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MARIA CECÍLIA ARENA LOPES BARTO

UM OLHAR SOBRE AS IDÉIAS MATEMÁTICAS EM UM CURSO DE CÁLCULO: A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA A CONTINUIDADE

MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

PUC/SP

São Paulo

2004

MARIA CECÍLIA ARENA LOPES BARTO

UM OLHAR SOBRE AS IDÉIAS MATEMÁTICAS EM UM CURSO DE CÁLCULO: A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA A CONTINUIDADE

Dissertação apresentada à Banca Examina-dora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orienta-ção da Profa. Dra. Janete Bolite Frant.

PUC/SP

São Paulo

2004

Banca Examinadora

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___________________________

___________________________

Autorizo, exclusivamente para f ins acadêmicos e científ icos, a

reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de

fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura:________________________________Local e

Data:_____________

AGRADECIMENTOS

Este trabalho, além do esforço pessoal, contou com a contribuição

de inúmeras pessoas, as quais sou eternamente grata.

Agradeço à minha famíl ia, especialmente ao meu marido, pelos

esforços realizados para a concretização deste sonho.

Aos amigos e colegas de trabalho com quem partilhei várias

dúvidas e esperanças, inclusive sobre este trabalho.

Aos colegas do mestrado, pelas contribuições apresentadas nos

debates e conversas realizadas ao longo do curso.

À coordenação do programa, nas pessoas da professora Sonia

Barbosa Camargo Igliori e do funcionário Francisco Olimpio da

Silva.

Aos Professores Doutores do Programa, Ana Paula Jahn, Ana

Franchi, Célia Maria Carolino Pires, Saddo Ag Almouloud, Sandra

Maria Pinto Magina, Sílvia Dias Alcântara Machado, Siobhan

Victória Healy (Lulu Healy), Sonia Barbosa Camargo Igliori e

Wagner Rodrigues Valente, que dividiram suas experiências e

semearam desafios.

Aos professores Dra. Maria Cristina Bonomi Baruf i e Dr. Benedito

Antonio da Silva, membros da banca, pelos comentários e

sugestões apresentados na qualif icação.

À Professora Dra. Janete Bolite Frant, amiga e orientadora, pelo

carinho com que me acolheu como orientanda, pelo

acompanhamento sistemático durante a realização do trabalho,

comentando, sugerindo e desaf iando, e, sobretudo, pela sua

generosidade frente as minhas limitações.

RESUMO

O objetivo deste estudo é investigar a dinâmica da produção de significados

para a Continuidade de Funções de uma Variável Real, por alunos em um

curso de Pós Graduação e na disciplina de tópicos de Cálculo. O aporte teórico

foi construído a partir da articulação de três teorias: da noção de metáfora

conceitual da Teoria da Cognição Corporificada, proposta por LAKOFF e

NÚÑEZ, da importância dos argumentos no discurso de sala de aula, do

Modelo da Estratégia Argumentativa – MEA, proposto por FRANT e CASTRO e

da definição de produção de significados proposta por LINS em seu Modelo

Teórico dos Campos Semânticos – MTCS. Trata-se de uma pesquisa

qualitativa, do tipo estudo de caso, que foi realizada numa universidade em

São Paulo. As aulas do curso, envolvendo os dez alunos e a professora do

curso, foram filmadas em vídeo, utilizando-se duas câmeras. A coleta de

dados incluiu as fitas, as transcrições, as anotações da pesquisadora, trabalhos

escritos pelos alunos e entrevistas. Ao todo foram 5 encontros de 3 horas. Os

resultados apontam que, em sala de aula, a produção de significados para

Matemática pode estar apoiada em fatos não Matemáticos, por exemplo, a

autoridade do professor ou de algum integrante do grupo têm um papel

importante nessa produção. Os alunos durante as interações utilizaram a

linguagem cotidiana, menos formal, para apresentar, discutir e defender suas

idéias. Um enunciado (escrito ou oral) não garante uma mesma leitura, cada

leitor o lê de seu modo. Este estudo permitiu observar e entender um pouco

mais como alunos utilizam suas experiências cotidianas, impregnadas e às

vezes inconscientes, para produzir significados para conceitos abstratos da

Matemática.

Palavras chave: Produção de Significados, Limite e Continuidade, Metáforas

Conceituais, Argumentação.

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to investigate the dynamic of meaning

production for continuous function of one variable by graduate students in a

calculus course. The framework articulates three theories. Conceptual metaphor

as proposed by LAKOFF and NÚÑEZ, the importance of argumentation as

proposed by FRANT and CASTRO in the model of argumentative strategies

and, the definition of meaning production as proposed by LINS in the model of

semantic fields. It is a case study research that happened in São Paulo, Brazil.

The lessons were videotaped; it included ten students and their professor. Data

collection consisted in videotapes, transcripts, notes from observation, students

written material and, interviews. The results revealed that in a classroom

meaning production for mathematics maybe not dependent of mathematics

itself; authority of a professor or a peer plays a fundamental role. During

classroom interactions, students used a every day language to communicate

rather than a formal mathematical one. An enunciation, written or oral, does not

guarantee the same reading, each reader has hers/his own interpretation. This

study allowed us to better understand how students used their daily experience,

embodied and mostly unconscious, to produce meaning for abstract concepts in

Mathematics.

Key-words: Production of Meanings, Limit e Continuity, Metaphors

Conceptual, Argumentation.

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 01 – A estrutura da pesquisa 06

Tabela 02 – Exemplo de mapeamento cognitivo..... 26

Tabela 03 – Exemplo de metáfora básica do infinito o infinito potencial 28

Tabela 04 – Exemplo de metáfora básica do infinito 29

Tabela 05 – exemplo de metáfora básica do infinito para Limites 31

Tabela 06 – metáforas para o conhecimento 46

Tabela 07 – Exemplo de mapeamento entre espaço e tempo 50

Tabela 08 – domínio fonte 52

Tabela 09 – domínio alvo 52

Tabela 10 – tarefa piloto 59

Tabela 11 – comentários gerais sobre as tarefas 62

Tabela 12 – tarefa 01 do trabalho de campo 63

Tabela 13 – tarefa 02 do trabalho de campo 65

Tabela 14 – tarefa 03 do trabalho de campo 67

Tabela 15 – tarefa 04 do trabalho de campo 68

Tabela 16 – esquema argumentativo do episódio I 72

Tabela 17 – ficha 01 – episódio I 73

Tabela 18 – transcrição 01 – episódio I 74

Tabela 19 – a autoridade 75

Tabela 20 – transcrição 02 – episódio I 76

Tabela 21 – transcrição 03 – episódio I 76

Tabela 22 – ficha 02 – episódio I 78

Tabela 23 – resposta do Gustavo – episódio I 78

Tabela 24 – ficha 01 – episódio I 79

Tabela 25– transcrição 04 – episódio I 79

Tabela 26– transcrição 05 – episódio I 80

Tabela 27– exemplo de mapeamento – episódio I 81

Tabela 28– transcrição 06 – episódio I 81

Tabela 29– transcrição 07 – episódio I 81

Tabela 30– transcrição 08 – episódio I 82

Tabela 31– ficha 04 – episódio II 83

Tabela 32– transcrição 09 – episódio II 89

Tabela 33– transcrição 10 – episódio II 90

Tabela 34– transcrição 11 – episódio II 90

Tabela 35– resposta sobre continuidade de funções – episódio II 91

Tabela 36– gráfico de função descontínua – episódio II 92

Tabela 37– transcrição 12 – episódio II 92

Tabela 38– transcrição 13 – episódio II 94

Tabela 39 – análise da transcrição – episódio II 95

Tabela 40 – transcrição 14 – episódio II 96

Tabela 41 – transcrição 15 – episódio II 97

Tabela 42 – exemplo de mapeamento – episódio II 98

Tabela 43 – transcrição 16 – episódio II 100

Tabela 44 – transcrição 17 – episódio II 101

Tabela 45 – transcrição 18 – episódio II 102

Tabela 46 – a caneta e a mesa – episódio II 103

Tabela 47 – o esquema argumentativo do episódio II 104

Tabela 48 – A unicidade do limite 110

SUMÁRIO

1.

A PESQUISA................................................................................. 01

1.1 INTRODUÇÃO....................................................................... 02

1.2 A PESQUISA......................................................................... 02

1.3 A ESTRUTURA DA PESQUISA............................................. 06

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: O ensino e aprendizagem de Cálculo............................................................................................

07

2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................... 08

2.2 UM POUCO DE HISTÓRIA................................................... 36

3. A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA.................... 44

3.1 AS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS....................................... 45

3.2 O MODELO DA ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA – MEA - 47

3.3 AS IDÉIAS DO “EMBODIMENT COGNITION”...................... 49

3.4 AS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS......................... 55

3.5 OS SUJEITOS PESQUISADOS E O CONTEXTO................ 57

3.6 O ESTUDO PILOTO NA SALA DE AULA.............................. 58

4. O TRABALHO DE CAMPO............................................................. 61

4.1 AS TAREFAS........................................................................ 63

4.2 A TIPOLOGIA DE ARGUMENTOS....................................... 70

4.3 EPISÓDIO I – AS APARÊNCIAS ENGANAM....................... 71

4.4 EPISÓDIO II – O QUE SE OLHA E O QUE SE VÊ.............. 83

5. AS CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................... 105

BIBLIOGRAFIA..................................................................................... 114

ANEXOS I – As tarefas......................................................................... 125

ANEXOS II – O compromisso ético..................................................... 131

1

11 1

Capítulo 1 A pesquisa

2

11 2

1.0 Introdução

Nesta pesquisa investigamos e analisamos a Produção de Significados

para a Continuidade de Funções de uma Variável Real por alunos de um curso

de Pós Graduação em Educação Matemática. Para tal estudo, usamos uma

alternativa da Análise do Discurso, apresentada no terceiro capítulo, a Análise

de Argumentos.

O embrião da pesquisa foi gerado dentro de um processo de articulação

entre o desejo pessoal da pesquisadora e o campo de estudos da sua

orientadora1. Desde o início, a pesquisadora objetivava trabalhar com

continuidade de funções, inspirada em suas experiências como aluna e

docente de Cálculo Diferencial e Integral. Observamos ainda, que existia uma

lacuna nas pesquisas sobre este conteúdo, principalmente no tocante à

investigação sobre a produção de significados, como mostramos no segundo

capítulo. A união entre o desejo da pesquisadora, a falta de pesquisas sobre a

produção de significados para a continuidade de funções e os índices caóticos

de reprovação na disciplina de Cálculo, levou à escolha desse tema para

investigação.

1.1 A pesquisa

Uma pesquisa sempre se apóia nas tentativas anteriores e procura dar

um passo a mais dialogando com as outras. Sendo assim, iniciamos com um

levantamento bibliográfico e webgráfico sobre pesquisas anteriores enfocando

o tema: continuidade de funções. Este levantamento possibilitou-nos verificar o

que já existia sobre o tema e constatarmos a sua relevância, ainda que

conscientes das limitações de tal levantamento (ver capítulo 2). Depois

buscamos dados estatísticos sobre o ensino de Cálculo, objetivando, ainda,

avaliar a relevância do tema.

De acordo com os dados publicados em 2000 pelo Ministério da

Educação e Cultura - MEC2, o índice de reprovação e abandono nos cursos

iniciais de cálculo nas universidades do nosso país é aproximadamente de 1Entre outras coisas, estudar a relação entre os processos Lingüísticos e Cognitivos no Ensino e Aprendizagem de conteúdos matemáticos. 2(http://www.inep.gov.br/download/censo/2000/Superior/Sinopse_Superior-2000.pdf)

3

11 3

80%. Este é um quadro que leva pesquisadores e professores a buscarem

alternativas para o ensino de tal disciplina. O ensino de Cálculo, na graduação,

apresenta muitos problemas de aprendizagem e não é exclusividade do

cenário nacional como mostramos em nosso levantamento bibliográfico no

capítulo 2. Os altos índices de reprovação e abandono, as dificuldades de

aprendizado apresentadas pelos alunos, a insatisfação dos professores em

relação ao "fracasso" no ensino de Cálculo, os avanços tecnológicos e a

importância dessa disciplina nos cursos das áreas de "exatas", indicaram que

apesar de várias propostas, ainda são necessárias pesquisas sobre o ensino

de Cálculo.

O cenário encontrado revelou que é importante entender melhor quais

são e como se constroem as idéias Matemáticas do aluno/professor de

Matemática. Esperamos contribuir com esta pesquisa, oferecendo um olhar

para a dinâmica desta produção de significados, a partir da utilização de teorias

da Corporeidade e da Argumentação.

Convém relatarmos que integramos um projeto maior intitulado Projeto

de Cálculo: Linguagem, Corporeidade e Tecnologia, coordenado pela

professora Dra. Janete Bolite Frant. Neste Projeto o conceito de Integral é

estudado por Mometti - PUC/SP, o conceito de Derivada por Dall’Anese -

PUC/SP e por Gonzáles – UB (Universidade de Barcelona), o conceito de

Função por Font y Acevedo – UB e nós estamos investigando a dinâmica da

produção de significados para Continuidade de Funções de uma Variável Real.

Este projeto baseia-se nos princípios teóricos da Teoria da Corporeidade

(Embodied Cognition), principalmente nos trabalhos de LAKOFF e JONHSON

(1980), LAKOFF e NÚÑEZ (2000), NÚÑEZ (2003) e no papel da argumentação

em sala de aula fundamentado no Modelo da Estratégia Argumentativa (MEA).

Visando atender ao nosso objetivo, escolhemos um cenário e uma

fundamentação teórico-metodológica. Escolhemos um curso de Pós-

Graduação em Educação Matemática em que os alunos, obrigatoriamente,

eram professores de Matemática e/ou Ciências nos ensinos Fundamental,

Médio ou Superior. Acreditamos que professores envolvidos em Cursos de

4

11 4

Especialização, demonstram interesse em mudanças e o curso escolhido já

visava uma participação ativa dos estudantes. Além disso, para que a

contribuição dos participantes fosse mais efetiva em nossa pesquisa,

queríamos garantir que os mesmos já tivessem cursado Cálculo Diferencial e

Integral em suas graduações. Outro fator decisivo foi o da existência da

disciplina Tópicos de Cálculo Diferencial e Integral no programa do curso, pois

nosso tema era a Continuidade de Funções de uma Variável Real.

Sendo assim, nosso cenário foi composto por um curso de Tópicos de

Cálculo Diferencial e Integral, onde dez alunos foram observados durante cinco

encontros. Para analisarmos a dinâmica da produção de significados

elaboramos tarefas que propiciassem a fala e as argumentações dos

participantes. Gravamos em vídeo todos os encontros e anotamos no caderno

de campo todas as observações que fizemos, o que será mais detalhado nos

capítulo 3 e 4.

Para investigarmos como ocorria o processo da produção de

significados, optamos por uma pesquisa qualitativa. Realizamos um estudo de

caso, descrito no capítulo 3. Com o objetivo de investigar a Produção de

Significados, assumimos as idéias de LINS (1997, 1999, 2004) que diz que um

objeto é algo que pode ser falado; a produção de significado “é aquilo que se

pode e efetivamente se diz do objeto no interior de uma atividade”. Os objetos

se constituem através das enunciações feitas pelos sujeitos enquanto

produzem significados.

Utilizamos a idéia de atividade de LEONTIEV (1964, 1991) onde uma

atividade é o conjunto de ações e operações executadas num contexto por um

indivíduo para produzir algo. Preparamos tarefas para forçar os participantes a

resolverem o problema, explicitarem e defenderem os seus pontos de vista

junto ao grupo, resultando assim numa cadeia de ações. Para fazermos a

leitura e análise do processo argumentativo dos participantes, quando estavam

produzindo significados, usamos como aporte teórico-metodológico a

articulação de duas teorias, brevemente apresentadas aqui e descritas no

capítulo 3:

5

11 5

• Uma alternativa à análise do discurso – Modelo da Estratégia

Argumentativa (FRANT e CASTRO, 2000; FRANT, 2000, 2001) -

que permite construir uma rede de argumentação, incluindo a

intencionalidade da fala, - escrita, oral, corporal – para analisar

episódios em sala de aula. Um episódio é aquele conjunto

escolhido por conter dados relevantes à questão que está sendo

pesquisada ou por apresentar novas questões.

• A Teoria da Corporeidade - Embodiment Cognition (LAKOFF e

NÚÑEZ, 1997, 2000) – uma proposta da Lingüística Cognitiva que

inclui as metáforas conceituais para compreender processos de

aprendizagem.

Constituiu-se como tema de pesquisa a Continuidade de Funções de

uma Variável Real e o problema é a investigação da Produção de Significados

para a Continuidade de Funções de uma Variável Real por alunos/professores

de um curso de pós-graduação em Educação Matemática. Para operacionalizar

o problema objetivávamos responder as seguintes questões:

1. Como ocorre a dinâmica da Produção de Significados para a

Continuidade de Funções de uma Variável Real?

2. Quais significados são produzidos para objetos matemáticos

como ponto, curva, intervalo, epsilon, delta, domínio e imagem de

funções?

3. De que forma a teoria da Corporeidade contribui para a análise do

processo da produção de significados em nosso tema?

4. Como e quais são as idéias Matemáticas modificadas ou

sustentadas pelos sujeitos investigados?

5. Como e quais impactos esta pesquisa causa na prática

pedagógica?

A pesquisa qualitativa permitiu o aprofundamento dessas questões como

mostramos no capítulo 4. A seguir apresentamos como está estruturada a

apresentação dessa pesquisa.

6

11 6

1.2 A estrutura da pesquisa

Tabela 01 – A estrutura da pesquisa

Nº O Capítulo Do que se trata Objetivo 1

A pesquisa

Relata as escolhas para o início da pesquisa, identificando qual é o foco e como pretendemos operacionalizá-la.

O que estudar Por quê

e Como

2

O ensino e a

aprendizagem de Cálculo

Apresenta, em categorias a revisão bibliográfica/webgráfica utilizada para a elaboração da pesquisa.

Delimitar o campo da pesquisa.

3

A fundamentação

teórico-metodológica

Apresenta, em detalhes, as teorias e a metodologia empregada.

Apresentar o aporte teórico e descrever o trabalho de campo.

4

O trabalho de campo

Apresenta o processo de construção e análise dos episódios, explicitando quais os referentes para o estudo.

Apresentar a construção e análise dos episódios possibilitando o entendimento das considerações finais.

5

As

considerações finais

Relata as considerações finais sobre os estudos realizados.

Informar as considerações finais, respondendo as questões de pesquisa e propondo caminhos para a continuidade da pesquisa.

7

11 7

Capítulo 2 Revisão bibliográfica:

O ensino e aprendizagem de Cálculo

8

11 8

2.1 Revisão bibliográfica

Fizemos uma revisão, principalmente, sobre publicações datadas a partir

de 1998. Realizamos uma busca em dissertações, teses, periódicos, anais de

Congressos Nacionais e Internacionais e sites de algumas Universidades

(UNICAMP, UFRGS, UERJ, UFRJ, USP, UFBA, entre outros) para verificarmos

o que já existia sobre a produção de significados para a Continuidade de

Funções de uma Variável Real. Ao final dessa leitura vimos que alguns autores

se destacaram por constar de quase todos os trabalhos revisados, entre eles,

DAVID TALL, VINNER, SIERPINSKA e CORNU. Esses autores compartilham a

idéia de que os estudantes apresentam dificuldades para um completo

entendimento do conceito formal de Limite, usando epsilon e delta (desde

CAUCHY).

Optamos por apresentarmos as idéias sobre alguns autores e trabalhos

pesquisados e estabelecermos um diálogo entre estas leituras e o nosso

projeto.

DAVID TALL pesquisa há pelo menos 20 anos, no nível superior de

ensino, os processos do pensar Matemático. Estuda o pensamento Matemático

em ambientes informatizados e as implicações nos processos de ensino e

aprendizagem. TALL e VINNER há anos abordam a importância do que

chamam “imagem conceitual”. Para estes autores, uma imagem conceitual

compreende um mecanismo cognitivo associado a um conceito Matemático na

mente do indivíduo (TALL e VINNER, 1981)3. Para os autores, uma imagem

conceitual é formada por imagens mentais, descrições verbais e impressões

associadas a um dado conceito e pode não estar associada aos conceitos da

Matemática formal. Neste sentido uma imagem conceitual enriquecida provém

da construção de uma ampla gama de correlações e conexões entre os

mecanismos cognitivos.

3 alguns artigos citados e que não constam em nossa bibliografia encontram-se no site http://www.davidtall.com/papers

9

TALL considera dois aspectos nos processos cognitivos que envolvem a

construção do pensamento Matemático: a criatividade para gerar novas idéias

e a prova para exercer o poder de convencimento da noção Matemática. Para

ele, uma definição conceitual pode ser formal ou natural e a criatividade para

gerar novas idéias está ligada à definição conceitual natural. Esta definição

natural é pessoal, construída pelo sujeito e, portanto, pode mudar com o

tempo. A definição conceitual natural pode ser diferente da definição conceitual

formal que propicia as provas. Nesse sentido CORNU (1991) apontou que a

maioria das idéias Matemáticas não provém de definições, mas das noções

intuitivas associadas ao conceito. Muitos autores concordam que a definição

formal, como mostra a história, é contrária à intuição humana, entre eles estão,

por exemplo, CORNU (1991), SIERPINSKA (1996), TALL (2002, 2004) e

VINNER (1991). CORNU chamou atenção, em alguns trabalhos, para o fato de

que muitos termos utilizados em Matemática têm significados diferentes dos

termos utilizados na linguagem cotidiana, por exemplo, o uso dos termos

“existe” (∃), “para todos” (∀), “limites” e “continuidade”.

Atualmente, o grupo de pesquisa coordenado por TALL tem como

seguidores os brasileiros MÁRCIA PINTO E VICTOR GIRALDO. Em seus

trabalhos mais recentes, TALL considerou a importância da cognição

corporificada (embodiment cognition) nos processos do pensar Matemático

(WATSON & TALL (2002) e TALL (2004, 28st PME)). DAVID TALL esteve na

PUC/SP em 27/05/2004 e expôs suas idéias sobre “os três mundos da

Matemática”. Segundo ele, o primeiro mundo corresponde ao mundo

corporificado onde estão os modos de percepção, as ações, o que sentimos e

pensamos sobre os objetos materiais e Matemáticos. O segundo mundo

corresponde ao mundo simbólico onde os símbolos da Matemática são

usados para representar coisas que são ao mesmo tempo processos e

conceitos, como por exemplo, (4+3) envolve o processo de adição e o conceito

de soma. O terceiro mundo é o mundo formal onde os objetos e símbolos

Matemáticos apresentam propriedades (teorias e axiomas) usadas para

demonstrar e provar.

10

Para o autor, o mundo formal utiliza as idéias dos outros dois mundos.

Para calcularmos limites infinitos usamos a idéia “de tender para o infinito” e

para isto não existe um procedimento que possibilite este cálculo. O Cálculo

não é apenas simbólico, mas sim resultado de uma relação com o próprio

corpo. No modo natural de pensar, os conceitos corporificados são usados

para definir os objetos, enquanto que no modo formal, a definição do objeto é

usada para conceituá-lo. Para ele, no mundo corporificado as coisas são

consideradas verdadeiras quando podemos vivenciá-las e isto é bom porque

dá idéias, mas por outro lado, constitui-se num problema porque depende da

vivência de cada um.

Encontramos alguns estudos sobre as dificuldades dos alunos na

aprendizagem de conceitos e seus fatores de conflito cognitivo (limitações

intrínsecas que levam à formação de imagens conceituais restritas): Limites e

continuidade (TALL e VINNER, 1981; TALL 1980a; CORNU, 1991),

Infinitesimais (TALL, 1981 e 1982), infinito (TALL, 1980b), uso de tecnologia

computacional (TALL, 1991), unidades cognitivas (BERNARD & TALL, 1997.

21STPME; TALL, 2004. 28STPME).

SIERPINSKA (1985) apontou a necessidade do aparecimento de

conflitos mentais para superarmos obstáculos epistemológicos4. Nesse sentido,

TALL (2002) também usou os conflitos cognitivos (mentais) como geradores

para superar os obstáculos epistemológicos. Em seu artigo, SIERPINSKA,

relatou uma experiência feita com alunos sobre o conteúdo de limites.

Trabalhou com alunos de arquitetura, uma seqüência de atividades sobre

séries infinitas, focando a escolha no desenvolvimento histórico do Cálculo

ligado ao conteúdo. Concluiu que as noções de conhecimento científico sobre

infinito, função e números reais, constituem as principais fontes de obstáculos

relativos ao conhecimento de limites. Em nossas leituras vimos que SAD

(1998) também pesquisou sobre a noção de Limite e concluiu que esta noção

4 Um obstáculo epistemológico é verdadeiramente constitutivo do conhecimento, é aquele do qual não se pode escapar, e que se pode em princípio encontrar na história do conceito. (IGLIORI. A noção de “Obstáculo Epistemológico” e a Educação Matemática: Uma introdução. Ed. Educ. São Paulo, p.97, 1999)

11

só é possível de ser pensada, depois que se produzirem significados e

relações que permitam pensar e enunciar a partir do objeto matemático: Limite

(ver p.12 neste capítulo).

SIERPINSKA nessa pesquisa valorizou as falas dos alunos e interagiu

com eles, mas não conseguiu superar todos os obstáculos epistemológicos. Já

em 1990 e 1992, SIERPINSKA relacionou significado à compreensão de

conceito. Para ela, compreender o conceito é como captar o seu significado.

Fez apontamentos no sentido de que a consciência das limitações de cada

forma de representação e do fato de que elas representam um mesmo

conceito, é uma condição fundamental para a compreensão de funções. (ver

também SCHWARZ, 1995).

BALDINO, CIANI e LEAL (1997) realizaram um estudo de caso,

enfocando, principalmente, o Limite de Funções. Usaram os fundamentos

teóricos de TALL e VINNER (1981) e GRAY e TALL (1994), isto é, provocaram

fatores que geraram conflitos cognitivos. Apresentaram a definição formal de

limite, entretanto utilizaram um símbolo diferente, XPTO, no lugar da → para

evitar a idéia do tender para. Segundo os autores, XPTO representava um

símbolo, que deveria ser usado, enquanto a definição conceitual não era forte o

suficiente para governar a imagem conceitual. Desse modo: an XPTO L

significa que ∀ε, ∃ Ν, ∀ n ( n > Ν → I an – L I < ε ). Mostar que 1/n XPTO 0

(zero). Com esta estratégia, segundo os autores, estes estudantes

conseguiram completar provas formais de exercícios do curso de análise.

ASPINWALL (1997) preocupou-se com o papel da visualização no

entendimento do Cálculo.

