Download - TESE Fabrícia Carla Viviani. Analise Do Discurso Varguista Em a Nova Politica Do Brasilpdf
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA
FABRCIA CARLA VIVIANI
Democracia, Estado e Indstria:
uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil
SO CARLOS
DEZEMBRO 2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA
FABRCIA CARLA VIVIANI
Democracia, Estado e Indstria:
uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de So Carlos, sob orientao da Profa. Dra. Vera Alves Cepda
SO CARLOS
DEZEMBRO 2013
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FABRCIA CARLA VIVIANI
Democracia, Estado e Indstria:
uma anlise do discurso varguista em A Nova Poltica do Brasil
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia
Poltica da Universidade Federal de So Carlos, sob a orientao da Profa. Dra. Vera
Alves Cepda
16/12/2013
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________ Profa. Dra. Vera Alves Cepda
Universidade Federal de So Carlos - UFSCAR
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi
Universidade Estadual Paulista - UNESP
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Cim Queiroz
Universidade Federal da Grande Dourados UFGD
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Milton Lahuerta
Universidade Estadual Paulista UNESP
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Thales Haddad Novaes de Andrade
Universidade Federal de So Carlos - UFSCAR
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Para Francine e Israel
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AGRADECIMENTOS
O devir que permeia os longos anos nos quais estive imersa neste
doutorado foi testemunha das vrias pessoas que ficaram, de uma forma ou de
outra, registradas na memria, pela importncia que tiveram em diversas ocasies.
Estas palavras servem justamente para deixar aqui o reconhecimento que devido
a estas figuras que, se no escreveram as palavras deste texto, ao menos foram as
mos que me guiaram, me apoiaram e me ajudaram a desenhar as linhas do
trabalho que abaixo apresento.
A comear pela minha orientadora, Vera Cepda. Agradeo pela orientao
ao longo desses anos, pelo acompanhamento e pela confiana. Muitos dos avanos
pessoais que apresento neste trabalho s foram possveis pela sua presena e
dedicao.
No decorrer da minha trajetria, algumas figuras me acompanharam desde
meus primeiros passos como pesquisadora. Dentre eles, tenho o prazer de ter
nesta banca a presena do Professor Francisco Corsi, que foi quem me apresentou
o universo da pesquisa acadmica e a responsabilidade de ser um pesquisador.
Outra pessoa que esteve ao meu lado foi o Professor Milton Lahuerta, figura
fundamental no meu mestrado, sempre solcito e amavelmente exigente em suas
importantes colocaes. H pouco tempo atrs tive o prazer de conhecer na minha
nova morada o Mato Grosso do Sul - o Professor Paulo Cim que, com humildade
sem igual conseguiu ouvir, e o mais importante, dialogar com uma simples mestre
por longos quarenta minutos. Tambm no poderia deixar de agradecer a
fundamental disposio, a prontido e disponibilidade que oferecem os
professores suplentes, a Professora Carla Martinelli, da Unesp de Araraquara e em
especial a Professora Maria do Socorro Braga, que nas disciplinas do mestrado e
doutorado apresentava-se sempre com espontaneidade e humildade invejveis.
Tambm agradeo aqueles que fizeram parte de minha banca de
qualificao. Professora lide Rugai Bastos e Professor Joo Roberto Martins Filho,
pelas primorosas contribuies na fase de construo e estruturao deste
trabalho.
Agradeo ao Centro Celso Furtado e ao Banco do Nordeste pelo
financiamento de parte desta pesquisa, dando-me condies materiais para um
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tranquilo prosseguimento dos trabalhos. Uma meno de destaque para Glauber
Cardoso Carvalho, pela contnua disponibilidade em me atender.
Secretaria de Ps-Graduao do PPG-POL, sobretudo Cludia e ao
Raphael, sempre solcitos em me amparar nos trmites burocrticos.
Um agradecimento tambm queles que me ajudaram com a correo e
formatao do texto. Tal auxlio foi fundamental para dar a este trabalho uma
roupagem mais elegante e rigorosa. A eles: Israel, Eli, Silvana, Carla, Dani, Alison e
Aline meu obrigado.
No posso deixar de mencionar tambm os grandes amigos de So Carlos:
Carla Ferezin, Rafael Gumiero, Rafael Cabral, Katia Fukushima, Lerisson
Nascimento, Tania Dauod, Tati Perecin e Juliana Santana, que compartilharam
muitos das minhas alegrias, aflies e conquistas. Assim como as amigas Silvana,
Lica, Lili, Carla e Lilian Victorino e ao amigo Danilo Dalio que mesmo distantes
mantiveram o mesmo carinho e forte torcida.
Aos Professores do IFMS que me auxiliaram com substituies, trocas de
aulas, apoio emocional, entre vrias outras coisas. Sem eles, certamente a via para
a concluso seria mais penosa. Dentre os vrios amigos que fiz no IFMS, alguns se
destacam pela proximidade que me acompanharam nesta jornada. Em primeiro
lugar, meu grande amigo Eli Castanho pelas inmeras parcerias, profissionais e
pessoais, que consolidamos ao longo desses anos de trabalho na Fronteira.
Agradeo primeiramente por ter retirado na Unicamp a "Barsa" como
carinhosamente apelidou "A Nova Poltica do Brasil, sem a qual essa tese nem
sequer teria iniciado. Agradeo pelas longas conversas, pelas (nem sempre)
acolhidas em sua casa (limitadas pelas cotas dirias de pacincia) e pelas andanas
culturais na fronteira entre Ponta Por e Pedro Juan Caballero (Paraguai). Espero
que ao longo dos anos que ainda desejo passar na fronteira, eu tenha o privilgio
de aumentar a minha cota diria e ter a honra de sua companhia. "Uhh cagada!
Pronto falei!".
Meu agradecimento aos meninos e meninas da ProfPor: Franz, Ricardo,
Vanessa (Japa) e tambm Hania Godoy pelo companheirismo constante, pela
amizade e pela alegria que permeia nossa casa.
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Silvana Rosslia, por j ter se tornado, em to pouco tempo, uma grande
amiga, uma sbia conselheira e meu colo de planto. Agradeo por todo carinho,
auxlio e dedicao que carrega por mim.
Vanessa Ramires, Ariana e Alison e Izidro, os quais, mais do que grandes
companheiros de trabalho, so pessoas incrveis que tive o prazer de encontrar em
minha caminhada. Obrigada por toda ajuda e amizade ao longo desses anos.
A todos os alunos do IFMS-Campus Ponta Por, por me apoiarem em
momentos difceis e tumultuados. Em perodos de instabilidade emocional
estavam sempre presentes e compreensveis, sufocando momentaneamente
minhas preocupaes com boas gargalhadas. Obrigada pelegada! Agradeo ainda
minha querida aluna Jusley, mais conhecida como minha filha, por ter dedicado
uma tarde chuvosa de domingo para me auxiliar na correo dos quadros. Muito
alm desta ajuda, a importncia de nossa amizade est nas afinidades intelectuais
que temos e nas aflies que compartilhamos como mulheres e seres humanos
sufocados pelas presses cotidianas.
Quero agradecer tambm todas as minhas clientes nos tempos de manicure,
que por mais de dois anos me alimentaram material e espiritualmente,
transcendendo os limites de uma simples prestao de servios. Agradeo em
especial: Vera Cepda; Cludia Resende e o pessoal da USE/UFSCAR, Alessandra
Arajo, Neli Sugimoto e Cssia Varga; Rosa Collaneri, Carol Olmo e Milena
Machado; Carol Zampol e Ana Sueitt; Stella Schiavone e Eliana; Rita de Carvalho e
Diva Carvalho; Adelina Costa e Lcia; Regina Toledo; Mrcia Giacomini; Dani
Benjamin; Eliete Sanches; Liliane Trov e Carina; e Sayonara. Meu muitssimo
obrigada!
Agradeo a ngela dos Santos por ter me auxiliado durante meu percurso
estudantil e por ter me apoiado nessa longa empreitada do doutorado.
Em especial, agradeo a Lourdes e Reinaldo por terem me adotado e
acolhido com muito carinho, auxiliando em momentos difceis e compartilhado
minhas conquistas. Agradeo tambm Aline que desde minha sada de Sanca
sempre me cedeu um espao em sua casa e em sua famlia. Obrigada pelo
companheirismo constante.
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Agradeo a Cleverson Rodrigues pela receptividade e pela companhia desde
primeiros momentos que cheguei a Campo Grande.
Agradeo a Francine pelo companheirismo que selou nossa amizade ao
longo desses anos, pelo contnuo cuidado que sempre tem comigo, pelo exemplo de
bom senso, pela dignidade e pela responsabilidade cotidiana. Fran obrigada, por
me agraciar com sua presena em minha vida. Sem ela, com certeza, esse
doutorado no teria perdurado. Quero agradecer tambm a Daniel pelo constante
apoio, por ter me aproximado dessa terra que hoje chamo de minha, que o Mato
Grosso do Sul. Obrigada por ter me recepcionado e acolhido no meu novo estado.
Em especial, agradeo a Israel pelo eterno companheirismo, pela docilidade,
pela pacincia e pela parceria de vida que tenho a honra de desfrutar. Isra,
obrigada por tudo.
