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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE
CIVIL POR ERRO MÉDICO.
Por: Luciana Dias de Moura Paiva Leivas
Orientador: Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO
MÉDICO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Privado e Civil.
Por: Luciana Dias de Moura Paiva Leivas
2
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem
ele nada seria possível, a minha família por
estarem sempre ao meu lado me apoiando e
entendendo minha ausência e as horas de
pesquisa em frente ao computador e
também a pessoas importantíssimas na
minha vida: Minha amada Mãe que eleva
minha autoestima com seus elogios, meu
Pai que foi a inspiração para a minha
carreira, meus irmãos amados Juliana,
Taynná, Júnior e Gabriel, amo muito todos
vocês.
3
DEDICATÓRIA
Dedico essa obra ao autor e consumador da
minha fé, o meu Senhor Jesus, que sempre me
deu força e coragem para prosseguir.
4
RESUMO
Aborda o ônus da prova na ação de responsabilidade civil por erro médico,
questionando acerca da possibilidade ou não de inversão com base na Teoria da
Carga Dinâmica da Prova.
Faz, inicialmente, apontamentos de conceitos primordiais para melhor elucidação do
tema, através da responsabilidade civil, obrigação de meio e de resultado, tipos de
erro, natureza jurídica da responsabilidade do médico e o ônus da prova e sua
distribuição.
Mostra a questão da distribuição do ônus probandi nas ações de responsabilidade
civil por erro médico, pelo prisma tradicional e aplicando-se a Teoria da Carga
Dinâmica da Prova.
Apresenta, ainda, posicionamentos jurisprudenciais acerca do tema em comento e,
ao final, a conclusão.
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METODOLOGIA
Para a elaboração da presente pesquisa foi realizada pesquisa
bibliográfica do tipo qualitativa e documental, utilizando-se, fundamentalmente, as
contribuições dos autores citados sobre o assunto abordado para uma análise
interpretativa das fontes pesquisadas.
A coleta de dados foi realizada em bibliotecas universitárias como na
Universidade Candido Mendes e Estácio de Sá, em instituições jurídicas,
especialmente de Direito Civil, e por aquisição própria.
Foram desenvolvidas e abordadas as duas correntes existentes sobre o
tema proposto, uma favorável e outra contrária à inversão do ônus da prova nos
casos de Ação de Responsabilidade Civil por erro médico, sempre com o intuito de
crescimento e atualização do direito aplicado, na incessante busca pela justiça.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................07
2. QUESTÕES NORTEADORAS .......................................................................09
2.1 NOÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................10
2.2 OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO .................................................12
2.3 TIPOS DE ERRO ...........................................................................................15
2.3.1 Erro Profissional .....................................................................................15
2.3.2 Erro Médico ..............................................................................................16
2.3.3 Erro de Diagnóstico ................................................................................16
2.4 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO .................17
2.5 ÔNUS DA PROVA .........................................................................................20
2.5.1 Distribuição do ônus da prova ................................................................22
3. O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ERRO MÉDICO E A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA
PROVA ...........................................................................................................24
3.1 DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA ..........................................24
3.2 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA ..............25
3.3 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA NA AÇÃO
DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO .....................................27
4. POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS .................................................31
5. CONCLUSÃO ..................................................................................................32
REFERÊNCIAS ...............................................................................................34
ANEXO 1 .............................................................................................................36
7
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa versa acerca da distribuição do ônus da prova na
ação de responsabilidade civil por erro médico, por vezes demasiadamente pesada
para o Autor, vítima, em tese, de algum caso de negligência, imperícia ou
imprudência provocado por médicos, nem sempre preparados ou qualificados para o
exercício da profissão, o que vem ensejando uma avalanche de ações judiciais
indenizatórias.
A responsabilidade civil do médico possui tratamento específico no campo
da Ciência Jurídica, com aplicações em diversos diplomas legais, mas é no Direito
das Obrigações que devemos buscar aquela que melhor se amolda a atividade
desenvolvida pelo médico.