...”enormes diversidades existem não somente na capacidade individual de formar imagens, mas também no uso das imagens visuais quando indivíduos diferentes fazem matemática”. (ASPINWALL, 1997, p.303)

O artigo apresentou os resultados de um estudo de caso feito com

alunos de cálculo, em que a capacidade visual dos alunos representou um

obstáculo para eles. Destaca que por mais que os autores de livros texto

proponham mais gráficos para melhorar o entendimento conceitual do

12

estudante, quando as imagens correspondentes aparecem, precisamos

compreender que as imagens dinâmicas, geradas pelos gráficos, podem gerar

problemas para o entendimento matemático. (ver também GIRALDO;

CARVALHO; TALL, 2002).

Neste sentido SAD (1998) relatou que quando foi pedido aos alunos

pesquisados para traçarem o gráfico da função sen(x) / x, eles traçaram e

visualizaram na calculadora gráfica uma continuidade em x=0. Os alunos não

produziram qualquer significado de indeterminação para a Função. Segundo

SAD, para essa questão, “notamos que para alguns estudantes foi impossível

mudar de um campo semântico para outro”. (id., p.297). Ela concluiu que o fato

de que alguns alunos não conseguiram produzir significado para esta questão,

indica a existência de um obstáculo epistemológico, pois ocorreu a

impossibilidade de produção de significados para a noção de Limite. Nessa

pesquisa ao aplicarmos uma tarefa para a turma piloto, conforme capítulo 3 (p.

59), tivemos resultados semelhantes aos de SAD sobre a consideração de que

o gráfico visualizado na tela representava uma Função contínua.

ARTIGUE (1991) falou sobre as concepções dos estudantes para alguns

conceitos de Cálculo. Relatou que os aspectos conceituais são reduzidos aos

algoritmos que, por excesso de algebrização, escondem as idéias essenciais

do Cálculo. Aplicou para estudantes atividades que pediam, a partir do gráfico

de uma função, traçar o gráfico de sua derivada e integral. Os estudantes

recorriam primeiro à expressão algébrica da função para depois esboçar os

gráficos pedidos. Os alunos ficavam muito tempo tentando fazer os cálculos

algébricos que não eram consistentes com o gráfico apresentado.

Também encontramos resultados semelhantes quando aplicamos a

tarefa 01 do trabalho de campo (capítulo 4, p. 64).

ARTIGUE salientou que os processos educacionais implicam

diretamente nas concepções Matemáticas dos estudantes. Os alunos tiveram

dificuldades em tratar graficamente a continuidade e a diferenciabilidade.

Graficamente, uma função contínua também era diferenciável, mesmo quando

13

não fosse. Esta autora estudou as interações entre os sujeitos e sugeriu que o

aluno deve ser considerado como ator principal e o professor um coadjuvante.

Disse que as escolhas feitas e o controle exercido pela comunidade podem

influenciar no processo de validação. Nossa pesquisa também apontou este

fato conforme capítulo 4 (p. 85, p. 86 e p.102).

NEMIROVSKY (1996), falou em tecnologia, análise das narrativas

matemáticas através da modelagem Matemática, estudo de Funções e

situações físicas. Apresentou as narrativas Matemáticas que, tratam da

exploração Matemática de um tema pesquisado. Estas narrativas são

constituídas de significados para eventos, envolvendo a relação de dialogar e

ouvir. Nesse contexto, só é considerada uma narrativa Matemática, se for uma

construção elaborada por alguém que atribui um significado Matemático no ato

da fala ou escrita. Sugeriu que palavras como subir, andar e crescer, talvez

favoreçam os erros dos estudantes. Este pesquisador desenvolveu trabalhos

relacionados ao estudo de fenômenos físicos e suas representações

Matemáticas. Para ele, o uso de tecnologias torna-se um facilitador nos

processos exploratórios de categorias gráficas ou numéricas e, portanto,

auxiliam no estudo funções. Vimos que Borba (1999) compartilhou da mesma

idéia.

Encontramos uma visão diferente sobre o uso de tecnologia em BOLITE

FRANT (2003), que trouxe a idéia de tal uso como prótese. Segundo a autora,

uma prótese é um objeto que possibilita ao sujeito fazer coisas que não faria

sem ele. Desse modo o uso de tecnologia vai além da visão do “fazer mais

rápido” e passa a ser o “fazer diferente”. A tecnologia é vista como uma prótese

que permite, através da ação, falar e constituir objetos. A pesquisa constou de

atividades envolvendo o uso do graphmatica e em sua conclusão encontramos

que o uso de tecnologia como instrumento facilitador para a visualização,

constitui-se numa visão simplista para auxiliar na compreensão dos processos

cognitivos envolvidos na aprendizagem Matemática. “Afirmamos, apenas, que

o uso dessa prótese favorece a construção de textos que ao serem apropriados

pelos estudantes os força a produzir significados” (id., p. 8).

14

CATAPANI (2001, p.12) apontou que “quanto às práticas docentes

temos vários problemas verificados na literatura”. Segundo a autora, de modo

geral, o professor é um expositor centralizador e ao aluno resta pouquíssimo

espaço para pensar sobre o conteúdo visto que, as aulas seguem em ritmo

acelerado e são insuficientes para o conteúdo. A autora afirmou, ainda, que as

idéias do Cálculo são complexas, exigindo raciocínio abstrato o que leva a

disciplina a ser considerada uma das mais difíceis pelos alunos. Em sua

conclusão encontramos o seguinte comentário:

O que muito buscamos fazer durante o ano de 1999 foi isentar os alunos de suas responsabilidades. Por várias vezes, premeditamos as dificuldades e quisemos evitar que os estudantes se defrontassem com elas. Eximimos os alunos de parte de seus compromissos, reforçando, deste modo, os sujeitos que só conhecem as regras sociais que lhes permite tirar proveito das situações...Verificamos que os alunos, quando entram na sala de aula, acreditam que o professor conhece suas angústias, que é responsável pelas suas insatisfações e que, somente ele (o professor), poderá resolver seus problemas. (id., p.119)

VILLARREAL apontou em suas considerações finais, que o professor

deveria se tornar um ouvinte para tentar compreender os caminhos percorridos

pelos estudantes ao resolverem questões matemáticas. Quando fala, o aluno

elabora suas idéias matemáticas, possibilitando que possamos caracterizar o

seu modo de pensar.

BARUFI (1999) desenvolveu um estudo sobre a abordagem do Cálculo

em livros usados por muitos professores e concluiu que:

Especificamente, no âmbito da Universidade, ainda parece ser consenso o fato de o Cálculo ser um curso básico, extremamente importante para a formação de muitos alunos ingressantes. Nesse ambiente, muitos cursos de Cálculo parecem ser os mesmos, com a mesma abordagem que era realizada vinte, trinta ou quarenta anos atrás. Ainda podemos observar o deslumbre decorrente da sistematização lógica do Cálculo, quando o processo de limite foi finalmente formalizado e os números reais passaram a constituir um universo onde os matemáticos se movimentam bem. (id., p.166).

Concordamos com as autoras no tocante ao comportamento dos

professores e suas aulas e, em vista disso, as nossas aulas foram aplicadas

15

em dois momentos e a intervenção da professora foi sempre no sentido de

forçar as trocas argumentativas entre os alunos pesquisados (ver capítulo 4, p.

83, p. 86).

Em sua pesquisa, CATAPANI utilizou calculadoras gráficas na

exploração dos temas Funções e Limites. As atividades aplicadas aos alunos

exploravam as idéias intuitivas de limite a partir da função f(x) = 1/x. Os alunos

eram questionados sobre o que acontecia quando x assumia valores próximos

e distantes da origem. Segundo a autora (p.80), os alunos acreditavam que em

algum momento o gráfico da função “cortaria” os eixos Ox e Oy. Também

obtivemos resultados parecidos quando aplicamos a tarefa 02 do estudo de

campo (p.65). Nesta tarefa pedimos um palpite para w(-50) e dois alunos

responderam que “não sabiam se a curva iria para baixo”.

CATAPANI relatou que os alunos usaram muito o comando zoom da

calculadora para observar o comportamento do gráfico quando x estava muito

próximo ou muito distante da origem. Graças a esse gráfico, os alunos tiveram

idéias intuitivas de “tender a”, e só então, o tema limite foi introduzido. SAD

(1998) também encontrou resultados semelhantes a este sobre Limites em sua

pesquisa. Alguns comentários tais como “facilita visualizar, mas tem que saber

Cálculo”, “tem aquelas exceções que a gente tem saber” apareceram durante a

pesquisa (CATAPANI, 2001, p. 61).

Podemos estabelecer uma conexão com as idéias de BOLITE FRANT

(2003), no sentido de que o uso de tecnologia funciona como uma prótese que

força o sujeito a produzir significados diferentes daqueles que estava

acostumado. Nas palavras das alunas pesquisadas por CATAPANI, vimos que

consideraram que a calculadora gráfica ajudou, mas não foi suficiente e nem

facilitadora para a resolução da tarefa. Neste aspecto, nossa pesquisa mostrou

que os alunos falaram em facilidades visuais, mas outras dificuldades

apareceram por não conhecerem alguns conceitos como unicidade de limites e,

também, não utilizaram o computador para resolverem a tarefa 04 do trabalho

de campo (ver capítulo 4).

16

CATAPANI constatou que mesmo com todos os recursos oferecidos

pela calculadora, parecia que os alunos não queriam perder tempo com

“coisas” que não soubessem. Segundo ela, parecia que os alunos desejavam,

principalmente, a agilidade nas resoluções da lista de exercícios.

Este fato corrobora com as idéias de BOLITE FRANT (2003), quando

disse que a tecnologia é como uma prótese que só tem utilidade quando não

somos capazes de fazer o que fazemos sem ela. Para os alunos pesquisados

por CATAPANI, nem sempre a calculadora gráfica era essencial na resolução

da tarefa e, portanto, não agia como agente facilitador como pregam alguns

pesquisadores. Como vimos, usar tecnologia não significa melhorar a

aprendizagem. Precisamos de tarefas que forcem os alunos a falarem para

defenderem os seus pontos de vista e, desse modo, após analisarmos as suas

estratégias argumentativas, elaborarmos novas tarefas que forcem as

argumentações na direção desejada (ver capítulos 3 p.60 e 4 p. 68). Somente

para ilustrar, no Brasil já encontramos propostas inovadoras para o uso de

tecnologia em sala de aula, por exemplo, nos livros de BARUFI e LAURO,

MANRIQUE et al (2002) e em sites dos Institutos de Matemática das principais

universidades brasileiras.

BARUFI (1999) revelou em sua análise que nos cursos de Cálculo ainda

são feitas as mesmas perguntas do passado. Abordou a questão da tecnologia

como ferramenta importante na resolução de problemas, mas que nem sempre

é utilizada dessa forma pelo professor, o que implica em uma atividade

cansativa e sem significado para o aluno. Afirmou que a compreensão só

ocorre quando emerge a significação e que “a sensibilidade possibilita ao

professor observar o brilho nos olhos de seu aluno quando este conseguiu

construir o significado”. (id., p.169).

BOUAZZAOUI (1988) apresentou um estudo sobre as concepções

manifestadas por alunos e, professores marroquinos no final do curso

secundário, com relação à continuidade (simples) de uma Função. Entre as

conclusões encontramos que, tanto os alunos quanto os professores,

apresentaram várias concepções sobre Função Contínua. A concepção

17

geométrica e global foi a mais manifestada por todos, mas também foi ao

mesmo tempo o principal obstáculo encontrado. Os alunos não apresentaram

como definição de Função Contínua aquela que os professores e os livros

apresentam. Para aqueles alunos uma Função era Contínua em A quando

estava definida em todos os pontos de A.

Nós também encontramos resultados como este em nossa pesquisa

quando aplicamos a tarefa 03 do trabalho de campo (ver capítulo 4, p.91 e

p.92).

BOUAZZAOUI verificou que as definições formais apresentadas pelos

alunos pareciam ter pouca significação. Muitos alunos e alguns professores

possuíam pouca compreensão sobre a noção geral de Função, Contínua ou

não. Chamamos atenção para o nosso uso para a produção de significados.

Como fizemos uma leitura positiva, isto é, analisamos o que o aluno

efetivamente fez e não o que queríamos que fizesse, não compartilhamos com

este comentário de que “as definições pareciam ter pouca significação”.

Consideramos que o significado foi produzido ou não e, portanto, não fazemos

juízos de valor.

Segundo LINS (1999, 2004) precisamos usar idéias Matemáticas

teóricas para criar situações que façam as diferenças. “Se eu percebo as

diferenças eu posso respeitar ou então fazer um ato político”, que nesse caso

quer dizer negociação, argumentação. Situações Matemáticas são riquíssimas

para que as pessoas percebam as diferenças. Nesse contexto, o significado é

aquilo que dizemos sobre alguma coisa, isto é, os objetos podem ter

significados diferentes dependendo de quem os define. Os objetos se

constituem através das enunciações feitas pelo ser cognitivo enquanto produz

significado. Precisamos saber quais objetos estão sendo constituídos e quais

significados estão sendo produzidos. Um significado é sempre resultado de

uma enunciação que deve ser justificada.

SCHWARZ (1995) também pesquisou a concepção de Função entre

alunos do nível Médio. Um de seus referenciais teórico-metodológico foi a

18

classificação de SFARD (1992) para o processo de transição entre uma

concepção operacional e uma concepção estrutural de qualquer conceito

Matemático. Revelou que o nível mais elementar desse processo de transição

é chamado de interiorização. A interiorização é identificada como o estágio em

que o processo é executado num objeto já conhecido. SCHWARZ relatou que

os sujeitos apresentaram uma concepção operacional para Função, isto é, se

preocuparam mais com a variação entre as variáveis ao invés da

correspondência entre os elementos do Domínio e do Contra-Domínio.

Segundo o autor, SFARD afirmou que os alunos geralmente usavam um

conceito mais estrutural de função quando estavam no nível Superior de

ensino, mas advertiu que eles precisavam apropriar-se do conceito operacional

para depois passar para o estrutural.

Um dos fenômenos que Anna Sfard elenca como indicação da tendência do aluno em pensar como um processo e não como um objeto permanente, é o da dificuldade geral com a função constante. Essa dificuldade foi também observada entre os alunos pesquisados, que ao analisar a função f(x)=2 afirmaram que falta a variável x. Isso indica a existência da crença de que a uma mudança da variável independente corresponde uma mudança da variável dependente. Esse fato contribui mais uma vez para nossa conclusão de que os alunos têm e trabalham com uma concepção mais operacional de função. (SCHWARZ 1995, p. 127-128)

NUNES (2001) estudou a convergência de seqüências através de

atividades especialmente elaboradas e aplicadas para alunos de Licenciatura

em Matemática que ainda não haviam tido aulas sobre o assunto. A autora

encontrou resultados semelhantes aos de SCHWARZ, disse que parecia que

os alunos não concebiam domínio, contradomínio e imagem de função como

conjuntos. Os alunos, também, acreditavam que uma seqüência constante não

convergia, porque seus termos não se aproximavam de nenhum número. A

autora disse que SIERPINSKA observou em seus estudos, que os alunos

confundiam a seqüência com a sua imagem.

Encontramos resultados semelhantes para a função constante durante

as aulas do curso pesquisado por nós. Os alunos justificaram, em uma das

avaliações escritas, que o não existia, pois não era possível de ser Lim 50 x→∞

19

Calculado. Uma aluna escreveu que não poderia calcular porque não existia a

incógnita. Também obtivemos resposta como “o domínio não pode ter mais do

que uma imagem” como mostra o capítulo 4, p. 82.

GUTIERREZ e DIAZ (2000) apresentaram um artigo sobre o processo

de ensino e aprendizagem de alguns conceitos elementares de Análise

Matemática do ensino Médio e Superior. Entre os conceitos elementares

citaram o conjunto dos números Reais e aplicação de Limites. A pesquisa foi

feita com professores e foi usado o software Maple. Entre as conclusões dos

autores, apareceu que os professores pesquisados apresentaram uma imagem

mental de que o axioma da completude se referia a algo contínuo, cheio, sem

buracos e o conjunto dos números Reais era identificado como um contínuo,

sem começo, fim e buracos. Apresentaram que, na sala de aula, estes

professores faziam uso de analogias quando afirmavam que a completude dos

Reais poderia ser comparada à linha do horizonte, às linhas contínuas de uma

estrada e não existia nada na vida real absolutamente tão compacto, pois a

matéria foi formada por átomos que não eram compactos e que deixavam

vazios entre si. Eles afirmaram que para alguns pesquisados, a grandeza mais

utilizada na vida real, que poderia ser comparada ao conjunto dos reais, era o

tempo, entretanto, continuava sendo algo inacessível do ponto de vista

material. Os autores constataram que a idéia intuitiva e a idéia conceitual

caminhavam separadamente.

Sobre as concepções dos alunos envolvendo números reais,

encontramos o artigo de IGLIORI e SILVA (2000) que fizeram um levantamento

sobre três pesquisas referentes a este assunto e aplicaram atividades para

alunos de graduação em Matemática validando os resultados apontados nas

três pesquisas.

Diversas pesquisas mostram que, para os alunos, as relações existentes entre os diferentes conjuntos resultantes de sucessivas extensões empíricas do campo numérico estão longe de serem claras. Para os alunos, R compreende categorias diferentes de números: os inteiros, as frações, os decimais, os números que se expressam por radicais e quaisquer outros números, como π, todas essas categorias tendendo a se confundir na associação de número real com

20

número decimal (com número de decimais reduzido), associação reforçada pelo uso de calculadoras. Do mesmo modo se há uma associação de reais com a reta numérica, essa associação não corresponde necessariamente a nossa visão da continuidade numérica. (ARTIGUE, M. IREM, Paris VII, 1989, apud id., p.40).

Os autores apontaram que nas pesquisas estudadas por eles, os alunos

disseram que a reta numérica é a representação geométrica do corpo dos

números reais, entretanto, este modelo geométrico dos alunos não

correspondia à reta de Dedekind. Alguns alunos responderam que se

pudéssemos fazer uma espécie de zoom na reta numérica, veríamos que ela é

um conjunto de pontos. Também apareceram respostas do tipo “o segmento é

finito, portanto menor que um conjunto infinito”. Os autores concluíram a

pesquisa mostrando que os resultados encontrados aqui no Brasil, foram

semelhantes aos resultados encontrados na França e em Israel.

SAD (1998, p.14) afirmou que encontramos pelo menos dois grupos

distintos de estudantes de Cálculo: os que aceitam a Análise Não-Standard e

os que não a aceitam. Aqueles que não a aceitam usam a definição de que o

conjunto dos números reais é um corpo ordenado completo e, como relacionam

com pontos sobre a linha, não existe lugar para colocar mais nenhum número,

isto é, a linha numérica é completa. Desse modo esses alunos não admitem a

existência dos infinitésimos5. Os alunos que aceitam a Análise Não-Standard

olham a completude como um resultado técnico que “adiciona os pontos limites

de seqüências de Cauchy de números racionais, sendo perfeitamente possível

colocar os números reais em um conjunto numérico maior, incluindo os

infinitésimos e números infinitos, os hiper-reais”.

COBIANCHI (2001) fez um estudo com professores e, assim como

IGLIORI e SILVA, concluiu que na visão deles, cada ponto da reta

representava um número real. Quanto à idéia e definição de Função Contínua,

os professores associaram à definição formal de limite. O autor salientou que

qualquer procedimento de ensino ou atividade pedagógica para o conteúdo de

números Reais, deveria conter as noções de continuidade numérica. Exaltou

5 Infinitésimos são números positivos menores que qualquer racional positivo não nulo (SAD, 1998, p.14)

21

que os aspectos teóricos não poderiam ser abandonados e tópicos da História

e Filosofia da Matemática deveriam ser utilizados nas discussões em temas de

Cálculo e Análise Matemática ou qualquer disciplina específica de Licenciatura

em Matemática.

BROLEZZI (1996) concluiu que seria preciso levar em conta no ensino

de Cálculo, imagens com fortes características da continuidade e, ao mesmo

tempo, metáforas que façam uso do discreto. Seria necessário que o aluno

visualizasse as idéias do Cálculo e soubesse utilizá-las em aplicações práticas.

SAD (1998) aplicou atividades envolvendo conteúdos Matemáticos como

Limites e Derivadas para estudantes de Cálculo e fez entrevistas com

professores de Cálculo sobre as suas práticas. As respostas indicaram que

existe entre estes professores uma necessidade de unificar as noções ou

objetos do Cálculo. Segundo ela, o problema foi que agindo assim, os

professores tendiam a esquecer os diversos modos de produção de

significados e a sua importância para novas relações, descobertas e criações.

Como o seu referencial teórico-metodológico constituiu-se das idéias do

Modelo Teórico dos Campos Semânticos (MTCS) de Romulo Campos Lins e

nós também investigamos a dinâmica da produção de significados, sentimos a

necessidade de descrever alguns elementos chaves explicitados por LINS em

suas obras (1997, 1999) e na palestra proferida na PUC/SP em 17/05/2004.

Para LINS, o MTCS é um modelo didático que visa ler processos, isto é,

ler o que acontece enquanto acontece. É uma poderosa ferramenta em

Educação Matemática para pesquisa e desenvolvimento, pois serve para guiar

práticas em sala de aula e para habilitar professores a produzir uma leitura do

processo de produção de significados em sala de aula. É de vital importância

porque se o professor souber como é o pensamento do aluno, poderá

antecipar-se e melhorar o processo de aprendizagem. O MTCS é dirigido para

a interação, isto é, só tem sentido posto em prática. Não se faz juízos de valor,

tudo é feito por alguém, em alguma situação, em um ato político, ou seja, ato

social. O processo é todo avaliativo, uma avaliação epistemológica, isto é,

sabendo-se como uma pessoa pensa, continua-se a interação. O

22

conhecimento é resultado de um par (crença-afirmação; justificação). A

afirmação é intencional, são os atos enunciativos, as falas, os gestos, os

arranjos de objetos. A justificação é dirigida a um interlocutor. Quem produz

conhecimento é quem afirma. “Eu tenho conhecimento que aquela pessoa tem

conhecimento sobre aquilo”.

Durante o “processo” a crença é um estado mental de convencimento,

não se pode entrar na cabeça da pessoa para saber o que ela está pensando.

Somente durante a justificação é possível saber se a pessoa acredita em

alguma coisa, isto é, quando ela afirma ou age de acordo. Não se julga a

verdade dos alunos porque pode ser verdade em uma situação e não ser em

outra. Um exemplo disso é quando o aluno escreve que 0,999999.......=1. O

aluno pode não acreditar, mas usa porque sabe que precisa usar isto se quiser

acertar a questão. Conhecimento é fruto da enunciação e não do enunciado,

desse modo, não existe conhecimento implícito, é preciso explicitar para

conhecer.

Em nossa pesquisa usamos esta idéia de produção de significados do

MTCS porque apresenta um conceito de legitimidade para as argumentações.

Um processo argumentativo é constituído quando existe um reconhecimento

das duas partes de aquilo é válido, isto implica na valorização da fala do aluno.

LINS definiu campo semântico como aquilo que se constitui na própria

atividade de produção de significados, isto é, revela o que está sendo e não o

que deveria ser. Ainda, durante o processo da produção de significados, o

sujeito faz certas afirmações que não sente necessidade de justificar,

afirmações que são por ele tomadas como localmente válidas. Cada afirmação

desse tipo recebe o nome de estipulação local.

SAD (1998, p.296) destacou que o resultado central da sua pesquisa

girou em torno da confirmação da existência de diferentes modos de produção

de significado a partir do Cálculo.

23

A análise epistemológica dos dados, tendo por base o MTCS, mostrou que o ponto principal desse resultado central é a produção de objetos diferentes a partir do Cálculo, não apenas objetos de aparências diferentes. A fonte dessa afirmação está nos discursos, nas falas colhidas, as quais aparecem na forma de afirmações distintas a partir de um mesmo texto. (id., p.296).

Segundo SAD (id., p. 299) a “pesquisa confirmou que dentre os modos

predominantes de produção de significados, objetos e conhecimentos a partir

do Cálculo, a caracterização fica por conta de estipulações locais” dos

seguintes tipos: visual/geométrica, infinitesimais, limites e algorítmicas.

Segundo ela, poderíamos também, “produzir significado para situações que

envolvem noções básicas como a de Funções e outras relacionadas ao

pensamento algébrico”.(id., p.300). O estudo mostrou que a maneira de

considerar o Limite como um processo dinâmico, que envolve pontos em um

gráfico, cada vez mais próximos de um ponto limite, como na definição de

Limite de Cauchy, muitas vezes consistiu em um obstáculo epistemológico.

“....para melhorar o entendimento dos estudantes a partir da definição formal de limite é necessária uma instrução cuidadosa e explícita”, nesse caso, do professor, que verifique todos os modelos de limite construídos pelos alunos, bem como “os conhecimentos e relacionamentos durante o processo de produção, afim de tornar possível uma mudança no modo de produção de significado em relação, por exemplo, a estipulações locais de limite e, assim, permitindo que o estudante faça do seu modo de produção de significado um obstáculo para outros modos”. SAD (id., p.300)

Compartilhamos este resultado com SAD, conforme escrevemos em

nossas considerações finais no capítulo 5.

VILLARREAL (1999) aplicou atividades sobre conteúdos de Cálculo, tais

como reta tangente, derivada e coeficiente angular entre outros. Usou

softwares, calculadoras gráficas e as atividades traziam questões enunciadas

de modo algébrico para os alunos traçarem o gráfico. Uma aluna disse que não

poderia traçar uma reta tangente à outra reta, pois “as retas não possuem

tangentes”, a própria reta tangente seria coincidente com a reta dada. (id., p.

72-73). Em outra atividade uma aluna afirmou que “para que uma função seja

crescente, f(x) tem de ser positiva”. Conforme mostra o capítulo 4 (p.70),

encontramos argumento semelhante em nossa pesquisa.

24

Os alunos pesquisados por VILLARREAL falaram em “tangenciar”, mas

não especificaram o significado do verbo. De modo geral, os alunos disseram

que o computador ajudou na visualização gráfica, mas o cálculo teria que ser

feito no papel. O trabalho com o computador e com o lápis deveria ser

integrado (id., p.140).

Segundo, uma característica, também, presente em muitos momentos dos episódios analisados é a não linearidade nos caminhos percorridos pelas estudantes para resolver as questões colocadas. Por momentos, parece que uma determinada pergunta feita pela entrevistadora ou colocada por alguma das estudantes em um contexto dado, faz com que as estudantes estabeleçam conexões com outras idéias relacionadas e, aparentemente, “afastadas” do núcleo de interesse. (id., p.311)

A autora chamou atenção que VINNER (1982) apresentou um artigo

onde explorava o tema sobre retas tangentes e abordava, também, esta

discussão. Segundo ela, através de respostas escritas por 278 universitários, o

autor concluiu que existiam imagens conceituais que estavam ligadas à

intuições prévias.

