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r do ser e do ser-consciente dos hom ens. Mas a praxis revolucion ria depende da
intransigncia da teoria face inconscincia com a qual a sociedade deixa que
( o pensar se endurea. A concretiza o no posta em causa pelos seus pressup os-
/ tos materiais , pela tcnica, como tal, deixada solta. Isso o que dizem os soci
logos que sonham, por sua vez, com um antdoto, mesmo que de cunho coleti-
f vista , para se tornarem seus don os.
36
A culpa est no obcecante contexto socia l .
, O mtico respeito da cincia dos povos pelo dado , que entretanto sempre produ
zido por eles, converte-se finalmente, por sua vez, num fato positivo, na torre-de-
{ guarda diante da qual at mesmo a fantasia revolucio nria se envergon ha de si,
como um utopismo, e degenera em dcil confiana na tendncia objetiva da hist
ria. Como rgo de uma tal adaptao, como mera construo de meios, o ilumi-
j nismo to destrutivo como o proclama m seus inimigos rom nticos. Ele s re
cair em si quando desfizer o ltimo acordo com esses inimigos e ousar
' aban don ar o falso absoluto , o princpio da dom inao cega. O esprito dessa teo-
( ria intransigente poderia inverter, para seus prprios fins, o esprito desse pro
gresso impiedoso. Bacon, o arauto desse ltimo, sonhava com as muitas coisas
{ "que os reis, com todos os seus tesouro s, no podem comp rar, sobre as quais
, no se impe seu mand o, das quais seus informantes e alcagetes no do notcia
alguma". Tal como ele queria, tudo isso coube aos burgueses, herdeiros esclareci-
/ dos dos reis. Multiplicando o seu poder pela media o do mercad o, a econom ia
burguesa multiplicou de tal modo suas coisas e suas foras que no s reis, mas
tambm burgueses, deixaram de ser necessrios para administr-las: necessrios
( ainda so apenas todos . Esses ento aprendem , pelo poder das coisas , a passar
finalmente sem o poder. O iluminismo se completa e se supera quando os fins
prticos prximos se revelam como o ponto mais distante a que se chegou, e
( as terras "das quais seus informantes e alcagetes no do notcia algum a", a
saber, a natureza incompreendida pela cincia senhorial, so recordadas como
( as terras da origem. Hoje que a utopia de Bacon , de poderm os "ter a naturez a,
/ na praxis, a nosso man do", concret izou-se em propores te lricas, torna-se ma
nifesta a essncia da coao, por ele atribuda natureza no dominada. Essa
essncia era a prpria dom inao . O saber, que para Bacon residia indubitavel-
t mente na "superioridade do homem ", pode passar agora dissoluo dessa domi
nao. Mas, face a semelhante possibilidade, o iluminismo a servio do presente
( transforma-se no total engano das mass as.
3
" "The supreme question which confronts our generation today the question to which al other problems
are merely corollaries is whether technology can be brought under control. . . Nobody can be sure of the
{ formula by wich this end can be achieved. . . We must draw on all the resources to which acess can be
had. . . " "(The Rockefeller F ound ation. A Review for 1943. Nova York. 1944, pp. 33-35. (N. do A.)
( ("A questo suprema com a qual nossa gerao hoje se depara questo da qual iodas a.s outras so
corolrios a de saber se a tecnologia pode ser posta sob con trole. . . Ningum pode ter segurana
( quanto frmula pela qual esse fim pode ser alcanad o. . . preciso lanar mo de todos os recursos
aos quais possamos ter acesso. . . "(N. dos T.)
(
(
(
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A *
A questo o que teoria parece no oferecer maiores dificuldades
dentro do quadro atual da cincia. No sentido usual da pesquisa, teoria equivale
a uma sinopse de proposies de um campo especializado, ligadas de tal modo
entre' si que se poderiam deduzir de algumas dessas teorias todas as dem ais.
Quanto menor for o nmero dos princpios mais elevados, em relao s conclu
ses, tanto mais perfeita ser a teoria. Sua validade real reside na consonncia
das proposies deduzidas com os fatos ocorridos. Se, ao contrrio, se evidenciam
contradies
(Widersprueche)
entre a experincia e a teoria, uma ou outra ter
que ser revista. Ou a observao foi falha, ou h algo discrepante nos princpios
tericos. Portanto, no que concerne aos fatos, a teoria permanece sempre hipot
tica. Deve-se estar disposto a mud-la sempre que se apresentem inconvenientes
na utilizao do material. Teoria o saber acumulado de tal forma que permita
ser este utilizado na caracterizao dos fatos to minuciosamente quanto possvel.
Poincar compara a cincia com uma biblioteca que deve crescer incessante
mente. A fsica experimental desempenha o papel do bibliotecrio que realiza
as aquisies, isto , que enriquece o saber, trazendo o material. A fsica matem
tica, teoria da cincia natural em sentido mais estrito, tem a tarefa de catalogar.
Sem o catlogo no se poderia fazer uso da biblioteca, apesar de toda a sua
riqueza. " este, portanto, o papel da fsica matemtica: deve dirigir a generaliza
o de tal forma que ( . . . ) aumente a sua eficcia".
1
O sistema universal da
cincia aparece a como a meta da teoria em geral. No se restringe mais a uma
rea particular, mas abrange todos os objetos possveis. Ao fundar as proposies
referentes a ramos diversos nas mesmas pressuposies,
2
elimina-se a separao
das c incias. O mesmo aparato conceptual (begrifflicher Apparat) empregado na
determinao da natureza inerte serve tambm para classificar a natureza viva,
podendo ser utilizado a qualquer momento por toda pessoa que tenha aprendido
o seu manejo, isto , as regras da deduo, o material significante, os 'fntodos
de comparao de proposies .deduzidas com constataes de fatos, etc. Mas
estamos longe de tal situao.
Esta , em linhas gerais, a representao
(Vorstellung)
atualmente difundida
da essncia (Wesen) da teoria. Essa representao encontra em geral sua origem
* Traduzi do do original alemo : "Tradizionelle und kritische Thorie", em
Kritische Thorie, cine
Dokumentation,
Frankfurt am Main , 1968, S. Fischer Verlag, II, pp.
137-191.
Publicado pela primeira vez
em Zeitschrift fuer Sozialforschung, ano VII, 1937, pp. 245-294. (N. do E.)
' H . Poincar. Vissenscha/t und Hypothse, edio alem de F. e L. Lindemann. Leipzia. 1914. p. 146.
(N. do A.)
2
"prem issas", na edio de Alfred Schmidt. (N. dos T.)
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nos primordios da filosofia moderna. Descartes assinala na terceira mxima de
seu mtodo cientfico a deciso "de conduzir a ordem de acordo com os meus
pensamentos, portanto, comeando com os objetos de conhecimento mais fcil
e simples, para ento subir, por assim dizer, gradualmente, at chegar a conhecer
os mais complexos, pressupondo nesses objetos uma ordem que no sucede de
um m odo natural". A deduo ta l como usual na matemt ica deve ser estendida
totalidade das cincias. A ordem do mundo abre-se para uma conexo de dedu
es intelectuais (deduktiven gedanklickenZiisam menhan g). "As longas cadeias
formadas por motivos racionais, de muito simples e fcil compreenso, habitual
mente utilizados pelo gemetra para chegar s mais difceis demonstraes, me
levaram a imaginar que todas as coisas que possam ser do conhecimento do ho
mem se encontram na mesma re lao, e queratendo-se apenas em no considerar
verdadeira uma coisa que no o seja, e mantendo-se a ordem que necessria
para dizer uma coisa da outra , no pode haver nenhum conhecimento que, por
mais distante que esteja, no possa ser alcanado, nem conhecimento que, por
mais oculto que esteja, no possa ser descoberto".
3
As proposies mais gerais
de onde partem as dedues so vistas conforme a respectiva posio filosfica
do lgico. Para John Stuart Mill, por exemplo, elas so ainda juzos empricos
(Erfahrungsurteile), indue s; nas correntes raciona listas e fenomenolgicas s o
consideradas inteleces evidentes (evidente Einsichten), enquanto a moderna
axiomt ica as toma como est ipulaes arbi t rr ias. Para a lgica mais avanada
da atualidade, que se expressa representativamente nas Investigaes Lgicas de
Husserl, a teoria considerada "como um sistema fechado de proposies de
uma cincia".
4
Teoria, em sentido preciso, "um encadeamento sistemtico de
proposies de uma deduo sistemat icamente uni tr ia".
B
Cincia significa "um
certo universo de proposies (. .
.
) tal como sempre su rge do trabalho terico,
cuja ordem sistemtica permite a determinao (Bestimmung) de um certo uni
verso de obje tos".
6
Uma exigncia fundamental, que todo sistema terico tem
que satisfazer, consiste em estarem todas as partes conectadas ininterruptamente
e livres de contradio. H. Weyl considera como condio imprescindvel a har
monia que exclui toda a possibilidade de contradio, assim como a ausncia
de componentes suprfluos, puramente dogmticos, e independentes das aparn
cias observveis.
7
Na medida em que se manifesta uma tendncia nesse conceito (Begriff) tra
dicional de teoria, ela visa a um sistema de sinais puramente matemticos. Cada
vez menor o nmero de nomes que aparecem como elementos da teoria e partes
das concluses e proposies, sendo substitudos por smbolos matemticos na
designao de objetos observados. Tambm as prprias operaes lgicas j esto
3
Descartes. Discours de la Mthode, II, trad, aiem de A. Buchenau, Leipzig. 1911, p. 15. (N. do A.)
4
E. Husserl, Formale und transzendemale Logik, Halle, 1929, p. 89. (N. do A.)
5
Idem,p. 79. (N. do A.)
6
Idem.p. 91.(N. do A.)
7
H. Weyl. "'Philosophie der Naturwissenschaft", in Handhuch der Philosophie, parte II, Munique e Berlim,
1927,
p p. 118 ess .
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racionalizadas a tal ponto que, pelo menos em grande parte da cincia natural,
a formao de teorias tornou-se construo matemtica.
