Publicidade e consumo na infância: Estratégias publicitárias e resultados
econômicos (São Paulo, 1969 a 1978).
Deividi de Santana Silva*1
Publicidade e Acumulação Tardia
As agências de publicidade ou propaganda2 no Brasil começaram a se desenvolver na
década de 1920, contudo, as condições históricas para seu pleno desenvolvimento só foram
possíveis na década de 1950, momento em que o modo de produção capitalista brasileiro
passou por um “processo de industrialização pesada”. Segundo João Manuel Cardoso de
Mello, o desenvolvimento capitalista neste período: “[...] implicou um crescimento acelerado
na capacidade produtiva do setor de bens de produção e do setor dos bens duráveis de
consumo antes de qualquer expansão previsível dos mercados” (MELLO, 1976: 117)
Neste contexto histórico de mercado reduzido, em relação a capacidade produtiva
instalada entre nós, a publicidade se tornou fundamental para ampliar as demandas de bens de
consumo duráveis. De acordo como Maria Arminda Arruda este fato levou as agências de
publicidade há uma nova de organização interna:
[...] é preciso muito mais esforço para convencer
a poucos a consumir mais do que induzir muitos a
comprar bastante. “Este fato essencial empurra o
setor publicitário em direção á organização
empresarial, o que, indiscutivelmente aconteceria,
*Mestrando pela Universidade, na linha Instituições, Vida Material e Conflito, turma 2015. Tem experiência na
área de História, com ênfase na História e Historiografia do consumo, atuando nos principais temas: Publicidade
e Consumo na infância no Brasil na década de 1970. Vice coordenador do Grupo de Estudos Sobre o Consumo
no Mundo Contemporâneo registrado no Diretório Nacional do CNPq da Universidade Federal de São registro
(dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3468275717655657 ) 2Há um extenso debate nas ciências humanas sobre o termo publicidade e propaganda. Ora estes conceitos
costumam aparecer como sinônimos ou como conceitos incongruentes. Os que costumam trabalhar os termos
publicidade e propaganda seguindo uma distinção que se encontra na raiz palavra que existe em língua
inglesa/americana nas palavras advertising e propaganda. Seguindo o silogismo, o termo publicidade só aplicaria
á publicidade com fim comercial, e, o conceito propaganda só se aplicaria com a finalidade política e ideológica.
Contudo, considero que estas definições não podem ser tão estanques, pois correm o sério risco de tornar
conceitos históricos em conceitos ahistóricos. Para tanto ao longo do texto utilizarei os termos publicidade e
propaganda como sinônimos, pois sigo nos termos dispostos das Normas Padrão que regulam a atividade
publicitária em caráter nacional, onde os termos Publicidade e Propaganda foi nos termos do art. 2º do Dec. nº
57.690/66, qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias, produtos ou serviços por parte de um
anunciante identificado. Considero que trabalhar nestes termos recuperamos a historicidade dos conceitos que
devem ser compreendidos ao longo do tempo e espaço.
com a presença dos grandes oligopólios, mais foi
certamente acelerada pela vigência dessas
condições”. (ARRUDA, 1978: 114)
3
Contudo, a publicidade ainda não dispunha na década de 1950 e meados da década
seguinte, de veículos de comunicação na qual suas mensagens publicitárias pudessem circular
de modo massivo, para incentivar que cada vez mais pessoas aderissem ou almejassem uma
organização social em que o consumo de bens ou produtos industrializados informasse e/ou
incentivassem valores sociais e culturais.
Este processo ocorreu em um novo momento de inflexão do modo de produção
capitalista brasileiro, promovido no regime militar, em um momento de internacionalização
do capital (ORTIZ, 1988: 114), a consolidação deste processo encontrou seu auge na década
de 1970. Cabe ressaltar, como não nos deixa esquecer o historiador Fernando Novais:
capitalismo não é sinônimo de sistema econômico, o autor ressalta que capitalismo é um
sistema econômico, social, político e, sobretudo, ideológico (NOVAIS & FORASTIERI,
2011).