BARUFI (1999) apresentou estatísticas de reprovação indesejáveis na

disciplina de Cálculo em alguns cursos da USP/SP entre 1990-1995.

Analisando alguns livros didáticos usados por professores dessa disciplina,

revelou que buscava “descobrir a forma de organização pela qual o

conhecimento é comunicado, revelado, ou pela qual os significados são

construídos” (id., p.48). Segundo a autora, a análise dos livros indicou que

existiam dois modelos distintos de propostas didáticas: 1. O conteúdo aparece

de forma sistêmica, formal e logicamente organizado, como resultado de

trabalho de pensadores, filósofos e matemáticos, durante mais de vinte séculos

e 2. O conteúdo está em construção “não obedecendo a estruturação lógica,

mas sim ao desenvolvimento do Cálculo, baseando-se numa metodologia

problematizadora” (id.,p.53).

BRUNER (1998) valorizou a linguagem verbal como instrumento de

construção, comunicação e representação da realidade. As narrativas

produzem eventos e histórias: “o ato do autor criar uma narrativa de um

25

determinado tipo e de uma forma especial, não é evocar uma reação

padronizada, mas recrutar o que for mais apropriado e emocionalmente vivido

no repertório do autor” (p.38).

LAKOFF e JOHNSON (1980), baseados principalmente na evidência

lingüística, constataram que a maior parte de nosso sistema conceitual

ordinário, em termos do qual pensamos e agimos, é de natureza metafórica. A

essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos de

outra (id., p.47- 48). Os autores fizeram um contraponto entre um enfoque que

analisa a metáfora como fenômeno de linguagem, sem valor cognitivo, e um

enfoque que lhe atribui um status epistemológico. Nesta concepção o modo

como se pensa, a experiência que se tem e o que se faz todos os dias são uma

questão de metáfora. As metáforas dependem da cultura do povo. As

implicações dessa tese geram muitos estudos, já que dizem respeito não

apenas à linguagem, mas sim à própria atividade de cognição. Esta atividade

não se processa de forma desvinculada da linguagem, nem da nossa maneira

de lidar com o mundo. “...A metáfora é indiscutivelmente de natureza conceitual, pois é um importante instrumento do nosso aparato cognitivo e é essencial para a nossa compreensão do mundo, da nossa cultura e de nós mesmos. A metáfora é parte tão importante da nossa vida como toque, tão preciosa quanto”. (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p.33).

Para os autores, as metáforas são ligadas às percepções do mundo, a

começar pela relação com o próprio corpo. Ou seja, a mente e o corpo não

são independentes. Sendo assim, as metáforas estão longe de serem

fenômenos marginais, são de importância vital para o próprio funcionamento da

mente humana, uma vez que sem a sua atuação constante, o pensamento em

si se tornaria impossível.

Essas metáforas, de tão comuns na língua corrente, passam muitas

vezes despercebidas. Presentes, na própria estruturação do sistema

conceitual, comum aos membros de uma cultura, as metáforas se evidenciam

na língua. Essas metáforas estruturais convencionais não são raras, ao

contrário, constituem, como afirmaram LAKOFF e JOHNSON, a base do

sistema conceitual do homem. Metáfora Conceitual é um mecanismo cognitivo,

26

um mapeamento que permite fazer inferências num domínio alvo, baseado em

inferências que são válidas em outro domínio de experiência (fonte). Assim o

domínio alvo é entendido, freqüentemente inconscientemente, em termos das

relações válidas no domínio fonte. Quando se diz que as IDÉIAS SÃO OS

ALIMENTOS DA MENTE, não existem semelhanças inerentes à "idéia" e

"alimento" que justificariam a metáfora. O conceito de digerir um alimento é

independente da metáfora, mas o de digerir uma idéia só surge graças à

metáfora.

Um mapeamento é a compreensão de que um objeto ou elemento em

um espaço mental corresponde a outro objeto em outro espaço mental. Pode

ser entendido como uma relação especial entre os dois espaços.

A metáfora pode ser entendida como um mapeamento (no sentido

Matemático) de um domínio de origem (estar parado) a um domínio alvo

(função constante).

Domínio Fonte Domínio Alvo

M

A metáfora ou mapeamento cognitivo é uma relação especial entre dois objetos

Tabela 02 – Exemplo de mapeamento cognitivo

Para eles, o começo de toda a atividade cognitiva seria a experiência

humana de lidar com o mundo externo. Os autores afirmaram que as metáforas

não têm como base, similaridades preexistentes, inerentes aos conceitos, mas

que são as próprias metáforas que criam essas semelhanças que, de outra

maneira, não existiriam.

• Objeto que se

move e deixa

rastro

• Carro passa pela cidade X

• Carro parado

• Gráfico da Função

• Passa pelo ponto A

• Função

constante

27

Os autores apontaram uma prática comum entre os professores de

Matemática: a utilização de expressões metafóricas do tipo uma equação é

como uma balança e a Função é uma máquina. CASTRO e FRANT, em seus

trabalhos, afirmam que os alunos aprendem Matemática assim como aprendem

as coisas do cotidiano. Nesse sentido o discurso do professor assume um

papel fundamental na aula de matemática, motivo pelo qual optamos pela

análise do discurso desse. LAKOFF e JOHNSON defenderam que a

percepção, o comportamento e o relacionamento com o outro, é formatado por

conceitos pessoais e o sistema conceitual é em grande parte metafórico.

Segundo eles, se for assim então também o são, não só a maneira como se

pensa e o que se experimenta, mas também a atividade diária.

LAKOFF e NÚÑEZ (2000), no livro Where Mathematics comes from,

apresentaram várias metáforas conceituais do âmbito da Matemática como, por

exemplo, a metáfora básica do Infinito (capítulo 8, p.155). Para eles, o

conceito de “infinito” não pode ser corporifcado porque todas as coisas que

existem são finitas e, portanto, apresentam um fim ou um entorno. Sendo

assim, o conceito de infinito vem da noção de negação daquilo que é finito. O

que temos é uma noção corporificada do que seja o infinito. Não conseguimos

caracterizar coisas infinitas como pontos no infinito, números transfinitos,

conjuntos infinitos ou uniões infinitas. O problema é que na Matemática usamos

vários conceitos de infinitos. O que precisamos estudar é como estas idéias

(conceitos) se relacionam com a idéia de seqüências infinitas, somas infinitas,

intersecção infinita. O que quer dizer algo infinitamente grande ou pequeno?

Nesse livro encontramos que o infinito pode ser entendido como um

processo, contínuo e sem fim, de iteração, um movimento que continua para

sempre. Os autores usaram como exemplo a frase “João pulou, pulou de novo

e pulou de novo” em que aparece um processo iterativo de três pulos. Segundo

eles, geralmente interpretamos pulou, pulou e pulou não como um processo

iterativo de três pulos, mas como um processo sem fim. O verbo pular induz a

um processo iterativo repetitivo onde o pulo começa e termina. Quando

usamos verbos como nadar, sentir ou voar aparece uma idéia diferente, pois

estes verbos sugerem continuidade de movimentos. A idéia de ação iterativa

28

pode ser usada de várias formas para expressar a idéia de ação contínua e

pode ser caracterizada em termos cognitivos como uma metáfora.

Movimentos indefinidamente contínuos são difíceis de visualizar, então o

que fazemos é visualizar indefinidamente a repetição de pequenos

movimentos. No dia a dia, ações contínuas requerem ações iterativas. Por

exemplo, a ação de andar continuamente pressupõe repetição de passos,

nadar continuamente pressupõe repetição de movimentos dos braços e pernas.

Este conflito, entre ações repetidas e ações contínuas, resulta numa metáfora

onde as ações contínuas são conceituadas em termos de ações repetidas. Os

processos contínuos infinitos são conceituados via esta metáfora que conceitua

processos iterativos infinitos como tendo ponto final e um resultado. Este tipo

de infinito é chamado de infinito atual.

Outro tipo de infinito é o infinito potencial que se referente à idéia de

processo sem fim. É como se numa seqüência numérica fôssemos sempre

acrescentando mais um e mais um indefinidamente.

Tabela 03 – Exemplo de metáfora básica do infinito – o infinito potencial (LAKOFF e NÚÑEZ,

2000, p.159)

Aqui encontramos em SAD (1998) que Aristóteles era uma figura

influente e afirmava que “os matemáticos não precisavam do infinito, nem o

usavam”.

29

Aristóteles negou o uso do infinito real e admitiu somente o caso das grandezas contínuas (geométricas) infinitamente pequenas e de números infinitamente grandes no sentido de infinito potencial, em relação a estipulações locais numéricas, mas sem considerar nessas estipulações qualquer princípio ou objeto que fosse um conjunto numérico infinito. Para ele, o discreto e o finito eram objetos da ciência, enquanto que o contínuo e o infinito, objetos virtuais, eram reservados à metafísica (id., p.180).

LAKOFF e NÚÑEZ (2000) analisaram como metafórica a idéia de infinito

atual ou real. Segundo eles, usamos processos que têm fim para conceituar

limites de séries infinitas ou pontos no infinito. Os autores definiram esta idéia

como a metáfora básica do infinito MBI, onde o domínio alvo são estes

processos que têm fim. A MBI inicia-se com a 1ª etapa do processo, continua

com as iterações e finaliza com o mapeamento entre os elementos

correspondentes no domínio alvo. Conceituar os processos iterativos em

termos de processos que têm fim, produz o conceito de infinito atual.

Exemplificamos com a seqüência (xn) = 1/x em que o limite dos valores da

seqüência é zero, quando x → ∞. O limite da seqüência vale zero, entretanto,

não existe este valor na seqüência numérica e isto equivale à idéia do infinito

atual. Podemos exemplificar como no quadro abaixo.

A metáfora básica do infinito (MBI)

Domínio Alvo – processo iterativo completo

Domínio Fonte – processo iterativo de ir e ir

condição inicial condição inicial a) condição resultante do estágio a)condição resultante do

estágio inicial do processo inicial do processo b)o processo: após a condição b)o processo: após a condição Intermediária, produz a próxima Intermediária, produz a próxima condição condição c)O resultado intermediário c)O resultado intermediário resulta da resulta da iteração iteração dos processos dos processos d)A condição resultante do final d)A condição resultante do final (o infinito atual) e) a condição final resultante e) a condição final resultante é única e obedece uma condição é única e obedece uma condição que não é a final que não é a final Tabela 04 – Exemplo de metáfora básica do infinito (id., p.159)

30

Nesse contexto, o infinito é conceituado como um objeto. Graças a MBI

falamos que uma soma infinita é menor ou maior que outra. Sob a perspectiva

da cognição corporificada, muitos conceitos matemáticos diferentes, têm

estruturas similares. A MBI é um mecanismo conceitual, geralmente,

inconsciente e o infinito atual é apenas um dos objetos matemáticos

caracterizados por esta metáfora. Se o leitor entender x → ∞ como “x se

aproximando do infinito” já pressupõe chegar perto de um lugar conhecido e

isto só é possível graças a uma metáfora conceitual, pois este lugar na verdade

não existe. O que acontece é que fazemos uma projeção de um lugar que fica

muito longe. O leitor pode entender x → ∞ como “x assumindo valores sempre

maiores do que um número natural qualquer” que é idéia do infinito atual, pois

o resultado das infinitas iterações de “somar mais um” levam à generalização

de que a solução é o ∞, mas, novamente, o ∞ não pertence ao conjunto das

iterações.

Vimos em NUNES (2001, p.94) que os alunos pesquisados

consideraram o infinito como um número desconhecido. Em nossa análise

consideramos que estes alunos, via (MBI), enxergaram que a seqüência

caminhava para um número desconhecido, visto que teria que ser um número,

já que as iterações resultavam sempre em um número.

Quando vemos a série de termo geral xn = 1/2n, se pensarmos em

termos de infinito potencial (aritmético), as somas parciais da série (1 + ½ + ¼

+....+ 1/2n ) resultam em um número menor que 2. Não encontramos nenhuma

parcela que resulte 2 e , nesse caso, concluímos que a soma total deverá ser

menor que 2. Ao passo que se pensarmos a mesma soma em termos de

infinito atual (geométrico), pensamos no resultado como o final de um processo

de iterações de infinitas aproximações e aí, então, a resposta para tal soma

será exatamente 2.

A idéia de limite de seqüência também pode ser entendida dessa forma.

Na seqüência (xn) = n/(n+1) existe uma seqüência se aproximando do limite

31

que é 1. Observamos no quadro abaixo a explicação dos autores para este

fato.

tabela 05 – exemplo de metáfora básica do infinito para limites (id., 189)

Observamos que n é usado para caracterizar os passos da (MBI) e

também para indexar os termos da seqüência. Notamos que (xn) contém

infinitos termos, mas não contém um termo onde aparece o número 1. Não

precisamos de epsilon ou quantificadores. Isto explica porque podemos

calcular limites sem usar epsilon e delta. De modo geral, os cursos de Cálculo

para alunos que não serão Matemáticos utilizam esta abordagem para o

cálculo dos limites. Os professores reconhecem que fazer aproximações é mais

fácil para o aluno do que calcular com epsilon e delta. Quando os alunos fazem

aproximações usam, inconscientemente, a metáfora de TALMY6 para

movimentos fictícios. Um movimento fictício é um mecanismo que conecta

processos e coisas.

6 TALMY citado pelos autores, refere-se a LEONARD TALMY, diretor do Centro de Ciência Cognitiva da Universidade

de Búfalo, New York. Membro do CREA – Center for Research in Applied Epistemology, Paris.

32

Podemos conceituar, metaforicamente, um caminho, objeto ou forma

como um processo que traça o comprimento desse caminho, objeto ou forma.

Uma pessoa pode falar que “a Consolação vai até a Praça da República”

porque está, metaforicamente, conceituando a rua da Consolação como uma

curva que se move até a Praça da República. Este é um exemplo da metáfora

do movimento fictício, pois na realidade a rua da Consolação não se

movimenta, assim como gráficos de funções também não se movimentam. E,

em nosso exemplo anterior, a seqüência numérica também não vai para lugar

nenhum. É a metáfora do movimento fictício que faz com que os alunos vejam

a seqüência caminhando em direção de algum lugar.

Para os autores, os valores da seqüência são metáforas conceituadas

como locações de uma linha, isto pode ser entendido como pontos de parada

de ônibus na linha que representa o seu trajeto. Desse modo o infinito é o

ponto final de uma linha locada. Como já dissemos, sob a perspectiva da

cognição corporificada, muitos conceitos matemáticos diferentes, via MBI, têm

estruturas similares. Com os números Reais não seria diferente, pois, segundo

os autores, o número real é o resultado de uma construção metafórica (id.,

capítulo 13, p.292).

Vimos em nossas leituras que a sistematização dos números reais,

incorporando a idéia do continuum Real só pôde acontecer com DEDEKIND

em 1872. No século XIX aconteceram três importantes movimentos

intelectuais: 1) a aritmetização da análise, 2) o movimento de fundamentação

da teoria dos conjuntos e 3) a filosofia da adoção do formalismo. Os três

movimentos pressupunham entender retas, planos e espaços de n dimensões

como pontos.

DEDEKIND mostrou como construir números reais usando conjuntos

(conjuntos infinitos) de elementos discretos. Segundo LAKOFF e NÚÑEZ

(2000), ele usou uma metáfora conceitual quando construiu os números reais

através de “cortes” e, nesta construção, os números podem ser vistos como

pontos locados da linha. O que está implícito é o uso da MBI. Podemos

entender os pontos, como se fossem pontos de parada de uma linha do metrô

33

sobre uma linha que representa seu trajeto. A metáfora conceitual nos leva a

olhar pontos e a reta contínua do mesmo modo, no entanto ao fecharmos

algumas paradas, ainda ficamos com uma linha contínua para o trajeto. Aqui

temos um exemplo de que os mapeamentos cognitivos podem mapear

inferências válidas em um domínio, mas não no outro. Em Matemática, um

ponto pertencente a uma reta ao ser retirado deixaria um buraco.

A noção de correspondência para os números Reais faz com que

vejamos um e, somente um, número para cada ponto. O corte de DEDEKIND

usa a combinação conceitual de duas metáforas: espaços são pontos e

números são pontos da linha. A combinação contém três domínios que são

mapeados metaforicamente: espaço, pontos e números. Quando números

racionais são associados aos pontos da linha, existem pontos não associados

a esses números e, conseqüentemente, são os irracionais. Podemos traduzir a

inferência de DEDEKIND do seguinte modo: se a linha constituída por pontos é

contínua, então o conjunto de pontos também é contínuo (esta é a idéia do

continuum numérico).

A construção dos números reais envolveu conceitos metafóricos de

diferentes objetos. O problema é que a maioria dos números reais não é vista

nas coisas materiais. Por exemplo, não encontramos √2 na escala dos

termômetros e, muito menos, em instrumentos de medida.

Do mesmo modo, os autores explicaram que quando funções são

caracterizadas no plano cartesiano, vemos que funções contínuas são

representadas metaforicamente por linhas contínuas. Se a função no plano

cartesiano é uma curva contínua, então a coleção de números correspondentes

para os pontos na linha também é contínua. Uma linha metaforicamente

contínua está no domínio espacial das combinações metafóricas. A linha nessa

combinação também é contínua. Pontos na linha são mapeados um a um por

números via a metáfora que “números são pontos da linha” e a “linha é um

conjunto de pontos”. Apresentamos estas idéias mais detalhadas no capítulo 3.

34

DEDEKIND assumiu que toda aritmética pode ser construída a partir de

números naturais. A aritmética dos números racionais pode ser caracterizada

em termos da aritmética dos números naturais. Números irracionais podem ser

entendidos por números racionais que, por sua vez, podem ser entendidos

através dos números naturais. A idéia de “estender” as propriedades numéricas

de um conjunto e ir formando um novo conjunto não é comum em nosso

cotidiano e, nesse caso, para que possa ser pensada precisa ser

contextualizada socialmente.

WEIERSTRASS fez uso da MBI quando mostrou como fazer cálculos

discretos, eliminando a noção da continuidade natural espacial, a noção de

movimento. Uma conseqüência importante do programa de discretização foi o

conceito de rigor. Usando símbolos definidos com precisão (ε,δ) e métodos

algorítmicos pode-se classificar o cálculo em certo ou errado. Podemos checar

passo a passo o cálculo e fazer correções. A partir do século XIX, a

discretização e a simbologia passaram a ser os fundamentos do cálculo, re-

conceituando o Cálculo como aritmética. Conceituar a continuidade em termos

de discreto é uma metáfora básica. A combinação de uma metáfora básica com

a (MBI) permite entender o espaço naturalmente contínuo em termos de

discreto.

Em COURANT e ROBBINS (2000, p.82) vimos que “nada em nossa

intuição pode nos ajudar a enxergar os pontos irracionais como distintos dos

racionais”. Geometricamente se existir uma correspondência mútua entre

números por um lado e pontos de uma reta por outro, precisamos introduzir os

números irracionais. Esta idéia utiliza uma seqüência de intervalos encaixantes,

onde para cada intervalo corresponde um único ponto da reta numérica que se

encaixa em todos eles. Este ponto é chamado, por definição, de número Real.

Ainda encontramos no mesmo livro, que nada deve causar constrangimento,

pois este é um postulado fundamental da Geometria e não necessita de

provas.

35

Aqui vale fazermos um comentário de que este postulado conta com a

nossa intuição sobre coisas que se encaixam. É mais fácil pensar em intervalos

que vão ficando cada vez menores, mas sempre contendo algum ponto. É a

idéia do movimento fictício que faz com que pensemos em intervalos que vão

se encaixando e este processo de iteração resulta no continuum Real. Nessa

visão o ponto está na reta e como a reta é uma linha contínua o conjunto de

pontos também o é. É a continuidade da linha definindo o conjunto discreto de

pontos. Vimos que DEDEKIND preferiu operar com idéias abstratas ao invés da

idéia das seqüências encaixantes.

CANTOR também definiu o continuum Real, porém usando idéias

diferentes duas anteriores. Ele utilizou a idéia de que números reais podem ser

considerados como decimais infinitas e decimais infinitas são limites de frações

de decimais finitas. A idéia é que qualquer seqüência convergente de números

racionais define um número real, é a idéia de completude.

LAKOFF e NÚÑEZ são psicólogos cognitivistas que concebem a

cognição como resultado de uma interação corpo-mente, em que parte do

processo é inconsciente ou implícita. Vimos que eles têm evidências empíricas,

de que muitos objetos matemáticos nascem como metáforas de experiências

motoras e sensoriais do cotidiano de todas as pessoas e vão se refinando com

a cultura. Segundo eles também existem objetos criados via combinação de

metáforas, especificamente, para superar as limitações de outros objetos.

Nesse caso apontamos as construções de número Real como foi feita por

DEDEKIND e CANTOR. Estes Matemáticos buscaram métodos alternativos

que pudessem sistematizar o contínuo numérico. Também vimos que a

definição de Limites, com epsilon e delta, feita por WEIERSTRASS, foi uma

tentativa de formalizar o cálculo de Limites que, até então, ficava na

dependência de idéias intuitivas para aproximações de um número.

Para lidar com o “inconsciente” ou o não dito usamos o Modelo da

Estratégia Argumentativa para tentar, via a análise dos argumentos utilizados

pelos professores, explicitar o mapeamento conceitual e tentar levantar as

metáforas utilizadas. A concepção de conhecimento que adotamos nesse

36

projeto é contrária à de conhecimento como um bem passível de acumulação,

como uma caixa inicialmente vazia e que possa ser preenchida. Para nós o

conhecimento não pode ser adquirido, transferido ou apropriado e sim

produzido pelo sujeito de modo bastante complexo. A metáfora proposta por

FRANT (2001) é a de conhecimento como uma Faixa de Möebius, onde não

temos como dizer o que está dentro ou fora, implicando na necessidade de um

novo paradigma para o conhecimento.

2.2 Um pouco de história

Destacamos a saga da civilização grega. Embora o tipo de sociedade

grega fosse elitista, comandada por ideologias como as de Platão que

contribuíram para gerar o “horror ao infinito”, não aceitando estudar a realidade,

tivemos que fazer um estudo sobre as descobertas dessa civilização, pois era

fundamental que procurássemos as dificuldades históricas sobre a idéia de

infinito e continuidade. Também poderíamos cometer uma injustiça histórica: a

civilização grega trouxe muitas contribuições à Matemática.

Dividimos em duas partes, desde Aristóteles (300 a C) até o séc XIX, os

estudos envolvendo a idéia de infinito, pois geraram em torno das discussões

sobre o infinito potencial (aritmética) e o infinito real ou atual (geometria). Os

gregos procuraram a compreensão dos fenômenos ligados ao infinito, ao

contínuo, ao infinitésimo, buscando uma explicação para o movimento e as

transformações dos seres. Foi esta idéia de movimento que originou o Cálculo

Diferencial e Integral. Como consta na História, os gregos só não conseguiram

desenvolver os fundamentos do Cálculo, porque ficaram presos por algumas

concepções limitantes. Encontramos, por exemplo, em livros sobre história da

Matemática, que os gregos não consideravam a idéia da divisão por zero,

enquanto que os hindus já discutiam desde a antiguidade.

Na maioria dos textos, encontramos que Zeno em seus paradoxos,

como o da flecha, defendia a impossibilidade do movimento, mas como espaço

e tempo possuem a propriedade de continuidade, esses paradoxos deixavam

em descoberto as dificuldades de se imaginar ou intuir os fenômenos

associados à continuidade. BROLEZZI (1996) mostrou que o problema

37

consistiu em considerar tempo contínuo e espaço discreto, ou vice e versa. Os

paradoxos de Zeno ou de Aquiles e a tartaruga apresentavam essa sensação

de certo desamparo intuitivo, pois relatavam uma situação de perplexidade

comum frente à continuidade e ao infinito.

No Paradoxo da Flecha, um arqueiro dispara uma flecha, e observa-se a

sua trajetória em direção ao alvo. Supondo que fosse possível considerar a

posição da flecha em cada instante de tempo, ver-se-ia que a mesma encontra-

se imóvel, ocupando um lugar específico no espaço, igual ao volume e forma

da flecha. Em cada instante, a flecha está imóvel. Como o tempo é constituído

de instantes, a flecha estaria, portanto, parada em toda sua trajetória.

Pensando assim, poder-se-ia colocar-se à sua frente e, no instante do encontro

estaria parada não causando ferimento.

Para BOYER (1974) apesar de lidar-se no dia-a-dia com noções de

velocidade e de movimento, esses conceitos exigem sofisticação. Não

concordamos que se trata de sofisticação, mas sim de uma montagem

complexa entre cenas diferentes. Segundo a posição teórica adotada aqui,

chamar de sofisticação, tais dificuldades, é lançar um olhar reducionista. É

necessário entender cada posição como um espaço mental com possíveis

produções de significado distintas da outra. Se alguém quiser explicar o

estático via movimento, não consegue. Se quiser explicar o movimento via

estático, também não consegue. É necessário criar uma relação que é vista

como montagem para compreender que cada posição está correta, mas sem

essa montagem continua o paradoxo.

Mesmo na época de Zeno as pessoas pensavam por alguns instantes

sobre o paradoxo e a seguir afirmavam que a solução era começar a andar e

pronto. Por causa dessa postura dos gregos, os paradoxos atravancaram muito

o desenvolvimento da matemática grega, dificultando a visão integrada entre as

noções de discreto e de contínuo. Toda essa perplexidade gerou, entre os

gregos, o horror ao infinito. Este fenômeno concretizou a separação entre a

Geometria e a Teoria dos Números. Segundo BOYER (1974) os números

continuavam sendo discretos, porém, existia o mundo das grandezas

38

contínuas. Dentro das grandezas contínuas estava a maioria da Matemática

pré-helênica e pitagórica, devendo ser tratada por métodos geométricos.

Nasceu daí a Álgebra Geométrica que consiste em resolver problemas

aritméticos ou algébricos lidando diretamente com grandezas contínuas, ou

seja, os números e suas representações não importavam. Os números

passaram a serem tratados como segmentos de reta. Cada número é um

segmento de reta, isto é, não se fala mais em racionais ou irracionais e pronto.

Os conceitos de variação e continuidade, do infinito e do infinitesimal, foram

expulsos da matemática grega e, por esta razão, brecaram o nascimento do

Cálculo. Os limites do séc XVII lidaram com símbolos pré-definidos, sem se

preocupar com qualquer visualização mental, mas apenas com as

possibilidades adotadas e, estas idéias já estavam no mundo grego.

O surgimento do Cálculo, no séc XVII, foi conectado com o desejo de

simplificar o método da exaustão de Arquimedes (287-212 a C). Em seu

método, Arquimedes, considerava que superfícies são constituídas por retas.

