacam-se:

José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), José

Genoíno (ex-presidente do PT).

O neologismo mensalão é variante da palavra mensalidade, criada como referência

à mesada paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder

Executivo. Embora o termo já fosse conhecido nos bastidores da política para designar

prática ilegal, chegou à imprensa em 6 de junho de 2005 e ganhou reputação nacional após

entrevista com o deputado Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB) concedida ao jornal Folha de S. Paulo. Este denunciou pagamentos mensais de 30

mil reais realizados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, a alguns deputados da base

aliada, com o objetivo de aprovar emendas favoráveis ao governo.

A situação agravou-se quando Jefferson afirmou existir ligação de empresas estatais

e privadas no financiamento da compra de votos. Em seguida, os partidos de oposição –

Partido de Frente Liberal (PFL) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) –

convocaram uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os

Correios e em seguida outra Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para verificar as

denúncias de Jefferson sobre a compra de votos entre os parlamentares. Ele confessou

movimentação de recursos financeiros não declarados à Justiça Eleitoral (conhecido no

Brasil como “caixa dois”), utilizados para cobrir dívidas de campanhas do PT e dos

partidos aliados. Com isso, o deputado do PTB foi expulso do partido.

Além disso, o escândalo tornou-se mais abrangente quando se descobriram as

ligações do empresário Marcos Valério com o “caixa dois” da campanha petista. Em

entrevista ao Jornal Nacional da Rede Globo, Marcos Valério admitiu ter emprestado

dinheiro para as campanhas eleitorais do PT. Delúbio Soares confirmou a versão e, em 20

de julho de 2005, admitiu que fazia “caixa dois”. A imprensa classificou essas ligações de

“Valerioduto”4

__________________________________________________ 4 Significado do neologismo “Valerioduto”¸ palavra criada para identificar a rede de corrupção comandada

pelo publicitário Marcos Valério.

http://pt.wikipedia.org/wiki/ escandalo_do_mensalão - acesso em 16 de julho de 2013.

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Na revista Veja, matéria da capa “O vídeo da corrupção em Brasília”, edição de 18

de abril de 2005, divulgou-se uma fita de vídeo em que Maurício Marinho, ex-diretor do

Departamento de Contratação e Administração do Material dos Correios, negociava o

pagamento de propina com empresários interessados em participar de uma licitação.

A partir daí, sucederam-se revelações de um grande esquema que envolveria o

financiamento ilegal de campanhas eleitorais como: o chamado “caixa dois”, o repasse de

dinheiro a partidos em troca de apoio a candidatos, o desvio de verbas de empresas

públicas e a compra do voto de parlamentares em troca de um pagamento mensal, o

mensalão propriamente dito.

Segundo o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de

Souza, na denúncia oficial apresentada e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal na

época, o ex-deputado federal Roberto Jefferson estava acuado e abandonado pelos seus ex-

aliados, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava com enfoque em

dirigentes dos Correios. Após a denúncia oficial, o Procurador-Geral da República

encaminhou o processo.

Para Ferreira & Marques (Revista Veja, 18 de abril, 2012), todas as denúncias feitas

por Jefferson, aprofundam a crise no governo brasileiro e derrubam o então ministro da

Casa Civil, José Dirceu, que depois foi eleito deputado. Com isso, instalou-se uma CPI a

fim de apurar as denúncias, cujo relatório final pediu o indiciamento de mais de 100

pessoas e a cassação de dezoito parlamentares. Entre os principais, José Dirceu (PT-SP),

Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE) perderam seus mandados e também

seus direitos políticos por oito anos. Outros quatro parlamentares renunciaram para escapar

da cassação e os onze restantes foram absolvidos pelos colegas na Câmara de Deputados.

Assim, o então Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de

Souza, apresentou denúncia ao STF contra trinta e oito pessoas que, segundo ele,

participaram da “organização criminosa” do inquérito 470. As práticas incluíam lavagem

de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e corrupção. Na denúncia, o

procurador qualificou José Dirceu como o “chefe da quadrilha”. A partir disso, em agosto

de 2007, o ministro Joaquim Barbosa, relator do julgamento¸ aceitou a denúncia contra os

trinta e oito mensaleiros, que se tornaram réus no STF. O processo passou pela análise do

ministro revisor, Ricardo Lewandowski, depois de quase cinco anos.

Na edição da Revista Veja de 19 de setembro de 2012, que teve como capa “Os

segredos de Valério”, divulgou-se que o empresário mineiro Marcos Valério não tinha

nenhum cargo político, mas foi o pivô financeiro do mensalão. Ele foi condenado por

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lavagem de dinheiro e apontado como responsável pela engenharia financeira que

possibilitou ao PT montar o esquema de corrupção.

Além disso, a acusação do Ministério Público Federal sustentou que o mensalão foi

abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério, injetados

nas contas da DNA Propaganda, administrada por ele, junto ao Banco Rural e ao BMG,

que se somaram a R$ 74 milhões de reais desviados da Visanet, fundo abastecido com

dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é

subestimado, pois conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela

polícia e denunciado pelo Ministério Público.

Mais ainda, todo o controle da contabilidade cabia ao tesoureiro do partido, Delúbio

Soares, réu no processo, condenado a 8 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de

formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na

administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os

pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil,

José Dirceu.

Em dois de agosto de 2012¸ o STF, Supremo Tribunal Federal, iniciou o

julgamento dos trinta e oito nomes denunciados em 2006 pelo Procurador-Geral da

República, em crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro,

corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta e evasão de divisas.

Os onze ministros do STF, que compunham a corte, receberam todas as denúncias

feitas contra cada um dos acusados, o que os fez passar da condição de denunciados a réus

no processo criminal, devendo defender-se das acusações que lhes foram amputadas

perante a Justiça e, posteriormente, devendo ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

O processo acumulou cerca de 50 mil páginas desde que a denúncia foi apresentada

e mais de 600 testemunhas foram ouvidas. Conforme Ferreira, Folha de S. Paulo, edição

de 29 de julho de 2012, os advogados dos réus do mensalão montaram uma estratégia de

defesa em que atacariam as denúncias apresentadas contra eles pela Procuradoria-Geral da

República, como se elas fossem um “castelo de cartas”, procurando desqualificar peças-

chave do processo para fazer ruir a narrativa da acusação.

Com 53 sessões e quatro meses de duração, a Ação Penal 470 levou a um dos

julgamentos mais longos da história do Supremo Tribunal Federal. Rapidamente, o assunto

invadiu os telejornais, as primeiras páginas dos jornais e as capas das revistas. O Ministro

Joaquim Barbosa, relator do caso, tornou-se personagem conhecido nas ruas.

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O julgamento encerrou-se com 25 condenações e 13 absolvições. Um dos réus,

Luiz Gushiken, teve a sua absolvição pedida pelo próprio Procurador-Geral da República,

Roberto Gurgel, quando do início do referido julgamento. O empresário Marcos Valério

foi condenado a 40 anos e quatro meses de prisão; seu sócio, Ramon Hollerbach, a 29 anos

e sete meses; o publicitário Cristiano Paz a 25 anos e onze meses; Roberto Jefferson a 7

anos e 14 dias; João Paulo Cunha a 9 anos e 4 meses e José Dirceu foi condenado a 10

anos e 10 meses de prisão, sem que sua participação em episódios criminosos tivesse sido

demonstrada com fatos (LEITE, 2013).

Ainda, segundo esse autor, José Dirceu foi considerado pelo Procurador-Geral, o

“chefe da quadrilha”, mas não surgiram fatos objetivos para sustentar essa visão. Além

disso, o principal indício contra José Genoíno, condenado a seis anos e onze meses de

prisão, era ter assinado pedidos de falsos empréstimos em nome do partido que presidia.

Para o autor, antes do início do julgamento, os advogados de defesa estavam mais

otimistas, pois julgavam ser possível contar com uma bancada de ministros convencidos de

que a denúncia não possuía provas consistentes para condenar réus de maior importância

política, mas essa visão foi mal calculada, pois contavam com votos que não vieram a seu

favor. Um deles era Luiz Fux, o primeiro ministro indicado por Dilma Rousseff para

integrar o STF.

Por envolver sócios de bancos, ministros e políticos, o julgamento permitiu que a

condenação de personalidades públicas fosse associada a uma vitória inédita sobre a

corrupção e, mais importante, a um esforço para mostrar que os ricos e poderosos agora

não estão a salvo da justiça.

O julgamento da Ação Penal 470 condenou sócios e executivos do Banco Rural e

das agências de publicidade ligados de forma permanente ao esquema financeiro do PT.

Leite (2013) aponta que o ministro José Dirceu foi condenado há 10 anos e 10 meses,

enquanto que outro, Luiz Gushiken (ex-ministro da Secretaria de Comunicação da

Presidência da República), sentou-se no banco dos réus antes de ser absolvido Isso nunca

havia acontecido (sic).

A CPI apontou empresas privadas que contribuíram com R$ 200 milhões para as

empresas de Marcos Valério e nenhum desses executivos foi indiciado na Ação Penal 470.

O autor ressalta, sem desmerecer o caso, que esse tratamento mostra a manutenção de um

comportamento convencional, ou seja, as autoridades acusadas como corruptas foram

julgadas e condenadas, mas se manteve uma postura de tolerância em relação a possíveis

corruptores, que têm poder para tentar enganar o Estado a seus interesses.

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Ainda segundo Leite (2013, p. 147), se houvesse responsabilidade política para

corrigir as imensas imperfeições e desvios, isso já teria sido feito, “mas sempre que surge

essa oportunidade, ela é barrada por falta de interesse político, pois é mais interessante tirar

proveito de uma denúncia do que procurar a origem dos erros”, afirma. A partir disso, o

autor afirma que o mais recente projeto eleitoral, elaborado pelo deputado Henrique

Fontana, do PT gaúcho, foi sabotado pela oposição no ano passado e previa o

financiamento público exclusivo de campanha que proíbe a ação dos corruptos na

distribuição de verbas para os partidos. Não há lei capaz de impedir a prática de crimes,

mas uma boa legislação pode desestimular as más práticas.

1.3. CHARGE: OS ESCÂNDALOS COMO CRITÉRIO POLÍTICO

Os escândalos políticos midiáticos são eventos que implicam a revelação, por meio

de gêneros textuais e da mídia, de atividades previamente ocultadas e moralmente

desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências. Segundo Thompson (2002,

p.23), em nossa sociedade midiática, “o escândalo é um evento central, já que afeta as

fontes concretas do poder”, pois o poder, nos regimes democráticos eleitorais, submetidos

à pressão da opinião pública, está ligado à reputação moral. Além disso, hoje, o escândalo

torna-se quase onipresente, não por conta de uma pretensa redução da qualidade dos líderes

políticos, mas por causa das transformações de sua visibilidade pública (cf.THOMPSON,

2002).

O autor afirma que houve uma expansão da mídia e uma mudança na cultura

jornalística nas décadas de 1960 e 1970, quando uma “renovada ênfase na reportagem

investigativa” rompeu as barreiras que impediam a divulgação de determinados segredos

de poder. Consequentemente, os delitos financeiros (corrupção e desvio de verbas) e os

escândalos de poder envolvendo o abuso de autoridade por parte de funcionários públicos,

começaram a ganhar destaque na mídia em geral.

Desse modo, podemos observar que não bastava à denúncia pertencer a um quadro

de noticiabilidade (assunto possível de ser transformado em notícia), precisava ainda que

outros veículos considerassem aquele episódio um evento com alto valor de notícia, ou

seja, sustentasse a importância daquele acontecimento diante dos outros temas possíveis de

se tornarem públicos. Nesse caso, é preciso considerar o aspecto moral, que envolve os

episódios de transgressão política como um importante fator de valorização desses

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acontecimentos em notícia. A crise de 2005, primeiramente tratava da corrupção no

governo Lula (Correios). A atitude imoral de um funcionário recebendo propina de

empresários, logo se transformou num escândalo de maior proporção, ao trazer à tona a

denúncia de compra de votos supostamente praticada pelo partido do governo e por figuras

importantes ligadas ao presidente Lula. Estava em jogo, portanto, um importante fator de

apelo noticioso, a quebra de expectativa ética e moral em relação ao PT e a Lula, e mais

ainda, a questão imoral relacionada ao comportamento inadequado de atores políticos, que

historicamente tinham sua imagem associada à defesa da ética na política. Com base nas

concepções de Thompson (2002), a imprensa recorre, mais do que nunca, à característica

moral do evento como um forte critério de noticiabilidade que os atores políticos, por sua

vez, souberam vocalizar.

Os escândalos políticos, entre os quais se incluem a corrupção individual e

sistemática, constituem uma das principais matérias-primas do jornalismo político

moderno, pois são explorados pela mídia por conta do valor da notícia, ou seja, porque

simplesmente dá mais audiência e vende mais jornal. Além disso, um dos principais papéis

do jornalismo é fiscalizar o sistema político, o governo, partidos e políticos. Assim, por

meio de gêneros textuais como a charge, a mídia impressa assume a função de vigiar e

denunciar atos e comportamentos abusivos aos interesses dos cidadãos e da sociedade. Os

escândalos ganham uma proporção muito grande, conforme a gravidade das acusações que

se referem às ações ou aos acontecimentos que implicam transgressões de valores, normas

ou códigos morais que, revelados, motivam reações e respostas públicas. Tais

transgressões tornam-se matéria prima para os chargistas cujo compromisso é desmascarar

por meio de suas produções humorísticas. Na esfera política, em geral, os escândalos estão

associados à corrupção e ao suborno político. Além do mensalão que atingiu seriamente o

PT e o governo Lula, os casos “Collorgate”, que teve a renúncia do então presidente

Fernando Collor, e o suposto “mar de lama” do segundo governo Vargas, cujo final trágico

foi seu suicídio, foram os três maiores escândalos políticos da nossa história republicana5

__________________________________

5 http://www.muco.com.br/index.php?option=com_wrapper&view – acesso em 16 de julho 2013.

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Segundo Thompson (2002), o escândalo é sempre um caso público, pois implica

uma transgressão de valores morais, tornando-o um importante objeto de estudo por

diversos motivos, como a quantidade de parlamentares envolvidos, bem como o tempo e o

espaço dados pelos veículos de comunicação ao assunto. Nesse espaço, declarações e

depoimentos têm um peso equivalente àqueles dos inquéritos policiais, porque se trabalha

com a noção de verdade, capaz de construir ou arruinar reputações e imagens. Como leva

um tempo considerável para se desenvolver, o escândalo exige um local cuja regularidade

garanta não só sua permanência na esfera de visibilidade pública, mas represente

durabilidade. Assim, é preciso que o escândalo esteja em destaque pelo maior período

possível sem, contudo, que a periodicidade diária canse o leitor. Para isso o gênero charge,

com todo o seu aspecto visual e verbal e sua localização estratégica no jornal, busca

contribuir, por meio do humor, na permanência do assunto sem causar desinteresse no

leitor. Ao traçar uma teoria do escândalo político midiático, Thompson destaca como o uso

contemporâneo da mídia transformou a conduta dos líderes políticos e a vida política em

geral. Os escândalos políticos são ruins para aqueles homens que almejam o poder, pois

perdem a cota de confiabilidade depositada nele e a sua reputação e confiança estão sempre

em jogo.

Dessa forma, torna-se importante entender a atribuição de significados aos

acontecimentos por meio dos recursos linguísticos e o papel da mídia impressa na

construção das representações públicas sobre eventos. No nosso caso, é crucial perceber

quais foram os enquadramentos feitos pelo jornal Folha de S. Paulo durante o período do

julgamento do mensalão, por meio das charges, para assim correlacionar as características

desses enquadramentos com a recepção das notícias pelo grande público. Pretendemos

então, analisar características que sejam capazes de direcionar uma construção de

significados por meio da construção e reconstrução do referente e levar à compreensão da

leitura e dos efeitos de humor no gênero charge.

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2. HUMOR: UM ESTUDO INTERDISCIPLINAR

Por que rimos? Há muitas respostas, dependendo da área de conhecimento que o

toma por objeto de estudo. O riso tem uma qualidade universal, pois independentemente da

cultura todos reagem a ele da mesma forma. Não importa se a língua é completamente

diferente, se a pessoa é da Mongólia, se é um aborígine australiano ou se é um índio tupi, o

que importa é que o riso é sempre muito parecido, uma reação física a um estímulo mental.

Mas que estímulo mental é esse que nos faz reagir fisicamente de uma forma tão

característica?

Apesar do humor ser largamente estudado, teorizado e discutido por filósofos e

outros, permanece extraordinariamente impossível formular uma definição única, pois, é

uma das chaves para a compreensão de culturas, religiões e costumes da sociedade num

sentido mais amplo, sendo um elemento vital da condição humana. O homem é o único

animal que ri, e através dos tempos a maneira humana de sorrir modifica-se acompanhando

os costumes e correntes de pensamento.

O riso pode ter um conceito filosófico, histórico, sociológico e psicológico ao

mesmo tempo. Do ponto de vista filosófico, o riso é algo que não se vê facilmente, por ser

uma propriedade natural do homem; do histórico, o riso percorre no tempo, desencadeando

denominações e evoluindo, desde que o animal risível tem memória; do sociológico, o riso

exerce uma função social, revelando que em cada sociedade haveria um espaço para sua

expressão e as relações jocosas exprimem uma necessidade de relaxar ante as restrições da

vida cotidiana; e por fim, do psicológico, o riso nos causa prazer decorrente da

possibilidade de pensar sem as obrigações da educação intelectual.

Dessa forma, observamos que o riso oferece um valor de liberdade, de correção em

relação às pressões sociais, ou seja, o humor nos permite romper com o automatismo que a

vida em sociedade cristaliza em nós. Portanto, pretendemos abordar neste capítulo os

aspectos mencionados a fim de que possamos compreender o universo do riso e do cômico.

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2.1. ABORDAGEM HISTÓRICA: HUMOR E SEUS REGISTROS HISTÓRICOS

2.1.1 O RISO GREGO: DE ARISTÓTELES A QUINTILIANO

O riso na Antiguidade manifesta a alegria de viver, a confiança no futuro e o

combate contra os poderes da morte. Segundo Minois (2003, p.23), “os mitos gregos dizem

que os deuses riem, e em pouco tempo ri-se com os deuses”, ou seja, não há desvios da

moralidade e da dignidade humana, o riso é a marca da vida divina. Ele é nos mitos gregos,

verdadeiramente, alegre e positivo para os deuses, mas nos homens, nunca é alegria pura; a

morte sempre está por perto, e essa intuição do nada desencadeia o riso.

Desse modo, consideramos que o riso na civilização grega é sem obstáculos: a

violência, a deformidade e a sexualidade desencadeiam crises que não têm nenhuma

afeição moral. É o caso desta estranha história de Deméter e de Baudo, um episódio

excluído dos estudos clássicos pela preocupação em preservar a dignidade da humanidade.

Segundo esse mito, a deusa Deméter, tendo perdido o riso, chega a Elêusis, na casa de

Baubo, que lhe oferece o kykeon, mistura de água, farinha e menta. Mas Deméter recusa, e

Baubo, para fazê-la rir, emprega outros meios: “Falando assim, ela levantou sua roupa e

mostrou todo o corpo, de forma indecente. Havia a criança, Iaco, que ria sob as saias de

Baubo. Ele agitava a mão. Então, a deusa sorriu de coração, e aceitou a taça brilhante de

kykeon” (MINOIS, 2003, p.23).

Outro tipo de riso surge nessa época, o riso “sardônico”, ou seja, um riso sarcástico

ou forçado. Isso aparece na Odisséia, de Homero: Ulisses, afastando-se de um projétil

lançado por Ctésipo, “sorri, mas com aquele riso sardônico do homem ferido”6. Esse riso

não exprime alegria, mas expressa a ideia de sofrimento pessoal, de ameaça contra o outro,

de frieza da maldade e da morte. Segundo Minois, “mitos e lendas da Grécia fazem do riso

sardônico uma força que ultrapassa o ser humano” (p.29).

____________________

6- Odisséia, XX, p.301.

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Assim, percebemos que o riso e a alegria são totalmente alheios um ao outro; mas,

o riso e a morte fazem uma boa parceria. Essa parceria leva os gregos a confirmar, com

outros exemplos históricos, que, mesmo para os mais sérios, a vida é apenas um caso de

zombaria.

Outra manifestação do riso mitológico é o riso da festa, que são situações de riso

coletivo e organizado. A sociedade tinha necessidade de organizar essas comemorações

festivas para que pudessem estar em contato com o mundo divino por meio do riso. E ele

serve para manter a proteção e o critério dos deuses, simulando o retorno à ordem da

criação do mundo. O deboche, a agitação, os gritos, as zombarias, o vaivém de

brincadeiras grosseiras e as danças constituem os primeiros desmandos de palavra. Além

disso, as inversões de papéis sociais eram muito comuns nessas festas: escravos

desfrutavam grande liberdade, podiam até fazer-se servir pelos senhores, que eles

repreendiam; escravos tornavam-se reis cômicos etc. A desordem é geral, ocasionando os

excessos do cotidiano e a ruptura com as atividades sociais. A partir disso, nasce a inversão

como uma das características do riso presente nas teorias modernas.