Neste momento, o desenvolvimento das agências publicitárias, foi alavancado por
meio da base tecnológica fornecida pelo Sistema Nacional de Telecomunicações e a da
modernização dos grandes conglomerados de impressos como da Editora Abril e audiovisuais
como a Rede Globo de Televisões. Cabe ressaltar, que essas transformações ocorreram em
consonância com o crescimento dos centros urbanos3, cujo espaço foi à base do mercador
consumidor a ser prospectado pelas agências publicitárias e lugar da afirmação e disputa de
novos bens simbólicos da moderna tradição brasileira (ORTIZ, 1998: 114)
Desta forma, as mensagens publicitárias se espraiaram podendo assim: agir de forma
massiva e intensa para todo um público que, consumidor ou não, terá diante de si uma
disseminação de representações e concepções de mundo em que a publicidade se tornou porta
voz principal deste processo de modernização brasileira.
É preciso salientar que a consolidação de nosso “Capitalismo Tardio” 4 cimentou
novas modalidades de dominação social e ideológica que passaram a ser transmitidas,
3 Daniel Roche, historiador francês do consumo, ao estudar o consumo de corte na França no século XVIII foi
enfático ao dizer que as transformações do consumo na corte francesa não residem na sociedade de corte, ou
seja, na esfera privada, mas nas mudanças na função nas cidades francesas no decorrer do século XVII e nos
novos valores em relação ao consumo. Esta conclusão nos serve para entender o desenvolvimento de uma
Sociedade de Consumo que se desenvolveu no espaço urbano. C. f. ROCHE, Daniel. Histórias das coisas
banais.Nascimento de uma sociedade de consumo séculos XVII e XIX. São Paulo, 2000, p. 46. 4 Utilizo o conceito “Capitalismo Tardio” baseado em João Manuel Cardoso de Mello. Para o autor “Capitalismo
Tardio” se refere ao nosso processo de industrialização retardatária trouxe nosso processo de modernização
baseado em uma estrutura social em que o consumo de bens industrializado acirraria, ainda mais, os contrastes
sociais ao combinar profundo desenvolvimento em nosso sistema capitalista combinando com profundas
desigualdades sociais. C.f. MANUEL, João Manuel Cardoso de. Capitalismo Tardio. Cia das Letras. 1976,
sobretudo, o terceiro capítulo a industrialização retardatária.
4
também, pela publicidade e cujo a realização material correspondiam as condições de classe e
gosto5. Isto não quer dizer, por outro lado, que fatores como: o Estado e seu aparato
burocrático; a organização no mundo do trabalho e componentes das tradições culturais
perdeu sua importância na produção e reprodução das relações sociais, pelo contrário, muito
desses componentes ganharam maior alcance por meio da linguagem publicitária
ressignificado assim, o projeto de dominação ideológica da burguesia.
As novas formas de configuração social em que a publicidade se tornou porta voz
refletem as contradições históricas em nosso capitalismo. Desta forma, os anúncios de
mercadológicos aprofundaram preconceitos latentes em nossa sociedade e conservou nosso
desenvolvimento combinado e desigual6 por meio de uma esfera pública burguesa7.
Foram sob estas bases que a linguagem publicitária trabalhou na tentativa de abrir
novos nichos de mercados para bens de consumo que, em muitos casos, era inédito entre nós,
inclusive para grande burguesia. Neste sentido, a consolidação de um mercado de massas,
haja vista a nossa desigualdade social e os distintos gostos construídos historicamente, a
estratégia de segmentação de mercado se tornou um artifício fundamental para o mercado
publicitário fazendo com que determinados bens ou serviços se acomodassem com maior
sucesso na acumulação de capital.
A publicidade investiu pesado na segmentação do mercado para jovens, homens de
meia idade, idosos, donas de casa e crianças. A de se dizer que, a segmentação do mercado
não significou, de forma alguma, homogeneização do nicho de mercado que pretendia se
5 Não quero com esta afirmação propor estruturas sociais rígidas que impedem que indivíduos de rendas e
formas de sociabilidades diferentes consumam o mesmo produto ou bem de consumo. Pois o consumo e a forma
de consumir é uma das formas com que os indivíduos lutam por status social e procuram superar sua condição de
classe. C. f. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas, São Paulo. Perspectiva, 2005. Contudo,
quero ressaltar que o capital cultural e econômico são os principais determinantes para que determinados
indivíduos ou grupos consumam determinados bens ou produtos. 6 Há importantes estudos sobre a formação e as contradições do capitalismo brasileiro. C.f. CARDOSO,
Fernando Henrique. “O modelo político brasileiro” in ____. O modelo político brasileiro e outros ensaios. 2ª
edição. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973; ____. e FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento
na América Latina. 8ªedição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004; FERNANDES, Florestan.