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RESUMO
O objetivo central desta pesquisa buscar na anlise de A Nova Poltica do Brasil coletnea de pronunciamentos do Primeiro Governo Vargas entre 1930-1945 , os temas centrais e amplamente debatidos por literatura especializada no perodo sobre a posio do primeiro governo Vargas sobre poltica, Estado e economia. Para o primeiro elemento, destacam-se as discusses sobre democracia, liberalismo, organicismo. Para o segundo, de forma relacionada com o primeiro, as questes de centralizao e interveno estatal, de forma a trazer tona a ideia da configurao deste Estado. Por fim, o ltimo elemento, entrelaado com os dois primeiros e separados apenas para fim de anlise que evoca a discusso sobre as transformaes econmicas processadas ao longo deste perodo, expressas na tenso do debate sobre vocao agrria e vocao industrial. Embate este que teve como resultante a inclinao ao desenvolvimento industrial. Embora este dilema tenha sido apontado consensualmente pela literatura especializada, os entendimentos sobre as dinmicas e solues deste processo se do de maneira dissensual, produzindo diversas compreenses sobre o tema. Dessa forma, a proposta desta tese entender o perodo de 1930-1945 como um processo em construo, deslocando a controvrsia para ideia do processo, na tentativa de captar como isto se deu no nvel da relao entre os atores envolvidos. Optamos por destacar o Estado, devido ao seu protagonismo amplamente reconhecido pelos especialistas do perodo. Tambm, juntamos a esta discusso, o olhar mais detido ao primeiro governo Vargas, tido aqui como catalizador de um novo pacto de alianas que foi se formando ao longo deste perodo, cuja definio se deu justamente pela disputa no campo poltico, assim considera-se plausvel a anlise da produo discursiva deste governo condensada em A Nova Poltica. Para tal intento recorremos s ideias de Gramsci em relao ao processo, estrutura e conjuntura e ao Pocock e seus apontamentos acerca das interfaces entre texto e contexto. Palvras-chave: primeiro governo Vargas; poltica; Estado; Economia.
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ABSTRACT
The main objective of this research is to analyze the A Nova Poltica do Brasil a compilation of pronouncements of the Vargas First Government, between 1930-1945 , and the central themes that was broadly debated by the specialized literature of the period about the position of the Vargas First Government regarding politics, state and economy. For the first element, it is pointed out the discussions about democracy, liberalism and organicism. For the second, and related to the first, the questions of the state centralization and intervention, bringing up the idea of that state configuration. Finally, the last element, intermingled with the two firsts and separated only for analytical reasons , that evoke a discussion about the economic transformations occurred along that period, and expressed in the tensions of the agrarian vocation e industrial vocation debate. Struggle that had as result the industrial development inclination. Despite this dilemma had been pointed consensually by specialized literature, the comprehension of that process dynamics and solutions are dissensual, generating various interpretations about the theme. Thus, the proposal of this thesis is to understand the 1930-1945 period as a process in construction, moving the controversies to the idea of process, trying to get how this has occurred in the level of the relations between the actors involved. We choose focuses on state, for sake of its role of protagonist broadly recognize by the experts of the period. We aggregated to this discussion a closer look upon the Vargas first government too, taken here as a catalyst of the new pact of alliances that was forming along the period, whose definition resulted of disputes in political field. Thus, this makes plausible the analysis of discursive production of that government condensed in A Nova Poltica. For this intention, it was called upon to the Gramscis ideas in relation to the process, structure and conjuncture and to Pocock and his suggestions about the interfaces between text and context. Key-words: Vargas first government; Politics; State; Economy.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Relao dos volumes por ttulo, perodo de cobertura e ano de
publicao.............................................................................................................................................p.62
Quadro 2 Relao dos discursos por ano de pronunciamento, volume da
publicao e ano de publicao ................................................................................................ p. 63
Quadro 3 Descrio do volume I, questes centrais e discursos arrolados.......p. 66
Quadro 4 Descrio do volume II, questes centrais e discursos arrolados.....p. 70
Quadro 5 Descrio do volume III, questes centrais e discursos arrolados.....p.72
Quadro 6 Descrio do volume IV, questes centrais e discursos arrolados.....p.75
Quadro 7 Descrio do volume V, questes centrais e discursos arrolados.......p.78
Quadro 8 Descrio do volume VI, questes centrais e discursos arrolados....p.83
Quadro 9 Descrio do volume VII, questes centrais e discursos arrolados..p.89
Quadro 10 Descrio do volume VIII, questes centrais e discursos
arrolados...............................................................................................................................................p.95
Quadro 11 Descrio do volume IX, questes centrais e discursos
arrolados............................................................................................................................................p.100
Quadro 12 Descrio do volume X, questes centrais e discursos
arrolados...........................................................................................................................................p.104
Quadro 13 Descrio do volume XI, questes centrais e discursos
arrolados............................................................................................................................................p.109
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................... 15
1. UM BALANCO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA..................... 19
1.1 O GOVERNO VARGAS E A DISPUTA PELA INDUSTRIALIZAO (1930-1945)..21
1.1 AS INTERPRETAES SOBRE O PRIMEIRO GOVERNO VARGAS....................37
2. O CENRIO 1930-1945 E O SURGIMENTO DE A NOVA POLTICA DO BRASIL:
TEXTO E CONTEXTO...........................................................................................................59
2.1 BREVE SNTESE QUANTITATIVA DA OBRA......................................................................62
2.2 DESCRIO DOS VOLUMES ...............................................................................67
2.3 SISTEMATIZAO TEMTICA UM CONTEXTO EM MUDANA.................115
2.3.1 Termos/temas que enfraquecem............................................................117
2.3.2 Termos/temas que permanecem constantes.......................................119
2.3.3 Termos/temas que permanecem com alterao................................124
2.3.3.1 Permanncia do argumento explicativo e modificao da finalidade..124
2.3.3.2 Permanncia com ressignificao do argumento e da funo..............126
2.3.4 Termos/temas novos.................................................................................127
3. DEMOCRACIA E ESTADO EM A NOVA POLTICA DO BRASIL........................131
3.1 A HERANA RECEBIDA: LEITURA ACERCA DO LIBERALISMO E DA
DEMOCRACIA..........................................................................................................132
3.2 ESTRUTURA ESTATAL E INTERVENCIONISMO ...........................................152
3.2.1 Foras Armadas e desenvolvimento........................................................161
4. O PROCESSO DE TRANSIO PARA A INDUSTRIALIZAO NOS DISCURSOS
OFICIAIS DA ERA VARGAS (1930-1945).............................................................165
4.1 A PERCEPO DOS PROBLEMAS BRASILEIROS...........................................167
4.1.1 A ordem poltico-administrativa (1930/1936).....................................167
4.1.2 A ordem econmica e problema nacional (1936-1937/ 1945)..........177
4.2 A TENSO ENTRE AGRARISMO E INDUSTRIALISMO E O DILOGO COM A
DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO...........................................................188
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4.2.1 Agricultura e Indstria..........................................................................................................189
4.2.2 A ideia do exclusivismo agrrio e a superao do atraso pela
industrializao.....................................................................................................202
5. CONSIDERAES FINAIS..................................................................................225
6.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..............................................................................229 APNDICE RESUMO DETALHADO DE CADA UM DOS VOLUMES DE A NOVA POLTICA DO BRASIL........................................................................................................237 ANEXO CONTRACAPAS DOS VOLUMES DE A NOVA POLTICA DO BRASIL....295
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INTRODUO
O objetivo central desta pesquisa foi buscar na anlise de A Nova Poltica do
Brasil coletnea de pronunciamentos do Primeiro Governo Vargas entre 1930-
1945 , os temas centrais e amplamente debatidos por literatura especializada no
perodo sobre a posio do primeiro governo Vargas, a saber: poltica, Estado e
economia. Para o primeiro elemento, destacam-se as discusses sobre democracia,
liberalismo, organicismo. Para o segundo, de forma relacionada com o primeiro, as
questes de centralizao e interveno estatal, de forma a trazer tona a ideia da
configurao deste Estado. Por fim, o ltimo elemento, entrelaado com os dois
primeiros e separados apenas para fim de anlise que evoca a discusso sobre
as transformaes econmicas processadas ao longo deste perodo, expressas na
tenso do debate sobre vocao agrria e vocao industrial. Embate este que teve
como resultante a inclinao ao desenvolvimento industrial.
Embora este dilema tenha sido apontado consensualmente pela literatura
especializada, os entendimentos sobre as dinmicas e solues deste processo se
do de maneira dissensual. Aqui, nos distanciamos desta controvrsia, na tentativa
de buscar entender o perodo de 1930-1945 como um processo em construo, o
que no significa necessariamente aderir a nenhum das matrizes interpretativas,
ao mesmo tempo que as utilizamos como ponto de partida. Neste dilema em
questo, os autores reconhecem este cenrio de 1930-1945 como um campo em
disputa, mas, em geral, no enfocam o perodo como um processo em mudana e
como este se relaciona com sua lgica interna. Para tentar captar esse movimento,
ento, analisamos nesta tese aqueles trs elementos supracitados
consensualmente apontados pela literatura, a partir do deslocamento para o
contexto.
Entendemos aqui, como contexto, algo prximo ao colocado por Gramsci
(2000), que indica a relao entre estrutura e conjuntura1, no qual a distino
1 Todavia, no estudo de uma estrutura, devem distinguir-se os momentos orgnicos (relativamente permanentes) dos movimentos que podem ser chamados de conjuntura (e que se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Tambm os fenmenos de estrutura dependem, certamente, de movimentos orgnicos, mas seus significados no tm um amplo alcance histrico: eles do lugar a uma crtica poltica mida, do dia-a-dia, que envolve os pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediatamente responsveis pelo poder. Os fenmenos orgnicos do lugar
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entre o que orgnico e o que ocasional de suma importncia. Estrutura seria a
dinmica do processo de transformao das bases capitalistas, ou seja, abarca a
questo das condicionantes estruturais do modelo capitalista em um movimento
orgnico. Conjuntura remete ideia factual e momentnea, em alguma medida,
quase acidental. Ou seja, h diferenas substanciais entre estrutura e conjuntura,
entre movimento orgnico e fato. Isto requer compreender o processo a partir da
anlise das relaes de foras polticas que se do num campo em disputa, no qual
estes atores esto em movimento e a tenso entre eles os reposicionam no debate.
Neste processo, os atores no possuem necessariamente conscincia a priori. Ao
contrrio, a conscincia se forja no embate deste campo de ideias, ou seja, estes
atores esto em movimento e formao constantes2.
Dessa forma, esta perspectiva nos auxilia na problematizao de outro
ponto recorrente na literatura especializada, a saber: a ideia de conexo entre as
tomadas de deciso dos atores, ou seja, como se estes atores j estivesse com uma
conscincia suficientemente esboada para dar direcionamento consciente de suas
aes. Com isto, no queremos dizer que esta questo foi negligenciada pela
literatura, todavia, ela aparece de maneira orbital ao debate central.