O exercício da medicina trata-se de uma relação de confiança, onde o
indivíduo deposita o maior de seus bens: a vida. Desta forma, quando algum erro
acontece, além das seqüelas físicas, principalmente configura-se a existência do
instituto do dano moral, pelo qual a reparação se dá, judicialmente, através da Ação
de Reparação de Danos ou de Responsabilidade Civil.
O direito da responsabilidade civil, em todos os ordenamentos jurídicos,
visa regular e dar resposta ao problema social da distribuição dos infortúnios. Em
outras palavras, é preciso definir se, diante de uma calamidade, de uma desventura,
ou de um acidente, o dano há de ser suportado por aquele que o experimenta, ou se
cabe a mais alguém assumi-lo, integral ou parcialmente. Trata-se de investigar, em
suma, em face de um dano, quem haverá de por ele responsabilizar-se, e em que
medida.
De um modo geral, podem-se dividir dois critérios principais de atribuição
ou imputação da responsabilidade civil por danos: o critério da culpa e o critério do
risco. De acordo com o primeiro critério, que informa a responsabilidade dita
subjetiva, responsável será aquele que, agindo culposamente, causar dano a
outrem.
Já o segundo critério, próprio da responsabilidade objetiva, será
responsável pelo dano aquele cuja atividade, por sua natureza, implicar um risco
não tolerado à esfera jurídica alheia. Ambos os critérios são acolhidos pela lei, com
campos de incidência que se pretendem excludentes, mas que, por vezes, não se
apresentam nitidamente separados.
8
Exposta está a razão do presente artigo, que irá demonstrar que a
possibilidade de inversão do ônus da prova nas ações de responsabilidade civil por
erro médico visa resguardar a segurança jurídica, no sentido de possibilitar a ambas
as partes produzirem as provas cabais ao deslinde da ação, e, mesmo nas ações,
cuja responsabilidade do réu seja subjetiva, conforme citado acima, quando o caso
demonstrar a necessidade de inversão do ônus da prova, o juiz inverter a favor da
parte mais hipossuficiente, ou seja, do paciente/autor, suposta vítima do erro
médico.
Buscando assim, não prejudicar a realização da verdadeira justiça por
simples questão processual de distribuição probatória, desta forma, o real
cumprimento do previsto na Constituição Federal de 1988 e legislações
extravagantes, mais especificamente, no art. 5° LV da CF/88 que assegura o direito
ao contraditório e ampla defesa e art. 186 do CC que garante reparação de danos
causados por outrem.
Ocorre que incumbe, segundo o entendimento pátrio majoritário e por
força do artigo 333 do Código de Processo Civil, ao paciente, ora Autor da ação, a
difícil tarefa de configurar a existência do dano sofrido por cupa do médico, o que
acaba por, algumas vezes, dificultar o desenvolvimento do referido processo, dada a
hipossuficiência do mesmo frente às normas técnicas concernentes à medicina;
Diante de tal fato, faz-se necessária a realização da prova pericial, na qual
se deposita toda a “esperança” do Autor em ver seu direito à indenização
assegurado, ou seja, podemos considerar a perícia médica como a maior e mais
importante prova a ser utilizada pelo Autor, a fim de instruir os autos e provar o seu
direito reparatório. A referida prova é realizada por um médico indicado pelo juízo,
que apresentará laudo, informando, segundo seu entendimento, se o procedimento
do médico-réu foi correto, bem como se há no Autor alguma seqüela e sua
gravidade.
Sendo assim, cabem os seguintes questionamentos: seria justa a
distribuição do ônus da prova de forma a incumbir ao Autor todo o dever de provar o
erro cometido pelo médico, mesmo não possuindo a qualificação e os termos
técnicos para tal? Podemos confiar “cegamente” nas perícias médicas, mesmo
tendo consciência da existência de um grande corporativismo na área médica? Não
seria mais fácil ao médico provar que seu procedimento foi realizado de forma
9
correta do que ao Autor o contrário? Não estaríamos diante de uma possibilidade de
inversão do ônus da prova?
Com o objetivo de elucidar estas e outras argumentações no que tange ao
tema proposto, desenvolveremos no transcorrer da presente as duas correntes
existentes, uma favorável e outra contrária à inversão do ônus da prova nos casos
de Ação de Responsabilidade Civil por erro médico, sempre com o intuito de
crescimento e atualização do direito aplicado, na incessante busca pela justiça.