Consequentemente, notamos que a desordem nos papéis da sociedade surge sob a

forma do riso. E, o riso e a zombaria aparecem como necessários à manutenção da ordem

social. Essas inversões de papéis na sociedade mostram como o homem tem necessidade

de despojar-se de sua combatividade natural. Todo esse jogo de ilusões faz surgir a

comédia e a tragédia no teatro grego arcaico. Personagens irreais, companheiros de

Dionísio7, seres devassos, exibem sua animalidade que se traduz pelo riso e que vem

quebrar a solenidade trágica e abalar o sério (MINOIS, 2003).

_____________________________________

7 Dionísio era o deus grego equivalente ao deus Romano Baco, dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da

insânia, mas, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. (PT.wikipedia.org/wiki/Dionísio)

acessado em 10/10/2012.

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Desse modo, riso para Aristófanes (Baudin, 1994, apud Minois, 2003), dramaturgo

grego, que viveu em Atenas entre 448 e 380 a C., manteve-se fiel ao vínculo com o instinto

de agressão. Ou seja, sua comédia é uma forma de insulto contra os homens políticos,

como se fosse um ritual de inversão, de vida política às avessas.

Dentro de uma atmosfera política, religiosa e cultural tensa, no fim do século V

a.C., Aristófanes é pressionado para que moderasse seu riso, pois gera um certo

desconforto e desrespeito às autoridades que representam o povo. Os políticos atenienses

não admitiam ser expostos ao ridículo. A democracia não tolera a zombaria, porque não se

deve rir do representante do povo. A partir disso, o uso do riso na vida pública passou a ser

submetido às regras respeitáveis. Mas, essas regras não eram aceitas pelos filósofos que

abordavam o assunto, de forma apaixonada, tomando partido a favor do riso, posto que o

mesmo era considerado um método e um estilo de vida. Os filósofos tinham duas

concepções fundamentais do ser humano: o cômico e o sério.

Segundo Minois (2003, p.61), “o cômico aplica-se às vaidades e às inquietações do

homem”. O homem se expõe, inutilmente, aos seus vícios e defeitos e tenta, sem cessar,

possuir bens materiais cada vez mais, visando a ter por ter. Isso o leva ao ridículo,

tornando-se alvo fácil do riso.

Dentro dessas concepções fundamentais do humano, Sócrates assevera que o objeto

do riso é definido como um vício que se opõe diretamente à recomendação do oráculo de

Delfos: “conhece-te a ti mesmo”, ou seja, aqueles que se desconhecem são vítimas de

ilusão em relação a si mesmo. É cômico, portanto, os fracos que se imaginam fortes, sábios

e ricos, enquanto os fortes e os poderosos que se acham mais sábios, mais ricos do que na

verdade são, não se tornam objetos do riso. Assim, segundo Minois (2003, p.62), “o riso é

a sabedoria, e filosofar é aprender a rir”. A peripécia humana é ridícula, e só se pode rir

dela. O cômico é o resultado da incompetência do homem de se conhecer e conhecer o

mundo. Nada merece ser levado a sério, já que é ilusão e aparência. Portanto, o riso torna-

se um instrumento de correção das fraquezas do homem e o leva a reencontrar os valores

autênticos e reais.

Para Aristóteles, segundo Minois, o riso faz parte da natureza humana, ou seja, “o

homem é o único animal que ri”, conceito que atravessa os séculos seguintes com

autoridade. Na Poética ressalta que o cômico degrada o homem, enquanto a tragédia o

engrandece, ou seja, o cômico é negativo, porque revela os defeitos e vícios do homem

sem piedade, enquanto a tragédia exalta o homem nobre e forte, por meio da epopeia, da

arte, da música. Essa exclusividade aparece no capítulo cinco da Poética. A comédia é

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representação ou imitação de “pessoas inferiores”; contudo, ela não cobre todo o tipo de

defeito: o cômico é uma forma do vergonhoso, pois ele é um certo erro ou sinal de

vergonha que não envolve dor ou morte, como é evidente no caso da máscara da comédia:

ela é feia e distorcida, mas não envolve dor.

Em suma, o riso aristotélico é um instrumento moral (zombando dos vícios) que

desorienta os erros pela ironia e é um atrativo para a vida social pela jocosidade. Na

Retórica de Aristóteles, a troca de letras em uma palavra e a troca de palavras em um verso

são recursos cômicos do discurso. Esse jogo de palavras perde o efeito do riso quando não

são interpretados os seus dois sentidos no mesmo momento em que é dita. Ainda, segundo

Aristóteles, outro recurso para o riso é o fator surpresa, ou seja, a palavra modificada pela

troca de letra produz um efeito diferente do esperado, gerando, assim, uma surpresa no

leitor.

Platão segue as mesmas concepções de Aristóteles quando afirma que o riso não

pertence ao mundo divino, mas pertence ao domínio desprezível da espécie humana. É

justo zombar dos vícios e defeitos morais, sem piedade, e utilizar da ironia sutil para

desvendar as falsas verdades. O riso para Platão advém da dualidade de sentimentos, isto é,

é um riso malévolo que combina bem e mal; prazer e inveja. Rimos do ridículo de nossos

semelhantes causados pela inveja e o riso é o resultado prazeroso desse sentimento próprio

do ser humano. Na política, o riso para Platão é absolutamente proibido, pois os homens

sérios e dignos estão isentos de zombarias.

Outro filósofo que se aproxima das concepções de Aristóteles em sua oratória é

Cícero que afirma existir dois gêneros do risível. O primeiro consiste no risível sustentado

na alegria e no tom de jovialidade ao longo de todo o discurso; e, o segundo, no risível que

escapa em rápidas piadas no dito malicioso ou sarcástico. Portanto, novamente, o cômico é

alguma imoralidade, alguma deformidade física, e o meio mais poderoso de desencadear o

riso.

Desse modo, Cícero se torna favorável ao riso na oratória, pois o enunciador, cujo

objetivo é fazer rir, torna-se cativante ao auditório, desperta sua atenção, desvia-a,

confunde o adversário, enfraquece-o e intimida-o. Ou seja, atrai sua atenção para o ridículo

e para a deformidade moral, provocando o riso por meio do rebaixamento.

Ainda dentro das concepções teóricas de Cícero (1966 apud ALBERTI, 2002.), há

duas espécies cômicas: uma consiste nas “coisas” e a outra nas “palavras”. A primeira

sobressai à ideia promovida pelo caráter, pelo gesto, pela voz a qual se sustenta na

caricatura, nos traços irônicos presentes nas anedotas e nos contos engraçados inventados;

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e o segundo, o cômico das palavras, registra as figuras de estilo, como a metáfora e a

antítese, a ambiguidade ou trocadilho, a palavra inesperada que surpreende o interlocutor, a

aproximação fonética das palavras com sentido diferentes, o jogo das palavras e as

paródias. Portanto, compreendemos que o riso é um meio, um instrumento que serve para

persuadir, para atacar, para denunciar, isto é, tudo aquilo que se quer dizer e não se pode

dizer é permitido por entre o riso.

Dentro do contexto da retórica, das teorias de Cícero e de Aristóteles, surge

Quintiliano, que com eles, interage ao definir sua teoria do riso. Segundo Alberti, o riso de

Quintiliano é extraído do homem, de seu próximo ou dos fatos neutros do dia a dia, o qual

é revelado ora por meio das ações que provocamos, ora pelas palavras que dizemos. No

entanto, aborda a importância das paixões estarem presentes no discurso, a fim de seduzir o

interlocutor por meio da comicidade.

Quintiliano (1977 apud ALBERTI, 2002) afirma que o homem é o objeto do riso e

estabelece a divisão entre nós mesmos e os outros, ou seja, o riso é extraído do homem por

meio de uma distração, de um fingimento, comparado ao predomínio do riso do outro, seja

o riso dos amigos que se desconhecem, seja o riso da personagem inferior das comédias,

seja ainda o riso do adversário. Portanto, o que nos faz rir é aquilo que foge do discurso

sério, das coisas honestas, das qualidades sérias. Isso se torna verossímil quando Cícero

afirma que o riso é aquilo que é baixo e torpe, e, para Aristóteles, o que nos faz rir é aquilo

que não nos leva ao choro nem ao arrepio e nem à piedade.

Em suma, as concepções do riso grego nos trazem um itinerário quase completo, do

qual as épocas seguintes só farão ilustrar uma ou outra etapa. Os mitos gregos contam

como o riso vindo dos Deuses apareceu como meio de controlar os instintos animais, tais

como o medo e a agressividade; e como uma reação de proteção diante da nossa

consciência moral. Esses mitos ritualizados nas festas aparecem, posteriormente, no teatro

cômico, que faz transição com o cotidiano vivido que reina até os primórdios do próximo

século.

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2.1.2. O RISO DA IDADE MÉDIA À IDADE MODERNA

Se, como vimos, para os filósofos e estudiosos da Antiguidade o riso é um traço

que distinguia o homem de outros animais (o homem é o único animal que ri), para a

teologia medieval o riso é o que distingue o homem de Deus. O fato de que nenhuma

passagem bíblica atesta o riso de Cristo reforça a aproximação do riso ao pecado. Assim

sendo, sob a ótica medieval, o riso é, portanto, condenável (ALBERTI, 2002).

Minois (2003, p.112) afirma que “o riso aparece na história cristã quando o pecado

original é cometido e, consequentemente, tudo se desequilibra, e o riso aparece”. Portanto,

o riso está ligado às imperfeições humanas e, ao mesmo tempo, é um consolo para escapar

das angústias e das frustrações impostas pela nossa própria essência. É essa falha entre a

existência e a essência que provoca o riso, essa defasagem permanente entre o que somos e

o que deveríamos ser.

Assim, diante de uma sociedade estática com pouca mobilidade social e cultural,

caracterizada por uma economia ruralizada e enfraquecida e por uma supremacia da Igreja

Católica, o riso se infiltra por todas as imperfeições humanas. É uma constatação de

consolo, de uma conduta de compensação, para escapar ao desespero e à angústia. Dessa

forma, por meio da comédia, que foi excluída dos domínios da igreja, o riso torna-se a

principal cultura popular da época. A visão cômica, fora dos domínios das autoridades,

ganha liderança e liberdade extraordinária, ou seja, é uma vitória sobre o medo. Ela se

manifesta em forma de ritos e espetáculos, tais como Carnaval e peças cômicas

desenvolvendo um vocabulário familiar e grosseiro.

Embora as pressões sociais e religiosas fossem constantes na época, o riso não

perdeu sua essência. Por meio das festas carnavalescas, o povo representa a própria vida,

parodiando-a e invertendo-a. Essa vida representada por intermédio do riso corresponde à

libertação definitiva em relação às normas, aos valores e às hierarquias. E, por fim, esse

riso é ambivalente, ou seja, é alegre, transborda de alegria, mas também é zombeteiro,

sarcástico; ele nega e afirma ao mesmo tempo. Tais gêneros visam a denunciar a

exploração da simplicidade e da ingenuidade popular. O rei e os grandes são

ridicularizados.

Dessa forma, a essência cômica na vida popular medieval é o grotesco ou o

rebaixamento. O que se percebe, tanto no indivíduo como no mundo e na sociedade é a

constante permanência do instinto da satisfação, do prazer pela grosseria, pelo insulto, e

pela vontade subversiva de baixeza. Essa visão cômica está ligada à libertação, às

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restrições impostas pela sociedade. Na festa carnavalesca, inverte-se, zomba-se de tudo

aquilo que é proibido, tornando o riso não individual, mas também coletivo, social e

universal.

No século XVI, o riso surge para censurar os vícios e os pecados, pois se acreditava

que ridicularizar alguém seria uma forma de corrigi-lo. Nesse sentido todos os

comportamentos extravagantes, que feriam os padrões morais, eram vícios potencialmente

cômicos. Na verdade tais atitudes refletem a concepção aristotélica segundo a qual

qualquer marca constrangedora, desde que não envolva dor, torna as pessoas ridículas.

É, pois, apenas em 1579, com a publicação do Tratado do riso, contendo sua

essência, suas causas e seus maravilhosos efeitos, curiosamente pesquisados, refletidos e

observados, que Laurent Joubert, médico e conselheiro do rei, analisa cientificamente a

filosofia do riso, que ele considera uma paixão, e a avalia como sendo a causa intrínseca do

riso. Os comentários de Alberti (2002, p.81) sobre tal obra revelam como o autor buscou

aliar uma concepção clássica do riso, o riso como paixão, ao espírito cientificista, típico da

Renascença:

Apesar de outros textos da Renascença se ocuparem do assunto, o livro é sem dúvida um dos mais significativos, além de

provavelmente o único em francês (e não em latim) no período. O

riso interessa a Joubert, e a outros autores da época, do ponto de vista da medicina, o que pressupunha, naquele universo, o

conhecimento não só dos órgãos do corpo, mas também das

faculdades da alma (ALBERTI, 2002, p.81).

Na realidade, segundo indicação de Alberti (op.cit., p.86), Joubert buscou explicar

o “circuito do riso” como “a matéria risível penetra na alma através dos sentidos da

audição e da visão e é prontamente transportado para o coração, sede das paixões, onde

desencadeia um movimento próprio à paixão do riso, que se estende para todo o diafragma,

o peito, a voz, a face, os membros, enfim, para todo o corpo”.

A partir disso, é nessa época que surge a caricatura, advinda das paixões como

forma de satirizar o indivíduo, seja político, seja religioso, etc. Uma das paixões

predominante da época era a vaidade, pois os cidadãos preocupavam-se muito com a

aparência, tornando o rosto um revelador de seu caráter e de sua personalidade. Só no fim

do século, a caricatura educa-se e se domestica na Itália pelo verdadeiro fundador: Annibal

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Carrache (1560-1609), criador de uma escola de arte em Bolonha. Suas obras eram

confeccionadas por puro prazer e lazer, transformando-se em verdadeiras obras de arte que

provocavam o riso.

Assim, no fim do século XVI e início do século XVII, técnicas humorísticas

surgem, além da caricatura, cujos objetivos eram ridicularizar e denegrir as coisas

diabólicas e as superstições da igreja. Tais técnicas fazem ressoar o riso de todas as formas:

sarcástico, caricatural, irônico, grotesco, de rebaixamento, etc.

O século XVIII, por sua vez, foi o século em que o riso era menos compreendido

devido ao grande racionalismo, portanto a presença do riso de zombaria, de escárnio se

intensifica tanto no povo como nas elites - o que revela a ascensão de valores sociais e

políticos. A partir disso, o riso de zombaria torna-se alvo privilegiado na organização

social da época. Os cômicos da geração incidem sobre vícios e defeitos individuais para

preservar o corpo social e político. Desse modo, o riso vem trazer a segurança em relação

ao medo do outro ou ao medo dos outros por meio da ironia que denuncia as falsas

verdades.

No século XIX, a sátira e a caricatura aumentaram as brechas dos governos

monárquicos autoritários e participaram nas lutas sociais, políticas e econômicas. A vida

política se expande de forma caótica em direção à democracia, fazendo com que o riso

ganhe terreno por meio da sátira política. As discussões parlamentares, o início da

democracia, a liberdade de expressão criam condições ideias para um debate de opiniões

em que a ironia é chamada a desempenhar um papel essencial.

A caricatura atribui de maneira concreta, pelo desenho, um valor degenerado à

personagem do adversário. Constrói imagens negativas de uma sociedade sonhada,

rebaixando valores desajustados na política, na nobreza e no clero. Nessa época eram

comuns as humilhações ao clero, mostrando monges e bispos em posturas obscenas. Já na

política, grandes caricaturistas ingleses e franceses despertavam o espírito público contra

aqueles que eram inimigos da liberdade e da República.

Segundo Minois (2003, p.471), “a caricatura se expande por toda a Europa,

aprimorando-se nos procedimentos litográficos e revelando uma deformação grotesca da

visão do mundo”. Ela põe em evidência aqueles que se desviam das normas, provocando a

queda dos que estão em situações privilegiadas. Além disso, a sátira política assume um

caráter de desafio e pode, assim, contribuir para a tolerância dos abusos. No fim do século

XIX, a sátira política aprofunda-se com a liberdade de imprensa, levando a caricatura

também a ampliar seus alvos para expressar certa visão de mundo.

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Esses pressupostos teóricos dos séculos XVIII e XIX têm bastante proximidade

com algumas formas de pensar o riso recorrente em textos do século XX, seja porque a

incongruência cômica pode ter um olhar mais próximo do real que a da congruência séria,

seja porque durante a história, o homem ri, sobretudo, do contraste da deformidade quando

esse riso é necessário para corrigir os vícios e os defeitos e reajustar o mundo à ordem

natural e verdadeira (ALBERTI, 2002).

Segundo a teoria do riso de Schopenhauer (1988 apud ALBERT, 2002), o riso está

na incongruência das formas de representação pelas quais o homem apreende o mundo.

Todas as manifestações do mundo são da ordem da representação, e não há objeto sem

sujeito. Assim, algo só é cômico na medida em que o observador ri dele; não havendo o

sujeito não há o cômico. O riso está naquele que ri e não no objeto do riso.

Desse modo, observamos que a passagem do sério para o riso ocorre do

aparecimento de uma incongruência inesperada que revela o fracasso da razão em

apreender a realidade. A causa desencadeadora desse processo seria uma perda de controle

e, consequentemente, a quebra de uma expectativa. Isso acontece, por exemplo, quando

somos surpreendidos com alguma impossibilidade lógica que tomamos como natural, ou

quando somos tentados por ideias irrelevantes, ou quando são geradas expectativas que

conduzem a um impasse, ou quando somos persuadidos a aceitar o que aparentemente é

inaceitável.

Assim sendo, no domínio da charge política que é o foco do trabalho, o riso

zombeteiro exerce uma atividade social de denúncia, porque os dirigentes políticos

impõem-se de importantes, mentem, enganam, traficam, roubam, desviam, brutalizam os

mais fracos, a pretexto de darem lições de moral. Esse riso nomeia todos esses políticos

que, sob a fachada da democracia, só pensam na própria carreira, conforme veremos

adiante. Assim, a função do riso é de denúncia, visando ao confronto com a norma, a

excluir os desviantes e os inovadores para manter a ordem social.

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2.1.3. A BELLE ÉPOQUE: SUA INFLUÊNCIA URBANÍSTICA E HUMORÍSTICA

NO BRASIL

2.1.3.1. A Belle Époque

Vista mais como um estado espiritual do que algo mais preciso e concreto, a Belle

Époque é compreendida como um momento de trajetória francesa com início no fim do

século XIX, estendendo-se até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Observada

como uma época de transformações, avanços e paz presentes no território francês, o

cenário cultural e artístico nesse país floresce, e o belo se destaca nos mais amplos

estabelecimentos e requintes estruturais e filosóficos da época. Esse período também é

marcado por novas descobertas e tecnologias submetidas ao nascimento do

Impressionismo e da Art Nouveau. (NEEDELL, 1993)

Com os avanços tecnológicos, vivia-se um tempo de prosperidade, que mudou os

hábitos e os modos de viver no mundo ocidental. A imprensa consolidava-se como uma

das instituições essenciais da esfera pública e as revistas ilustradas passaram a integrar um

conjunto de formas expressivas típicas do mundo burguês, ampliando o circuito da

comunicação artística e intelectual para além dos espaços tradicionais, como as academias

e os salões.

A partir disso, no início de 1860, o aprimoramento das técnicas de impressão e a

crescente aceitação dessas publicações na sociedade, revelaram-se um importante

instrumento de propaganda política, especialmente quando os movimentos de contestação

à tradição imperial exigiram alternativas externas dos espaços formais da política,

ocupadas hegemonicamente pelos conservadores.

No Brasil, a Belle Époque tem início em 1889, com a Proclamação da República, e

vai até 1922, quando explode o Movimento Modernista, com a realização da Semana da

Arte Moderna. Tal época foi marcada por profundas transformações culturais e sociais

decorrentes das mudanças políticas e econômicas que se traduziram em novos modos de

pensar e viver o cotidiano.

A Belle Époque carioca inicia-se com a subida de Campos Sales, segundo

presidente paulista, ao poder em 1898 e a recuperação da tranquilidade sob a proteção das

elites regionais. Aspectos característicos da Belle Époque carioca se manifestaram a partir

da base política criada por Campos Sales em quatro anos e legada ao seu sucessor,

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Rodrigues Alves (1848-1919), que propõe a reforma do porto que era fundamental para

atrair a imigração, o capital estrangeiro e o comércio europeu. O embelezamento e o

saneamento da cidade do Rio de Janeiro foram prioridades durante seu mandato.