As cincias do homem e da sociedade tm procurado seguir o modelo (Vor-
bild)
das bem sucedidas cincias naturais. A diferena entre as escolas da cincia
social, que se dedicam mais pesquisa de fatos, e outras que visam mais os
princpios, no tem nada a ver com o conceito de teoria como tal. A laboriosa
atividade de colecionar, em todas as especialidades que se ocupam com a vida
social, a compilao de quantidades enormes de detalhes sobre problemas, as
pesquisas empricas realizadas atravs de enqutes cuidadosas ou outros expe
dientes, que, desde Spencer, constitui uma boa parte dos trabalhos realizados nas
universidades anglo-saxnicas, oferecem certamente uma imagem que aparenta
estar mais prxima exteriormente da vida em geral dentro do modo de produo
industrial do que a formulao de princpios abstratos e ponderaes sobre con
ceitos fundam entais, em gabinete,, como foi caracterstico de uma parte da socio
logia alem. Mas isto no significa diferena estrutural do pensamento. Nas lti
mas pocas da sociedade atual as assim chamadas cincias do esprito tm tido
apenas um valor de mercado oscilante; elas se vem na contingncia de fazer
de qualquer maneira o mesmo que as cincias naturais, mais venturosas, cuja
possibilidade de aplicao est fora de dvidas. De qualquer maneira existe uma
ident idade na concepo (Auffassung) de teoria entre as'diferentes escolas socio
lgicas e entre estas e as cincias naturais. Os empricos no tm outra representa
o melhor de teoria do que os tericos. Esto meramente convencidos de que,
em vista da complexidade dos problemas sociais e do quadro atual da cincia,
o trabalho com princpios gerais deve ser considerado como ocioso e cmodo.
Na medida em que seja necessria a realizao de um trabalho terico, isso ocor
rer, pensam eles, atravs do manuseio crescente do material; no de se esperar
a curto prazo exposies tericas de grande alcance. So os mtodos de formula
o exata, especialmente mtodos matemticos, cujo sentido est em estreita co
nexo com o conceito de teoria esboado acima, que so muito apreciados por
estes cientistas. N o o significado da teoria, em geral que questionado aqui,
mas a teoria esboada "de c ima para baixo" por outros, e laborada sem o contato
direto com os problemas de uma ciencia emprica particular. Diferenciaes
como, por exemplo, entre coletividade e sociedade (Toennies), entre solidariedade
mecnica e solidariedade orgnica (Durkheim), entre cultura e civilizao (A.
Weber), empregadas como formas fundamentais da socializao humana, desven
dam imediatamente sua problemtica, se se intenta aplic-las a problemas concre
tos .
Em vista do quadro atual da pesquisa, o caminho que a sociologia teria que
percorrer seria a difcil ascenso da descrio de fenmenos sociais at compara
es detalhadas, e s ento a partir da passar para a formao de conceitos
gerais.
oposio (Gegensatz) acima exposta est baseada no fato de os empiristas,
em conformidade com sua tradio, considerarem apenas as indues concludas
como as mais elevadas proposies da teoria, e ao mesmo tempo acreditarem
que ainda se estaria longe da realizao de tais indues. Seus opositores conside-
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y ram corretos outros modos de procedime nto, que no so totalmente dependentes
da acumulao do material coletado, para a formao das inteleces e das cate
gorias mais elevadas. Pode ser que, por exemplo, Durkheim concorde em muitos
aspectos com as teorias bsicas dos empiristas, mas, na medida em que se trata
' de princpios, ele declara redutvel o processo da indu o. A classificao de pro-
( cessos sociais por meio de inventrios empricos no possvel, nem tampo uco
traria facilidades na pesquisa, na forma que se espera. "Seu papel o de colocar-
' nos mo pontos de referncia, aos quais podem os relacionar outras observa es
f alm daquelas pelas quais adquirimo s estes pontos de referncia. Para satisfazer
esta finalidade ela no necessita ser concebida segundo o inventrio completo
f de todos os traos individuais, mas de um nme ro pequen o, cuidados amente es-
, colhido dentre e les. ( . . . ) Ela pode poupar mui t ssimos passos ao observador,
pois e la o guiar . ( . . . ) Temos portanto que descobri r t raos part icularmente
f essenciais para nossa classifica o.
3
Mas, com relao sua funo no sistema
. terico ideal (idealen), no faz diferena alguma que os princpios mais elevados,
por sua vez, sejam adquiridos por escolha, por intuio eidetica do ser
(Wesen-
( schau) ou pela simples conveno. certo que o cientista aplicar suas proposi
es mais ou menos gerais como hipteses aos novos fatos surgidos. Depois da
constatao de uma lei essencial (Wesensgesetz), o socilogo de orienta o feno-
i menolg ica estar indubitavelmente seguro de que cada exemplar teria que proce
der de conformidade com essa lei. Mas o carter hipottico da lei essencial se
' impe no problem a: se se trata de um exemplar da respectiva essncia ou de
/ uma essncia prxim a; se se trata de um mau exemplar de um gnero, ou de
um bom exemplar de um outro. Tem-se sempre, de uma lado, o saber formulado
( intelectualmente e, de outr o, um fato concreto (Sachverhalt) que deve ser subsu-
/ mido por esse saber subsum ir, isto , este estabelecer a relao entre a mera per
cepo ou constatao do fato concreto e a ordem
9
conceituai do nosso saber
( chama- se explicao terica.
, No ser necessrio falar aqui dos diferentes tipos de classificao. Indicare
mos apenas em breves palavras como se procede com a explicao dos aconteci-
i mentos histricos segundo este conceito tradiciona l de teoria. Isto se torna na
controvrsia entre Eduard Meyer e Max Weber. A respeito de certas decises
voluntrias de determinados personagens histricos que desencadearam guerras,
( Meyer havia afirmado que a questo de saber se estas guerras se dariam ou no ,
caso no tivessem sido tomadas tais decises, irrespondvel e ociosa. Tomando
' partido contr rio, Weber tentou provar que admitir isso significaria que a explica-
/ o histrica impossvel. Segundo as teorias do fisilogo Von Kries, de juristas
e economistas como Merkel , Liefmann e Radbru ch, Weber desenvolveu a "teoria
da possibilidade objetiva". Segundo este autor, do mesmo modo que para o espe
cialista em direito penal, a explicao para o historiador no consiste em uma
enumerao mais completa possvel de todas as circusntncias a presentes, mas
8
E.Dvikhm, Les rgles de la mthode sociologique, Paris , 1927, p. 99.(N.do A.)
s
"estrutu ra", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
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em destacar a conexo entre certos componentes do acontecimento, importantes
para a continuao do processo histrico, e, por outro lado, os processos indivi
duais determinantes. Esta conexo, por exemplo, o julgamento de que uma guerra
foi desencadeada pela ao poltica de um estadista decidido, pressupe logica
mente que, no caso de esta poltica no ter sido levada a cabo, no se daria
o efeito explicado por ela, mas um outro. A afirmao de uma determinada causa
histrica implica sempre que, no caso de sua no-realizao, devido a regras de
experincia conhecidas, e sob as circunstncias vigentes, ocorreria um outro de
terminado efeito. As regras da experincia, neste caso, no so outra coisa que
formulaes do nosso saber a respeito dos nexos econmicos, sociais e psicolgi
cos. Com sua ajuda construmos o percurso provvel, omitindo ou incluindo a
ocorrncia que deve servir para explic-lo.
1
Opera-se com proposies condicio
nais , aplicadas a uma situao dada. Pressupondo-se as circunstncias a, b,
e, d, deve-se esperar a ocorrncia q; desaparecendo p, espera-se a ocorrncia r,
advindo g, ento espera-se a ocorrncia s, e assim por diante. Esse calcular per
tence ao arcabouo lgico da histria, assim como ao da cincia natural. E o
modo de existncia da teoria em sentido tradicional.
Por conseguinte, o que os cientistas consideram, nos diferentes campos,
como a essncia da teoria, corresponde quilo que tem constitudo de fato sua
tarefa imediata. O manejo da natureza fsica, como tambm daqueles mecanismos
econmicos e sociais determinados, requer a enformao (Formung) do material
do saber, tal como dado em uma estruturao hierrquica (Ordnungsgefiiege)
das hipteses. Os progressos tcnicos da idade burguesa so inseparveis deste
tipo de funcionamento da cincia. Por outro lado, os fatos tornam-se fecundos
para o saber por meio deste funcionamento, o que tem utilizao dentro das rela
es dadas. Por outro lado, o saber vigente aplicado aos fatos. No h dvidas
de que tal elaborao representa um momento de revoluo e desenvolvimento
constantes da base material desta sociedade. Na medida em que o conceito da
teoria independentizado, como que saindo da essncia interna da gnose (Er-
kenntnis), ou possuindo uma fundamentao a-histrica, ele se transform a em
uma categoria coisificada (verdinglichte) e, por isso, ideolgica.
Tanto a fecundidade de nexos efetivos recm-descobertos para a modificao
da forma
11
do conhecimento existente, como a aplicao deste conhecimento
aos fatos so determinaes que no tm origem em elementos puramente lgicos
ou metodolgicos, mas s podem ser compreendidos em conexo com os proces
sos sociais reais. O fato de uma descoberta motivar uma reestruturao das intui
e s
12
vigentes no pode jamais ser fundamentado exclusivamente por meio de
ponderaes lgicas, mas precisamente em contradio com determinadas partes
das representaes dominantes. Sempre possvel encontrar hipteses auxiliares,
por meio das quais se poderia evitar uma total transformao da teoria. Ainda
10
Cf. Max Weber, "Kritische Studien auf dem Gebiet der kulturwissenschaftlichen L ogik".
in Gesammelle
Aufsaetze, Tuebingen, 1922, pp. 266 e ss. (N. do A.)
11
"transform ao", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
12
"teses" , na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
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que para o prprio cientista s os
1
motivosimane.ntes
1
seiamlidGS conio determi
nantes, novas teses se impem e se enquadram nas conexes histricas concretas.
