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Totem e tabu
Algumas concordâncias entre a vida psíquica dos selvagens e a dos
neuróticos
Textos anteriores de Freud que tratam da antropologia, mitologia e história das religiões
• 1907 – Atos Obsessivos e práticas religiosas;
• 1908 – Ética Sexual “Civilizada” e as modernas doenças nervosas;
• 1910 – O significado antitético das palavras primitivas
• 1910 – Carta ao Dr. Friedrich S. Krauss (etnologista e folclorista);
• 1911 – A significação de uma sequência de vogais;
• 1911 – Grande é Diana dos Efesos
Ciências Naturais Ciências da Cultura
Após a Psicanálise se fundar sob o espírito de rigor das Ciências Naturais, e ganhar legitimidade nesse campo, pôs
a questionar o campo da cultura
Totem e Tabu
É uma espécie de perspectiva sociocultural de seus “Três Ensaios sobre uma teoria sexual” de 1905;É não só a ambição antropológica de Freud, mas a colocação da primitividade no cerne do funcionamento do ics., da mesma forma que designa a alteridade, seja ela do individuo, ou dos povos (Serge Moscovici)
Sigmund Freud
A razão que levou Freud a se confrontar com a questão cultural foi a limitação pulsional e a proibição do incesto que ele observou nas neuroses.Em 1897 ( Manuscrito N) ele escrevera que:“o incesto é um fato antissocial ao qual a civilização teve que renunciar para poder existir”
Sigmund Freud
Num primeiro momento ele se enfrenta com a questão da Kultur ao questionar a repressão das pulsões;Num segundo momento, a genealogia da Kultur, tal qual o faz a mitologia, a etnologia e as ciências da religião;Em um terceiro momento aplica sua ciência ao coletivo
Totem e Tabu – Elisabeth Roudinesco e Michel Plon
Uma obra que se apresenta como uma abstração darwiniana sobre a origem da humanidade, uma digressão sobre os mitos fundadores da religião monoteísta e, uma reflexão sobre a tragédia do poder.
De Darwin em “Descendência do homem”, Freud toma o conceito de “teoria da recapitulação”, segundo a qual o individuo repete os estágios da evolução das espécies: a ontogênese repetindo a filogênese.
Leituras cientificas de Freud para Totem e Tabu
1º Ensaio: Horror ao incesto
Horror e desejo do incesto caminham juntos e estão presentes em todas as sociedades tanto nas antigas quanto nas modernas.
Muitos de nossos usos e costumes não passam de sobrevivências das mentalidades dos primitivos. (ex. aborígenes)
Horror ao incesto
Não existe superioridade de civilizações;
Não há hierarquia de culturas;Sobrevive nos usos e
costumes de nossa sociedade, a mentalidade primitiva;
No lugar das instituições religiosas conhecidas no Ocidente, vigorava o totemismo
Totem e Tabu
“...o horror ao incesto apresentado pelos selvagens já foi há muito identificado”;
O que Freud acrescenta é o fato de que se trata de uma característica infantil e que revela uma concordância com a vida mental dos neuróticos.
“...a exogamia ligada ao totem realiza mais (e, assim visa a mais) do que a prevenção do incesto com a própria mãe e irmãs. Torna impossível ao homem, as relações sexuais com todas as mulheres de seu próprio clã, tratando-as como se fossem parentes pelo sangue.”O parentesco totêmico substitui o parentesco consanguíneo.
“A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira pela qual, à medida que cresce se liberta dessa atração incestuosa.Um neurótico, por outro lado, apresenta invariavelmente um certo grau de infantilismo psíquico.”
Ao se interrogar sobre a significação do horror do incesto, Freud estabelece uma relação entre o impulso edipiano e a constituição do laço social;
(A proibição do incesto define a fronteira entre natureza e cultura Claude Lévi-Strauss);
Freud aponta a necessidade de uma instância de interdição cujo objetivo é impedir a satisfação da pulsão, incompatível com a sociedade, que permite a ligação inevitável entre o desejo e a lei.
O primeiro e único drama permanente da humanidade é o da tensão entre a tentação e a proibição do incesto (Enriquez)
O preço a pagar para sair do reino da violência cega, e a neurose coletiva.
2º Ensaio: Tabu e Ambivalência Emocional
Wilhelm Wundt (1832-1920) : o tabu representa o primeiro e mais antigo código não escrito da humanidade, sendo mais antigo que os deuses.
