SAMUEL DA SILVA
A PERSUASÃO NA PROPAGANDA DE CERVEJAS:
SOB O ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
MESTRADO EM
LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2012
ii
SAMUEL DA SILVA
A PERSUASÃO NA PROPAGANDA DE CERVEJAS:
SOB O ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, em atendimento à exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem.
Orientadora: Profª. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda
PUC – SP
2012
iii
BANCA EXAMINADORABANCA EXAMINADORABANCA EXAMINADORABANCA EXAMINADORA
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iv
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Marli e Abner, por
me ensinarem lições que nunca
encontrarei em livros.
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por ter permitido trilhar este caminho e
pela força de seguir avante apesar das adversidades.
À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, orientadora incrivelmente
incansável e competente que dedicou laboriosas horas de orientação, pelas
agradáveis aulas, pela leitura criteriosa e exigente da tese e também pelo afeto,
confiança, paciência e generosidade com que me conduziu pelo universo do fazer
científico. Sem sombra de dúvida, considero-me um afortunado por ter tido a boa
sorte de tê-la ao meu lado como co-autora no projeto e descobrindo as graças de
ser linguísta.
Aos professores Fátima Beatriz de Benedictis Delphino e Marcelo Saparas
pelas sugestões na Banca de Qualificação, que muito enriqueceram esta pesquisa,
revelando novas possibilidades.
Aos professores do LAEL, Angela Brambilla Cavenaghi Themudo Lessa,
Maria Cecília Pérez de Sousa-e-Silva e Tony Paulo Berber Sardinha pela forma
apaixonada e até mesmo bem humorada de ensinar linguística. Contribuíram com
leituras contemporâneas e funcionais que me fizeram ver e ouvir o mundo sem
inocência, de forma sempre atenciosa e com um sorriso amigo.
À Maria Lucia e Márcia, funcionárias do LAEL, pela atenção, simpatia e
constante auxílio em todos os momentos.
Aos meus colegas de sala pela ajuda, apoio e momentos de descontração.
À Giseli Gobbo pelo companherismo, por dividir e ouvir meus tropeços,
medos, alegrias e pelas caronas que renderam discussões elucidativas sobre
nossos projetos em meio à Avenida Paulista.
À minha amiga Natame Almeida pelo carinho, sensibilidade e auxílio.
vi
À Danielle Cabral, executiva de conta e Marina Caetano, assistente de conta
da Skol na agência F/Nazca Saatchi & Saatchi pela atenção e informações
prestadas.
À minha mãe, Marina Aparecida de Oliveira da Silva, uma grande amiga,
incentivadora que sempre esteve de mãos dadas comigo a fim de amparar, ensinar
e aplaudir.
Ao meu pai, Salvador da Silva, colaborador efetivo para que eu chegasse até
o fim deste trajeto.
Aos meus amigos pelo estimulo à perseverança e pela compreensão.
vii
Epígrafe
Nunca mais se porá o teu sol, nem a tua lua
minguará; porque o Senhor será a tua luz
perpétua, e os dias do teu luto findarão.
(Isaías 60:20)
viii
SAMUEL DA SILVA
A PERSUASÃO NA PROPAGANDA DE CERVEJAS: SOB O ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
RESUMO
Em meus estudos de linguística, ao tratar da linguagem persuasiva, ocorreu-me
abordar um assunto que me tem interessado há algum tempo. Como seria feita a
propaganda1 de cervejas no Brasil, num mundo em que há evidente competição
entre inúmeras empresas? Os próprios fabricantes assumem que há certa
padronização nos anúncios. Xavier2 diz que, “no exterior, as campanhas de cerveja
recorrem ao humor de maneira inteligente”. Morici3,diretor de marketing da Femsa,
dona das marcas Kaiser, Sol e Xingu, diz que, se as propagandas se assemelhavam
muito umas às outras aos olhos dos consumidores, já há um claro movimento para
mudá-la. “A eficiência da comunicação está em causar impacto e todos estamos
atrás disso”, diz. Nesse contexto, sabe-se que a cerveja Skol, em 2011, venceu pela
décima vez o prêmio Top of mind. Já a Cervejaria Petrópolis, detentora da Itaipava,
alcançou o segundo lugar no mercado brasileiro de cervejas, de acordo com dados
mais recentes do instituto de pesquisas Nielsen, em setembro. O que as
diferenciaria de outras marcas? Qual seria o motivo dessa fixação na memória do
povo? Há vários caminhos para a análise de uma propaganda. Mas algumas
características são evidentes na sua elaboração. Trata-se primordialmente de uma
situação interacional entre a propaganda e o leitor, com forte apoio no uso de meios
implícitos de persuasão, já que a propaganda, hoje, dirige-se a uma comunidade já
cansada de ser invadida por recursos ultrapassados de persuasão. Segundo,
Fuertes-Olivera et al (2001), a propaganda parece mais bem representada como um
contínuo de funções textuais flutuando entre “informação” e “manipulação”, de
acordo com a ideia de que a propaganda é um exemplo de comunicação velada 1 Devemos esclarecer aqui que não faremos a distinção existente entre “propaganda” e “publicidade”: O termo “propaganda” vem de seu homônimo em latim propaganda, que significa semear idéias e ideais de cunho político, cívico ou religioso, tendo caráter ideológico e com o objetivo de fazer adeptos, seguidores e converter opiniões. Já a publicidade é a ferramenta que, utilizando os meios de comunicação e os espaços publicitários, com patrocinador identificado, tem como fim seduzir e tornar público, levando o consumidor à compra de determinado produto ou serviço (Dennys Monteiro: Internet). 2 Xavier, consultado na Internet. 3 Morici, consultado na internet.
ix
porque dá a possibilidade aos seus autores de evitar a responsabilidade de suas
declarações. No exame desses meios, vou enfocar os papéis desempenhados e
papéis projetados (THOMPSON; THETELA, 1995), os tokens de Atitude (MARTIN,
2000), a fórmula AIDA (UNGERER, 2004), a imagem visual (MACKEN-HORARIK,
2004), os quais concorrem para a criação de “mundo textual” (DOWNING, 2003). O
objetivo desta pesquisa é o exame crítico da propaganda de cerveja, no caso, Skol e
Itaipava, para verificar a forma como é feita a persuasão nesse gênero. Para tanto,
deve responder às seguintes perguntas de pesquisa: (a) como é criado o “mundo
textual” no discurso da propaganda? (b) que elementos contribuem para tornar esse
“mundo” favorável à persuasão? e (c) como é feita a relação verbo-visual na
propaganda?
Palavras-chave: Persuasão. Propaganda. Linguística Crítica. Linguística Sistêmico-
Funcional.
x
SAMUEL DA SILVA
PERSUASION IN BEER COMMERCIALS: A SYSTEMIC FUNCTIONAL APPROACH
ABSTRACT
In my studies of linguistics, when dealing with persuasive language, it occurred to me
to approach a subject that has interested me for some time. How would the
advertisement of beer in Brazil be, in a world where there is clear competition
between many companies? Even the manufacturers assume that there is some
standardization in the ads. Xavier says, "abroad, beer campaigns resort to humor
wisely." Morici, marketing director of FEMSA owner of the brands Kaiser, Sol and
Xingu, says that if the ads closely resembled each other in the eyes of consumers,
now there is a clear movement to change it. " The efficiency of communication occurs
by causing impact and we are all looking forward to it," he says. In this context, it is
known that Skol, in 2011, won the Top of Mind award for the tenth time. However the
Petrópolis brewery which owns the Itaipava brand, reached second place in the
Brazilian beer market, according to latest data from Nielsen research institute in
September. What differentiates them from other brands? What would be the reason
for this setting in memory of the people? There are several ways to analyze an
advertisement. But some features are evident in its preparation. It is primarily of an
interactional situation between advertising and reader, with strong support in the use
of implicit methods of persuasion, as advertising today is addressed to a community
already tired of being overrun by outdated resources of persuasion. According to
Fuertes-Olivera et al (2001), advertising seems best represented as a continuum of
text functions fluctuating between "information" and "manipulation," according to the
idea that advertising is an example of covert communication because it provides the
possibility for the authors to avoid responsibility for their statements. Examining these
means, I will focus on the enacted roles and projected roles (THOMPSON;
THETELA, 1995), the tokens of Attitude (Martin, 2000), the AIDA formula (Unger,
2004), the visual image (MACKEN-HORARIK, 2004) , which contribute to the
creation of "textual world" (Downing, 2003). The objective of this research is the
critical examination of beer advertisements, analyzing both brands: Skol and
xi
Itaipava, to see how persuasuin in such genre occurs. For this we must answer the
following research questions: (a) How is a "textual world" in advertising discourse
created ? (b) what factors contribute to making this "world" favoring persuasion? and
(c) how does the verbal-visual relation in advertising occur?
KEYWORDS: Persuasion. Advertising. Critical Linguistics. Systemic Functional
Linguistics.
xii
LISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROSLISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Frame-espaço de um anúncio (Fonte: CAMPOS PARDILLOS, 1995, p.66) ...............................................................................................11
Quadro 2 - Processos e Participantes........................................................................19
Quadro 3 - As três metafunções (Fonte: HALLIDAY, 1994).......................................19
Quadro 4 - Sistema interpessoal (Fonte: THOMPSON & THETELA ,1995) ..............22
Quadro 5 - Resumo do apoio teórico .........................................................................34
Quadro 6 - Recursos de APPRAISAL (Fonte: MARTIN, 2000) ..................................41
Quadro 7 - Análise da avaliatividade da cerveja Skol ................................................41
Quadro 8 - Análise da avaliatividade da cerveja Itaipava...........................................46
Quadro 9 - Texto das propagandas............................................................................49
xiii
LISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Anúncio de Chegou Skol 360º ...................................................................38
Figura 2 - Anúncio de Itaipava....................................................................................44
xiv
SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO
1 . INTRODUÇÃO..........................................................................................................1
2 .APOIO TEÓRICO .....................................................................................................6
2.1 A propaganda como um tipo de discurso ..........................................................6
2.1.1 Funções da propaganda .........................................................................6
2.1.2 Estratégias discursivas textuais ..............................................................8
2.1.3 O tom conversacional do discurso da propaganda (DP).........................9
2.1.4 Elipse, pressuposição e conhecimento partilhado no discurso da propaganda...........................................................................................10
2.1.5 Uma divergência de opiniões sobre a propaganda velada ...................11
2.1.6 A comunicação velada e os tabus sociais em propaganda ..................14
2.2 A Linguística Crítica.........................................................................................16
2.3 A Análise do Discurso Crítica ..........................................................................17
2.4 A Linguística Sistêmico-Funcional...................................................................18
2.4.1 A função interacional ............................................................................21 2.4.1.1 Papéis desempenhados .........................................................22 2.4.1.2 Papéis projetados...................................................................23
2.4.2 A função pessoal - A Avaliatividade......................................................24
2.5 A fórmula “AIDA” .............................................................................................27
2.6 A criação do “mundo textual”...........................................................................28
2.7 Interação como o texto multimodal: reflexões sobre imagem e palavreado ....30
2.7.1 As ferramentas......................................................................................31
3 .METODOLOGIA .....................................................................................................35
3.1 Dados ..............................................................................................................35
3.2 Procedimentos de análise ...............................................................................36
3.2.1 Análise da verbiagem ...........................................................................37
3.2.2 Análise da imagem ...............................................................................37
4 .ANÁLISE.................................................................................................................38
4.1 A análise da verbiagem ...................................................................................39
4.1.1 A fórmula AIDA e a persuasão por convicção e por sedução...............39
4.1.2 Os papéis desempenhados e os papéis projetados .............................40
4.1.3 A avaliatividade.....................................................................................40
xv
4.2 Análise do visual..............................................................................................42
4.2.1 O contato ..............................................................................................42
4.2.2 A distância social: proximidade.............................................................43
4.2.3 A atitude................................................................................................43
4.3 A análise da verbiagem ...................................................................................44
4.3.1 A fórmula AIDA e a persuasão por convicção e por sedução...............44
4.3.2 Os papéis desempenhados e os papéis projetados .............................45
4.3.3 A avaliatividade.....................................................................................46
4.4 Análise do visual..............................................................................................47
4.4.1 Contato .................................................................................................47
4.4.2 Distância social: proximidade................................................................47
4.4.3 Atitude...................................................................................................48
5 .DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.........................................................................49
6 .CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................51
REFERÊNCIAS..........................................................................................................53
Introdução 1
A PERSUASÃO NA PROPAGANDA DE CERVEJAS: SOB O ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
1 INTRODUÇÃO
Em meus estudos de linguística, ao tratar da linguagem persuasiva, ocorreu-
me abordar um assunto que me tem interessado há algum tempo. Como seria feita a
propaganda4 de cervejas no Brasil, num mundo em que há evidente competição
entre inúmeras empresas? Há hoje no mercado nacional 17 marcas de cerveja (sem
contar as de menor porte) que brigam por um lugar na preferência dos
consumidores: Brahma, Antarctica, Skol, Kaiser, Kaiser Gold, Sol, Itaipava, Bohemia,
Polar, Crystal, Xingu, Brahma Black, Malt 90, Austria Bier, Fass, Wäls Dubbele e
Nobel.