Assim, Rodrigues Alves nomeia Pereira Passos, engenheiro do Ministério do

Império, para a prefeitura, encarregando-o de implementar reformas urbanísticas. Houve

enorme influência das grandes obras de Paris nas reformas do Rio. Documentos do

engenheiro e publicações da época ressaltam a importância de Georges Eugène

Haussmann, conhecido por Barão Haussmann, “o artista demolidor”, que foi prefeito e

responsável pela reforma de Paris.

Dessa forma, estabelece-se como sinônimo da Belle Époque o afrancesamento do

Rio de Janeiro. Além disso, nada melhor para expressar a Belle Époque carioca do que a

nova Avenida Central, composta de edifícios públicos, prédios como o do Jornal do

Commércio, Teatro Municipal (1909 - Imagem 01 e 02), o Palácio Monroe (1906), a

Biblioteca Nacional (1910) e a Escola Nacional de Belas Artes (1908). Atraíam a atenção

do público com suas construções de caráter eclético da arquitetura da École des Beaux-

Arts. Abaixo, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil, de 18 de Julho

de 1909, sobre a noite da inauguração do Teatro Municipal e na página seguinte, a imagem

do teatro após a inauguração:

Imagem 01

Fonte: Imagem01 - http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?blogid=57&archive=2008-

07&catid=146(acesso em 10/10/2012)

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Imagem 02

Fonte:

Imagem 02 - http://rio-curioso.blogspot.com.br/2009/10/theatro-municipal-inauguracao.html

(acesso em 10/10/2012)

2.1.3.2 O Humor na Belle Époque

À luz das transformações culturais tão enfatizadas principalmente na Região

Sudeste, precisamente no Estado do Rio de Janeiro, inspirações humorísticas brotavam aos

olhos dos escritores nesse momento tão crucial da história brasileira. Podemos supor, dessa

forma, que é por meio do humor que a Belle Époque poderia mirar-se aos olhos do público

da época para compensar um momento de desvario e de loucura, introduzidos na vida

cotidiana nesse período. As pessoas, incertas pela perspectiva do futuro e com a imprecisão

quanto à administração política, apesar de haver algumas delas ainda iludidas com a ideia

do novo, amparavam-se no humor a fim de que, mesmo temporariamente, tivessem

motivos para esquecer os problemas do cotidiano.

Entretanto, mais do que um mero manifesto artístico, alguns autores visavam às

criações de representações humorísticas que tinham por objetivo desmascarar o real, pois,

como dito, ainda era claro o impacto dos conflitos políticos. Essa época incentivou uma

grande produção cômica, toda ela voltada para as rixas e para os rancores pessoais das

mais diversas representações políticas-sociais.

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2.1.3.3 O Humor no Estado do Rio de Janeiro

Tentar demarcar no tempo o período exato em que há o surgimento dos primeiros

manifestos humorísticos seria um trabalho impreciso baseado em meros levantamentos e

questionamentos vagos. Entretanto, ao delimitarmos os Estados que mais foram

influenciados pela Belle Époque, teríamos então de explicar como o humor era tratado em

São Paulo e no Rio de Janeiro.

No Estado carioca, nomes como Pardal Mallet, Lúcio de Mendonça, Paula Nei,

Artur Azevedo e José do Patrocínio, utilizavam-se da “desilusão republicana” para

produzir textos satíricos sob a forma de crônicas, romances e contos publicados

primeiramente em rodapés de jornais ou pequenos pasquins semanais, folhetos cômicos do

período regencial até o surgimento das primeiras revistas ilustradas, que começaram a

proliferar graças ao desenvolvimento da impressão e reprodução (SALIBA, 2002)

Assim, influenciados pelos impasses políticos e sob influência das mudanças

trazidas pelo afrancesamento da Belle Époque, a geração dos primeiros humoristas no

início do século XX preocupava-se em descobrir qual seria a figura que representaria a real

identidade brasileira nesse período histórico (ver imagem 03). O escritor Monteiro Lobato,

em 1924, lança Jéca Tatuzinho, inicialmente com o intuito de promover os produtos do

laboratório do amigo Cândido Fontoura (Laboratório Fontoura Serpe & Cia), cuja imagem

representa o protótipo do homem paulista tendo perdurado tal título pelos anos

subsequentes.

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Imagem 03

Fonte: http://www.brasilcultura.com.br/literatura/monteiro-lobato-jeca-tatuzinho - acesso

em 27/04/2009.

Nessa mesma época, as primeiras revistas ganham o gosto do povo, pois suas

edições se preocupavam em veicular aquilo que atendia aos interesses do público leitor.

Esse contato mais direto com os leitores possibilitou, aos poucos, a novos escritores, uma

relação mais próxima com o leitor do que aquela ligada ao consumo do livro. As seções

humorísticas ganham espaços também nos jornais, acompanhando a propagação da

caricatura em busca dos estereótipos sociais. A seguir, seguem-se algumas imagens

(imagem 04 e 05) presentes na revista Fon-Fon, uma das primeiras revistas em circulação,

cujo nome nada mais era do que uma onomatopeia da buzina de um carro, já representando

as mudanças tecnológicas:

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Imagem 04

Fonte: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm Gravura: K.Lixto, 13 de abril de 1907. Acesso em 10/10/2012.

Imagem 05

“ Monarquia – Não é por falar mal mas, com franqueza, eu esperava outra coisa.

República - Eu também.”

Fonte: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm

Gravura: K. Lixto, 13 de Novembro de 1913. Acesso em 10/10/2012.

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A imagem 04 retrata a vida social da elite burguesa no contexto da Belle Époque, e

a representação das mudanças tecnológicas, como os automóveis, a moda nos bailes, a

aviação, etc., que eram materiais para essas revistas. Enquanto, na imagem 05, observamos

um contraste entre a República dos sonhos e a real; com isso a imagem cívica da mulher

perdeu sua importância e passou a ser debochada junto com a República, por meio dos

caricaturistas em seus periódicos.

2.1.3.4 O humor no Estado de São Paulo

De maneira mais ambígua, São Paulo também vivenciou a tensão expressa pela

Belle Époque e toda a sua influência urbanística e cultural; entretanto, os traços da

inovação europeia foram mais marcantes no Rio de Janeiro. Na construção do humor, não

havia necessariamente as preocupações da procura incansável do modelo estereotipado ou

da representação brasileira tal como visto pelos escritores cariocas. Ao contrário desses

escritores, os paulistas estavam bem mais distantes das instituições de legitimação literária.

Foram raros os autores que se utilizaram dos sonetos como forma de expressão humorística

e, quando o fizeram, foi para mostrar, por meio da paródia, o inconformismo e o

distanciamento em relação às escolas literárias.

Os registros mais significativos em São Paulo no início do século XX foram as

crônicas, os poemas, os romances, os jornais e, em maior escala e proliferação, as revistas

semanais. As revistas tiveram maior circulação em São Paulo, pois acompanhavam o

crescimento urbano da cidade e as rápidas transformações sociais. Nesse contexto, a

representação irônica era observável pela coletividade e não na característica

individualizada, tal como no Rio de Janeiro. Os alvos e os focos de sarcasmo e ironia eram

órgãos públicos, a expansão do comércio ou certos costumes vigentes nessa época.

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Imagem 06

O tônico do pobre

Emoção do chicote. (A cigarra – 1916)

Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/(acesso em 10/10/2012)

A charge presente na figura 06 (Revista “A Cigarra”, de 1916) é um trocadilho

perspicaz com o famoso tônico “Emulsão de Scott”, com o intuito de criticar o elevado

preço dos remédios, utilizando-se ironicamente da figura da “melhoria do corpo”, também

tão focado pelo famoso Biotônico Fontoura.

2.2– O HUMOR NA SOCIOLOGIA E NA POLÍTICA

Como uma das atividades da faculdade humana, o humor surge da interação social

em que a sua propagação depende do diálogo entre os interlocutores. Mais do que o

simples fazer rir, como observado em Travaglia (1990, p.72), o humor “é uma espécie de

arma de denúncia” em cuja intencionalidade discursiva utiliza-se da comicidade para

apontar e satirizar os vícios e os desvios das realidades naturais, flagrando os inúmeros

acontecimentos aparentemente estranhos aos costumes de um dado período histórico. O

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riso surge da difamação de algo em que alguém ou uma dada situação é alvo de

perseguição sarcástica aparentemente inocente. Só é possível utilizar-se do efeito do

engraçado como uma espécie de estratégia de rebaixamento se a causa provém da ruptura

da realidade da época em que se vive.

Para Bergson (2001), a comicidade está ligada ao homem, ou seja, ao estudarmos o

riso, enfocamos uma manifestação própria do ser humano. Desse modo, por ser acoplado

ao homem e ao sabermos que ele é um ser social, reconhecemos que o humor está

relacionado à sociedade e à cultura de certo grupo. Além de tudo, o riso e o cômico são

para Bergson, respectivamente, um desvio negativo que restabelece a ordem da vida e da

sociedade.

Ainda de acordo com os fundamentos de Bergson, podemos afirmar que a

comicidade não pode ser percebida isoladamente, ela necessita do outro para perceber seu

efeito. Assim, afirma, que o riso é sempre o riso de um grupo.

Segundo Pirandello (1908 apud SALIBA, 2002), o cômico nasce de uma percepção

do contrário visto como um recurso desfamiliar, em que um dado assunto é passível, sim,

de controvérsias e diferentes pontos de vista manifestados num determinado grupo social.

Trata-se, pois, da oposição, segundo Possenti (2010) entre o discurso politicamente

“correto” e o “incorreto” em que o primeiro é visto como permitido e, o segundo, como o

que deve ser reprimido ou proibido. Dessa forma, constatamos que o efeito de humor

advém da criticidade como traço constante, onde o riso seria a correção.

À vista disso, o riso ganha uma função social, pois rimos para restabelecer os

elementos vivos que compõem a própria sociedade. Não se trata mais, como nas teorias

clássicas, de descobrir a “essência” do risível, pois, afinal, é na sociedade que se acha a

resposta, e não na natureza humana (SALIBA, 2002).

Para Bergson, a vida e a sociedade exigem de nós uma vigilância constante de

nossas ações para que estejamos em incessante adaptação, submetidos a forças

complementares de tensão e elasticidade que a vida nos mobiliza.

Portanto, Bergson (2001, p.15) afirma:

A comicidade nasce no momento preciso em que a sociedade e a pessoa, libertas dessa pressão social de conservação, por meio da

rigidez do corpo, do espírito e do caráter, caem numa zona neutra

em que o homem serve simplesmente de espetáculo ao homem.

Consequentemente, o riso é uma ação social que vem confirmar um comportamento

ameaçado pela ligação do grupo. Esse comportamento é a “rigidez das ações”, que traduz

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uma mecanização da atitude. Tal rigidez, seja de caráter, de espírito ou de corpo é suspeita

para a sociedade, porque é sinal de uma conduta que se separa do centro comum em torno

do qual a sociedade compartilha do sério.

A partir disso, lembremos-nos da teoria de Bergson: o cômico é “o mecânico

aplicado sobre o vivo”. Ela se aplica tanto ao comportamento humano quanto aos

fenômenos naturais que poderiam ser reduzidos ao mecânico. Bergson ilustra isso com a

história de uma senhora a quem Cassini convida para observar um eclipse. Como chega

atrasada, ela declara abertamente: “Senhor Cassini, poderia recomeçá-lo para mim”? O

automatismo do comportamento é fonte do cômico (abid.,p.33).

O vivo tem valor de fundamento em relação ao mundo, à sociedade e à conduta

humana. E como já foi dito, a sociedade e a vida exigem do homem uma constante

adaptação, submetido às forças de tensão e elasticidade que a vida coloca em jogo.

Assim, segundo o mesmo autor, quando essas forças faltam ao corpo, surgem as

moléstias físicas; quando faltam ao espírito, surgem problemas psíquicos; e, quando elas

faltam ao caráter, surge a inadaptação à vida social. A ausência de adaptação e de mudança

constitui o mecânico, ou seja, uma espécie de desvio em relação ao que é visto como

natural. Essa teoria só ganha sentido na medida em que o riso adquire uma função social.

Gostaríamos ainda de acrescentar que as representações humorísticas provêm de

um esforço admirável em desmascarar o real, de captar o “não dito”, de surpreender o

engano ilusório dos gestos estáveis e de recolher, enfim, as sobras das temporalidades que

a história, no seu constructo racional¸ foi deixando para trás. Isso nos leva a crer que o

humor político é altamente dependente do contexto, tornando, assim, o riso uma espécie de

zombaria social cuja intenção é humilhar e, ao mesmo tempo, corrigir, sem que haja

quaisquer vestígios de pena e piedade.

Como nos recorda Bergson (2001, p.4), “o humor não se manifesta por si só”. O

humor é compartilhado por um determinado grupo de pessoas em que um assunto é

difamado ou rebaixado mediante algum apontamento falho que justifique a ocorrência de

um acontecimento ou de uma pessoa alvo desse apontamento.

Dos fatores destacáveis mais comuns em um dado contexto social, enfocamos os

tipos estereotipados historicamente e socialmente. Obviamente, o tema que mais sofre

recorrência estereotipada, já há tempos, é a do político corrupto, falso e manipulador.

Em vista do exposto, podemos indagar como as representações humorísticas

buscavam resolver impasses característicos à sociedade, que voltavam à tona num

momento crítico de reajustamento social e político. Foi por meio dos registros cômicos que

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foi possível, de forma privilegiada, representar as condições, as possibilidades e as

vivências de um período histórico.

A visão do que é adequado ou não, observável nas contribuições teóricas aqui

citadas, já ocorria no início do século passado, principalmente quando a divulgação

humorística se dava por meio de alguns impressos. Todavia, o maldizer estereotipado teria

o devido amparo por meio das charges e caricaturas, desde que inserido na ideia da

“brincadeira” partilhada.

2.3 O HUMOR NA PSICANÁLISE

Freud (1905, p.141) afirma que a produção de prazer promovida pelo chiste

“corresponde à despesa psíquica que é economizada”. Essa economia na despesa psíquica

é relativa à inibição, ou à supressão, o que parece ser o segredo para a obtenção do prazer.

Portanto, observamos que o humor é um processo de defesa contra qualquer dor ou mal,

psíquico ou moral e nos permite liberar um desgaste emocional, e é isso que estabelece o

prazer que ele propicia. Esse prazer é decorrente da possibilidade de pensar sem as

obrigações impostas pela educação intelectual, propiciando àquele que ri manter a sua

saúde física e mental, enquanto aquele que não ri se enfraquece.

Para Freud, há duas fontes do prazer nos chistes. Primeiramente, o jogo de palavras,

que corresponde aos chistes verbais, provoca-nos prazer porque nos libera do esforço

necessário à utilização de seu significado literal. Ele suscita a ligação rápida de dois

campos semânticos separados, cuja apreensão usual exigiria muito esforço. O prazer que

resulta disso é a economia de energia que fazemos no curso do pensamento. Segundo, o

jogo de pensamento, que corresponde aos chistes conceptuais, surge duma supressão muito

enérgica e o prazer que se pode produzir decorre apenas da suspensão de uma inibição.

Além disso, Freud defende que o humor é um escape libertador de tensão, muito

semelhante aos sonhos: liberta instintos e desejos sexuais e agressivos, socialmente

reprovados e reprimidos. Assim, a tensão gerada pela repressão social desses instintos é

simbolicamente liberada por meio das piadas e anedotas. É como se ríssemos para

descarregar um excesso de energia causada pela inibição, proporcionando prazer e alívio.

Portanto, mediante acontecimentos e transformações históricas, políticas e sociais,

compreendemos que o riso é um riso de alívio, porque concebe uma sensação de superação

e dominação recorrentes dessas transformações. Por isso, o riso exerce uma função

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importante de excluir pela zombaria aqueles que são diferentes diante das perdas

acumuladas pela humanidade ao longo do século.

Dessa forma, o riso no domínio da psicanálise é sempre visto como uma economia

de energia e descarga de tensão, liberando o estresse e exercendo sobre o comportamento

social do homem uma influência análoga a da responsabilidade moral. No entanto, o riso e

a zombaria constituem instrumentos de sobrevivência psíquica, pois atuam contra a

angústia e contra os vícios da sociedade.

Segundo Minois (2003, p.526), “o humor impede o desencadeamento do afeto

penoso, permite-nos economizar em desgaste afetivo, e é nisso que reside o prazer que ele

proporciona”, isto é, o humor não procura diminuir da consciência o ato penoso, mas

transforma em prazer a energia já acumulada de um desgaste afetivo. Portanto, percebemos

como o humor tem algo de sublime e de elevado que se prende, evidentemente, ao eu que

se recusa a admitir que os traumas do mundo exterior consigam tocá-lo, mas também ele

faz perceber que eles até podem causar-lhe prazer.

Dentro dessa concepção de defesa psíquica contra a dor, Freud afirma que o humor

é a arma mais sublime que permite controlar o eu, mantendo a saúde psíquica e o

equilíbrio, e, além disso, é fonte de prazer que se afirma apesar de realidades exteriores

desfavoráveis.

Diremos, então, que o prazer e o relaxamento são efeitos do riso cuja finalidade é a

correção dos falsos entusiasmos ou das falsas grandezas; é a correção de pequenos vícios e

defeitos que são próprios da espécie humana.

Freud (1905, p.163) afirma que “o objetivo de conseguir prazer deve ser

reconhecido como motivo suficiente da elaboração do chiste”, ou seja, a elaboração do

chiste não está à disposição de todos, mas apenas daqueles que dispõem de uma

capacidade especial e que esteja desvinculada do interesse intelectual consciente que

impossibilita o efeito do chiste. Portanto, Freud concorda com Schopenhauer quando

define chiste como “algo cômico de um ponto de vista inteiramente subjetivo”, isto é, algo

de nossa autoria e que se liga a nossa atitude como tal, mantendo sempre uma relação com

o sujeito e não com o objeto.

Além disso, Freud (1905, p.169) considera que “o prazer que o chiste produz é mais

evidente na terceira pessoa que no criador do chiste”, isto é, o ouvinte evidencia seu prazer

com uma explosão do riso, desencadeando uma descarga de energia psíquica. Entretanto,

outra condição que leva ao mesmo resultado, pode ser percebida na primeira pessoa de um

chiste, quando se executa a elaboração do chiste com certa força que interrompe a inibição.

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Isso, sem dúvida, resulta em prazer para si mesmo. Assim, observamos que essa relação do

sujeito e do objeto do riso é indispensável a fim de que possa alcançar os propósitos de

desnudamento e de relaxamento das tensões impostas pela sociedade. Portanto, a

elaboração do chiste é deduzida da produção do prazer, resultante da paralisação da

inibição.

Em relação à definição de Bergson (2001) de que o riso provém do mecânico

aplicado sobre o vivo, Freud (1905, p.178) também destaca que o riso é, de fato, “o

produto de um processo automático tornado possível apenas pelo descarte de nossa atenção

consciente”, ou seja, isso se relaciona com o comportamento humano que por meio de uma

simples distração descarta a rigidez provocada pela constante adaptação que o homem é

submetido pela sociedade e pela vida.

A fim de esclarecer exatamente como funciona, em termos técnicos o chiste, Freud

(1905, p.141) se debruça sobre aquilo que chama de “técnica do chiste” que constitui

fontes de prazer. De início, Freud usa como exemplo o trocadilho “familionarmente”,

referente à união das palavras “familiar” e “milionário”, retirado de um texto de Heine. No

texto, um dos personagens faz uso desse trocadilho sagazmente ao referir-se ao tipo de

relação que mantinha com um conhecido barão. Para descobrir o efeito de humor no chiste

é só “desmontar” o objeto chistoso e observar se mesmo desconstruído ele continua dotado

das características que o fazem risível.

O exemplo que Freud utiliza trata de uma condensação de palavras, de forma que

quando as duas palavras em questão são separadas uma da outra, o sentido mantém-se, mas

o caráter espirituoso da frase se reduz a nada, sendo assim, tratava-se de um chiste

expresso através da forma. Desse modo, originam-se duas classes distintas, mas

complementares, de chiste: o chiste verbal e o chiste conceptual, ou seja, ou o chiste se dá

na forma do objeto que lhe é portador, ou o chiste se dá na ideia expressa na frase.

(FREUD, 1905, p.31).

Voltando ao exemplo citado, Freud afirma que, nesse caso, a técnica usada para se

obter o chiste é a de condensação com substituição. O resultado, portanto, é a união de dois

elementos em um só novo elemento, aquela resultando compreensão em seu contexto e

reconhecida como plena de sentido, é o veículo do efeito do riso no chiste.

Observemos ainda que essa técnica de condensação não necessariamente se dá

exclusivamente por meio de uma estrutura composta de palavras, mas pode ocorrer uma

ligeira modificação na palavra que origina o chiste. Para isso, Freud cita o exemplo na

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frase “Viajei com ele tête-à-bête”. Nada mais fácil que a redução desse chiste que,

claramente, significa: “Viajei com X tête-à-tête, e X é uma besta” (Freud, 1905, p.39).