Isto no negado pelos epistemlogos modernos quando pensam mais em gnio
e acaso do que nas relaes sociais, tambm no que se refere aos fatores extra-
cientficos decisivos. No sculo XVII, ao invs de resolver as dificuldades nas
quais o procedimento gnosiologico da astronomia tradicional havia se envolvido
tentando super-las por meio de construes lgicas, passou-se a adotar o sistema
coper niciano . Este fato no se deve "apenas s qualidades lgicas deste sistem a,
como sua simplicidade, por exemplo. Mesmo as vantagens que estas qualidades
representam conduzem base da
praxis
daquele perodo histrico. O modo pelo
qual o sistema de Coprnico, que era pouco mencionado durante o sculo XVI,
tornou-se um poder revolucionrio, constitui uma parte do processo social, no
qual o pensamento mecnico passa a ser dominante .
13
Contudo no s para teo
rias to extensas, como o sistema coperniciano, que a mudana da estrutura
cientfica depende da respectiva situao social: isto se faz presente tambm nos
problemas especiais da pesquisa cotidiana. No se pode de forma alguma deduzir
simplesmente da situao lgica se a descoberta de novas variedades em campos
isolados da natureza orgnica o^i3giuca, se ja^em a tor tao; :qrai ixiu em
pesquisas paleontolgicas, implicar na alterao de antigas classificaes ou no
surgimento de novas. Os epistemlogos costumam neste caso recorrer a um con
ceito aparentemente imanente sua cincia o conceito de convenincia
(Zweckmaessigkeit). Se e como novas so formuladas convenientem ente, isto, na
verdade, no depende s da simplicidade e da coerncia do sistema, mas tambm,
entre outras coisas, da direo e dos objetivos da pesquisa que no explica e
no pode tornar nada inteligvel por si mesma. Tanto quanto a influncia do mate
rial sobre a teoria, a aplicao da teoria ao material no apenas um processo
intracientfico, mas tambm um processo social. Afinal a relao entre hipteses
e fatos no se realiza na cabea dos cientistas, mas na indstria. As regras como,
por exemplo, a de que o a lcat ro de 'MIha quando submet ido a determinadas
reaes desenvolve um corante, ou a de que a nitroglicerina, o salitre e outros
elementos possuem grande fora explosiva, constituem um saber acumulado que
aplicado efetivamente aos fatos no interior das fbricas dos grandes trustes.
1 4
Dentre as diferentes escolas filosficas parecem ser particularmente os posi
tivistas e pragmticos que tomam em considerao o entrelaamento do trabalho
terico com o processo de vida da sociedade. Eles assinalam como tarefa da cin
cia a previso e a utilidade dos resultados. Na realidade, este carter resoluto,
a crena no valor social da sua profisso, para o cientista, todavia, um assunto
privado. Ele pode crer tanto num saber independente, "supra-social" e desligado,
como no significado social da sua esDecialidade; esta oposio na interpretao
no exerce a mnima influncia sobre a sua atividade prtica. O cientista e sua
13
Este processo foi exposto por H. Grossmann em seu ensaio "Die gesellschaftlichen Grundlagen der
mechanistischen Philosophie und die Maniifaktur". na Zrischrift fuer Sozialfovschun, ano IV. 1935. pp.
161
es s.
(N. do A.)
14
"indus trias", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
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cincia esto atrelados ao aparelho social, suas realizaes constituem um mo
mento da autopreservao e da reproduo contnua do existente, independente
mente daquilo que imaginam a respeito disso. Eles tm apenas que se enquadrar
ao seu "conceito", ou seja, fazer teoria no sentido descrito acima. Dentro da divi
so social do trabalho, o cientista tem que conceber e classificar
15
os fatos em
ordens conceituais e disp-los de tal forma que ele mesmo e todos os que devem
utiliz-los possam do minar os fatos o mais amplam ente possvel. Dentr o da cin-
eia'&'expeamfiato tem se ntido de constata r os fatos d e tal modo que seja parti
cularmente adequado respectiva situao da teoria. O material em fatos, a mat
ria, fornecida de fora. A cincia proporciona uma formulao clara, bem visvel,
de modo que se possam manusear os conhecimentos como se queira . No importa
'se-seitrata de exposio da matria, como na histria e partes descritivas de outras
cincias particulares, ou de sinopse de grandes quantidades de dados e obteno
de regras gerais, como na fsica; para o cientista a tarefa de registro, modificao
da forma e racionalizao total do saber a respeito dos fatos sua espontanei
dade, a sua atividade terica. O dualismo entre pensar e ser, entendimento e
percepo, lhe natural.
A..representao tradicional de teoria abstrada do funcionamento da cin
cia, tal como este ocorre a um nvel dado da diviso do trabalho. Ela corresponde
atividade 'cientfica tal como executada ao lado de todas as demais atividades
sociais, sem que a conexo entre as atividades individuais se torne imediatamente
transparente. Nesta representao surge, portanto, no a funo real da cincia
nem o que a teoria significa para a existncia humana, mas apenas o que significa
na esfera isolada em que feita sob as condies histricas. Na verdade, a vida
da sociedade um resultado da totalidade do trabalho nos diferentes ramos de
profisso, e mesmo que a diviso do trabalho funcione mal sob o modo de produ
o capitalista, os seus ramos, e dentre eles a cincia, no podem ser vistos como
autnomos e independentes. Estes constituem apenas particularizaes da ma
neira como a sociedade se defronta com a natureza e se mantm nas formas da
d as . So, portanto, momentos do processo de produo socia l , mesmo que, pro
priamente falando, sejam pouco produtivos ou at improdutivos. Nem a estrutura
da produo industrial e agrria nem a separao entre funes diretoras e fun
es executivas, entre servios e trabalhos, entre atividade intelectual e atividade
manual, constituem relaes eternas ou naturais, pelo contrrio, estas relaes
emergem do modo de produo em formas determinadas de sociedade. A aparente
autonomia nos processos de trabalho, cujo decorrer se pensa provir de uma essn
cia interior ao seu objeto, corresponde iluso de liberdade dos sujeitos econmi
cos na sociedade burguesa. Mesmo nos clculos mais complicados, eles so ex
poentes do mecanismo social invisvel, embora creiam agir segundo suas decises
individuais.
A autoconscincia errnea dos cientistas burgueses durante a era liberalista
aparece nos mais diferentes sistemas filosficos. Pode-se encontrar uma expanso
15
Falta na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
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f
, bem precisa disso no neoka ntismo do estilo da escola de Marb urg, na passagem
do sculo. Alguns traos da atividade terica do especialista so transformados
f em categorias universais, por assim dizer, em momen tos do esprito universal,
do lgos eterno, ou, antes, traos decisivos da vida social so reduzidos ativi-
' dade terica do cientista. A "fora da gnose " passa a ser cham ada "fora da
(' or igem". Por "produzir" (Erzeugen) passa-se a entender a "soberania criadora
do pensamento". No momento em que algo aparece como dado, tem que ser
( possvel pensam os referidos cientistas constituir todas as determinaes
f deste algo a partir dos sistemas tericos , em ltima instnc ia, a partir da matem
tica: todas as dimenses finitas podem ser deduzidas do conceito do infinitamente
f pequen o, por meio do clculo infinitesimal, e justam ente isso a sua "pr od u o"
(Erzeugung). O ideal o sistema unitrio da cincia que, nesse sentido, todo-p o-
derosa. E porque no objeto tudo se resolve em determinaes intelectuais, o resul-
{ tado no representa nada consistente e material: a funo determina nte, classifica
dora e doadora de unidade, a nica que fornece a base para tudo, e a nica
que o esforo almeja. A produo produo da unidade, a prpria produo
( produto.
1 6
Segundo esta lgica o progresso da conscincia da liberdade con
siste propriamente em poder expressar cada vez melhor, na forma de quociente
' diferencial, o aspecto do mundo miservel que se apresenta aos olhos do cientista.
( Enqu anto a profisso do cientista representa efetivamente um momento no inde
pendente no trabalho e na atividade histrica do homem, ela colocada no lugar
< deles. Na medida em que o entendimento deve determin ar efetivamente os aconte-
f cimento s, numa sociedade futura, esta hypostasis do lagos como realidade efetiva
tambm uma utopia travestida. Todavia a cincia natural matemtica, que apa-
( rece como logos eterno, no a que constitui atualmente o autoconhecimento
do homem, mas a teoria crtica da sociedade atual, teoria esta impregnada do
interesse por um estado racional.
A consider ao que isola as atividades particulares e os ramos de atividade
juntamente com os seus contedos e objetos necessita, para ser verdadeira, da
conscincia concreta da sua limitao. preciso passar para uma concepo que
'i elimine a parcialidade que resulta necessaria mente do fato de retirar os processos
parciais da totalidade da praxis social. Na representao da teoria, tal como ela
se apresenta ao cientista, como resultado necessrio de sua prpria profisso,
' a relao entre fato e ordem conceituai oferece um impo rtante ponto de partida
para tal eliminao. A gnosiologia dominante reconhece tambm a problemtica
( dessa relao. Tem sido salientado constan temente que os mesmos objetos que
. constituem problemas numa disciplina, para os quais uma soluo remota , so
aceitos como fatos consumados em outras disciplinas. Nexos que na fsica so
f temas de pesquisa, na biologia so considerad os como pressupos io evidente.
Na prpria biologia acontece o mesmo com os processos fisiolgicos em relao
aos processos psicolgicos. As cincias sociais tomam a totalidade da natureza
{ hum ana e extra-hum ana como dada e se interessam pela estrutura das relaes
'
1B
Cf. H. Cohen.Logik 1er reine Erkennmis, Berlim. 1914. pp. 23 ess.(N. do A.)
(
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R I T I C A 1 33
entre homem e natureza e dos homens entre si. No por meio dessa referncia
relatividade da conexo entre pensamento terico e fatos, imanentes cincia
burguesa, que se d o desenvolvimento do conceito e teoria, mas por uma ponde
rao que no tange unicamente ao cientista, mas tambm a todos os indivduos
cognoscentes.