TABU E AMBIVALÊNCIA EMOCIONAL
“Taboo é um termo polinésio....traz em si um sentido de algo inabordável, expresso em proibições e restrições.
(...) não se baseiam em nenhuma ordem divina, mas se impõem por conta própria.
(...) não tem fundamento e são de origem desconhecida.
Embora sejam ininteligíveis para nós, para aqueles que por ela são dominados são aceitas como natural.”
É proibido e deséjável
TABU E AMBIVALÊNCIA EMOCIONAL
Um interdito tão antigo e rigoroso, tornado inquestionável, que sua violação acarreta um castigo violento.
Os humanos são ambivalentes em relação ao tabu, pois a proibição se dirige aos mais intensos desejos humanos, razão pela qual persiste no inconsciente, a tendência a transgredi-los
Se os tabus se expressam principalmente em proibições é porque há uma corrente positiva de desejo, porque, “afinal de contas, não há necessidade de se proibir algo que ninguém deseja fazer e uma coisa que é proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado”
Se aplicar essa tese aos povos primitivos, conclui Freud que algumas e suas tentações mais fortes eram matar seus reis e sacerdotes, cometer incesto, tratar mal os mortos....
“As mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto. Estes desejos devem ser, então, os mais antigos e poderosos desejos humanos”
O desejo de transgressão parece ter sido tão poderoso, que para impedi-lo de surgir, foi necessário uma força suplementar completando o esforço repressor contido no cerimonial de interdição. ..A consciência tabu é provavelmente a forma mais remota em que a consciência é encontrada,“..a percepção interna da rejeição de um determinado desejo, influindo dentro de nós”
A consciência moral...A consciência angustiante
Existe um medo do caráter contagioso do tabu.
Se uma pessoa consegue gratificar o desejo reprimido, o mesmo desejo está fadado a ser despertado em outros membros da comunidade.
O transgressor invejado terá de ser despojado dos frutos de seu empreendimento, e o castigo proporcione um ato de expiação, pois...
O impulso proibido se encontra presente tanto no criminoso como na comunidade que se vinga
Neurose
O fato característico da neurose é a preponderância dos elementos sexuais sobre os elementos sociais.
Os neuróticos esforçam-se por conseguir por meios particulares, o que na sociedade se efetua através de esforço coletivo
“As necessidades sexuais não são capazes de unir os homens da mesma maneira que as exigências de autopreservação.
A satisfação sexual é, essencialmente, assunto privado de cada individuo”
A neurose tem como propósito fugir da realidade para um mundo de fantasia, evitando o mundo real, e a comunidade dos homens.
3º Ensaio: Animismo, Magia e Onipotência do Pensamento
“Existe uma tendência universal entre humanos para conceber todos os seres humanos à sua semelhança e transferir a todos os objetos as qualidades que lhe são familiares e das quais se achem intimamente consciente” (Hume)
O animismo é um sistema de pensamento que permite apreender todo o universo como uma unidade isolada, de um ponto de vista único.
Animismo, Magia e Onipotência do Pensamento
“A onipotência do pensamento é a capacidade de que as idéias possuem de transformar-se em fenômenos reais.
“Não se trata de qualquer ideia, mas daquela que visa nossa relação com o outro, com o objetivando dominar seu comportamento e sua vida.”(Enriquez)
Animismo, Magia e Onipotência do Pensamento
“Adotei a expressão onipotência de pensamentos de um homem altamente inteligente que sofria de idéias obsessivas.(...) Ele criou a expressão como explicação para todos os estranhos e misteriosos acontecimentos pelos quais, como outras vitimas da mesma doença, parecia ser perseguido” (Freud)
“Uma comparação entre as fases de desenvolvimento da visão humana do universo (animista, religiosa, cientifica), e as fases de desenvolvimento libidinal do individuo:
A fase animista corresponde a narcisista;
A religiosa, a fase da escolha do objeto;
A fase cientifica, renuncia ao pp. Do prazer, ajusta-se a realidade e volta-se para o mundo externo em busca do objeto de seus desejos”
4º Ensaio: Retorno do Totemismo na Infância
O animal totêmico é um substituto do pai
Embora a morte do animal totêmico seja proibido, sua matança é uma ocasião festiva, com o fato que ele é ao mesmo tempo morto e pranteado.
Retorno do Totemismo na Infância“Certo dia os irmãos que
tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal.
Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível individualmente.
Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer que não apenas matavam, mas também devoravam suas vitimas.