Disso, Freud (1905, p.42) esclarece que “a brevidade dos chistes é frequentemente

o resultado de um processo particular que deixa um segundo vestígio na verbalização do

chiste – a formação de um substituto”. Essa brevidade, ou ligeireza, mesmo nos trabalhos

que precederam Freud, sempre foi considerada uma das características fundamentais do

chiste.

Outra maneira de se obter um chiste verbal é por meio do trocadilho, uma das

técnicas mais conhecidas e banalizadas. Para Freud (1905, p.61), “os trocadilhos

pertencem à forma mais baixa de chiste verbal”, isto é, elaborado com menor dificuldade.

Para um trocadilho basta que dois significados se lembrem de um ao outro por meio de

alguma vaga semelhança.

Além disso, Freud analisa também a categoria que ele denomina de chiste

conceptual. Trata-se de um tipo – ao contrário do chiste verbal – que se dá menos no jogo

de palavras, no trocadilho, na modificação de palavras, e mais no domínio das ideias e do

processo mental que constitui o chiste. Diversas são as técnicas desse chiste conceptual,

mas aquela que nos interessa para futura análise deste trabalho é a técnica por

representação indireta chamada alusão. O chiste conceptual por alusão se dá por meio de

uma exteriorização de algo que não pode ser expresso diretamente, ou seja, alguma coisa é

sugerida, mas não dita diretamente. Ou, em outras palavras, essa técnica funciona a partir

de uma inferência que é rejeitada pela lógica e, finalmente, o sujeito liberto do pensamento

racional pode rir do que lhe causava tensão.

Além dessas duas grandes classes de chistes – chiste verbal e chiste conceptual –

há outras duas categorias trazidas à luz por Freud: aquilo que chama de chistes inocentes,

ou abstratos, e chistes tendenciosos. Para Freud (1905, p.109), o chiste inocente é aquele

que “contém o fim em si mesmo, não servindo a um objetivo particular”, ou seja, no chiste

inocente a explosão do riso se dá basicamente por meio das técnicas nele empregadas, por

isso ele é mais facilmente identificável. Já, os chistes tendenciosos servem para um fim,

sendo portadores de um conteúdo comprometido, constituídos de uma agressão que se

conquista por gargalhadas e são empregados para propósitos definidos.

Freud (1905, p.123) afirma que os chistes nos permitem explorar no adversário algo

de ridículo que não poderíamos tratar abertamente, devido a obstáculos no percurso. Para

ele, “o chiste evitará as restrições e abrirá fontes de prazer que se tinham tornado

inacessíveis”. Assim sendo, os chistes tendenciosos, contrários dos inocentes, são usados,

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preferencialmente, para tornar viável a agressão ou a crítica contra superiores. O chiste

tendencioso funciona como uma máscara, como um artifício que concede a permissão para

que certos posicionamentos ou atitudes agressivas se certifiquem, resultando no efeito do

riso.

Desse modo, a elaboração do chiste revela-se na escolha do material verbal e das

situações conceptuais que permitirão com o jogo de palavra e ideias resistir à critica, por

isso toda especialidade de vocabulário e toda combinação de sequência de ideias deve ser

explorada da maneira mais engenhosa possível. Assim, a função do chiste consiste em

suspender as inibições internas e proporcionar as fontes de prazer tornadas inacessíveis por

tais inibições.

2.4. HUMOR NA LINGUÍSTICA E NO DISCURSO

Segundo Koch (2009), a Linguística Textual constitui um novo ramo da Linguística

que começou a desenvolver-se na década de 60, na Europa, e de modo especial, na

Alemanha. Sua proposta de estudo consiste em tomar como unidade básica, ou seja, como

objeto de investigação, não apenas a palavra ou a frase, mas sim o texto, por serem os

textos a forma específica de manifestação da linguagem. Nessa perspectiva, a Linguística

Textual ultrapassa os limites da frase e entende a linguagem como interação. Assim,

justifica-se a necessidade de descrever e explicar a língua dentro de um contexto,

considerando suas condições de uso.

Desde seu aparecimento até hoje, a Linguística Textual percorreu um longo

caminho. De um simples estudo da frase, passando posteriormente por um estudo da

gramática de texto, na tentativa de suprir algumas lacunas não preenchidas pela corrente

estruturalista e gerativista; e logo em seguida, chega-se aos conceitos de texto, que passa a

ser definido não mais como algo pronto e acabado, mas como um processo em construção,

levando-se em consideração o contexto sócio-cognitivo e cultural.

Assim sendo, a Linguística contribui para o estudo do humor e busca descobrir um

conjunto de propriedades linguísticas necessárias para explicar o efeito de humor.

Os estudos de novas interdisciplinas como a Pragmática, a Psicolinguística, a

Sociolinguística e a Etnografia da Fala começaram a realçar a importância do uso da língua

e dos eventos comunicativos voltados para o contexto e para o discurso. A partir disso o

texto passa a ser visto como um fenômeno que se constrói em determinada situação de

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interação, envolvendo seus usuários e seus objetivos da interação. Nessa perspectiva, a

relação entre contexto e discurso permitem a produção e compreensão dos textos.

Segundo Van Dijk (2012, p.34), os contextos são construídos pelos constituintes

numa situação sócio-interacional ou comunicativa. O autor realça que essas “situações

sociais só conseguem influenciar o discurso por meio das interpretações (inter) subjetivas

dos participantes” que são explicadas em termos de modelos mentais, os quais representam

experiências pessoais na memória episódica (autobiográfica) e vão controlando passo a

passo os processos da produção e compreensão do discurso.

Desse modo, essas concepções contribuem para Possenti (1998, p.26) identificar

mecanismos linguísticos em textos humorísticos. São nesses textos que reconhecemos

manifestações culturais e ideológicas, estereótipos e um “discurso proibido”.

Já Travaglia (1995, p.42) descreve duas possibilidades na relação da Linguística

com o humor. A primeira diz respeito ao uso de textos humorísticos para evidenciar

mecanismos de funcionamento da língua e o segundo diz respeito aos mecanismos

linguísticos que são usados para a produção do humor. Todavia, esse autor expõe que essas

possibilidades não se excluem, sendo a sua principal preocupação a segunda.

Tendo esses autores como fundamento, constatamos que é possível o humor

acontecer por meio desses recursos num determinado contexto sócio-cognitivo

interacional. Travaglia (1995), por exemplo, trata especificamente das homonímias como

mecanismo linguístico que funcionam nos textos humorísticos como gatilho que permite a

mudança de um mundo textual para o outro por meio da ativação de conhecimentos de

mundo diferentes que resultarão em mundos textuais distintos e opostos.

Em, Travaglia (1990), outro mecanismo básico do texto humorístico é a bissociação

que consiste em ativar dois campos textuais divergentes de significado, ou seja, o texto

humorístico será compatível com dois scripts ou frames, com sentidos opostos entre si.

Portanto, observamos que os textos humorísticos apresentam mais de uma possibilidade de

leitura que surpreende o interlocutor.

Dentro do conceito de bissociação se encaixa a teoria semântica do humor de

Raskin baseada em scripts. Segundo Raskin (1985, apud RAMOS, 2011), o texto é

humorístico porque passa pelas seguintes etapas: troca do modo de comunicação bona-fide

para non-bona-fide; o texto precisa ser compatível, no todo, ou em parte, com dois scripts

diferentes; os dois scripts com os quais o texto é compatível precisam ser opostos; a

mudança de scripts é feita por meio de um gatilho óbvio ou implícito que evidencia a

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oposição de scripts. O autor ilustra sua teoria com o exemplo da piada da esposa do

médico:

- O doutor está em casa? O paciente perguntou num sussurro rouco.

- Não – sussurrou em resposta a jovem e bela esposa do doutor – Pode entrar.

Segundo o modelo do autor, há na piada dois scripts: o das percepções de um

doutor e o de adultério. O primeiro corresponde ao bona-fide de comunicação, enquanto o

segundo ao não-bona-fide de comunicação que é acionado pelo gatilho “pode entrar”,

revelando o comportamento de um amante.

Da mesma forma, os frames também são compatíveis com as concepções da

bissociação. Para isso, Travaglia (2005) afirma que numa situação discursiva humorística

os interlocutores compartilham conhecimentos em comum, ativando o que podemos

chamar de frames que podem ser entendidos como modelos mentais estereotipados,

acionados durante o processo de interação.

Koch & Travaglia (2012, p.72) atestam que o conhecimento de mundo se

estabelece e se armazena na memória não isoladamente, mas se organiza em blocos,

denominados frames, ou seja, esse conhecimento é armazenado na memória sob um

“rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles.

Os autores também defendem a tese de que armazenamos os conhecimentos na

memória e quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de explicitude do texto,

pois o interlocutor será capaz de suprir as lacunas, por meio de inferências, a fim de

compreender e, posteriormente, interpretar o texto (KOCH & TRAVAGLIA, 2012).

Além disso, outra manifestação humorística muito usada para fazer humor é o

estereótipo. Lippmann (2010, p.86) afirma que “as formas estereotipadas emprestadas ao

mundo vêm de nossos códigos morais e filosofias sociais, assim como de nossas agitações

políticas”, ou seja, somos estranhamente afetados por padrões sociais e culturais que criam

uma atmosfera mental e social.

Ainda segundo o autor, a vida moderna é apressada e se manifesta de muitas

formas, portanto ela faz com que os homens se distanciem fisicamente uns dos outros,

mesmo estabelecendo uma relação vital entre eles, como o empregador e o empregado; o

funcionário público e o eleitor, etc. Não há nem tempo, nem oportunidade para

conhecimento íntimo, por isso estabelecemos um traço que marca um tipo muito

conhecido, e o resto da imagem preenchemos com os estereótipos que carregamos em

nossas mentes.

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Nessa perspectiva, as mais delicadas e difundidas de todas as influências são

aquelas que criam e mantêm o conjunto de estereótipos, isto é, criamos expectativas e

imaginamos a maior parte das coisas, pela ação da mídia, antes de as vivenciarmos. E essas

formulações de crenças preconcebidas governam profundamente todo o processo de

percepção.

A partir disso, Lippmann (2010) defende que o único sentimento que alguém pode

ter acerca de um evento que não vivenciou é o sentimento provocado por tais imagens

mentais, tais estereótipos. Segundo o autor, são essas imagens estereotipadas da realidade

que determinam o sentimento do público e elas resultam menos da capacidade cognitiva do

indivíduo e mais da manipulação e administração do consenso social pelas partes

interessadas.

Portanto, os estereótipos estão carregados com os sentimentos que se fixam a eles.

Desse modo, quando dizemos que os políticos são corruptos, subentendemos que eles

foram destinados a serem corruptos, uma vez que fomos treinados a vê-los dessa forma, ou

seja, um indivíduo fraco que perdeu as qualidades do homem equilibrado e justo.

Assim, quando um sistema de estereótipos é bem fixado, nossa atenção é chamada

para aqueles fatos que o apoiam, afastando-nos daqueles que os contradizem. Não vemos o

que nossos olhos não estão acostumados a levar em conta, impressionamo-nos por aqueles

fatos que se encaixam em nossa filosofia de vida. Por isso, os estereótipos estão carregados

de preferências e cobertos de afeto e aversão.

Na visão de Possenti (2010, p.40), “o estereótipo é concebido como social,

imaginário e construído, e se caracteriza por ser uma redução (com frequência negativa),

eventualmente um simulacro”, ou seja, o estereótipo é uma espécie de identidade pelo

avesso, não aceita pelo grupo, mas que lhe é atribuída pelo seu Outro.

Como já foi mencionado anteriormente, o riso, o sarcasmo e a zombaria são formas

de manutenção de ordem social e política, já que descrevem defeitos das pessoas e das

sociedades, aumentando seus traços, deformando a ponto de chegar ao grotesco. Portanto,

essa deformação ou exagero tornam-se cômicos quando há um desnudamento de um

defeito e propõe uma denúncia da falsa aparência de virtude que esconde valores

negativos.

Segundo Propp (1992, p. 89), a caricatura é uma forma de exagero e a comicidade

encontra-se na correlação entre natureza física e espiritual, sendo que a primeira põe à

mostra os defeitos do segundo; logo o corpo humano pode se tornar ridículo, constituindo

o objeto risível. Bergson (2001, p.17), por sua vez, afirma que “pode tornar-se cômico toda

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deformidade que uma pessoa benfeita consiga imitar”. A ideia que perpassa aqui é a de

focalizar um determinado aspecto do corpo humano e, ao exagerá-lo, destacá-lo, provocar

o riso.

Nessa direção, ao tratar da comicidade das diferenças, Propp (1992, p.65) ressalta

que a deformidade e a desproporção, que contrariam as noções de harmonia da natureza,

provocam o riso. Além disso, a animalização/coisificação do humano, segundo o autor, são

outras formas de constituição da comicidade. Do mesmo modo, a humanização do animal,

também gera o riso.

Ainda, sobre a caricatura, ao analisar programas de humor da televisão brasileira,

Travaglia (1992) aborda a paródia caricatural, a qual se constituiria pelas imitações de

figuras da sociedade, visando a ridicularizá-las. Desse modo, na imitação de

personalidades do mundo político, elas são descontextualizadas e recontextualizadas em

seguida, fazendo com que o efeito humorístico advenha da coexistência de um original

com sua imitação reconstruída.

Assim, podemos observar que todo fato humorístico é um ato de discurso que se

inscreve numa situação de comunicação. Para isso, é necessário descrever a situação de

enunciação na qual esse fato aparece; a temática sobre a qual ele incide; os procedimentos

linguísticos que o geram. O ato humorístico apresenta três protagonistas: o enunciador, o

destinatário e o alvo. O enunciador é o que produz o ato humorístico, numa determinada

situação de interação comunicativa, enquanto o destinatário torna-se cúmplice, ou seja,

entra em conivência com o enunciador do ato humorístico, com seu julgamento sobre o

alvo. Em relação ao alvo ou objeto do riso, é aquilo pelo qual o ato humorístico se

manifesta, por meio de um indivíduo ou grupo, destacando-se os defeitos ou incoerências

no modo de agir (CHARAUDEAU, 2010).

De qualquer forma, o que queremos ressaltar é que o humor veste o “sério” do “não

sério”, ele satiriza as imperfeições humanas e denuncia os desvios duma sociedade que

foge aos padrões morais e éticos. Daí a sua linguagem altamente alusiva, repleta de

subentendido, baseado em inferências, em mecanismos da linguagem que desvelam

aspectos lúdicos. Além disso, o humor é libertador, uma vez que, por meio dele,

descarregamos as tensões e a energia psíquica. Tal liberalização ocorre, inclusive, em

termos de comportamentos linguísticos.

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3. REFERENCIAÇÃO E INTENCIONALIDADE: PRÁTICAS DISCURSIVAS

3.1. A REFERENCIAÇÃO E A INTENCIONALIDADE: ATIVIDADE

DISCURSIVA NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO

Neste capítulo, abordaremos a referenciação, uma atividade textual-discursiva das

mais relevantes para a produção e compreensão de sentidos. Para isso, primeiramente,

daremos atenção à concepção de que o texto, como observado em KOCH (2009), é um

evento discursivamente comunicativo em que estão presentes sistemas de conhecimentos

como: o linguístico¸ o enciclopédico e o interacional. Tais conhecimentos contribuem para

o processamento textual. O linguístico compreende o conhecimento gramatical e lexical

que são responsáveis pela organização do material linguístico na superfície do texto; por

outro lado, o enciclopédico é aquele que se encontra armazenado na memória de cada

indivíduo, quer sejam adquiridos por meio de experiências, quer por meio de proposições a

respeito dos fatos do mundo. No aspecto sóciointeracional, o conhecimento, decorrente das

ações, costuma ser verbalizado mediante enunciações características que exigem dos

interlocutores reconhecer os propósitos comunicativos numa determinada situação de

interação.

Segundo Koch (2009, p.13), os estudos em Pragmática promoveram o surgimento

de teorias do texto para além do enfoque sintático-semântico. Em outras palavras, o

processamento do texto não depende apenas do cotexto, como se o(s) sentido(s)

estivesse(m) preso(s) à materialização textual, mas de um contexto comunicativo

situacional, entendido como tudo aquilo que circunda os interlocutores, envolvendo ações

ligadas, coordenadas e orientadas para um determinado fim, ou seja, o contexto é

construído, em grande parte, pela própria interação.

Portanto, quando lemos ou produzimos algum texto, sempre recorremos a

estratégias sociocognitivas e interacionais para nos auxiliar na compreensão e produção de

sentido. Assim, no decorrer do processamento textual, ativamos nossos conhecimentos,

sabendo da importância dos elementos linguísticos presentes na superfície do texto, mas

também sabendo que os sentidos não existem apenas na superfície textual, pois são

construídos na interação locutor-texto-interlocutor.

Além disso, o leitor necessita também apreender sentidos implícitos, por meio das

inferências feitas para que os sentidos sejam construídos. As inferências envolvem

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processos cognitivos que permitem facilitar o processamento textual, quer em termos de

produção, quer em termos de compreensão.

Portanto, segundo Cavalcante (2012), observamos que a coerência textual não está

apenas no texto, mas ela se constrói a partir da incessante interação entre locutor-

co(n)texto-interlocutor, numa dada situação comunicativa, na qual o leitor, com base em

seus conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais, compreende a construção

de sentido do texto.

Nessa perspectiva, a interpretação do que lemos e produzimos é resultado de uma

ação discursiva, ou seja, a realidade não é objetiva nem estática, mas se transforma em

referentes os quais se constroem e reconstroem à medida que o discurso progride, levando

em conta os sujeitos, seus conhecimentos, suas visões de mundo, suas experiências em

sociedade; afinal, conforme Marcuschi (2007), a maneira como dizemos aos outros as

coisas é decorrente de nossa atuação discursiva sobre o mundo e de nossa inserção

sociocognitiva nele.

Desse modo, Koch (2009, p.61) afirma que “os processos de referenciação são

escolhas do sujeito em função de um querer-dizer”. Os referentes (objetos de discurso) são

construídos e reconstruídos pela forma como sociocognitivamente interagimos em

situações comunicativas, criando por meio de gêneros textuais específicos, efeitos

decorrentes das práticas sociais.

Assim sendo, a referenciação constitui uma atividade discursiva em que o sujeito

por ocasião de interação verbal, opera sobre os materiais linguísticos que têm à sua

disposição e procede a escolhas significativas para representar o estado das coisas, de

acordo com a sua intenção comunicativa. (cf. KOCH, 2009, p.61).

Em vista disso, reafirmamos que o contexto deixa de ser uma realidade estática e

passa a ser representado pelo espaço comum em que os sujeitos, em função da interação,

mobilizam diferentes tipos de saberes, tendo em vista aquilo que para eles parece ser

relevante em uma determinada situação comunicativa.

Para Marquesi (2007, p.217), “a referenciação exige que se pense não apenas na

abordagem linguística, mas também na cognitiva, já que são concernentes às práticas e aos

discursos”. Assim, observamos que a referenciação está vinculada à interpretação e à (re)

construção de mundos por meio da interação com o entorno físico, social e cultural.

Então, a mera decodificação dos sinais emitidos pelo produtor não é de modo

algum suficiente: cabe ao leitor estabelecer, entre os elementos do texto e todo o contexto,

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relações dos mais diversos tipos, para ser capaz de compreendê-los em seu conjunto e

interpretá-los de forma adequada à situação.

Para tanto, o leitor infere os elementos que o texto contém e relaciona com aquilo

que o texto deixa implícito, preenchendo as lacunas que ele apresenta, recorrendo para

tanto: a) ao seu conhecimento de mundo ou enciclopédico; b) aos conhecimentos

partilhados entre ele e seu interlocutor (quanto maior o conhecimento partilhado, menor a

necessidade de verbalização).

Acerca disso, para estabelecer as atividades ou os processos que permitem toda a

reflexão humana, Marcuschi (2007, p.88) afirma:

A referenciação, assim como a inferenciação e a categorização, é

processo básico, construído em atividades discursivas que permitem toda a reflexão humana e a análise do próprio

pensamento no âmago da linguagem.

O autor também defende a tese de que a realidade não está segmentada da forma

como é concebida, e as coisas não estão no mundo da maneira como são ditas, mas as

coisas ditas são coisas discursivamente construídas, e os referentes são na maioria objeto

de discurso. Afirma também que não existem categorias naturais, uma vez que não existe

um mundo naturalmente categorizado, mas, sim, um mundo construído discursivamente,

por meio dos referentes que são produtos de interações sociocognitivas.

Ao estudar a referenciação, KOCH (2009) enfatiza que a categorização é um

problema de decisão dos atores sociais envolvidos na construção dos referentes. As

variações no discurso dependem mais da pragmática do que da semântica dos objetos.