Para este trabalho, ento, deslocamos esta controvrsia para ideia do
processo, na tentativa de captar como isto se deu no nvel da relao entre os
atores envolvidos. Cabe destacar que no iremos abarcar com esta anlise todos
estes atores, mas optamos por destacar o Estado, devido ao seu protagonismo, ou
seja, como elemento catalizador de um pacto de alianas que congrega e, ao
mesmo tempo, exclui alguns dos atores coetneos. importante destacar, ainda,
em relao ao protagonismo do Estado, que o governo porta-voz de um novo
pacto de alianas que foi se formando ao longo deste perodo, cuja definio se deu
justamente pela disputa no campo poltico, assim considera-se plausvel a anlise
da produo discursiva deste governo.
Para tanto, invocamos A Nova Poltica do Brasil porque ela apresenta
discursos que foram elaborados de forma consciente, orientada e planejada
racionalmente para a disputa poltica e para publicitar o primeiro governo Vargas.
crtica histrico-social, que envolve os grandes agrupamentos, para alm das pessoas imediatamente responsveis e do pessoal dirigente (Gramsci, 2000, p. 36). 2 Em outro momento, as relaes e ponderaes deste mtodo de anlise direcionado a este perodo histrico-poltico j foram trabalhados. Para mais detalhes, ver Viviani (2009).
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Nesses discursos oficiais detectamos uma significativa movimentao dessas
questes no campo das ideias, que de alguma forma nos auxiliam numa melhor
elucidao deste perodo to emblemtico da histria poltica brasileira. Esta
movimentao parte, num primeiro momento, da viso dos problemas nacionais,
cuja mudana acompanhava em fina sintonia o contexto daquele perodo.
Sem dvida nenhuma, no h como negar o protagonismo estatal neste
perodo. Dessa forma, buscamos na anlise de A Nova Poltica do Brasil captar este
deslocamento no campo das ideias e este se coloca como principal objetivo deste
trabalho. Justamente por este carter indefinido e dinmico deste cenrio, que se
torna possvel pensar o primeiro governo Vargas como um campo poltico em
aberto no qual os atores vo se movimentando, se formando e se reposicionando
no contexto (estrutura e conjuntura). Sendo assim, consideramos plausvel
observar esta movimentao interna ao governo a partir de sua produo
discursiva.
Tambm possvel destacar a anlise do perodo em grandes blocos que
congregam particularidades histricas. Indicamos, com este trabalho, que
possvel perceber o processo a partir de sua prpria dinmica interna, ou seja, uma
anlise que se atm aos detalhes internos, de modo a perceber a movimentao
que conduziu as transformaes do perodo, em especial, no que diz respeito aos
trs pontos acima citados: dilema poltico; funo do Estado; o desenvolvimento de
base industrial.
Desta forma, a proposta de anlise de A Nova Poltica do Brasil no fazer
um cotejamento com as interpretaes do perodo, mas uma leitura da obra por ela
mesma. Com a sistematizao buscamos captar como estes trs temas foram
tratados pelo primeiro governo Vargas e, sobretudo, como eles aparecem no plano
discursivo na coletnea oficial. Tambm observamos comotermos relacionados a
estes temas foram surgindo, se alterando, desaparecendo e ressignificando seu
sentido e seus propsitos ao longo dos onze volumes. Quando nos debruamos
sobre A Nova Poltica percebemos a necessidade de outra sistematizao, mais
analtica e no necessariamente cronolgica, de um contedo to vasto e diverso.
Desta forma, a compreenso desta produo discursiva do governo foi
analisada a partir do um constante dilogo com um contexto coetneo, de modo a
cruzar texto e contexto (como nos indica Pocock) para tentar captar a
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movimentao da estrutura (grandes transformaes de formao do capitalismo)
com a conjuntura (fatos histricos momentneos), de forma a nos apropriar da
teoria gramsciana na anlise do conturbado perodo em questo. Tal complexidade
exige certas estratgias para a inteleco do sentido do texto, principalmente
quando necessitamos relacion-lo ao contexto. Para tanto, a referncia teoria de
Pocock consiste num prtico de entrada a estes lugares dentro da obra que exigem
uma contextualizao para compreendermos a geografia por trs desses terrenos
especficos.
Embora fosse esperado de uma introduo a apresentao do tema geral e
contextualizao do objeto, apontamos aqui minimamente a estrutura deste
trabalho. A explanao da contextualizao mais aprofundada do problema de
pesquisa, dos objetivos, da hiptese, do contexto de pesquisa e suas formas de
trabalho exigem uma reviso mais geral da literatura acerca do primeiro governo
Vargas que, por sua extenso, no poderiam ser plenamente contemplados em
uma introduo. Ao final da primeira seo apresentam-se os elementos descritos
acima que subsidiam o desenvolvimento desta tese.
A organizao do texto se d da seguinte forma: na primeira seo, uma
sntese da literatura e exposio da proposta de trabalho; na segunda, o objetivo
realizar uma apresentao de A Nova Poltica do Brasil, sua estrutura geral e as
particularidades de cada volume, fechando com uma sistematizao dos
termos/temas que aparecem ao longo da obra; as seguintes trazem as anlises dos
trs eixos abordados nesta tese: poltica e Estado terceira seo e economia
seo quatro.
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1. UM BALANO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA
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O modelo de desenvolvimento brasileiro, denominado nacional-
desenvolvimentismo, guiou a modernizao do pas entre os anos 1930 e fins dos
anos 1970. Composto de fases, momentos e movimentos diferentes, esse processo
foi vastamente abordado pela literatura especializada, construindo mltiplas
compreenses e vertentes explicativas. Alguns autores, como Bielschowsky
(2000), tentaram entender as vicissitudes do nacional-desenvolvimentismo desde
sua formulao ideolgica at sua crise. Para o referido autor, houve ciclos desse
tipo de desenvolvimento nos quais se observa a seguinte caracterizao: entre
1930/1945, a origem; entre 1945/1955, o amadurecimento; e entre 1956/1964, o
auge e a crise. Esse processo encontraria seu esfacelamento nos anos 80, e, a partir
desse colapso, encaminha-se rearticulao de um novo modelo de
desenvolvimento.
Ainda que esse longo perodo tenha sido marcado por inmeras fases,
oscilando entre regimes ditatoriais e regimes democrticos, o momento crucial
para a passagem do modelo mercantil-exportador para o modelo industrial
compreendeu os anos 30 e 50.3 Foi nesse momento que a industrializao passou a
se constituir enquanto ideologia e se configurar como ncleo central no apenas
das aes do Estado, como tambm das teorias econmicas.
Mais precisamente, como destaca Cepda (2010), o interregno entre os anos
de 1930 e 19484 seria central na construo do projeto industrialista. A conhecida
controvrsia entre Simonsen e Gudin, nos anos 1940, sugere que o primeiro
membro da comisso de mobilizao econmica criada durante o Estado Novo
expressava o que j era uma inclinao na ordem do Estado: a promoo da
industrializao. A partir de ento, a questo fundamental consistiu na
planificao, fortalecimento e consolidao da industrializao brasileira. Isso
requer considerar que as concepes seminais do modelo de desenvolvimento
condutor da transio do sistema mercantil exportador para o capitalismo de base
industrial, constituindo-se na via de superao do atraso no Brasil, resultaram das
escolhas dos atores socialmente estabelecidos ao longo dessas dcadas. Conforme
Diniz (1999):
3Draibe, 2004 [1985]; Bielschowski, 2000; Sallum JR, 2003; Cepda, 2010. 4No processo de apropriao do Estado em defesa da economia, Cepda identifica seu input em 1906 (Convnio de Taubat), no qual os interesses cafeeiros eram hegemnicos, e o output em 1948 (Plano Salte), em que h a rotao semntica em prol do desenvolvimento via industrializao balizada pelo intervencionismo e pelo regulacionismo.
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[...] os pressupostos, as bases, os fundamentos necessrios para o desenvolvimento dessa nova ordem econmico-social foram lanados durante o primeiro governo Vargas. Eis por que esse momento pode ser considerado um marco, j que possibilitou o trnsito de uma sociedade com perfil agrrio, nitidamente subordinada clssica diviso internacional do trabalho caracterizada pelo desequilbrio entre os pases exportadores de bens primrios e matrias-primas, por outro -, para uma sociedade mais complexa e diferenciada. Observa-se, portanto, uma ruptura, um corte com esse passado e a passagem para outro patamar histrico, mediante a introduo de mudanas significativas. no perodo que se estende de 1933 a 1939 que se desencadeia o processo de industrializao no Brasil (DINIZ, 1999, p. 24).
Assim, vrios trabalhos se preocuparam em compreender a fase de
transio do modelo agrrio-exportador para o capitalismo de base industrial, seus
arranjos, a atuao do Estado como protagonista, o aparato estatal e institucional,
seus atores, enfim, a configurao de um modelo de desenvolvimento concentrado
na expanso da industrializao via ao estatal, ressaltando os Governos de
Getlio Vargas como um dos momentos fundamentais para a construo da
modernizao no Brasil.
Considerando a literatura que localiza essas transformaes no primeiro
Governo Vargas, nesta seo temos o objetivo de realizar uma sntese do processo
histrico 1930/1945, com o intuito de apontar as principais caractersticas do
perodo e o deslocamento para o projeto industrialista. Assim, acredita-se ser
possvel transpor apresentao e discusso das interpretaes das vrias
vertentes que buscaram compreender o sentido e as direes desse processo.
1.1 O GOVERNO VARGAS E A DISPUTA PELA INDUSTRIALIZAO (1930-1945)
O primeiro Governo de Getlio Vargas estava no centro dessa mudana, pois
o movimento revolucionrio de 1930, eixo dessa inflexo, projeta Vargas como
lder da revoluo gloriosa5 sob bandeira reformista, passando a forjar as bases e a
arquitetar um novo arco de alianas polticas (DINIZ, 1999). Mas compreender as
5 Neste trabalho, as palavras e/ou expresses que estiverem com realce em itlico se referem aos termos utilizaes pelo prprio Governo Vargas em seus discursos. J as expresses entre aspas so destaques da autora. As citaes diretas de at trs linhas tambm esto entre aspas, mas, neste caso, so acompanhadas por referncias bibliogrficas.