“Capitalismo dependente e imperialismo” in ____ Em busca do socialismo. Últimos escritos e outros textos.
São Paulo: Xamã, 1995. FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro:
Zahar, 1996.
7 A utilização de esfera pública é feita através das afirmações do historiador inglês JamesThompson. Sobre a
constituição de uma esfera pública, o historiador aponta como principal definidor um dos principais nomes da
segunda geração da Escola de Frankfurt Jurgen Habermas. Habermas define como cimentos da esfera pública a
partir do aparelho do Estado e da ação da imprensa, estes dois motores, em consonância com os sujeitos
históricos, seriam os formadores principais de uma esfera pública que incorporava os pressupostos de uma
sociedade burguesa. C.f. THOMPSON, James. British Political Culture and the idea of Public Opinion, 1867-
1914. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, pp. 7-9.
5
atingir. Desta forma, podemos dizer que no caso brasileiro, consumo de massa e segmentação
de mercado não são antagônicos, mas sim parte de um mesmo processo interligado.
É dentro deste contexto, que os historiadores Olga Brites e Eduardo Silveira Neto
nos diz que a publicidade infantil8 começou, de forma cada vez mais intensa, a identificar a
criança em seus anúncios como consumidor “autônomo”. Esta modelo publicidade, segundo
os autores, se consolidou, entre nós, na década de 1970 em consonância com o nosso
desenvolvimento capitalista (BRITES & NUNES, 2012: 89)
Cabe ressaltar que embora o mercado publicitário brasileiro direcionado às crianças
passou a vê-las como consumidores “autônomos” isto não garantiu que os mesmos estivessem
livres, como os adultos, para consumirem ao seu gosto e poder aquisitivo. Embora o mercado
publicitário os compreendesse como consumidores “independentes”, as crianças continuaram
tutelada pelos adultos, ou seja, os que detinham o poder aquisitivo que propiciava o consumo
infantil.
É justamente nos anos de 1970 que, a linguagem publicitária que entendia a criança
como “autônoma” em suas escolhas começou a se espraiar nos grandes centros urbanos no
Brasil. Na cidade de São Paulo temos a Editora Abril como principal precursora desta forma
de fazer publicidade infantil que caracteriza o Brasil contemporâneo nos dias de hoje.
A Editora Abril se modernizou na década de 1960 e na década de seguinte se tornou
o principal conglomerado de impressos do Brasil com atuação importante nas grandes cidades
brasileiras e, sobretudo, na cidade de São Paulo, como principal veículo impresso utilizado
pelas agências publicitárias para divulgar a modernidade que poderia ser “conquista” por
novas relações no espaço publico que invariavelmente envolvia o consumo de bens. As
diversas revistas produzidas pela Editora Abril foram de fundamental importância para
expansão e segmentação do mercado de bens e produtos industrializados que imprimiram,
entre nós, uma estética social cada vez mais americanizada.
Maria Celeste Mira realizou importante estudo sobre a segmentação de mercado,
utilizado pela Editora Abril, para cooptar cada vez mais consumidores de setores médios e
altos da sociedade brasileira. É importante ressaltar, como demonstra a autora, que as
publicações das revistas produzidas pela editora em questão operavam para além das questões
8 Não cabe aqui resgatar todo o debate desenvolvido na historiografia sobre o que é infância. Cabe-nos explicitar
que a infância é uma construção social ao longo do tempo e espaço. Para conferir o debate sobre a construção
histórica da infância ver: ARIÈS. Philippe. História social da infância e da família. Rio de Janeiro, Guanabara,
1981. [Tradução Dora Flaksman]; GÉLIS, Jacques. A individualização da criança. In: ARIÈS, Philippe;
CHARTIER, Roger. História da vida privada v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; DELL PRIORI,
Mary (orgs) História da infância no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2002
6
de poder aquisitivo do consumidor em potencial, elas transitavam nas questões de gostos
construídos e ressignificado socialmente (MIRA, 2010).
As revistas, ao contrário de veículos como a TV, por necessitarem de investimentos
mais específicos em virtude de seu diminuto alcance, em relação à televisão, passaram cada
vez mais, a atuarem no fracionamento do mercado em consonância com as necessidades do
patrocinador.