Utilizava o método da balança (a idéia de nivelamento, igualdade) para chegar

a muitos resultados, como quem pesa mecanicamente uma coleção de lâminas

finas ou de fitas de algum material pesado. Após obter o resultado pelo método

mecânico, utilizava o método da exaustão para demonstrá-lo. SAD (1998)

analisou que a atitude de Arquimedes demonstrou que ele não aceitava o

método mecânico da balança como prova (conseqüentemente, a comunidade

científica da época também não) e recorria ao método que era convencionado

como rigoroso: o Método da Exaustão.

Arquimedes demonstrou que a área do segmento parabólico não pode

ser nem maior nem menor que o valor obtido. Faltava para Arquimedes um

conceito geral de número real e, segundo EVES (2004), ele não poderia utilizar

a noção de passagem ao limite, pois ele era grego e compartilhava as idéias do

horror ao infinito.

Este retrospecto, mesmo rápido, desde a Matemática grega, mostrou

que as idéias do Cálculo nasceram de considerações sobre as grandezas tanto

39

discretas quanto contínuas. As idéias sobre o discreto e o contínuo

possibilitaram o reconhecimento da relação inversa entre problemas de área e

de tangentes a uma curva, que constituem o “santo graal” do Teorema

Fundamental do Cálculo que apareceria de modo explícito nos trabalhos de

Newton e Leibniz na segunda metade do séc XVII.

Existe uma discussão sobre a paternidade do Cálculo. Newton (1642-

1727) ou Leibniz (1646-1716). Ambos, historicamente, fundamentaram as

idéias do Teorema Fundamental do Cálculo, embora vissem o Cálculo de modo

distinto. Newton era cientista e baseou seu Cálculo em noções de continuidade

(usou a velocidade), enquanto que, por outro lado, Leibniz que era filósofo,

teólogo e cientista, usou a idéia discreta das mônadas para alicerçar a base do

Cálculo na diferencial. A história mostrou que as duas idéias foram igualmente

úteis, pois não existia o estabelecimento da noção de limite e, tanto as idéias

de movimento contínuo ou as idéias de infinitésimos discretos, ajudaram as

idéias sobre variações.

Neste momento captamos porque as idéias do Cálculo, inicialmente,

estavam cercadas pelas idéias de movimento, explicações de indivisíveis e

infinitamente pequenos: estas idéias foram sugeridas pela intuição e

experiência ingênuas de continuidade, BOYER (1974).

Vimos que a fluxão de Newton era uma velocidade finita e, não uma

quantidade infinitamente pequena. Newton usou os conceitos mecânicos,

cinemáticos, para expressar as variáveis, o que hoje corresponderia considerá-

las em função do tempo. Trata-se da decomposição no eixo horizontal do vetor

velocidade do ponto (EVES, 2004). Esta é uma visão dinâmica do Cálculo.

Leibniz desenvolveu o Cálculo de forma estática. As variáveis percorriam

seqüências de valores infinitamente próximos, não usou o conceito de

movimento. Ele usou analogias para tentar visualizar o Cálculo através de

quantidades discretas, a diferencial.

Considerou que a diferencial de uma quantidade pode ser imaginada

como tendo, em relação à própria quantidade, uma razão análoga àquela de

40

um ponto para com a Terra ou o raio da Terra para com o raio do Universo.

Esses valores só podiam ser infinitamente pequenos (BARON & BOS, 1985)

para obter a reta tangente à curva num ponto dado. Em linguagem atual, a

diferencial de uma variável y seria a diferença (dy) entre dois valores de y em

uma seqüência de números infinitamente próximos (BARON & BOS, 1985).

Consta nos livros, que o Cálculo moderno é, em essência, o mesmo que

Newton e Leibniz criaram, porém, com uma abordagem conceitual e linguagem

bem diferente. No Cálculo Moderno, a operação de diferenciação associa uma

função a uma derivada (BARON & BOS, 1985). Para Leibniz, a diferenciação

associava uma diferencial infinitamente pequena a uma variável, enquanto que,

para Newton tomar fluxões significava associar uma velocidade finita a uma

variável.

SAD (1998) escreveu que Newton e Leibniz libertaram o Cálculo da

Geometria. Eles partiram de estipulações locais, isto é, afirmações que

localmente não precisam ser justificadas, envolvendo noções algébricas, o que

era um contraponto às estipulações locais produzidas até então, puramente

geométricas. Além disso, os dois elaboraram e fizeram uso de um processo de

antidiferenciação nos problemas de área e volumes. Pensando em termos de

metáforas conceituais como vimos há pouco, estes grandes Matemáticos

constituíram objetos Matemáticos diferentes dos existentes até então, para

tentar superar as limitações dos objetos anteriores.

O que diferenciava para Newton e Leibniz chegarem às idéias do

Cálculo moderno, era a idéia de número associado à natureza da reta real.

Vimos que foi a idéia do continuum numérico. Foi CAUCHY, em 1826, que

estabeleceu a noção de Limites e, de certo modo, podemos considerar que

elaborou em linguagem matemática uma estrutura flexível, dentro da qual as

noções de discreto e contínuo poderiam ser trabalhadas.

Usando essa ferramenta, WEIRSTRASS (1815-1897) introduziu a

linguagem dos epsilons e deltas, formalizando o Cálculo. Ainda era um Cálculo

onde interagiam o discreto e o contínuo. Ainda era preciso uma teoria que

41

trabalhasse melhor a definição do Cálculo. Cantor (1845-1918) preocupou-se,

novamente, com a continuidade da reta real e, propôs a construção de um

conjunto especial de pontos: O conjunto de Cantor. Nesse conjunto reside um

fato histórico muito importante: com esse tipo de exploração do contínuo, foi-se

elaborando um conceito mais sofisticado e abstrato de número real.

Cantor elaborou a sua idéia de contínuo, definindo a continuidade da

reta real com relação ao infinito enumerável do conjunto dos racionais. Para

Cantor todos os pontos de um contínuo são pontos de acumulação e não

existem “buracos” na reta real. DEDEKIND (1831-1916), com a idéia de

“cortes”, consolidou a continuidade da reta real através da noção de conjuntos.

À definição dos números reais, como construções por meio de certos

processos de Limites, começando com números naturais chamou-se de

“Aritmetização da Análise”.

Para DA COSTA (1991) a relação entre a idéia do discreto e do contínuo

na Matemática, contradisse a nossa intuição de que ambos os conceitos de

algum modo poderiam situar-se no mesmo nível. A tradição Matemática diz que

o discreto é superior ao contínuo que, por sua vez é subordinado a ele. É por

causa disso que continuamos com conflitos de ordem epistemológica em

relação ao contínuo.

O estudo histórico mostrou uma ordem lógica de construção do Cálculo

bem diferente da ordem que aparece nas escolas. Apesar da noção de Limites

ser bem posterior às noções fundamentais do Cálculo, nos currículos de

Matemática encontramos uma inversão histórica: os Limites aparecem antes da

noção de derivada e a idéia que fica é que, a derivada é o resultado de um

Limite.

Objetivando compreender melhor a constituição e construção da

representação gráfica produzida ao longo da história, apontamos alguns

detalhes sobre o estudo histórico da geometria analítica. Dialogar com a

geometria analítica tornou-se relevante, pois a representação gráfica de

funções, utiliza os mesmos instrumentos da representação gráfica em

geometria analítica.

42

A Geometria Analítica utiliza-se de “representação gráfica” associada à

idéia de curvas como sistemas de coordenadas para localização de pontos,

bem como à idéia funcional, descrevendo gráficos e curvas. Historicamente,

encontramos discordâncias quanto à origem do sistema de coordenadas e da

própria geometria analítica. Alguns historiadores defendem tal origem oriunda

de uma necessidade prática, associada à localização de pontos por meio de

coordenadas enquanto que outros a defendem associada às representações

geométricas de comparações e variações de quantidades, apresentando assim

um foco mais funcional. Aceitamos aqui, a concepção de que a geometria

analítica é útil para o estudo de curvas, pois, freqüentemente, é a abordagem

mais aceita pelos historiadores e matemáticos.

Em BOYER (1996, p.106) aparece que o sistema de coordenadas, na

Antigüidade, era sempre superposto a posteriori sobre uma curva dada.

Segundo STRUIK (1989, P.98) a matemática historicamente e atualmente, não

pode ser desvinculada da astronomia. Nesse sentido encontramos os modelos

astronômicos de Apolônio e EUDOXO. As investigações de PAPUS sobre as

obras de Apolônio resultaram em grande avanço para a geometria analítica,

(id., p.127). Grandes personagens da história Matemática estudaram PAPUS,

entre eles encontram-se EUCLIDES, NEWTON, DESCARTES, VIÈTE, EULER

E FERMAT entre outros.

Após essas leituras concluímos que as principais idéias que resultaram

na elaboração de um sistema de coordenadas, apareceram numa época

culturalmente muito rica, onde a Matemática era muito sofisticada, como pode

ser observado nas obras de Apolônio. Na antiguidade surgiram as primeiras

elaborações de um sistema de coordenadas, mas as primeiras representações

gráficas, utilizando o aspecto funcional, surgiram no final da Idade Média. O

matemático mais importante da Idade Média foi NICOLE ORESME (±1323-

1382), que desenvolveu, entre outros temas, estudos com potências

fracionárias.

Segundo BOYER (1996, p.180), enquanto estudava problemas e

teoremas relativos à variação das formas, ORESME teve um “pensamento

43

brilhante – por que não traçar uma figura ou gráfico de maneira pela qual

variam as coisas? Vemos aqui, é claro, uma sugestão antiga daquilo que agora

chamamos representação gráfica de funções...”. Nos estudos de ORESME,

encontramos a primeira representação gráfica no sentido funcional, o conceito

de variação de quantidades estava ligado à idéia de continuidade. O grande

mérito de ORESME foi perceber o princípio fundamental de se poder

representar uma função de uma variável como uma curva, porém, somente a

usava para a função linear. Pudemos estabelecer, também, uma conexão com

as idéias da antidiferenciação utilizadas mais tarde por NEWTON e LEIBNIZ.

A revisão histórica sobre o conteúdo de Cálculo, contribuiu para a

comprovação da relevância do tema. A continuidade de funções merece uma

investigação sobre as idéias produzidas por professores/alunos, pois ao longo

da história, as idéias foram se contrapondo e, hoje continuamos vivenciando

praticamente as mesmas indecisões que os nossos antepassados viveram.

Desenvolvemos nossa pesquisa levando em consideração as idéias

sobre Cognição e Linguagem em Matemática para a Continuidade de Funções.

Não tivemos acesso a estudos como o que fizemos e, tal fato, mostrou que

existia uma lacuna enorme sobre a investigação de produção de significados

para a Continuidade de Funções o que corroborou para a importância do

estudo.

44

Capítulo 3 Fundamentação

Teórico-Metodológica

45

Visando investigar a produção de significados para a Continuidade de

Funções de uma Variável Real, por alunos/professores de um curso de Pós-

Graduação em Educação Matemática, utilizamos um estudo de caso. Segundo

BOGDAN & BIKLEN (1991) um estudo de caso é um método utilizado em

pesquisas qualitativas que se destina à coleta e apresentação de informações

detalhadas sobre um indivíduo ou pequeno grupo. Deste modo, a ênfase não

está em encontrar uma verdade universal ou generalizável, portanto,

investigamos a dinâmica da produção de significados deste grupo de dez

alunos/professores de Matemática.

Era necessário construir uma fundamentação teórico-metodológica que

nos auxiliasse atender nosso objetivo. Assim partirmos de alguns pressupostos

apresentados por BOLITE FRANT (2001) sobre conhecimento e aprendizagem,

CASTRO e FRANT (1999, 2000) sobre um modelo para a análise dos

argumentos presentes em um discurso, bem como, LAKOFF e NÚÑEZ (2000)

sobre a teoria da corporeidade.

3.1 Considerações Teóricas

Partimos das idéias apresentadas por BOLITE FRANT (2002, 2003,

2004) sobre conhecimento e aprendizagem em Matemática. A autora defende

a idéia de que conhecimento é diferente de informação. Afirma que podemos

transferir informações (orais, escritas, gestuais) de um local para outro, mas

não podemos transferir conhecimento.

A autora propõe a metáfora da “faixa de Möebius”, em oposição à

metáfora “da caixa”, para entender conhecimento. A visão de conhecimento

que pode ser adquirido e transferido é compatível com a metáfora da caixa,

que é algo que pode ser levado de um ponto a outro, que pode ser preenchido

e nos leva a colocar “fulano tem um conhecimento superficial sobre....”. Ao

buscar um paradigma consonante com a idéia da produção de conhecimento

e não aquisição de conhecimento, FRANT (2001) propõe a metáfora da Faixa

de Möebius que não apresenta a dicotomia do dentro e fora e obriga a um novo

olhar para conhecimento.

46

Tabela 06 – metáforas para o conhecimento

BOLITE FRANT (2002) afirma que conhecer é categorizar, é uma ação

realizada pelo sujeito, isto é, não existe conhecimento fora do sujeito. Desse

modo, o que é enunciado (oral, escrito, gestual) por outro é considerado como

um texto. Não é possível determinar o significado de qualquer coisa para o

outro, isto é, o sujeito é quem produz significado para algo. O conhecimento

ocorre numa atividade e utilizamos as idéias de Romulo Campos Lins para

significado e produção de significados:

“Para nós, significado é o conjunto de coisas que se diz a respeito de um objeto. Não o conjunto do que se poderia dizer, e, sim, o que efetivamente se diz no interior de uma atividade. Produzir significado é, então, falar a respeito de um objeto”. LINS e GIMENEZ (1997, p.145-146).

Pretendemos explicitar crenças e justificações que os

alunos/professores, sujeitos dessa pesquisa, empregam quando desenvolvem

as tarefas Matemáticas. Por isso vamos observar o que é dito pelos sujeitos e

não o que eles poderiam dizer para uma situação. FRANT (2000) afirma que os

alunos aprendem Matemática assim como aprendem as coisas do cotidiano.

Nesse sentido o discurso do aluno/professor assume um papel fundamental na

aula de Matemática e é este discurso que queremos investigar. Assim como

para FRANT e CASTRO (1999, p.5), as ações pedagógicas que terão lugar

nesta pesquisa caracterizam-se essencialmente como situações de diálogo

onde cada um deve convencer o colega/professor de que o caminho que

escolheu para desenvolver a atividade Matemática é o melhor.

47

3.2 - O Modelo da Estratégia Argumentativa – MEA

“À língua, compreendida como estrutura de alguma forma estável e disponível para os indivíduos falantes, como centro organizador de toda enunciação, opõe-se a linguagem constituída a partir da práxis social dos indivíduos”. (CASTRO, 1997, p. 88).

A sala de aula pode ser vista como um local para práticas sociais, pois

segundo CASTRO e FRANT (2000), as práticas sociais são um sistema de

relações estabelecidas que determina papéis, tarefas e hierarquias

diferenciadas. Estas práticas se constituem nos discursos dos sujeitos, no

nosso caso, essas interações ocorrem na sala de aula de Cálculo e é

importante observar o contexto e as argumentações que ali acontecem.

Para as autoras, a aprendizagem de Matemática ocorre de modo

análogo à aprendizagem de coisas do cotidiano, via linguagem. O Modelo da

Estratégia Argumentativa – MEA – é um modelo alternativo para a análise do

discurso em sala de aula e para entendê-lo melhor precisamos de alguns

pressupostos do Tratado da Argumentação de PERELMAN (2002). Dentro de

um discurso as argumentações são construídas a partir das hipóteses

enunciadas pelo sujeito e estas hipóteses são o que o locutor admite. CASTRO

(1997, p.68) diz que um acordo é o conjunto de hipóteses sobre o qual o

locutor se baseia para construir sua argumentação. Os acordos sobre os quais

o aluno baseia sua argumentação partem de premissas que ele crê admitidas

pelos colegas, mas que podem até, não serem admitidas por ele próprio. Assim

a opção pelo estudo dos argumentos se dá porque “buscamos interpretar a

produção de significados baseados nos argumentos utilizados ao invés das

palavras” (FRANT, 2000, p.5).

“Numa situação de aprendizagem, muitas vezes o que o aluno quer é, mais do que tudo, impressionar o professor ou algum colega. Pode mesmo acontecer que o objetivo do aluno ao enunciar algumas justificações para a resolução de algum problema matemático seja meramente o de se livrar do incômodo de ser questionado. Às vezes o aluno cede a argumentos de um outro apenas porque este outro é considerado bom aluno e não porque tenha concordado com o que foi dito” (CASTRO e FRANT, 1999, p.6).

48

Durante as atividades Matemáticas, a maneira pela qual cada aluno

escolhe as premissas de sua argumentação, como as conecta, é resultado de

uma elaboração, de uma representação que ele tem de seu auditório, que

neste caso, é composto por seus colegas/professor na sala de aula. Essa

elaboração já contém o objetivo de persuadir. (CASTRO, 1997, p.68).

Segundo a autora, a Nova Retórica de PERELMAN destaca cinco aspectos

que distinguem claramente a argumentação e o raciocínio demonstrativo.

1. A argumentação dirige-se a um auditório; 2. Ela se exprime em linguagem cotidiana; 3. Suas premissas são verossímeis; 4. Sua progressão depende do orador; 5. Suas conclusões são sempre contestáveis.

(CASTRO, 1997, p. 69).

Desse modo, não existe uma linguagem construída especialmente para

a argumentação. Quem argumenta o faz a partir de convenções sociais, isto

é, de acordo com a linguagem cotidiana. O mesmo acontece na sala de aula

de Matemática. O MEA é um modelo de análise das argumentações dos

alunos, que privilegia os aspectos possíveis para as argumentações,

considerando o contexto no qual o aluno está inserido e não o que seria

considerado como uma argumentação ideal.

Como já dissemos, CASTRO e FRANT (2000) afirmam que o processo

de produção de significados para objetos matemáticos, em sala de aula, é

similar ao processo de produção de significados para objetos do cotidiano. Os

modelos sobre os quais o professor baseia a sua argumentação partem de

premissas que ele crê admitidas por seus alunos. Assim, a argumentação se

torna mais eficaz a medida em que as premissas elaboradas pelo professor

são aceitas pelo aluno. Se o professor/aluno deseja convencer o auditório é

preciso levar em conta as suas convicções, isto é, antecipar as reações do

interlocutor.

O MEA estuda processos discursivos, relacionando o como se diz com o

que se diz e porquê se diz. A análise das estratégias argumentativas consiste

em um trabalho de reconstrução de argumentos. Para isto é necessário

49

escrever esquematicamente qual é o argumento que está sendo usado pelo

orador através de enunciados simples que o resumam. Para compreender uma

enunciação não é suficiente avaliar o contexto em que o discurso tem lugar e

do qual faz parte. Tem-se ainda que compreender a função da enunciação no

próprio argumento. Um episódio é um conjunto de cenas, isto é, de

seqüências de raciocínios que foram reconstruídas. A interpretação da

argumentação é tarefa que pede atenção a todo tipo de informação existente

no episódio a ser analisado.

É necessário que o pesquisador faça uma reconstrução coerente de

seqüências de raciocínios que ocorrem no episódio, que fique atento para o

preenchimento dos espaços implícitos. Um exemplo disso seria analisar os

momentos de silêncio, isto é, os momentos que são desprezados, por muitos,

mas que podem conter informações cognitivas valiosas. É importante que se

sejam caracterizados os argumentos através de esquemas e, através destes,

interpretadas as argumentações. Este modelo foi usado para a análise dos

argumentos dos alunos/professores envolvidos nesta pesquisa.

3.3 - As idéias do “Embodiment Cognition” de NÚÑEZ & LAKOFF

Apresentamos as idéias sobre a Teoria da Corporeidade, baseadas em

NÚÑEZ e LAKOFF (2000). Os autores estudam a cognição Matemática sob a

perspectiva da cognição corporificada. Para os autores, muitos mecanismos

cognitivos, que não são especificamente Matemáticos, são usados para

caracterizar idéias Matemáticas, o que complementa as idéias do MEA de

que os processos de aprendizagem Matemática se dão do mesmo modo que

os processos de aprendizagem do cotidiano. A maioria das idéias abstratas, do

dia a dia, é de natureza metafórica, ou seja, envolve mapeamentos que

preservam inferências de um domínio conceitual para o outro (LAKOFF &

JOHNSON, 1980, 2002; NÚÑEZ, 2003, 2004).

Um mapeamento é a compreensão de que um objeto ou elemento em

um espaço mental corresponde a outro objeto em outro espaço mental. Pode

50

ser entendido como uma relação especial entre os dois espaços.

Exemplificando, existe um mapeamento cognitivo que nos permite entender o

tempo espacial em função do espaço físico. Entendemos, sem grandes

esforços, a frase “Agosto já está terminando e dezembro está batendo na

porta”. Chegar, andar e passar são verbos de ação, indicam movimento no

espaço. O natal e a eleição são eventos e literalmente não existem no espaço,

não se movem de um lugar para outro, são de naturezas diferentes. Quando

uma pessoa usa domínios que não são espaciais para falar sobre domínios

espaciais, está falando sobre coisas que são de naturezas diferentes. Podemos

esquematizar como segue abaixo:

Domínio fonte - espacial Domínio alvo - tempo

coisas tempos

Seqüências de objetos Ordem cronológica do tempo

Movimento horizontal de entrada na seqüência em uma direção

Passagem do tempo

Coisas orientadas na sua frente e sua direção de movimento

Tempos orientados na sua frente e sua direção de movimento

O objeto A atrás do objeto B numa seqüência

O tempo A ocorre antes do tempo B

Tabela 07 – Exemplo de mapeamento entre espaço e tempo (NÚÑEZ, 1999, p. 46)

A conceituação de números como pontos de uma reta ou da reta como

um conjunto de pontos, é outro exemplo de metáfora conceitual. A

Matemática trabalha com entidades que não se percebe fisicamente no

universo como, por exemplo, ponto euclidiano, mas que existem

conceitualmente no imaginário. A geometria analítica cartesiana considera um

plano como um conjunto de pontos específicos. Uma reta é um conjunto de

pontos ainda mais específico. Essa linguagem cartesiana não tem como

explicar que a reta passa por dois pontos. O agente dinâmico é a reta toda e

não um elemento discreto. A fronteira entre Brasil e Argentina não se move, é

imaginária, mas podemos descrevê-la, falar como se a fronteira fosse um

objeto dinâmico. Este movimento fictício é semântico, é lingüístico. Quando

vemos a nossa mão estamos vendo um objeto compacto e não um conjunto de

pontos. Um ponto ocupa uma posição, mas não constitui um objeto que se

move. Na visão cartesiana que é estática, os pontos são constitutivos da reta,

51

mas na visão natural que é dinâmica, os pontos não são constitutivos da reta.

Existe uma distinção ontológica entre as duas visões (NÚÑEZ, 2004).

Graças a esses mapeamentos ou mecanismos cognitivos, pode-se falar

em Matemática sobre uma função em movimento, crescendo, se

aproximando de valores e alcançando limites. Observamos que estes

argumentos são utilizados entre os estudantes e também entre os professores

que utilizam a linguagem cotidiana para ensinar conceitos matemáticos.

Formalmente, uma função não se movimenta, ela é estática. A função como

definida na modernidade, é estática e pode ser compreendida via um

mapeamento entre o domínio fonte do dinamismo físico e o domínio alvo da

Matemática ou da aritmetização da geometria. Para a ciência da cognição

Matemática, a representação gráfica de uma função já é a representação de

um movimento, embora seja uma representação estática.

NÚÑEZ (2003, p.18-20) exemplifica dizendo que pensamos na linha do

metrô, pensamos nas estações de parada como sendo pontos sobre a linha.

Se tirarmos uma das estações de parada, a linha ainda continuará do mesmo

jeito. Os pontos não constituem a linha, são locações sobre a linha. Agora,

pensando na reta euclidiana, se tirarmos um ponto então ela ficará

esburacada, isto é, o ponto constitui a reta. Esta visão resulta de uma

metáfora conceitual “uma reta é um conjunto de pontos”.

Em 2004, via vídeo-conferência, NÚÑEZ afirmou que quando dizemos

ao nosso aluno que se uma circunferência e uma reta são tangentes então se

tocam em um único ponto, esse tocar é metafórico, mas com uma inferência

diferente da inferência do dia a dia. Tocar, no dia a dia, significa que temos dois

objetos diferentes se tocando e não se transformando em um único objeto.

Na geometria analítica, a intersecção de dois objetos é um único ponto de

contato, então o ponto constitui a circunferência e a reta ao mesmo tempo, mas

na vida real não existe um ponto comum a dois objetos. São regras de

inferências diferentes. Quando o aluno enxerga o ponto de tangência como

um ponto entre dois objetos, está usando a sua intuição, isto é, fazendo

52

inferência natural. Quando o aluno enxerga o ponto de tangência entre dois

objetos como pertencente aos dois objetos, então está fazendo inferência

Matemática. Ainda, segundo ele, ao descrevermos um prédio, não falamos

sobre tudo que existe nele. Não falamos sobre todos os detalhes de um objeto

ou de uma situação. Consideramos que todos já conhecem, que é de domínio

público. Aqui, mais uma vez, as teorias se articulam – Corporeidade e MEA -

pois essa consideração é o acordo que representa o conjunto de hipóteses

aceitas pelo auditório.

Segundo LAKOFF e NÚÑEZ (2000, p.42), nós fazemos inferências num

domínio de experiência chamado de alvo, baseados em inferências que são

válidas em outro domínio de experiência chamado de fonte. Assim o domínio

alvo é entendido, freqüentemente inconscientemente, em termos das relações

que são válidas no domínio fonte. Usamos como exemplo para estas idéias, as

representações gráficas de funções crescentes. A maioria das pessoas quando

pensa em crescimento, relaciona com o seu próprio crescimento físico.

Domínios fonte são os conhecimentos que já foram incorporados à

mente através das experiências vividas. Exemplo: crescer é para cima.

Tabela 08 – domínio fonte

Desse modo, a idéia de crescimento de uma função pode ser

entendido através da idéia de crescimento físico. Em geral,

inconscientemente, usamos o que temos em nosso domínio fonte e

entendemos que “se crescer é para cima então uma função que cresce está

subindo, indo para cima”. A idéia Matemática de que “uma função crescente

sobe” pertence ao domínio alvo.

Domínios alvo são os conhecimentos novos que serão compreendidos

via uma relação com os domínios fonte: função crescente é aquela que sobe

Tabela 09 – domínio alvo

Segundo NÚÑEZ (2003, p.11) um dos conceitos que precisa de um

estudo diferenciado é a idéia moderna de Continuidade. Para ele, existe uma

53

dificuldade Matemática pertencente ao campo do estudo da mente humana (a

ciência cognitiva), propõe estudar a aprendizagem do conceito de Continuidade

de uma Função de uma Variável Real através da Teoria da Corporeidade. O

autor argumenta que atualmente, na Matemática, existem pelo menos dois

conceitos diferentes sobre continuidade de funções e ambos são metafóricos

por natureza. NÚÑEZ (2003, p. 12) afirma que “um é o conceito de

continuidade natural, como foi caracterizado no séc. XVII por aqueles que

criaram o cálculo” e o outro “ é a continuidade de Cauchy-Weirstrass que surgiu

no séc. XIX e que é considerada como a definição rigorosa do que realmente é

continuidade”.