O violento pai primevo fora sem dúvida temido e invejado, modelo de cada um do grupo dos irmãos; e pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força.
Retorno do Totemismo na Infância“Após terem se livrado dele,
satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de se identificarem com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso
Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso coincidia com o remorso sentido por todo o grupo.
O pai morto tornou-se mais forte do que fora vivo.
Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituo do pai, e renunciaram seus frutos abrindo mão da reivindicação das mulheres.
O tempo primevo (o antes do ato), só conhecia as relações de força e as relações sexuais não-controladas, Os outros na impotência se reúnem e retornam juntos preparando o complô.O desejo de conjurar a impotência e escapar à fascinação mortífera, se descobrem irmãos, reconhecendo o vínculo libidinal que os une no ódio comum. “Inventando” a primeira relação de solidariedade, reconhece o outro como semelhanteSE É O ÓDIO QUE TRASNFORMA OS SERES SUBMISSOS EM IRMÃOS, É SEU ASSASSINATO QUE TRANSFORMA O CHEFE DA HORDA EM PAI.
Retorno do Totemismo na Infância
Criaram o sentimento de culpa filial
Só morto é que ele será reverenciado, será objeto de temor, angústia e amor.
Seu assassinado é acompanhado de culpa e veneração.
O acesso a cultura – para Freud - passa por essa referência.
A mola da civilização é conflituosa e tem vocação neurótica
O banquete totêmico é o momento de incorporação das virtudes e poderes daquele que imagina possuí-los
É o momento em que o grupo vive um sentimento coletivo, no transe e na excitação, em que cada um pode ver no olhar do outro o mesmo ódio e o mesmo contentamento.
Retorno do Totemismo na Infância
NÃO, é o objetivo dessa aniquilação
• O estabelecimento de relações comunitárias foi uma conspiração contra um poder vivenciado como maléfico.
• Tanto a alteridade quanto o reconhecimento mútuo procedem de um efeito de ódio compartilhado
O parricídio é indispensável para a criação da cultura.
Ele nos introduz no mundo da culpabilização, de renúncia, da necessidade de uma referência a uma lei externa transcendente.
Passamos de um mundo de relações de força a um mundo de relações de alianças e de solidariedade.
Retorno do Totemismo na Infância
• Passamos de um mundo de relações de força a um mundo de relações de aliança e solidariedade
• De um estado de natureza a um Estado de direito
• Esta criação do social é acompanhada pela expressão de sentimentos complexos: amor, veneração, amizade, culpa...
A expressão pulsional direta é incompatível com o socius.
Ela só se constrói em relação ao desejo, e o desejo só se faz ouvir na medida em que responde a uma lei de organização
Claude Lévi-StraussEstruturas elementares
de parentesco - 1949A proibição do incesto como condição necessária da cultura;Regras de casamento em um sistema de trocas;A exogamia tem por si só valor socialA proibição do incesto é menos uma regra que proíbe se casar com a mãe ou a irmã do que uma regra que obriga a dar essas a outrem (regra do dom)
O desejo do incesto
O primeiro drama da humanidade, e o único permanente, é o da tensão entre a tentação e a proibição do incesto.
A partir de Lévi-Strauss a proibição do incesto deixa de ser mera consequência do horror ao incesto para se tornar uma função simbólica.
J. Lacan, por sua influência, fará nova leitura de Totem e Tabu, dizendo então que a função é que é universal e não seu conteúdo.
Lacan distingue a função patriarcal, que é a função do pai no social, e a função paterna, que é o lugar do genitor que ocupa o lugar entre a mãe e a criança
Os paradoxos do poder
Totem e tabu conta como a violência originária fez do assassinato um acontecimento fundador que permite a Freud articular a atemporalidade pulsional do inconsciente com a historização da cultura;
Fala da construção do vinculo social, das leis da submissão e da origem da dominação.
A união que suspende o isolamento e cria outro tipo de laço social necessita:
De um ato fundador (o crime);
De uma lei (sanção)E da renúncia ao
despotismo
Os paradoxos do poderO que Freud nos ensina com Totem e tabu é também que o homem em seu inconsciente – demonstrado claramente pelo neurótico – permanece um animal da horda.Os humanos se tornam facilmente escravos por causa do fascínio que o UM exerce sobre ele.
Os paradoxos do poder
“A característica do homem na massa não é sua brutalidade, mas sim seu isolamento e a ausência de relações sociais.”
Hanna Arendt