Quanto à propaganda, as empresas fabricantes de cervejas admitem,
segundo Ribeiro5, que a fórmula atual está se esgotando e o público não diferencia
marcas. Segundo ela, embora o mercado cervejeiro nacional seja robusto o
suficiente para gerar ícones de comunicação, os próprios fabricantes assumem que
há uma certa padronização nos anúncios. As companhias têm até pesquisas sobre o
assunto, mas preferem não falar sobre elas. “A fórmula básica do anúncio de cerveja
oscila entre um clima de malandragem e uma bela bunda”, ironiza Adilson Xavier,
presidente da agência de publicidade Giovanni+Draft FCB.
Essa tendência, segundo Ribeiro, gerou uma receita básica que acaba por
confundir o público, como apontam as pesquisas feitas para avaliar a eficiência dos
comerciais - o consumidor identifica que é cerveja pelas condições gerais, mas não
distingue mais uma marca da outra. Esse resultado, na opinião de Xavier6, vem da
própria ditadura dos indicadores surgidos nas pesquisas de avaliação dos
4 Devemos esclarecer aqui que não faremos a distinção existente entre “propaganda” e “publicidade”: O termo “propaganda” vem de seu homônimo em latim propaganda, que significa semear idéias e ideais de cunho político, cívico ou religioso, tendo caráter ideológico e com o objetivo de fazer adeptos, seguidores e converter opiniões. Já a publicidade é a ferramenta que, utilizando os meios de comunicação e os espaços publicitários, com patrocinador identificado, tem como fim seduzir e tornar público, levando o consumidor à compra de determinado produto ou serviço (Dennys Monteiro: Internet). 5 Marli Ribeiro, consultada na Internet. 6 Xavier, consultado na Internet.
Introdução 2
comerciais. Xavier explica que esses indicadores mostram a constituição do universo
cervejeiro formado por homens que se juntam para falar de mulher. “Isso levou a
padrões de comportamento que acabam por dar um toque de mesmice aos
anúncios”, diz. “No exterior, as campanhas de cerveja recorrem ao humor de
maneira inteligente”.
Há, porém, elementos que justificam a diferença de comportamento dos
mercados nacional e estrangeiro. Um deles é o fato de que, no exterior, há uma
ampla variedade de tipos de cerveja e preços. Aqui, a expansão do mercado é
recente no setor, que sempre foi dominado pela cerveja do tipo pilsen. Morici7,
diretor de marketing da Femsa, dona das marcas Kaiser, Sol e Xingu, diz que, se as
propagandas se assemelhavam muito umas às outras aos olhos dos consumidores,
já há um claro movimento para mudá-la. “A eficiência da comunicação está em
causar impacto e todos estamos atrás disso”, diz.
A propósito, a revista VEJA, de 29.06.11, traz uma reportagem sobre o
publicitário Jader Rossetto, que para promover uma nova marca de cerveja, a
Proibida, da CBBP (Premium), adotou uma estratégia de propaganda com duas
lindas modelos que se faziam passar por duas turistas checas. O embuste fez
sucesso na internet e no programa Pânico na TV, mas descoberta a pegadinha, a
emissora entrou com uma ação no Tribunal de Justiça contra a CBBP. Diz Rossetto:
“Quero questionar a propaganda a que nos acostumamos no Brasil, muito
comportada e repetitiva. Os consumidores querem e precisam ser surpreendidos”.
Como pesquisador em linguística crítica, fiquei curioso em saber como é feita
a propaganda dessas cervejas, e também se haveria alguma diferença entre as
duas marcas em termos dos recursos utilizados para persuadir o público.
Há vários caminhos para a análise de uma propaganda. Mas algumas
características são evidentes na sua elaboração. Trata-se primordialmente de uma
situação interacional entre a propaganda e o leitor, em que se distinguem papéis
desempenhados e papéis projetados (THOMPSON; THETELA, 1995), com forte
apoio no uso de meios implícitos de persuasão, já que a propaganda, hoje, dirige-se
a uma comunidade já cansada de ser invadida por recursos ultrapassados de
persuasão. Assim, Hunston (1993a; 1993b, apud HUNSTON, 2000), com base nos
7 Morici, consultado na internet.
Introdução 3
trabalhos de sociólogos da ciência (i.e., LATOUR; WOOLGAR, 1979, apud
HUNSTON, 2000), mostra que é possível persuadir uma comunidade a aceitar as
afirmações de novos conhecimentos sem o uso de meios explícitos para essa
finalidade. Hunston (1994, p.193) propõe que:
para ser convincente a persuasão deve parecer ser uma
reportagem. Segue-se que a avaliação, através da qual a
persuasão é realizada, deve ser altamente implícita e,
assim, evitará a linguagem atitudinal normalmente
associada ao significado interpessoal8.
Segundo, Fuertes-Olivera et al (2001), a propaganda parece mais bem
representada como um contínuo de funções textuais flutuando entre “informação” e
“manipulação”, de acordo com a ideia de que a propaganda é um exemplo de
comunicação encoberta porque dá a possibilidade aos redatores de evitar a
responsabilidade por implicações em relação a tópicos socialmente problemáticos
como sexo ou esnobismo. Nesse sentido, os propagandistas enganam os
consumidores potenciais por meio de artifícios verbais ou não-verbais. Além de
metáforas, estilo disjuntivo, estilo coloquial, dialetos sociais e regionais, os escritores
também usam o metadiscurso, que é considerado uma característica pragmática
central. É o meio pelo qual os escritores organizam o discurso, cativa a audiência e
sinaliza sua posição atitudinal.
Um meio para a realização da avaliação explícita é o conceito de token de
atitude, proposto por Martin (2000), para denominar o modo pelo qual o significado
experiencial pode ser “saturado” em termos avaliativos, ou seja, interpessoais. A
propósito, Martin (2003, p. 173) adverte: “o apego a categorias explícitas significa
que uma grande quantidade de atitude implícita pelos textos será perdida”.
Outra característica da propaganda consiste no apoio em fórmulas
acronímicas, sendo a mais velha e mais conhecida a fórmula da AIDA (ATENÇÃO –
INTERESSE – DESEJO – AÇÃO). Ao aplicar esta fórmula nas propagandas para o
consumidor podem-se definir as funções da manchete e da ilustração para chamar a
ATENÇÃO e criar INTERESSE, os elementos pictóricos (geralmente contendo uma
8 To be convincing what is persuasion must appear only to be reportage. It follows that the evaluation through which the persuasion is carried out must be highly implicit and will, in fact, avoid the attitudinal language normally associated with interpersonal meaning.
Introdução 4
réplica do produto anunciado), parece querer despertar o DESEJO, um objetivo
também apoiado pelo texto do corpo do texto, geralmente uma lista de vantagens
sobre o produto ou um apelo (pseudo) lógico. A linha para assinatura e o logo são
usados para atrair DESEJO por determinada marca ou empresa, enquanto que os
detalhes como, endereço da empresa, ajudam a transformar o DESEJO em AÇÃO.
A interação no texto multimodal tem apoio de Macken-Horarik (2004), que
analisa a contribuição complementar entre imagem (ilustrações) e palavras (do texto)
no processo da construção de significados. Diz a autora que o fenômeno do texto
composto ou multimodal é um desafio para analistas do discurso.
Também concorre nessa tentativa de cativar e convencer o leitor, a criação do
que Downing (2003) chama de “mundo textual”. O potencial criativo da propaganda
como um tipo de gênero que desempenha a evocação de situações imaginárias com
finalidades persuasivas tem sido tratado por muitos autores. Segundo Cook (1992,
p. 105), a propaganda atual está menos interessada em alistar “propriedades
objetivas dos objetos” do que em ligar “o produto a alguma outra entidade, efeito ou
pessoa, criando uma fusão, que envolve o produto descaracterizado com
propriedades desejáveis”. A propósito, Downing (2003) fala em criação de “mundo
textual”, para o qual, concorrem as escolhas no sistema linguístico, que dão origem
a diferentes interpretações da realidade, ou seja, criam diferentes visões de mundo.
Assim, o discurso é uma prática que, longe de refletir com neutralidade a realidade
social e os fatos empíricos, intervém no que Berger e Luckmann (1976) chamaram
de “a construção social da realidade”.
O objetivo desta pesquisa é o exame crítico da propaganda de cerveja, no
caso Skol e Itaipava, para verificar a forma como é feita a persuasão nesse gênero.
Para tanto, deve responder às seguintes perguntas de pesquisa: (a) como é criado o
“mundo textual” no discurso da propaganda? (b) que elementos contribuem para
tornar esse “mundo” favorável à persuasão? e (c) como é feita a relação verbo-visual
na propaganda?
A presente dissertação está assim estruturada: 1. Introdução, em que
proponho um estudo da propaganda de cerveja com base na Linguística Crítica. 2.
Apoio Teórico, em que apresento a teoria/metodologia que embasa esta pesquisa, a
Linguística Sistêmico-Funcional, com enfoque em Martin (2000, 2003) sobre a
Introdução 5
Avaliatividade e os tokens de Atitude; além de propostas específicas sobre a
propaganda: a fórmula AIDA (UNGERER, 2004); o papel do visual (MACKEN-
HORARIK, 2004); o “mundo textual” (SEMINO, 1997; DOWNING, 2003). 3.
Metodologia, em que trato dos procedimentos de análise das cervejas Skol e
Itaipava. 4. Análise. 5 Discussão dos Resultados e, finalmente, 6. Considerações
Finais.
Apoio teórico 6
2 APOIO TEÓRICO
Inicio este capítulo com considerações sobre a propaganda, suas funções e
estratégias, além de opiniões contrárias sobre questões persuasivas que cercam a
sua realização. A teoria que embasa a presente análise da propaganda das cervejas
Skol e Itaipava conta com as seguintes contribuições: Fowler (1991), que propõe a
Linguística Crítica; Fairclough (1992a), que trata da Análise do Discurso Crítica;
Halliday (1985, 1994) e a Linguística Sistêmico-Funcional, com enfoque especial na
metafunção interpessoal; Martin (2000, 2003) sobre a Avaliatividade e os tokens de
Atitude; Ungerer (2004) sobre a fórmula AIDA para a propaganda; Macken-Horarik
(2004) sobre o papel do visual na propaganda; e, finalmente, Semino (1997) e
Downing (2003) sobre a noção de “mundo textual”.
2.1 A propaganda como um tipo de discurso
Cook (1992) apresenta, sob a perspectiva funcional, um estudo detalhado da
propaganda como um tipo de discurso, e a compara com o discurso da literatura
(COOK, 1994). Campos Pardillos (1995) enfoca a função dos dêiticos na criação de
um chão comum entre o emissor e o receptor do discurso político e publicitário.
Ambos emprestam importância à descrição do contexto, juntamente com a
especificação das relações que se estabelecem entre emissor e receptor nesse
gênero, além da descrição de alguns artifícios textuais explorados pelo discurso da
propaganda (DP) na perseguição da meta comunicativa.
Seguindo o padrão dos trabalhos em abordagem funcional do discurso e
texto, Cook define discurso como “texto e contexto juntos, interagindo de modo que
é percebido pelos participantes como significativo e unido, em que os participantes
são ao mesmo tempo partes do contexto e também seus observadores” (COOK,
1992, p.2).
2.1.1 Funções da propaganda
Embora se considere na propaganda as funções conativa e persuasiva, que
pressiona as pessoas a comprar um produto, hoje (COOK, 1992, p.5) os estudiosos
Apoio teórico 7
apontam outras funções: diversão, informação, conselho, defesa, entre as quais as
funções emotiva e fática desempenham funções significativas, fazendo parte de uma
função mais importante, o display (GOFFMAN, 1992, p.147-48 apud Cook, 1994),
que estabelece e mantêm identidade, diferenciando-a de outras. O display, como as
fórmulas mágicas, eleva o significante - o nome de um produto, um time ou de um
partido político - acima do que ele significa (COOK, 1992, p.148); em outros
contextos sociais ou de atividades como a oração, a magia, a depreciação, a
fanfarronice, os participantes desempenham uma parte ativa no discurso, já em
atividades como a da propaganda, os participantes apenas agem passivamente;
nesse sentido, “Expressamos nossa identidade, aceitando o produto, o programa
político, a proeza esportiva, a arte de outros, em vez de construirmos os nossos”
(COOK, 1992, p.148).
O processo de identificação entre receptor e a situação representada na
propaganda pode ser descrito como uma relação que envolve quatro participantes:
(1) o mundo do emissor, em que o produto é manufaturado; (2) o mundo ficcional,
em que as características apresentam o produto ou são associadas a ele; (3) o
mundo da fantasia do receptor e (4) o mundo real do receptor. Cook afirma que a
meta do emissor é “empurrar o produto, via mundo da ficção ou da fantasia, para o
mundo real do consumidor” (COOK, 1992, p. 177). Para tanto, o DP usa várias
estratégias, entre as quais, as estratégias do discurso-textual desempenham papel
significante. Na verdade, a manipulação criativa da linguagem, a exploração da
ambiguidade e da indeterminação e o apelo à experiência pessoal e emocional
(funções afetivas, avaliativas, estéticas) parecem trazer o Discurso da Propaganda
(doravante DP) para junto do discurso literário.
De acordo com Cook, uma das diferenças cruciais entre o discurso literário e
o DP é que, enquanto o primeiro realiza funções que o autor define como sendo de
mudança cognitiva, ou seja, a modificação ou o desafio do esquema de mundo do
leitor, levando-o a reavaliar conceitos, o DP tende a ser conservativo, no sentido de
reforçar esquemas já existentes e aceitos, reforçando, assim, o sentimento de
identidade de um grupo social.