Se por um lado a investigação histórica de Maria Celeste Mira sobre a divisão de
mercado apresentadas-nos magazines da Editora Abril é reveladora sobre a atuação do
mercado, por outro lado, a autora não percebeu o importante setor de mercado que na década
de 1970 se tornou importante alvo dos patrocinadores: as crianças.
Pesquisas empíricas realizadas por mim, em outros momentos de minha vida
acadêmica, e agora no mestrado revelaram que revistas infantis como os HQs da Turma da
Mônica e da Wall Disney e outras revistas da Editora Abril, destinados ao público adulto,
foram de suma importância para que o mercado de bens e serviços alcançassem os
consumidores infantis na cidade de São Paulo9.
As propagandas realizadas nesses impressos consolidaram uma linguagem
publicitária que percebiam as crianças como consumidores “independentes”, ou seja,
consumidores capazes de escolherem que bem ou produto poderiam ser consumidos de
acordo com suas vontades.
Se por um lado foi na década de 1970 que entre nós se consolidou uma linguagem
publicitária infantil de forma mediata e imediata tendo como alvo a criança como sujeito
“autônomo” e o modelo de sociabilidade impactados pelo consumo com características de uma
americanização, foi nesta mesma década que os debates sobre o uso da publicidade infantil
entram, de forma incisiva, para a pauta de discussões de palestras, congressos, colunas de
jornais e revistas publicitárias.
As discussões realizadas sobre a regulamentação infantil entre publicitários, setores
da comunidade cível e setores sociais ligados de forma mais direta ao mercado, em diversas
9 Em minha monografia analiso as publicidades voltadas para o publico infantil de modo mediato e imediato. As
publicidades que chamo de modo mediato são aquelas que mesmo voltadas de modo direto para os pequenos eles
prevêem o intercambio do adulto para a realização da compra do produto. Uma das frases características deste
modelo de se chegar ao consumidor infantil é: “peça para sua mãe comprar”. Os anúncios que defino como
imediato são aqueles que no enunciado da propaganda a apenas a criança aparece como alvo, como se apenas o
pequeno em questão tivesse o poder aquisitivo e/ou não houvesse a necessidade de um adulto para regular sua
escolha. C.f SILVA, Deividi de Santana. Propaganda e Consumo na Infância: Construção da criança como
consumidor “autônomo” (década de 1970). Monografia apresentada na Universidade Federal de São Paulo.
2014; ver também ROSSI, Eliane Pompeu. A criança consumidora: a genealogia de um fenômeno
contemporâneo 1950-2000. Tese de mestrado apresentada a Universidade Federal de Urbelândia.2007.
7
revistas, colunas de jornais e fóruns publicitários dão o ar e a graça de minha analise realizada
no primeiro capítulo de minha tese de mestrado.
Que tipo propaganda infantil “Queremos”?
O II Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado no Pavilhão da Bienal entre os
23 a 28 de fevereiro de 1969, no Parque do Ibirapuera, capital de São Paulo, entre suas pautas
realizou discussões direcionadas à publicidade voltada de forma direta para o público infantil.
Entre os publicitários reunidos não era consenso sobre a forma de se fazer anúncios
infantis, mas estava claro, em boa parte dos presentes, que o setor necessitava de uma
regulamentação e autonomia, principalmente, em virtude da ditadura militar implantada em
1964 e que mostrava ares de que poderia regulamentar a publicidade podendo assim: causar
sérios danos ao mercado e o(s) projeto(s) de civilização cuja publicidade havia se tornado
porta voz capital.
Já no III Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado no Palácio das Convenções
entre os dias 17 a 20 de abril de 1978, no Parque do Anhembi, se atribuiu ao Conselho
Nacional de Autoregulamentarão: CONAR, a atribuição de estabelecer e aplicar normas do
Código Brasileiro de Autoregulamentarão. É importante ressaltar que: grande parte dos 50
artigos do Conar discute a regulamentação da publicidade infantil, sobretudo, no que tange o
consumo de alimentos industrializados e ensino.