2 QUESTÕES NORTEADORAS
2.1 NOÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Nas lições de Sérgio Cavalieri Filho “A violação de um dever jurídico configura
o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever
jurídico, qual seja, o de reparar o dano”1.
Esta é a premissa maior da responsabilidade civil esculpida no artigo 927 do
Código Civil de 2002: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
A doutrina costuma classificar a responsabilidade em diversos segmentos, de
acordo com a área em que ocorreu o dano, aos quais podemos destacar:
a) civil e penal (ambas podem coexistir, porém possuem como distinção o fato
de que a responsabilidade penal deriva da violação de direito tutelado por uma
norma penal, enquanto que em sede de responsabilidade civil a norma violada tem
natureza de Direito Privado);
b) responsabilidade contratual e extracontratual (o que as distingue é a
existência ou não de negocio jurídico, que estabeleça vínculo obrigacional entre as
partes, de forma que seu inadimplemento faça surgir a obrigação de indenizar);
c) responsabilidade objetiva e subjetiva (na primeira não se analisa a culpa do
agente, mas tão somente a existência dos pressupostos do dever de indenizar,
enquanto que na segunda a análise da conduta do agente e a comprovação de sua
culpa constituem condição sine qua non para a responsabilidade do mesmo).
1 CAVALIERE FILHO. Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006, p.23.
10
É importante notar que, para o surgimento da obrigação de indenizar, é
necessário, independente de se estar diante da responsabilidade objetiva, a
demonstração, de forma irrefutável, da existência de três pressupostos
indispensáveis: o ato ilícito, o dano causado pelo agente e o nexo de causalidade
entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
Assim, mesmo na responsabilidade civil objetiva, onde está excluída a
comprovação da culpa, é imperiosa a demonstração da existência dos pressupostos
ensejadores da obrigação de indenizar. Contudo, o autor não estará obrigado a
adentrar nos pormenores que permeiam as circunstâncias da dinâmica do fato.
Porém, o mesmo deverá apresentar em sua peça inaugural o maior número possível
de elementos que comprovem ter o réu cometido o ato ilícito e que do ato decorreu o
dano, formando o liame necessário para configuração do dever de indenizar.
2.2 NOÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Nas lições de Sérgio Cavalieri Filho “A violação de um dever jurídico
configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo
dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano”2. Esta é a premissa maior da
responsabilidade civil esculpida no artigo 927 do Código Civil de 2002, a saber:
“Artigo 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo”.
A doutrina costuma classificar a responsabilidade em diversos segmentos,
de acordo com a área em que ocorreu o dano, aos quais podemos destacar: civil e
penal (ambas podem coexistir, porém possuem como distinção o fato de que a
responsabilidade penal deriva da violação de direito tutelado por uma norma penal,
enquanto que em sede de responsabilidade civil a norma violada tem natureza de
Direito Privado).
Responsabilidade contratual e extracontratual (o que as distingue é a
existência ou não de negocio jurídico, que estabeleça vínculo obrigacional entre as
partes, de forma que seu inadimplemento faça surgir a obrigação de indenizar) e a
responsabilidade objetiva e subjetiva (na primeira não se analisa a culpa do agente,
mas tão somente a existência dos pressupostos do dever de indenizar, enquanto
2 CAVALIERE FILHO. Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006, p.23.
11
que na segunda a análise da conduta do agente e a comprovação de sua culpa
constituem condição sine qua non para a responsabilidade do mesmo).
É importante notar que, para o surgimento da obrigação de indenizar, é
necessário, independente de se estar diante da responsabilidade objetiva, a
demonstração, de forma irrefutável, da existência de três pressupostos
indispensáveis: o ato ilícito, o dano causado pelo agente e o nexo de causalidade
entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
Assim, mesmo na responsabilidade civil objetiva, onde está excluída a
comprovação da culpa, é imperiosa a demonstração da existência dos pressupostos
ensejadores da obrigação de indenizar. Contudo, o autor não estará obrigado a
adentrar nos pormenores que permeiam as circunstâncias da dinâmica do fato.