Trata-se, em geral¸ da ativação dos conhecimentos pressupostos e compartilhados entre os

interlocutores.

Portanto, a categorização é vista como um poder de decisão do sujeito no sentido de

(re) construir o referente, por meio do processo interativo. À medida que essas categorias

evoluem sob o efeito de uma mudança de contexto ou de ponto de vista, o objeto de

discurso torna-se dinâmico na esfera de um grupo social.

Desse modo, observamos que, quando precisamos nos comunicar, estamos

frequentemente adaptando, elaborando, modulando o nosso dizer para atender as

necessidades surgidas na interação. Em outras palavras, estamos categorizando e

recategorizando constantemente o objeto do discurso.

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Assim sendo, a recategorização é um fenômeno muito estudado em referenciação

no que diz respeito à possibilidade de um referente passar por mudanças ao longo do texto,

ou seja, o sentido de uma palavra, expressão ou até mesmo uma imagem é renegociada,

mudando de significado de acordo com o contexto e da intencionalidade do autor, cabendo

ao leitor saber interpretá-lo por meio de seu conhecimento prévio. Dessa forma, a

recategorização passa a ser uma estratégia importante na construção do humor em charges

políticas, que serão abordadas em seções posteriores.

Considerando, ainda, que o processamento e a configuração textual envolvem

estratégia de ações e sua realização em elementos linguísticos (verbal e não verbal),

podemos afirmar que processos interpretativos são administrados não só por uma

percepção multimodal que geralmente envolve combinações de fala, gestos, texto,

processamento de imagem, etc, construídos pelos sujeitos, mas também por diferentes

métodos de conhecimento, que são sócio-históricos e discursivamente constituídos.

Segundo Dionisio (2011, p.140), a multimodalidade pode ser considerada como

uma diversidade de modos de comunicação presentes nos gêneros orais e escritos. Além

disso, a autora afirma que “as ações sociais são fenômenos multimodais,

consequentemente, os gêneros textuais falados e escritos são também multimodais”, ou

seja, quando produzimos e organizamos um texto, estamos constantemente categorizando e

recategorizando o referente, seja por meio de palavras, imagens, gestos, entonações, etc.

Portanto, o enunciador pode inferir uma variedade de formas em diferentes situações

sociais e com diferentes propósitos. Os aspectos visuais dessas ações sociais, resultantes da

infinidade de possibilidades de combinação entre a imagem e a palavra, surpreendem o

leitor, criando expectativas ou não.

Portanto, as ações de linguagem ultrapassam o linguístico, visto serem os textos de

natureza multimodal. Obtém-se, então, a construção de objetos de discurso não só por meio

da linguagem verbal, mas também por meio de outros aspectos simbólicos, conforme

afirmam Mondada e Dubois (2003, p.17):

As categorias e objetos de discurso pelos quais os sujeitos

compreendem o mundo [...] se elaboram no curso de suas

atividades, transformando-se a partir dos contextos. [...] são marcados por uma instabilidade constitutiva, observável através de

operações cognitivas ancoradas nas práticas, nas atividades verbais

e não verbais, nas negociações dentro da interação (grifos nossos).

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47

A partir disso, podemos afirmar que os referentes podem ser entendidos como o

conjunto de operações dinâmicas e como entidades cognitivas e discursivas construídas à

medida que o discurso se desenvolve, com a finalidade de elaborar as experiências vividas

e percebidas numa situação comunicativa.

3.2. A ANÁFORA INDIRETA: UM MECANISMO REFERENCIAL

Segundo Cavalcante (2012), os referentes são introduzidos e mantidos no padrão

textual tendo-se como base alguma relação com elementos presentes no cotexto ou no

contexto sociocognitivo. Assim, no que diz respeito à continuidade referencial no texto, as

anáforas cumprem papel importante. As anáforas dividem-se em dois grupos: as diretas e

as indiretas. A anáfora direta pressupõe a retomada de referentes já apresentados no texto

por outras expressões. Já, para tratarmos da concepção de anáfora indireta é necessário

considerar que os processos cognitivos e as estratégias inferenciais são decisivos para sua

compreensão, pois é vista como estratégia referencial de associações, sem referente

explícito. Ela introduz um novo referente no discurso, ancorado em alguma expressão no

texto ou no contexto e é ativado na memória do interlocutor. Assim sendo, a anáfora

indireta estabelece uma relação com algum tipo de informação presente na memória

discursiva.

Como já foi mencionado anteriormente, nenhum texto apresenta de forma explícita

todas as informações necessárias à compreensão. Há sempre elementos implícitos que

devem ser retomados pelo interlocutor por meio de inferências, ou seja, a partir dos

elementos que o texto contém, são estabelecidas relações com aquilo que o texto não

contém, recorrendo-se ao conhecimento de mundo armazenado na memória e ao

conhecimento partilhado entre os coenunciadores na construção de sentido.

Com base nisso¸ as anáforas indiretas são vistas como uma estratégia referencial as

quais ancoram representações conceituais ou relações cognitivas incluídas em modelos

mentais comumente chamados de frames, cenários, esquemas, scripts, etc., que

representam focos implícitos armazenados em nossa memória de longo prazo como

conhecimento de mundo organizado. Kock & Travaglia (2012), conceituam esses modelos

mentais como modelos estereotipados, acionados durante o processo de interação.

Ademais, a anáfora indireta ativa um novo objeto de discurso que se torna

altamente previsível dentro do contexto discursivo, ou seja, “um novo referente é

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48

apresentado como já conhecido, em razão de um ser inferível por meio do processamento

sociocognitivo do texto” ( cf. CAVALCANTE, 2012, p.125).

Segundo Marcuschi (2010), as anáforas indiretas caracterizam-se por não

possuírem uma expressão antecedente explícita no cotexto, mas existe um elemento no

cotexto ou no contexto sociocognitivo ou semântico chamado âncora com o qual fazem

relação. Âncora é uma expressão ou contexto semântico que se torna base decisiva para a

interpretação da anáfora indireta, mas também ativa a memória discursiva do interlocutor.

O autor (ibid., p.53) cita o seguinte exemplo de anáfora indireta:

Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias [...].

Quando amanhece eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que

o barco não estava lá.

É fácil perceber que [O BARCO] é uma expressão referencial nova nesse texto,

mas surge como se fosse conhecida. Ela está ancorada (cognitivamente) na expressão

nominal antecedente [UMA ILHA] que lhe dá lastro.

Assim, ressaltamos, novamente, que as âncoras são decisivas para a interpretação

dessas anáforas, porque estabelecem uma relação de sentido entre o referente não explícito

no texto e a expressão que lhe serve de âncora, o que permite aos referentes serem ativados

pelos processos cognitivos inferenciais, movimentando, assim, os conhecimentos

armazenados na memória dos indivíduos. Ou seja, a compreensão ocorre referencialmente,

mesmo não havendo um antecedente explícito no texto.

A maioria das anáforas indiretas funda-se em associações de algum tipo que exigem

conhecimentos conceituais armazenados em nossa memória ou conhecimentos semânticos-

lexicais. As anáforas indiretas operam ancoradas em domínios cognitivos. Assim sendo,

elas implicam continuidade referencial, um dos fatores essenciais para a manutenção da

coerência textual.

Como se vê, a ativação de objetos ocorridos por meio de anáfora indireta estabelece

uma relação indireta, construída inferencialmente, ou seja, a interpretação não é imediata;

portanto, para que haja compreensão é preciso que o sujeito estabeleça relações entre os

objetos de discurso com base em conhecimento semântico, ancorado no léxico; um

conhecimento conceitual, ancorado no modelo mental, e no conhecimento de mundo ou

enciclopédico.

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Marcushi (2010, p.54) afirma:

A anáfora indireta é um caso de referência textual, isto é, de

construção, indução, ou ativação de referentes no processo textual-

discursivo que envolve atenção cognitiva conjunta dos interlocutores e processamento local.

Diante disso, podemos observar que a anáfora indireta constitui um processo de

referenciação implícita, ou seja, os referentes são construídos no processo discursivo pelos

interlocutores no contexto em que estão inseridos, bem como a intenção pretendida pelos

usuários da língua em dada situação de interação.

Para que possamos compreender as anáforas indiretas, necessitamos mobilizar

conhecimentos adequados e descobrir, no co (n) texto, as âncoras oferecidas. Isso significa

que as anáforas operam no plano da organização da memória e servem para ativar ou

reativar aspectos que residem nos conhecimentos dos interlocutores, sejam estes

conhecimentos situados no texto ou em pontos do universo cognitivo (MARCUSCHI,

2010).

3.3. INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE

A intertextualidade é um dos grandes temas a que se tem dedicado a Linguística

Textual. E ocorre quando, em um texto, está inserido outro texto anteriormente produzido,

que faz parte da memória social. KOCH (2011, p.59) afirma que “todo texto é um

intertexto”, isto é, a produção de um texto requer a ativação de conhecimentos adquiridos

por meio de outros textos. Assim sendo, nenhum texto pode estar desvinculado de qualquer

outro, mas, sim, em sua íntima relação com outros exemplares textuais.

Para a autora (ibid.,p.60), “a intertextualidade num sentido mais amplo, condição de

existência do próprio discurso, pode ser aproximada do que, sob a perspectiva da Análise

do Discurso, se denomina interdiscursividade”. É nesse sentido que Maingueneau (1976,

apud KOCH, 2011, p.60) afirma ser o intertexto um componente decisivo das condições de

produção: “um discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas se constrói

através de um já-dito em relação ao qual toma posição”.

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Além disso, Maingueneau (2011, p.55) atesta que “o discurso adquire sentido no

interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho”.

Portanto, para interpretar qualquer enunciado é necessário relacioná-lo a muitos outros.

Cada gênero de discurso tem sua maneira de tratar a diversidade das relações

interdiscursivas, para que possamos ampliar o campo do conhecimento e fazer com que

estejamos sempre sintonizados com o mundo. Dessa forma, notamos que o intertexto como

o interdiscurso mobilizam relações de sentido num processo de produção.

Isso posto, cumpre-nos ainda registrar que os textos configuram-se de maneira ativa

e novos textos surgem como desmembramento de outros, de acordo com as atividades que

vão surgindo. O que leva Koch (2011, p.59) a afirmar:

Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior,

evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o

predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou

a que se opõe.

A autora nos recorda, ainda, que o fato de a produção e a recepção de um texto

dependerem do conhecimento que se tenha dos outros textos com os quais ele, de alguma

forma, relaciona-se, fez com que Robert-Alain Beaugrand e Wolfang Ulrich Dressler

(1981, apud KOCH, 2011, p.59) apontassem a intertextualidade, a coesão, a coerência, a

intencionalidade, a aceitabilidade, a informatividade e a situacionalidade como critérios

relevantes para a compreensão de um texto.

Para Koch (ibid., p.63), a intertextualidade num sentido restrito, ou seja, um texto

relaciona-se com outros textos, pode ser explícita ou implícita. A primeira refere-se a um

enunciado com explicitação da fonte com o objetivo de levar o interlocutor a ativar o texto

original, como acontece nas citações, referências, menções, resumos, resenhas, nas

retomadas de textos de parceiros para encadear sobre ele ou persuadi-lo na conversação.

No segundo caso, a intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da

fonte, cabendo ao interlocutor reconhecer a presença do intertexto pela ativação do texto-

fonte em sua memória discursiva; e, caso isso não ocorra, a referência não poderá ser

construída.

Constatamos que a intertextualidade implícita exige do interlocutor um esforço pela

identificação do intertexto por meio de seu conhecimento prévio, percebendo, assim, a

intencionalidade do produtor em inseri-lo no discurso. Daí, a importância em salientar a

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necessidade duma relação compartilhada entre autor/leitor para que haja captação do

intertexto, tornando-a crucial para a construção de sentido.

Sob este aspecto, observamos ainda na concepção de intertextualidade implícita, o

controle que o produtor do texto opera em relação a outros textos, para produzir

determinados efeitos de sentido (Koch & Elias, 2007). Esse recurso pode-se apresentar em

qualquer gênero textual, dentro de qualquer domínio discursivo, principalmente em

charges que serão abordados neste trabalho.

Aliás, Bakhtin (2011[1992], p.289) afirma que “todo enunciado é um elo na cadeia

da comunicação discursiva”. Para ele a relação entre textos constitui uma relação entre

discursos, isto é, o autor constrói o campo do objeto e do sentido, levando o leitor a

reconhecer esse campo numa atividade discursiva.

Assim sendo, observamos que o interdiscurso pode estar relacionado com

marcadores intertextuais, isto é, por meio da relação entre textos e entre discursos para a

construção de sentido, os interlocutores interagem num contexto sociocognitivo em um

determinado momento e situação comunicativa, compartilhando conhecimentos reais e de

mundo.

Ainda, segundo o autor, os estudos sobre a linguagem são baseados na interação

verbal de natureza dialógica, ou seja, toda enunciação é interativa, há uma troca, explícita

ou implícita, entre os interlocutores e supõe sempre a presença de outra enunciação à qual

se dirige o produtor, construindo seu próprio discurso.

Mediante as concepções apresentadas, constatamos que a intertextualidade e a

interdiscursividade estão relacionadas, pois, ao se referir a um texto, o enunciador se

refere, também, ao discurso que ele manifesta, ou seja, quando um discurso cita o outro,

não há apenas uma referência do texto ou partes do texto, mas também à situação de

produção dele (quem faz, para que, em que momento histórico, com qual finalidade, etc.).

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3.4. RECATEGORIZAÇÃO: ESTRATÉGIA DE HUMOR

Lima (2007, p.74) afirma que “o fenômeno do humor pode ser provocado pela

ocorrência de recategorizações a partir da hipótese de que esse tipo de ocorrência pode

servir como gatilho para o humor”. Portanto, somos cientes de que a construção de sentido

do humor, com base em recategorização, demanda uma abordagem tanto dos aspectos

linguísticos quanto dos cognitivos.

Aliás, como vimos anteriormente, “as ações sociais são fenômenos multimodais”,

consequentemente as charges são consideradas gêneros multimodais, ou seja, quando

processamos um texto estamos constantemente categorizando e recategorizando o objeto

do discurso, por meio da interação sócio-cognitiva (DIONÍSIO, 2011, p.139). Desse modo,

o referente se cria a partir dessas ações, do modo pela qual os interlocutores as ajustam e

da maneira pela qual constroem os sentidos em cada evento comunicativo.

Por conta disso, a charge, como gênero de caráter multimodal que abrange aspectos

verbais e visuais, expõe que o processo de recategorização acontece também por meio da

imagem e não apenas por meio do léxico. Na charge, entendemos que o processo acontece

numa mescla de elementos verbais e visuais que conjugados modificam e dão sentido de

humor ao texto. O princípio da charge é o humor, e é construído pela crítica que o

chargista faz por meio dos fatos a que se reporta para construir seu texto. Aliás, é comum o

chargista não revelar explicitamente em qual fato se inspirou, por isso é necessário que o

leitor conheça o texto fonte para compreendê-lo. Caso contrário¸ o leitor teria dificuldades

de depreender o sentido do humor.

Mondada e Dubois (2003, p.17) afirmam que há uma instabilidade das

configurações semânticas, ou seja, as categorias utilizadas para descrever e compreender o

mundo, “são geralmente instáveis, variáveis e flexíveis”, passíveis de mudanças

sincrônicas e diacrônicas.

Desse modo, segundo as autoras, as categorias e os objetos de discurso são

construídos no curso de suas atividades, transformando-se a partir do contexto a que estão

inseridos. Assim, nessa perspectiva, a atividade de categorização e recategorização diz

respeito, sobretudo, aos métodos utilizados pelos autores para caracterizar, descrever,

compreender e justificar os fenômenos da vida cotidiana.

Assim, no processo de referenciação prevalece o sujeito e o contexto relevantes

numa situação discursiva, pois abrange uma variedade de meios na construção do objeto do

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discurso ou do referente no discurso. À vista disso, no processo de referenciação, de

categorização, de recategorização o sujeito arquiteta o mundo no cumprimento de suas

atividades sociais e o torna estável graças às categorias manifestadas no discurso

(MONDADA E DUBOIS, 2003).

Em suma, o sujeito tem o direito de escolher aquilo que acha mais adequado à

identificação do referente, mas também pode por recategorização modular o referente em

função de sua intencionalidade comunicativa no momento. Portanto, os referentes evoluem

à medida que são compartilhados pelos interlocutores numa situação social dependendo de

um contexto onde haja propósitos correspondentes. É que a categorização e a

recategorização dos objetos do mundo são feitas em função dos interesses do interlocutor,

recebendo a influência do contexto.

Koch (2009) também define a recategorização, mencionado anteriormente nesta

seção, e acrescenta a seu conceito que não necessariamente um elemento lexical serve de

âncora, mas também um fato ou o contexto funcionam como aspecto fundamental à

construção da inferência. É o caso das charges políticas que serão analisadas, ou seja, o

chargista constrói e reconstrói seu referente ancorando-se num contexto vinculado às

notícias do dia-a-dia. Por isso, o referente pode ser recategorizado de diversas maneiras por

meio de propriedades diferentes que lhe vão sendo atribuídas. Por essa razão, as

recategorizações de um mesmo referente, que retomam informações dadas e trazem

informações novas, servem como gatilho para estabelecer o efeito de humor.

Portanto, conforme expusemos anteriormente, cumpre-nos ainda registrar que as

expressões anafóricas não são usadas apenas para apontar o referente, mas podem ser

utilizadas, também, para modificá-lo. Em outros termos, o produtor, ao selecionar aquilo

que julga mais adequado na configuração do referente, pode, por recategorização,

acrescentar, omitir, ou modular a expressão referencial em função das intenções do

momento, que no caso das charges políticas, são de natureza crítica e satírica.

Assim, podemos afirmar que por meio da recategorização retomamos os referentes

que operam como desencadeadores da comicidade do gênero em análise deste trabalho. Ou

seja, a incongruência criada por essas recategorizações é que, de fato, quebra a expectativa

do leitor, provocando o riso: estratégia a ser observada na análise.

Segundo Cavalcante (2010), para que um referente se recategorize, seria necessário

que ele já estivesse sido introduzido no discurso e, nesse caso, só as anáforas seriam

passíveis dessas modificações.

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Afinal, como poderíamos falar em recategorização se não tivesse ocorrido à

categorização de uma entidade antes. Além disso, afirma:

A recategorização é, por definição, uma alteração nas associações entre representações categoriais parcialmente previsíveis, portanto,

em nossa vida pública do mundo. A menor ou maior

desestabilização da categoria em mudança é o próprio traço, explícito ou implícito, que define a recategorização de um

referente, quer tenha ele sido já introduzido no discurso para ser

transformado, quer não tenha sido e se recategorize apenas

mentalmente, no próprio momento em que o anafórico remete

indiretamente à sua âncora. (CAVALCANTE, 2010, p.132)

Isso posto, a autora (ibid., p.128) ilustra com o seguinte poema “A rosa de

Hiroxima”, de Vinícius de Moraes:

A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa sem cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.

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Assim, no exemplo, que alude à bomba atômica que dizimou muitas vidas em

Hiroxima, é este referente transformado, ou seja, recategorizado no título do poema, que

aciona o enquadre mental da tragédia, sempre dolorosamente lembrada, e permite que se

empreguem as expressões nominais definidas como ativando ou reativando referentes

dados, facilmente identificáveis nas anáforas indiretas “crianças mudas”, “meninas cegas”,

“mulheres alteradas” que se enquadrariam perfeitamente no cenário de destruição causado

pela bomba e cumpririam “a condição contextual e inferencial da anaforicidade indireta”

(CAVALCANTE, 2010, p.130).

Ainda em relação ao exemplo acima, observamos que o referente que se

recategoriza não se acha explícito no cotexto e, no entanto¸ nosso conhecimento de mundo

nos permite recuperá-lo e compreender a transformação que se processa no próprio instante

em que o objeto de discurso é introduzido no poema.

Portanto, observamos que os referentes, as expressões anafóricas e a

recategorização não são noções incompatíveis, mas mantêm uma relação mútua, levando-

se em consideração a forma como são integradas nas atividades do cotidiano.

Assim, a recategorização na charge pode acontecer por meio da imagem e ou do

texto verbal e nem sempre é necessário que no texto haja uma “pista” explícita.

Consequentemente, o referente recategorizado, que tange à construção humorística, está

geralmente no texto-fonte ou na memória discursiva.

Desse modo, visamos a apresentar, na análise deste trabalho, as noções de

recategorização, de intertexto e por meio das expressões anafóricas os efeitos de humor

que se manifestam nas charges políticas cuja intencionalidade do enunciador é criticar,

satirizar e zombar de um sistema de corrupção massificado na história jurídica do país.