Para o autor, a definição intuitiva que caracteriza um processo contínuo

como aquele que ocorre sem interrupções, sem mudanças súbitas, deixando a

mão mover-se livremente, corresponde ao conceito de continuidade natural.

A definição de Cauchy-Weierstrass utiliza os limites de funções para

caracterizar uma função contínua e é considerada como a definição formal de

continuidade.

Esses conteúdos cognitivos resultam de uma extensão conceitual natural, de um esquema imagético fundamentado nos movimentos corporais e de mapeamentos conceituais que são naturais do sistema conceitual humano.......a definição de Cauchy-Weierstrass, por outro lado, é compreendida através de mecanismos cognitivos radicalmente diferentes. A continuidade de Cauchy-Weierstrass, implicitamente, nega o movimento, o fluxo e a não fragmentação, lida exclusivamente com entidades estáticas, discretas e atomísticas. Estas entidades são compreendidas pelas extensões conceituais de princípios cognitivos bastante diferentes, como os esquemas parte-todo e de caixa, e uma combinação de mapeamentos conceituais diferentes. (NÚÑEZ, 2003, p. 14).

Continuando, o autor revela que a continuidade pode ser entendida

através de metáforas conceituais entre domínios radicalmente diferentes. E

acrescenta que existem diferenças cognitivas entre a continuidade natural e a

continuidade formal que podem causar problemas de aprendizagem. Até o

século XIX, os matemáticos falavam de continuidade de modo dinâmico. A

continuidade natural trabalha no quadro geométrico. Quando trabalhamos no

quadro geométrico, precisamos trabalhar com a idéia de movimentos

fictícios. Podemos conceituar metaforicamente um caminho, objeto ou forma

54

como um processo que traça o comprimento desse caminho, objeto ou forma.

Conforme vimos no 1ºparágrafo da p.32, uma pessoa pode falar que “a

Consolação vai até a Praça da República” porque está, metaforicamente,

conceituando a rua da Consolação como uma curva que se move até a Praça

da República. Este é um exemplo da metáfora do movimento fictício, pois na

realidade a rua da Consolação não se movimenta, assim como gráficos de

funções também não se movimentam.

NÚÑEZ (2004) afirmou que a continuidade formal trabalha no quadro

algébrico. Quando trabalhamos no quadro algébrico é diferente, pois temos

uma equação e ativamos partes diferentes do cérebro. Não temos este

dinamismo. NÚÑEZ (2003, p.14-15) diz que não se trata de eleger uma das

abordagens como a mais apropriada, precisamos discutir com os alunos de

modo que percebam que são processos cognitivos diferentes. Os

professores iniciam as aulas sobre continuidade, introduzindo a continuidade

natural que pode ser identificada como a definição intuitiva/informal que

caracteriza um processo ‘contínuo’, como aquele processo que se dá sem

interrupções e sem mudanças súbitas.

Esta continuidade natural, segundo NÚÑEZ (2003, p. 13), foi usada por

matemáticos criativos e excepcionais, como Newton e Leibniz no século XVII.

Tal idéia foi também caracterizada por outros matemáticos como Euler e

Fourier que descrevem como curva contínua a que é descrita por “deixar a mão

se mover livremente”. “A cultura e a prática da Matemática acabam por agravar ainda mais o problema: os docentes nunca dizem aos alunos que a nova definição é, na verdade, uma idéia humana corporificada totalmente diferente e, o que é muito pior, dizem aos alunos que a continuidade de Cauchy-Weirstrass captura a própria essência da antiga idéia, que sendo “vaga” e “intuitiva” deve ser evitada”. (NÚÑEZ, 2003, p.15).

Essa essência é normalmente compreendida como independente da

compreensão humana, da atividade social e de empreendimentos filosóficos.

Para NÚÑEZ a idéia de que a intuição humana é vaga e instável é um mito. A

definição formal para a continuidade, segundo o autor, requer uma série de

55

primitivos cognitivos, também corporificados na natureza, porém diferentes

daqueles da continuidade natural.

Existem pelo menos três metáforas conceituais que são relevantes, pois combinam suas estruturas de inferências de uma maneira sistêmica e fornecem uma ferramenta matemática extremamente importante: 1- Uma reta é um conjunto de pontos; 2- A continuidade natural não tem buracos; 3- Se aproximar de um limite é preservar a proximidade a um

ponto NÚÑEZ (2003, p.18).

As tarefas que foram elaboradas para esta pesquisa levaram em conta

estas idéias sobre Continuidade e em nossa análise ficamos atentos ao

aparecimento das metáforas conceituais.

3.4 – Considerações Metodológicas

O objetivo dessa pesquisa era investigar a Produção de Significados

para a Continuidade de Funções com uma Variável Real por alunos de um

curso de pós-graduação em Educação Matemática. Em particular, todos os

alunos pesquisados são professores de Matemática. Optamos por um estudo

de caso, pois tal estudo, segundo BOGDAN & BIKLEN (1991), consiste na

observação detalhada de um contexto. O contexto, nesse caso, caracterizou-se

pelas atividades sobre limites e continuidade de funções.

Segundo esses autores definem-se alguns critérios:

♣ A área de trabalho é delimitada: realizaremos a análise dos

argumentos para a produção dos significados;

♣ A coleta dos dados e as atividades de pesquisa são canalizadas:

dez alunos/professores de um curso de Pós-Graduação em

Educação Matemática;

♣ Materiais: revisão bibliográfica;

♣ Assuntos: resolução gráfica e algébrica;

♣ Tema: continuidade de funções de uma variável real.

Utilizamos uma técnica de observação participante: a pesquisadora

dentro da sala de aula e o foco do estudo numa organização particular: a sala

56

de aula do curso de Tópicos de Cálculo Diferencial e Integral de uma Pós-

Graduação em Educação Matemática. A coleta de dados se deu através de

filmagens, anotações e entrevistas.

Um estudo de caso, como descrito acima, requer uma investigação

qualitativa e a preparação prévia de propostas tais como:

1. O que pretendemos fazer? Estudarmos a Continuidade de Funções de

uma Variável Real investigando a produção de significados para o tema

e por alunos/professores de um curso de Pós-Graduação em Educação

Matemática.

2. Como faremos? Estabelecendo critérios para a escolha dos sujeitos.

Preparando o material de campo: filmadora, tripé, gravador, textos para

o estudo piloto, elaboração do script das aulas, etc... Analisando o

processo e preparando o estudo efetivo na sala de aula.

3. Por que faremos? As pesquisas indicam alto índice de reprovação nas

disciplinas de Cálculo e a revisão bibliográfica revelou que existe uma

lacuna sobre o tema.

4. De que forma aquilo que faremos se relaciona com o que outros já

fizeram? Os estudos envolvendo Cognição e Linguagem, em

Matemática, vêm se multiplicando e, dialogando com estes estudos,

poderemos lançar um olhar cognitivo e lingüístico sobre as idéias

Matemáticas.

5. Qual a contribuição potencial desse trabalho? A análise dos argumentos

dos sujeitos pesquisados quando produzem significado para o tema,

oferece subsídios para entender melhor quais são as idéias desses

sujeitos e, a partir dessa compreensão, pode se pensar em mudanças

nos cursos de Licenciatura e Graduação em Matemática.

Após estas considerações, partimos para o estudo que ora descrevemos.

57

3.5 - Os sujeitos pesquisados e o contexto

Respeitando o nosso objetivo, determinamos que a escolha dos sujeitos

deveria obedecer dois critérios:

♣ Os sujeitos deveriam ser alunos/professores envolvidos em

Cursos de Pós-Graduação em Educação Matemática, pois a

pesquisa acredita que já demonstram interesse em mudanças;

♣ Os sujeitos deveriam ser alunos/professores, atuantes no ensino

Fundamental, Médio ou Superior. Desse modo atendemos ao

objetivo da pesquisa, que é investigar a produção de significados

por professores de Matemática.

Sendo assim escolhemos um curso em que, estar atuando como

docente, fosse condição necessária para a admissão.

O curso escolhido foi elaborado a partir da mesma fundamentação

teórica da pesquisa, isto é, era objetivo da professora levar tarefas para os

participantes onde os mesmos falassem sobre seu modo de pensar, onde

compartilhassem e principalmente defendessem seus pontos de vista. Deste

modo, a aula era realizada para que os alunos trabalhassem em pequenos

grupos, depois com um único grupo em que os participantes iam à lousa

colocar e defender suas soluções. A professora buscava, ao final, mostrar os

diferentes modos de pensar que surgiram legitimando-os para aquele grupo.

Uma vez que a pesquisadora precisava ambientar-se com o trabalho de

observação, manuseio da filmadora e, além disso, verificar se as tarefas

propostas seriam eficientes para o objetivo, realizamos um estudo piloto. Á

medida que o investigador passa mais tempo com os sujeitos, a relação torna-

se menos formal. Segundo GEERTZ (1979) o observador trabalha para ganhar

a aceitação do sujeito, não como um fim em si, mas porque isto possibilita

cumprir os objetivos da investigação. Ser investigador significa interiorizar-se

com o objetivo da investigação, à medida que se coletam os dados no

contexto. Para cumprir tais exigências, observamos todas as aulas de Cálculo

58

do curso de Pós-Graduação escolhido. O estudo piloto foi feito com uma turma

durante o segundo semestre de 2002 e o estudo efetivo com outra turma no

primeiro semestre de 2003.

Os procedimentos aparecem diferenciados em três momentos: o estudo

piloto na sala de aula, o estudo efetivo na sala de aula e a análise dos dados.

Neste capítulo abordamos o estudo piloto e sua análise, no capítulo 4 o estudo

efetivo e no capítulo 5 a conclusão final.

3.6 - O estudo piloto na sala de aula

No início do 2º semestre/2002 no curso de Pós-Graduação escolhido, a

professora ministrante apresentou a pesquisadora e, após a autorização

documentada dos onze alunos para a observação e as filmagens das aulas,

ocorreu o estudo por um semestre, onde os estudantes e a pesquisadora

puderam habituar-se ao cenário da pesquisa. Este período foi identificado

como estudo piloto na sala de aula, pois serviu como base para a realização de

algumas modificações necessárias para a efetivação do estudo com a próxima

turma. Os alunos traziam livros de Cálculo de sua preferência e, num primeiro

momento, trabalhavam em duplas ou trios resolvendo as tarefas propostas pela

professora do curso, posteriormente iam à lousa apresentar as resoluções.

Fizemos observações sistemáticas com anotações das ocorrências em um

caderno de campo. A pesquisadora observava e fazia anotações enquanto os

alunos faziam as tarefas. Como já dissemos, as tarefas foram elaboradas com

base na fundamentação teórica objetivando facilitar a análise das “falas” e os

acordos feitos entre os alunos.

Tarefa 01 1. Trace num papel o gráfico de f(x) = x2, g(x) = x3, e, h(x)= x –3. O que você observa em cada gráfico? Escreva o mais que puder sobre cada um. Depois faça os gráficos no computador e mexa com as escalas, use o zoom e escreva tudo (o mais que puder) que você observa que está acontecendo. 2. Antes de traçar o gráfico de g(x) / f(x), no computador ou no papel, escreva como você acha que será. Por que? 3. Trace-o no papel primeiro e depois com o graphmatica. Houve diferenças? Quais? Por que?

59

4. Agora pense na situação f(x) / h(x). Faça o que foi pedido nos itens 2 e 3. 5. Faz diferença escrever x2 / x – 3 ou x2 / (x-3)? Por que? Tarefa 02 Seja f(x) = 1/ (x-1) para x real e diferente de 1. Esboce o gráfico e responda se f é contínua ou não. Por que? Responda primeiro sem consulta e depois consulte em grupo, nos livros trazidos por você. Tabela 10 – tarefa piloto

Segundo POWELL, FRANCISCO e MAHER (2004, p. 85-86),

metodologicamente usamos a tecnologia de vídeo tanto para a coleta quanto

para a análise dos dados. Segundo os autores, a filmagem de um fenômeno

em sala de aula é o meio menos invasor para se estudar o fenômeno. O vídeo

é um instrumento importante e flexível de informação oral e visual. Nesse caso,

para atender ao nosso objetivo, necessariamente usamos o vídeo, pois o vídeo

pôde capturar comportamentos valiosos e interações complexas e permitiu-nos

reexaminar continuamente os dados. As filmagens favorecem a análise das

expressões faciais e corporais dos sujeitos, permitindo outra leitura das

crenças-afirmações e justificações por eles elaboradas.

Para a coleta dos dados, utilizamos uma filmadora em um tripé, durante

todas as aulas do curso. No primeiro momento da aula, a filmadora ficava

posicionada focalizando um trio de alunos escolhido pela diversidade de idéias

apresentadas para solucionar as questões propostas. No segundo momento

da aula, a filmadora focalizava a lousa e os alunos da sala. De modo geral, na

tarefa 01, os alunos fizeram simplificações algébricas na função f(x) / h(x) e

esboçaram os gráficos. Quando indagados sobre o assunto, colocaram coisas

do tipo “é mesmo...não tinha reparado nisso”, “ah! é que eu fiz direto e não

percebi isso, mas eu sei.” O alunos produziram como significado que f(x) / h(x)

representa uma reta. Na segunda tarefa, os alunos apresentaram muitas

dúvidas sobre a continuidade da função, mas como podiam consultar nos

livros, chegavam até a resposta correta sem necessidade de grandes

argumentações.

Como esperávamos, os alunos quando leram um enunciado

selecionaram parte do mesmo para apropriar-se. Suas enunciações

evidenciaram este fato. Nesta tarefa, os alunos argumentaram sobre o domínio

60

da função, mas parecia que passavam rapidamente pelo assunto, fazendo

cópias dos livros e pronto. Assim, seria natural que fôssemos realizar

entrevistas para checar mais detalhes, porém, preferimos pensar em tarefas

mais ricas para alcançar o objetivo. O estudo piloto possibilitou-nos responder

algumas questões que nortearam o estudo efetivo:

1. O que já foi feito? A observação de uma turma de Cálculo durante o

curso de um semestre, a filmagem e transcrição das falas, avaliação das

tarefas produzidas para o estudo.

2. Que temas, preocupações ou tópicos surgiram do trabalho preliminar?

Percebemos que uma filmadora não era suficiente para captar a maioria

das reações dos alunos, além disso, a filmadora quebrou durante uma

aula que, conseqüentemente, não pôde ser filmada. Esta ocorrência

colaborou com a decisão de que seria necessário, pelo menos, mais

uma filmadora. A pesquisadora pôde ambientar-se com o papel de

observadora, bem como, com o manuseio da filmadora. As tarefas

propostas eram abertas, propiciando muitas discussões, mas nem

sempre dirigidas ao objetivo da pesquisa. Os alunos falavam pouco

sobre o tema da pesquisa.

3. Quais questões analíticas serão aprofundadas? A discussão sobre a

produção de significados para representações gráficas das imagens de

Funções de uma Variável Real, com ou sem computador em vizinhanças

do domínio, considerando o intervalo (a - δ, a +δ) do domínio.

61

Capítulo 4 O Trabalho de campo

62

Considerando o que já foi exposto, optamos por modificar as tarefas.

Desse modo, as novas tarefas elaboradas tiveram objetivos próprios, oriundos

da leitura dos processos segundo o nosso referencial teórico constituído pelo

MEA, as idéias da Teoria da Corporeidade e do que aprendemos no estudo

piloto. Apresentamos um quadro com alguns comentários gerais sobre as

tarefas aplicadas. Os modelos completos das tarefas encontram-se no anexo I.

tarefas data Comentários gerais

01

25/03/03 Tarefa adaptada de alguns livros e artigos de pesquisa

para levantar dados sobre a produção de significados

dos sujeitos para conteúdos como representação gráfica

e algébrica de funções.

02 e 03

01/04/03 Tarefas adaptadas de livros do ensino Médio, objetivando

levantar dados sobre a produção de significados dos

sujeitos para conteúdos como funções simples, domínio,

imagem, intervalos, quando apresentados em contextos

diferenciados.

04 08/04/03 Tarefa preparada para provocar “discussões” sobre a

Continuidade de Funções Reais Polinomiais do 1º grau,

contrastando dois campos: o gráfico e o algébrico.

Tabela 11 – comentários gerais sobre as tarefas

Iniciamos esta fase com duas filmadoras e dois tripés. Após

concordarem por escrito, os dez alunos tornaram-se os sujeitos pesquisados.

Durante cinco encontros os alunos trabalharam individualmente, divididos em

dois grupos, ou em duplas nos computadores. Os alunos desse semestre

(1º/2003) através do contato com a turma piloto, praticamente desconsideraram

a figura da pesquisadora e das filmadoras. Como no semestre anterior, foram

utilizados livros de Cálculo trazidos pelos alunos, tarefas elaboradas pela

professora e/ou pesquisadora, softwares para gráficos e calculadoras. Para

efeitos de análise, os dados foram devidamente protocolados através das

filmagens, transcrições das falas e anotações sobre as observações. A análise

dos dados foi feita pela equipe de alunos e/ou pesquisadores que compõem o

63

grupo de estudo já detalhado na introdução do capítulo 1, como é indicada

numa pesquisa onde a análise de vídeo é essencial. Após a aplicação das

tarefas fizemos uma entrevista com uma dupla para detalharmos pontos que

necessitavam de uma investigação mais fina.

Além dos procedimentos já expostos no capítulo 3, as tarefas também

foram elaboradas a partir das análises feitas aula a aula, isto é, após a

aplicação de uma tarefa, os processos utilizados pelo aluno e resultados da

mesma, nos levaram a manter ou modificar a próxima tarefa. Apresentamos as

fichas propostas, suas fundamentações e as análises parciais feitas após a

aplicação. Análises mais pormenorizadas encontram-se nos episódios e no

capítulo 5.

4.1 – As tarefas

Ficha 01 – DATA: 25/03/03

Como sempre, estou interessada em três pontos: na resposta, no modo de pensar para chegar a essa resposta e em outras respostas, caso existam, que possam atender ao problema. Escrevam o máximo possível. Parte I – Esboce o gráfico de uma função: a) Que é sempre crescente e nunca é negativa b) Cujo gráfico passa exatamente em 2 quadrantes c) É quadrática e seu gráfico passa exatamente por 3 quadrantes d) Tem valores positivos e negativos e não é nunca maior que 1 ou menor que -1 e) Que parece exatamente a mesma quando transladada para a direita f) É quadrática e nunca intercepta o eixo do x g) Que parece a mesma quando refletida num espelho colocado ao longo do eixo y Parte II – Escreva uma expressão simbólica para uma função: a) Que sempre cresce e nunca é negativa b) Cujo gráfico está exatamente em 2 quadrantes adjacentes c) Cujo gráfico está exatamente em 2 quadrantes não adjacentes d) Cujo gráfico passa exatamente por 3 quadrantes e) É quadrática e seu gráfico passa exatamente em 2 quadrantes f) É quadrática e seu gráfico passa exatamente por 3 quadrantes g) É quadrática e seu gráfico passa exatamente 4 quadrantes tabela 12 – tarefa 01 do trabalho de campo

A tarefa apresenta questões envolvendo na parte I o quadro geométrico-

gráfico e na parte II o quadro algébrico. Procuramos evitar, o máximo possível,

a linguagem formal da Matemática e usamos a linguagem cotidiana dos alunos

64

em sala de aula. Nossa intenção era propiciar a interação entre eles para

fazermos a leitura do processo de produção de significados. Usamos a

expressão sempre crescente e nunca negativa para termos certeza que

chamaria a atenção dos alunos. As palavras sempre e nunca são muito

significativas no dia a dia.

Ainda na parte I o nosso objetivo era verificar quais significados seriam

produzidos para gráficos de funções quando transladadas. Após a aplicação,

conceitos como translação vertical ou horizontal não ficaram muito claros.

Como já esperávamos, por nossa prática e literatura, os alunos usaram

gráficos já conhecidos por eles, para fazerem os esboços. Ficaram presos aos

livros trazidos e na parte I investigaram primeiramente as expressões

algébricas para depois estudarem o esboço gráfico. Relacionaram função

crescente e positiva ao domínio e imagem positivos. Tiveram muita dificuldade

para escrever as expressões algébricas das funções quadráticas pedidas na

parte II. Quando apresentaram soluções Matematicamente corretas, foi sempre

seguindo as respostas consideradas comuns entre a comunidade discente e

docente. No episódio I apresentamos uma análise detalhada com as respostas

e os significados produzidos pelos alunos.

Para elaborar as tarefas 02 e 03 adaptamos questões padrões de livros

didáticos para atender nosso objetivo. Como queríamos conhecer a linguagem

escrita desses alunos, inicialmente eles fizeram a atividade individualmente e

sem consultas a qualquer tipo de material. As questões transitam entre os

quadro geométrico, algébrico e numérico, para ver como os alunos produziriam

significados escritos para estes quadros, após as discussões da ficha 01 sobre

funções crescentes e positivas.

Ficha 02 - DATA: 01/04/03

1-O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine: a)O domínio da função. Justifique. b) O conjunto-imagem da função. Justifique. c) Os valores de w(-1), w(0) e w(3). Justifique. d) Em qual(is) intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual(is) intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual(is) intervalo(s) w é constante? Justifique.

65

g)Existe w(-50)? Qual seria o seu “palpite” para este valor? Justifique.

h)O que significa, para você, y no eixo vertical do gráfico apresentado? Justifique.

i)O que significa, para você, um intervalo da reta real. Exemplifique.

j)O que significa, para você, uma função matemática? k)Quantas maneiras diferentes você conhece para representar uma função matemática? Quais são elas? l) Escreva a fórmula algébrica da função w. Justifique. Tabela 13 – tarefa 02 do trabalho de campo

Analisando as respostas escritas para as letras (d, e, f) pareceu-nos que

eles produziram como significado que “uma função é crescente quando sobe,

decrescente quando desce e constante quando está parada”. Os alunos

apresentaram dificuldades para escrever a resposta em linguagem Matemática.

Como já esperávamos, por nossa prática e literatura, verificamos que os alunos

apresentaram dificuldades para escrever fórmulas algébricas para funções

representadas graficamente. Dos dez alunos da turma, seis deixaram em

branco a letra L, dois escreveram que não sabiam e dois escreveram

parcialmente a fórmula. Destacamos a aluna Marta que, excetuando a letra L,

praticamente acertou e justificou todas as questões. Roberto também

respondeu, matematicamente certo, praticamente todas as questões, mas ao

contrário de Marta, não justificou a maioria. Não pudemos concluir se ele

conhecia ou não os conteúdos, pois as suas respostas foram lacônicas.

Ao pedirmos um palpite para w(-50) pretendíamos ver como o aluno fala

de um ponto que não aparece no gráfico. Apareceram respostas do tipo: “Sim

existe, .....está bem próximo de zero, pois temos que a função w tende a zero

quando x tende a - ∞”; “Existe. Acredito que seria muito próximo de zero. Afinal,

66

w(-8) já chega bem próximo de zero”; “Sim, seria bem próximo de zero, pois

para valores abaixo de –2, w(x) vai aproximando de zero”; “w(-50)=0,0005.

Sendo uma função da forma f(x)=z/x onde x ≠ 0. O gráfico nunca vai cortar o

eixo do “x”, para isso teria que existir um ponto P(0,y) indo contra a C.E

(condição de existência)”. Estas respostas revelaram que os alunos já

incorporaram a idéia de aproximação para algum valor.

Na ficha 03 colocamos sem aviso prévio, questões sobre continuidade

de funções definidas em todos os conjuntos numéricos reais. Queríamos saber

qual significado os alunos produziriam para a mesma Função Real polinomial

do 1º grau, definida em conjuntos numéricos diferentes. Ainda queríamos saber

se usariam os conceitos da continuidade natural ou formal e como fariam.

Nessa aula a professora não estaria presente e decidimos que a

aluna/pesquisadora não faria intervenções. Queríamos verificar como os alunos

reagiriam ao resolverem problemas sem a intervenção da professora e

principalmente sozinhos. Após resolverem individualmente, os dez alunos

ficaram divididos em dois grupos para discutirem as questões referentes á

continuidade. Desse modo esperávamos provocar discussões sobre o tema.

Queríamos conhecer qual era o conhecimento desses alunos. Como era

explicitado em linguagem escrita, mesmo sabendo que a expressão escrita é

muitas vezes aquém da expressão oral.

Ficha 03 – DATA: 01/04/03 1- Um professor de Matemática, da 8ªsérie do Ensino Fundamental, pediu aos seus alunos que fizessem um estudo da variação da temperatura à sombra, e medissem de hora em hora. Entre todos os trabalhos apresentados, o professor destacou o trabalho de Clara. A tabela abaixo apresenta o resultado das medições em 25/07/2002. Hora 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Temperatura 7° 6° 5º 4º 3° 2° 2° 3° 5° 7° 12° 15° Hora 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Temperatura 18° 18° 20° 20° 20° 18° 15° 13° 11° 9° 8° 7° a)Quais as grandezas que estão sendo medidas? b)Podemos afirmar que a hora está em função da temperatura? Justifique. c)Podemos afirmar que a temperatura está em função da hora? Justifique. d)Se esta relação caracterizar uma função, podemos explicitar a sua fórmula algébrica? Justifique. 2- Sejam: a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3

67

c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3 f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3 Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as

respostas.

3- Escreva o que significa, para você, uma função ser contínua. Comente as dificuldades encontradas na questão anterior. Tabela 14 – tarefa 03 do trabalho de campo

A maioria dos alunos afirmou que é possível escrever uma fórmula para

a função 1-d, mas não justificou e nem apresentou uma fórmula. Sete alunos

esboçaram gráficos para analisar a continuidade das funções proposta em - 2

a, 2 b, 2 e, 2 f - da ficha 03. Estes alunos desconsideraram o domínio das

funções e responderam, sem justificar, que as funções são contínuas. Oito

alunos responderam, sem justificar, que as funções 2c, 2d não são contínuas.

Quando responderam a mesma questão 2 em grupo, usaram a definição formal

copiada de livros para justificar que todas as funções são contínuas, sem

discussões específicas. Vale ressaltar que um grupo fez diferenças entre limite

num ponto e limite num intervalo. Copiaram de um livro (GUIDORIZZI, 1987) a

definição formal, com epsilon e delta, afirmando que “uma função é contínua

num intervalo”.

Eles produziram significados diferentes para o Limite de uma Função.