Porém, o mesmo deverá apresentar em sua peça inaugural o maior número possível
de elementos que comprovem ter o réu cometido o ato ilícito e que do ato decorreu o
dano, formando o liame necessário para configuração do dever de indenizar.
2.3 OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO
Em sentido estrito, obrigação pode ser entendida como sinônimo de dever
jurídico, que nas lições de Caio Mário “representa a idéia de vinculação, de liame, de
cerceamento de liberdade de ação, em benefício de pessoa determinada ou
determinável”3. Esse dever jurídico une dois ou mais personagens, que através da
lei ou do contrato, deverão observar certas condutas (positivas ou negativas), sob
pena de receber uma sanção pelo não cumprimento do comando explicitado na
norma, ato ou negócio jurídico.
As obrigações possuem uma extensa classificação, dividindo-se em
obrigação em relação ao vínculo (civil, natural ou moral); quanto à pluralidade de
sujeitos (divisível, indivisível, solidária); quanto ao modo de execução (simples,
cumulativa, facultativa e alternativa); quanto ao seu objeto (fazer, não fazer, dar);
quanto à liquidez do objeto (líquida e ilíquida); quanto ao tempo de adimplemento
(instantânea ou de execução continuada); e, quando reciprocamente consideradas
(principais e acessórias). Por último, temos a classificação em relação ao conteúdo
(meio ou resultado), pelo qual perpassa a atividade médica.
3 MÁRIO. Caio. Instituições de Direito Civil. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.4.
12
A distinção entre a obrigação de meio e a de resultado vem de Demogue,
que buscou nela um critério para resolver o ônus da prova. Nas obrigações de
resultado “o devedor estipula a realização de um resultado certo. Se este resultado
não for conseguido, responderá aquele por este fato”4; enquanto nas obrigações de
meio, ou diligência, não se persegue um resultado certo, a obrigação é no sentido
de, somente, “prestar meios adequados, de proceder com diligência e
conhecimentos, para possibilitarem aquele êxito”5, ou seja, nesta última o
compromisso não é com o resultado e, sim, com a realização da atividade técnica-
profissional de conformidade com a Lei, com a ética e com a técnica apropriada
disponível (através do ato médico, o profissional não se obriga a curar, ou a salvar:
se obriga a atuar com a boa técnica).
Sendo assim, entende-se como obrigação de meio, aquela em que o
profissional se compromete a atuar com toda a diligência na persecução de
determinado ofício, a fim de alcançar o objetivo pretendido, porém, sem a ele se
vincular.
Significa dizer que havendo inadimplemento dessa obrigação, deverá ser
analisada a conduta do profissional e sua relação com o resultado final, verificando-
se se o mesmo atuou com a prudência e diligências necessárias, utilizando-se de
todos os recursos possíveis para a boa execução do ofício. A relação do advogado e
seu cliente é um exemplo de obrigação de meio, pois, em tese, o advogado não se
obriga a obter a prestação jurisdicional nos exatos limites da vontade do cliente, mas
tão somente a dispensar a melhor técnica para seu patrocínio.
Já a obrigação de resultado, vincula diretamente o profissional à produção
do resultado. Assim, não há que se falar em análise da sua conduta e, desta forma,
o cliente poderá exigir a produção do resultado inicialmente pretendido, sem o qual
ficará caracterizado o inadimplemento da obrigação. A relação do engenheiro e seu
cliente é um exemplo de obrigação de resultado, pois, em tese, o engenheiro se
vincula ao resultado final do projeto por ele desenvolvido, devendo atuar no sentido
do exato cumprimento daquilo que foi previamente pactuado.
No campo da medicina, a regra é enquadrar a relação entre o médico e o
paciente na seara da obrigação de meio. Por exemplo, a obrigação do atendimento
realizado no pronto-socorro de um hospital não será de resultado e sim de meio, 4 DEMOGUE, René, 1925 apud ROBERTO, Luciana Mendes Pereira, 2006. Disponível em: http://www.professorchristiano.com.br/luciana_revista_meio.pdf>. Acesso em: 19 março. 2010. 5 DEMOGUE. René. op. cit.