A atribuição concedida ao Conar de regulamentar à publicidade, e de modo mais
especifico a publicidade infantil, não foi fortuita. Houve uma pressão da própria categoria de
profissionais ligados a propaganda e setores da comunidade civil organizada, sobretudo por
meio de colunas publicitárias, de debates em organizações publicitárias e outros setores da
sociedade para que as publicidades dirigidas aos pequenos passassem por um crivo de
fiscalização mais atuante10
Desta forma, a presente apresentação irá mostrar discussões sobre publicidades
infantis iniciadas no II Congresso de Propaganda Brasileira, em 1969, sobre publicidade
10 Já existia várias organizações de publicitários que procuravam regulamentar a profissão como: ANP (Agência
Nacional de Propaganda), APP (Associação Paulista de Propaganda), ABP (Associação Brasileira de
Propaganda), ACP (Associação Carioca de Propaganda) e projetos atuantes como o IVC (Instituto Verificador de
Comunicação) atuante desde 1962 e seguido pelas principais agências de propaganda, o código de ética
incorporado a lei 4. 680/65 que se tornou decreto de lei 57.690/66. Contudo, grande parte das agências achavam
insuficiente essas normas para dar basilar uma atividade crucial para o desenvolvimento da sociedade brasileira.
8
infantil que continuaram em vários meios11, principalmente na cidade de São Paulo e Rio de
Janeiro, cidades em que o nosso “Capitalismo Tardio” encontrou sua forma mais acabada, ao
III Congresso de Propaganda Brasileira, em 1978, no qual se criou o CONAR.
Muito embora, não serão discutidos nesta apresentação de modo mais detido, deve se
pontuar que os debates analisados estão em consonância com as transformações ocorridas na
cidade de São Paulo como: crescimento urbano, transformações no parque industrial, novas
de vivências públicas impactados por novas formas de consumo.
O debate sobre a regulamentação publicitária e a propaganda infantil, de modo mais
específico, não foi exclusividade do Brasil, pelo contrário, países onde o modo de produção
capitalista já possuía certa maturidade e onde os anúncios de caráter mercadológico foram
peças chaves na construção de uma Sociedade de Consumo Moderna, órgãos reguladores da
atividade profissional eram atuantes.
Este processo se deve a dois fatores fundamentais: a expansão da propaganda como
elemento fundamental no processo de acumulação capitalista e o processo de mundialização
da cultura ao longo do século XX12. Muito, embora processos como a feitura publicitária e
órgãos da regulamentação começaram a ser generalizado ao longo do globo terrestre isto não
que dizer que foram iguais. Foram, em alguns casos, parecidos em muitos aspectos, mas
nunca iguais.
Desta forma, os processos históricos devem ser entendidos ao longo do tempo e
espaço. Ou seja, dentro do movimento histórico as quais estão inseridos de acordo com as
condições materiais e culturais específicas.
Em se tratando de órgãos de regulamentação da publicidade e, em especifico, a
propaganda infantil que nos interessa para a presente apresentação, os processos históricos
que mais nos influenciaram foram os de origem estadunidense e francesa, muito embora
outros órgãos regulamentários como de países como a Alemanha, Suíça, Bélgica tenham sido
11 Há ANP (Agência Nacional de Propaganda), APP (Associação Paulista de Propaganda), ABP (Associação
Brasileira de Propaganda), ACP (Associação Carioca de Propaganda). Entre outras associações do gênero, nos
anos de 1970, discutiram em seus congressos os modos de fazer publicidade infantil. As discussões variavam de
temas como: pesquisas de mercado, formas de fazer o anúncio em si e debates éticos e morais, entre outros
temas. Tem sido função do pesquisador deste projeto, junto a Associação Nacional de Memória da Propaganda,
organizar estes congressos com a finalidade de ajudar a atual pesquisa e futuras pesquisas de outros
pesquisadores, haja em vista a importância do material para se compreender momentos importantes da história
contemporânea brasileira. 12 Sem negligenciar a especificidade histórica Renato Ortiz nos diz que o século XX é marcado por um processo
de mundialização. Para o autor, no século XX, as cidades ao longo do globo terrestre passam se assemelhar cada
vez mais entre si por compartilhar códigos sociais que são muito próprios entre si. Este espaço impessoal, no
qual o indivíduo se transforma um usuário, isto é, em alguém capaz de decodificar a intengibilidade funcional a
malha que o envolve. O autor nos ressalta que estas construções sociais mundializadas estão impregnadas pelas
tradições que a legitimam. C. f ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. Rio de Janeiro. Ed. Brasiliense. 1994
9
citados, mas raramente aprofundados. Farei uma analise, nos próximos parágrafos, de dois
artigos que mostram posições dissonantes quanto à regulamentação publicitária infantil e suas
possíveis implicações na forma que a propaganda se consolidou entre nós.