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4. GÊNERO TEXTUAL: CHARGE

4.1- GÊNERO TEXTUAL: PROCESSO SOCIOCOMUNICATIVO

Partindo do ponto segundo o qual todos os usuários da língua articulam sua fala ou

escrita com as formas dos gêneros e os reconhecem nos exercícios sociais, podemos

observar que o uso dos gêneros textuais nos oferece maior viabilidade para lidar com o

desempenho real da língua. Esse conhecimento e domínio que temos dos gêneros

possibilita a comunicação verbal e não verbal, já que todo texto pode ser considerado como

pertencente a determinado gênero.

E, à medida que a textualidade deixa de ser privilégio de entendimento e os estudos

passam a valorizar o conhecimento funcional que todos os usuários de uma língua

compartilham, os objetos de estudos multiplicam-se, tornam-se cativantes e valorizam

ações sociais, nas quais os aspectos linguísticos estão inseridos.

Desse modo, o estudo dos gêneros textuais é uma produtiva área interdisciplinar,

com atenção voltada para o funcionamento da língua e para as atividades culturais e

sociais. Portanto, segundo Marcuschi (2011, p.19) “o gênero é essencialmente flexível e

variável, tal como seu componente crucial, a linguagem”. Ou seja, assim como a língua

sofre mudanças, também os gêneros sofrem, adaptam-se, renovam-se e se multiplicam.

Ainda, segundo o autor, a tendência é observar “os gêneros pelo seu lado dinâmico,

processual, social, interativo, cognitivo, evitando aspectos formais e estruturais”. Isso

posto, os gêneros textuais devem se relacionar com as práticas sociais (contexto), os

aspectos cognitivos, as intenções, as atividades discursivas e culturais.

Assim, neste capítulo, abordaremos alguns conceitos de gênero textual na

perspectiva sociorretórica do estudo de gênero em Bazermam (2004), Miller (2009) e

sócio-discursiva em Marcuschi (2011), inserindo uma breve abordagem histórica.

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4.1.1. CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE GÊNERO TEXTUAL

A noção de gênero vem sendo, desde Platão e Aristóteles, uma preocupação

insistente, haja vista as várias classificações que têm aparecido ao longo dos tempos, entre

elas, a clássica distinção entre poesia e prosa; a distinção entre lírico, épico e dramático; a

oposição entre tragédia e comédia; a distinção da Retórica Antiga entre discursos

deliberativos, judiciário e epidítico. O estudo dos gêneros foi, dessa forma, uma constante

temática que interessou estudiosos de áreas diversas. Assim, os gêneros textuais se

multiplicam principalmente após a invenção da escrita alfabética por volta do século VII

a.C; a partir do século XV, expandem-se com o florescimento da cultura impressa e na fase

intermediária da industrialização, iniciada no século XVIII, dá início a uma grande

ampliação.

Entretanto, foi com Aristóteles que surgiu uma teoria mais sistemática sobre os

gêneros e sobre a natureza do discurso. No cap. 3 da Retórica [1358a], Aristóteles diz que

há três elementos compondo o discurso: aquele que fala, aquilo sobre o que se fala e aquele

a quem se fala.

Charaudeau (2010, p.40) afirma:

O discurso resulta da combinação das circunstâncias em que

se fala ou escreve (a identidade daquele que fala e daquele a

quem este se dirige, a relação de intencionalidade que os liga

e as condições físicas da troca) com a maneira pela qual se

fala.

Isso posto, podemos observar que o discurso é tudo o que o homem fala ou escreve,

isto é, produz em termos de linguagem. Consequentemente, há um número enorme e

bastante variável de discursos produzidos ou que estão sendo produzidos na sociedade. É

dessa maneira que falamos em discurso científico, religioso, político, jornalístico, do

cotidiano, etc.

O discurso, quando produzido¸ manifesta-se linguisticamente por meio de textos.

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por

sua vez, constituem formas “relativamente estáveis de enunciados”, afirma Bakhtin

(2011[1992], p.262). Pode-se ainda assegurar que a noção de gêneros refere-se a “famílias”

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de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como

visão geral da ação à qual o texto se articula em diversas atividades comunicativas.

Assim sendo, o estudo dos gêneros textuais se torna cada vez mais vasto e flexível,

com atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades culturais e

sociais. Desde que não entendamos os gêneros como estruturas rígidas, mas como formas

culturais e cognitivas de ação social (Miller, 2009), atribuídas na linguagem, somos

levados a ver os gêneros como entidades empreendedoras que sofrem variações na sua

constituição que, em muitas ocasiões, resultam em outros gêneros, novos gêneros.

4.1.2. O CONCEITO DE GÊNERO TEXTUAL NA PERSPECTIVA SÓCIO –

DISCURSIVA

É por meio dos gêneros textuais que realizamos linguisticamente nossas atividades

socioculturais e nossos propósitos comunicativos em situações sociais particulares. Eles

facilitam nossas práticas num contexto situacional. As práticas sociais são as atividades do

dia-a-dia que as pessoas realizam ao conduzir a vida social nos mais variados contextos.

Portanto, uma das maneiras de agir no mundo é por meio dos gêneros textuais. Assim, é

essencial focalizar as práticas no estudo dos gêneros textuais, porque é nelas que se torna

viva a relação entre indivíduo e sociedade.

Por conseguinte, Marcuschi (2011, p.23) afirma que “os gêneros textuais devem ser

considerados como parte constitutiva da sociedade em seus habitats típicos”, ou seja, os

gêneros textuais representam nossas ações sociais, nossos propósitos comunicativos e

nossas intenções num determinado meio social.

Do ponto de vista sociocognitivo, uma das características mais marcantes do gênero

textual é o reconhecimento pelas pessoas que o identificam por seu uso corrente em sua

sociedade. A identificação de determinado gênero implica uma demonstração de

competência comunicativa do indivíduo que o reconheceu e que, em princípio, é capaz de

compreender e produzir esse gênero textual. Assim sendo, os gêneros são modelos

correspondentes a formas sociais reconhecíveis nas situações de comunicação em que

ocorrem e sua estabilidade é relativa ao momento histórico-social em que cada um surge e

circula.

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Segundo Marcuschi (2011, p.19), “os gêneros textuais caracterizam-se como

eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”, pois surgem conforme nossas

necessidades e atividades sociais, culturais, cognitivas e institucionais.

Isso posto, os gêneros textuais tornam-se difíceis de serem caracterizados e

definidos por aspectos formais e estruturais, mas isso não significa eliminar totalmente a

organização das formas composicionais dos gêneros. O próprio Bakhtin (2011[1992])

indicava a “construção composicional”, junto ao “conteúdo temático” e o “estilo” como as

três características do gênero.

Além disso, Marcuschi (2011, p.22) afirma que a “comunicação verbal só é

possível por algum gênero textual”, ou seja, os gêneros textuais se constituem num

contexto sócio-discursivo para agir sobre a realidade e interpretá-la. Portanto, essa

flexibilidade e variedades de operação dão aos gêneros capacidade de adaptação e ausência

de rigidez e se acham perfeitamente de acordo com Bazerman (2004) e Miller (2009) que

consideram o gênero como “ação social”.

4.1.3. O CONCEITO DE GÊNERO COMO AÇÃO SOCIAL EM BAZERMAN,

MILLER E MARCUSCHI

Bazerman (2004) define gênero como ação social, observando as regularidades nas

propriedades das situações recorrentes (dá atenção particular às intenções sociais nelas

reconhecidas), que dão origem a recorrências na forma e no conteúdo do ato de

comunicação. Ou seja, para o autor, a noção de recorrência está vinculada aos usuários do

gênero, que agem colaborativamente para interpretar certas situações comunicativas e

extrair semelhanças significativas e distintivas para constituir um tipo.

Os gêneros, ainda segundo o autor, estão ligados a outros gêneros, usados por

determinada pessoa em dada situação. Num escritório, por exemplo, o funcionário tem de

escrever cartas, correios eletrônicos, memorandos, relatórios. São os gêneros próprios

àquele papel profissional exercido por ele, que Bazerman (2004, p.33) chama de “conjunto

de gêneros”.

O chefe do mesmo escritório também teria sua própria rede de gêneros, como a

escrita de circulares internas, cartas admissionais e demissionais, outras formas de

relatórios. Forma-se outro conjunto de gêneros. Os dois conjuntos estariam ligados a uma

rede maior de relações, compartilhada por ambos e pelos demais empregados do escritório.

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Seria o “sistema de gêneros” que compõe aquela situação comunicativa, articulada por

aquele grupo de pessoas. Assim, segundo o autor (ibid., p.22), “os vários tipos de textos se

acomodam em conjuntos de gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem parte

dos sistemas de atividades humanas”.

Nessas eventualidades, muitos textos são produzidos, criando realidades ou fatos

sociais. Esses fatos não poderiam existir se as pessoas não os realizassem por meio da

criação de textos: cartas, e-mails, relatórios, circulares, etc. Nessa sequência de textos e

atividades, vemos sistemas organizacionais bem articulados que circulam por caminhos

previsíveis e de fácil compreensão.

Segundo Bazerman, examinar o conjunto de gêneros permite ver a extensão e

variedade do trabalho escrito e requerido por um determinado papel social e identificar

conhecimentos de gêneros e habilidades de escrita necessárias para alguém realizar esse

trabalho. Observar o sistema de gêneros permite compreender as interações práticas,

funcionais e sequenciais de documentos e ver como os indivíduos, ao escrever qualquer

novo texto, estão intertextualmente situados dentro de um sistema, e como sua escrita é

direcionada pelas probabilidades de gêneros.

Interessante é que, ao definir o sistema de gêneros em que as pessoas estão

envolvidas, o autor aponta também um frame que organiza o trabalho, a atenção e as

realizações num sistema de atividades. Em algumas situações comunicativas e de

interação, fazemos a identificação de tal situação, acionando da memória nossos esquemas

de conhecimento, para, a partir disso, usar adequadamente os gêneros orais ou escritos.

Tais gêneros possuem características distintas, devido às suas especificidades. Além disso,

tornam-se suportes de atividades cujos aspectos físicos assumem um papel altamente

visível. Jogar basquete, por exemplo, pode se tratar basicamente de movimentos e

manuseio da bola, mas existem regras, estratégias, gritos de torcida, organização de ligas e

reportagens de jornal que envolvem gêneros orais e escritos (BAZERMAN, 2004, p.35).

Por último, levar em consideração o sistema de atividades junto com o sistema de

gêneros é destacar o que as pessoas fazem e como os textos as ajudam a fazê-lo.

Miller (2009, p.22), nos passos de Bazerman, afirma que a definição de gênero

precisa ser centrada não na substância ou na forma do discurso, mas na ação em que ele é

usado para realizar. Ela se baseia nas ligações entre gênero e atos praticados

recorrentemente, pois percebe que os propósitos dos usuários são componentes essenciais

da situação. Seu interesse não é tanto fornecer um sistema classificatório na compreensão

de gênero, e sim uma explicação de certos aspectos de como a realidade social evolui. Um

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princípio útil de classificação para o discurso, então, deve ter alguma base nos acordos da

prática retórica, incluindo as maneiras como retores e audiências reais têm de compreender

o discurso que usam.

A autora propõe que o termo “gênero” seja limitado a um tipo particular de

classificação de discurso, uma classificação baseada na prática retórica, aberta e

organizada em torno de ações situadas, isto é, pragmáticas. Ela defende a classificação

etnometodológica que procura explicar o conhecimento que a prática cria, ou seja, a

realidade sociocultural é construída por meio da vivência de cada um no dia a dia e que,

em todos os momentos, podemos compreender as construções sociais que permeiam nossa

conversa, nossos gestos, nossa comunicação etc. Portanto, para uma teoria de gênero

retórico, a noção de “tipo” tem a importância de ordenar as práticas sociais. Quando

interpretamos situações novas como sendo similares ou análogas a outras, criamos um

“tipo” que se torna parte de nosso conhecimento.

Esse processo de “tipificação” baseado em recorrências explica a natureza

convencional do discurso, assim como as regularidades encontradas tanto em sua forma

quanto em sua substância.

Ainda, segundo Miller (ibid., p.44), gênero é um “artefato cultural” passível de ser

interpretado como uma ação recorrente e significativa. Salienta que uma noção retórica de

gênero está baseada nas convenções de discurso que uma sociedade estabelece como

formas de agir em conjunto. Portanto, é pela ação em conjunto que produzimos e

reproduzimos os sentidos sociais e criamos estruturas específicas para cada gênero.

Tal como se nota, Bazerman e Miller oferecem fundamentos para Marcuschi (2011)

quando esse afirma que os gêneros são dinâmicos, derivando um do outro e se realizando

de maneira multimodal; circulam na sociedade das mais variadas maneiras e nos mais

variados suportes tecnológicos da comunicação, exercem funções sociocognitivas e

facilitam trabalhar de maneira mais constante com as atividades desenvolvidas pela

linguagem.

Além do mais, hoje se reconhece que não é apenas a estrutura rígida que resolve a

questão do gênero e sim sua funcionalidade e organicidade.

4.2. GÊNERO CHARGE: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICA

Segundo o dicionário Houaiss, a charge é definida como desenho humorístico, com

ou sem legenda ou balão, geralmente veiculado pela imprensa e tendo por tema algum

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acontecimento atual, que comporta crítica, humor e focaliza, por meio da caricatura, uma

ou mais personagens envolvidas. No dicionário Aurélio, a definição se completa ao dizer

que o acontecimento é em geral, de caráter político. Desse modo, para compreender uma

charge, o leitor deve conhecer o texto fundador, isto é, o fato que tornou a charge possível

e/ou os textos que constituem o contexto. Seu caráter é temporal, pois trata do fato do dia.

Historicamente, a charge tem sido definida como uma ação social cujo propósito é

reivindicar os direitos das minorias, dos excluídos, ridicularizando políticos, celebridades e

outros poderosos, bem como eventos sociais e políticos em que estes estão envolvidos;

aqueles têm sido alvos, direta ou indiretamente, do comentário gráfico na forma de

desenhos com que os chargistas os expõem à opinião pública.

Além disso, apresenta traços e características do enunciador que constitui seu estilo.

O desenho não é, pois, uma cópia fiel da realidade, porém veicula uma mensagem que se

constitui a partir dos valores da cultura em que está inserida. O efeito da realidade, ou seja,

o que torna a charge possível de ser aceita como parte de nosso arcabouço sociocultural,

está ancorado nessa mensagem.

Desse modo, o enunciador pressupõe que o enunciatário da charge conheça o

contexto social, cultural e político ao qual o enunciador se refere. Cabe ao leitor realizar a

interpretação. Para isso, a compreensão depende da percepção dos recursos visuais

(desenho, cor, traços exagerados, constituindo uma caricatura), verbais e pragmáticos,

utilizados pelo enunciador da charge. Outro aspecto relevante está relacionado com o

conhecimento prévio e enciclopédico que o leitor traz para que possa apreender sentido e

desencadear o riso.

Para Melo (1994), a charge registra fatos políticos e trabalha com figuras públicas

conhecidas e tende a atribuir a elas valores e a criticar suas ações. Ela possui a capacidade

de abordar a realidade com traços críticos e lúdicos, utilizando imagens que fazem parte do

imaginário popular, criando códigos de cumplicidade.

Para uma boa leitura é fundamental levar sempre em conta o contexto em que a

passagem a ser lida está inserida, lembrando que esse contexto pode vir manifestado

explicita ou implicitamente por palavras ou imagens, considerando-se que um mesma frase

pode, portanto, assumir sentidos distintos, a depender, é claro, do contexto no qual ela se

insere. Assim, há de se examinar, com base em Beaugrande (1997), a conceituação de

contexto como uma unidade maior em que uma unidade menor está inserida, ou seja, o

contexto é, portanto, um conjunto de pressuposições, baseados nos saberes dos

interlocutores, motivados para a interpretação de um texto.

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Além disso, destaca-se a importância de outros fatores como: a intencionalidade,

que se refere aos diversos modos como os sujeitos usam textos para realizar suas intenções

comunicativas, mobilizando, para tanto, os recursos adequados à concretização dos

propósitos visados; a situacionalidade, que se refere ao conjunto de fatores que tornam um

texto relevante para uma situação comunicativa em curso ou passível de ser reconstruída; a

intertextualidade, já mencionada anteriormente (capítulo III) e a inferência, elementos

consideráveis para a produção de sentido no processo de interpretação. Eles vão auxiliar

não apenas a comunicação entre os interlocutores, mas também a elaboração do cômico.

Portanto, as relações de um texto a outro, de uma imagem a outra, dependem do repertório

do leitor, do seu conhecimento prévio e de mundo. No caso da charge, isto é igualmente

válido, no que se refere à linguagem visual.

Conforme exposto, todos esses elementos são importantes para que o artista ao

produzir seus desenhos tenha a capacidade de passar para o leitor sua ideologia¹, seus

valores. Assim destaca-se o papel didático da imagem, o papel de formar uma consciência

crítica no leitor, que é incentivado a interpretar a ideia proposta, a pensar sobre o assunto e

a concordar com aquela ideologia ou não.

¹ Ideologia, entendido segundo ALTHUSSER deriva dos conceitos do inconsciente e da fase do espelho (de

Freud e Lacan, respectivamente), e descreve as estruturas e sistemas que permitem um conceito significativo

do eu. Ela representa a relação imaginária dos sujeitos a partir das condições reais da existência, está

interessado em problematizar o caráter equivocado de alguns estudos marxistas que concebiam a ideologia como uma distinção da realidade. São condições concretas de existência que estão em jogo e elas circulam

sobre as práticas sociais e o papel de assujeitamento do indivíduo perante as ideologias. Portanto, segundo

Melo (1994, p.67) os meios de comunicação coletiva, através dos quais as mensagens jornalísticas penetram

na sociedade, bem como os demais meios de reprodução simbólica, são “aparatos ideológicos”, funcionando,

se não monoliticamente atrelados ao Estado, como dá a entender Althusser, pelo menos atuando como uma

“indústria da consciência”, influenciando pessoas, comovendo grupos, mobilizando comunidades, dentro das

contradições que marcam as sociedades.

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Portanto, a leitura de uma charge requer todas essas considerações, e, além disso,

uma relação forte entre imagem e texto. Para isso, segundo Dionísio (2011, p.138), “o

letramento visual está diretamente relacionado com a organização dos gêneros textuais”.

Isso posto, a charge carrega texto e imagem para marcar a posição do chargista mediante

questionamentos críticos de uma sociedade num determinado período da história.

Ainda segundo a autora, imagem e palavra mantêm uma relação cada vez mais

próxima, cada vez mais integrada e cada vez mais vivemos numa sociedade em que o

visual ganha um espaço importante na construção dos gêneros textuais. Por isso, as charges

ocupam um espaço especial nos jornais, muitas vezes na primeira página dos diários,

porque se tornam verdadeiros editoriais, comentários sociais que, velados pelo humor,

mostram com figuras caricatas o que não poderia ser dito com palavras.

A charge é considerada ainda um discurso humorístico que valoriza a ilustração,

destacando na caricatura as questões ideológicas, as de poder, as de sentimentos e as de

personalidade. Esse recurso gráfico é a representação pictórica de caráter burlesco e

caricatural em que se satiriza ou critica um fato específico, geralmente de caráter político-

social.

A caricatura, segundo Fonseca (1999), deriva do verbo italiano caricare que

significa carregar, sobrecarregar com exagero, ou seja, a caricatura reproduz a imagem

isolada dos personagens vivos, acentuando detalhes ou ressaltando defeitos cuja finalidade

é suscitar o riso e a ironia.

Por ser um discurso lúdico e crítico, a charge tem a liberdade de mostrar a

interpretação dos fatos, utilizando recursos verbais e visuais, de tal modo a vermos as

situações de maneira descontraída, sem o pudor da moral ou conceitos éticos; sem, no

entanto, precisar recorrer à linguagem vulgar ou sensacionalista.

A partir disso, Dionísio (2011, p.139) reitera a importância dos gêneros textuais

serem multimodais, ou seja, quando organizamos um texto escrito ou falado, estamos

constantemente articulando combinações entre palavra e imagem (gestos, sorriso,

animação, etc.). Esses contratos geram significações relevantes na produção e construção

de sentido que estão associados a um tipo de situação retórica e atividade socialmente

organizada.

Nesse caso, a charge, como gênero textual, que compartilha a linguagem verbal e

visual em seu modo constitutivo, é um exemplo que muito perfeitamente se encaixa nesse

conceito de multimodalidade, uma vez que a significação só se estabelece por meio da

associação, ou melhor, da inter-relação entre essas duas linguagens.

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Para compreender uma charge é preciso prever a habilidade do destinatário para

distinguir o que é subentendido do que é pressuposto. Ducrot (1987, p.32) define “o

subentendido como sendo a resposta a uma pergunta sobre as condições de possibilidades

da enunciação”, ou seja, o subentendido se caracteriza por um processo interpretativo a

partir dos dados explícitos no enunciado, possibilitando o leitor apreender significados

ativando seu conhecimento de mundo.