Mas, segundo Downing, pode se afirmar também que esses anúncios
procuram de certo modo o objetivo do potencial de “mudar cognitivamente” ao
Apoio teórico 8
convidar as pessoas a tomar parte de uma nova identidade social quando compram
um produto. Em muitos casos, é verdade que esse convite, para mudar o esquema
cognitivo em favor de outros novos, é ambíguo no sentido de que se propõe um
compromisso entre um esquema conservativo e um inovador. Este é o caso, por
exemplo, da criação de uma propaganda de carro no DP, em que um rapaz assiste à
missa e é mostrado com um piercing na língua quando recebe o sacramento da
comunhão. Nesse anúncio, o esquema conservador da crença religiosa é
apresentado como sendo compatível com um esquema mais desafiador do piercing
corporal, de modo que o proprietário do carro estará potencialmente apelando tanto
para as pessoas com sentimentos religiosos quanto para aqueles que são favoráveis
ao piercing corporal, ou, mais significantemente, as pessoas que portam
simultaneamente esses desejos aparentemente incompatíveis. Em última instância,
obviamente, a meta do produtor do anúncio é alcançar o máximo de consumidores
que puder, de modo que o display e o estabelecimento de identidade são meios para
o objetivo da persuasão.
O que está claro é que tanto o discurso literário quanto o DP, derrotam, em
geral, as expectativas referentes a traços textuais e linguísticos, assim desafiando o
que Cook define como esquema textual e esquema linguístico (esquema que
governa gêneros textuais e propriedades linguísticas de textos), que serão tratados
a seguir.
2.1.2 Estratégias discursivas textuais
Assim como outro discurso qualquer que faz um uso criativo da língua, tais
como, a escrita ficcional, a poesia, as piadas e o humor, o DP é “generoso no jogo
com o código” (COOK, 1992, p.277). Isso pode ser visto em diferentes níveis da
análise linguística, desde a grafologia e a fonologia até o léxico, a sintaxe e a
retórica textual, criando padrões discursivos idiossincráticos. Assim, por exemplo, os
trocadilhos são explorados para criar significados múltiplos, e a metáfora e a
metonímia são usadas para introduzir domínios e experiências desejáveis com os
quais o produto é associado. Assim, em um anúncio de uma companhia chamada
Infonet, podemos ler o seguinte:
Apoio teórico 9
(1) Nas comunicações globais, um fornecedor é melhor que muitos.
A mensagem apóia-se na ambiguidade da estrutura que pode significar: (a)
ter apenas um fornecedor é melhor que ter muitos fornecedores, ou (b) ter um
fornecedor específico (a Infonet) é melhor que ter outros. Cook dá um exemplo de
associação metonímica (figura que responde pela continguidade) em um anúncio do
carro Ford Fiesta, que é mostrado numa situação fictícia em que os personagens
vão a uma fiesta. Consequentemente, não somente se vende um produto aos
receptores da mensagem, mas eles mesmos são vendidos “em uma pessoa
atraente, função ou circunstância” (COOK, 1992, p.108).
2.1.3 O tom conversacional do discurso da propaganda (DP)
Significados implícitos podem ser criados por meio de uma grande variedade
de recursos, alguns dos quais já foram mencionados, mas há três aspectos que
precisam ser discutidos, em especial o uso de pronomes , de elipse e de a
pressuposição . Esses meios linguísticos contribuem para a criação de um tom de
conversa que é típica da maioria dos DPs (COOK, 1992, p.171; CAMPOS
PARDILLOS, 1995, p.66). Esse tom dialógico conversacional está sempre presente
mesmo em texto aparentemente monológico, e seu efeito consiste em envolver o
receptor no discurso da situação, apelando diretamente para o seu conhecimento,
interesse e emoções (CAMPOS PARDILLOS, 1995, p.59-60).
Os pronomes pessoais desempenham papel crucial devido à sua natureza de
elemento dêitico, isto é, como itens linguísticos que têm um componente variável de
significado que lhes é atribuído contextualmente. Em interação face a face, a maioria
da informação dêitica relevante para a situação de discurso, tais como, tempo, lugar,
participantes, é diretamente observável no contexto físico imediato, e não precisam
ser mencionados. Contudo, na comunicação escrita, em que há uma combinação
confusa (mismatch) entre o tempo de codificação e o tempo de recebimento da
mensagem, os elementos dêiticos necessários para a compreensão da mensagem
são mencionados explicitamente. Isto é óbvio, por exemplo, na escrita ficcional, em
que os textos tornam explícito o tempo e o local dos eventos narrados. A
propaganda parece ser um modo misto, com mais traços da interação face a face.
Apoio teórico 10
Esse efeito é criado, em parte, por meio de suporte visual, que fornece uma pista
ostensiva em relação à informação dêitica, e em parte pela relação direta com o
leitor, que tem o efeito de diretamente envolver o receptor na situação evocada pela
propaganda. Como argumenta Campos Pardillos (1995, p.60), “o papel de todos os
dêiticos é contextualizar e colocar o texto dentro de uma certa circunstância: a do
receptor”.
Assim, o “você” do anúncio refere-se tanto aos personagens da situação
fictícia do anúncio quanto aos (múltiplos) receptores; o “eu” é tanto o fabricante e o
interlocutor na situação fictícia, em geral, um expert ou um conselheiro; e,
finalmente, o “ele” ou “ela” é em geral a pessoa que não comprou o produto (COOK,
1992, p.155) uma empresa concorrente. A relação de intimidade e confiança é
estabelecida por meio de endereçamento direto com o uso de “você”, que pode
contrastar com referentes distantes na 3ª pessoa. O receptor é endereçado
diretamente por meio de “você”, estabelecendo, assim, um diálogo entre produtos e
receptor, e as companhias concorrentes são referidas por “elas”, estabelecendo,
desse modo, uma distância entre a empresa anunciadora e o receptor de um lado
(primeira e segunda pessoas da interlocução) e outras empresas do outro lado
(terceira pessoa da interlocução).
2.1.4 Elipse, pressuposição e conhecimento partilhado no discurso da propaganda
Elipse, pressuposição e conhecimento partilhado contribuem para criar um
tom de conversa, estabelecendo a relação entre as personagens do mundo fictício e
o receptor, baseado na suposição de que há quantidade suficiente de conhecimento
partilhado para determinar o sentimento de proximidade, confiança, informalidade e
intimidade. Assim, como afirma Cook (1992, p.176), o que não é dito é que é mais
importante, pois reflete o que as pessoas tomam por aceito. Nesse sentido, o papel
do conhecimento compartilhado torna-se particularmente significativo, já que a
propaganda joga com referências intertextuais - a outros tipos de texto como
canções, poemas, outros textos e outros anúncios - que são construídos sobre as
experiências compartilhadas dos interlocutores.
Campos Pardillos (1995) afirma ainda que os dêiticos exercem uma função
crucial na criação de significados pressupostos e, portanto, implicitamente
Apoio teórico 11
compartilhados da propaganda. Assim, a função dos dêiticos como aqui e hoje não é
a função típica informacional de expressões como em Aqui está o livro de que te
falei. Pelo contrário, os dêiticos são em geral usados nas propagandas para criar um
espaço comum entre o produtor e o receptor em que os indexicais se referem “ao
lugar em que o receptor é convidado a entrar” (CAMPOS PARDILLOS, 1995, p.63).
Isso leva Campos Pardillos a propor uma modificação na classificação tradicional
dos dêiticos, que é feita em dois tipos principais, próxima e distante: “devemos
concluir que os frames indexicais não são dois; para os espaços que correspondem
aos participantes do discurso, devemos acrescentar um terceiro” em que o produtor
e o receptor se encontram (CAMPOS PARDILLOS,1995, p.66). Como ele afirma, os
anúncios, assim, criam “um frame tempo-espaço presumido (e obviamente falso) em
que o produtor e o receptor coexistem”. Isso é representado no Quadro 1:
Quadro 1 - Frame-espaço de um anúncio (Fonte: CAMPOS PARDILLOS, 1995, p.66)
Espaço 1 Espaço 2 Espaço 3
Eu Você aqui (lá) agora (então) onde você e eu nos encontramos
Aqui Lá
Agora Então
2.1.5 Uma divergência de opiniões sobre a propaganda velada
Crook (2004) não concorda com o trabalho de Tanaka (1994, 1999) sobre o
uso de comunicação velada nas propagandas e diz que essa maneira de encarar a
propaganda deve-se mais a idéias já ultrapassadas contidas em artigos como
Subliminal Seduction (KEY,1976 apud Crook, 2004) ou The hidden persuader
(PACKARD, 1981 apud Crook, 2004) do que a pesquisas recentes sobre o assunto.
Para mostrar que há falhas na argumentação de Tanaka (1994,1999), ele relaciona
a questão da comunicação velada com a teoria da relevância (SPERBER; WILSON,
1986).
De acordo com a teoria da relevância, a comunicação baseia-se amplamente
na capacidade de inferência do ser humano. Um enunciado fornece um input
(estímulo) para os sistemas centrais de processamento, suscitando hipóteses cujo
grau de certeza depende de estímulos seguintes. Se as hipóteses relacionam-se
Apoio teórico 12
direta ou indiretamente ao estímulo – para que outras hipóteses sejam processadas
– depende de um princípio psicológico inato de relevância. Por outro lado, para
aumentar a eficiência cognitiva, o ser humano atribui intenções ao outro. A atribuição
de intenção é uma noção-chave para teoria da relevância.
Um ato comunicativo prototípico envolve um desejo de informar alguém sobre
alguma coisa. Assim, no exemplo seguinte, o falante tem uma “intenção informativa”
(SPERBER; WILSON, 1986, p.29). Compare os exemplos seguintes:
(2) Fairy liquid is soft on one´s hands [que é um resumo ou interpretação de (3)].
(3) Hands that do dishes can be soft as your face. (Mild Green Fairy Liquid) (a
propaganda).
Suponhamos que a audiência de (3) chegue à conclusão implicada de (2),
cuja derivação é resultado do input + processos inferenciais de (3) e as premissas
implicadas e requeridas para sua interpretação. Como é que essas premissas ficam
disponíveis? Para tanto, o ouvinte precisa ter meios para reconhecer a “intenção
comunicativa”, ou seja, uma intenção de segunda-ordem para poder reconhecer a
intenção informativa. Ou seja, ele precisa encaixar o enunciado num contexto
intencional: O propagandista tem a intenção de comunicar a informação de “mãos
que lavam pratos etc.”
Esse fato ocorre no nível verbal e, mais importante, no nível cognitivo,
manifestando-se através da criação ou ampliação do ambiente cognitivo do falante e
ouvinte. Nesse sentido, as hipóteses partilhadas são consequência, ao invés de pré-
requisito, para uma comunicação bem sucedida.
Sperber & Wilson (1995) ditam duas regras (Presumption of Optimal
Relevance):
(a) O estímulo ostensivo é relevante o suficiente para o endereçado se esforçar em
processá-lo.
(b) O estímulo ostensivo9 é o mais relevante e compatível com as habilidades e
preferências do comunicador.
9 Por “ostensão”, o autor refere-se ao fato de o falante tornar mutualmente manifestas as suposições que podem atuar como inputs aos processos cognitivos de inferência.
Apoio teórico 13
De acordo com a teoria da relevância, o equilíbrio entre efeito (mudança no
ambiente cognitivo) e esforço (alocação de recursos cognitivos para processar) é
garantido pelas regras acima, que acompanham qualquer comunicação ostensiva.
A comunicação, então, envolve uma intenção informativa que está
encaixada em uma intenção comunicativa de segunda ordem.
Tanaka (1994, 1999) define “comunicação velada”: um caso de comunicação
em que a intenção do falante é alterar o ambiente cognitivo do ouvinte, sem fazer
essa intenção mutuamente manifesta.
A “comunicação deve ser diferenciada de formas veladas de transmissão da
informação” (WILSON, 1986, p.301 apud Crook, 2004). Ora, a teoria da relevância
constitui uma tentativa de caracterizar a comunicação como sendo atingida por
meios do reconhecimento de processos inferenciais. Conclui-se que a noção de
comunicação velada é incompatível com a teoria da relevância.
A visão de Tanaka é de que o propagandista tenta persuadir a audiência-meta
a comprar um produto, e que tal empreendimento requer algum tipo de fraude.
Contudo, segundo Sutherland & Sylvester (2000) “dos muitos mecanismos
psicológicos subjacentes à propaganda, a persuasão é em geral a menos relevante”.
Para eles, a propaganda é caracterizada por um “enviesamento mental suave” e não
tanto por uma “persuasão pesada”.
De fato, há um bom entendimento entre o propagandista e a audiência, e isso
permite ao primeiro ser bem mais aberto, espalhafatoso e brincalhão. É claro que
tudo isso não exclui a existência de alguma comunicação velada, mas o que Crook
(2004) pergunta é se há a possibilidade de cumplicidade, por que recorrer a
estratégias de comunicação velada.
Dizer que as pessoas não confiam em propaganda é uma afirmação forte
demais, segundo Crook. É mais certo dizer que há um quê de ceticismo. Mas a
confiança opera ao longo de um contínuo, indo do vendedor de dupla intenção até a
pessoa em quem confiamos. Uma pesquisa mostrou que os leitores têm o pé em
diversos campos ao mesmo tempo. Assim tornar públicas as intenções parece ser
uma estratégia viável para os propagandistas, especialmente se forem consistentes
com as opiniões de propagandas vistas por um público cada vez mais esperto.