A totalidade do mundo perceptvel, tal como existe para o membro da socie
dade burguesa e tal como interpretado em sua reciprocidade com ela, dentro
da concepo tradicional do mundo, para seu sujeito uma sinopse de faticida-
des; esse mundo existe e deve ser aceito. O pensamento organizador concernente
a cada indivduo pertence s reaes sociais que tendem a se ajustar s necessida
des de modo o mais adequado possvel. Porm, entre indivduo e sociedade, existe
uma diferena essencial. O mesmo mundo que, para o indivduo, algo em si
existente e que tem que captar e tomar em considerao , por outro lado, na
figura que existe e s mantm, produto da praxis social geral. O que percebemos
no nosso meio ambiente, as cidades, povoados, campos e bosques trazem em
si a marca do trabalho. Os homens no so apenas um resultado da histria
em sua indumentria e apresentao, em sua figura e seu modo de sentir, mas
tambm a maneira como vem e ouvem inseparvel do processo de vida social
tal como este se desenvolveu atravs dos sculos. Os fatos que os sentidos nos
fornecem so pr-formados de modo duplo: pelo carter histrico do objeto perce
bido e pelo carter histrico do rgo perceptivo. Nem um nem outro so mera
mente naturais, mas enformados pela atividade humana, sendo que o indivduo
se autopercebe, no momento da percepo, como perceptivo e passivo. A oposi
o entre passividade e atividade que na gnosiologia surge como dualismo da
sensibilidade e entendimento no vlida para a sociedade na mesma medida
em que vlida para o indivduo. Enquanto este se experimenta como passivo
e dependente, a sociedade, que na verdade composta de indivduos, entretanto
um sujeito ativo, ainda que inconsciente e, nessa medida, inautntico. Esta dife
rena na existncia do homem e da sociedade uma expresso da ciso que no
passado e no presente tem sido prpria s formas sociais da vida social. A existn
cia da sociedade se baseou sempre na oposio direta, ou resultado de foras
con trria s; de qualquer mo do no o resultado de uma espo ntaneidade co nsciente
de indivduos livres. Por isso altera-se o significado dos conceitos de passividade
e de atividade, em conformidade com a sua aplicao sociedade ou ao indiv
duo.
No modo burgus de economia (buergerliche Wirtsschaftsweise) a atividade
da sociedade cega e concreta, e a do indivduo abstrata e consciente.
A produo humana contm tambm sempre algo planificado. Na medida
em que o fato surge como algo exterior que se acrescenta teoria, portanto
necessrio que contenha em si razo (Vemunft), mesmo que num sentido limitado.
Com efeito, o saber aplicado e disponvel est sempre contido na prxis social;
em conseqncia disso o fato percebido antes mesmo da sua elaborao terica
consciente por um indivduo cognoscente, j est codeterminado pelas representa
es e conceitos humanos. No se deve pensar aqui apenas nos experimentos
da cincia natural. A assim chamada pureza do processo efetivo que deve ser
-
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H O R K H E I M E R
alcanada pelo procedimento experimental est ligada a requisitos tcnicos, cuja
conexo com o processo material de produo evidente. Todavia se confunde
facilmente a questo da mediao do fato pela praxis social como um todo com
a questo da influencia exercida pelo instrumento medidor sobre o objeto obser
vado, ou seja, com um mtodo particular. O ltimo problema com que a prpria
fsica se ocupa continuamente no est menos ligado com o problema aqui levan
tado do que com a percepo em geral, inclusive a percepo cotidiana. O prprio
aparelho fisiolgico dos sentidos do homem trabalha j h.tempos detalhada
mente nos experimentos fsicos. A maneira pela qual as partes so separadas ou
reunidas na observao registradora, o modo pelo qual algumas passam desperce
bidas e outras so destacadas, igualmente resultado do moderno modo de produ
o , assim como a percepo de um homem de uma t r ibo qualquer de caadores
ou pescadores primitivos o resultado das suas condies de existncia, e, por
tanto, indubitavelmente tambm do objeto. Em relao a isso poder-se-ia inverter
a frase: as ferramentas so prolongamentos dos rgos humanos, na frase: os
rgos so tambm prolongamentos das ferramentas. Nas etapas mais elevadas
da civilizaoa praxis humana consciente determina inconscientemente no ape
nas o lado subjetivo da percepo, mas em maior medida tambm o objeto. O
que o membro da sociedade capitalista
1 7
v diariamente sua vol ta : conglome
rados habitacionais, fbricas, algodo, gado de corte, seres humanos, e no s
estes objetos como tambm os movimentos, nos quais so percebidos, de trens
subterrneos, elevadores, automveis, avies, etc, tem este mundo sensvel os tra
os do trabalho consciente em si; no mais possvel distinguir entre o que per
tence natureza inconsciente e o que pertence
praxis
socia l . Mesmo quando
se trata da experincia com objetos naturais como tal, sua naturalidade determi
nada pelo contraste com o mundo social, e nesta medida dele depende.
Contudo o indivduo registra a realidade efetiva sensvel como mera seqn
cia de fatos nas ordens conceituais. Sem dvida, estas tambm se desenvolveram
em conexo recproca com o processo vital da sociedade. Quando ocorre por
isso a classificao nos sistemas do entend imento, o julgam ento dos objetos, o
que se d em geral com grande evidncia e em aprecivel concordncia entre
os membros da sociedade dad a, essa harmonia entre a percepo e o pensam ento
tradicional, como tambm entre as mnadas, isto , entre os sujeitos cognoscentes
individuais, no um fato metafsico acidental. O poder do bom senso, do com
mon sense, para o qual no existe segredos, mais que isto, a validade geral das
intuies
18
em campos que no esto diretamente relacionados com as lutas
sociais, como o caso das cincias naturais, condicionado pelo fato de que
o mundo-objeto
(Gegenstandswelt)
a ser julgado advm em grande medida de
uma atividade determinada pelos mesmos pensamentos, graas qual o poder
reconhecido e compreendido no indivduo. Este fato expresso na filosofia kan
tiana de forma idealista. Segundo Kant, a doutrina da sensibilidade meramente
17
"sociedadeindustrial",na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
18
"validade gera das teses", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 35
passiva e do entendimento ativo amadurece a seguinte questo: donde o entendi
mento retira a previso segura de, segundo as suas regras, se ocupar para todo
o sempre do mltiplo que dado na sensibilidade? Ele combate veementemente
a tese de uma harmonia preestabelecida, de um "sistema de pr-formaes da
razo pura", na qual as regras certamente seriam inatas ao pensamento, de forma
que os obje tos ter iam que se enquadrar nelas.
19
Sua explicao a de que as
aparncias sensveis do sujeito transcendental j esto portanto enformadas (ge-
formt) atravs da atividade racional quando registradas pela percepo ejulgadas
com conscincia .
20
Nos captulos mais importantes da Crtica da Razo Pura,
Kant tentou fundamentar com maior preciso essa "afinidade transcendental",
essa determinidade (Bestimmtheit) subjetiva do material sensvel, sobre a qual
o indivduo nada sabe.
De acordo com a prpria intuio
21
kantiana, as partes principais da dedu
o e do esquematismo dos conceitos puros do entendimento aqui referidos tra
zem em si a dificuldade e a obscuridade, as quais podem estar ligadas ao fato
de ele representar a atividade supra-individual, inconsciente ao sujeito emprico,
apenas na forma idealista de uma conscincia em si, de uma instncia puramente
espiritual. De acordo com a viso terica geral, possvel em sua poca, ele consi
dera a realidade no como produto do trabalho social, catico em seu todo, mas
individualmente orientado para objetivos certos. Onde Hegel j v a astcia de
uma razo objetiva, pelo menos ao nvel histrico, Kant v "uma arte oculta
nas profundidades da alma humana, cujo manejo verdadeiro ns dificilmente ar
rancaremos da natureza , colocando-a a descoberto diante dos olhos".
22
Em todo
o caso ele compreendeu que, atrs da discrepncia entre fato e teoria que o cien
tista experimenta em sua ocupao especializada, existe uma unidade profunda,
a subjetividade geral de que depende a cognio (Erkennen) individual. A ativi
dade social aparece como poder transcendental, isto , como supra-sumo de fato
res espirituais. A afirmao de Kant de que a eficcia desta atividade est envol
vida por uma obscuridade, ou seja, apesar de toda a racionalidade irracional,
no deixa de ter um fundo de verdade. O modo burgus de economia no orien
tado por nenhum planejamento nem orientado conscientemente para um obje
tivo geral, apesar da perspiccia dos indivduos concorrentes; a vida do todo re
sulta numa figura deformada, como que por acaso, mesmo assim sob enormes
atritos. As dificuldades internas que acompanham os conceitos mais elevados da
filosofia kantiana, principalmente o Eu da subjetividade transcendental, a aper-
cepo pura ou original e a conscincia em si testemunham a profundidade e
sinceridade de seu pensamento. O duplo carter destes conceitos kantianos, que
mostram por um lado a mxima unidade e orientao, e, por outro lado, algo
19
Cf. Kritik der reinen Vernunft. Transzendentate Dedukion der reinen Verslandesbegrijje, 2." ed., 27,
B
167.
(N. do A.)
20
Ibid. Zur Deduktion der reinen Verstandesb egriffe, 1.
a
edio. 2. "Abschnitt, 4. Vorlaeufige Erklaerung
der Moeglichkeit der Kategorien ais Erkenntnisse a priori". A 110. (N. do A.)
2
' "Segundo o prprio Kant" , na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
22
Ibid. Von demSchematismus der reinen VerstandesbegriJfe,B 181.
(N. do A.)
-
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de obscuro, de inconsciente, de intransparente, define exatamente a forma contra
di tria da a t ividade humana nos l t imos tempos. A ao conjunta dos homens
na sociedade o modo de existncia de sua razo; assim utilizam suas foras
e confirmam sua essncia. Ao mesmo tempo este processo, com seus resultados,
estranho a eles prprios; parece-lhes, com todo o seu desperdcio de fora de
trabalho e vida humana, com seus estados de guerra e toda a misria absurda,
uma fora imutvel da natureza, um destino sobre-humano. Esta contradio
mantida na filosofia terica de Kant, na sua anlise da gnose. A problemtica
no solucionada da relao entre atividade e passividade, entre o a priori e o
dado sensvel, entre filosofia e psicologia, no por isso uma insuficincia subje
t iva mas, ao contrrio, uma insufic incia necessariamente condicionada.