Parece que um ponto na reta real não tem vizinhanças, basta verificar o valor

da função naquele local e pronto. É a visão pontual e discreta. Agora se

quisermos analisar a continuidade das funções, olhamos as vizinhanças do

ponto. Seguindo as orientações do MEA, seria prematuro levantar alguma

hipótese sobre qual produção de significado estavam produzindo para limites e

continuidade de uma função. Precisávamos que estes alunos falassem mais

para analisarmos as argumentações, levantarmos o que está implícito e

conhecermos as idéias Matemáticas sobre o assunto.

Após analisarmos os resultados das atividades 02 e 03, concluímos que

precisávamos elaborar um texto que provocasse mais discussão entre os

alunos sobre o tema pesquisado. Sendo assim, a tarefa 04 foi elaborada com a

intenção de provocar um debate entre os alunos sobre Limite de Funções.

68

Objetivando gerar diferentes pontos de vista e alguns controversos,

elaboramos um texto onde aparecem soluções feitas por duas personagens,

João e Beatriz, sobre o limite local de uma Função Real polinomial do 1ºgrau.

Após analisarmos as tarefas anteriores, decidimos que como a turma era

composta por dez alunos/professores, não caberia perguntar nada diretamente.

Assumimos que é mais fácil falar sobre os erros de outra pessoa do que dos

próprios erros, por isso a idéia das personagens foi para que os alunos

argumentassem mais livremente sobre os conteúdos, já que estariam falando

sobre os erros de dois alunos e não sobre os seus próprios erros. Os alunos

primeiramente analisaram as respostas das personagens em duplas e depois

no quadro branco. A aula aconteceu no laboratório de informática, pois caso

quisessem poderiam usar os computadores para analisar o limite pedido. O

que não ocorreu.

Ficha texto 04- DATA: 08/04/2003

1- João e Beatriz, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o lim (4x -5) = 7

x→3 como aparece abaixo. Analise as resoluções e discuta as semelhanças ou diferenças. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7

Resolução da Beatriz: Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε. Tabela 15 – tarefa 04 do trabalho de campo

69

Fizemos com que João, uma das personagens, respondesse

visualizando graficamente a questão e Beatriz, a outra personagem,

respondesse algebricamente. Queríamos saber qual seria a reação dos alunos

nos diferentes quadros. Queríamos ver se usariam a definição intuitiva ou a

formal. Queríamos conhecer qual significado produziriam para o limite local de

uma Função Real polinomial do 1ºgrau. Propositalmente a resolução algébrica

apresentada não estava correta, pois queríamos saber se os alunos

perceberiam tal fato. Os alunos, através da tarefa, foram levados a discutir

detalhadamente, a necessidade ou não da definição formal para Funções

Contínuas, isto é, aquela em que a noção intuitiva não é suficiente para

resolver o problema ou tomar decisões. Abaixo estão alguns aspectos que

verificamos e a análise mais detalhada encontra-se no episódio II, capítulo 4.

1- De imediato, a resolução da Beatriz, foi aceita como a mais correta,

mesmo sendo incorreta. A resolução do João, embora considerada

correta, foi classificada como sendo de pouco conhecimento e status

matemático.

2- Forte tensão entre intuição e rigor matemático.

3- Forte relação de independência entre ε e δ, no contexto da tarefa.

4- Houve intensa discussão sobre representações de pontos e intervalos.

5- Muita discordância sobre a visualização da imagem da função

representada graficamente.

6- A aceitação de uma solução como verdadeira por ser apresentada pelo

elemento de maior convencimento entre o grupo.

7- A presença de conceitos corporificados atuando na resolução de uma

nova situação.

8- Mesmo estando no laboratório de informática, não utilizaram nenhum

software gráfico para especulações, preferiram os livros de Cálculo.

9- Nenhum aluno percebeu que a solução algébrica apresentada por

Beatriz estava errada. A maioria dos alunos acredita que a Beatriz é a

aluna ideal, porém, é muito difícil encontrá-la nos dias de hoje.

70

4.2 - A tipologia de argumentos A tipologia de argumentos emergiu das análises. A análise foi

inicialmente realizada de modo linear, isto é, na ordem cronológica das aulas.

Depois reduzimos essa primeira análise em episódios a partir dos argumentos

chaves. Assim neste capítulo apresentamos as seguintes análises:

Episódio I – As aparências enganam

Composição Parte I – Função crescente sobe e vai para direita

Parte II – Os dois quadrantes

Tarefas 01 – 02 e 04

Argumentos chaves:

• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;

• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e

imagem positivos;

• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.

Episódio II – O que se olha e o que se vê

Parte I – Limite e Continuidade

Composição Parte II – Ponto ou intervalo

Parte III – Formalismo versus Praticidade

Tarefas 03 – 04 e entrevista

Argumentos chaves:

• A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do

ponto;

• A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança;

• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o

Limite da Função no intervalo que contém o ponto;

• A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias

independentes;

• A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado;

• A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo.

71

A descrição e análise: Em cada episódio apresentamos uma sinopse, os

textos parciais das tarefas, a transcrição das discussões, as análises e os

esquemas que o resumem. Os textos completos das tarefas estão no anexo I.

Nas transcrições, as falas estão ordenadas por linhas que são representadas

por Ln, seguindo a ordem (n) em que aparecem nos episódios. Respeitando o

compromisso ético no anexo II, os alunos não estão identificados pelos seus

verdadeiros nomes.

4.3 - Episódio I – As aparências enganam

O episódio foi composto por duas partes: Parte I – Função crescente

sobe e vai para a direita e Parte II – Os dois quadrantes. As transcrições

apresentadas referem-se à aula do dia 25/03/2003 em que estavam presentes

a professora, a pesquisadora e os dez alunos da turma. No início da aula a

professora pediu para os alunos que se dividissem em dois grupos de cinco

alunos. Eles dividiram-se livremente e cada grupo recebeu o enunciado

impresso. Duas filmadoras foram colocadas de frente para cada grupo. Durante

uma hora e meia foi registrada a expressão dos participantes em detrimento da

expressão na tela. Após uma parada para o café, iniciou-se o segundo

momento da aula. Durante uma hora e quinze minutos, os alunos de cada

grupo foram ao quadro e todos discutiram as soluções apresentadas. Também

compuseram o episódio algumas respostas escritas em 01/04/2003 sobre a

tarefa 02. Esta tarefa foi realizada na sala de aula em dois momentos:

individual, sem qualquer tipo de consulta e em grupos consultando o material

trazido pelos alunos. A filmagem foi feita do mesmo modo como na aula

referente à tarefa 01.

As análises revelaram diferentes produções de significado para

identificação, crescimento e sinal de Funções Reais de uma Variável Real:

• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;

• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e

imagem positivos;

• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.

72

Esquema argumentativo - ESPISÓDIO I – As aparências enganam

L2 A2 L12 L22 L24 L1 L8 L3 A3 L10 A1 Tabela 16 – esquema argumentativo do episódio I

Parte I – Função crescente sobe e vai para direita

Parte II – Os dois quadrantes

Tarefa – 01 crescente G U S T A V O

I V O

M A R T A

M A R T A

G U S T A V O

E L I A S

MA R T A

AUTORIDADE

Gustavo: definição de função não-decrescente

Contra-exemplo

“Mostra que é sempre crescente!!!”

Tarefa – 02- crescimento

Gustavo: função não-decrescente é crescente

Classe: crescente é quando x aumenta e o y também

Tarefa –04 João e Beatriz

Gráfico é de “função” Função

modular

Tem vários pontos

Autoridade

O gráfico é de “função”

Algo que não varia é constante

É função? Elias – não é constante

Clóvis: não é função

autoridade

Regras do jogo

A legitimidade é função do aluno e não somente do professor

Gustavo: é mesmo !!!!!

Apostila

livro

x e y posi- tivos

Gráfico da “escada”

Função crescente sobe e vai para a direita

1 2

3

4

Legenda Intervenções da professora A1 = Uma função é crescente quando

sobe e vai para a direita.

A2 = Uma Função é crescente e positiva

quando tem domínio e imagem positivos.

A3 = Função constante corresponde a algo

que não varia.

73

Parte I – Função crescente sobe e vai para a direita

Esta parte do episódio I traz as discussões sobre crescimento e sinal de

funções reais de uma variável real. Apresentamos as questões das fichas 01 e

02 e transcrevemos as falas dos alunos Gustavo, Marta, Ivo e Elias

pertencentes a um dos grupos.

• Gustavo é licenciado em Matemática e leciona em um curso

preparatório para vestibulares.

• Marta é licenciada em Química e leciona Ciências e Matemática

para o ensino Fundamental.

• Elias e Ivo são licenciados em Matemática e lecionam nos

ensinos Fundamental e Médio.

Os alunos usaram para consulta uma apostila preparatória para

vestibulares trazida por Gustavo, uma apostila de uma disciplina que eles já

cursaram (Tecnologias da Informação e Comunicação) e um livro de Cálculo

(PISKUNOV, 1983) trazido por Ivo. Apresentamos o enunciado da questão (I -

a) da ficha 01:

Ficha 01 – 25/03/03

Como sempre, estou interessada em três pontos: na resposta, no modo de pensar para chegar a essa resposta e em outras respostas, caso existam, que possam atender ao problema. Escrevam o máximo possível. Parte I – Esboce o gráfico de uma função: a) Que é sempre crescente e nunca é negativa Tabela 17 – ficha 01 – episódio I

Os alunos estavam discutindo sobre o que é uma função crescente.

Gustavo lia a apostila que trouxe.

L1 - Gustavo: Se x2 é maior que x1 e f(x2) é maior ou igual a f(x1) então se f(x2) é maior, é crescente assim se é igual, é crescente assim [ele faz o esboço no papel e, com o lápis, faz movimentos de vai e vem sobre as figuras para mostrar aos colegas] L2 - Ivo: Aumentando o x, aumenta o y L3 - Elias: Ah! tá, entendi: é uma regrinha? [fala com ironia e vira a cabeça olhando para Marta que está desenhando algo no papel] L4 - Marta: Mas pode ser um dos dois... [mostra a figura que esboçou no papel]

74

[gráfico esboçado por Marta] L5 - Gustavo: Isso, mas eu acho que ele pode ser uma função constante e crescente. L6 - Marta: Eu acho que precisa identificar L7 - Gustavo: O segundo é maior que este. É estritamente crescente. [aponta para a figura da semi-reta]. Tabela 18 – transcrição 01 – episódio I

A definição que estava na apostila de Gustavo “uma função f: R → R

chama-se estritamente crescente quando x, y ∈ R, x < y ⇒ f(x) < f(y). Se x < y

implica apenas que f(x) ≤ f(y) e f chama-se não-decrescente” foi lida por ele

como aparece em L1.

Observamos aqui que o ENUNCIADO é entendido pelo leitor do modo

que lê e não do modo que está escrito na apostila. Isto reforça a teoria de que

o que é dito por outro, falado ou escrito, sofre o processo de passar de

ENUNCIADO para ENUNCIAÇÃO. Quando Gustavo lia para o grupo, já

explicitava um significado que estava produzindo para esse texto. Observando

as figuras e os movimentos feitos com o lápis sobre as mesmas, verificamos

que ele produziu como significado que uma função é crescente quando sobe e

vai para a direita. Enunciamos o primeiro argumento do nosso estudo: A1 =

Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita.

A letra (a) da tarefa pede o esboço gráfico de uma função que é sempre

crescente. Ao ler o enunciado Gustavo identificou função sempre crescente

como função crescente. As argumentações (L1 e L5) mostram que Gustavo

produziu como significado para função sempre crescente, uma função que é

não-decrescente. Pelo que vimos o grupo aceitou a sua explicação sobre

função sempre crescente. A definição de função não-decrescente dada na

apostila, associada ao fato de Gustavo ser professor de um curso preparatório

para vestibulares, funcionou como um argumento de autoridade sobre o grupo.

MANELI (2004, p.64) explica que, segundo PERELMAN, na autoridade há

75

elementos de moralidade, de legitimidade que sempre tem aspectos

normativos. A autoridade é conquistada pelo respeito do grupo e as opiniões do

orador.

Enquanto isso, Ivo procurava e encontrava no livro um método para

verificar se a função é crescente (L2), leu para os colegas, mas não conseguiu

a adesão dos mesmos (L3). Por ser de Ivo, que era considerado pelo grupo um

professor tradicional, com idéias antigas, o livro foi desconsiderado sem sequer

ser aberto. A apostila e o livro foram identificados, respectivamente, pelas

características de Gustavo e Ivo. Assim, o livro e os seus métodos de

resolução foram considerados como “regrinhas”, ao contrário das definições

dadas na apostila que foram aceitas sem questionamento pelo grupo.

Os livros foram entendidos através das características de seus usuários, isto é, o grupo não analisou o conteúdo ou abordagem Matemática, mas o dono do livro.

Ivo era considerado um professor antigo e tradicional, conseqüentemente, o seu livro

também era considerado desse modo.

Gustavo era professor de um curso preparatório para vestibulares, conseqüentemente,

a sua apostila era respeitada pelo grupo.

Tabela 19 – a autoridade

O grupo aceitou a noção de Gustavo para função crescente, isto é, uma

função é crescente quando sobe e vai para a direita. No segundo momento, os

alunos foram ao quadro e apresentaram os seus gráficos para a letra (a): uma

função que seja sempre crescente e nunca negativa. Marta, representando seu

76

grupo, desenhou o gráfico contendo a Função Real polinomial do primeiro grau

e a Função “escada”, somente no primeiro quadrante.

L8 - Marta: Nós pegamos duas funções. Na verdade nós colocamos dois gráficos. Pegamos essa, que o x e o y, eles estão no primeiro quadrante, então ela vai ser crescente tá? E nesse caso aqui a gente.... [nesse momento Marta é interrompida pela professora] L9 - Professora: Espera aí, eu quero fazer uma pergunta: o fato de uma função estar no primeiro quadrante garante que ela seja sempre crescente? [os dez alunos permanecem em silêncio e Marta volta para junto do grupo] L10 - Professora: Eu vou dar um contra-exemplo. Quando eu desenho esse gráfico

x e y são positivos? A função é crescente?

Tabela 20 – transcrição 02 – episódio I

Quando questionados pela professora sobre o contra-exemplo, os

alunos olharam com expressões de embaraço, responderam que x e y eram

positivos, mas falavam baixinho que a função era decrescente. A professora

pediu para Marta prolongar o desenho até o segundo quadrante. Marta voltou

ao quadro e prolongou o gráfico da semi-reta para o segundo quadrante.

Figura inicial figura inicial figura final Marta prolongou o esboço da semi-reta inicial até o segundo quadrante. Tabela 21 – transcrição 03 – episódio I

C R E S C E N T E

77

A professora perguntou porquê não poderia ser assim. Marta respondeu

que poderia, mas pelo seu rosto notamos que não estava convencida. Nenhum

aluno fez qualquer tipo de colocação e Marta voltou ao seu lugar. O que estava

implícito em L4, agora está explícito: os alunos relacionam a função

crescente e positiva com o domínio positivo. Observando o vídeo e nossas

anotações, verificamos que a maioria dos alunos desenhou funções no primeiro

quadrante. Enunciamos um argumento para esta produção de significado: A2 –

Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e imagem

positivos.

Dando seqüência à aula, a professora pediu para que o grupo voltasse

ao quadro e mostrasse que a Função “escada” é crescente. Marta levantou e

foi ao quadro. Escreveu no quadro que se x2 > x1 e f(x2) ≥ f(x1) então a Função

é crescente. Alguns alunos protestaram sobre a definição, pois não incluiriam

o sinal de igual e a professora pediu, então, para que Marta o apagasse. Em

seguida pediu para que Marta mostrasse no gráfico porque a Função era

sempre crescente e ela não conseguiu mostrar que a Função “escada” era

sempre crescente. Os alunos, ao fundo, diziam que não era sempre crescente.

A professora argumentou que o gráfico da “escadinha” não era um bom

exemplo, pois nos intervalos em que a Função permanecesse constante, não

seria crescente. Gustavo permaneceu calado e não ajudou Marta quando a

classe disse que a definição de Função sempre crescente estava errada.

Abaixo vemos a 1ª questão da ficha 02 sobre crescimento de funções e

destacamos a resposta de Gustavo.

Ficha 02 - 01/04/03

1-O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine: d) Em qual(is) intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual(is) intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual(is) intervalo(s) w é constante? Justifique.

78

Tabela 22 – ficha 02 – episódio I

As respostas de Gustavo sobre os intervalos de crescimento e

decrescimento da função mostraram que ele continuava exigindo que se

especificasse se o crescimento/decrescimento era estrito. Gustavo não

questionou na aula anterior a linguagem Matemática das definições e vimos

que para ele função não-decrescente/crescente é o mesmo que função

crescente/decrescente. Abaixo estão as suas respostas.

Tabela 23 – resposta do Gustavo – episódio I

Gustavo foi o único aluno que apresentou este tipo de resposta. Os

outros alunos consideraram que função crescente pode ser identificada quando

o x aumenta e o y também aumenta.

79

Parte II – Os dois quadrantes

Aqui o foco central foi a discussão entre os alunos do grupo de Gustavo

sobre um gráfico esboçado por ele. As argumentações giraram em torno de

como verificar se a figura representava ou não o gráfico de uma Função

constante. Apareceram os objetos Matemáticos como pontos, imagem e

variação de uma função. A autoridade conquistada por Gustavo foi abalada

pelo aluno Clóvis. Iniciamos a parte II apresentando um fato que gerou uma

controvérsia no grupo. As discussões referem-se ao enunciado da letra (b) da

ficha 01:

Ficha 01 – 25/03/03

Esboce o gráfico de uma função: b) cujo gráfico passe exatamente em dois quadrantes.

Tabela 24 – ficha 01 – episódio I

L11 - Elias: A letra b pode ser f(x) = y

L12 - Gustavo: Essa daqui ó......pode ser assim e também pode ser assim:

[ele desenha no papel e faz o movimento de vai e vem sobre curva desenhada]

Qualquer valor que você atribui para x tanto faz para cima ou para baixo.

Tabela 25– transcrição 04 – episódio I

Em L12 vimos que Gustavo produziu como significado que “passar em

dois quadrantes” era “passar em quadrantes adjacentes”. Ele praticamente

não ouviu o que Elias falou (L11) e expôs a sua idéia para o grupo. Na próxima

cena as expressões e falas de Elias e Marta revelaram que eles sentiam que

algo estava errado. Percebemos que estavam argumentando não só para

convencer Gustavo de que algo estava errado, mas para esclarecer as próprias

dúvidas. O poder do líder foi tão forte que nenhum aluno apoiou a idéia de Elias

e todos continuaram apoiando as idéias de Gustavo.

80

L13 - Elias: Se f(x) =a ela não é uma equação? Ela é uma constante? [Elias está inquieto, parece estar “pensando alto”. Não está concordando e tenta argumentar para convencer o Gustavo e a si mesmo que aquilo está errado] L14 - Marta: Vai ser um ponto..... [neste momento Marta parece que tem um estalo, a sua expressão é de alegria como quem sabe que fez uma descoberta] L15 - Gustavo: Qualquer valor que você atribui para x tanto faz para cima ou para baixo, para a direita ou para a esquerda. L16 - Elias: Vamos supor x igual a 1, 2 , 3 , 4 e etc Quem vai ser a sua imagem? L17 - Marta: Cada x tem a sua imagem que é cinco..... é um ponto mesmo. Então aqui não é constante mesmo. [aponta para o desenho do Gustavo] L18 - Gustavo: Se você por [ele quer dizer escrever] ax + b, onde b vale 5 e x vale zero..... [é interrompido pela fala de Elias] L19 - Elias: f de x igual .... [ele está falando como pensa alto]. [Gustavo interrompe Elias e fala enfaticamente] L20 - Gustavo: x = 5 [Elias continua pensativo e tenta arrumar um exemplo para convencer que a “função” não pode ser constante] L21 - Elias: A função do módulo de x também é constante? L22 - Gustavo: Ela pega desse eixo até esse ponto, por exemplo.

L23 - Elias: Aqui negativo, para cá negativo, aqui é positivo. Está mudando. [vai mostrando no gráfico, fazendo com o lápis o movimento de inclinação da função módulo de x] L24 - Marta: Tem vários pontos, então é isso mesmo, não pode ser constante. [aponta para a figura do Gustavo] Tabela 26– transcrição 06 – episódio I

O significado produzido foi que uma função constante corresponde a

algo que não varia, portanto, quando varia não é função constante.

O quadro abaixo mostra o resultado entre a análise do que foi dito pelos

participantes e a articulação das teorias da Corporeidade e da Argumentação.

81

Tabela 27– exemplo de mapeamento – episódio I

Elias perguntou se a Função do módulo de x era constante (L21) e

depois explicou que os valores estavam mudando. Esta afirmação fez com que

Marta concluísse que tinha vários pontos (L24). Quando Marta disse que f(x)=a

era um único ponto e aparentemente todos concordaram, estava vendo a

imagem de uma função constante como um único número equivalente a um

único ponto localizado no eixo 0y. Ela olhava para a curva como se estivesse

“passeando por ela”. De acordo com a perspectiva da cognição corporificada,

trata-se de uma concepção dinâmica para a curva. Enquanto “passeava pela

curva” Marta “passava pelos pontos” e o que percebia é que no gráfico da

função constante a imagem dos pontos do domínio era sempre a mesma. Em

contrapartida, enquanto passeava pela curva do segundo gráfico (L12), via que

a imagem era formada por muitos pontos e concluiu que o gráfico não

representava uma função constante.

L24 - Marta: Tem vários pontos, então é isso mesmo, não pode ser constante [aponta para a figura da “não função” do Gustavo] Tabela 28– transcrição 06 – episódio I

Material/físico Matemática M

Para estes alunos, algo que não varia é uma função constante e a imagem da função

constante no gráfico é um ponto. Mapeamos as inferências sobre coisas materiais e físicas

e relacionamos com objetos matemáticos. Este mapeamento M é uma metáfora básica

coisas que não variam

Função constante (gráfico) Função constante (álgebra) Imagem (gráfico) Imagem (conjunto)

82

Para estas produções de significado enunciamos o terceiro argumento:

A3 = Função constante corresponde a algo que não varia. A seguir

mostramos uma cena onde Gustavo perguntou à professora se uma reta

paralela ao eixo y correspondia ao gráfico de uma função que passa em dois

quadrantes. Ao fazer a pergunta, Gustavo fez gestos com a mão indicando

como seria o gráfico. A professora, visando levantar alguma controvérsia,

desenhou o gráfico no quadro e perguntou para a classe se o gráfico

representava uma função.

Gráfico desenhado pela professora

L25 – Elias: Não é constante. L26 – Professora: Eu não estou perguntando se é constante ou não, MAS SE É GRÁFICO DE FUNÇÃO. L27 – Clóvis: Não é função porque existem várias imagens para o mesmo x do domínio. L28 – Gustavo: É o domínio não pode ter mais do que uma imagem. Tabela 29– transcrição 07 – episódio I

Elias disse que não era constante (L25). Esta fala é um indício de que o

enunciado da tarefa “desenhe uma função cujo gráfico passe exatamente em

dois quadrantes” levou estes alunos a prestarem atenção aos quadrantes e não

ao fato do gráfico representar ou não uma função. A professora forçou a leitura

na direção que desejava e, enfaticamente, disse que não estava perguntando

se era constante ou não, mas se representava o gráfico de uma Função (L26).

Gustavo ficou calado olhando para a lousa. Clóvis, outro aluno da turma, disse

que não era Função, porque existiam várias imagens para o mesmo x do

domínio (L27). Gustavo mudou de idéia, olhou para Clóvis e falou: “É, o

domínio não pode ter mais do que uma imagem” (L28). SCHWARZ (1995)

relatou em sua conclusão, que obteve respostas parecidas com esta entre

alunos do ensino Médio. O domínio e imagem da função eram identificados

como um número e não como um conjunto de valores numéricos.

A liderança de Gustavo foi enfraquecida quando ficou calado e aceitou o

argumento de Clóvis. Observando as filmagens vimos que Clóvis já liderava o

outro grupo da classe.

83

Clóvis desde criança sonhava em ser professor de Matemática, é

licenciado em Matemática, fez um curso de Especialização em Matemática em

uma Universidade Pública e leciona Matemática nos Ensinos Fundamental e

Supletivo. Tais atributos associados ao fato de ter a adesão de Gustavo diante

de todos, conferiram-lhe a liderança do grupo.

Continuando a aula, a professora utilizou argumentos de modo que os

alunos não se sentissem humilhados ou constrangidos ao errarem as

respostas. Usou como exemplo o jogo da velha e disse que o participante de

um jogo precisava conhecer as regras e avaliar se poderia ou não fazer as

jogadas.

L29 - Professora: Então o que começa aparecer na história é que eu não preciso mais dizer se o meu aluno acertou ou errou: ele usa as regras do jogo e vê. Tabela 30– transcrição 08 – episódio I

Ao colocar “as regras do jogo” revelou que não estava ali para julgar os

acertos e erros dos alunos e que era necessário conhecer o conteúdo básico

exigido nesse curso, caso contrário precisariam estudar. Este argumento foi

muito forte. Ela transferiu para os alunos a responsabilidade de validação das

respostas. Notemos que o tempo todo ela disse o “nosso aluno”. Esta foi a sua

estratégia para deixá-los à vontade. Ela colocou-se como uma “colega de

profissão”. Parecia que entre os alunos e ela não existia hierarquia. A

hierarquia existia, mas nesses momentos, os alunos pareciam que não

levavam este fato em consideração e argumentavam livremente. Utilizando o

argumento das regras do jogo, a professora comentou as respostas dos alunos

e outras que poderiam ter surgido. Ela disse que eles continuariam estudando

estes conteúdos nas próximas aulas. Falou sobre a necessidade de que

fizessem os exercícios sempre questionando vários pontos de vista. Queria que

fugissem dos protótipos clássicos apresentados nos livros e usados pela

maioria dos professores.

Encerramos este episódio com alguns comentários sobre as atitudes de

Gustavo e a dinâmica da aula. Na Parte I, Gustavo permaneceu calado e não

ajudou Marta quando estava em “apuros” para mostrar que a Função “escada”

84

era sempre crescente. Não falou nada sobre a história do estritamente

crescente e não-decrescente que usou para convencer os colegas sobre o fato

de uma Função ser crescente e constante ao mesmo tempo (L1, L5 e L7). Por

ser professor de um curso preparatório para vestibulares considerou-se e foi

considerado pelo grupo como líder. Aparentemente, na parte II (L21-L24),

Gustavo aceitou as argumentações de Elias e Marta sobre o gráfico da Função

(relação) não representar uma Função constante. Afirmamos aparentemente,

pois depois perguntou para a professora se não poderia ser o gráfico de uma

reta paralela ao eixo y. Vimos que ele não aceitou e não acreditou nas

argumentações do grupo, mas preferiu parar de questioná-las e esperou o

momento de validar a sua idéia junto à professora, ou seja, de autoridade para

autoridade.