Apoio teórico 14
Sutherland & Sylvester discutem a ideia de que a consistência cognitiva
restringe as afirmações que uma propaganda pode fazer. De acordo com Brown et
al (1999 apud Crook, 2004), a luta para garantir a consistência cognitiva pode
também ser vista como um motivo inato para evitar a dissonância cognitiva. Quando,
no exemplo de Tanaka, o guarda diz aos prisioneiros “serei bom para vocês”, não é
tanto a falta de confiança, mas sim falta de consistência (ou presença de
dissonância cognitiva) que gera dúvida nos prisioneiros.
Numa propaganda, as afirmações em geral envolvem simplesmente um
direcionamento da atenção da audiência para uma determinada característica que,
embora exagerada, é mais ou menos inegável. E aqui é interessante notar que as
afirmações só são inegáveis porque são consistentes com alguma crença
intuitivamente aceita. Às vezes, um produto é envolto em atributos em que não
acreditamos, mas nesses casos recorre-se a afirmações abertamente atribuída a
uma autoridade.
Sperber (1996) trata de crenças, confiança e autoridade em sua abordagem
naturalística de representações culturais. Ao desenvolver sua epidemiologia das
crenças, ele distingue entre crenças intuitivas (exemplo: “cereal é saudável”) e
crenças reflexivas. Este requer um contexto de validação, tal como “o que a
professora diz é verdade”.
Não se está dizendo que os consumidores confiam sempre em propagandas.
Contudo, confiança em propagandas não é um caso preto no branco onde as
afirmações são cognitivamente consistentes, a confiança é menos importante.
Tanaka apresenta a falta de confiança como um problema para o qual a
solução preferida seria a comunicação velada. Contudo, parece que a confiança na
propagada é relativa à força da afirmação feita: e as afirmações são em geral fracas,
servindo mais para reforçar do que para persuadir (SUTHERLAND; SYLVESTER,
2000).
2.1.6 A comunicação velada e os tabus sociais em propaganda
De acordo com Tanaka, a segunda razão para o emprego de comunicação
velada em propaganda é “para evitar a responsabilidade por consequências sociais
Apoio teórico 15
de certas implicações decorrentes da propaganda”. O exemplo dado pela autora é
uma propaganda de whisky através de uma jovem atraente: Something that is more
delicious than work. Tanaka acha que ´something´ é ambíguo (implicando sexo).
Segundo Crook (2004), o importante é que um instrumento captador de
atenção é exatamente isso. Somente em alguns casos, i.e., seguindo menção
implícita, pode dar margem à interpretações adicionais.
Imaginemos uma inglesa na Turquia, sem saber falar a língua, diante de um
vendedor que tenta comunicar algo. A intenção informativa está fracamente
evidenciada, mas está claro que existe uma intenção comunicativa.
Um caso semelhante acontece na propaganda (se bem que a incompreensão
pode ser considerada mais grave aqui do que na propaganda).
Não é raro ver uma propaganda opaca em termos informacionais, continua
Crook. Mas o uso da língua é um forte indício de que há intenção comunicativa, o
que fará a audiência persistir na tentativa de recuperar o conteúdo informativo. Além
disso, a mera presença de um outdoor fornece forte evidência da intenção
comunicativa, baseado no conhecimento do passante de propaganda como um
gênero. Um leitor, equipado com o conhecimento de que propaganda é gênero,
tende menos a esperar um grande retorno em termos de ganho cognitivo.
Expectativas de relevância estão ligadas ao gênero, de tal modo que os
propagandistas são constantemente forçados a superar limites na esperança de
conectar-se com a audiência que já viu muito antes.
O segundo caso - da força da evidência para atribuição de intenção - refere-
se à comunicação em que há forte evidência de intenção informativa, mas fraca em
intenção comunicativa. Somente nestes casos, haveria uma comunicação velada.
John Philip (1997, p.89 apud Crook, 2004) identifica três características de
uma propaganda bem sucedida:
(a) Eles são verossímeis e oferecem uma recompensa visual.
(b) São mais visuais que verbais.
(c) Dizem algo importante significativo sobre o produto.
Apoio teórico 16
Uma imagem sexual é um instrumento captador de atenção, que pode
também servir de input para processos inferenciais. Contudo, esta segunda função
refere-se à propaganda como um todo, e não somente ao produto: faz parte da
dimensão de recompensa. Fala-se também em abordagens racionais e emocionais
na propaganda, e embora esta tenda mais para uma do que para outra, está claro
que ambas constituem dimensões necessárias de uma propaganda. As afirmações
sobre o produto tendem a apresentá-lo racionalmente (consistência cognitiva) e
emocionalmente (através da recompensa).
2.2 A Linguística Crítica
A abordagem crítica inclui a Linguística Crítica, de Fowler et al (1979, 1991), o
trabalho de Fairclough sobre linguagem e poder (1989, 1992a, 1992b), a abordagem
da análise do discurso desenvolvida por Pêcheux (1982), estudos culturais
desenvolvidos mais recentemente (SCANELL, 1991) e os trabalhos sobre linguagem
e gênero (CAMERON, 1985, 1990; CALDAS-COUTHARD e COUTHARD, 1996,
entre outros).
Hoje, rejeitam-se dois “dualismos prevalecentes e relacionados” na teoria
linguística tradicional: (i) o tratamento dos sistemas linguísticos como autônomos e
independentes de contexto, isto é, do “uso” da língua e (ii) a separação entre
“significado” e “estilo” ou “expressão” (ou entre “conteúdo” e “forma”). “A linguagem
na sociedade serve para confirmar e consolidar as organizações que a moldam”
(FOWLER et al, 1979, p. 190). Estende-se a 'hipótese Sapir-Whorf' - o determinismo
linguístico - de que a linguagem incorpora visões de mundo particulares a
variedades da mesma língua; os textos particulares incorporam ideologias ou teorias
particulares, e o propósito é a interpretação crítica de textos: “a recuperação dos
sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas linguísticas à luz
dos contextos interacionais e sociais mais amplos” (FOWLER et al., 1979, p.195-
196).
O ponto teórico principal na análise de Fowler é de que qualquer aspecto da
estrutura linguística carrega significação ideológica - seleção lexical, opção sintática
etc. – todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma
coisa, e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão
Apoio teórico 17
trazem distinções ideológicas (e assim diferenças de representação). Mas, para
Fowler, na medida em que há, sempre, valores implicados no uso da língua, deve
ser justificável praticar um tipo de linguística direcionada para a compreensão de tais
valores. Esse é o ramo que se tornou conhecido como Linguística Crítica.
A análise crítica está interessada no questionamento das relações entre
signo, significado e o contexto sócio-histórico, que governam a estrutura semiótica
do discurso, usando um tipo de análise linguística. Ela, procurando e estudando
detalhes da estrutura linguística à luz da situação social e histórica de um texto, traz
para o nível da consciência os padrões de crenças e valores que estão codificados
na língua – e que estão subjacentes à notícia, para quem aceita o discurso como
“natural”. O autor indica a Linguística Sistêmico-Funcional como a teoria e a
metodologia mais adequadas para efetivar sua proposta.
2.3 A Análise do Discurso Crítica
Para que um método e análise do discurso sejam úteis teria de preencher
algumas condições mínimas, segundo Fairclough (1992).
Primeiro, seria necessário um método para análise multidimensional . A
abordagem tridimensional (de Fairclough) permite avaliar as relações entre mudança
discursiva e social e relacionar sistematicamente propriedades detalhadas de textos
às propriedades sociais de eventos discursivos como instâncias de prática social.
Segundo, seria necessário um método de análise multifuncional . Um bom
ponto de partida é uma teoria sistêmica da linguagem (HALLIDAY, 1978) que
considera a linguagem como multifuncional e considera que os textos
simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e
estabelecem identidades. Essa teoria de linguagem pode ter aplicações úteis
quando combinada à ênfase nas propriedades socialmente construtivas do discurso
nas abordagens socioteóricas do discurso, como a de Foucault (1987).
Terceiro, seria necessário um método de análise histórica . Deve focalizar a
estruturação ou os processos “articulatórios” na construção de textos, e na
constituição a longo prazo de “ordens de discurso” isto é, configurações totais de
práticas discursivas em instituições particulares, ou mesmo em toda uma sociedade.
Apoio teórico 18
Quarto, seria necessário um método crítico . “Crítico” implica mostrar
conexões e causas que estão ocultas; implica também intervenção - por exemplo,
fornecendo recursos por meio da mudança para aqueles que possam encontrar-se
em desvantagem. As relações entre a mudança discursiva, social e cultural não são
transparentes para as pessoas envolvidas.
Passo, então, a apresentar a Linguística Sistêmico-Funcional, indicada tanto
por Fowler como por Fairclough como tendo as características necessárias para
realizar uma análise crítica da linguagem. Essa abordagem será também a que
apoiará minhas análises das propagandas de cerveja.
2.4 A Linguística Sistêmico-Funcional
Segundo Eggins (1994), a abordagem da Linguística Sistêmico-Funcional
(LSF) considera que a língua serve para construir três significados: ideacional,
interpessoal e textual. A metafunção ideacional representa os eventos das orações
em termos de fazer, sentir ou ser, através do sistema da Transitividade [envolvendo:
Participantes - Processo - Circunstância]; a metafunção interpessoal envolve as
relações sociais com respeito à função da oração no diálogo, e referem-se a dar ou
pedir informação ou bens e serviços [envolvendo: Sujeito - Finito (mood e
modalidade) - Resíduo]. Finalmente, a metafunção textual organiza os significados
ideacional e interpessoal de uma oração, retrabalhando quais os significados que
são representados em primeiro lugar ou no final da oração [envolvendo: Tema e
Rema]. O conceito de metadiscurso aqui está fortemente influenciado pela distinção
de Halliday das três funções do uso da linguagem.
Essas metafunções agem juntas: cada palavra que dizemos realiza as três
metafunções. Em sendo assim, tudo que expressamos linguisticamente quer dizer,
simultaneamente, três coisas: alguma coisa (ideacional) dita a alguém (interpessoal)
de algum modo (textual).
Vejamos como o exemplo: “Elza comprou livros na exposição”, seria
analisado nessas metafunções, conforme apresenta o Quadro 3. Mas, antes
apresentamos o Quadro 2, que mostra o sistema da Transitividade, pertencente à
metafunção ideacional, que representa os eventos das orações em termos de fazer,
Apoio teórico 19
sentir ou ser, envolvendo: (a) participantes; (b) processos; e (c) circunstâncias. Os
integrantes das demais metafunções podem ser visualizados no mesmo quadro.
Quadro 2 - Processos e Participantes
Processo Participantes
Material Ator, Meta, Extensão, Beneficiário
Comportamental Comportante, Comportamento, Fenômeno
Mental Experienciador, Fenômeno
Existencial Existente
Relacional Identificativo: Característica, Valor
Atributivo: Portador, Atributo
Verbal Dizente, Receptor, Verbiagem, Receptor, Alvo
Quadro 3 - As três metafunções (Fonte: HALLIDAY, 1994)
Elza compr- -ou livros na exposição
Ideacional Ator processo material Meta Circunstância
Mood Resíduo Mood Resíduo Interpessoal
Sujeito Predicador Finito Complemento Adjunto adverbial
Textual Tema Rema
Em relação à metafunção ideacional, o verbo “comprar” expressa um
processo material, “Elza” um participante “Ator”, “livros” um participante “Meta” e “na
exposição” uma Circunstância de tempo. Esses elementos representam a
Transitividade da oração.
Em relação à metafunção interpessoal, é uma sentença declarativa, na qual
“Elza” realiza o Sujeito, a terminação “–ou” (da forma verbal “comprou”) o Finito, e
“compr-“ (da forma verbal “comprou”) o Predicador. “Elza” ainda realiza o Mood e o
restante da frase forma o Resíduo (exceto o “ou”, que faz parte do Finito).
Em relação à metafunção textual, “Elza” realiza o Tema da frase e o restante,
o Rema. O Tema é o ponto de partida da mensagem e indica uma posição
importante na frase, ajudando a estruturar o discurso e a dar proeminência aos
elementos que o compõem.
Essa fusão dos três significados é possível, diz Halliday (1994), porque a
língua possui um nível intermediário de codificação: a léxico-gramática. É este nível
que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no
Apoio teórico 20
texto através das orações. Por isso a afirmação de Halliday: “a descrição gramatical
é essencial à análise textual”.
A partir de cada metafunção, são realizadas muitas outras funções, cada uma
em um sistema diferente. Cada realização, por sua vez, é uma escolha. A escolha é
entendida aqui como um ato normalmente inconsciente, guiado por motivos
individuais, segundo nossas intenções, vontades, afetividade, subjetividade, mas
também por razões sociais, históricas e culturais, ditadas pelo contexto. Sendo
assim, a LSF é uma teoria que tenta explicar o funcionamento da linguagem por
meio da descrição de como as pessoas falam e escrevem e quais escolhas fazem
nesse processo.
A LSF explica o modo como esses significados são construídos nas
interações linguísticas do dia-a-dia. Por isso, requer a análise de produtos autênticos
das interações sociais (textos orais ou escritos), levando em conta o contexto
cultural e social em que ocorrem a fim de entender a sua qualidade: por que um
texto significa o que significa, e por que ele é avaliado como o é. Por outro lado,
ninguém usa a língua, isto é, fala ou escreve, sem um propósito (função) em mente.