23
Hegel
desvelou e desenvolveu essas contradies, mas por fim as concilia numa esfera
espiritual mais elevada. Ao colocar o esprito absoluto como eminentemente real,
Hegel se livrou do embarao, do sujeito universal, que Kant havia afirmado, mas
no conseguiu caracteriz-lo corretamente. Segundo ele, o universal j se desen
volveu adequadamente , e idnt ico qui lo que ocorre . A razo no precisa mais
ser meramente crtica consigo mesma, ela se tornou afirmativa com Hegel antes
mesmo de ser possvel afirmar a realidade como racional. Em vista das contradi
es da existncia humana, que continua efetivamente existindo, e em vista da
debilidade dos indivduos diante das situaes criadas por eles prprios, esta solu
o aparece como uma afirmao privada, com o pacto de paz pessoal do filsofo
com um mundo inumano.
A classificao de fatos em sistemas conceituais j prontos e a reviso destes
atravs de simplificao ou eliminao de contradies , como foi exposto
acima, uma parte da prxis social geral. Sendo a sociedade dividida em classes
e grupos, compreende-se que as construes tericas mantm relaes diferentes
com esta prxis geral, conforme a sua filiao a um desses grupos ou classes.
Enquanto a classe burguesa ainda se encontra em formao sob uma ordem social
feudal, a teoria puramente cientfica que surgia com ela tinha em relao sua
poca uma tendncia fortemente agressiva contra a forma antiga da prxis. N o
liberalismo ela caracterizou o tipo humano dominante. Hoje o desenvolvimento
no determinado tanto pelas existncias mdias que na sua concorrncia so
obrigadas a melhorar o aparelho materia l de produo e seus produtos, quanto
pelas oposies em nvel nacional e internacional de camarilhas de caciques
(Fuehrercliquen)
nos diversos escales da economia e do Estado. Na medida em
que o pensamento terico no se relaciona com fins muito especiais ligados a
essas lutas, sobretudo com a guerra e sua indstria, diminui o interesse por esse
pensamento. No se emprega mais tanta energia em formar e desenvolver a capa
cidade de pensar, independente de seu tipo de aplicao. Contudo, estas diferen
as , s quais se poderiam juntar mui tas outras, no impedem que uma funo
social positiva seja desempenhada pela teoria na sua figura tradicional, pela ava
liao existente feita por m eio de um instrumen to tradicion al de conceitos e ju-
23
"insuficincia materialmente (sachliche) necessria", na ed. de A. Schmidt. (N. dosT.)
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 37
zos, ainda atuante na conscincia mais simples, e, alm disso, pela ao recproca
que ocorre entre os fatos e as formas tericas por mo tivo das tarefas profissionais
cotidianas. Desta atividade intelectual passaram a fazer parte as necessidades e
fins, as experincias e habilidades, e os costumes e tendncias da forma atual
de ser humano. Como se fora um instrumento material de produo, ela repre
senta, segundo as suas possibilidades, um elemento no s do presente, como
tambm de um todo mais justo, mais diferenciado e culturalmente mais harm
nico. No momento em que o pensamento terico deixa de se adaptar consciente
mente a interesses exteriores, estranhos ao objeto, e se atm efetivamente aos pro
blemas tal como eles aparecem diante deste pensamento, em conseqncia do
desenvolvimento da sua especialidade, que em conexo com isso lana novos pro
blemas e modifica conceitos antigos onde isso se faz necessrio, pode com direito
ver as realizaes na tcnica e na indstria da poca burguesa como sua legitima
o e estar seguro de si mesmo. Sem dvida o pensamento terico compreende
a si mesmo como hiptese e no como certeza. Mas este carter hipottico com
pensado de algum modo. A insegurana no maior do que deve ser, se se leva
em conta os meios intelectuais e tcnicos existentes, que tem em geral sua utili
dade comprovada, e a formulao de tais hipteses, por mais reduzida que seja
a sua probabilidade, considerada inclusive uma realizao socialmente necess
ria e valiosa, que de qualquer maneira no em si hipottica. A formulao de
hipteses, a realizao terica em geral um trabalho para o qual existe possibili
dade fundamental de aplicao, isto , tem uma demanda sob as condies sociais
existentes. Na medida em que ele pago abaixo do seu valor, ou no encontra
demanda, a nica coisa que lhe pode acontecer compartilhar o destino de outros
trabalhos concretos, possivelmente teis, que sucumbem sob estas relaes econ
m i c a s .
24
Estes trabalhos pressupem contudo essas mesmas relaes que fazem
parte da totalidade do processo econmico, tal como ele se desenrola sob condi
es histricas determinadas. Isso no tem nada a ver com a questo de se os
prprios esforos cientficos, em sentido estrito, so produzidos ou no. Neste
sistema existe uma demanda para um sem-nmero de produtos pretensamente
cientficos. Eles recebem honorrios dos modos mais diversos, isto , uma parte
dos bens provenientes do trabalho efetivamente produtivo so gastos com eles,
sem que isso altere um mnimo da sua prpria produtividade. Os esforos inteis
de certos setores da atividade universitria como tambm a perspiccia v, a for
mao, metafsica ou no, de ideologias, assim como outras necessidades prove
nientes da oposio das c lasses,
2 5
tm sua importncia socia l sem corresponder
efetivamente no perodo atual aos interesses de alguma maioria notvel da socie
dade. Uma atividade que contribui para a existncia da sociedade na sua forma
dada no precisa ser absolutamente produtiva, isto , ser formadora de valor para
uma empresa. Apesar disso ela no pode pertencer a esta ordem [social] e, com
isso, torn-la possvel, como realmente o caso da cincia especializada.
24
"que sucumbe sob esta
economia ,
na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
2
5
"necessidades provenientes de oposies sociais ,na ed. de A. Schmid t. (N. do T.)
-
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1 3 8 H O R K H E I M E R
Mas existe tambm um comportamento hu ma no
26
que tem a prpria socie
dade como seu objeto. Ele no tem apenas a inteno de remediar quaisquer in
convenientes; ao contrrio, estes lhe parecem ligados necessariamente a toda or
ganizao est rutural da sociedade. Mesmo que este comportamento provenha de
estrutura social, no nem a sua inteno consciente nem a sua importncia
objetiva que faz com que alguma coisa funcione melhor nessa estrutura. As cate
gorias: melhor, til, conveniente, produtivo, valioso, tais como so aceitas nesta
ordem [social], so para ele suspeitas eno so de forma alguma premissas extra-
cientficas que dispensem a sua ateno crtica. Em regra geral o indivduo aceita
naturalmente como preestabelecidas as determinaes bsicas da sua existncia,
e se esfora para preench-la. Ademais ele encontra a sua satisfao e sua honra
ao empregar todas as suas foras na realizao das tarefas, apesar de toda a
crtica enrgica que talvez fosse parcialmente apropriada, cumprindo com af
a sua parte. Ao contrrio, o pensamento crtico no confia de forma alguma nesta
diretriz, tal como posta mo de cada um pela vida social. A separao entre
indivduo e sociedade, em virtude da qual os indivduos aceitam como naturais
as barre i ras que so impostas sua a t ividade, e l iminada
27
na teoria crtica,
na medida em que ela considera ser o contexto condicionado pela cega atuao
conjunta das atividades isoladas, isto , pela diviso dada do trabalho e pelas
diferenas de classe, como uma funo que advm da ao humana e que poderia
estar possivelmente subordinada deciso planificada e a objetivos racionais.
Para os sujeitos do comportamento crtico, o carter discrepante cindido
do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradio consciente. Ao reco
nhecer o modo de economia vigente e o todo cultural nele baseado como produto
do t rabalho humano, e como a organizao de que a humanidade foi capaz e
que imps a si mesma na poca atual, aqueles sujeitos se identificam, eles mes
mo s , com esse todo e o compreendem com o vontade e raz o: e le o seu prprio
mundo. Por outro lado, descobrem que a sociedade comparvel com processos
naturais extra-humanos, meros mecanismos, porque as formas cul tura is baseadas
em luta e opresso no a prova de uma vontade autoconsciente e unitria. Em
outras palavras: este mundo no o deles, mas sim o mundo do capital. Alis
a histria no pde at agora ser compreendida a rigor, pois compreensveis so
apenas os indivduos e grupos isolados, e mesmo esta compreenso no se d
de uma forma exaustiva, uma vez que eles, por fora da dependncia interna de
uma sociedade desumana, so ainda funes meramente mecnicas, inclusive na
ao consciente. Aquela identificao portanto contraditria, pois encerra em
si uma contradio que caracteriza todos os conceitos da maneira de pensar cr
tica. Assim as categorias econmicas tais como trabalho, valor e produtividade
so para ela exatamente o que so nesta ordem [social], e qualquer outra interpre
tao no passa de mau idealismo. Por outro lado, aceitar isso simplesmente apa-
26
Este comportamento ser denominado a seguir de comp ortament o "crtico"". Mas '"crtico"" no tanto
no sentido da crtica idealista da razo pura como no sentido da crtica dialtica da economia poltica.
Este termo indica uma propriedade essencial da teoria dialtica da sociedade. (N. do A.)
2
7
"relativizadana teoria crtica", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 39
rece como uma inverdade torpe: o reconhecimento crtico das categorias domi
nantes na vida social contm ao mesmo tempo a sua condenao. O carter
dialtico desta autoconcepo do homem contemporneo condiciona em ltima
instncia tambm a obscuridade da cr t ica kant iana da razo. A razo no pode
tornar-se , e la mesma, t ransparente enquanto os homens agem como membros de
um organismo i rracional . Como uma unidade naturalmente crescente e decadente ,
o organismo no para a sociedade uma espcie de modelo, mas sim uma forma
aptica do ser, da qual tem que se emancipar. Um comportamento que esteja
orientado para essa emancipao, que tenha por meta a transformao do todo,
pode servir-se sem dvida do trabalho terico, tal como ocorre dentro da ordem
desta realidade existente. Contudo ele dispensa o carter pragmtico que advm
do pensamento tradicional como um trabalho profissional socialmente til.