Na Revista Bloch de Comunicação, o artigo traduzido de Elisabeth Gérin, intitulado
Código de Publicidade para Jovens13, nos é muito esclarecedor para entendermos um projeto
de publicidade infantil inspirado Federação Francesa de Publicidade destinada a jovens e
crianças. Segundo o documento a propaganda deveria ser regulada por um órgão que não
fosse composto por apenas publicitários e sim por uma comissão mista. Elogiando a eficácia
de uma composição mista de profissionais, a autora escreveu:
[Os] membros da Federação Francesa
de Publicidade, psicólogos, educadores,
estabeleceram um conjunto de princípios a serem
respeitados pelas campanhas publicitárias
destinados aos jovens [ao longo do texto a autora
parece utilizar jovem e criança como sinônimos
ou processos integrados]. Foi assim que nasceu o
Código da Publicidade destinada á Infância, cuja
eficácia dedo se fez sentir no plano da higiene
mental e da proteção da juventude14
Como observamos acima, a propaganda destinada aos mancebos e pequenos deveria
ser guiado por uma lógica que não corresponde a fins mercadológicos, mas sim contribuir
para “uma integração cívica e social” 15. Gérin conclui seu texto dizendo que: “para o estudo
das campanhas de publicidade destinadas á criança, os publicitários não devem hesitar em
consultar educadores, psicólogos e pais”.
Tal prática de fazer com que a propaganda fosse, acima de tudo, um veículo
formativo é contrária a prática principal da publicidade comercial que é “lubrificar” o
mercado (LAMBERT, 2000: 125). O vínculo que se estabelece entre os anúncios
mercadológicos e os interesses econômicos são intrínsecos. Pois, o desenvolvimento da
propaganda esta diretamente ligada com a dinâmica de acumulação capitalista.
A intervenção de outra categoria social na feitura publicitária era vista com maus
olhos pelos publicitários. Desde a década de 1930 quando nossa publicidade passou a ser
fortemente influenciada por agências estadunidenses, o discurso imperante entre os
profissionais da propaganda eram os arautos da modernidade que, entre nós, se pretendia
13REVISTA BLOCH DE COMUNICAÇÃO, São Paulo, março de 1972, p. 35 14Idem, 35 15 Idem, 36
10
instalar. Data deste momento, uma crescente mobilização dos publicitários em regular suas
atividades cujo auge foi à criação do CONAR criado em 1978.
Se a intervenção de outros setores na atividade daqueles que profissionalmente
“fabricam” anúncios já era vista com maus olhos pelos mesmos. Na década de 1970, as
intervenções deste gênero passam a ser visto como uma ameaça para atividade publicitária de
forma mais incisiva. Muito embora, os anos de 1970 foi o momento em que atividade
publicitária encontrou seu auge alavancado pelo “crescimento do parque industrial e do
mercado interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o
mercado de bens culturais” (ORTIZ, 1988: 115)
Não podemos esquecer que estávamos no regime militar onde a censura era algo
vigente e que poderia ameaçar as atividades econômicas e culturais que, em certa medida,
estavam integradas em nossa sociabilidade moderna. Muito embora, é preciso entender que a
censura possuía duas faces: “uma repressiva, outra disciplinadora. A primeira diz não; a outra
é mais complexa, afirma e incentiva um tipo de orientação” (ORTIZ, 1988: 115).
É sobre esta última que estava assentada a publicidade no regime militar. Contudo,
os profissionais envolvidos temiam que a intervenção pudesse trazer prejuízos para atividade.
Sobre a preocupação fundamental do publicitário na década de 1970 Ricardo Ramos nos diz:
“o publicitário é um profissional que esta interessado em liberdade de imprensa, liberdades
individuais e abertura política” 16. Muito embora, a tão sonhada liberdade professada era mais
questionada quando forças do próprio Estado autoritário ameaçava seus interesses17.
Devemos atentar para a relação entre setores da comunidade civil e o golpe militar.