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metamorfoses do Governo Vargas como articulador desse processo, implica o
entendimento de todo esse perodo como um longo processo de transio. Ainda
que seu despontar estivesse relacionado com o episdio de 1930, dado que as
transformaes ocorreram a partir dele, isso no significa considerar que essas
pretenses estivessem, necessariamente, em suas bases formuladoras ou nas suas
motivaes fundantes.
A Aliana Liberal, aglutinao entre foras diversificadas que conduziram
Getlio Vargas ao poder em 1930, j simbolizava as incertezas da dcada que se
abrira e traria em seu ntimo a luta entre diversos atores e diferentes projetos
ainda pouco definidos. Seu programa, ainda vago, apontava remotamente os
caminhos para uma ruptura institucional com o regime precedente, recorrente
tambm da heterogeneidade dos atores envolvidos. Sendo assim, num primeiro
movimento, a ao do chefe do Governo Provisrio se direcionou a apaziguar as
hostilidades entre os diversos grupos e, concomitantemente, imprimir ao processo
algumas caractersticas fundamentais para a sustentao do Governo Provisrio.
Nesse sentido, os momentos subsequentes Revoluo, a misso de
proporcionar sustentabilidade ao novo governo e dar unidade a essas foras
mltiplas, passariam pela construo ideolgica ao diferenci-lo do perodo
anterior. A estratgia foi projetar uma imagem do velho associado Primeira
Repblica e focar como objetivo a destruio da estrutura anterior como meio de
efetivar a verdadeira e Nova Repblica brasileira aquela desencadeada com a
Revoluo de 1930, cuja maior expresso seria Getlio Vargas. 6
A rigor, nesse contexto, como aponta Eli Diniz (1999), Vargas utiliza
estrategicamente as ideias de justia social e do discurso de liberdade e igualdade
polticas7, colocando-se o desafio de suprimir as desigualdades sociais
pertencentes sociedade brasileira, oriundas do perodo precedente.
Concomitantemente, a discusso perpassava tambm a oposio ao modelo liberal
da Primeira Repblica. Ressaltar o fracasso dos pressupostos liberais que
sustentara o sistema oligrquico e coloc-los como inimigos dos interesses
nacionais era um contundente argumento para ratificar uma nova postura do
Estado (forte e centralizado). Com esse discurso, as ideias autoritrias, como as de
6 Essa questo ser melhor abordada nas sees subsequentes. 7A ncora dos preceitos liberais seria: expanso dos direitos civis e polticos, inclusivo extenso do voto s mulheres, justia eleitoral, voto secreto, cdigo eleitoral. Ver Diniz (1999).
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Alberto Torres e de Oliveira Vianna, tornavam-se cada vez mais afinadas com o
contexto que emergia.
Ademais, era necessria a legitimidade para acomodar o emaranhado de
atores envolvidos em torno de um novo pacto. A diversidade da coligao
aliancista, um dos principais fatores da instabilidade poltica do incio dos anos 30,
configurava uma crise das foras polticas em relao aos projetos de futuro, em
grande medida, permeados pela dualidade centralismo/federalismo.
Segundo Camargo (1999), os conflitos regionais e as disputas polticas em
torno do processo de reconstruo institucional, portanto da modernizao do
Estado, definiam o ritmo da agenda na primeira metade dos anos 30. A pauta
central era o interesse regional impresso nessa nova conjuntura, ou como coloca
Gomes (1980), era a disputa entre o velho binmio
centralizao/descentralizao, expressando a disputa entre o federalismo e o
centralismo. 8
No processo poltico, essa problemtica no envolvia apenas a questo da
autonomia dos estados, mas tambm expressava a participao desses setores no
poder e os modelos de organizao do Estado. Desde o incio, esse aspecto foi
percebido pelo grupo dos tenentes, um dos principais atores do processo
revolucionrio de 1930 e maior expresso poltica e organizacional do projeto
centralista. Para o referido grupo, no apenas a centralizao, mas tambm o
regime ditatorial era, inicialmente, o principal instrumento para garantir as
reformas institucionais e sociais no Brasil.
Para um dos segmentos do grupo tenentista, a funo do Estado, aps 1930,
seria o saneamento do ambiente nacional e a realizao das propostas sociais,
econmicas e polticas, o principal objetivo dessas transformaes. Nessa atuao
estatal, estava subsumida a pretenso da resoluo da questo econmica dado
que, para os tenentes, a questo nacional no era meramente poltica, logo no se
resolveria pelo modelo liberal democrtico e muito menos pela Constituio.
8 Essa discusso esteve presente na passagem do Imprio para a Repblica, por isso, nos anos 30, ela consiste numa retomada. Naquele contexto, em oposio centralizao poltica imperial e com a expanso da produo agroexportadora, as elites regionais visualizavam, na autonomia estadual, a possibilidade de produo de novas formas de relao entre sociedade e sistema poltico, cujo eixo era o federalismo. A estruturao da Repblica se daria em torno desse princpio que, a rigor, dominou a cena poltica at 1930, momento em que o imbrglio ressurge na cena poltica. Sobre essa questo ver: Lessa (2001); Camargo (1999); Souza (1988); Gomes (1980).
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Considerando que havia um distanciamento entre a realidade nacional e a carta
constitucional, a Constituinte era um equvoco porque a base de poder local,
expresso do poder do latifndio, tinha sido intocada pela revoluo de 1930. No
bastava apenas mudar os polticos no poder, mas tambm desestruturar a base de
sustentao dos polticos oligrquicos, o que seria possvel apenas com um
governo ditatorial. Na tentativa de desestabilizar as foras polticas remanescentes
do pr-30, os tenentes aliados de Vargas serviriam de gide poltica do Governo
Provisrio, especialmente no Estado de So Paulo, maior foco de resistncia
oligrquica do setor agroexportador (VIVIANI, 2009).
Vrios elementos institucionais foram sendo criados para garantir o
fortalecimento do poder central, ressignificar o pacto e delinear o projeto nacional
forjado a partir de ento. Para o governo Vargas, a defesa incessante da
centralizao e do fortalecimento do Executivo era estratgica. Um dos primeiros
atos nesse sentido foi a criao do Cdigo dos Interventores, cujo objetivo era
direcion-los e, consequentemente lgica estadual, subordin-los ao poder
central. Como coloca Fausto (2010, p. 327), a irradiao agora iria do centro para
a periferia, e no periferia para o centro, marcando o deslocamento do poder dos
estados para o governo central.
Por outro lado, a centralizao correspondia necessidade de construo da
ideia de Nao, de institucionalizao dos conflitos polticos e sociais, de
montagem da moderna mquina estatal, enfim, dos direcionamentos do
desenvolvimento econmico. Mais do que disputas polticas, portanto, essa
dualidade centralismo/federalismo indicava o esboo de projetos distintos. Dentre
estes, o modelo centralizador e intervencionista, defendido por aqueles imersos no
processo revolucionrio, imprimia o sentido da ao do Estado na construo da
Nao brasileira.
Nesse sentido, o elemento centralizador e intervencionista do Estado
transcendia os limites do bloqueio ao retorno das oligarquias tradicionais na
medida em que se tornava uma ideologia do novo regime. Naquele contexto,
significava um dos pressupostos para a edificao de novo pacto e um novo
projeto, porque ele que passa a garantir a institucionalizao (concentrao no
Estado) e a direo de todas as esferas da sociedade: poltica, social, econmica e
ideolgica. Qual fosse o sentido de tal projeto, o Governo Vargas asseguraria sua
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execuo pelo carter centralizador e pela postura intervencionista do Estado. Nas
palavras de Fonseca (1989, p. 188), o intervencionismo, assim, passou a ser parte
de uma concepo ideolgica, ou seja, encarado como necessrio para atingir um
fim desejado.
Assim, no intervalo de quinze anos, 1930/1945, o Estado brasileiro passou
de federal/oligrquico a nacional/centralizado. Suas principais tendncias do
desenvolvimento seriam a centralizao poltico-administrativa e a modernizao
institucional. No entanto, alm de acomodar os interesses de alguns setores, a
centralizao teria tambm a finalidade de racionalidade administrativa. A
mquina estatal se modernizava e ampliava suas reas de interveno sobre a
sociedade, transformando-se no Leviat e edificando seus monoplios.
Nesse nterim, na condio de chefe do Governo Provisrio, Getlio Vargas
enfrentou as incertezas e a instabilidade da primeira metade dos anos 30,
ocasionadas pela diversidade de foras inseridas na arena poltica e na
rearticulao do pacto social subjacente ao contexto da poca. Com confronto e
compromisso, articulou-se diante do conflito armado de 1932, do lcus do
processo constitucional de 1933-34, da consolidao da Carta de 1934,
rearticulando sempre revelia das classes populares (GOMES, 1986).
Esses vrios atores e projetos que se abrigavam no Estado geravam uma
engenharia poltica permeada pela soluo de compromisso, em que uns logram
mais que outros, mas que, de alguma forma, foram acomodados/cooptados no
novo pacto, via institucionalizao das questes polticas, econmicas e sociais, no
qual Getlio Vargas era o eixo operador. Em outras palavras, a Revoluo de 1930
explicitou um novo arco de alianas e um novo grupo articulador aquele que se
constituiu no poder. Esse grupo foi sintetizado na figura de Vargas, liderana capaz
de utilizar estratgias diversas para dar coeso aos variados segmentos que se
agregavam e muitas vezes conflitavam no subterrneo dessa aliana. O Estado
forjado por Vargas mediou essa transformao estrutural da sociedade, fez
conformao de interesses de classes, principalmente entre as fraes burguesas.
Esse cenrio seria propcio para a configurao de um bloco de interesses
que traria em seu cerne acomodao/conciliao de vrios setores sociais, contudo
de forma assimtrica. Como aponta Gramsci (2000), num contexto de crise de
hegemonia, a ocorrncia mais provvel as classes dirigentes terem mais
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possibilidades de se reorganizarem para se manter no poder do que as classes
subalternas para tentarem fazer a revoluo.