O pensamento terico no sentido tradicional considera, como foi exposto
acima, tanto a gnese dos fatos concretos determinados como a aplicao prtica
dos sistemas de conceitos, pelos quais estes fatos so apreendidos, e por conse
guinte seu papel na praxis como algo exterior. A alienao que se expressa na
terminologia filosfica ao separar valor de cincia,
28
saber de agir, como tambm
outras oposies, preservam o cientista das contradies mencionadas e empresta
ao seu trabalho limites bem demarcados. Um pensamento que no reconhea es
ses limites parece perder suas bases. Que outra coisa poderia ser um mtodo te
r ico ,
que em ltima instncia no coincide com a determinao dos fatos dentro
de sistemas conceituais diferenciados e bastante simplificados, alm de um diver
timento intelectual desorientado, em parte poesia racional, e em parte expresso
impotente de estados de esprito? A investigao do condicionamento de fatos
sociais assim como de teoria podem muito bem constituir um problema da pes
quisa, inclusive um campo prprio do trabalho terico, mas no se v por que
este tipo de estudo deveria ser fundamentalmente diferente dos outros esforos
tericos. A anlise da ideologia ou a sociedade do saber, retiradas da teoria crtica
da sociedade e estabelecidas como ramos particulares de pesquisa, no se encon
tram em oposio ao funcionamento normal da cincia ordenadora, nem quanto
sua essncia nem em relao sua ambio. Nisso a autognose do pensamento
reduzida revelao das relaes entre intuies
29
e posies sociais. A estru
tura do comportamento crtico, cujas intenes ultrapassaram as dapraxis social
dominante, no est certamente mais prxima destas disciplinas sociais do que
das cincias naturais. Sua oposio ao conceito tradicional de teoria no surge
nem da diversidade dos objetos nem da diversidade dos sujeitos. Para os represen
tantes deste comportamento, os fatos, tais como surgem na sociedade, frutos do
trabalho, no so exteriores no mesmo sentido em que o so para o pesquisador
ou profissional de outros ramos, que se imagina a si mesmo como pequeno cien
tista. Para os primeiros importante uma nova organizao do trabalho. Os fatos
concretos que esto dados na percepo devem despojar-se do carter de mera
faticidade na medida em que^ forem com preendido s como prod utos que, com o
2a
"ao separar valordepesquisa", na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
2 9
"das relaes entreposies intelectuaise posies sociais'" na ed. de A. Schm idt. (N. dos T.)
-
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f tais, deveriam estar sob o controle huma no e que, em todo o caso , pass aro futu
ramente a este controle.
{ O especialista "en qua nto " cientista v a realidade social e seus produtos
, como algo exterior e "en qua nto " cidado mostr a o seu interesse por essa realidade
atravs de escritos polticos, de filiao a organizaes partidrias ou beneficentes
( e participa o em eleies, sem unir ambas as coisas e alguma s outras formas
suas de comportamento, a no ser por meio da interpretao ideolgica. Ao con
trrio, o pensamento crtico motivado pela tentativa de superar realmente a
( tens o, de eliminar a oposi o entre a conscincia dos objetivos, espontan eidade
e racionalidade, inerentes ao indivduo, de um lado, e as relaes do processo
de t rabalho, bsicas para a sociedade, de outro. O pensamento cr t ico contm
um conceito do homem que contraria a si enquanto no ocorrer esta identidade.
Se prprio do homem que seu agir seja determinado pela razo, a
praxis
social
' dada, que d forma ao modo de ser (Dasein), desumana, e essa desumanidade
(
repercute sobre tudo o que ocorre na sociedade. Semp re perman ecer algo exte
rior atividade intelectual e material, a saber, a natureza como uma sinopse de
( fatos ainda no domin ados, com os quais a sociedade se ocup a. Mas neste algo
/- exterior incluem-se tambm as relaes constitud as unicame nte pelos prprios
homens, isto , seu relacionamento no trabalho e o desenrolar de sua prpria
I histria , como um prolongamento da natureza . Essa exterioridade no contudo
uma categoria supra-histrica ou eterna isso tambm no seria a natureza
no sentido assinalado aqui , mas sim o sinal de uma impotncia lamentvel,
t e aceit-la seria anti-hum ano e anti-racional.
O pensamento burgus const i tudo de ta l maneira que, ao vol tar
30
ao seu
prprio sujeito, reconhece com necessidad e lgica o ego que se julga au tno mo.
C Segundo a sua essncia ele abstr ato, e seu princpio a individualidade que,
isolada dos acontecimentos, se e leva condio de causa primeira do mundo
( ou se considera o prprio mun do. O oposto imediato a isso a convico que
f se julga expresso no problem tica de uma coletividade, como uma espcie de
ideologia da raa. O n s retr ico empregado a srio. O falar se julga o instru-
(
mento de todos. Na sociedade dilacerada do presente, este pensamen to , sobre-
, tudo em questes sociais, harmo nicista e ilusionista. O pensamen to crtico com
sua teoria se ope a ambo s os tipos referidos. Ele no tem a funo de um in divi-
f duo isolado nem a de uma generalidade de indivduo s. Ao contr rio, ele considera
conscientemente como sujeito a um indivduo determinado em seus relacionamen
tos efetivos com outros indivduos e grupos, em seu confronto com uma classe
f determ inada, e, por ltimo, mediado por este entrelaam ento, em vinculao com
o todo social e a natureza. Este sujeito no pois um ponto, como o eu da filoso-
' fia burgue sa; sua exposio (Darstellung) consiste na const ruo do presente his-
( trico. Tam pouc o o sujeito pensante o ponto onde coincidem sujeito e objeto,
e donde se pudesse extrair por isso um saber absoluto. Esta aparncia, da qual
(
30
Na ed. de A. Schmidt, ao invs de in der Rueckwendung, que traduzimos por "ao voltar-se", consta
^ m der Reflexion (na reexo). (N. dos T.)
(
\
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 41
o idealismo tem vivido desde Descartes, ideologia em sentido rigoroso; a liber
dade limitada do indivduo burgus aparece na figura de liberdade e autonomia
perfeitas. Mas o eu, quer seja meramente pensante, quer atue de alguma outra
forma, tambm no est seguro de si prprio numa sociedade intransparente e
inconsciente. No pensamento sobre o homem, sujeito e objeto divergem um do
outro; sua identidade se encontra no futuro e no no presente. O mtodo que
leva a isso pode ser designado clareza, de acordo com a terminologia cartesiana,
mas esta clareza significa, no pensamento efetivamente crtico, no apenas um
processo lgico, mas tambm um processo histrico concreto. Em seu percurso
se modifica tanto a estrutura social em seu todo, como tambm a relao do
terico com a c lasse
31
e com a sociedade em geral, ou seja, modifica-se o sujeito
e tambm o papel desempenhado pelo pensamento. A suposio da invariabili-
dade social da relao sujeito, teoria, e objeto distingue a concepo cartesiana
de qualquer tipo de lgica dialtica.
Mas como se d a conexo do pensamento com a experincia? Se no se
t ra ta apenas de ordenar, mas tamb m de buscar o s f ins t ranscendentes deste orde
nar, isto , buscar a sua direo em si mesma, ento poder-se-ia concluir ele
permanece sempre em si mesmo, como na filosofia idealista. Se o pensamento cr
tico pensa-se no recorresse a fantasias utpicas, afogar-se-ia em querelas
formalistas. A tentativa de legitimar objetivos prticos por meio de pensamentos
teria sempre que fracassar. Se o pensamento no se conforma com o papel que lhe
foi adjudicado pela sociedade existente, e se no faz teoria no sentido tradicional,
ele recai necessariamente nas iluses j superadas h muito. Esta reflexo comete
o erro de entender o pensamento de modo especializado, isolado, e por isso espiri
tualista, tal como este ocorre sob as condies da atual diviso do trabalho. Na
realidade social, a atividade de representao jamais se manteve restrita a si
mesma, pelo contrrio, sempre atuou como um momento dependente do processo
do trabalho que tem, por sua vez, uma tendncia prpria. Atravs do movimento
oposto de pocas e foras progressistas e retrgradas tende o processo de trabalho
a preservar, elevar e desenvolver a vida humana. Nas formas histricas do modo
de ser da sociedade, o excedente de bens produzidos na etapa alcanada benefi
ciou diretamente apenas um pequeno grupo de seres humanos, e essas condies
de vida manifestaram-se tambm no pensamento e deixaram a sua marca na filo
sofia e na religio. No fundo sempre existiu o anseio de estender o desfrute
maioria; apesar de toda a convenincia material da organizao de classe, todas
as suas formas no fim se mostraram inadequadas. Os escravos, os servos e os
cidados (Buerger) se livraram do jugo. Tambm este anseio modelou configura
es culturais. Ao exigir de cada indivduo que faa seus os fins da totalidade e
que os reconhea nela depois, como tem ocorrido na histria recente, existe a
possibilidade de que a direo do processo social do trabalho, estabelecida sem
teoria determinada e resultante de foras dspares, em cujas ocasies crticas o
desespero das massas foi momentaneamente decisivo, seja registrada na cons-
31
"com a classe", omitido na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
-
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142
H O R K H E I M E R
ciencia e posta como meta. O pensamento no inventa estrias a
partir de sua prpria fantasia, antes exprime a sua prpria funo interior. Em seu
percurso histrico os homens chegam gnose do seu fazer e com isso entendem
a contradio encerrada em sua existncia. A economia burguesa estruturou-se de
tal forma que os indivduos, ao perseguirem a sua prpria felicidade, mantenham
a vida da sociedade. Contudo essa estrutura possui uma dinmica em virtude da
qual se acumula , numa proporo que lembra as ant igas dinast ias asi t icas, um
poder fabuloso, de um lado, e, de outro;"ma'rnpotncia material intelectual. A
fecundidade original dessa organizao do processo vital se transforma em esteri
lidade e inibio. Os homens renovam com seu prprio trabalho uma realidade
que os escraviza em medida crescente e os ameaa com todo tipo de misria. A
conscincia dessa oposio no provm da fantasia, mas da experincia.