Setores médios e da alta burguesia foram, em certa medida, apoiadores do golpe e regime
militar, pois foi por meio do desenvolvimento adotado pelo Estado autoritário que estes
setores mais cresceram. Os publicitários eram, em grande medida, signatários do golpe e,
inclusive, apoiando a censura da impressa que se opunham de forma drástica ao governo
quando esta não ameaçava interesses econômicos.
É certo que houve tensão entre publicitários e o regime militar. Contudo, as
manifestações divergentes de profissionais da propaganda ao governo militar, não raro, era
16JORNAL DA TARDE, São Paulo, segunda feira, 17 de abril de 1977. 17A tensão entre o setor de anúncios mercadológicos e a censura militar nunca se deu no plano estrutural do
governo. A conferência do publicitário Mauro Salles na Escola Superior de Guerra é bem sintomática para
entender que tipo de liberdade os profissionais do setor estavam interessados: “é de uma imprensa livre
economicamente, com sua sobrevivência garantida pela publicidade julgada em bases técnicas, que se deve
esperar uma imprensa livre em termos políticos. É certo que estamos todos ainda com problemas da censura.
Mas também é certo que os censores são passageiros e a censura não se institucionalizará e não há nenhum sinal
de que vamos marchar na direção inversa do progresso”. C.f. SALLES, Mauro. Conferência Superior de Guerra,
04 de setembro de 1974, p. 6.
11
em virtude de que o mesmo regime sufocasse o mercado e os projetos de modernidade que
grande parte dos publicitários se dizia portadores.
Outro conflito que um órgão de regulamentação publicitária nos moldes franceses
poderia trazer ao um nicho publicitário que estava voltado para a criança era o caráter de
verdade e de racionalidade que segundo o documento a publicidade deveria ter. Em seu artigo
II, o documento nos diz: “a publicidade destinada á criança deve empregar argumentos
verídicos, precisos acessíveis e despidos de quaisquer segundas intenções” 18.
Novamente o projeto de regulamentação dos anúncios infantis nestes moldes
franceses apresenta dissonâncias com o modelo de propaganda que se consolidou entre nós,
inclusive ao destinado as crianças.
Analisando a linguagem publicitária em todos os públicos, Ricardo Ramos nos diz
que na segunda metade da década do século passado houve uma “mudança radical na forma e
no conteúdo (...) com uma total libertação de cerimônias em sua linguagem e em afastamento
paulatino da sistemática argumentação racional para sempre maior apelo ás emoções mais
provocadas pelo condicionamento social que as individuais” (RAMOS, 1972: 65)
Ou seja, na publicidade comercial, o caráter de “verdade” ou de racionalidade não é
uma questão, uma vez que a publicidade comercial moderna se consolida por criar discursar
em uma linguagem em que o individuo ou grupo social aparece associado a uma experiência
que determinado bem ou serviço de consumo pode proporcionar.
A racionalização esta ligado na publicidade no que os profissionais da propaganda
costumam chamar de briefing. Onde aparece dados característicos do consumidor como faixa
etária, renda, preferências entre outros fatores ligados a otimização da vendas. Já no layout é a
publicidade propriamente dita.
Se algumas propostas de regulamentação dos anúncios infantis poderiam causar
certos prejuízos para as agências de propaganda, inclusive danos financeiros. Outras “vozes”
acreditavam que não havia a necessidade de regulamentação da publicidade infantil em
relação ás propagandas destinadas aos adultos.
É o caso do educador Edelweiss de Paiva Santos, o referido autor inicia seu texto
mostrando-se contrário a regulamentação de anúncios publicitários voltados para crianças.
Para ele será o processo de educação responsável por incutir nos pequenos desde primórdios
da educação o discernimento sobre o que deve ou não ser consumido.
18 REVISTA BLOCH DE COMUNICAÇÃO, São Paulo, 1977.p. 37
12
Ele prossegue seu texto argumentando que uma possível regulamentação publicitária
seria menosprezar a inteligência dos pequenos: “Você já curtiu um papo com crianças
inteligentes sabe o quanto elas são perspicazes e ‘pegam’ até mais que um adulto que se crê
bem avisado” 19.
Seu discurso não deve se descolado do tempo de sua produção. Muito embora, o
regime exceção incentivou entre nós uma indústria cultural na qual serviu como um dos
suportes de sustentação ideológica do regime de governo instalado. Havia entre os
profissionais da propaganda e empresas ligadas ao setor de bens e produtos infantis que um
possível temor que a regulamentação da linguagem publicitária voltadas para as crianças
pudesse causar danos aos seus negócios.