Nesse sentido, a estrutura poltica do primeiro Governo Vargas seria
fundamental para nacionalizar os interesses privados, construindo um projeto
hegemnico em torno do novo padro de acumulao capitalista. Logo, o projeto
de modernizao fundado na Era Vargas foi operado a partir do prprio
reposicionamento das oligarquias. Com ganhos e perdas em relao ao perodo
anterior, muitas delas tiveram que se transformar para permanecerem no centro
ou na periferia do poder. Essa configurao redundou numa ampla renovao das
elites dirigentes, proporcionando, ento, em grande medida, os contornos de uma
modernizao conservadora. 9
Se observarmos as relaes ocorridas no campo durante esse processo,
percebemos que elas continuavam intocadas. A manuteno do latifndio e a
excluso dos trabalhadores rurais da legislao trabalhista expressavam a
aproximao do novo governo com as elites agrrias. Independentemente de quais
eram os motivos dessa aliana, no temos a inteno de aprofund-la neste
momento. O que queremos neste ponto apenas levantar a conjectura de que
houve um pacto e que este foi preponderantemente realizado com as elites
agrrias. Esta hiptese somente poder ter uma verificao efetiva quando
analisarmos adiante os discursos do primeiro governo Vargas.
Basta retomar as anlises de Fiori (1994) acerca do pacto conservador
subjacente ao modelo de desenvolvimento brasileiro para percebermos como a
questo agrria est representada no novo pacto. Para o referido autor, a primeira
questo que circunda o pacto desenvolvimentista a intocabilidade da estrutura
fundiria e o veto a qualquer tipo de reforma agrria, resultando na entronizao
dos interesses do capital agroexportador como condio do pacto industrializante.
Embora houvesse no processo de 1930 uma potencialidade indireta para reduzir
os domnios das oligarquias regionais, via centralizao do poder, Fiori considera
que o Estado brasileiro, ainda que autoritrio, foi fraco diante dos interesses
privados, gerando uma economia socialmente excludente.
9 Refere-se aqui teoria de Barrington Moore Jr. (2010) e interpretao de singularidade da modernizao brasileira de Florestan Fernandes (1976), trabalhos que sero retomados adiante.
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Em relao s questes econmicas, o setor industrial logrou um projeto
econmico da industrializao encabeado/coordenado pelo Estado brasileiro.
Para observar o incio desse processo que se abre em 1930, valemo-nos das
interpretaes de Draibe (2004 [1985]) que, ao privilegiar uma abordagem dos
aspectos polticos e institucionais, evidencia, no perodo entre 1930 e 1945,
medidas que apontam a vinculao do Estado ao projeto industrialista. Se por um
lado, as primeiras medidas remetiam federalizao da poltica cafeeira com a
criao de rgos como o Conselho Nacional do Caf, resultante da necessidade de
diminuir o poder das oligarquias regionais e da necessidade de resolver os
problemas gerados pela crise mundial; por outro, houve a criao de um conjunto
de rgos de planejamento relacionado industrializao. Como exemplos destes,
o Departamento Administrativo do Servio Pblico - DASP (1938), o Conselho
Federal do Comrcio Exterior - CFCE (1934), o Conselho Tcnico de Economia e
Finanas - CTEF (1937), a Coordenao de Mobilizao Econmica - CME (1942), o
Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial - CNPIC (1944) e a Comisso
do Planejamento Econmico - CPE (1944). Desta forma, a partir do primeiro
governo Vargas, a industrializao brasileira engendrou uma arquitetura de Estado
que se colocou a servio do projeto de industrializao e, consequentemente, da
nao.
Com o Golpe de 1937, no apenas erguia-se a estrutura burocrtica do
Leviat e a liderana pretensamente inconteste de Getlio, mas tambm se
delimitava um projeto nacional mais robusto (CORSI, 2000). No Estado Novo, a
economia adquiriu um novo patamar, uma vez que o projeto industrial j integrava
as orientaes das aes estatais, condicionando um modelo de modernizao cujo
propsito era a sada de uma situao agrarismo e incio de outra
industrialismo. O Estado Novo operacionalizou uma guinada em relao
economia, forjando um novo modelo de desenvolvimento brasileiro. Acomodaram-
se as foras vinculadas ao modelo agrrio e ao modelo industrial, seja pela
intocabilidade de alguns interesses vinculados estrutura fundiria, seja pela
guinada industrializao como modelo de desenvolvimento nacional catalisado
no Estado.
Um dos instrumentos centrais nessa configurao foi, segundo Bastos
(2006), a matriz antiliberal. Se, antes de 1930, as diretrizes do liberalismo aos
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moldes brasileiros garantiam uma economia mercantil-exportadora e regionalista,
a paulatina ao do Estado, no ps-30, propiciou a consolidao das estruturas
necessrias ao avano do capitalismo industrial brasileiro, cujas vicissitudes
desembocaram na promoo e na sustentao do modelo industrial com
legitimidade perante amplos setores sociais. Soma-se a isso a dimenso poltica, no
qual mais do que a disputa ideolgica entre liberalismo e organicismo, a
reconfigurao dos anos 30 trouxe um elemento significativo em relao
mudana do modelo econmico nacional: o afastamento dos valores liberais que
sustentavam a vocao agrria e a crescente inclinao ao modelo intervencionista
do planejamento e defesa da industrializao (CEPDA, 2010, p. 209).
Diante da crise do padro mercantil exportador, o Estado foi assumindo o
papel de propulsor da indstria e regulador da fora de trabalho, tornando-se
central no Novo modelo de acumulao capitalista que se abria. Ainda que esse
pacto no tivesse, em 1930, compromisso ideolgico explcito com a indstria, em
1945, ao fim do Estado Novo, percebe-se uma ntida vinculao entre Estado e
industrializao.
Por outro lado, a poltica varguista desenvolvia uma estreita relao com as
massas trabalhadoras, construindo fortes elementos de identificao com o
regime. Desde incio da dcada, canalizaram-se para o Estado as foras polticas do
movimento operrio com marcantes expresses autoritrias e corporativistas
fundadas na ideia de amenizao dos conflitos entre o capital e o trabalho. Essa
harmonizao seria endossada pela ideologia, construda ao longo do primeiro
Governo Vargas, de que o poder estatal trataria a questo social como uma poltica
de Estado e no mais como um caso de polcia, considerado algo corriqueiro na
Primeira Repblica.
Assim, o primeiro Governo Vargas admitiu a presena poltica da classe
operria, reconhecendo sua capacidade reivindicativa e sua cidadania ao
promulgar a legislao trabalhista e as bases da montagem da estrutura sindical.
Sobre a construo da cidadania, Wanderley Guilherme dos Santos (1979) apontou
como ela esteve vinculada varivel profissional, dependendo, portanto, da
insero no mundo da produo. Dessa forma, a cidadania, no Brasil, adquiriu um
carter de cidadania regulada cuja raiz se encontrava num sistema de
estratificao ocupacional que, consequentemente, distanciava-se dos direitos civis
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e polticos. O reconhecimento legal dos direitos sociais passava pela esfera do
Estado, no qual o Ministrio do Trabalho via a legislao trabalhista, definia quem
era ou no cidado de acordo com parmetros estipulados sobretudo a partir da
carteira de trabalho e da regulamentao das profisses e sindicatos.
O iderio corporativista viria ento para amenizar os conflitos de classes
existentes na sociedade civil, uma vez que disfararia os interesses privados ao
dissolv-los no pblico. O Estado, acima de todas as classes, realizaria a harmonia
social e organizaria a sociedade civil atravs de corporaes profissionais. Foi o
que aconteceu com experincia da representao classista, no contexto
constitucional de 1933-34, e nos Conselhos Tcnicos implantados no Estado Novo.
A legislao trabalhista tambm seria, na viso de outros autores,
fundamental para o processo de industrializao. Para Oliveira (2003), a anlise da
transio para o modelo industrial no se pode restringir ao mbito econmico. Ao
contrrio, as mudanas se forjaram nas determinaes polticas e sociais sem as
quais no h como entender o carter decisivo do Estado no ps-30 na rea
econmica. A regulamentao das relaes entre capital e trabalho, realizada pelo
Estado aps 1931 (sobretudo a partir da criao do Ministrio do Trabalho),
portanto, refletiu uma poltica intencional de controle/preparo dos trabalhadores
para garantir o novo processo de acumulao de capital. Essa legislao daria uma
correlao de foras desproporcional, pois impedia a auto-organizao dos
trabalhadores. Nesse sentido, segundo Oliveira, as iniciativas estatais foram
fundamentais na transio, em especial, a legislao trabalhista e a poltica de
arrocho dos salrios, que garantiu um novo padro de acumulao capitalista
centrado na indstria.
A aliana entre Getlio e as foras trabalhistas foi foco do esforo de vrios
pesquisadores que buscaram entender como se processou essa vinculao. A
interpretao clssica de Weffort (1978) apontou o fenmeno do populismo
como marca fundamental da poltica brasileira entre 1930 e 1964. O populismo
constituiu-se como um fenmeno do Brasil urbano e em fase de industrializao,
servindo como um mecanismo para aliviar os conflitos de classes, uma vez que
deslocava o centro de tenso do sistema capitalista e a concentrava no Estado.
Segundo Weffort (1978), o populismo se manifestou a partir da Revoluo
de 1930, quando houve uma conjuno entre estilo de governo e poltica de
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massas. Essa situao desembocou, primeiramente, num Estado de
Compromisso, num segundo momento, na repblica populista, entre 1946-1964,
com a experincia da liberal democracia. Buscando compreender o fenmeno
resultante da complexidade das condies histricas em que surge, Weffort
apontou que o apelo s massas decorrente do anseio de encontrar suporte num
contexto de instabilidade e incertezas polticas. O Estado de Compromisso,
portanto, deriva dessa articulao entre duas frentes de aliana: diante dos grupos
dominantes, consagrando um equilbrio instvel e emergindo a figura pessoal do
lder, em grande medida, confundido com o Estado. E o compromisso entre o
Estado/Prncipe com as classes populares, que passam a integrar o universo
poltico, porm de forma subordinada. Disso resulta uma relao entre lder e
massa entremeada pela manipulao populista.