Nenhum aluno do grupo de Gustavo percebeu que o gráfico esboçado

por ele não representava uma função. Embora o gráfico esboçado por Gustavo

seja de uma Relação Matemática, a autoridade dele sobre o grupo fez com que

os colegas não percebessem que não se tratava do gráfico de uma Função

Matemática. Não pudemos, entretanto, afirmar que eles não saibam o que é

uma função. São alunos de um curso de Pós-Graduação em Educação

Matemática e docentes de Matemática. O que vemos é que contextos distintos

oferecem produções de significado distintas. Nesse contexto, ser ou não uma

função não era importante para eles e sim avaliar se o gráfico representava ou

não uma função constante. E mais, elegeram uma autoridade para falar por

eles.

Notamos que a professora não fez intervenções quando os alunos

estavam reunidos em grupo, a não ser quando chamada. Se os alunos não

chamaram a professora é porque não sentiram necessidade. Nesse caso, uma

intervenção poderia causar embaraços entre os participantes, ou mesmo

persuadi-los a aceitar a idéia da professora. Os alunos tinham oportunidade de

validar e discutir as suas idéias com a professora quando iam ao quadro.

Destacamos as produções de significado que apareceram neste

episódio, pois muitas vezes no calor da aula, um professor pode não estar

85

atento e, simplesmente, dizer certo ou errado oferecendo um enunciado que

não requer uma ação do estudante:

• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;

• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e

imagem positivos;

• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.

Finalizando este episódio - As aparências enganam – vemos que o fator

autoridade deve ser levado em conta na sala de aula, pois tem um impacto

direto na produção Matemática escolar. Vimos que embora a solução

apresentada no livro de Ivo fosse correta, foi desconsiderada pelo simples fato

do livro pertencer a Ivo. A liderança conferida a Gustavo foi transferida para a

sua apostila e levou o grupo a produzir um significado para função sempre

crescente que é Matematicamente considerado incorreto. A intervenção da

professora foi sempre no sentido de levar os alunos a discutirem. Ao invés de

dizer que o gráfico sugerido por Gustavo não poderia representar uma Função,

ela perguntou se era gráfico de Função. O argumento das “regras do jogo”

implica que a legitimidade passa a ser função do grupo e não somente do

professor.

4.4 - Episódio II – O que se olha e o que se vê.

Este episódio foi composto por três partes: Parte I – Limite e

Continuidade Parte II – Ponto ou intervalo e Parte III – Formalismo versus

Praticidade. No episódio aparecem discussões sobre as tarefas das fichas 03 e

04 e apontamentos trazidos de uma entrevista realizada com os alunos Mirela

e Clóvis.

Realizar esta entrevista foi uma verdadeira odisséia. Por três vezes os

alunos não compareceram nos dias e horários marcados. Na primeira data

agendada, Mirela compareceu no final do horário dizendo que teve problemas

e perguntando por Clóvis. Dissemos que “problemas acontecem” e agendamos

86

uma nova data escolhida por eles. Um dia antes, recebemos um e-mail

desmarcando porque eles teriam uma prova naquela semana. De comum

acordo agendamos uma nova data e eles também não compareceram. Depois

disso decidimos realizar a entrevista “meio de surpresa” e assim fizemos. No

começo da entrevista eles estavam muito tensos e, aos poucos, após

perceberem que não estávamos avaliando o conhecimento Matemático e sim

esclarecendo alguns pontos que nos vídeos não ficaram claros, este problema

foi contornado. Acreditamos ser importante relatar tal fato, pois entrevistas a

posteriori podem ser muito difíceis de serem marcadas.

A ficha 03 foi aplicada juntamente com a ficha 02 e já detalhamos esta

aula no Episódio I. Na ficha 03 colocamos sem aviso prévio, questões sobre

continuidade de funções definidas em conjuntos numéricos reais, a fim de

investigar se usariam as idéias da Continuidade Natural ou Formal. Após

resolverem individualmente, os alunos divididos em dois grupos discutiram as

questões referentes à continuidade. Apareceram três argumentos sobre

Limite/Continuidade de Funções Reais e pontos cartesianos:

• A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do

ponto;

• A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança;

• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o

Limite da Função no intervalo que contém o ponto.

A ficha 04 foi desenvolvida em 08/03/2004 no laboratório de informática

onde estavam presentes a professora, a pesquisadora e nove alunos da turma.

A aula apresentou três partes: expositiva (35 minutos), atividade em grupos de

dois ou três alunos (40 minutos) e no quadro branco com o grupo todo (70

minutos). Após a exposição da professora, segundo suas próprias escolhas, os

alunos dividiram-se em três duplas e um trio. Cada grupo recebeu o enunciado

impresso, teve acesso aos computadores e ao material que trouxe de casa. As

duas filmadoras foram colocadas de frente para os alunos favorecendo o

registro de suas expressões. Na tarefa da ficha 04 duas personagens, João e

87

Beatriz, resolvem uma questão sobre limite de uma função polinomial real do

primeiro grau.

O aluno Gustavo, líder no primeiro episódio, não compareceu à aula e

Clóvis assumiu de vez a liderança. O poder do aluno considerado líder, assim

como no Episódio I, apareceu de modo muito claro. A discussão sobre as

resoluções das personagens, João e Beatriz, giraram em torno de que o João

analisa o limite num ponto e a Beatriz analisa num intervalo. Durante este

Episódio vimos como entendem alguns objetos matemáticos: ponto, intervalo,

epsilon e delta. Embora estivessem no laboratório de informática, nenhum

aluno utilizou o computador. Apareceram os argumentos:

• A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias

independentes;

• A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado;

• A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo.

Parte I – Limite e Continuidade

Esta parte do episódio II foi composta pelas discussões entre os alunos

Mirela e Clóvis quando envolvidos na tarefa das fichas 03, 04 e na entrevista.

A aluna Mirela após interromper um curso de Direito, fez Licenciaturas em

Química e Matemática e leciona Matemática no Ensino Médio.

Os alunos liam a tarefa e conversavam sobre as resoluções das

personagens João e Beatriz. As discussões eram sobre pontos, intervalos e

continuidade de funções. Aqui apareceu pela primeira vez a idéia de que o

Limite local de uma Função Real de uma Variável Real é em volta de um ponto

e aí não se olha o intervalo porque um ponto na reta real não tem vizinhança.

Para estes alunos, Limites de Funções em intervalos servem para analisar a

Continuidade de Funções. Apresentamos a ficha 04.

88

Ficha 04 - 08/04/2003

1- João e Beatriz são, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o

lim (4x -5) = 7 x→3 sendo f: R → R como aparece abaixo. Analise as resoluções abaixo e discuta as semelhanças ou diferenças das resoluções. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7

Resolução da Beatriz: Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε. Tabela 31– ficha 04 – episódio II

Mirela e Clóvis discutiam a tarefa: L30 - Mirela: Ele está analisando o quê? .....O limite à esquerda e o limite à direita..... [ela olha para o Clóvis e percebe que ele não concorda] L31 - Mirela: Ele está analisando o quê? No ponto quando x for igual a 3 [Clóvis não está concordando...] L32 - Mirela: Toma!!!! Por que você não escreve aqui? [Clóvis pega o caderno, cada um escreve no seu caderno e ele olha o que ela está escrevendo] L33 - Mirela: Vê o que eu entendi....A vantagem entre a Beatriz e o João é que ele analisa o limite no ponto e não no intervalo. [Clóvis acena que sim, mas está pensativo] L34 - Clóvis: Como ela está realmente querendo saber quando x está tendendo a 3... [Mirela pega o lápis e aponta fazendo movimento de vai e volta, mostrando o gráfico na folha e Clóvis olha para a resolução da Beatriz] L35 - Mirela: Quando ela faz aqui o limite é o mesmo. Quando ela faz aqui ....tá no meio....Ela não está analisando isso....

89

[ela faz um movimento com o lápis, mostrando uma linha reta paralela ao eixo horizontal na altura de f(3). Está dizendo que a Beatriz analisa no meio, num ponto do intervalo] L36 - Mirela: Eu acho que tá naquele caso..ela tá vendo um ponto [aponta com o dedo] L37 - Clóvis: Quando você fala em intervalo... [faz gesto com dois dedos da mão indicando uma pequena abertura] L38 - Clóvis: é o intervalo para continuidade... de intervalo para intervalo. Quando você fala em limite, você está vendo para aquele ponto específico. [aponta com o dedo indicando como se fosse um local só] L39 - Clóvis: Entendeu? Aí você vê que o limite está contido em volta daquele ponto e não no intervalo. Você está misturando continuidade só que não é continuidade....É limite. Calcule o limite. Você está entendendo?....Quando você fala de continuidade.... L40 - Clóvis: As desvantagens é que ele analisa aqui no caso...os pontos próximos L41 - Mirela: As desvantagens é que ela analisa os pontos à direita e à esquerda e ele não, só analisa um ponto e não verifica os intervalos. L42 - Clóvis: Analisa na direita e na esquerda..... [está pensativo e analisa a resolução da Beatriz] L43 – Mirela: Mas aqui ta bom? Você acha? [aponta para a resolução da Beatriz ] L44 - Clóvis: Eu não acho que esse é o problema....analisar limite num intervalo? Num intervalo? Eu acho que limite é num ponto...agora a continuidade é... L45 - Mirela: Ah! A continuidade isso... L46 - Clóvis: A função está definida num intervalo. Agora o limite tende para um ponto no específico. Agora se ele existir... [ fica apontando com o dedo indicador para o ar] L47 - Mirela: A única desvantagem que eu vejo é que ela não é precisa... L48 - Mirela: É mecânica...não tratando... L49 - Clóvis: Faz assim mesmo! [ele para de falar e fica pensativo] L50 - Mirela: Peraí...Aqui sim ele analisa os intervalos próximos de que ponto? Do ponto 3. Ele está vendo tudo. Todos os épsilons e todos os deltas, não é? [faz com a mão o gesto como se fosse um intervalo [ ] ] L51 - Mirela: Ele está vendo tudo. Se é continuidade, se não é contínua. Tabela 32– transcrição 09 – episódio II

As idéias de Clóvis sobre vizinhança de um ponto e intervalo que contém

um ponto (L39-40, L44 e L46) fizeram com que ele entendesse que “O Limite

está à direita e à esquerda” (A4). Mirela (L51) disse que quando a

personagem João olhava o gráfico estava visualizando tudo, inclusive se era ou

não Função Contínua porque ele olhava os intervalos (A6). Esta fala

corrobora com as idéias de Núñez sobre a Continuidade Natural. Abaixo,

90

transcrevemos um trecho da entrevista onde Mirela justificou a sua preferência

por análises gráficas.

L52 – Mirela: Tenho muita dificuldade em entender demonstração, então por uma questão de sobrevivência eu olho no gráfico. Tabela 33– transcrição 10 – episódio II

Esta idéia apareceu pela primeira vez nas respostas da 2ª questão da

ficha 03 em que a maioria esboçou gráficos para analisar a continuidade das

funções.

Ficha 03 – DATA: 01/04/03

2- Sejam: a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3 c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3 f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3 Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as respostas Tabela 34– transcrição 11 – episódio II

Somente Marta acertou totalmente a questão, porém foi voto vencido em

seu grupo que preferiu aderir à resposta de Clóvis. Quando os alunos

responderam a mesma questão em grupo, usaram a definição formal copiada

de livros para justificar que todas as funções são contínuas, sem discussões

específicas. O grupo de alunos liderados por Clóvis fez diferenças entre limite

no ponto (A4) e continuidade no intervalo (A6). Eles copiaram de um livro,

trazido por Clóvis, a explicação sobre Limite local de uma Função de uma

Variável Real.

91

Tabela 35– resposta sobre continuidade de funções – episódio II

O grupo seguindo as idéias apresentadas por Clóvis escreveu “no ponto”

e depois usando a definição com epsilon e delta escreveu que era no intervalo.

O argumento usado é que um ponto na reta real não tem vizinhanças (A5),

para calcular o limite basta verificar o valor da função naquele local e pronto.

Quando estes alunos queriam analisar a continuidade de funções, olhavam as

vizinhanças do ponto. Durante a entrevista Clóvis e Mirela continuaram

afirmando que “o Limite é no ponto (A4) e a Continuidade é no intervalo

(A6)”. Pedimos para que analisassem a Continuidade da função definida no

conjunto dos Reais:

0 se x < 0

F(x) =

1 se x ≥ 0

92

Os alunos desenharam o gráfico e, olhando para a figura, afirmaram que

a “função é contínua porque existe o limite à direita e à esquerda do ponto

zero”.

Tabela 36– gráfico de função descontínua – episódio II

Mirela olhou para o gráfico e respondeu que “não era contínuo”,

enquanto Clóvis dizia que não tinha certeza por causa dos Limites. Segundo

ele, o ponto (0,0) não pertencia à curva, mas a Função era contínua porque

existiam os limites à direita e à esquerda desse ponto. Pedimos para que

calculassem os limites e eles tentaram posicionar na figura os intervalos

contendo epsilon e delta, mas não conseguiram. Clóvis repetia sem parar que

“uma função é contínua se existe o limite da função para x tendendo ao ponto”.

Mirela mudou de opinião, olhou para o gráfico e falou “que, apesar de estranho,

achava que é contínua porque existe a continuidade no domínio”. Clóvis

permanecia calado e olhava para o gráfico.

L53 – Clóvis: Não sei não....existe o limite aqui [aponta para o ponto (0,0)] e existe aqui [aponta para o ponto (0,1)]. Tem que ser contínua. L54 – Mirela: Mas e isto aqui? [aponta para a interrupção do gráfico e está em dúvida sobre as palavras de Clóvis]. L55 – Clóvis: É isto aqui.... [está pensando alto sobre a pergunta de Mirela] Mas existe o limite. Eu não consigo lembrar a definição. Faz tempo que eu não vejo isso, já faz um ano..... Tabela 37– transcrição 12 – episódio II

Diante da impossibilidade dos alunos resolverem a questão, a

professora pediu que, em casa, pesquisassem em livros e depois trouxessem a

y 1

0 x Modelo do gráfico desenhado pelos alunos para a função F(x) dada acima.

93

resposta por escrito. Eles jamais trouxeram esta resposta, mas encontrando

com Mirela, ela disse que viu no livro e que eles cometeram um erro bobo.

Eles “caminhavam pela curva” e “passavam pelos pontos”. Mirela e

Clóvis passeavam pela curva e quando estavam próximos da abscissa 0

levantavam uma reta vertical e viam que a sua imagem era a ordenada 1.

Desse modo a descontinuidade não era considerada, pois se existia uma bola

aberta num local, no outro que correspondia ao caminho a seguir, existia

uma bola fechada. Neste caso, a Função era contínua porque não apresentava

“buracos” e “saltos” e existia o limite. O que está implícito é que eles entendem

“duas bolas abertas” como “salto ou buraco no gráfico” pois “as bolas

abertas” impossibilitam caminhar pela curva.

Finalizando esta parte do episódio, enfatizamos que os enunciados são

apropriados por aqueles que o lêem, isto é, ao ler que algo é contínuo quando

não apresenta buracos ou saltos. Quando pedimos para que provassem como

se fossem a personagem Beatriz, eles não conseguiram. Os professores, de

modo geral, utilizam uma “bola aberta” para indicar a ausência de um ponto.

Nesta pesquisa, os alunos entenderam uma “bola aberta” e outra fechada

como possibilidade de continuidade da função. Temos, outra vez, evidências

do mapeamento entre coisas físicas/materiais e Matemáticas. Os alunos

entendem que função contínua é a que não tem buracos, mas esse olhar está

para uma trajetória unidimensional. Ao mapearem algumas inferências para o

domínio Matemático, inferem que um buraco na função seria a falta de um

ponto na imagem para um local do domínio, mas, como na tarefa todas as

ordenadas existem, então a função é contínua.

Parte II – Ponto ou intervalo

No dia 08/03/2004 após discutirem com seus pares, os alunos pararam

para o café e quando voltaram foram ao quadro responder as questões da ficha

04. No trecho abaixo aparece a aluna Mirela mandando o colega Roberto traçar

retas paralelas ao eixo Ox para analisar a trajetória da curva. Roberto é

licenciado em Matemática e leciona Matemática para o Ensino Médio.

94

Quando traçavam retas paralelas ao eixo Ox, os alunos “passeavam

sobre os pontos do domínio independentemente dos pontos da imagem” como

quem percorre trajetórias independentes. Escrevemos o argumento: A7 - O

domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias independentes.

L56 - Mirela: Traça uma reta paralela a x [o Roberto que já resolvia a questão no quadro desenha o que ela pede]

L57 - Mirela: Pra relacionar com... Só paralela... L58 - Professora: Relaciona ou não relaciono? [a professora está querendo saber se o esboço relaciona domínio e imagem] L59 - Mirela: O seu segmento de reta... intervalo quem é ? Então são esses os pontos que contém o seu limite. [Marta vai à lousa com ares de quem sabe que está certa e escreve 3 e 7 dizendo que 7é f(x)]

[Ela não recebe a adesão do grupo e volta para o seu lugar sem falar mais nada] L60 - Professora: Mas o intervalo tá ligado onde? L61 - Mirela: Então, quando você coloca o segmento, não retas fechadas, você vai pegar o que? Todo o seu intervalo, os dois vão estar contidos aqui dentro. -- -- -- -- -- -- - -- -- -- -- --- - -- -- -- L62 - Professora: Aposto que você tá fazendo isso, não tá relacionando tudo, como é que você quer que relacione? L63 - Mirela: Não é que eu não quero, o que eu entendi, que vai só me interessar isso daqui, isso, e isso. [ela aponta para os intervalos que desenhou] Tabela 38– transcrição 13 – episódio II

95

Marta foi ao quadro e localizou (3,7) relacionando com (x,f(x)), mas não

recebeu a adesão do restante da sala. O que corrobora com as idéias de que

“o ponto (x,f(x)) é um ponto isolado (A8)”. Em (L58) vimos que a professora

interviu forçando o encaminhamento da discussão no sentido de provocar um

olhar bidimensional para o gráfico. Mirela olhou para o gráfico e viu os eixos

coordenados de modo unidimensional e não bidimensional.

Tabela 39 – análise da transcrição – episódio II

Marta em (L59) levantou, foi ao quadro e escreveu 3 no eixo x e 7 no

eixo y, dizendo que 7 é igual a f(x). Apesar de correta, ninguém aderiu à sua

resposta e ela desistiu.

Marta é Licenciada em Química e quase sempre ficava muito calada

durante as aulas. Até este momento o grupo não lhe considerava como líder e

é por isso que a sua idéia não recebeu a adesão do grupo. Após o primeiro

instrumento escrito de avaliação, a professora revelou para a classe que Marta

tirou nota dez e isto fez com que a classe passasse a considerá-la como líder.

A aula continuava.

L64 – Mirela: É o Épsilon, é esse aqui não é ? e Esse aqui é o meu Delta. Deixa eu ver se consigo fazer... L65 - Professora - O Épsilon é esse ponto aqui? [aponta para o número sete] L66 – Mirela: Não, é todos que estão compreendidos da imagem 7 até 3.

L67 – Professora: Peraí, 7 até 3, vamos fazer uma coisa, vamos dar nomes... 7 a 3 é aqui...que você tá falando eu não tô entendendo o que você tá falando.

Eixos coodenados Mirela olhou e viu unidimensionais e independentes y y x x

96

L68 – Mirela: Eu não sei quais são os pontos que ligou essa reta, tá? Nós não vimos, nós estudamos que quando o limite for 3, y vai ser o que ? Igual a 7. [aponta o sete] L69 – Professora: Qual a função que foi dada, só um minuto, tem a função aí... 4x - 5. L70 – Mirela: Limite 4x - 5 com x tendendo a 3. [escreve na lousa] L71 - Professora - Peraí, não. Põe lá 4x - 5, sabendo agora que essa reta é 4x - 5 dá pra você saber aqueles pontos todos, tá , e aí...que é o Épsilon e quem é o Delta. Por que você falou que a Beatriz tem mais vantagens porque ela fez para todos os Épsilons. E a minha pergunta é: o Épsilon é um valor, o Épsilon é um intervalo, eu não entendi ainda. L72 - Mirela: É um intervalo. L73 - Professora: Então se o Épsilon é um intervalo como é que eu calculo um valor de Épsilon e o de Delta? L74 - Mirela: Boa pergunta. Tabela 40 – transcrição 14 – episódio II

Observamos que para eles δ e ε são intervalos. Na próxima transcrição

o texto “dado ε tão pequeno quanto se queira” foi dito pelo aluno Roberto que

fez um gesto, simultâneo, com o polegar e o indicador se aproximando,

indicando um intervalo de variação. Pareceu-nos, portanto, que ε era

identificado como este intervalo de variação sem conexão com a curva dada.

Assim o ponto (3 - δ, 7- ε) era visto como um intervalo e desvinculado da curva.

Formulamos o argumento: Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo

(A9). Vamos à transcrição:

L75 - Professora: Vamos fazer uma coisa. Onde é que está o ÉPSILON nessa história toda? L76 - Roberto: Nesse ponto aqui sete mais Epsilon. Aqui o ponto três, aqui vai ser três mais Delta, três menos Delta, aqui vai ser sete, aqui sete mais Épsilon, sete menos Épsilon. [Roberto não desenha o gráfico da função. Coloca na lousa o esquema abaixo. Faz um gesto com os dedos polegar e indicador para significar algo bem pequeno ]

L77 - Professora: Agora minha pergunta, sete mais Épsilon tem alguma coisa a ver com três mais Delta ou três menos Delta? Como? Desenha a função também, se não eu fico perdida. [Ele apaga o esquema que já desenhou e desenha outro, escrevendo Epsilon nos dois eixos].

97

Tabela 41 – transcrição 15 – episódio II

A professora fez uma intervenção “desmontando” o plano cartesiano e

desenhando os dois eixos reais como se fossem duas retas paralelas

dependentes. Explicou que o enunciado diz “dado ε maior que zero preciso

encontrar um δ que depende deste ε” e continuou a explicação sobre a

definição de limite. Vemos que o movimento dos dedos se aproximando e se

afastando (L37, L50, L76), pode deixar a informação de que o epsilon é um

intervalo, já que os gestos são os mesmos usados para representar intervalos.

Aqui nossa análise se apoiou novamente nos mapeamentos. Podemos

entender que ao ler “ε é tão pequeno quanto se queira” e fazer gesto de

aproximação dos dedos, o aluno levou o mesmo tipo de inferência que faz

entre um segmento e a sua medida. Exemplificando, ao somarmos dois

segmentos de medidas 2 cm e 3cm, respectivamente, usamos um processo

análogo à soma de dois números, que representa a quantidade de 2 coleções,

2+3. O resultado 5 cm é uma medida obtida do mesmo modo que o resultado 5

que é uma quantidade. Assim uma medida pode ser entendida como

quantidade. Um ε tão pequeno pode ser entendido como um segmento bem

pequeno. Por sua vez, um intervalo que é um subconjunto de números reais é

entendido como um segmento na reta.

Vemos aqui que os mapeamentos conceituais são bastante complexos,

uma idéia não é entendida diretamente através de outra, mas sim resultando

de várias inferências que são mapeadas entre os diferentes domínios para

surgir um conceito. Aqui ε foi entendido como um intervalo já que um número

98

pode ser entendido como uma medida. Novamente acreditamos que o

professor atento a este fato pode explicitar as diferenças. Além disso, deve

estar atento que quando fala ou escreve algo, o aluno ao se apropriar deste

enunciado faz seus próprios mapeamentos. E aqui as teorias da corporeidade

e da argumentação se articulam para auxiliar a prática do professor.

Tabela 42 – exemplo de mapeamento – episódio II

Mapeamos a inferência sobre os segmentos e não somente a medida do segmento Relacionamos toda a inferência que fazemos sobre os segmentos com a operação aritmética da adição e os valores numéricos.

2 3

5

2 3 5

99

Parte III – Formalismo versus Praticidade

Nesta última parte desse episódio II, apareceram as idéias dos alunos

sobre as demonstrações algébricas e a visualização gráfica. Destacamos as

discussões envolvendo a ficha 04 e alguns depoimentos feitos na entrevista.

Mirela e Clóvis discutiam sobre as vantagens e desvantagens das resoluções

das personagens João e Beatriz.

L78 - Mirela: Qual que é a vantagem do João....ela é direta....Ela é direta, possui uma visualização L79- Clóvis: facilidade de visualização......mais direta...prática, mais prática né? ..........É mais prática, tem um processo mais prático... [ Mirela escreve ] L80 – Clóvis: é mais prática e possibilita porque além de ser prática possibilita...porque é só substituir o x... [Clóvis fica nervoso e coloca a caneta na boca fazendo rodopios como se quisesse morder a caneta] L81 - Clóvis: Ele tem um caso mais particular e aqui ela tem uma forma mais geral L82 - Clóvis: É a idéia dela serve pra tudo. L83 - Clóvis: O conceito de limite está bem mais claro, o limite aqui sabe...uma coisa mecânica... [aponta para a resolução gráfica] L84 - Clóvis: Sabe quando você tem uma equação do 2ºgrau para resolver quando resolve uma equação.... L85 - Mirela: A resolução é mais mecânica... L86 - Clóvis: É isso, é mais mecânica, você entendeu? Ele resolve, mas só que...como se encontrasse as raízes do 2ºgrau e pronto... [Mirela escreve e Clóvis olha] L87 - Clóvis: Porém a desvantagem dela é que a resolução é mais trabalhosa L88 - Mirela: A resolução é trabalhosa, mas mais precisa né? L89 - Clóvis: Ela resolve de uma forma mais conceitual. Não é mais conceitual? L90 - Mirela: Eu acho que é mais precisa. [Clóvis acena com a cabeça...está em dúvida] L91 - Clóvis: Ela não pede nada de continuidade aí. Pra ver se é contínua ou não. O que eu entendi é o seguinte: é que ele resolve de uma forma mais mecânica e ela resolve também de uma forma precisa, mas é conceitual, ou seja, ela entendeu o que é o conceito de limite, de repente João fez isso aqui tudo sem entender o conceito de limite. [Mirela não concorda e fala irritada] L92 - Mirela: Aqui também ela pode ter feito tudo e não entender o conceito de limite L93 - Clóvis: Ah! Não. Se ela resolveu usando épsilon, delta e tal...quer dizer que ela entendeu o conceito, que ta no intervalo [faz gesto com a mão]

100

L94- Mirela: Eu acho que não. Eu acho que muitas vezes você faz conta e não visualiza nada... eu acho que aqui enxergando graficamente...eu acho que está mais preciso, o seu conceito é mais preciso L95 - Mirela: Ah! Mas não é assim...esse conceito ele analisa limite num ponto e aqui não, é no intervalo. [Clóvis faz cara de riso] L96 - Clóvis: Eu acho que ela analisa mais conceitual. Tudo ela analisa mais conceitual, mais precisa. Não posso falar pra você, o que você não acha! L97 - Clóvis: Coloca...é mais precisa, mais conceitual porque envolve o conceito de limite L98 - Mirela: Ela usa o conceito mais preciso, sobre limite né? L99 - Clóvis: Isso! Vamos deixar assim.... [faz uma cara de que tanto faz L100 - Mirela: Não é, é que você tem uma visão e eu tenho outra. Eu acho isso mais prático, não é? [Clóvis ri com cara de quem não concorda] L101 - Mirela: Ou é ou não é!!!! Eu já acho que assim é mais prático e você fica pensando mais no limite. Tabela 43 – transcrição 16 – episódio II

Vimos que Clóvis não gostou da idéia de aceitar a resolução de João

como vantajosa neste caso. Isto pôde ser observado por suas ações corporais

tais como “fazer rodopios com a caneta no canto da boca”. Ele mastigava e

rodava a caneta, freneticamente, por muitos minutos sem dizer nada. Depois

começou a construir uma defesa para a sua tese: Beatriz é melhor (L86-89) e

afirmou que a resolução de Beatriz era trabalhosa (L89). Não podemos

afirmar que trabalhosa corresponda a “difícil de entender” , mas o exemplo

sobre a resolução de equação do 2º grau (L84) parece indicar isso. Notemos

que apesar da fórmula da resolução da equação do 2ºgrau também ser

trabalhosa, já está automatizada para ele e para os professores em geral, ou

seja está incorporada.