Alguns fatos mostram que língua e contexto estão inter-relacionados, continua a
autora: (a) somos capazes de deduzir o contexto de um texto (um texto carrega
aspectos do contexto em que foi produzido); (b) somos capazes de predizer a língua
através de um contexto; e (c) sem um contexto não somos capazes, em geral, de
dizer que significado está sendo construído. Portanto, ao fazermos perguntas
funcionais, não é suficiente enfocarmos somente a língua, mas a língua usada em
um contexto. Mas quais as feições desse contexto afetam o uso da língua? Para
responder a essa questão, os sistemicistas lançam mão de dois conceitos: registro e
gênero.
O conceito de registro é uma explicação teórica da observação do senso
comum de que usamos diferentes linguagens em diferentes situações. Para a LSF, o
registro descreve a influência das dimensões do contexto situacional imediato sobre
a língua. Tais dimensões são três: Campo, Relações e Modo, que são, por sua vez,
organizados, respectivamente, pelas metafunções ideacional, interpessoal e textual.
A noção de gênero é devida a Bakhtin (1997), que o definiu como sendo
“tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados por cada esfera de utilização
Apoio teórico 21
da língua” e incluem desde o diálogo cotidiano até a exposição científica. Em
sistêmica, Martin (1984, p. 25) o definiu como “uma atividade, organizada em
estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como
membros de uma determinada cultura”. Menos tecnicamente, ele diz que gêneros
são como as coisas são feitas, quando a linguagem é usada para efetivá-las. No
caso desta pesquisa, examinaremos o gênero propaganda nas revistas Veja Rio, da
Lapa e VIP.
Além dessas dimensões contextuais, a ideologia, que é um nível superior de
contexto, tem chamado à atenção dos sistemicistas, na medida em que, em
qualquer registro, em qualquer gênero, o uso da língua será sempre influenciado
pela nossa posição ideológica (nossos valores, nossas tendências, nossas
perspectivas). Porém, por razões que são elas mesmas de natureza ideológica,
muitas pessoas não foram educadas para identificar a ideologia nos textos, e por
isso os “leem” como se fossem representações naturais e inevitáveis da realidade.
2.4.1 A função interacional
Thompson e Thetela (1995, p.103-127) afirmam que a função interativa da
linguagem ocorre não somente na modalidade falada, como muitos acreditam, mas
também na modalidade escrita. Para entender a questão, eles distinguem dois tipos
de abordagem na investigação da interação na escrita: (a) orientada-para-
informação (amiga do leitor): são as necessidades do leitor que são levadas em
consideração; (b) orientada-para-função (não amiga do leitor) (manipulativa): o
escritor conduz a interação, atribuindo papéis (perguntador e respondedor) e se
imiscuindo na mensagem através de comentários e avaliações.
Eles observam que a metafunção interpessoal, da LSF, envolve, na realidade,
duas funções: (i) pessoal (posição do falante) [a modalidade, da LSF] e (ii)
interacional (a relação entre os interlocutores) [o mood, da LSF]. Note-se que, na
LSF, o mood envolve a modalidade, fato contestado por Thompson e Thetela, já que
o mood se refere à interação e a modalidade refere-se ao posicionamento pessoal.
Veja Quadro 4:
Apoio teórico 22
Quadro 4 - Sistema interpessoal (Fonte: THOMPSON & THETELA ,1995)
Modalidade10 responsabilidade aceita
responsabilidade camuflada pessoal (modalidade)
avaliação proposicional
encaixada
papéis desempenhados
direto indireto
INTERPESSOAL
interacional (mood)
papéis projetados nomeação atribuição
Os autores examinam a função interacional : (a) papéis desempenhados -
realizados pelo ato de fala por si (o participante não pode deixar de desempenhar
estes papéis: e.g., “perguntador” ou “respondedor”) e (b) papéis projetados - a
rotulação do falante/ouvinte (“você”, “leitor”).
Na análise da distribuição de poder na interação, é importante ter em mente
que a relação entre o escritor-no-texto e o leitor-no-texto é inversa da relação entre
escritor e leitor. Isto é, na realidade o agente de propaganda está em posição inferior
ao do leitor (pois precisa que este compre o produto etc.), mas, com exceção de
propaganda para fins de caridade, quando o escritor-no-texto se relaciona com o
leitor-no-texto de igual para igual ou colocando-se numa posição superior.
2.4.1.1 Papéis desempenhados
São as escolhas no elemento de mood da oração para atribuir certos papéis
aos participantes do evento linguístico: o escritor, ao escolher uma declarativa ou
interrogativa age no papel daquele que dá ou pede uma informação, colocando o
leitor no papel complementar daquele que aceita ou fornece. Os autores enfocam as
perguntas e as ordens.
(a) Perguntas
(i) Algumas perguntas exigem uma resposta mínima do leitor: sim, não.
(ii) Outras propagandas adotam uma estratégia mais arriscada:
10 Ex.: Subjetivo: Eu acho que esteja errado. Objetivo: Há a possibilidade de que ele esteja errado.
Apoio teórico 23
(4) Enquanto alguns estão fazendo fila para comprar na loja X, o que você está
fazendo?
(iii) Em outros casos, as perguntas funcionam na interação como se fossem
realizadas pelo leitor à procura de informação.
(5) Mas você gostaria que seus filhos tivessem que pagar por isso?
(b) Ordens
Qualquer propagada pode ser vista na essência como uma ordem: uma
tentativa linguística para influenciar o comportamento de outros participantes. Mas a
maioria dessas ordens aparece suavizada através de referência a benefícios que o
leitor usufruiria se elas fossem seguidas, apontando, por outro lado, para a
responsabilidade dessa obediência.
(6) Complete o cupom abaixo.
2.4.1.2 Papéis projetados
São papeis atribuídos pelo escritor por meio de rótulos explícitos aos
participantes no evento linguístico e pode ser feitos através de: (a) nomeação e (b)
papéis atribuídos.
(a) Nomeação
O modo mais comum de os escritores se referirem a si mesmos é através de
nós ou do nome da companhia.
(7) As Casas Bahia vendem tudo sem juros.
(b) Papéis atribuídos
São os papéis atribuídos aos participantes no sistema da transitividade, da
LSF. Um dos papéis projetados no leitor-no-texto é bem previsível: o de Beneficiário
(“aquele para quem o processo acontece”).
(8) Enviaremos a você um livreto grátis.
Apoio teórico 24
Este é o ponto em que o componente interpessoal se sobrepõe ao ideacional
no modelo de Halliday, já que, se o escritor projeta papéis, a pessoa sobre quem o
papel é projetado é simultaneamente um participante no evento linguístico e um
participante na oração: no caso, ele é nomeado de “você” e é o Beneficiário, no
sistema da Transitividade da oração.
2.4.2 A função pessoal - A Avaliatividade
Para Volosinov (1973), muitas abordagens linguísticas supõem que a função
mais comum da língua seja a proposicional, ou referencial. Porém, quando olhamos
para a ocorrência e a combinação reais de elementos gramaticais e lexicais da
conversa, o que vemos é que a expressão avaliativa feita pelo falante e seu impacto
na estrutura da interação não estão separados do relato dos acontecimentos e
atores do mundo.
Martin (2000) afirma que o que tendeu a ser omitido pelas abordagens da LSF
é a semântica da avaliação, isto é, o modo como os interlocutores estão se sentindo,
os julgamentos que eles fazem, o valor que eles atribuem a vários fenômenos de
sua experiência. Ele está interessado em mostrar que a avaliação é complexa para
operar, mas que pode ser reduzida a um pequeno número de conjuntos básicos de
opções: o que parece ser, a princípio, um grupo variado intratável de itens lexicais,
pode ser sistematizado. Ele demonstra que esses conjuntos de opções estão
relacionados consistentemente a outros conjuntos de opções no significado
potencial da língua. O autor valoriza o aspecto central da avaliação e a vê como uma
parte vital da negociação do significado que é o coração de toda a comunicação.
O sistema de escolhas usado para descrever essa área de significado é
chamado por Martin de Avaliatividade, constituído por três principais sistemas:
(a) ATITUDE, que envolve três sub-sistemas, a saber:
(i) AFETO, que trata da expressão da emoção (felicidade, medo etc.);
(ii) JULGAMENTO, que trata da avaliação moral do comportamento
(honestidade, bondade etc.); e
Apoio teórico 25
(iii) APRECIAÇÃO, que trata da avaliação estética (sutileza, beleza
etc.).
Esses sub-sistemas se ligam a dois outros: (b) COMPROMISSO, que trata do
grau de compromisso do escritor à avaliação que expressa, o que é feito através da
modalidade e sistemas relacionados. O Compromisso foi detidamente estudado por
White (2003). Em termos amplos, o autor distingue entre enunciados heteroglóssicos
ou dialógicos (nos quais se sinaliza uma posição que explicitamente mostra
diversidade de opiniões, com implicação de conflito e luta entre as vozes); e
enunciados monoglóssicos (em que o escritor se posiciona, construindo a audiência
como partilhando a mesma visão de mundo); e, finalmente; (c) GRADAÇÃO, que
trata dos recursos para intensificar ou minimizar a força da avaliação (aumentando
ou diminuindo) ou o foco da avaliação (aguçando ou amenizando).
Diz o autor, que os sistemas de Avaliatividade também se ligam a outros
sistemas, no sentido de “redundar” com outras partes da léxico-gramática, cobrindo
a mesma área semântica com o uso de diferentes recursos linguísticos. Assim, por
exemplo, o significado apreciativo (metafunção interpessoal) em: (1) O filme era
muito triste, está próximo, em termos semânticos, ao do processo mental11 de
afeição (metafunção ideacional): (2) O filme me comoveu até as lágrimas.
Continuando, Martin diz que, quando a avaliação é realizada explicitamente, é
fácil analisar uma atitude sobre um evento como positiva ou negativa. Assim, por
exemplo, em (9) há a expressão de Afeto positivo e em (10), de Afeto negativo:
(9) Felizmente, Maria confrontou a autoridade.
(10) Infelizmente, Maria confrontou a autoridade.
Mas, há casos em que a avaliação não é realizada de maneira explicita como em:
(11) Maria confrontou a autoridade.
Diz ele que, em casos como (9) e (10), a decisão pela Avaliatividade de Afeto,
se positiva ou negativa, depende da posição de leitura. Assim, deve-se considerar o
fato de que o que conta como Avaliatividade depende do Campo do discurso. Por
11 Veja Transitividade (Halliday, 1994)
Apoio teórico 26
isso, significados ideacionais, que não se valem de léxico avaliativo podem ser
usados para evocar apreciação, assim como afeto e julgamento.
Nesse sentido, Martin afirma que o significado interpessoal pode ser realizado
através de configurações ideacionais, e propõe a noção de token de atitude para
denominar o modo pelo qual o significado ideacional pode ser “saturado” em termos
avaliativos, ou seja, interpessoais. Dessa forma, enquanto os elementos de
Avaliatividade (Martin, 2000): Afeto, Julgamento e Apreciação – referentes ao
posicionamento pessoal do autor do texto – são frequentemente inscritos, explícita
diretamente em um texto (através de léxico como: medo, covardemente ou
significativo), o token de atitude é um termo que se refere à realização indireta de
avaliação. Essa noção possibilita à teoria dar conta de uma palavra ou conjunto de
palavras que são usados para disparar ou evocar um julgamento por parte do leitor.
Como Martin (1992, p. 553-559) e outros notaram, as realizações de
significados interpessoais, incluindo modalidades e atitudes, tendem a ser mais
“prosódicas” que as realizações mais segmentáveis e localizadas dos significados
ideacionais. Podemos interpretar esse fato, dizendo que componentes redundantes,
qualificadores e amplificadores ou restritivos, daquilo que é funcionalmente uma
única avaliação, espalham-se através da oração ou da oração complexa ou, mesmo,
de longos trechos de um texto. Quando isso acontece, eles se sobrepõem a outros
significados avaliativos, e os escritores experientes encontram meios de integrar
suavemente os resultados através de delicadas escolhas lexicais e
interdependências gramaticais. Ficará claro também que as avaliações de
proposições e propostas não são independentes, em longos textos, da avaliação de
participantes, processos e circunstâncias incluídos em proposições e propostas.
Por outro lado, Lemke (1998) fala em propagação sintática, isto é, o fato de a
avaliação em relação a um elemento estrutural poder-se transferir para outro
elemento. É interessante, diz o autor, que a Polaridade dessas avaliações pode ser
revertida durante a propagação (o Grau normalmente se propaga sem mudança) por
meio de várias locuções. Ele também propõe a noção de avaliação prospectiva e
retrospectiva estendida, em que, através da avaliação, estabelece-se uma cadeia de
referência catafórica e prospectivamente avalia o futuro conteúdo da cadeia
estendida, através de trechos do texto.