Esse conceito teve vrias releituras que buscaram explorar suas limitaes
acerca da ideia de manipulao das massas e, consequentemente, da relao entre
Estado e classes populares. O termo traz inerentemente uma concepo negativa,
ao recair numa ideia de que o poltico populista aquele que engana as massas,
sendo elas incapazes de perceber essa demagogia. Contudo, a polmica em torno
da categoria explicativa populismo amplamente complexa e transcende os
objetivos deste trabalho.10
No entanto para maior aprofundamento sobre esse assunto, apontamos,
como exemplo, os trabalhos de ngela de Castro Gomes (2005; 1979) que
problematizou algumas ideias subjacentes ao conceito do populismo ao buscar
autonomia relativa das classes trabalhadoras. A essa incluso da classe operria
via projeto articulado e implementado pelo Estado, a autora traz um novo conceito
denominando de trabalhismo. Segunda ela, a poltica trabalhista deve ser
analisada tanto no que se refere ao alcance das medidas legislativas, quanto ao da
lgica simblica. A ao do Estado, em relao poltica trabalhista, s foi profcua
porque conseguiu estabelecer laos slidos o bastante porque simblicos
(poltico-cultural) e no apenas materiais (econmicos) (GOMES, 2005, p. 27).
Segundo Werneck Vianna (1976), no Brasil, o reconhecimento do trabalho
veio sob fortes marcas do corporativismo no processo de transio para a
modernidade. O processo de modernizao, no Brasil, ocorreu sob a coexistncia
10 Sobre a releitura do conceito de populismo ver Ferreira, 2001.
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das organizaes liberal e corporativa, nas quais a ordem liberal e o mercado de
trabalho estavam sob a disciplina de instituies corporativas ou semi-
corporativas, arquitetura que se traduziu em um vigoroso instrumento de
acumulao industrial. O n do liberalismo no Brasil seria, portanto, a
incapacidade de admitir a livre movimentao para as classes subalternas e ser
avesso perspectiva do indivduo, ao pluralismo e noo de conflitos legtimos
(VIANNA, 1976). Por isso, exclua-se desse pacto os movimentos de esquerda, a
vertente anarco-sindicalista, a Aliana Nacional Libertadora (ANL) ou qualquer
grupo crtico estrutura capitalista. Da mesma forma, no eram bem vindos ao
arco de alianas subjacente ao Estado, a extrema direita, como a Ao Integralista
Brasileira (AIB), todos capazes de usurparem o poder. Forado a conviver com o
perodo e as garantias constitucionais, o primeiro Governo Vargas transformou a
organizao comunista num perigo para a nao, justificou a Lei de Segurana
Nacional, de 1935, e alicerou a legitimidade do Golpe de 1937 e a criao do
Estado Novo. Essa lgica tambm pode ser visvel no movimento integralista de
1938, quando tentou deflagrar uma revolta contra o Estado Novo.
De qualquer forma, a partir do fechamento do Congresso e da outorga da
nova Carta Constitucional, o regime ditatorial varguista silenciava as vozes
dissonantes na sociedade, tornava legtimo o poder de Vargas, acentuava o poder
dos tcnicos, da burocracia, dos gerentes e administradores, com resguardo
decisivo das Foras Armadas.
Acomodavam-se, assim, absorvidos e centralizados no Estado, no somente
os velhos e os novos interesses de setores dominantes, como tambm algumas das
demandas da classe trabalhadora que foram canalizadas e arbitradas pelo governo
Vargas. Era a emergncia do Estado Leviat todo poderoso que se impunha
a todos e garantia a sobrevivncia do conjunto. Era a primazia do Estado em
todos os nveis da sociedade brasileira para operar a transio para a
modernidade.
Se observarmos, portanto, o cenrio entre 1930 e 1980, podemos
identificar, por um lado, a burguesia industrial com interesses amplos e
diretamente privilegiados com as polticas de Estado e, por outro, o setor
agroexportador que, embora alvo em 1930, tambm se constituiu como
beneficirio do processo ao ter as relaes sociais e de propriedade no campo
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inalteradas. Ressalte-se, ainda, que analisar a relao entre indstria e terra no
pacto varguista escapa alada deste trabalho, mas fato que essa estrutura
mescla industrializao e concentrao fundiria e se constituiu no elo balizador
do desenvolvimento brasileiro, forjando nosso modelo de modernizao com
excluso social.
De qualquer forma, a partir de 1939, Getlio desenvolveu um alinhamento
aos Estados Unidos, culminando, em 1942, na entrada do Brasil na Segunda Guerra
Mundial e na obteno de recursos para investimentos na siderurgia brasileira,
com os quais criou a Companhia Siderrgica Nacional (CSN). A aliana entre Brasil
e EUA conduziu a uma contradio no regime: pas internamente autoritrio,
lutando externamente contra o nazi-fascismo. O apoio brasileiro ao blica
americana teve dois fatores determinantes para que os EUA passassem a
pressionar o Estado Novo: ter como base de apoio um regime ditatorial e o fato de
ter no Brasil um governo nacionalista com defesa da industrializao (CORSI,
2000). No primeiro caso, deslegitimava a guerra contra os regimes totalitrios e,
no segundo, poderia proporcionar impulso a uma relativa autonomia ao Brasil, no
se importando com os interesses estadunidenses.
Apesar do prenncio, no contexto internacional, da derrota do bloco
nazifascista apontar uma vitria do grupo ao qual o Brasil se aliara, Vargas sofria
oposies internas com o crescimento de grupos antifascistas e com o afastamento
progressivo do governo das classes dominantes (burguesia comercial, industrial,
agrria, etc.).11 Percebendo essa nova conjuntura, buscou intensificar a vinculao
com os trabalhadores, deslocando estrategicamente seu eixo de sustentabilidade
poltica para a base popular.
Nos ltimos anos do regime, Getlio foi, paulatinamente, transitando de
uma retrica autoritria a um discurso mais social e paternalista. Passou, ento, a
fortalecer os laos com as camadas populares e com os trabalhadores urbanos,
base do trabalhismo do seu segundo governo. A legislao trabalhista atrelada
mudana no tom dos discursos, o aumento do salrio mnimo e a decretao de
congelamento dos preos dos aluguis lograram a Getlio, ainda no Estado Novo, a
11 Perceptvel no Manifesto dos Mineiros, de 1943, que, embora proclamado por setores da elite mineira, conseguiu apoio entre outros setores da classe dominante e forte repercusso entre as classes mdias.
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consagrao da imagem de pai dos pobres, o que, a rigor, no impediu que o
governo continuasse a reprimir o movimento operrio.
Essa aproximao em grande medida foi proporcionada pelo Departamento
de Imprensa e Propaganda da ditadura que, segundo Capelato (1999), inspirando-
se nos mecanismos nazifascistas, pretendia, principalmente, conquistar o apoio
dos trabalhadores para a poltica varguista. Vrias foram as estratgias utilizadas
pelo regime para causar tal ressonncia. Os discursos eram elaborados a partir de
tcnicas de linguagem em que se destacavam palavras-chave e slogans de grande
impacto diante do povo. 12 Por outro lado, Gomes (2005) destaca trs grandes
momentos do calendrio festivo que articulavam esse vnculo com os setores
populares: o aniversrio de Vargas (19 de abril), o Dia do Trabalho (1 de maio) e o
aniversrio do Estado Novo (10 de novembro). As comemoraes em torno dessas
datas resultaram na formao da mitologia que envolvia o Estado Novo, o trabalho
e o presidente.
Essa relao fundamentou uma aproximao entre o regime e as classes
trabalhadoras, sendo capaz de legitimar as polticas doutrinrias do Ministrio do
Trabalho e criar uma forte base de apoio poltico que transcendia o regime e se
estendia figura Vargas, e foi esse legado que sustentaria o apoio poltico nos anos
50. Como aponta Lemos (2004), a poltica desenvolvida pelo Ministrio do
Trabalho, na pessoa de Alexandre Marcondes, apresentava as medidas trabalhistas
como uma ao pessoal de Vargas, j preparando para um novo cenrio em que o
voto, e no as baionetas, a principal moeda de troca entre as foras polticas
(LEMOS, 2004, p. 206).
Entretanto, o regime ditatorial passou a apresentar algumas fissuras
internas com o afastamento de importantes figuras do Estado Novo. Caso de
Osvaldo Aranha e de Gis Monteiro, que se demitiram em 1944, e do Ministro da
Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, que j vinha criticando e defendendo o fim do
Estado Novo e articulando novas alianas com setores civis e militares.
12 O reforo da figura do lder Getlio Vargas dava-se com frases como: a generosa e humanitria poltica social do presidente Vargas; reiteradas e expressivas provas de carinho ao presidente Vargas; a popularidade do presidente Vargas (CAPELATO, 1999, p. 171). Capelato ressalta ainda que esse tipo de linguagem utilizada pelo Estado Novo eliminava a possibilidade de oposies, uma vez que proclamadas enquanto expresso de um todo, no se admitiria contestao e seu convencimento seria amplamente eficaz.
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Diante do contexto e ainda no primeiro semestre de 1945, Vargas buscou
rearticulao poltica e decretou a previso de eleies para o final daquele ano e a
anistia aos presos polticos, dentre eles Lus Carlos Prestes, preso em 1936. Com a
Lei Eleitoral, passou-se articulao dos partidos polticos, dentre os quais a Unio
Democrtica Nacional (UDN), o Partido Social Democrtico (PSD) ambos de
articulao das classes dominantes , o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Cabe destacar aqui que Getlio realiza uma negociao, inclusive, com
setores mais radicais, como o prprio Lus Carlos Prestes e o PCB, em 1945. Isso
ocorreu porque a esquerda, presa viso da revoluo democrtico-burguesa,
entendia que a aliana com Getlio era a melhor alternativa diante do cenrio
golpista que se desenhava. Emergia-se, ento, o movimento Queremista
demandando pela continuidade de Getlio sob os princpios constitucionais.
Articulado por foras getulistas ligadas ao Ministrio do Trabalho, o movimento
veio reforar o nacionalismo de Vargas e destac-lo como um lder trabalhista e
democrtico. Isso no quer dizer que Getlio no tenha buscado outras bases. Pelo
contrrio, tentou recompor-se politicamente, articulando na heterogeneidade das
foras sociais. Como demonstra Carone (1977), a manobra varguista inclua
setores oligrquicos tradicionalmente aliados e o setor do Exrcito ligado a Ges
Monteiro.