32
No entanto, no que diz respeito ao papel da experincia, existe uma dife
rena entre a teoria tradicional e a teoria crtica. Os pontos de vista que a teoria
crtica retira da anlise histrica como metas da atividade humana, principal
mente a idia de uma organizao social racional correspondente ao interesse
de todos, so imanentes ao trabalho humano, sem que os indivduos ou o esprito
pblico os tenham presentes de forma correta. necessrio uma determinada
direo do interesse para descobrir e assimilar essas tendncias. Que essas so
produzidas necessariamente no prole tariado, a c lasse di re tamente produt iva ,
33
o que mostram os ensinam entos de Marx e Engels . Devid o a sua situao na
sociedade moderar, o proletariado vivencia o nexo entre o trabalho que d aos
homens, em sua luta com a natureza, ferramentas cada vez mais poderosas, por
um lado, e a renovao constante de uma organizao obsoleta, que o faz cada
vez mais miservel e impotente, por outro.
34
O desemprego, as crises econmicas,
a militarizao, os governos terroristas e o estado em que se encontram as mas
sas,
ta l como os produtores vivenciam a todo instan te ,
35
no se baseiam de forma
alguma na limitao do potencial tcnico, como poderia ter ocorrido em pocas
anteriores, mas sim nas condies inadequadas da produo a tual . O emprego
de todos os meios fsicos e intelectuais de domnio da natureza impedido pelo
fato de esses meios, nas relaes dominantes, estarem subordinados a interesses
particulares e confiitivos. A produo no est dirigida vida da coletividade
nem satisfaz s exigncias dos indivduos mas est orientada exigncia de poder
de indivduos e se encarrega tambm da penria na vida da coletividade. Isso
resultou inevitavelmente da aplicao, dentro do sistema de propriedade
dominante, do princpio progressista de que suficiente que os indivduos se preo
cupem apenas consigo mesmos.
Mas nesta sociedade tampouco a situao do proletariado constitui garantia
para a gnose correta. Por mais que sofra na prpria carne o absurdo da continua-
32
"e os ameaa com todo tipo de misria. A conscincia desta oposio no provm da fantasia mas
da experincia". Todo este trecho no aparece na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
33
"a classe diretamente produtiva", omitido na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
34
"que o faz cada vez mais miservel e impotente", no aparece na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
35
"tal como os produtores vivenciam a todo instante", omitido na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 43
o da misria e do aumento, da injustia, a diferenciao de sua estrutura social
estimulada de cima, e a oposio dos interesses pessoal e de classe, superadas
apenas em momentos excepcionais, impede que o proletariado adquira imediata
mente conscincia disso. Ao contrrio, tambm para o proletariado o mundo apa
rece na sua superfcie de uma outra forma. Uma atitude que no estivesse em
condies de opor ao prprio proletariado os seus verdadeiros interesses e com
isso tambm os interesses da sociedade como um todo, e, ao invs disso, retirasse
sua diretriz dos pensamentos e tendncias da massa, cairia numa dependncia
escrava da situao vigente. O intelectual que, numa venerao momentnea da
fora de criao do proletariado encontra sua satisfao em adaptar-se e em fazer
apoteoses, no v que qualquer poupana de esforos do seu pensamento e a
recusa a uma oposio momentnea s massas, para as quais ele poderia levar
os prprios pensamentos, faz com que estas fiquem massas mais cegas e fracas
do que precisariam ser. Seu prprio pensamento faz parte do desenvolvimento
das massas como um elemento crtico e estimulador. Submetendo-se totalmente
s situaes psicolgicas respectivas da classe, que em si representa a fora para
a transformao, esse intelectual levado ao sentimento confortador de estar li
gado com um enorme poder e o conduz a um otimismo profissional. Mas quando
este otimismo abalado em perodos de duras derrotas, surge ento o perigo
para muitos intelectuais de carem num pessimismo e num niilismo, igualmente
profundos, to exagerados como foi o seu otimismo. No suportam o fato de
que justamente o pensamento mais a tual izado, o que compreende com mais pro
fundidade o momento histrico e o que mais promete para o futuro, contribui
em determinados perodos para o isolamento e abandono de seus representantes.
Eles esqueceram a relao entre revoluo e independncia.
36
Se a teoria crtica se restringisse essencialmente a formular respectivamente
sentimentos e representaes prprias de uma classe, no mostraria diferena es
trutural em relao cincia especializada; nesse caso haveria uma descrio
de contedos psquicos, tpicos para um grupo determinado da sociedade, ou seja,
tratar-se-ia de psicologia social. A relao entre ser e conscincia diferente nas
diversas classes da sociedade. As idias com as quais a burguesia explica a sua
prpria ordem a troca justa, livre concorrncia, a harmonia dos interesses,
etc. mostram, se tomadas a srio e se, como princpios da sociedade, levadas
at as ltimas conseqncias, a sua contradio interna e com isso tambm a
sua oposio a esta ordem. A simples descrio da autoconscincia burguesa no
suficiente para mostrar a verdade sobre sobre sua classe. Tampouco a sistemati
zao dos contedos da conscincia do proletariado fornece uma verdadeira ima
gem do seu modo de ser e dos seus interesses. Ela seria uma teoria tradicional
caracteriz ada por uma prob lemtica peculiar, e no a face intelectual do processo
histrico de emancipao do proletariado. Isto tambm vlido, mesmo quando
se deixam de lado as representaes do proletariado em geral, para assumir e
divulgar as representaes de uma parte progressista dele, de um partido ou de
36
Esta frase no consta na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
-
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1 4 4 H O R K H E I M E R
uma direo. Registrar e classificar por meio de um aparato conceituai que esteja
adaptado ao mximo aos fatos constitui, tambm nesse caso, a tarefa peculiar,
e a previso de futuros dados scio-psicolgicos aparece como a ltima meta
do terico. O pensamento, a formulao da teoria, seria uma coisa, enquanto
que o seu objeto, o proletariado, seria outra. Contudo, a funo da teoria crtica
torna-se clara se o terico e a sua atividade especfica so considerados em uni
dade dinmica com a classe dominada, de tal modo que a exposio das contradi
es sociais no seja meramente uma expresso da situao histrica concreta,
mas tambm um fator que estimula e que transform a. O desenrolar do co nfronto
entre os setores mais progressistas da classe e os indivduos que exprimem a ver
dade dela, e alm disso, o confronto entre esses setores inclusive os seus tericos
e o resto da classe, se entende com um processo de efeitos recprocos, no quala
conscincia desenvolve, junto com suas foras libe rtadora s, suas foras estimula
doras,
disc ipl inadoras e violentas.
3 7
O vigor deste processo se manifesta na possi
bilidade constante de tenso entre o terico e a classe, qual se aplica o seu pen
sar. A unidade das foras sociais, das quais se espera a libertao , em sentido
hegeliano, ao mesmo tempo sua diferena: ela existe s como conflito, o qual
ameaa constantemente os sujeitos nela envolvidos. Isso se torna evidente na pes
soa do terico; sua crtica agressiva no apenas frente aos apologetas cons
cientes da situao vigente, como tambm frente a tendncias desviacionistas,
conformistas ou utpicas nas suas prprias fileiras.
A figura tradicional da teoria, da qual a lgica formal uma parte, pertence
ao processo de produo por efeito da diviso do trabalho em sua forma atual.
O fato de a sociedade ter que se confrontar tambm em pocas futuras com a
natureza no torna irrelevante essa tcnica intelectual; ao contrrio, essa tcnica
ter que ser desenvolvida ao mximo. A teoria como momento de uma praxis
que conduz a novas formas sociais no uma roda dentada de uma engrenagem
em movimento. Se vitrias e derrotas constituem uma analogia vaga confirma
o ou invalidao de hipteses na cincia, o terico da oposio nem por isso
tem a tranqilidade de inclu-las na sua disciplina. Ele no pode fazer a si mesmo
a exal tao que Poincar
38
fez acumulao de hipteses que tiveram que ser
rejeitadas. Sua vocao a luta qual pertence o seu pensamento; mas no um
pensamento como algo autnomo e separvel. No seu comportamento existem,
sem dvida, muitos elementos tericos correntes: o conhecimento e prognstico
de fatos relativamente isolados, os juzos cientficos e a formulao de problemas
que se afastam dos elementos habituais devido aos seus interesses especficos.
Contudo apresentam a mesma forma lgica. O que a teoria tradicional admite
como existente, sem enganjar-se de alguma forma: seu papel positivo numa socie
dade que funciona, a relao mediatizada e intransparente com a satisfao das
necessidades gerais, a participao no processo renovador da vida da totalidade,
inclusive as exigncias com as quais a prpria cincia no costuma se preocupar,
37
"foras violentas" passaram a ser"foras agressivas",na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
38
Cf. H. Poincar,
dent p.
152.
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 45
porque seu preenchimento identificado com a compensao e a confirmao
atravs da posio do cientista, so questionados pelo pensamento crtico. A meta
que este quer alcanar, isto , a realizao do estado racional, sem dvida, tem
suas razes na misria do presente. Contudo, o modo de ser dessa misria no ofe
rece a imagem de sua superao. A teoria que projeta essa imagem no trabalha
a servio da realidade existente; ela exprime apenas o seu segredo. Por mais exata
mente que os equvocos e confuses possam a qualquer momento ser mostrados,
por mais desastrosas que possam ser as conseqncias de erros, a direo do
empreendimento, o prprio labor intelectual, por mais repleto de xito que prome
ta ser. no sofre sano do senso comum nem pode se apoiar nos hbitos. Outras
teorias, porm, que testam a sua eficincia na construo de mquinas, inclusive
nos filmes de sucesso, acabam tendo um consumo nitidamente definido, mesmo
quando so elaboradas separadamente da sua aplicao, como a fsica terica, e
mesmo quando esse consumo consiste apenas no manejo dos sinais matemticos,
para com o qual a boa sociedade mostra, pela recompensa, o seu sentimento
humani trio.