Apoio teórico 27
2.5 A fórmula “AIDA”
Uma maneira de olhar a propaganda feita pelos fabricantes de cerveja é a
proposta de Ungerer (2004, p.307-328), que examina as características que, de um
modo geral, estão presentes em toda propaganda. As propagandas, segundo ele,
seguem uma estratégia, cujos objetivos sempre são condensados em fórmulas
acronímica, a mais velha e mais conhecida é a fórmula da AIDA (Atenção –
Interesse – Desejo – Ação). Ao aplicar esta fórmula nas propagandas para o
consumidor podem-se definir as funções da manchete e da ilustração para chamar a
ATENÇÃO e criar INTERESSE, os elementos pictóricos (geralmente contendo uma
réplica do produto anunciado), parece querer despertar o DESEJO, um objetivo
também apoiado pelo texto do corpo do texto, geralmente uma lista de vantagens
sobre o produto ou um apelo (pseudo) lógico. A linha para assinatura e o logo são
usados para atrair DESEJO por certa marca ou empresa, enquanto que os detalhes
como endereço da empresa, ajudam a transformar o DESEJO em AÇÃO.
Os consumidores atuais estão se tornando mais seletivos e sofisticados.
Tirando as propagandas criadas para chamar a ATENÇÃO e criar INTERESSE, o
componente do desejo tende a ser expresso muito indiretamente, geralmente pelo
meio de metáforas, enquanto que a AÇÃO é reduzida ao oferecimento de linha
direta para o consumidor.
A fórmula AIDA é aceita como uma maneira prototípica de estabelecer metas
estratégicas para as propagandas, apesar disto não significar que o peso dos
elementos individuais ou da motivação por trás deles. Enquanto fica claro que a
ATENÇÃO e o INTERESSE (que são inseparáveis) têm uma função introdutória
para o DESEJO, o elo para chamar a atenção é menos certo e obviamente depende
da força do DESEJO gerado. Isto aponta o desejo como elemento central da fórmula
AIDA, e ao mesmo tempo seleciona o DESEJO como um princípio motivador da
CREDIBILIDADE. Nesse sentido, propagandas de sucesso significam “liberar o
desejo adormecido do consumidor”, e isto pode ser alcançado de muitas maneiras
diferentes – por elementos visuais sugestivos, por argumentação lógica ou mais
genericamente. Usa-se, então, a credibilidade para apoiar o DESEJO e convertê-lo
em AÇÃO de compra, que é a meta principal da propaganda ao consumidor.
Notemos, porém, que nem todos os elementos de AIDA são factuais, encontradiços
Apoio teórico 28
no mundo real. Daí a necessidade da criação de um mundo ficcional, como veremos
a seguir.
2.6 A criação do “mundo textual”
A teoria do mundo textual desenvolvida por autores como Semino (1997) e
Werth (1999) retoma as noções derivadas da tradição do texto linguístico. Essas
teorias veem o processamento de um texto como um evento dinâmico em que tanto
o autor quanto o leitor desempenham papéis ativos; nessa perspectiva, a
negociação é um elemento crucial de interação, já que antecipa e determina a
natureza do discurso que se desenrola. Assim, em Werth (1995b, p. 95), o discurso,
em linhas gerais, é um esforço deliberado e conjunto por parte do produtor e do
receptor para criar um “mundo” dentro do qual as proposições apresentadas são
coerentes e fazem sentido. Essa definição baseia-se na visão dinâmica do processo
da comunicação e na hipótese cognitiva de que os participantes em situação de
comunicação constroem ativamente os contextos partilhados, que surgem na
interação entre a informação do texto e o conhecimento trazido pelos participantes
para a situação discursiva.
Downing (2003) explora o modo como se criam mundos textuais no discurso
da propaganda, analisando as escolhas linguísticas e as feições de contexto, que
são cruciais na determinação das relações específicas entre produtor e audiência,
em particular, o frame, o conhecimento de mundo compartilhado por eles.
Argumenta-se que o modelo do mundo textual é adequado para a descrição da
maneira pela qual o discurso da propaganda é processado de modo ativo, dinâmico
e dependente de contexto. Nesse processo, o receptor reconstrói o mundo projetado
no discurso de acordo com seu próprio conhecimento cultural e pessoal, a partir de
pistas linguísticas e visuais da propaganda. Apesar de o discurso da propaganda
estabelecer relações complexas entre os componentes visuais e textuais dos
anúncios, a autora tem seu foco nos aspectos textuais e faz apenas algumas
referências a informação visual.
A teoria de mundo textual tal como desenvolvida, entre outros, por Semino
(1997) e Werth (1999, apud DOWNING, 2003) traz consigo noções derivadas da
tradição da linguística textual e noções de teorias mais recentes como a metáfora e
Apoio teórico 29
espaços mentais. Essas teorias compartilham uma visão de processamento de texto
como um evento dinâmico em que tanto o autor quanto o leitor desempenham
papéis ativos; nessa perspectiva, a negociação é um elemento crucial de interação,
já que antecipa e determina a natureza do discurso que se desenrola. O discurso,
em linhas gerais, é um esforço deliberado e conjunto por parte do produtor e do
receptor para criar um mundo dentro do qual as proposições apresentadas são
coerentes e fazem sentido. Assim, recorre-se, por exemplo, à criação de um tom
conversacional no discurso da propaganda estabelecendo um relacionamento entre
personagens do mundo de ficção e destinatário com base na suposição de
conhecimento partilhado que determina um sentimento de urgência, confiança,
informalidade e intimidade.
A natureza cognitiva da noção de mundo textual é defendida por Semino
(1997, p.1): “Quando lemos, inferimos ativamente um mundo textual atrás do texto”.
Por mundo textual ele se refere ao contexto, ao cenário ou ao tipo de realidade que
é evocado em nossas mentes durante a leitura e que (concluímos) é referido pelo
texto. O mundo textual não é uma entidade fixa que é percebida da mesma maneira
pelos leitores; de fato, nem há garantia de que os receptores construirão o mundo
textual pretendido pelo produtor.
Nesse sentido, a noção de frame segundo Downing (2003), é fundamental
para a compreensão desses fenômenos. O frame é definido como estrutura
cognitiva de suposições culturalmente determinadas e expectativas desenvolvidas a
partir de experiências passadas em situações semelhantes. O frame evoca o
conhecimento pessoal e cultural relevantes para a coerência de um texto. O papel
do frame é crucial no processamento da informação do texto porque permite a
introdução de elementos default, isto é, a informação que se conforma a padrões já
existentes e que são apresentados como dados. A distinção entre informação dada
e nova é crucial na construção de mundos textuais da propaganda, já que o que é
apresentado como informação dada codifica pressuposições de um discurso, isto é,
a informação que é aceita como verdadeira, e que, como consequência, tem uma
base ideológica.
Por outro lado, é crucial nessa questão, a noção de escolha linguística,
explorada na linguística funcional (HALLIDAY, 1973, 1994): escolhas feitas no
Apoio teórico 30
discurso em diferentes níveis linguísticos [léxico, morfologia, sintaxe, fonologia] são
significativos e determinam a criação de diferentes significados, diferentes
interpretações da realidade, ou diferentes visões de mundo. Como foi explicado por
Fowler (1991), as visões de mundo reproduzem tipicamente ideologias, neste
sentido, a língua como ferramenta para classificação e interpretação da realidade,
constrói as versões de “senso comum” de como as coisas são ou deveriam ser no
mundo.
Essa relação indireta entre a mente humana e a realidade, domínios que são
mediados pela língua, é salientada por abordagens cognitivistas recentes do estudo
da língua (LAKOFF; JOHNSON, 1980; VAN DIJK; KINTSCH, 1983; FAUCONNIER,
1985; SEMINO, 1997; WERTH, 1999). Assim, as teorias cognitivas baseadas em
noções como frame, modelos mentais e mundo enfatizam o papel ativo
desempenhado pelo leitor na construção de mundo que é evocado pelo texto em
sua mente. Portanto, falar em discurso entendido como texto em contexto significa
não somente tratar de fatores pragmáticos, mas também da criação de específicos
mundos mentais ou construções de uma dada realidade.
2.7 Interação como o texto multimodal: reflexões so bre imagem e palavreado
O fenômeno do texto composto ou multimodal é um desafio para analistas do
discurso, particularmente para os que trabalham com ferramentas linguísticas
moldadas para o texto verbal, diz Macken-Horarik (2004). Ela analisa a contribuição
complementar entre imagem (ilustrações) e palavras (do texto) no processo da
construção de significados. Apoiando-se principalmente na análise da
AVALIATIVIDADE praticada na Sydney School linguistics, ela propõe uma avaliação
mais rica da imagem e da verbiagem do que é feito atualmente em análises desses
modos. Uma gramática semiótica nesses moldes foi desenvolvida por Gunther Kress
e Theo Van Leeuwen em Reading Images (1996), em que, amparados pela
Linguística Sistêmico-Funcional, os autores fornecem um enquadramento teórico
consistente para a análise de textos visuais.
Primeiramente, diz Macken-Horarik, lidamos com textos multimodais
diariamente, sempre que lemos jornais, assistimos à televisão, jogamos videogame
Apoio teórico 31
ou até mesmo quando lemos um livro. Nosso enquadre semiótico de análise deveria
permitir-nos compreender mais sobre a contribuição dos diferentes modos nas
nossas práticas da semiótica em mutação. Segundo, a multimodalidade está cada
vez mais incorporada ao currículo escolar, e precisamos abordá-la em nosso
trabalho educacional. A maior parte dos jovens alunos são mais hábeis do que seus
pais na utilização da tecnologia da informática nos contextos de lazer e na escola.
Porém, além do conhecimento prático, eles precisam ter acesso a ferramentas
analíticas que tornem as potencialidades e os limites dessas modalidades mais
aparentes e mais suscetíveis a desafios e ao seu redesenho onde necessário.
Nossos programas de letramento precisam facilitar o trabalho metasemiótico dos
nossos alunos.
Na pesquisa que faz, a autora notou que os espectadores em geral mudam
entre imagem e verbiagem quando reagem a cada obra. Muitos deles olham para as
imagens por um tempo, leem o painel de texto, depois voltam à imagem. Como eles,
a autora também usava a escrita como um meta comentário da imagem, uma
oportunidade de ver a obra do ponto de vista do artista-aluno. Ela reagia, num
primeiro momento, frequentemente de modo difuso, à imagem e depois a re-
enquadrava à luz do painel de texto, que dirigia seu olhar a certas qualidades da
obra. Quando voltava à imagem, havia mais significado do que antes.
2.7.1 As ferramentas
A fim de desenvolver uma gramática semiótica adequada para a análise do
discurso multimodal, temos de começar de algum lugar, afirma Macken-Horarik. A
Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday tem se revelado útil em vários
aspectos. Primeiramente, a LSF tenta relacionar as estruturas linguísticas ao
contexto social em que são produzidas. Halliday e seus colaboradores partem do
pressuposto de que a “língua é como é devido às funções que serve na vida das
pessoas, e assim precisamos proceder de fora para dentro, interpretando a língua
com referência ao seu lugar no processo social” (HALLIDAY, 1978, p. 4). A relação
das estruturas linguísticas com os processos sociais faz da LSF um recurso útil para
o estudo mais amplo de diferentes modos semióticos. O foco na relação entre
estruturas sociais e linguísticas tem lhe dado uma face “de aplicação” poderosa em
Apoio teórico 32
relação a outras gramáticas, levando a pesquisas influentes na educação entre
outras áreas institucionais.
Segundo, como uma gramática, a LSF permite mapear não apenas palavras,
mas a combinação de palavras a que Halliday chama de ‘wordings’, e interpreta
esses sintagmas (grupos) linguísticos em termos funcionais. Até agora, tem havido
pouquíssimas análises sistemáticas de estruturas análogas em comunicação visual.
Como Kress et al. (1997, p. 260 apud Macken-Horarik, 2004) afirmam, a análise de
imagens tem se detido em itens de conteúdo, ou “léxico”, e não na estrutura interna
das imagens, ou “sintaxe”. Essa é uma tarefa importante se quisermos desenvolver
uma “gramática” que nos possibilite entender a relação entre as estruturas
linguísticas e não linguísticas.
Em terceiro lugar, a LSF é uma gramática orientada para escolhas em vez de
regras. As escolhas linguísticas são modeladas em termos de sistema de redes –
uma gama de opções relacionadas a diferentes significados, que são realizadas por
uma seleção léxico-gramatical (tipos de oração e frase). Embora não seja apropriado
para todos os tipos de estrutura de significado (prosódia, gradação e intensidade), o
sistema é um recurso útil de representação para a exibição de opções discretas de
sentido em diferentes contextos semióticos (fala, escrita e, a partir de agora,
imagem).
Em quarto lugar, a LSF incorpora três tipos de significados na análise da
comunicação humana. Essas metafunções incluem: o significado interpessoal
(relações sociais e de identidade que atuam e são usadas nos textos); ideacional (a
representação empírica da realidade experiencial ou, melhor, realidades nos textos);
e significados textuais (os modos pelos quais os textos são feitos coerentes e
relacionados ao seu contexto). O princípio das metafunções forneceu aos
semioticistas categorias abstratas e gerais para a análise de diferentes sistemas
semióticos.
Kress and Van Leeuwen consideram três sistemas principais para análise do
significado nas imagens interativas, que incluem: o sistema de contato , através do
qual a imagem age sobre o expectador de alguma maneira (exigindo uma resposta
ou oferecendo uma “informação” visual); o sistema de distância social , através do
qual o espectador é convidado a aproximar-se dos participantes representados
Apoio teórico 33
(distância social íntima), mantida a uma distância razoável (distância social) ou “na
posição de afastamento” (distância impessoal); e dois grupos de sistemas dentro de
atitude: dimensão horizontal , que cria envolvimento dos espectadores (por meio da
frontalidade) ou afastamento (através da lateralidade), e da dimensão vertical , que
cria a relação de poder entre o espectador e participantes representados
(hierárquico ou solidário). Esses recursos visuais correspondem mais ou menos aos
sistemas linguísticos, tais como, os atos de fala, o modo, a pessoa e os recursos
como a avaliação.