As Foras Armadas que tiveram papel principal na sustentao e, sobretudo,
na criao e manuteno do Estado Novo seriam tambm centrais na sua
derrocada. O forte elo entre o governo Vargas e a instituio militar, observado
desde 1930, em meados dos anos 40, enfraquecia-se cada vez mais. Afinal, o
carter corporativista e autoritrio da estrutura estatal, que at ento agradava
ambas as partes, no se mostrava to eficiente como antes para enfrentar as
adversidades e vicissitudes do processo histrico. As alteraes no contexto
interno e externo desafiavam a aliana entre eles.
O cenrio se mostrava bastante diverso daquele heterclito do incio dos
anos 30, em que a operacionalizao da correlao de foras permitiu o pacto que
sustentara seu primeiro Governo. Observando essa congregao de foras polticas
a favor da continuidade de Getlio e a possvel radicalizao dessa aliana, cenrio
agravado pela demanda comunista em prol de uma Constituinte sob o governo de
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35
Getlio Vargas, o grupo militar se une s classes dominantes e derrubam Getlio
(CARONE, 1977).
Ainda que Vargas tivesse apoiado, posteriormente, a candidatura do general
Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo Partido Social Democrtico (PSD), Martins Filho
(2003) aponta que a parcela mais significativa das Foras Armadas estava
definitivamente afastada de Vargas, que passou a significar tudo o que os militares
conservadores mais temiam (MARTINS FILHO, 2003, p. 106). Dutra desenvolveu
uma poltica de aproximao com a Unio Democrtica Nacional (UDN) e a
perseguio aos comunistas, inclusive colocando o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) na ilegalidade, marcando um perodo de reorganizao da atuao poltica
dos militares. No contexto da guerra fria, o grupo militar conservador comearia a
se preocupar com as perspectivas de uma interveno mais orgnica dos militares
na poltica, em termos antes institucionais que individuais, na tradio incentivada
nos anos 30 e 40 por Ges Monteiro (MARTINS FILHO, 2003, p. 106).
Mesmo com a derrocada do Estado Novo e de Getlio Vargas como o
articulador do pacto que o sustentava, as vicissitudes do primeiro governo de
Vargas deixaria legado irreversvel. A arquitetura do Estado forjada na fase 1930-
1945, em especial no Estado Novo, conduziria misso nacional nas dcadas
subsequentes, ou seja, como aponta Bielschowski (2000), as vrias facetas do
nacional desenvolvimentismo, a partir de ento, estariam sob o mesmo signo, onde
a conformao tende mesma direo com rarssimas excees passam a
defender o planejamento e a necessidade da industrializao, no tendo vozes
dissonantes em termos gerais, mas em termos pontuais.
Definido por Bielschowsky (2000) como um processo construdo ao longo
do tempo e caracterizado pela interveno estatal progressiva, o nacional-
desenvolvimentismo vinculou interesse nacional e desenvolvimento, ativado pela
vontade poltica concentrada no Estado, de novas atividades econmicas,
particularmente industriais, associadas diversificao do mercado interno. O
referido autor demonstrou como a questo nacional perpassou as vias de
desenvolvimento definidas na arena poltica dos anos 50. Nesta dcada, estavam
presentes as correntes de pensamento poltico existentes no perodo: as trs
variantes do desenvolvimentismo (setor privado, setor pblico no nacionalista e
setor pblico nacionalista), o neoliberalismo ( direita do desenvolvimentismo)
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e a corrente socialista ( sua esquerda). Formulado ideologicamente entre 1930
e 1944, sob o primeiro governo Vargas, nos anos 50, as estratgias para execuo
do projeto varguista foram lanadas disputa pela hegemonia nos anos 50 dentre
essas foras polticas.
Esse processo acaba sendo absorvido e sintetizado por uma leva de
intelectuais no qual Furtado (2007 [1959]), por exemplo, aponta que o projeto de
desenvolvimento passou a ser associado ao de planejamento, por meio da
interveno do Estado na conduo do processo de industrializao. Por ele
passaria a garantia da soberania nacional e a necessidade de um plano que fosse
capaz de pensar o desenvolvimento econmico estrategicamente.
Nessa mesma perspectiva, Bastos (2006) aponta que a prioridade do
governo Vargas era intervir e nacionalizar setores considerados estratgicos:
energia, transporte, educao, dentre outros. Ao observar, ao longo dos seus dois
governos, a atuao de Vargas nesses setores, o referido autor considera que o
nacional-desenvolvimentismo varguista consistiu num processo no qual se altera
as formas de interveno, mas no o iderio geral, sendo o programa nacional-
desenvolvimentismo marcado por trs caractersticas permanentes: anti-
liberalismo (viso de incapacidade do mercado de regular as crises econmicas e
sociais); oportunismo nacionalista: identificao de realizar barganhas externas
que atendessem finalidade dos interesses nacionais; e capacidade de adaptao
s circunstncias dos interesses cambiantes.
Afinal, as metamorfoses do primeiro governo Vargas no foram pacficas e
muito menos lineares. Nesta pesquisa, sugere-se que parte da configurao das
identidades polticas e econmicas na poca principalmente a converso do tema
econmico em questo nacional (vnculo iniludvel e inquestionvel entre a
dimenso poltica e a econmica) foi produzida interativa e complementarmente
pelas disputas abertas no bloco do poder por causa da situao de transio
estrutural e conjuntural.
Essa capacidade de adaptao, do primeiro governo Vargas, pode ser
aproximada a dois conceitos desenvolvidos por Gramsci (2000): cesarismo e
bloco histrico. Amparamo-nos na tese deste autor quando ele destaca que o
papel fundamental da arena poltica, no processo de passagem da conscincia em
si para a conscincia para si, coincide com arenas polticas em disputas. Isso
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requer considerar que a conscincia parte do processo poltico que, por sua vez,
define-se no campo do exerccio da prpria poltica, delineando-se, definindo-se e
se redefinindo endogenamente ao prprio fenmeno histrico. O Governo Vargas
operacionalizou esse bloco no momento em que os prprios atores estavam se
construindo no perodo, tornando, portanto, a disputa poltica como parte
significativa dessa construo.
A convergncia dessas foras heterogneas, concomitantemente em
construo, num pacto aglomerador, acarretou a criao de condies especficas
para a emergncia do fenmeno com marcantes entonaes cesaristas. Ao
observar o contexto fascista da Itlia de Mussolini, Gramsci (2000) d uma
explicao contundente para compreender o fenmeno poltico. O cesarismo,
prximo ao conceito de bonapartista de Marx, referia-se figura do chefe
carismtico que organiza as ideias polticas das classes dirigentes. Dos
desequilbrios das foras sociais emerge uma personalidade capaz de arbitrar o
conflito no qual se reorganizam as foras burguesas sob o comando de uma
liderana carismtica. Essa habilidade poltica requerida pelo cesarismo pode ser
encontrada em parte da poltica de Vargas.
1.2 AS INTERPRETAES SOBRE O PRIMEIRO GOVERNO VARGAS
H um grande esforo na historiografia brasileira para elucidar a relevncia
no apenas do episdio da Revoluo de 1930 como tambm dos seus significados
e suas vicissitudes para a construo da modernidade no pas. Essa problemtica
implica considerar tambm as aes do primeiro Getlio Vargas inseridas na
singularidade da transio brasileira comparada aos padres de
desenvolvimento capitalista global. Apresentando uma diversidade de
transformaes e suas particularidades, a Revoluo de 1930 (e seu sentido)
produziu inmeras abordagens: histricas, econmicas, polticas, sociais e
culturais.
A leitura sobre o processo, que se abre a partir de 1930, pode ser feita em
trs grandes dimenses analticas: a interpretao da histria, que ressalta os
movimentos e os fatos sociais; as interpretaes da mudana social, da ordem
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senhorial e patrimonial para a sociabilidade singular de nossa modernidade
(HOLANDA, 2004 [1936]; FERNANDES, 1976); e a dimenso econmica apoiada na
perspectiva de que foi a mudana estrutural nas relaes de produo (modelo
mercantil exportador versus modelo industrialista) que galvanizou o processo de
mudana social, poltica ao histrico (FURTADO, 1975 [1959]).
Na dimenso histrica, as teorias sobre o desenvolvimento demonstram
que capitalismo no ocorre por uma via nica. Ao contrrio, sua construo
politicamente selecionada a partir dos atores e foras sociais inerentes e os
projetos so politicamente orientados. Trabalhos nessa rea, como os de
Barrington Moore (2010 [1983]) e Charles Tilly (1996), demonstraram as
diferentes formas de passagem para o capitalismo e como os modelos polticos
derivam dessa configurao.
Diferentemente dos modelos clssicos, apontados por ambos, num
desenvolvimento de capitalismo tardio, as condies histricas produzem outras
formas de modernizao. Outros trabalhos, como os de Florestan Fernandes,
(1976), destacaram a peculiaridade da Revoluo Burguesa no Brasil ao apont-la
enquanto fenmeno resultante da fase do capitalismo mercantil que produziu um
hibridismo, pois as relaes econmicas fundiram-se s relaes sociais e polticas,
obstruindo a possibilidade da formao de um mercado competitivo. Assim, o
modelo de desenvolvimento de capitalismo tardio expressa um processo
particular de constituio do capitalismo e engendra outras formas histricas
alternativas via clssica. Por isso, Fernandes (1976) considera que no h como
associar o processo de 1930 ao modelo clssico de Revoluo Burguesa, uma vez
que, nos pases de extrao colonial, em que se tem uma insero capitalista que
no engendra um ator nacional, produziu-se uma nova perspectiva poltica na qual
os atores envolvidos no mudam a ordem social, porque o processo capaz de
emposs-los de poder econmico e poder poltico no conduz, necessariamente,
alterao das estruturas sociais em direo modernidade capitalista.