Ducrot ressalta, ainda, que o subentendido aparece como uma explicação de sua

enunciação. Para ele, subentende-se que as respostas derivam das seguintes perguntas:

“Por que o locutor disse o que disse?”, “O que tornou possível sua fala?”. Para isso, ele

ilustra essas definições com o seguinte enunciado: “Pedro parou de fumar”, pressupõe que

Pedro fumava anteriormente e não fuma mais. Por outro lado, se esse enunciado é

destinado a relembrar a um fumante crônico a possibilidade de parar de fumar, pode ser

que ele veicule subentendido como “Com um pouco de coragem, pode-se chegar lá”,

“Pedro tem mais força de vontade que você”. Além disso, Ducrot (ibid., p.41) afirma que a

“pressuposição é parte integrante do sentido dos enunciados”. O subentendido, por sua vez,

diz respeito à maneira pela qual esse sentido deve ser decifrado pelo destinatário.

Desse modo, na charge, essa inter-relação entre imagem e palavra pressupõe a parte

integrante do que se pretende dizer ao destinatário que busca decifrar e interpretar esses

códigos construindo sentido dentro do contexto proposto pelo enunciador.

4.3. A CHARGE COMO CRÍTICA JORNALÍSTICA

Conforme o que foi exposto anteriormente, a charge exerce uma função social,

importante no meio jornalístico, pois transmite fatos e informações do dia-a-dia, de forma

rápida, sucinta, com criatividade e com dose de humor, revelando uma leitura crítica do

mundo atual.

Neste tópico, faremos uma reflexão a respeito da atual tendência em associar as

imagens, com um toque de humor, às informações escritas na mídia impressa, e como esse

recurso gráfico emite valores, informa e critica os acontecimentos relevantes noticiados

pela mídia.

Para Melo (1994, p.168), “toda imagem inserida na imprensa tem função

opinativa”, ou seja, os fatos sociais e políticos não se limitam aos editoriais, crônicas,

comentários etc., mas também estão incorporados às imagem. O uso da imagem produz um

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impacto imediato, seja pela evidência, seja pelo eventual humorismo. Para o autor, a

intenção das charges é representar o real, criticando-o e, até mesmo denunciando-o. Além

disso, os chargistas atuam como se fossem a “consciência crítica da sociedade”. As

imagens desenham, resgatam o cotidiano contraditório inerente às sociedades

contemporâneas, cujas instituições políticas sufocam os cidadãos. Assim, as charges são

uma proposta de reflexão sobre os fatos e acontecimentos do momento presente visando à

critica, à sátira, à ironia ou à emissão de juízo de valor por meio da imagem e da palavra.

Interessante é que a presença do humor permite à charge, mesmo sendo

excessivamente crítica, afastar-se da leitura formal dos fatos, desmascarando-os de maneira

a não causar reações de contrariedade. Sua mensagem é recebida com maior tolerância e

complacência, uma vez que as relações de poder que permeiam a política e os demais

campos sociais não aparecem explicitamente na crítica do chargista.

As charges contêm a expressão de uma opinião sobre determinado acontecimento e

só constroem sentido no campo jornalístico, porque se alimentam dos símbolos e valores

que fluem permanentemente e estão sintonizadas com o comportamento coletivo. Elas

denunciam por meio da ironia, da sátira, da zombaria, etc., construindo uma visão

particular da realidade.

Essa concepção da importância da imagem no meio comunicativo vem de longa

data. Desde os tempos mais remotos do Paleolítico até os dias de hoje, o homem deixou

vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos nas pedras e nas

cavernas. Essas figuras, desenhadas ou pintadas, gravadas ou talhadas, são consideradas

imagens, porque imitam e esquematizam visualmente as pessoas e os objetos do mundo

real.

A charge vai além de um desenho sem nexo e sem identidade. Mas, para esse

recurso gráfico ser compreendido, é necessário que o leitor tenha conhecimento dos fatos

abordados, do contexto e das personagens nelas representadas; o fato deve ser tratado

como atual, pois, do contrário, o leitor pode ter dificuldade no seu entendimento, o que

justifica a opção por temas da atualidade. Assim, é imprescindível que a imagem tenha

dados suficientes, fornecidos pelos detalhes. A caracterização e as marcas representando o

tema proposto são suportes necessários à interpretação das charges.

No geral, as charges jornalísticas são consideradas prevalentemente de cunho

político e social e ocupam um espaço privilegiado na imprensa, que introduzem

importantes modificações no sentido de consolidar sua inserção e facilitar o acesso ao

leitor.

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4.4. CHARGE: HUMOR E CRÍTICA

Minois (2003[1946], p.553) classifica o século XX e XXI como a era da “derrisão8

universal”, ou seja, o riso zombeteiro tomou conta do mundo nos últimos tempos, apesar

das catástrofes. O povo encontrou no riso a força para zombar de seus males seja espiritual

ou físico como: guerras mundiais, crises econômicas, fome, pobreza, desemprego,

terrorismo, corrupção, degradações do meio ambiente etc. O humor tornou-se uma arma

para questionar, para contrariar, para escapar às decepções de uma sociedade cheia de

imperfeições.

Segundo o autor, o riso moderno, diferentemente da Idade Média, passou a ser um

instrumento de resistência, que demonstra a luta contra o poder, um protesto, uma atitude

de não conformação e não mais a sublimação da rotina, criando, assim, uma “sociedade

humorística” que trouxe um novo estilo de sociedade onde o humor prevalece e domina, e,

ao mesmo tempo, um humor descontraído e descompromissado. Minois (ibid. p.620)

afirma que o cômico, longe de ser uma festa do povo ou do espírito, tornou-se um

“imperativo social generalizado, uma atmosfera cool, um meio ambiente permanente que o

indivíduo suporte até em sua vida cotidiana”.

Schopenhauer, filósofo que mais se aprofundou nos estudos sobre o riso por ser o

mais ridente, afirma que quanto mais o mundo parece uma realidade absurda e descolada,

mais se deve rir dele.

______________________________________________

8Derrisão: palavra de origem latina “derision” que significa zombaria.

http://dictionary.reference.com./browse/derision. Acesso em 04.11.2013.

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Atualmente, o humor do mundo político nos meios de comunicação mantém o

cômico como inevitável. O humor universal, padronizado, midiatizado, comercializado,

globalizado, conduz o planeta. Ele foi sempre uma fonte de consolo e uma defesa contra a

imoralidade, o desconhecido e o inexplicável. Para Minois (2003 [1946]) o humor

moderno é menos descontraído que o de séculos passados, porque incide não mais sobre

este ou aquele aspecto da vida, mas sobre a própria vida e seu sentido, ou sua ausência de

sentido. Ainda, segundo o autor, o humor e a ironia generalizam-se no século XX e XXI,

revelando condutas que permitem ultrapassar o absurdo do mundo, do homem e da

sociedade. Nesse sentido, vivemos um século que ri de tudo.

Segundo Charles Lemert (1992, apud MINOIS 2003[1946]), a ironia é hoje uma

atitude necessária para uma teoria social, pois permite usar de artimanhas com a vida. O

riso irônico é sempre calculado, intelectualizado e refletido. Portanto, o autor ressalta que o

humor torna-se um instrumento de luta contra o poder, ou seja, o humor incorporou-se à

cultura popular, provocando uma sensação agradável e uma percepção de liberdade,

trazendo um riso zombeteiro, irônico, sarcástico, um riso de protesto, de contestação do

poder, dominando espaços públicos e se fazendo presente na imprensa, sobretudo nas

charges.

Um outro aspecto a ser comentado refere-se às charges atuarem como agentes

políticos e são usadas para expressar uma insatisfação dos fatos veiculados na mídia

impressa. Para Minois (2003 [1946]), nas democracias ocidentais o uso do riso zombeteiro

em política, beneficiando-se de grande tolerância, não cessa de progredir. É por meio das

charges e das caricaturas que a derrisão se situa. Estas só podem agir, indiretamente, com a

intervenção da opinião pública, por isso, diante de um fato ou acontecimento político e

social, que estejam sendo veiculados na mídia impressa, o humor satírico tem condições de

exprimir-se por completo, explorando os desvios cometidos pelos políticos.

Em cada época o riso foi uma reação de autodefesa da sociedade, diante das

ameaças potenciais da cultura, mas, em parte, o riso tem por objetivo aliviar essas ameaças

e as tensões como uma espécie de psicanálise social, expondo cinicamente todas essas

proibições que preocupam a civilização. Dessa forma, o riso existe para desmascarar as

insuficiências e os defeitos da humanidade; ele permite suportar o insuportável,

disfarçando, zombando e brincando.

A partir disso, podemos afirmar que o humor é indispensável para a sociedade; sem

ele a humanidade não suportaria as grandes transformações sociais, políticas, econômicas

etc., que ocorrem num mundo que cresce de forma tão rápida.

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Assim, pensar em charge é percorrer os acontecimentos e retratar uma realidade

factual e verossímil, por meio de caracteres históricos e culturais de uma sociedade. A

charge assume um papel importante na vida social e política de uma sociedade no âmago

de suas imperfeições. Ela traz o registro do flagrado, com o intuito de veiculação de

informações por meio de um olhar fincado nos interesses de quem as produz. Pesquisá-las,

portanto, tem por objetivo identificar os jogos de interesses que entrecruzam a esfera

política, indicando perspectivas, possibilidades e intenções de se lidar com a memória e a

história, como mostra a imagem 07, abaixo, relativo à charge do rei da França,

caracterizado como Gargantua. Esta charge fez com que Honoré Daumier ficasse preso por

seis meses no Sainte Pelagie em 1832.

Imagem 07

“Gargantua” (http://pt.wikipedia.org/wiki/honor%C3%A9_Daumier-acesso em

02.07.2013)

Assim, a charge serve como uma espécie de âncora, isto é, uma alavanca que extrai

os conceitos de um povo enquanto sociedade, para aguçar a comicidade crítica e a

investigação do comportamento humano.

No decorrer da história a partir do século XIX, dentro das calamidades sociais, a

charge rompe e contesta desvios sociais e políticos com suas caricaturas burlescas.

Segundo Lauerte (2008, apud MINOIS, 2003), “o poder da charge cria e destrói

ícones com seu simbolismo exacerbado”. Os Impérios, o Estado, a Igreja sempre se

utilizaram da força para evitar opiniões contrárias, o que não extraiu do seio social o anseio

de manifestar e tornar real as conclamações de protesto. Assim, a charge se transforma

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num poder fiscalizador e opinativo perante as injustiças sociais, políticas e históricas

vigentes no país.

A função do humor na charge é questionar o poder a todo o momento, por isso, ela

é altamente renovadora. Quando Chaplin fazia de bobo um guarda de rua, em seus filmes,

sabia que ridicularizar o poder descontrai o ser humano e o fazia rir. Desse modo, o humor

veio para contrapor regras sociais, questioná-las e descontrair o ambiente social e político.

O chargista é uma espécie de termômetro do que a população pensa e reclama. Ao mesmo

tempo, com sua competência e com sua habilidade em utilizar os recursos verbais e não

verbais, influencia um povo a olhar o mundo de forma crítica.

Segundo Bakhtin (1987), numa sociedade estratificada, as formas cômicas

adquirem um caráter não oficial, seu sentido modifica-se, aprofunda-se, para transformar

finalmente nas formas fundamentais de expressão da cultura de um povo.

Além do mais, numa organização social, os recursos humorísticos, em caráter não

oficial, são apropriados para suprir as dificuldades do povo, estabelecendo uma relação

pertinente entre o homem, a sociedade e o mundo. Um gênero textual o qual nos permite

essa sensação é o gênero charge, que com seus recursos expressivos vê o mundo sob a

ótica de um narrador personagem, identificando o fato social ou político que a cerca, e

ainda permite em sua composição, com a intenção de fazer crítica, produzir humor e

denunciar atuações e comportamentos de elementos da sociedade.

A partir disso, podemos observar a publicação da primeira “Revista Illustrada”, em

1876, por Angelo Agostini, artista italiano, imigrante, caricaturista, ilustrador, desenhista,

crítico de arte e pintor, que exerceu forte influência na opinião pública da época por meio

das charges. Essa revista fora um marco na imprensa brasileira por seu engajamento

político e a conclamação da arte por meio da charge (SALIBA, 2002).

Imagem 08

Charge de Agostini (1882), em que D.Pedro

II é “derrubado do trono”- RevistaIlustrada

http://almadanoach.blogs

pot.com.br/2008/11/monarquia-e-republica-

nas-caricaturas-de.html-acesso em

02.07.2013).

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Na figura 8, charge em que D. Pedro II, o imperador, é “derrubado do trono”,

enuncia a queda não só do imperador, mas a queda de um sistema organizacional de poder,

a ser consumado tempos depois, especificamente em 1889, com a Proclamação da

República. Sendo assim, a charge traz teores satíricos e provocativos, os quais antecipam

os interesses da editoria da “Revista Illustrada”, que ganha apelo público por seu caráter

crítico, contudo humorístico.

Segundo Possenti (1998, p.109), “o discurso humorístico é sempre crítico e os

chistes são formas de veicular discursos conservadores ou mesmo reacionários”, ou seja,

além do campo da sexualidade e do racismo, o humor político é sem dúvida, na maior parte

de suas manifestações, o mais crítico.

Além disso, o autor afirma que o humor político explora determinadas

características do político ou das etapas da história pelas quais o país ou governo passa, e

quanto a sua compreensão, depende de fatores pragmáticos e discursivos. O autor ilustra,

preferencialmente, exemplos cuja compreensão depende de fatores mais pragmáticos do

que discursivos. Há piadas que criticam a própria política, ou, melhor dizendo, a classe dos

políticos como um todo.

FHC vai consultar uma vidente. A bruxa lhe diz:

- Aqui vejo muito claro. Tu vais morrer num dia de festa

Pátria.

- Bom, mas que dia?

- Não sei, mas qualquer que seja o dia em que morras vai ser

Uma verdadeira festa.

Há aquelas que criticam determinada concepção de política, talvez atribuída a um

povo. A piada revela um conceito segundo o qual o político é o responsável pela solução

dos nossos problemas.

O candidato está fazendo um discurso e, lá pelas tantas diz:

- Se eu for eleito, prometo que haverá trabalho para todo mundo

O bêbado comenta:

- Já começou a perseguição.

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Há aquelas mais comuns no mundo político que é a do político corrupto:

Dois turistas encontram um cemitério brasileiro (argentino etc.). Veem uma lápide

na qual se lê: “Aqui jaz um político e um homem honesto”. E um dos turistas comenta:

- Que estranho. Os brasileiros (argentinos etc.) enterram duas pessoas no mesmo

túmulo.

Nessa piada, os elementos linguísticos explorados deixam subentendido que há um

morto que foi político e honesto, mas também pode se tratar de um político e de um

homem honesto.

A partir desses exemplos podemos observar que a compreensão dos chistes

depende de fatores pragmáticos e cujo tema possibilita uma variedade de construção

textual. Além disso, o autor afirma que a maior parte das charges veiculadas nas segundas

páginas dos jornais são políticas, porque são, em geral, produzidas em função da notícia.

Possenti (1998, p.117) divide o humor na imprensa em dois critérios que medem

sua ligação maior ou menor com as notícias em destaque. O primeiro tipo está relacionado

com o humor dos chargistas de plantão que têm o compromisso de retomar a matéria de

capa ou de primeira página; o segundo tipo, denomina “humor de autor”, tem autonomia

maior e publica, de certa forma, o que querem, como, por exemplo, Millôr Fernandes, Jô

Soares e Luís Fernando Veríssimo que atuam em diversos veículos de comunicação,

diários ou semanais. Esses autores, consagrados, produzem material que não estão

necessariamente relacionados com a primeira página ou com a matéria da capa, mas,

eventualmente, guardam relação com os fatos mais destacados na imprensa. Tudo indica

que os autores não têm a obrigação de utilizar esta temática como sua matéria.

As charges relativas às matérias de primeira página parecem ser, muitas vezes,

exatamente a mesma voz do editor do jornal, apenas em outro registro. Por isso, afirmamos

que esses tipos de charges despertam um interesse maior na análise do corpus deste

trabalho, pois trazem a opinião pública a respeito de fatos e acontecimentos veiculados no

dia a dia.

Em suma, um dos objetivos básicos do humor é a crítica social, desejando a

modificação da sociedade e quase sempre mostra o absurdo e o ridículo de

comportamentos do homem, para que este veja a necessidade de contestar e romper com a

estrutura social vigente.

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5. ANÁLISE DO CORPUS

Neste capítulo, faremos as análises de onze charges do chargista Angeli sobre o

mensalão, no período de agosto a outubro de 2012, publicadas na Folha de S. Paulo.

Baseamo-nos, para as análises, nas concepções aqui estudadas no capítulo III sobre a

referenciação, a inferenciação, a recategorização associadas às expressões anafóricas.

Devemos considerar que o critério sócio-cognitivo interacional, por nós adotado, permite a

inclusão das recategorizações, das anáforas diretas e indiretas e dos intertextos para a

compreensão do efeito de humor estudado no capítulo II. Isso posto, para Cavalcante

(2005, p.129), o objeto do discurso se recategoriza por meio de pistas as quais direcionam

o leitor a apreender o sentido a partir de “modelos mentais minimamente organizados em

nossos conhecimentos culturalmente partilhados”.

Em outras palavras, para que o leitor tenha a capacidade de compreender o discurso

presente, na figura da charge, faz-se necessário que ele tenha o conhecimento

culturalmente partilhado para que haja compreensão na leitura do texto. Tais

conhecimentos, como citado anteriormente, correspondem às experiências vivenciadas e

compartilhadas por uma dada comunidade e armazenada mentalmente em modelos

cognitivos. Além disso, para que o humor seja percebido pelo interlocutor, faz-se

necessário que o leitor compartilhe dos conhecimentos exigidos pela autoria textual, para

compreensão da intencionalidade discursiva presente na charge.

Tal como apresentado por Travaglia (2005) e por Possenti (2010) em seus ensaios

teóricos, sabemos que o discurso humorístico não se manifesta por si só. Não há o

engraçado vagamente apresentado sem que algo inserido à situação de produção textual

não provoque o riso em quem presencia o fato humorístico. O humor é compartilhado por

um determinado grupo de pessoas em que um assunto é difamado ou “rebaixado” mediante

algum apontamento falho que justifique a ocorrência de um acontecimento ou de uma

pessoa alvo desse apontamento. Dos fatores destacáveis mais comuns em um dado

contexto social enfocamos os tipos estereotipados historicamente e socialmente.

Obviamente, o tema que mais sofre recorrência estereotipada é o do político corrupto, falso

e manipulador.

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Charge 1

Fonte: Opinião – Folha de São Paulo, 2 de agosto de 2012

Na charge 1, publicada no início do julgamento do mensalão pelo STF, observamos

a introdução do referente explícito “mar de lama”, termo utilizado pela política brasileira

para categorizar a existência de enormes redes de corrupção em um governo. Esse

referente é recategorizado pela imagem por ser o caso de corrupção mais “sujo” e

“vergonhoso” na história política do Brasil. Um dia antes do julgamento, a Receita Federal

confirmou punições contra réus e empresas ligadas ao processo do mensalão que somaram

pelo menos R$ 64,4 milhões. As penalidades foram mantidas pelo Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais, orgão do Ministério da Fazenda, que concordou com

as acusações feitas criminalmente pela Procuradoria Geral da República na ação no STF.

As decisões do Conselho apontaram que o empresário Marcos Valério de Souza e

outros réus do grupo citados como “núcleo operacional” do esquema cometeram diversas

infrações como evasão de divisas, movimentação de dinheiro de origem não declarada e

fraudes contábeis para justificar entradas e saídas de recursos. Segundo documentação da

Receita Federal, o grupo mandava desde 2002 dinheiro ilegal ao exterior, sem passar pelo

sistema financeiro nacional.

Assim, ancorado nesse contexto e ativado pela anáfora indireta “mensalão”,

introduzida pela fala da personagem, o referente é recategorizado como o maior esquema

de corrupção envolvendo arrecadação ilegal de recursos para campanha e compra de votos

de parlamentares em troca de apoio do governo Lula.

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A partir disso, observamos que o processo da recategorização do referente demanda

uma abordagem tanto dos aspectos linguísticos quanto dos sociocognitivos para que o

leitor possa compreender e construir sentido. Ele modula o referente em função da

intencionalidade comunicativa do momento, que é criticar as ocorrências absurdas do

mensalão.

Desse modo, o riso surge da difamação, do rebaixamento cuja intenção é

ridicularizar, humilhar os políticos envolvidos no esquema e, ao mesmo tempo, corrigir e

denunciar para que se possa manter a ordem social.

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Charge 2

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 5 de agosto de 2012.

