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Resenha: E.P. Thompson: transformao e crtica ativa.Vitor Leandro de Souza
TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMGVol. 5, n. 2, Mai/Ago - 2013 ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 181
E. P. Thompson: transformao
e crtica ativa
Vitor Leandro de Souza
Mestrando em Histria Social - UFRJ
Livro: MATTOS, Marcelo Badar.E. P. Thompsone a crtica ativa
do materialismo histrico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2012.
A formao da classe operria inglesa (The Making of the English Working Class)1
considerado, pela comunidade acadmica, uma das mais importantes obras do sculo XX,
inspirando diferentes geraes de historiadores e cientistas sociais. A obra de Edward
Palmer Thompson atacaria duas ortodoxias ao mesmo tempo, a histria econmica
quantitativa e a marxismo dogmtico 2 to presentes na intelectualidade da poca.
Publicado h 50 anos, este clssico teve sua primeira edio em lngua portuguesa somente
em fins dos anos 1980, causando um grande impacto na historiografia brasileira (assim
como nas demais cincias sociais) por suas novas propostas terico-metodolgicas e,
principalmente, pela prtica de historiador proposta e vivenciada por Thompson.
E justamente a influncia da obra de Thompson na historiografia brasileira um
dos pontos altos do livro E. P. Thompson e a crtica ativa do materialismo histrico. Marcelo
Badar Mattosautor de livros sobre os sindicalismos e a formao da classe trabalhadora
brasileira e fluminense, alm de ter ministrado uma srie de cursos na Universidade Federal
Fluminense, onde atua como professor do departamento de histria apresenta no
somente a obra do historiador ingls, mas aspectos importantes da tradio de crtica ativa
proposta pelo materialismo histrico, to presente nos escritos de Thompson, e
problematiza a recepo e a influncia da obra do intelectual britnico na historiografia
brasileira.
1THOMPSON, E. P.A formao da classe operr ia inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987-1988. 3v.
2O esprito whig sem o elitismo: entrevista com E. P. Thompson. In: Pierre Bourdieu (e outros), Liber 1, SoPaulo, Edusp, 1997, p. 172.
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O livroE. P. Thompsone a crtica ativa do materialismo histrico dividido em quatro
captulos, alm de apresentao e eplogo. A proposta de Badar unir o resgate, a crtica e
a interpretao na obra do autor ingls, atravs da sua trajetria. Nesse sentido Badar
recupera fatos da biografia de Thompson e a influncia dos mesmos na sua produo,
preocupando-se em deixar clara a ligao entre os escritos thompsonianos, sua trajetria e
seu engajamento poltico-social.
O autor desvela as principais polmicas em que o historiador ingls se envolveu,
dentre elas o conhecido debate travado com Louis Althusser no livro A Misria da Teoria3,
em que a posio de Thompson de reafirmar a urgente necessidade da historiografia
romper em definitivo com o idealismo de um marxismo de cunho religioso 4. Ao utilizar
um tom endurecido de discusso, Thompson acelera o rompimento entre os intelectuais dacorrente culturalistana qual se inseria ao lado de Raymond Williams, por exemploe
os da corrente estruturalista, representada por Althusser e Perry Anderson.
No captulo denominado Classes sociais e lutas de classe,Badar recupera a
tradio marxista dos conceitos e reafirma o papel de Edward Palmer Thompson nesse
debate, assim como a sua contribuio, a partir de meados do sculo XX, na realidade
vivenciada pelo grupo de historiadores do Partido Comunista Britnico. A preocupao
clara do autor ingls era a ampliao da viso da histria social, como refratria aos
determinismos, considerando, alm da dimenso econmica de classe, tambm outros
nveis de anlise: o poltico, o cultural e o social. Badar defende a importncia e atualidade
do conceito classe5, sobretudo, diante de alegaes de alguns historiadores que tal
conceito teria cado em desuso pela perda de sentido como categoria de explicao
histrica, inserindo-se na defesa da centralidade dos conceitos que nomeiam o captulo,
assim como na importncia da defesa da histria.