Contudo, quanto ao consumo no futuro, o que assunto para o pensamento
crtico, no existem tais exemplos. Apesar disso, a idia (Idee) de uma sociedade
futura como coletividade de homens livres, tal como seria possvel em virtude
dos meios tcnicos existentes, tem um contedo que deve manter-se fiel apesar
de todas as transformaes. Essa idia se reproduz constantemente sob a situao
vigente, na forma de uma inteleco a respeito da possibilidade e do modo em
que a dilacerao e irracionalidade podem ser eliminadas agora. Mas os fatos
nela julgados, as tendncias impulsionadoras no sentido de uma sociedade racio
nal, no so produzidos fora do pensamento por foras exteriores a ele, em cujo
produto pudesse reconhecer ocasionalmente a si prprio. Pelo contrrio, o mesmo
sujeito que quer impor os fatos de uma realidade melhor pode tambm represen
t-la. Desta coincidncia enigmtica entre o pensamento e o ser, entre entendi
mento e sensibilidade, entre necessidades humanas e sua satisfao dentro da eco
nomia catica atual, coincidncia que aparenta ser acidental na poca burguesa,
vir a ser em pocas futuras a relao entre a inteno racional e a realizao.
Na luta pelo futuro esta relao aparece de forma parcial, na medida em que
uma vontade se relacione com a estruturao da sociedade como um todo e atue
conscientemente na elaborao da teoria e da praxis que conduzem a este futuro.
Na organizao e comunidade dos combatentes aparece, apesar de toda a disci
plina baseada na necessidade de se impor, algo da liberdade e espontaneidade
do futuro. Onde a unidade entre disciplina e espontaneidade desapareceu, o movi
mento se transforma num assunto para a sua prpria burocracia, um espetculo
quej entrou para o repertrio da histria recente.
No entanto a vitalidade atual do futuro almejado no constitui uma confir
mao. Os sistemas conceituais do entendimento ordenador, as categorias, nos
quais so registrados o inerte e o vivo, assim corno processos sociais, psicolgicos
e fsicos, a classificao dos objetos e juzos nas diversas disciplinas dos ramos
particulares do conhecimento, tudo isso constitui o aparelho intelectual, tal como
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comprovado e a justado em conexo com o processo real de t rabalho. Este uni
verso inte lectual
39
constitui a conscincia geral; ele tem uma base qual os seus
representantes podem recorrer. Tambm os interesses do pensamento crtico so
universais, mas no so universalmente reconhecidos. Os concei tos que surgem
sob sua influncia so crticos frente ao presente. Classe,
4 0
explorao, mais-va-
lia, lucro, pauperizao, runa so momentos da totalidade conceituai. O sentido
no deve ser buscado na reproduo da sociedade a tual , mas na sua t ransforma
o . Por isso para o modo de julgar dominantewtroria'-xsritica aparece como sub
jetiva e especulativa, parcial e intil, embora ela no proceda nem arbitrariamente
nem ao acaso. Como ela contraria o modo de pensar existente que permite a
continuidade do passado favorecendo os interesses da ordem ultrapassada, e se
ope aos garantes de um mundo partidrio, a teoria crtica aparenta ser partidria
e injusta.
Mas antes de tudo ela no pode mostrar um rendimento material. A transfor
mao que a teoria crtica tenta realizar no das que vo se impondo aos poucos
de modo a ter um sucesso que, apesar de vagaroso, seja constante. O crescimento
do nmero dos seus adeptos, a influncia de alguns deles sobre os governos, a
fora daqueles p artidos que a vem >om,boas olho s ou que pelo menos no a
proscrevem, tudo isto pertence aos reveses da luta para alcanar um grau mais
alto de convivncia humana, mas no constitui ainda o seu comeo. Tais xitos
podem revelar-se posteriormente, inclusive como vitrias aparentes ou erros. Um
mtodo de adubagem na agricultura ou a aplicao de uma terapia na medicina
podem estar longe de alcanar o efeito ideal, o que no significa que no possam
ter algum resultado positivo. Talvez as teorias baseadas em tais experincias tc
nicas em relao com a respectiva praxis e com as descobertas em outros campos
tenham que ser aprimoradas, revisadas ou rejeitadas; com isso seria poupado
um grandequantum de trabalho em relao ao produ to, e seriam curadas e alivia
das mui tas doenas.
41
Ao contrrio, a teoria que impulsiona a t ransformao
do todo social tem como conseqncia a intensificao da luta com a qual est
vinculada. Tambm quando a lguns melhoramentos materia is ec lodem da e levada
fora de resistncia de determinados grupos, que surgem indiretamente da teoria,
no se trata de setores da sociedade, de cuja expanso contnua resultaria a nova
sociedade. Todas as representaes sobre esse tipo de crescimento paulatino des
conhecem a diversidade fundamental de um todo social dividido, no qual o poder
material e ideolgico tem a funo de manter os privilgios contra a associao
dos homens livres, na qual cada um tem as mesmas possibilidades de desenvolvi
mento. Esta idia se diferencia da utopia
42
pela prova de sua possibilidade real
fundada nas foras produt ivas humanas desenvolvidas.
43
Quantos esforos foram
necessrios para se chegar a ela, quantas etapas foram ultrapassadas, e como
39
"este universo
de conceitos",
na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
40
Na ed. de A. Schmidt foi introduzid o: "As categorias marxistas"'. (N. dos T.)
De modo semelhante ocorre com as inteleces econmicas e tcnico-fnanceiras e seu aproveitamento
pela poltica econmica. (N. do A.)
42
"utopia
abstrata",
na ed. de A. Schmidt. (N. dos T.)
Na ed. de A. Schmidt consta: "fundada no estado atual das foras produtivas humanas". (N. dos T.)
T E O R I A T R A D I C I O N A L E T E O R I A C R T I C A 1 47
pode ter sido desejada e valiosa cada etapa em si o significado histrico desses
esforos e etapas para a idia s ser conhecido depois de sua efetivao. Este
pensamento tem algo em comum com a fantasia. Trata-se de fato de uma imagem
do futuro, surgida da compreenso profunda do presente: determinar em tais pe
rodos os pensamentos e aes nos quais o desenrolar das coisas aparenta afas
tar-se dessa imagem; e antes justificar qualquer doutrina do que a crena na sua
realizao. A arbitrariedade e a suposta independncia no so prprias deste
pensamento, mas sim a tenacidade da fantasia. Cabe ao terico introduzir essa
tenacidade nos grupos mais avanados das camadas dominadas, pois justa
mente dentro dessas camadas que esses grupos se encontram ativos.
44
T a m b m
no reina harmonia nestas relaes. Se o terico da classe dominante alcana,
talvez, depois de muito esforo inicial, uma posio relativamente segura, o te
rico que se encontra em oposio considerado s vezes como inimigo e crimi
noso, s vezes como utopista e alienado do mundo, e a discusso em torno dele
no ter um resultado definitivo nem aps a sua morte. O significado histrico
do seu trabalho no se estabelece por si mesmo; ao contrrio, depende do fato
de que atuem por ele e o defendam. Esse significado no faz parte da figura hist
r ica acabada.
A capacidade de pensar, na forma exigida na prxis cotidiana, tanto pela
vida da sociedade como pela cincia, foi desenvolvida no decorrer dos sculos
no homem por meio de uma educao realista; uma falha aqui traz sofrimentos,
fracassos e castigos. Esse modo de comportamento intelectual consiste essencial
mente em conhecer as condies para o surgimento de um efeito, que sempre
surgiu sob os mesmos pr-requisitos que em algumas circunstncias podem ser
provocadas de forma autnoma. Existe uma instruo intuitiva (Anschauungsun-
terricht) atravs de experincias boas e ms e do experimento organizado. Aqui
se trata da preservao individual e imediata da vida humana, e os homens tive
ram oportunidade na sociedade burguesa de desenvolver uma sensibilidade para
isso . A gnose, neste sentido tradicional, e inclusive qualquer tipo de experincia
esto contidos na teoria e naprxis crtica. Mas, no que se refere transformao
essencial, inexiste a percepo concreta correspondente enquanto essas transfor
maes no ocorram de fato. S o teste do pudim com-lo, ento est claro que
ainda est por vir.
45
A comparao com acontecimentos histricos similares s
possvel de um modo muito condicionado. Por isso o pensamento construtivo
comparado com a experincia emprica desempenha na totalidade dessa teoria
um papel mais importante do que no senso comum. Este um dos motivos por
que, nas questes que se referem sociedade como um todo, pessoas que nas
cincias particulares e nos diversos ramos profissionais demonstram capacid ade
de realizao, pod em, apesar da boa vo ntade, mostrar -se limitadas -e incapaz es.
44
Na ed. de A. Schmidt foi omitido : "das camadas dominadas porque
justamente dentro destas camadas
que estes grupos se encontram ativos". (N. dos T.)
45
Horkheimer faz aqui aluso ao provrbio ingls The proof of the pudding is in lhe eating, citado por
Engels na Introduo l.
8
edio inglesa de
O Desenvolvimento do Socialismo Utp ico ao Cientfico.
(N. dosT.)
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Ao contrrio, sempre que transformaes sociais estavam prestes a ocorrer, as
pessoas que pensavam "demais" foram consideradas perigosas. Isso nos leva ao
( problema da intelligentsia, na sua relao com a sociedade como um todo.
O terico, cujo nico interesse consiste em acelerar o desenvolvimento que
deve levar sociedade sem explorao, pode encontrar-se numa situao contr-
( ria aos pontos de vista que, como foi exposto acim a, predom inam justam ente
entre os explorados.
46
Sem a possibilidade desse conflito no seria necessria
nenhu ma teoria; ela seria algo espontneo naqu eles que dela necessitassem . O
/ conflito no tem necessariam ente nada a ver com a situao de classe individual
do terico; no depende da forma da sua renda. Engels foi um businessman .
(
Na sociologia, que no retira o seu conceito de classe da crtica da econom ia,
. mas das suas prprias observaes no a fonte de renda nem o contedo dos
fatos da teoria que determinam a situao social do terico, mas o elemento for-
( mal da educa o. A possibilidade de uma viso maior , no como a dos magn atas
industriais que conhecem o mercado mundial e dirigem pases inteiros por trs
1
dos bastidores , mas a viso de professores universitrio s, funcionrios pblicos,
( mdicos, advogados, e tc , deve const i tui r uma intelligentsia, ou se ja , uma camada
social especial ou mesmo uma camada supra-social. O carter essencial desse
' conceito sociolgico ser o pairar sobre as classes, uma espcie de qualidad e
( excepcional da intelligentsia, da qual ela se orgulha;