Mirela (L72 e L94) chamou a atenção que usar ε, δ e dar certo nem

sempre é sinônimo de entender. É como se explicitasse como é usar uma

fórmula qualquer, substituindo valores e chegando ao resultado sem entender o

que é a fórmula. Clóvis continuou a sua defesa para “Beatriz é melhor”, não

ligou para o que Mirela disse e afirmou que olhar o gráfico é fazer

mecanicamente, sem entender, e que ao usar ε e δ a pessoa estaria

entendendo (L88). Este é um exemplo de “dizer sem dizer”, o que está implícito

101

é que a sua visão positivista de formalismo é superior ao gráfico. Por não

encontrar um argumento sustentável Clóvis abandona a discussão (L99) e

Mirela reforçou que ambos têm visões distintas sobre o problema (L100).

A próxima transcrição é de uma cena que aconteceu após o café quando

os alunos foram ao quadro comentar as suas resoluções. Aparece a aluna

Elisa que é licenciada em Matemática e leciona no Ensino Fundamental.

L102- Elisa: Nós achamos que a melhor é do João...é a mais vantajosa por causa da visualização, mas a desvantagem é que é num ponto. A Beatriz é desvantagem, é mais complicado, mas a vantagem é porque analisa o intervalo. Agora a Beatriz ela já pega o intervalo né? O Épsilon maior que zero e o Delta...esse intervalo que a gente viu, eu não saberia explicar né... [Ela olha para a classe e pede ajuda] L103 - Professora: Alguém pode ajudar? .... Coitadinha!!!!!!!!!! L104 - Elisa: É, me ajudem! [Mirela começa falar ao fundo e a professora percebe] L105 - Professora: O que quer dizer a definição de limite que a Beatriz usa? Vai lá na frente. L106 - Mirela: Eu tô entendendo o seguinte: quando ele analisa quando x = 3 pondo o limite, ele achou o ponto 7, ele achou a imagem dele que y = 7.

Pra mim, isso aqui foi mecânico. Ele não tinha bem o que era conceito de limite, pelos exercícios que nós fizemos nas aulas passadas. [A aula passada foi sobre as fichas 02 e 03 que estão no anexo I]. L107 - Mirela: Já no caso de Beatriz ela já tem o conceito bem mais formado, ela analisa traçando a reta aqui, ela analisa todos os intervalos por onde corta os Épsilons à direita e à esquerda do ponto 3.

Tabela 44 – transcrição 17 – episódio II

Elisa (L102) respondeu a questão do mesmo modo que Clóvis e ficamos

sabendo depois, que durante o café os alunos conversaram sobre as

respostas. Para Mirela, olhar no gráfico era mais prático (L78 e L101), mas

quando foi ao quadro disse que olhar no gráfico era mecânico. Vimos que

102

Mirela argumentou com Clóvis que só porque o João responde a questão

olhando no gráfico, não quer dizer que ele não saiba o que é limite. Segundo

ela, a Beatriz pode ter solucionado através de uma demonstração teórica, mas

não sabe o que significa analisar o limite. Porém, assim como o restante da

turma, durante o café resolveu aceitar as idéias do Clóvis. As idéias que Elisa e

Mirela expuseram no quadro foram as idéias do Clóvis. Elisa expôs, mas não

soube explicar. Mirela explicou porque participou da discussão com Clóvis.

Vimos que o poder de autoridade da maioria fez com que Mirela

aceiteasse as idéias de Clóvis e resolvesse defendê-las no quadro. Quando

entrevistada, continuou afirmando que “olhar no gráfico é mais prático” e que

aprendeu olhar no gráfico por uma questão de sobrevivência. Vamos à

transcrição desse trecho da entrevista.

L108 - Mirela: Sabe o que que é, eu pra Cálculo, pra fórmula, pra Cálculo eu tenho muita dificuldade. L109 - professora: Então, mas sabe de uma coisa, eu adoro justamente tudo que você fala. Você tem as dificuldades que todo mundo tem. [Mirela ri, alegremente, como se tivesse recebido um elogio] L110 - Mirela: Como eu não tenho a formação que o Clóvis tem, ele sabe muito mais coisas do que eu, eu nunca aprendi demonstração de nada..... [ela ri] Tabela 45 – transcrição 18 – episódio II

Novamente o poder de autoridade apareceU muito forte. Ao dizer para

Mirela (L109) que adorava tudo o que ela falava, a professora autorizou Mirela

a dizer tudo que pensava. Ela confiou na fala da professora e a partir desse

momento a entrevista transcorreu sem dificuldades. Em seguida (L110) vimos

que Mirela considerava Clóvis como líder por causa da formação que ele

possui. A liderança de Clóvis começou a ser conquistada no episódio anterior

e, assim como Mirela, o restante da sala também o considerava como líder.

Nenhum aluno percebeu que a resolução de Beatriz não estava correta. O

formalismo algébrico era considerado, por estes alunos, como sinônimo de

perfeição. Vimos que Elisa (L54) falou em pontos, intervalos, epsilon e delta,

mas não conseguiu explicá-los.

103

Ainda, pelas falas (L106), vimos que um ponto da curva era um ponto no

plano cartesiano, isto é, representado por (x, y) onde x era abscissa e y era

ordenada. O significado produzido para a resolução de João foi “3 é o x,

abscissa, e 7 o y, a ordenada e no gráfico da função podemos marcar o ponto

(3,7)”. Apareceu o argumento Um ponto sobre a curva é um ponto isolado

(A8). O ponto sobre a curva foi visto como se não pertencesse a ela, isto é,

como se o plano cartesiano contivesse pontos e a curva era colocada no plano,

assim o ponto era do plano e não da curva.

Podemos olhar para este argumento pensando no plano como uma

“mesa” e um segmento de reta como uma “caneta” sobre uma folha de papel

na mesa.

uma caneta sobre a mesa “plano e segmento de reta”

Tabela 46 – a caneta e a mesa – episódio II

Podemos marcar o contorno da caneta e se retirarmos a folha e a

caneta, ainda teremos os pontos do contorno. As inferências de um domínio

material para um domínio lingüístico, abstrato, como a Matemática, levam o

aluno a entender o ponto de uma curva f não como (x,f(x)), mas como (x,y)

onde por acaso y=f(x). A curva f está lá no plano cartesiano, assim como a

caneta está no papel, os pares ordenados (x,y) de cada ponto, estão e ficarão

lá assim como os pontos do contorno da caneta, mesmo que retiremos a curva

f do plano ou a caneta do papel.

A seguir, o esquema argumentativo deste episódio.

104

Esquema argumentativo - EPISÓDIO II - O que se olha e o que se vê

L73 L88 L54 L61 A8 L28 L34 A7 L33 A9 A4 A5

A4 A6 L53

A8 A9 A7 L49 L48 Tabela 47 – o esquema argumentativo do episódio II

Parte I – Limite e Continuidade

Parte II – Ponto ou Intervalo

Parte III – Formalismo versus Praticidade

Tarefa 04 – João e Beatriz M I R E L A

C L Ó V I S

Limite é no ponto

continuidade é no intervalo A6 - L33

Ponto na reta real não tem vizinhança

Tarefa - 03

autoridade

Limite é no ponto

Continuidade é no intervalo

5

entrevista

0 se x < 0 F(x) = 1 se x ≥ 0

Mirela: não é contínua

Clóvis: f é contínua

Mirela: (3,7) não pertence à curva

Marta: (3,f(3)) pertence à curva

Domínio e imagem têm trajetórias independentes

ε e δ são interva- los- L67

6

Relaciono ou não relaciono?

Mirela: (3,7) não pertence à curva

ε e δ são interva- los

Domínio e imagem têm trajetórias independentes

7

entrevista

Mirela: João é prático e serve pra tudo

Clóvis: Beatriz é melhor

Autoridade da maioria

Mirela: Beatriz é a melhor -L102

8

entrevista

Mirela: olhar no gráfico é questão de sobrevivên cia

Clóvis: tem dificul- dade em olhar no gráfico

LEGENDA Intervenção da professora A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do ponto; A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança; A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o Limite da Função no intervalo que contém o ponto; A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias independentes A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado; A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo

Mirela: ε e δ são números reais

autoridade

F é contínua

105

Capítulo 5 As considerações finais

106

Nessa pesquisa objetivamos olhar a dinâmica do processo da produção

de significado para a Continuidade de Funções de uma variável Real. Em

especial escolhemos alunos/professores, de um curso de Pós-Graduação em

Educação Matemática, pois acreditamos que a maneira como o professor

conduz a sua aula está intimamente ligada às crenças que ele já possui sobre

os conteúdos Matemáticos com os quais trabalha. Vimos que o professor, o

aluno e suas idéias são os elementos principais da dinâmica do processo de

ensino e aprendizagem. Elaboramos uma síntese com os principais resultados

encontrados nesse estudo.

A apropriação do texto

Segundo o aporte teórico escolhido “o que é dito por outro, falado ou

escrito, sofre o processo de passar de enunciado para enunciação”, este ponto

é tocado pelas três teorias, a da Corporeidade Cognitiva, a da Estratégia

Argumentativa e o Modelo Teórico dos Campos Semânticos.

Nesta pesquisa vimos que o enunciado é sempre entendido pelo leitor

do modo que lê e não obrigatoriamente do mesmo modo como foi escrito e isto

veio reforçar o que diz a teoria.

Por exemplo, na Parte I do Episódio I vimos que o aluno Gustavo leu

silenciosamente a definição que aparecia em sua apostila e ao explicá-la para

o grupo (p.74) evidenciou as escolhas que havia feito após a leitura silenciosa.

Não pudemos afirmar, que um aluno como ele, professor de Matemática há

alguns anos, não soubesse o significado da palavra “sempre”. A única coisa

que pudemos afirmar é que ele, talvez de modo inconsciente, se apropriou da

parte do texto que dizia “sempre crescente” como sendo “crescente”. O modo

como se apropriou do texto fez com que ele entendesse função sempre

crescente como sendo função crescente.

107

O que vimos no decorrer dos encontros é que estes alunos leram o que

quiseram ler e não o que pretendíamos que lessem quando formulamos o

enunciado.

O argumento e o poder da autoridade

Vimos na p.75 que os alunos do grupo do Gustavo apoiaram a idéia dele

sobre função sempre crescente mesmo não sendo matematicamente correta.

O que vimos, quando assistimos a filmagem da discussão em grupo, foi que os

alunos leram o enunciado e, o tempo todo, eles ficaram atentos à fala do

Gustavo e, ainda mais, mesmo quando Ivo mostrou a definição que encontrou

no seu livro, não foi levado em consideração pelo grupo.

O poder da liderança de Gustavo residiu no fato de que ele era professor de

um curso preparatório para vestibulares. Essa liderança foi tão respeitada pelo

grupo que eles preferiram adotar a definição do Gustavo em detrimento da

definição que aparecia no livro de Ivo, sem ler o que estava na apostila.

Notemos que a definição “quando x aumenta, o y aumenta” que foi lida por Ivo,

faria com que o grupo talvez produzisse outro significado para o texto e,

possivelmente, seria considerado matematicamente correto.

Em outro momento, na Parte II do Episódio I (p.80), todos os fatos nos

levaram a concluir que Gustavo produziu como significado que passar em dois

quadrantes era passar em quadrantes adjacentes e isto fez com que ele

desenhasse uma reta vertical como exemplo de uma função que passe em dois

quadrantes. Seria ingenuidade de nossa parte, admitir que ele e todos os

alunos do seu grupo, não soubessem reconhecer o gráfico de uma função. O

que vimos foi que ao ler o enunciado da tarefa, Gustavo foi levado a pensar em

um gráfico que passava em dois quadrantes adjacentes e não no fato de ser ou

não o gráfico de uma função. O fato de ser considerado líder pelo grupo, fez

com que os alunos também não questionassem se era ou não o gráfico de uma

função. Tivemos evidências fortes nesse sentido, pois vimos na filmagem que o

grupo ficou discutindo se o gráfico representava ou não uma função constante

e quando a professora perguntou se aquela reta vertical representava o gráfico

de uma função, Elias respondeu que “não era uma função constante” (p.83).

108

No Episódio II vimos que o aluno Clóvis, após ter justificado porque a

reta vertical não representava o gráfico de uma função, assumiu, totalmente, a

liderança da classe. Durante a entrevista a aluna Mirela justificou que as idéias

dele deveriam ser respeitadas, pois ele estudou mais Matemática do que os

outros. Quando ela olhou para o gráfico da p. 92, respondeu de imediato que

não representava uma função contínua, porém, após a intervenção de Clóvis,

ela não conseguiu, mesmo estando correta, sustentar os seus argumentos.

Estes são exemplos de que a autoridade de um aluno sobre um grupo

age de modo decisivo no processo da produção de significado pelos alunos do

grupo. Acreditamos que o poder da autoridade, tanto de alunos como do

professor, deve ser levado em consideração pelos professores durante as

aulas, pois tem um impacto direto na produção Matemática escolar.

Neste trabalho, vimos como as intervenções da professora, sempre

buscando gerar controvérsia, discussão, forçavam os alunos a discutirem na

direção que ela desejava e conseguindo algumas vezes, diminuir o poder de

autoridade ao confrontar as idéias dos alunos líderes.

Os objetos Matemáticos e a produção de significados para os mesmos

De acordo com o quadro teórico, os objetos Matemáticos se constituem

através da fala do sujeito. Em nossa análise, encontramos argumentos que

apresentaram os objetos matemáticos e a produção de significados para os

mesmos, seja de modo escrito, falado ou gestual e aceitos pelo grupo de

alunos.

• A1 - Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita.

Para estes alunos crescimento está ligado ao movimento de ir para cima

e para a direita. Aqui lembramos que a experiência vivida pelos alunos é a de

que o crescimento, de uma planta ou de um ser humano, é entendido como

algo que sobe. Ao medirmos o crescimento de uma criança, fazendo marcas na

109

parede, dizemos que esta criança cresceu se a marca mais atual estiver mais

acima que a anterior. Além disso, crescer é uma ação reconhecida como

positiva, por exemplo, ao falarmos:

a. Fulano cresceu muito nos últimos anos, ele estudou toda a

teoria, etc...

b. Fulano, apesar de estudar toda a teoria, continua na

mesma.

Em 2 somos levados a uma imagem negativa do fulano, em 1, ao

contrário, a imagem é positiva. E positivo é sempre entendido como algo para a

direita, pois para a esquerda é negativo. Deste modo, independentemente da

definição Matemática para crescimento de funções, os alunos seguiram a

noção de crescimento, corporificada em vista de suas experiências cotidianas.

• A2 - Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio

e imagem positivos.

Novamente a idéia de ser positivo implica em estar num ambiente que

seja positivo e, nesse caso, como o ambiente era o plano cartesiano, para ser

positiva uma Função deveria ser representada somente no primeiro quadrante.

Uma função crescente no segundo quadrante não apareceu nas respostas,

nem nas argumentações. Houve uma combinação de pelo menos duas

informações já vivenciadas pelos alunos: 1) o primeiro quadrante é positivo e 2)

os valores do conjunto de domínio e do conjunto de imagem são positivos no

primeiro quadrante. O argumento acima é o resultado da relação entre as duas

informações.

Até aqui o que vemos vem novamente ao encontro da teoria adotada, a

produção de significados para Matemática, na sala de aula, se dá do mesmo

modo que a produção do cotidiano, isto é, utilizando o linguajar do dia-a-dia.

Uma vez que as definições formais da Matemática, praticamente, não entraram

em cena na hora em que estes alunos resolviam e justificavam as questões

sobre Função.

110

• A3 - O limite de uma função existe quando podemos calcular

seus valores a esquerda e a direita do ponto desejado,

independente deste valor ser único.

Para estes alunos, calcular o Limite de uma função era fazer uma

investigação numérica à direita e à esquerda de um ponto dado. Durante a

entrevista, vimos que não questionaram a unicidade dos resultados

encontrados. Eles calculavam os Limites laterais e consideravam como

resultado satisfatório, a simples existência dos Limites, sem questionar a

unicidade dos mesmos. NUNES (2001) também apontou problemas em relação

à unicidade do Limite em sua investigação.

Uma explicação provável é de que o enunciado que vemos nos livros de

Matemática, como deste livro, por exemplo, que escolhemos por ser um dos

mais usados por nossos sujeitos:

Tabela 48 – A unicidade do limite. (GUIDORIZZI, 1987, p.9)

Foi lido e, novamente, eles se apropriaram apenas de uma das partes. Além

disso, no cotidiano, quando vamos a um prédio tanto faz chegar nele vindo por

um lado ou por outro e mais, o prédio é sempre o mesmo e existe.

• A4 - Um ponto na reta real não tem vizinhança e/ou

• A5 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado

Em nossa análise vimos que muitos alunos vêem os números na reta

de modo discreto, isolado. Clóvis ( L46, p. 89) erguia o dedo indicador,

111

apontava no ar para um local e dizia que o limite era calculado somente no

ponto.

Um ponto sobre a curva foi visto de modo independente de sua

relação com a curva. O par ordenado (3,7) não foi entendido como (3, f(3)).

Parecia que a curva existia mesmo sem os pontos que a originaram.

Aqui temos um exemplo de que a metáfora, Números são pontos

sobre a reta, levou a um mapeamento diferente para esses alunos, ou seja, o

fato dos pontos serem entendidos como números permitiu esta discretização e

isolamento.

• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar

o Limite da Função no intervalo que contém o ponto

Vimos no argumento anterior que para estes alunos, a vizinhança de um

ponto e os intervalos numéricos, eram coisas diferentes. Quando falavam em

intervalo numéricos estavam querendo dizer “vários pontos”. Para estes alunos,

analisar Continuidade Local da Função, implicava em analisar o

comportamento da Função em vários pontos, para ter uma visão se a mesma

era ou não Contínua.

A idéia natural de continuidade não comporta a idéia de continuidade

num ponto. Dizer que Função Contínua é aquela que não tem saltos ou

buracos, pode trazer a necessidade de olhar o gráfico como um todo e não

apenas num ponto. E novamente, no enunciado “verificar se f(x) é contínua em

a”, este a assume um domínio que engloba a abscissa a e não se restringe a

ela.

• A7 - O domínio e a imagem de uma função percorrem

trajetórias independentes

Vimos que o hábito de traçar retas paralelas ao eixo Ox para verificar se

o gráfico representava ou não uma função, levou os alunos à “passearem

sobre os pontos do domínio independentemente dos pontos da imagem” como

se percorressem trajetórias independentes.

112

• A8 – epsilon e delta são intervalos numéricos

Como vimos, na Parte II do Episódio II, os alunos entendiam epsilon e

delta como sendo intervalos numéricos. Os números epsilon e delta eram

entendidos como medida de segmentos e identificados como um intervalo

numérico. O gesto do professor de aproximar os dedos para dizer epsilon tão

pequeno quanto se queira pode contribuir para tal.

O ambiente e possíveis mudanças

Tendo em vista que a aula privilegiou um ambiente propício às

discussões, defesas e justificações das afirmações dos alunos, provocando

negociações entre os participantes, pudemos verificar algumas mudanças

durante e depois das aulas. Apresentamos três exemplos dessas mudanças:

• O caso da noção de função crescente e positiva que foi sendo

modificado após várias negociações.

• O caso do epsilon onde a professora em aula, explicitou a

confusão que poderia vir, a partir da medição, do instrumento de

medida e do valor da medida, pode ter forçado uma nova

produção de significados, pois quase um ano depois na

entrevista, vimos que epsilon e delta eram entendidos como

números reais.

• A utilização, pela professora, de eixos horizontais paralelos e

depois a coordenação em eixos cartesianos, também ofereceu

um novo enunciado, pois na entrevista acima citada, os alunos

relacionaram o valor de delta com o valor de epsilon.

As considerações finais

Muito ainda temos para caminhar, o conceito de Continuidade pode ser

abordado de outros modos e um, complementar o outro. O papel da tecnologia

113

neste cenário deve ser mais investigado. A teoria da cognição Corporificada,

embora utilizada no Brasil até o momento por Bolite Frant, ganhou espaço em

2003 e 2004 nos congressos internacionais tais como CERME e PME. Estes

trabalhos não foram aqui inseridos, dado que nosso contato com os mesmos

se deu apenas no início de agosto de 2004.

Aprendemos muito com a pesquisa. Analisar o conteúdo das

argumentações dos alunos e, a cada aula, elaborar novas tarefas para que

gerassem controvérsias, possibilitou envolvê-los de modo que quisessem

resolver as tarefas e, mais do que isso, validar as suas idéias.

O que esperamos com esta pesquisa é mostrar aos professores de

Matemática, que um olhar atento destes professores, que leve em

consideração noções que possam estar impregnadas e/ou corporificadas no

aluno, pode provocar modificações nas suas produções de significados para os

conteúdos Matemáticos. Sabemos, entretanto, que cada leitor fará sua própria

leitura e estaremos sempre a disposição para continuar a conversa aqui

iniciada.

114

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126

Anexo I

127

Ficha 02 - DATA: 01/04/03

1- O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine:

a) O domínio da função. Justifique. b) O conjunto-imagem da função. Justifique. c) Os valores de w(-1), w(0) e w(3). Justifique. d) Em qual intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual intervalo(s) w é constante? Justifique.

g) Existe w(-50)? Qual seria o seu “palpite” para este valor? Justifique.

h) O que significa, para você, y no eixo vertical do gráfico apresentado? Justifique.

i) O que significa, para você, um intervalo da reta real. Exemplifique.

j) O que significa, para você, uma função matemática?

l) Quantas maneiras diferentes você conhece para representar uma função matemática? Quais são elas?

m) Escreva a fórmula algébrica da função w. Justifique.

128

Ficha - 03 – DATA: 01/04/03

1- Um professor de Matemática, da 8ªsérie do Ensino Fundamental, pediu aos seus

alunos que fizessem um estudo da variação da temperatura à sombra, e medissem de hora em hora. Entre todos os trabalhos apresentados, o professor destacou o trabalho de Clara. A tabela abaixo apresenta o resultado das medições em 25/07/2002.

Hora 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Temperatura 7° 6° 5º 4º 3° 2° 2° 3° 5° 7° 12° 15° Hora 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Temperatura 18° 18° 20° 20° 20° 18° 15° 13° 11° 9° 8° 7° a) Quais as grandezas que estão sendo medidas? b) Podemos afirmar que a hora está em função da temperatura? Justifique. c) Podemos afirmar que a temperatura está em função da hora? Justifique. d) Se esta relação caracterizar uma função, podemos explicitar a sua fórmula

algébrica? Justifique.

2- Sejam:

a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3 c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3

f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3

Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as respostas.

a)

b)

c)

d)

129

e)

f)

3- Escreva o que significa, para você, uma função ser contínua. Comente as dificuldades encontradas na questão anterior.

130

Ficha 04 - DATA: 08/04/2003

1-João e Beatriz, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o Lim (4x -5) = 7 x→3 como segue abaixo: Analise as resoluções abaixo e discuta as semelhanças ou diferenças. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7

Resolução da Beatriz:

Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε.

131

3 se x ≥ 2 2- Dada a função f(x) = - 1 se x < 2 analise a continuidade da função em seu domínio.

F é definida nos reais Resolução do João: olhando no gráfico, verificamos que f é descontínua em x = 2, pois, apesar da função estar definida em todos os pontos do domínio, verificamos um “salto” no gráfico da f.

Resolução da Beatriz: 3- Analise as semelhanças e diferenças entre as resoluções dos exercícios 1 e 2. 3- Analise as diferenças e semelhanças entre as resoluções dos exercícios 1 e 2.

Domínio de f = ℜ, isto é, f está definida em todos os pontos do conjunto dos números reais. Como lim f(x) = 3 e lim f(x) = -1 não existe o lim f(x) , portanto f não é x→2+ x→2- x→2 contínua em x =2 . A função f é contínua em qualquer x ≠ 2 pertencente ao seu domínio. Para qualquer ε >0 não existe um δ >0 tal que f(x) - 3 < ε sempre que 0 <x - 2< δ.

132

Anexo II

PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

133

Campus Marquês de Paranaguá Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática

TERMO DE COMPROMISSO Este termo tem como objetivo esclarecer os procedimentos de nossa pesquisa, principalmente no que tange a utilização dos dados nela coletados. O material coletado, as atividades realizadas, as gravações de vídeo, as transcrições, os registros escritos, servirá de base para pesquisas que procuram entender melhor o processo de produção de significados em sala de aula de cursos de Cálculo. O acesso aos registros em vídeos será exclusivo do grupo de pesquisa e só poderá ser apresentado com autorização dos participantes, as transcrições e registros escritos terão seus nomes trocados por pseudônimos preservando a identidade dos sujeitos em sigilo. Nas pesquisas que utilizarem o material coletado não será feita menção à Instituição onde o curso foi realizado para a preservação da identidade do grupo. As informações provenientes da análise desse material poderão, ainda, serem utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos. São Paulo, ____________2003

_____________________

Janete Bolite Frant Coordenadora do Projeto _________________________ ______________________ Maria Cecília Arena Lopes Barto Cláudio D’Allanese ____________________________ _____________________ Antonio Luis Mometti Sujeito da Pesquisa


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