Para tanto, o discurso de Paiva Santos estava ancorado em uma suposta pesquisa
empírica realizada em uma escola com alunos, a qual o autor não cita o nome, com alunos
entre doze e quatorze anos, mas que dava base para suas argumentações contrárias a qualquer
intervenção estatal ou dos próprios profissionais da propaganda em regulamentar uma
linguagem publicitária voltada para os pequenos.
A partir dos próprios discursos dos alunos que realizaram a pesquisa o autor reafirma
seu argumento. Em discursos, supostamente consciente das crianças, Paiva Santos tenta
convencer seus leitores de que os pequenos eram abeis suficientes para analisarem a
propagandas até mesmo melhor do que os adultos.
A transcrição de uma fala de algumas crianças é bem sintomática para entender os
propósitos do autor: “Meu Deus, por tudo de bom que o senhor nos deu, mas obrigada
excelente ideia dos homens que construíram uma coisa que nos atrai e nos ensina, que ela seja
para o bem de todos e que só haja propagandas bonitas e boas, mas que o senhor nos proteja
daquelas que nos vão fazer mal ( GIANE de Souza – 14 anos 5° l)”20.
A frase é bem elucidativa quando se quer entender os argumentos do autor. A menina
recorre para a proteção divina quanto às propagandas maléficas as pessoas e ressalta as
propagandas “bonitas e boas” e ressalta o engenho das mesmas. Neste sentido, empresas que
produzem bens ou serviços de consumo voltado para as crianças estariam e profissionais do
setor estariam isentos de sua responsabilidade.
Estranhamente as outras dez falas transcritas pelo autor, as crianças mostram ter
discernimento sobre propagandas e recorre à proteção divina como proteção de possíveis
19 JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, julho, 1974, p. 30. 20JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, julho, 1974, p. 30.
13
males que uma propaganda nociva poderia ter. Desta forma, o autor isenta os responsáveis e
colocar a educação como produtora de um censo crítico em relação a propaganda.
Usar o argumento da educação e da crença em Deus é característico do próprio
discurso do regime militar que, muito embora sua constituição fosse laica, a profissão de fé
em discursos políticos, a legitimação da família nuclear católica e a educação eram tidas como
pilares de uma sociedade civilizada e moderna, cujos militares diziam prover. Induzir as
crianças colocarem tais valores em suas falas era, em certa medida, que estavam postas como
ideologia do sistema.
Paiva Santos, conclui seu texto justificando o uso do termo “Meu Deus”, em suas
palavras: “Em primeiro, porque a tarefa era redigir uma tarefa para meu bom Deus por
ocasião do dia das Comunicações e Segundo, porque só o bom Deus dará jeito nisso”21.
Conclusão e novas questões.
Em suma, procurei tratar aqui de algumas discussões que estão sendo elencadas no
primeiro capítulo de minha tese de mestrado. As fontes analisadas em certa medida nesta
apresentação devem ser lidas de acordo com outros movimentos históricos que são
fundamentais para entender a articulação de um mercado publicitário para o publico infantil:
A maturidade de nosso “Capitalismo Tardio”; o regime militar e a ameaça de censura para os
veículos de comunicação ligados ao regime; uma sociedade de bens de consumo tidos como
da modernidade capitalista; os debates sobre a regulamentação publicitária; a feitura das
cidades para este novo modelo de modernidade, em particular a cidade de São Paulo recorte
físico da pesquisa.
Contudo, devo ressaltar que outras fontes estão sendo consultadas a partir de
questões que a problemática da pesquisa possa trazer. Para tanto, estou analisando outros
documentos com a finalidade de responder algumas questões que a pesquisa em
desenvolvimento têm me suscitado: Até que ponto este debate sobre a regulamentação da
publicidade infantil implicou, ou não, a forma como os profissionais da propaganda
produziam anúncios? Os dados sobre as pesquisas de mercado como o IBOPE22, compulsados
pelas agências de publicidade para conquistar mercado alterou a forma de se fazer publicidade
para este nicho de mercado e se é possível observar discussões como aqui expostas neste tipo
de material?
21 JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, julho, 1974, p. 30. 22Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
14
BIBLIOGRAFIA
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PROPAGANDA & MARKINTING.
JORNAL DA TARDE, SÃO PAULO
JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO
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