Nos estudos de abordagem histrica sobre o Brasil, duas grandes linhas de
interpretao se abrem: os que procuram entender os anos 30 como um momento
da contradio (luta) de classes e os que aprofundaram o carter singular da
revoluo via acomodao ou hibridismo dessa conformao. Em vrias obras, a
questo do sentido de 30 privilegiou o problema das classes sociais (tomando
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como referncia o problema da Revoluo Burguesa). Um dos trabalhos pioneiros
nessa abordagem foi o de Santa Rosa (1976 [1933]). Empregando o conceito de
revoluo sob pressupostos marxistas, sustenta a ideia de que a revoluo de 1930
foi uma ascenso da burguesia industrial dominao poltica com atuao do
movimento das classes mdias, embora sua ascenso no fosse exclusiva. A classe
burguesa, portanto, seria condutora e beneficiria da ao revolucionria,
assumindo o aparelho estatal e instituindo as bases para o livre desenvolvimento
do capital.
Nessa mesma perspectiva explicativa, Vianna (1976) considera que, em
1930, ocorreu uma revoluo burguesa realizada pelas oligarquias agrrias mais
atrasadas com o apoio das camadas mdias urbanas. A modernizao ocorreu
sob liderana/vigilncia poltica e social das classes dominantes, sendo o Estado o
principal agente dessa transformao. Assim, criaram-se condies para
promover de cima a mudana no conjunto da sociedade. Ou seja, uma
modernizao pelo alto, marcada por uma nova configurao estatal que
institucionalizaria o conflito social, produzindo o hibridismo entre liberalismo e
corporativismo, arquitetura que se traduziria num vigoroso instrumento de
acumulao industrial.
De Decca (1988), ao buscar as interfaces com as classes trabalhadoras,
considera que a histria oficial da revoluo de 30 foi construda pelos vencedores.
Afirma que, para a construo de um contra discurso, preciso compreender o
perodo histrico pela tica dos vencidos, ou seja, da classe operria, qual foi
imposto o silncio. A revoluo no foi um marco revolucionrio, mas sim um
golpe da burguesia contra o movimento operrio que lhe apresentava como uma
ameaa, portanto teve um carter contrarrevolucionrio. Por esse vis, De Decca
considera que o real momento revolucionrio ocorreu em 1928, quando aflorou a
luta de classes favorecendo a criao do Bloco Operrio Campons, e, no mesmo
ano, a fundao do Centro das Indstrias do Estado de So Paulo.
Em contrapartida, vrios autores buscaram destacar a singularidade do
processo brasileiro, seu hibridismo e a acomodao de interesses que acontece em
uma sociedade que no corresponde ao padro clssico dos conflitos de classes.
Nessa perspectiva, encontram-se Weffort (1978) e Fausto (1970) que entendem a
Revoluo de 1930 como uma crise de hegemonia poltico-econmica que se
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estabeleceu entre a derrocada de um sistema e a ascenso de outro. Produziu-se
assim um vcuo de poder entre a quebra do modelo agrrio e a consolidao do
modelo industrial, sendo caracterstica deste a incapacidade de exercer o poder
autonomamente. Nesse vazio, consolida-se o poder pessoal de Vargas que
estabelece as estruturas do Estado interventor. Para Fausto (1970), o movimento
revolucionrio de 1930 foi caracterizado pela realocao das elites no poder, dados
seus resultados imediatos e posteriores, na medida em que o comando do processo
poltico no pertencia mais s oligarquias regionais. O perodo que marca,
portanto, o vazio de poder deriva do fato de que a revoluo de 1930 no
conduziu imediatamente a burguesia industrial ao domnio poltico.
Outros autores, tais como Diniz (1978) e Carone (1978), tambm aceitam o
referencial de que os industriais no foram os promotores da revoluo, ainda que
esta (em especial a configurao da Era Vargas) tenha promovido as bases para o
desenvolvimento desse setor. Esses autores endossam as abordagens de Fausto e
Weffort, apontando a fragilidade do setor industrial no perodo e sua impotncia
para sujeitar a sociedade ao seu projeto. A ascenso burguesa s poderia assim ser
efetuada atravs da conduo da elite dirigente do Estado, formatando a
peculiaridade elementar da revoluo burguesa brasileira.
O movimento de outubro de 1930 seria uma ao preventiva, ou pelo alto,
porque brecou ao mesmo tempo em que utilizou as novas foras em ebulio
para manter a ordem dentro da mudana (CEPDA, 2004). Contudo, o desajuste do
projeto ideolgico da Primeira Repblica emergira das mudanas econmicas e
sociais em curso no pr-30. Assim,
A pluralidade de projetos, interesses, rumos e a qualidade de incerteza poltica e econmica que transformou esse jogo numa srie de propostas testadas ad doc, acentuam a importncia da batalha das idias e a fora ideolgica dos interesses envolvidos, ou seja, nem cincia pura, descolada dos conflitos reais, em projetos acabados de capitalismo e sociedade (CEPDA, 2004, p.137).
A discusso em torno de uma crise de hegemonia fundamentou a
concepo de que, pela ausncia das classes fundamentais ao processo da
construo do capitalismo, esse espao foi ocupado pelo Estado com o apoio das
Foras Armadas na formatao da via de desenvolvimento brasileiro. Essa
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caracterstica permitiu um distanciamento cada vez maior da sociedade civil e uma
crescente burocratizao organizacional.
Tendo como suporte analtico essa singularidade hbrida apresentada por
Florestan Fernandes, Draibe (2004 [1985]) demonstra como se entrelaaram
simultaneamente a industrializao, a diferenciao das foras sociais e a
construo da ossatura do Estado com estruturas tipicamente capitalistas,
gestando modelo de desenvolvimento singular. A referida autora considera que se
abriram alternativas ao desenvolvimento capitalista no Brasil, representadas por
setores gestados no interior da economia exportadora que seriam capazes de
projetar - cada qual sob seus interesses alternativas diferentes de futuro. Para
tanto, Draibe trabalha com a concepo de vias de desenvolvimento13 como
expresso do sentido terico histrico, considerando que elas:
No constituem um projeto fixado de antemo pelas foras polticas em luta, mas emergem e se caracterizam nos meandros do movimento histrico concreto. Isso quer dizer que, apesar de subjacentes, as alternativas estruturais no se expressam em estado puro, pois resultam do enfrentamento das foras polticas pela conquista da direo do Estado, concretizadas em torno de projetos que aspiram, incessantemente, articular alianas e coalizes para a formao de blocos dirigentes [...] H que reconhecer, desde logo, que as vias alternativas so desequilibradas, assimtricas e mutantes [...] Sendo assim, as vias no podem ser de maneira alguma identificadas com projetos especficos de partidos, movimentos e outras foras polticas organizadas, nem tampouco podem ser entendidas estaticamente, a partir de sua configurao no incio dos anos 30 (DRAIBE, 2004 [1985], p. 26).
Assim, apresenta algumas vias possveis de desenvolvimento a partir do
colapso da economia agrrio-exportadora, desencadeada em fins dos anos de
1920. Mais precisamente, ela aponta trs segmentos fundamentais capazes de
construir seus interesses, enquanto base do Estado, e dar direcionamento s
questes da revoluo burguesa brasileira: a) burguesia mercantil-exportadora
(via conservadora do desenvolvimento); b) burguesia industrial (via moderada de
desenvolvimento); e c) nacional-popular (via mais radical de desenvolvimento). Os
projetos subjacentes ao perodo foram estabelecidos pela disputa poltica, ou seja,
pela correlao de foras em aberto no campo poltico e pelo enfrentamento para a
obteno da direo do Estado. O carter instvel do campo poltico na disputa
entre essas trs foras vias possveis de desenvolvimento foi que configurou a
13 Assumindo claramente seu vnculo com a tipologia de Barrington Moore.
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quarta via concentrada na autonomia do Estado, enraizada na multiplicidade de
foras polticas heterogneas e expressivas das relaes polticas definidas na
disputa poltica.
De fato, os tipos universais de constituio do capitalismo so insuficientes
para analisar os casos dos pases perifricos. Nesse sentido, as teorias da
singularidade brasileira de Fernandes e as vias de desenvolvimento
diferenciadas dos modelos clssicos, de Draibe, so bastante plausveis para a
compreenso da constituio do capitalismo no Brasil. No apenas para
compreender a constituio do nosso modelo de desenvolvimento, sobre o qual
nos fala Fiori (1994), como tambm para captar como as aes de Getlio
estavam submersas e inseridas na correlao de foras em aberto que se foram
constituindo, metamorfoseando, ressignificando no decorrer do processo.
Contudo, nesse campo em que a debilidade da burguesia reduz o alcance
explicativo da tese da Revoluo Burguesa, ficou para a literatura especializada a
seguinte questo: como o interesse econmico de uma classe fraca demais para
agir chegou ao mago da ao estatal? Teria sido a burguesia fraca demais para
encabear o processo de modernizao no pas? Na tentativa de uma resposta, os
trabalhos de Diniz, 1978; Leme, 1978; Gomes, 1979; Cepda, 2004, Corsi, 2000;
Bastos (2012) discutem a atuao da burguesia e suas fraes de classe no
processo de construo da industrializao.
Nessa tentativa, algumas consideraes so importantes: a teoria que
assinala a migrao de capitais e interesses do segmento mercantil/exportador
para o segmento industrial (SILVA, 1976), produzindo alterao de interesses
dentro de um mesmo grupo encastelado no poder; uma segunda vertente a que
aponta a brecha histrica como impulsionadora da experincia industrial pelo
colapso do setor cafeeiro no perodo entre guerras e da crise de 29, ou seja, pelo
desarranjo do Comrcio Internacional (FURTADO, 2007 [1959]; MELLO, 1986
[1982]). Desta ltima se desdobra uma vertente pioneira sobre o significado da
poltica de Getlio Vargas: as aes econmicas dos primeiros anos da Era Vargas
proporcionaram o arranque para a industrializao por substituio de
importaes, de forma no intencional (FURTADO, 2007 [1959]; TAVARES, 1972).
Nessa vertente, a interpretao seminal a de Celso Furtado, em Formao
Econmica do Brasil, ao analisar o processo de industrializao no Brasil como
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subproduto do controle cambial implementado pelo Governo Vargas para
contornar as consequncias da crise de 1929. Segundo o autor, o processo de
deslocamento do centro dinmico da economia do setor agrrio para o setor
industrial derivou da poltica cambial varguista e da ativao do capital produtivo
industrial, sobretudo aps 1933. Getlio Varga