A seguir, o Quadro 5 resume o apoio teórico que orientará minha análise das
propagandas de cerveja. A análise de cunho crítico tem apoio, em especial, da
Linguística Sistêmico-Funcional.
Apoio teórico 34
Quadro 5 - Resumo do apoio teórico
AS TEORIAS QUE APOIAM A ANÁLISE DAS CERVEJAS
Características gerais da propaganda Em resumo, a propaganda: (i) informa - diverte - aconselha - defende - etc. (ii) conservativa (apoio em valores aceitos) x inovativa (valores jovens) [para atingir máximo de público]
(iii) leitor ativo (interage com o texto) x leitor passivo (aceita a identidade imposta pela propaganda)
(iv) apoio em trocadilho, metáfora, metonímia, tom conversacional.
(v) apoio em pronome, elipse, pressuposição, dêiticos.
(cf.: COOK, 1992; TANAKA, 1994,1999; CAMPOS PARDILLOS,1995; JOHN PHILIP,1997; DOWNING, 2003; CROOK, 2004).
Ungerer (2004) Fórmula AIDA (Atenção - Interesse - Desejo – Ação)
Kitis & Milapides (1997) Persuasão [convicção - sedução]
Thompson e Thetela (1995) Modo interacional: papéis desempenhados [pergunta + ordem] e papéis projetados [nomeação + atribuição]
Martin (2000, 2003) Avaliatividade: (i) Compromisso [monoglossia - heteroglossia] (ii) Atitude [Afeto - Apreciação - Julgamento] (iii) Graduação [Força e Foco] Lemke (1998) Propagação sintática
Macken-Horarik (2004) e Kress & van Leeuwen (1996) Relação entre o visual e o verbal:
SISTEMAS
de contato de distância social de atitude
● chamam atenção ou ● oferecem informação
● aproximar (tamanho) ● afastar (idem)
● horizontal (envolvimento) ● vertical (hierarquia)
Os textos verbais e visuais, assim, criam tipos complementares de contato com seu destinatário.
Metodologia 35
3 METODOLOGIA
3.1 Dados
Analisarei duas propagandas:
a) Propaganda da Skol “Chegou Skol 360ºgraus” - veiculada na Revista Veja Rio -
edições de 18 de maio e 15 de junho de 2011 e Revista da Lapa - edições de
maio e julho de 2011.
A AmBev lançou em São Paulo a Skol 360º. Após três anos de pesquisas, a
companhia promete ao consumidor uma cerveja que “não estufa”, fruto de antiga
reivindicação do público cervejeiro, segundo detectou a empresa. A comunicação
trouxe o conceito do “homem baiacu”, relacionado ao grupo de pessoas que quando
toma cerveja se sente estufado.
Para desenvolver a Skol 360° , a equipe de mestres-cervejeiros da AmBev
trabalhou em conjunto com profissionais da AB-Inbev de todo o mundo. O produto
final só foi concluído depois de mais de 30 protótipos desenvolvidos, de acordo com
a AmBev. Mais de quatro mil consumidores foram ouvidos em pesquisas, cujos
resultados mostraram que uma parcela do público solicitava um líquido capaz de
reduzir a sensação de estufamento.
Nesse contexto, a classificação do Prêmio Folha Top of Mind, pesquisa
realizada pelo instituto Datafolha, elegeu, em 2011, a marca Skol, pela décima vez
na categoria cerveja na internet, com um índice de 41%. Skol é lembrada
principalmente pelos jovens (50%). Detentora do prêmio Top of mind, a cerveja Skol
está entre as 25 marcas mais valiosas do Brasil, segundo o ranking Interbrand, de
2011.
A Skol, cerveja que “desce redondo”, conquistou o quinto lugar no ranking e
aumenta consideravelmente o valor de marca, também renova a sua estratégia
focada na inovação. A área de inovações da Ambev já representa mais de 15% do
market share da empresa no Brasil, e a Skol representa a maior parte dessas
inovações. Em 2010 os executivos Skol decidiram destinar 15% do orçamento de
marketing em ações na internet. Esse é o maior investimento já feito pela marca no
Metodologia 36
ambiente digital. Além disso, o lançamento do Skol Cincão, primeiro barril com cinco
litros de cerveja do mercado, reforça o alinhamento entre marca e produto. Essa
diferenciação coloca a Skol como a 4ª cerveja mais vendida no mundo e a primeira
no Brasil.
b) Propaganda da cerveja Itaipava – veiculada na revista VIP - Edição de novembro
de 2011.
Um copo de cerveja num anúncio de cerveja poderia ser óbvio. Os novos
anúncios da Cerveja Itaipava, que trazem um copo com a bebida em close, fogem
desse óbvio e confirmam pela imagem que Itaipava é a cerveja que sempre coloca o
sabor e a qualidade em primeiro plano. Com essa imagem bastante inusitada, o
Grupo Petrópolis evidencia o apelo ao apetite da cerveja para seus consumidores.
Na vice-liderança do mercado brasileiro de cervejas desde o último mês de
setembro, o Grupo Petrópolis alcançou o posto não só tirando vendas de sua
concorrente direta, a Schincariol, como também vem batendo as principais marcas
da gigante Ambev nas duas principais regiões do país.
Segundo dados obtidos pelo Brasil Econômico, de 10/11/2011, junto ao
mercado para a venda de latas no varejo, a Itaipava, principal produto do portifólio
da Petrópolis, está na frente tanto de Brahma quanto de Skol para as vendas nas
regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, que juntas somam mais de
30 milhões de habitantes.
De acordo com o levantamento, realizado pela Nielsen, a Itaipava lidera as
vendas nesse segmento em São Paulo com 31,7% de participação e uma boa
margem à frente das concorrentes Brahma (20,2%) e Skol (19,2%).
3.2 Procedimentos de análise
As propagandas das cervejas Skol e Itaipava serão analisadas, de acordo
com as seguintes etapas, com enfoque na linguística crítica.
Metodologia 37
3.2.1 Análise da verbiagem
Esta parte da análise verificará os seguintes itens:
(a) a aplicação da fórmula AIDA e a persuasão por convicção e por sedução;
(b) exame dos papéis desempenhados e papéis projetados;
(c) a avaliatividade.
3.2.2 Análise da imagem
A parte da imagem verificará:
(a) o fator contato;
(b) a distância social;
(c) a atitude.
Análise 38
4 ANÁLISE
As análises deverão ser orientadas pelas perguntas de pesquisa: a) como é
criado o “mundo textual” no discurso da propaganda? (b) que elementos contribuem
para tornar esse “mundo” favorável à persuasão? e (c) como é feita a relação verbo-
visual na propaganda?
► A PROPAGANDA DA CERVEJA SKOL 360º GRAUS
Figura 1 - Anúncio de Chegou Skol 360º
Análise 39
4.1 A análise da verbiagem
4.1.1 A fórmula AIDA e a persuasão por convicção e por sedução
A propaganda da cerveja Skol “CHEGOU SKOL 360º graus”, se a
considerarmos através da fórmula AIDA (Atenção, Interesse, Desejo, Ação), chama
a Atenção, à direita da propaganda, pela figura de um jovem, de camiseta sob a
camisa xadrez, como é moda hoje, bermuda azul e calçando havaianas. Ele tem na
mão um copo em que se vê a marca Skol 360º. Atrás, vê-se uma construção
especial para churrascadas, simples, porém convidativa, com o telhado coberto com
uma trepadeira verde sob o qual estão jovens, alguns sentados, outros de pé,
curtindo uma bela tarde.
O Interesse fica a cargo do lado esquerdo do anúncio, com os dizeres:
“Chegou SKOL 360º”, em letras garrafais, sob as quais se vê uma lata e uma garrafa
da Skol, juntamente com uma tábua, ostentando um farto pedaço de churrasco,
além de algumas fatias. O que seria a “Skol 360º”? E o anunciante espera que o
leitor se detenha nas letras menores, esperando encontrar uma resposta. E lê:
Não estufa
e não empapuça.
É produzida pelo
inovador processo
de fermentação 360º.
E assim seu churrasco dura muito mais.
Skol 360º.
A cerveja com
churrascabilidade.
A leitura desses dizeres acirra o Desejo do leitor em experimentar uma
cerveja que “não estufa”, que, como se sabe, é fruto de antiga reivindicação do
público cervejeiro. É aqui que a Skol aposta no conhecimento pressuposto sobre a
aspiração do consumidor. Daí para a Ação, esperam os anunciantes, não deve
demorar.
NOTA: (em letras pretas em fundo branco, muito discreto em relação ao colorido do
resto da propaganda, estão os dizeres (“SE FOR DIRIGIR, NÃO BEBA.”)
Análise 40
4.1.2 Os papéis desempenhados e os papéis projetados
Com referências aos papéis desempenhados, a propaganda da Skol 360º não
apresenta perguntas ou ordens. Na realidade, creio que ela responde à pergunta do
consumidor por uma cerveja que não empapuce, estando, pois, a pergunta
subjacente ao anúncio. Assim, também, a ordem é feita metaforicamente, através
de: “Chegou SKOL 360º”, enunciado que não é apenas uma informação, como
parece à primeira vista, mas encerra um convite, que pode ser completada com:
“Então, vamos beber.”
Os papéis projetados, de nomeação e de atribuição, realizam-se da seguinte
maneira.
(i) Há na verbiagem da propaganda, um tom de conversa em que o anúncio refere-
se ao consumidor, pela nomeação, falando em “seu churrasco dura muito mais”,
ao mesmo tempo que sugere em tom amigo que o churrasco, isto é, a reunião
ao redor da churrasqueira durará mais com a relaxante bebida.
(ii) Na atribuição, no sistema da transitividade, o consumidor é na oração, o
“convidado”, como vimos acima, o participante META de “Skol convida”,
anunciando a chegada da SKOL 360º; no evento linguístico, “você” em “seu
churrasco” (= churrasco de você).
4.1.3 A avaliatividade
Inicio a análise da Avaliatividade na propaganda da Skol, lembrando no
Quadro 6, o sistema de Avaliatividade:
Análise 41
Quadro 6 - Recursos de APPRAISAL (Fonte: MARTIN, 2000)
COMPROMISSO
monoglóssico heteroglóssico
ATITUDE
Afeto Julgamento Apreciação
FORÇA
aumenta diminui
APPRAISAL
GRADUAÇÃO
FOCO
aguça suaviza
A análise será feita no texto que transcrevemos novamente, agora em formato
para análise, indicando com (+) para Avaliatividade de Atitude positiva e com (-) para
a versão negativa:
Quadro 7 - Análise da avaliatividade da cerveja Skol
Chegou SKOL 360º Não estufa e não empapuça. Apreciação (+) Apreciação (+) É produzida pelo inovador processo de fermentação 360º. Apreciação (+)
E assim seu churrasco dura muito mais. Afeto (+) token Graduação de força
Skol 360º. A cerveja com churrascabilidade. Apreciação (+)
A cerveja é apresentada com duas Apreciações positivas, mas negando
Apreciações negativas: “não estufa”, “não empapuça”. Notemos que “estufar” e
“empapuçar” remetem a questões em voga na sociedade contemporânea, presentes
no frame que o leitor traz na sua interação ativa com o texto: a saúde e a estética,
que fazem parte do mundo do consumidor moderno e exigente.
A afirmação em tom monoglóssico é justificada com um dado, aparentemente,
científico, com a finalidade de lhe dar credibilidade: “inovador processo de
fermentação 360º”. Notemos, porém que, se esse passo pode ser aceito, o mesmo
não acontece com a afirmação seguinte: “E assim seu churrasco dura muito mais”, já
Análise 42
que o fato de um processo evitar estufamento e empapuçamento nada tem a ver
com a duração do churrasco. Notemos que “churrasco” invoca Afeto (+), pois para a
nossa cultura, churrasco é sinônimo de festa, amigos, alegria, relaxamento.
Assim, se considerarmos a prosódia, isto é, o fato de as avaliações
espalharem-se através do texto, formando uma corrente de Avaliatividade, podemos
ver que, em nome da Apreciação positiva prosódica, a propaganda recorre a
“churrasco” como um prolongamento natural da cerveja, dois itens conjugados no
frame do brasileiro. Além disso, o anunciante conclui que, com a Skol 360º, o
churrasco dura “muito mais”, uma graduação de força, que se liga
retrospectivamente (LEMKE, 1998) à boa qualidade da cerveja e prospectivamente a
churrasco. Assim, ao finalizar com “A cerveja com churrascabilidade”, em que
“churrascabilidade” - uma invenção da propaganda - tem seu efeito positivo, já que
se apoia em “churrasco”, avaliado anteriormente com Afeto (+) e que, por conta da
prosódia, traz para a cerveja as avaliações positivas que percorreram o texto.
4.2 Análise do visual
A parte da imagem, verificará:
(a) o fator contato;
(b) a distância social;
(c) a atitude.