Nessa charge 2 temos um cenário em que Roberto Gurgel, Procurador-Geral da

República, diante do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, declara-o ser o “mentor” e o

principal responsável pela organização do mensalão. Gurgel descreveu um esquema de

corrupção criado para assegurar apoio ao Governo no Congresso após a chegada do PT

(Partido dos Trabalhadores) ao poder. Ele afirma que o esquema funcionava dentro do

palácio da Presidência da República, por isso considerou o mensalão o mais “atrevido” e

“escandaloso” sistema de corrupção do Brasil. Mesmo sem provas concretas, Gurgel

invoca a teoria do “domínio do fato”, ou seja, por meio de depoimentos de testemunhas e

outras evidências, ele o acusa nos casos que abrange crime organizado.

Na Folha de S. Paulo (2012), esse tipo de crime envolve o esquema mais

sofisticado que arregimenta “laranjas”¹, intermediários, assessores, e o chefe não se

envolve diretamente, ou seja, o autor do crime é quem decide e planeja a atividade dos

demais.

________________________________________________

¹ o termo “laranja” e “testa de ferro” designam, na linguagem popular,

a pessoa que intermedeia transações financeiras fraudulentas, emprestando

seu nome, documentos ou conta bancária para ocultar a identidade de quem

a controla. Acesso em 12/08/2013 – http://pt.wikipedia.org/wiki/laranja

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A partir disso, ancorados nesse contexto e amparados pela anáfora indireta do

referente explícito “Jesus”, observamos que a imagem de José Dirceu, ex-ministro da Casa

Civil e figura política importante na sociedade, é recategorizada como “arrependido”

diante das acusações feitas pelo Procurador-Geral da República e por desconhecer o

mensalão e as pessoas envolvidas no esquema. Diante disso, Gurgel, espantado com o

discurso de Dirceu, disse que nada disso importa, porque, de acordo com a teoria do

domínio do fato, o que interessa é que ele idealizou o esquema e tinha domínio sobre o que

a quadrilha fazia, mesmo sem se envolver com a execução dos seus crimes.

Assim, por meio dessas estratégias e amparado na anáfora indireta, o riso ocorre do

aparecimento de uma incongruência inesperada entre o discurso de um político petista para

um discurso religioso “Encontrei Jesus” que nos mostra o arrependimento dos seus erros,

provocando, assim, o humor. A causa desencadeadora desse processo seria a quebra de

uma expectativa, ou seja, a perda de controle em relação à postura indiferente e falsa de

José Dirceu diante de uma autoridade pública e num espaço jurídico de respeito perante a

sociedade.

Charge 3

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 6 de agosto de 2012

Nesse caso, a charge 3 é construída por meio do intertexto, sendo que o texto-base

foi publicado pela Folha de S. Paulo, em 5 de agosto de 2013 e cujos fatos envolvem a

contratação dos melhores advogados de São Paulo para que façam a defesa dos principais

réus do mensalão.

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Os advogados mobilizam equipes inteiras para acompanhar, em Brasília, o

julgamento do processo, alegando poder dar conta das acusações que constam no mesmo.

Para isso, cobram altíssimos honorários não divulgados pela mídia. Isso posto, ancorado no

contexto, observamos a introdução do referente “festival de advogados de Brasília”

recategorizado como “corruptos”. Pois, a partir do conhecimento de mundo que temos do

referente “advogados”, profissionais liberais “sérios”, bacharéis em Direito e autorizados

pelas instituições competentes de cada país a representar os interesses das pessoas físicas

ou jurídicas em juízo ou fora dele, quer entre si, quer ante o Estado, passam a defender

apenas seus interesses. Essa compreensão é possível pela associação da anáfora indireta

“festival” com a imagem representada, ironicamente, pela equipe de advogados que

aparece de feição alegre e mostra uma ação comum em situações de comemoração, festas e

celebrações, querendo apenas levar vantagem do caso que envolve muito dinheiro,

desencadeando, assim, o riso.

Além do mais, também constatamos o riso aristotélico baseado no aspecto moral,

zombando dos vícios a que o homem se expõe, tentando, sem cessar, possuir cada vez

mais, visando o ter por ter. Assim sendo, isso o leva ao ridículo, tornando-se alvo fácil do

riso. Consequentemente, o texto só será cômico mediante a admissão da ocorrência da

recategorização por meio da anáfora indireta e do intertexto.

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Charge 4

Fonte: Opinão – Folha de S. Paulo, 14 de agosto de 2012

O cenário da charge 4 está associada ao texto-base publicado na Folha de S. Paulo de 13 de

agosto de 2012, onde Luis Flávio Zampronha, delegado da Polícia Federal que investigou o

caso de 2005 a 2011, afirma que o esquema era mais amplo nas suas duas mediações:

arrecadação e distribuição. Deveria ser encarado como um grande sistema de lavagem de

dinheiro e não só como canal para a compra de apoio político no Congresso. O delegado

abasteceu de provas o Ministério Público Federal, que, em 2006, ofereceu a denúncia ao

STF. Para ele, José Dirceu e Delúbio Soares poderiam ter sido denunciados também por

lavagem de dinheiro, o que não foi feito pelo Ministério Público Federal.

Em relação à origem do dinheiro, Zampronha atesta que o mensalão “seria

empregado ao longo dos anos não só para transferências a parlamentares, mas para custeio

da máquina partidária e de campanhas eleitorais e para benefício pessoal dos integrantes”.

O dinheiro não viria apenas de empréstimos ou desvios de recursos públicos, mas também

poderia vir da venda de informações, extorsões, superfaturamento em contratos de

publicidade, da intermediação de interesses privados e doações ilegais. Para ele, os

empréstimos obtidos pelo Banco Rural e BMG eram verdadeiros e seriam quitados com o

dinheiro a ser arrecadado pelo esquema.

Ancorada nesse contexto, na fala da personagem “se o caule é assim, imagine o

tamanho da raiz” e na imagem deformada do caule, a anáfora indireta “mensalão” introduz

um novo referente “a sombra do mensalão” que é recategorizado como um esquema de

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corrupção mais abrangente do que se imaginava inicialmente, englobando outras atividades

ilegais.

A partir disso, o riso é desencadeado pela alusão que fazemos sobre a corrupção ser

muito maior do que aparenta ser e que abalou toda a estrutura política do governo Lula.

Charge 5

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 20 de agosto de 2012.

Na charge 5 verificamos a introdução do referente explícito “Oscar” categorizado

como uma cerimônia formal na qual os prêmios são entregues anualmente pela Academia

de Cinema Americana, em reconhecimento à excelência de profissionais da indústria

cinematográfica, como diretores, atores e roteiristas. Assim, a partir disso, verificamos que

o riso é desencadeado pela percepção contrária que estabelece a real finalidade do referente

“Oscar”. Esse novo objeto de discurso no qual se ancora a anáfora indireta “mensalão” é

reconstruído de forma irônica por meio da fala da personagem representada por Gurgel

“...e o Oscar vai para...” recategorizado implicitamente como “...e o Oscar vai para os

‘figurões’ do mensalão para serem julgados”, referindo-se a José Dirceu, a José Genoino e

a João Paulo Cunha, considerados figuras políticas importantes do Governo Lula. Além

disso, percebemos que o referente implícito “premiação”, ancorado no referente explícito

“Oscar”, é recategorizado como “punição” ou “castigo”, que associados à imagem de

Gurgel segurando o resultado e o malhete relaciona-se ao contexto da notícia no caderno

“Poder”, na Folha de S. Paulo, em 19/08/2012, que retrata logo no início do julgamento do

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mensalão a decisão de serem julgados os principais réus do mensalão, principalmente, José

Dirceu, considerado o mentor.

Charge 6

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 22 de agosto de 2012.

No caso da charge 6, a comicidade é desencadeada pelo intertexto estabelecido com

o título “Inferno de Dante”²; relaciona-se com a primeira parte da “Divina Comédia” de

Dante Alighieri. No poema, o referente “inferno” é descrito com nove círculos de

sofrimento localizados dentro da Terra. Os pecados menos graves estão logo no início e os

mais graves no final. Portanto, os maiores pecados são aqueles cometidos de forma

premeditada usando a inteligência do ser humano para o mal e a traição, onde ambos

recebem a punição máxima no local mais profundo do inferno que é representado pelo

cenário da charge.

O referente “inferno” associado à anáfora direta representada pela imagem; à

anáfora indireta, “partidos”, ancorada no discurso das personagens “Estão agrupados por

partidos?”, e “No princípio era assim, mas, com o tempo foi virando uma coisa só” é

recategorizado por “corrupção”, pois atribui a punição a todos os políticos

independentemente do partido a que pertencem. A “corrupção” contaminou todos os

lideres de partidos como PP, PL, PTB, etc., no caso mensalão, como se a partir disso não

houvesse mais nenhum político honesto nos partidos políticos.

___________________________

² http://pt.wikipedia.org/wiki/inferno_divina. Acesso em 12 de setembro de 2013.

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Essa compreensão é possível por meio das expressões anafóricas que orientam a

configuração do intertexto, fazendo com que o leitor seja capaz de relacionar e reconhecer

a sua presença pela ativação do texto-origem em sua memória discursiva, associando-o às

âncoras lexicais e imagéticas expressas no cotexto e no contexto. Portanto, amparados por

esse processo, o riso surge da difamação e do rebaixamento dos políticos, tornando-os alvo

sarcástico após o super-escândalo de corrupção na esfera política.

Charge 7

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 3 de setembro de 2012

Sequencialmente ao contexto da charge 2, observamos, na charge 7, o mesmo

cenário, onde o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, diante do ex-ministro da

Casa Civil, José Dirceu, confirma possuir provas mais contundentes para sua condenação,

sendo apontado como o “chefe da quadrilha”3. A partir disso, a comicidade é desencadeada

pela introdução do referente “perdeu, playboy” à anáfora direta representada pela imagem

de Dirceu, que é recategorizada como “espanto” e “vergonha”.

____________________

3 http://acervo.folha.com.br/fsp/2012/09/01. Acesso em 13.11.2013.

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Além do mais, temos o referente “Data Venia” categorizada por uma expressão

latina que significa “dada a licença” ou “com o devido respeito”, que ancorado na fala do

procurador desencadeia o riso pela incongruência entre o discurso formal e o discurso

informal. Observamos, também, que o referente imagético Dirceu, figura política

importante durante o governo Lula, é recategorizado como “playboy”, desencadeando o

riso que advém do estereótipo criado no início da década de 50, quando os Estados Unidos

passavam por grande onda de prosperidade. Homens, filhos de famílias que haviam

enriquecido, começaram a dedicar seu tempo integral às festas, a relacionamentos e a

esbanjar dinheiro.

Assim sendo, o leitor apreende que finalmente a justiça falou mais alto e que pela

primeira vez um político cujo cargo era de grande importância à sociedade vai a

julgamento como qualquer cidadão que desrespeita as leis morais e civis. Percebemos que

as expressões anafóricas atuam como estratégias referenciais, que ancoradas aos referentes

lexicais e imagéticos, ativam a memória discursiva e recategorizam o objeto do discurso

deflagrando o humor.

Charge 8

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 25 de setembro de 2012.

Nessa charge 8, a comicidade é desencadeada por meio da anáfora indireta “o

mentor”, que ancorada ao referente explícito “mensalão”, inferimos a José Dirceu,

considerado o principal responsável por viabilizar o esquema do mensalão tendo um papel

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proeminente que permanecia “à sombra” dos acontecimentos. Esse referente é

recategorizado como “alienígena”, ser estranho, desconhecido e forasteiro proveniente de

outro planeta que age com astúcia e inteligência. Além do mais, esse referente imagético é

ancorado no texto-base do filme MIB – Homens de Preto III, lançado em 2012, que trata de

uma organização criada pelo governo para investigar as atividades alienígenas na Terra.

Agentes e ex-policiais se unem para desvendar os mistérios de um possível ataque

extraterrestre. Assim, observamos que a reconstrução desse referente se baseia na anáfora

indireta, que ancorada nas expressões lexicais e imagéticas, constitui o cômico e gera o

riso.

Em seguida, outro gerador do riso, presente na charge, é a coisificação do humano,

como forma de constituição da comicidade, ou seja, a desumanização do homem para coisa

estranha e desconhecida provoca o riso.

Charge 9

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 1º de outubro de 2012.

Na revista Veja (2012), o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão,

condenou os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, que formavam a cúpula

do PT, por crime de corrupção ativa e formação de quadrilha, mostrando como eles

usavam dinheiro desviado dos cofres públicos para subornar parlamentares e comprar o

apoio de partidos políticos do governo Lula. Joaquim Barbosa coordenou toda a fase de

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instrução do processo, e em tese é quem conhece os mínimos detalhes das mais de 50.000

páginas de depoimentos, laudos, memoriais e perícias; por isso é a personagem mais

visível desse embate que impôs à corrupção uma derrota. É um ministro diferenciado e

respeitado diante dos demais ministros. Sua postura muitas vezes polêmica ajudou a fixar a

imagem do cavaleiro disposto a enfrentar as resistências em busca da justiça, um ato de

bravura.

Roberto Da Matta, antropólogo, afirma que “O Ministro incorpora uma espécie de

herói do século XXI. Precisávamos de uma pessoa com o perfil dele para romper com os

rapapés aristocráticos, pois chegamos ao limite da tolerância com a calhordice no poder”

(Veja, 2012).

A partir desse contexto, observamos, nessa charge, a introdução do referente

implícito “relator”, que ancorado na imagem, é recategorizado como “Justiceiro”, um dos

mais famosos anti-heróis das histórias em quadrinhos, criado por Gerry Conway, Ross

Andru e John Romita. Além disso, é considerado um homem-guerra entre todos os

criminosos em geral, conhecendo quase todo o tipo de armamento e sua função é vigiar e

destruir inimigos, criminosos, mercenários, etc.

Assim, podemos observar nesse caso que o humor é desencadeado por meio da

recategorização que funciona como gatilho e através da homonímia representada pelo

cenário que permite apreender a mudança de um mundo textual para o outro, por meio da

ativação de conhecimentos de mundos diferentes que resultarão em mundos textuais

distintos e opostos. Primeiramente, ativamos o mundo da política e da justiça e, em

segundo lugar, ativamos o mundo da ficção, das histórias em quadrinhos, provocando o

riso.

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Charge 10

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 3 de outubro de 2012.

Nessa charge 10, a anáfora indireta “mensalão” introduzida na fala da personagem,

“Sabe o pior? Esse mensalão vai levar cem anos para se decompor” ancora-se na imagem

das cabeças de políticos representando lixo em decomposição. Esse referente é

recategorizado como “política sustentável”. Na Folha de S. Paulo, de 02 de outubro de

2012, o STF confirma o principal ponto da acusação no processo do mensalão, de que o

sistema financeiro clandestino montado pelo PT com o empresário Marcos Valério

Fernandes de Souza cooptou deputados e líderes partidários para que aprovassem projetos

de interesse do Executivo4; assim sendo, apreendemos que a quantidade de políticos

envolvidos no esquema de corrupção divulgado pela mídia é absurda, por isso vai levar

muito tempo para desintegrar ou dissolver.

Em vista disso, observamos que o humor é desencadeado pela sátira política, pois a

vida política desenvolve-se de maneira caótica em direção à democracia, fazendo com que

o riso ganhe terreno e exerça uma atividade social de denúncia para que se possa manter a

ordem social.

_______________________

4 http://acervo.folha.com.br/fsp/2012/10/01. Acesso em 15 de novembro de 2013.

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Charge 11

Fonte: Opinião – Folha de S. Paulo, 25 de outubro de 2012.

Dos vinte e cinco condenados por participação do mensalão, Marcos Valério teve a

pena mais alta, que ultrapassa 40 anos de prisão por formação de quadrilha, corrupção

ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Marcos Valério foi considerado o

operador do esquema e o abastecia com empréstimos junto aos bancos Rural e BMG. A

partir disso, na charge 11, a anáfora indireta “o contador” ancorada na imagem do

“quadro” no interior de uma cela representada pelo cenário da charge, introduz o referente

“Valério” que é recategorizado como contador de dias na prisão, desencadeando o riso.

Dessa forma, o humor é provocado pela ocorrência da recategorização que serve como

gatilho para o efeito do riso, sendo que isso é possível pelas pistas visuais e pela anáfora

indireta que permitem ativar a memória discursiva do interlocutor. Além do mais,

observamos o episódio do riso zombeteiro como forma de ridicularizar o comportamento

do homem referente a seus vícios e o tornando alvo fácil desse riso.

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5.1. ALGUMAS CONCLUSÕES

Nesse final de capítulo torna-se relevante que alguns pontos sejam destacados.

Primeiramente, observamos que as charges exercem uma função social importante no meio

jornalístico, pois revelam uma leitura crítica dos fatos sobre o mensalão com certa dose de

humor. Em segundo, percebemos na maioria das charges aqui analisadas, que a ocorrência

da recategorização serve como gatilho para a construção do humor e busca uma abordagem

tanto dos aspectos linguísticos quanto dos cognitivos. Além do mais, as anáforas diretas

retomam os referentes já apresentados no texto por expressões verbais ou visuais, enquanto

que as anáforas indiretas introduzem um novo referente no discurso, ancorado nas

expressões no texto ou no contexto e ativados na memória discursiva do interlocutor. Por

último, outra estratégia na construção do objeto de discurso é a relação entre textos, ou

seja, por meio do intertexto o leitor ativa sua memória discursiva mediante pistas

apresentadas no cotexto e no contexto, principalmente aquelas divulgadas durante o

julgamento do mensalão na mídia impressa para a construção de sentido.

Importante foi também constatar que o humor praticado por Angeli, embora

apresente, como vimos, os tipos propostos por Travaglia e Possenti, privilegia, pela própria

natureza do corpus – charges de um jornal de alta circulação – o humor político. Melhor

dizendo, o humor como uma espécie de arma de denúncia cuja proposta é utilizar da

comicidade para apontar e satirizar os vícios e os desvios das realidades naturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, analisamos como se constituem os referentes (objeto de discurso)

em charges políticas e como esse processo contribui para a produção do humor. Para a

realização do estudo, partimos da hipótese de que, na análise da referenciação o objeto de

discurso é construído e reconstruído nas charges pela ocorrência da recategorização, do

intertexto, que são amparados pelas expressões anafóricas. Além disso, devemos

considerar a inter-relação entre as diferentes modalidades de linguagem e a função dos

referentes acionados nesse processo para a constituição do humor. Assim, considerando a

natureza sociocognitiva interacional dos referentes e a dimensão constitutiva das charges

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que compõem o nosso corpus, observamos que a construção de sentido é desencadeada na

inter-relação palavra-imagem e que os referentes são introduzidos, retomados e

reconstruídos por meio de âncoras linguísticas e não linguísticas expressas no cotexto e no

contexto sociocognitivo, exigindo participação constante e ativa do leitor na construção

dos sentidos e de novas referências.

Dessa forma, os referentes, objetos cognitivo-discursivos categorizados e

recategorizados, que interagem com as diferentes modalidades de linguagem, constituem-

se e se reconstituem, de modo a trazer à tona o inesperado, quebrando expectativas e,

assim, deflagrando o humor. Para isso, na interpretação, esses referentes ativam modelos

mentais, vistos neste trabalho, como enquadres associativos apoiados nas expressões

anafóricas.

Em suma, merece destaque, nos textos apresentados, o fato de que a ocorrência da

recategorização colabora para uma apreensão imediata da comicidade, poupando o leitor

de um esforço maior ao processar as informações que trazem consigo o propósito

humorístico para que haja a compreensão do efeito de humor.

Além disso, observamos que a produção textual não se limita apenas à

materialidade linguística, mas deve ser vista como objeto de interpretação do mundo.

Portanto, o humor acarreta em si a essência vital da representação dos acontecimentos do

cotidiano e o transformam em apontamentos observáveis por um determinado público e faz

com que as diferentes vozes, tanto dos enunciadores quanto dos receptores, ecoem e se

expandam de geração a geração. Para isso, como divulgadores das desavenças

administrativas e como representantes do anseio populacional, os humoristas utilizam do

humor, para trazer, mesmo que momentaneamente, a satisfação mascarada do riso, numa

busca de apaziguamento dos problemas e das perseguições que tanto assolaram a nossa

sociedade.

Portanto, a execução deste trabalho teve por maior interesse proporcionar alguns

direcionamentos de futuras leituras com novos olhares questionadores, mais aprofundados,

longe do que é aparente e substancial.

Por fim, gostaríamos de ressaltar o papel do jornal Folha de S. Paulo na cobertura

do processo do mensalão que desnudou o Partido dos Trabalhadores (PT). A Folha

dedicou boa parte de suas notícias para esse evento, apresentando, em sua maioria, textos

críticos para avaliá-lo. Por esse motivo, pôde influenciar a construção da opinião sobre os

fatos políticos, demonstrando a pertinência da mídia impressa.

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