Outro ponto chave na contribuio de Thompson para a historiografia A
Culturad ttulo ao terceiro captulo, em que Badar mantm o esquema de estabelecer
linhas gerais sobre a tradio de debate em torno do conceito cultura. Indo de Marx a
Benjamin, passando por Lnin e Trotski, de Gramsci escola de Frankfurt, passando por
3THOMPSON, E. P.A Misria da t eoria ou um planetrio de erros: uma crtica ao pensamento de Althusser. Rio
de Janeiro: Zahar, 1981.4MATTOS, Marcelo Badar. E. P. Thompson e a crtica ativa do materialismo histrico. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2012, p. 35.5______________.E. P. Thompsone a crtica ativa do materialismo histrico , pp. 98-111.
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Raymond Willians e voltando obra de Thompson na tradio marxista, Marcelo
Badar relembra que, na produo historiogrfica thompsoniana, o materialismo histrico
e o determinismo econmico no so sinnimos. Ressalta ainda a importncia do
estmulo antropolgico6na elaborao do pensamento terico do historiador britnico e
na sua consonncia com a tradio de crtica ativa do materialismo histrico, assim como
sua recusa ideia de cultura como algo fora da vida social material ou como um modo de
vida. Antes de tudo, para Thompson, cultura e experincia so indissociveis.
Marcelo Badar faz tambm um balano da influncia e presena da produo e
pensamento de E. P. Thompson no Brasil. Essa certamente uma das suas grandes
contribuies para a historiografia brasileira. O autor ressalta a importncia de Thompson
no somente entre os historiadores, mas tambm entre estudiosos da rea das cinciassociais. Particularmente diante da realidade encontrada no Brasil em fins dos anos 1970, da
emergncia dos novos movimentos sociais e do declnio da ditadura civil-militar,
favorecendo o uso dos conceitos fundamentais de Thompson de forma generalizada e
muitas vezes distanciada do materialismo histrico, reivindicado e visto como fonte
fundamental pelo prprio historiador ingls.
Sem dvidasE. P. Thompsone a crtica ativa do materialismo histrico uma importante
forma de compreenso da obra de Thompson e de sua apropriao por importantes
autores da historiografia brasileira. Badar critica os usos e desvios fundamentais para a
compreenso dos conceitos propostos pelo historiador ingls, especialmente (mas no
exclusivamente) nos estudos relacionados histria social do trabalho. Os usos casados de
autores de matrizes distintas, como, por exemplo, Thompson e Foucault, inviabilizaram a
plena compreenso das ideias thompsonianas.
Badar alerta os limites na aplicao dos principais conceitos propostos por
Thompson, que sofreram muitas vezes uma domesticao de sua interpretao7 e
causaram a associao do intelectual britnico aos estudos culturalistas, to criticados por
ele. Tal domesticao, objetivando afast-lo da matriz marxista, foi rechaada com
veemncia pelo prprio Thompson, que inmeras vezes reafirmou seu comprometimento
com a teoria marxista e com o materialismo histrico.
6THOMPSON, E. P.As peculiaridades dos ing leses e out ros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. 7MATTOS, Marcelo Badar. E. P. Thompsone a c rtica ativa do materialismo histrico, pp. 237-248.
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Marcelo Badar ao (re)inserir o debate de Thompson na tradio marxista
resgata o significado de sua obra e ecoa o incmodo do intelectual ingls 8 diante das
acusaes de que seus estudos valoravam demasiadamente a dimenso cultural. O livro E.
P. Thompsone a crtica ativa do materialismo histriconos ajuda a lanar luzes sobre a obra de um
dos intelectuais que mais influenciam a produo historiogrfica brasileira, especialmente
em uma poca em que as lutas por direitos e a (re)tomada das ruas pela gente simples
tenciona a cena poltica e social do nosso pas.
Recebido em: 28/08/2013
Aprovado em: 18/09/2013
8Especialmente no artigo intitulado Folclore, antropologia e historia social. In: THOMPSON, E. P.As peculiari dadesdos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001, pp. 227267.