4.2.1 O contato
O contato se faz através de um representante do segmento do público a que
se destina a propaganda. Vemos, assim, um jovem de idade entre 25 e 30, talvez
um graduado universitário em início de carreira, vestido confortavelmente como
requer uma open party, com churrasco e regada à boa cerveja. Atrás, estão seus
amigos, em frente a uma churrasqueira, com um telhado coberto de hera e uma
chaminé fumegante. Ele olha para o leitor, sorridente, com um copo de cerveja na
mão, ao lado de uma tábua com o churrasco pronto, um convite a momentos felizes,
relaxados e em boa companhia. E, é claro, a propaganda espera uma resposta
positiva a esse convite.
Análise 43
4.2.2 A distância social: proximidade
A imagem sugere intimidade, considerando o público a que se destina. O fato
de ser um rapaz e não uma moça a figura em destaque mostra que a maioria dos
apreciadores de cerveja seja do sexo masculino. Mas há, ao fundo, igual número de
mulheres, todos jovens. Assim, eles se vestem e se mostram à vontade, em papo
informal, em um visual que convence porque reúne itens normalmente constantes de
um fim de semana agradável, ensolarado, desse segmento de público. Há, assim,
uma identificação total com os jovens, a quem a cerveja Skol 360º. tem como meta
persuadir.
4.2.3 A atitude
Contribuindo com o contato e a proximidade, que já aproximaram a cerveja
Skol 360º do leitor, o fator atitude mostra o rapaz com o copo de cerveja na mão
olhando de frente o observador da propaganda, o que, segundo Macken-Horarik
(2004), sugere envolvimento e proximidade. Além disso, ele sorri amigavelmente,
numa atitude que demonstra tranquilidade e descanso, como que em um momento
de total felicidade e de entrega à boa bebida.
Análise 44
► A PROPAGANDA DA CERVEJA ITAIPAVA
Figura 2 - Anúncio de Itaipava
4.3 A análise da verbiagem
4.3.1 A fórmula AIDA e a persuasão por convicção e por sedução
Ungerer (2004) afirma que os anúncios seguem estratégias diferentes, cujas
metas têm sido, frequentemente, condensadas em fórmulas acronímicas - sendo a
mais antiga e mais conhecida a fórmula AIDA (Atenção – Interesse - Desejo - Ação).
Análise 45
O close up no copo com cerveja Itaipava atrai a atenção do leitor fatigado por
anúncios que oscilam entre mulheres, samba, futebol, churrasco e praia. O interesse
é criado pelos dizeres, no lado esquerdo: “Quem descobre nossa qualidade nunca
mais esquece o nosso nome”, seguido por um texto em letras menores:
Produzida com malte e lúpulo importados e àgua de excelente
qualidade. Itaipava é uma cerveja única, feita especialmente
para você. Por isso, a cada dia ela conquista mais e mais
consumidores que sabem reconhecer um produto de qualidade
superior. Itaipa. A cerveja sem comparação.
O texto aguça o Desejo de vivenciar o prazer de uma “cerveja sem
comparação”. Notemos como será difícil para um leitor amante de cerveja resistir a
tantos apelos presente no anúncio. Daí para ação, esperam os anunciantes, não
deve demorar.
NOTA: (em letras pretas em fundo branco, discreto, estão os dizeres “SE FOR
DIRIGIR, NÃO BEBA.”).
4.3.2 Os papéis desempenhados e os papéis projetados
Sob o enfoque dos papéis desempenhados, notemos que a propaganda da
cerveja Itaipava também não apresenta perguntas ou ordens explicitamente. Nesse
contexto, acredito que ela responde à reivindicação do cervejeiro por uma cerveja
com qualidade, estando, pois, a pergunta subjacente ao anúncio. Nesse sentido, a
ordem é feita metaforicamente, por meio de “Quem descobre nossa qualidade nunca
mais esquece o nosso nome”, enunciado que à primeira vista parece uma
informação, porém encerra um convite, que pode ser entendido como: “Descubra as
qualidades de Itaipava”.
Os papéis projetados, de nomeação e de atribuição, realizam-se da seguinte
maneira.
Análise 46
(i) Há na verbiagem da propaganda um tom de conversa em que o anúncio refere-
se ao apreciador de cerveja, pela nomeação “você” e “consumidor”,
simultaneamente sugere em tom de intimidade que Itaipava é única e feita para
consumidores especiais.
(ii) Na atribuição, no sistema da transitividade, o consumidor é BENEFICIÁRIO da
oração: “Itaipava é uma cerveja única, feita especialmente para você” Já
“consumidor” é META no evento linguístico: “consumidor” especial como “você”.
4.3.3 A avaliatividade
Inicio a análise da Avaliatividade na propaganda da Itaipava, lembrado no
Quadro 6, o sistema de Avaliatividade
A análise será feita no texto que transcrevemos novamente, agora em formato
para análise, indicando com (+) para Avaliatividade de Atitude positiva e com (-) para
a versão negativa:
Quadro 8 - Análise da avaliatividade da cerveja Itaipava
Quem descobre nossa qualidade nunca mais esquece o nosso nome. Apreciação (+)
Produzida com malte e lúpulo importados e água de excelente qualidade. Apreciação (+) Apreciação (+) + Gradação de força (+)
Itaipava é uma cerveja única, feita especialmente para você. Apreciação (+) Afeto (+)
Por isso, a cada dia ela conquista mais e mais consumidores Graduação de força (+)
que sabem reconhecer um produto de qualidade superior. Apreciação (+)
Itaipava. A cerveja sem comparação. Apreciação (+)
A cerveja é avaliada positivamente por meio de afirmações monoglóssicas em
que o escritor se posiciona, construindo a audiência como compartilhando a mesma
visão de mundo dele, não admitindo - embora sutilmente - opiniões contrárias
(WHITE, 2003).
Análise 47
Notemos que “qualidade”, embora possa admitir os epítetos “boa” ou “má”
como atributos, é entendido em nossa cultura como envolvendo Apreciação (+).
Assim, também, “importados” significa necessariamente qualidade de Apreciação
(+). E nesse contexto, por força da prosódia avaliativa, o epíteto “única” também é
entendido com Avaliatividade de Apreciação (+), da mesma forma que o é “sem
comparação”.
Assim vemos as Apreciações (+) são assim percebidas pelo leitor, porque a
propaganda lança mão de avaliações bem conhecidas pelo público. Além disso,
essas avaliações positivas são reforçadas por Gradação de força (+), como
“excelente” qualidade e “mais e mais” consumidores, contando também com
avaliações de Afeto como “feita especialmente para você”.
4.4 Análise do visual
A parte da imagem verificará:
(a) o fator contato;
(b) a distância social;
(c) a atitude.
4.4.1 Contato
O contato age sobre o leitor oferecendo a informação visual de uma cerveja
engajada em exaltar uma indiscutível qualidade. O close up no copo que
transparece um líquido dourado, borbulhante com o “colarinho” descendo pelo nome
Itaipava que o estampa, configura-se em um objeto de contemplação que,
estabelece uma conexão fortemente imediata com o leitor da propaganda em um
gesto de exigência a fim de descobrir a qualidade da cerveja sem comparação.
4.4.2 Distância social: proximidade
O anúncio adotou a distância pessoal próxima, a linguagem da intimidade que
o close-up propicia ao observador. É oferecido pela imagem, um privilegiado apelo
estético e verossimilhança. O artifício é um recurso para co-criar uma cerveja única
Análise 48
que foca em essencias como combinação perfeita de ingredientes para um sabor
inconfundível.
4.4.3 Atitude
O fator atitude representa alto “envolvimento” (um ângulo frontal) o que induz
uma solidariedade maior do leitor. A imagem instiga o leitor cuja observação se dá
de cima para baixo, verticalemente.
Discussão dos resultados 49
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise das propagandas das cervejas Skol e Itaipava (cujos textos repito
abaixo) juntamente com as imagens visuais criam um “mundo textual” com a
concorrência da Avaliatividade. As avaliações lançam mão de crenças e usos
arraigados na cultura popular - no frame do leitor - e são feitas por meio de tom
monoglóssico, e assim podem ser feitas porque vão exatamente ao encontro das
expectativas do leitor. Nesse sentido, as imagens visuais acrescentam o que as
palavras não diriam de maneira suficiente: um ambiente relaxante e refrescante
entre amigos, um copo gelado de cerveja.
Quadro 9 - Texto das propagandas
CHEGOU SKOL 360º ITAIPAVA
Não estufa e não empapuça. É produzida pelo inovador processo de fermentação 360º. E assim seu churrasco dura muito mais. Skol 360º. A cerveja com
churrascabilidade.
Produzida com malte e lúpulo importados e água de excelente qualidade. Itaipava é uma cerveja única, feita especialmente para você. Por isso, a cada dia ela conquista mais e mais consumidores que sabem reconhecer um produto de qualidade superior. Itaipava. A cerveja sem comparação.
Esses elementos têm, assim, a força persuasiva ancorada na fórmula AIDA,
chamando a Atenção e o Interesse, por cervejas que prometem não só prazer, mas
também prometem evitar efeitos indesejáveis como o estufamento e o
empapuçamento, graças à fermentação 360º, construídas por meio de um gênero
híbrido entre marketing e ciência. Se, então, evitam o indesejável, tornam-se
desejáveis, convidando o leitor à Ação, adquirindo e bebendo a cerveja.
Quanto aos papéis interacionais, graças ao tom monoglóssico, são frequentes
as ordens, camufladas com convites ao leitor com expressões como “seu churrasco”
ou “feita especialmente para você”, dirigindo um tom conversacional ao endereçado.
O clima que reina nas duas propagandas é de conforto, ambiente familiar, lazer e
prazer. E convincente.
Afinal não deve ser fácil fazer propaganda de uma bebida alcoólica, que em
altas doses pode provocar muita infelicidade. Se analisadas friamente, ambas as
Discussão dos resultados 50
propagandas trazem elementos inexplicados em seu bojo. Assim, o que é
“fermentação a 360º”? O que teria de bom a “churrascabilidade”, se o próprio
churrasco não é o alimento mais saudável, propícia a evitar “empapuçamento”? E
“malte e lúpulo importados”? Por si, o fato de serem “importados” não garante muito.
Afinal, pode-se perguntar “importados” de onde? E assim vai.
Mas o “mundo textual”, construído com apoio avassalador de Avaliatividade
positiva, ancorado em imagens extremamente agradáveis, acaba dominando a
capacidade de raciocínio, e resiste até ao obrigatório “Se for, dirigir não beba”.
Assim, ficam respondidas as perguntas de pesquisa: a) como é criado o
“mundo textual” no discurso da propaganda? (b) que elementos contribuem para
tornar esse “mundo” favorável à persuasão? e (c) como é feita a relação verbo-visual
na propaganda?
Considerações finais 51
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa está interessada em mostrar o modo como a linguagem constrói
papéis e relações sociais sob o potencial da persuasão, para a realização da qual
concorrem as avaliações explícitas ou implícitas que o produtor do texto faz, ao se
posicionar em relação não só ao conteúdo da mensagem, mas também em relação
ao endereçado. Para tanto, enfoquei a teoria sistêmica por ter seu alcance ampliado
com visões mais recentes de abordagens.
Nesse sentido, com base na natureza propagativa e cumulativa da atividade
avaliativa, espero ter demonstrado como as propagandas das cervejas Skol e
Itaipava podem ser explicadas por teorias cognitivas baseadas em noções como
frame de tal forma que, falar em discurso, entendido como texto em contexto,
significa não somente tratar de fatores pragmáticos, mas também da criação de
específicos “mundos mentais” ou construção de dada realidade (DOWNING, 2003,
p. 3). Nesse processo, entram com força as imagens visuais que provocam o desejo
do consumidor. A “propaganda é um gênero em que o estabelecimento de contextos
discursivos vívidos é crucial para o alcance das metas dos produtores de texto”
(SEMINO, 1997, p. 53).
Dito isso, o motivo de pesquisar as propagandas de duas marcas de cerveja
tão populares no Brasil é, por um lado, como pesquisador, interagir com a
população, fora dos centros de pesquisa e ensino superior, a relevância social da
linguística e, por outro, como professor de Língua Portuguesa, trazer à luz, a
questão da porção não só explícita, mas também, e principalmente, implícita de um
texto. Por outro lado, a multimodalidade que está cada vez mais incorporada ao
currículo escolar, e precisamos abordá-la em nosso trabalho educacional na medida
em que a língua é usada, na maioria das vezes, aliada a outros modos de
persuasão.
Em minha vida profissional já percebo a diferença que faz o conhecimento
das teorias que ampararam o exame do corpus dessa pesquisa em minhas aulas.
Em 2011, foi desenvolvido e aprovado, na escola onde leciono, o projeto
“Entrelinhas” com o objetivo de desenvolver estratégias específicas de leitura e
interpretação, formando leitores competentes para um resultado mais efetivo em
Considerações finais 52
tarefas e provas de cada disciplina, apoiado nas teorias da linguística sistêmico-
funcional.
Contudo, não chego ao fim dessa dissertação de mestrado com sentimento
de missão cumprida, pois, a pesquisa trouxe-me inquietações, mais curiosidades e
novos caminhos para percorrer de modo que muito ainda poderia ter sido feito. O
que me deixou com a sensação de que a análise poderia ter sido mais bem feita foi
a questão pictórica. Sei que esta parte não tem merecido, ainda, a consideração
devida, mas há alguns títulos que somente agora tive acesso mostram que ela é
uma área que está em franco desenvolvimento. Por fim, acredito que esse trabalho
me impulsiona a aprofundar e avançar nas pesquisas no doutorado.
Referências 53
REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS
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