13
pois, nesse caso, os médicos se obrigam apenas a dispensar a melhor técnica para
o tratamento do paciente. Porém, em alguns casos, a obrigação poderá ser
considerada como de resultado, haja vista o caso da cirurgia plástica estética.
Não é por outra razão, que no caso do diagnóstico incorreto, por exemplo,
somente o erro grave ou grosseiro será relevante para fins de responsabilização do
médico. Neste sentido ensina Ricardo Pereira Lira, citando Teresa Ancona Lopez:
Em princípio o médico que examinou o doente de acordo com as regras e
técnicas atualizadas da ciência médica vigorante não pode ser responsabilizado,
mesmo que o seu diagnóstico esteja errado. Salvo quando o médico no diagnóstico
tenha praticado um erro grave ou grosseiro, pela doutrina e jurisprudência firmadas,
em princípio, ele não responde, pois o diagnóstico é uma hipótese dentro do estágio
da medicina em geral, e da especialidade em particular no momento da prática. De
toda a forma, as características do caso concreto que se esteja estudando serão
decisivas para definir a responsabilidade.6
No mesmo sentido é Ruy Rosado de Aguiar Junior, para quem “o erro de
diagnóstico não gera responsabilidade, salvo se este for realizado sem atenção e
precauções conforme o estado da ciência, apresentando-se como erro manifesto e
grosseiro”7; bem como no mesmo sentido são também as seguintes decisões, tanto
do TJRJ, quanto do Tribunal de Alçada de Minas Gerais:
(...) Erro médico – Hospitalar. Inexistência de responsabilidade
ante a ausência de erro de diagnóstico ou de conduta
científica, em atendimento emergencial a acidentado. Paciente
que jamais se queixou de dores cervicais, que sugerissem
exames complementares específicos. Cirurgia de quadril.
Laudo oficial afastando a configuração de vício de serviço.
Coerência do conjunto probatório (prontuário – depoimento dos
médicos atendentes e ausência a imputação de erro científico
pelos médicos. Sentença confirmada, IMPROVIDO o apelo
autoral (...).8
6 LIRA, Ricardo Pereira. Obrigação de Meios e Obrigação de Resultado a Pretexto da Responsabilidade Médica. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, nº 6, p. 79, 2006. 7 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais. Rio de Janeiro, vol. 718. 8 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 17ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 2002.001.20889 – Registro 20/12/02, Rel. Des. Severiano Ignácio Aragão.
14
(...) O erro do diagnóstico não gera responsabilidade, salvo se
tomados em atenção e precauções, conforme o estado da
ciência, apresentando-se como erro manifesto e grosseiro (...).9
Um exemplo de falta de precaução com relação ao estado da ciência, a
gerar um erro grosseiro de diagnóstico, seria a não solicitação de exames
considerados essências para a elaboração do diagnóstico da doença que acomete o
paciente.
Importante ainda destacar que a distinção entre obrigação de meio e de
resultado tinha como efeito prático a facilitação da prova da culpa por parte do
paciente lesado. Assim, o resultado não alcançado já criaria uma presunção de
culpa para o médico. Na opinião do saudoso Ministro do STJ, Carlos Alberto
Menezes Direito, com o CDC, essa distinção deixou de ter razão, pois tal diploma
legal indica que os profissionais liberais irão responder sempre com culpa, ou seja,
sempre será exigida a prova de que o mesmo foi negligente, imprudente ou
imperito10.
O mestre Rui Stoco, citando Teresa Ancona Lopez, traz esclarecimentos
acerca do tema, a saber:
A questão da presunção de culpa e conseqüente inversão do ônus
probandi não se liga à divisão entre culpa contratual e aquiliana, mas, sim, ao fato
de a doutrina e a jurisprudência, mais recentemente, interpretarem as obrigações
contratuais como obrigações de meio e obrigações de resultado, e aí está, a chave
da mudança sobrevinda quanto ao ônus da prova. Em resumo, o que importa na
responsabilidade dos médicos é a relação entre a culpa e o dano para que possa
haver direito à reparação; mas para maior apoio ao ofendido é preciso saber-se se o
dano foi causado no inadimplemento de uma obrigação de meios ou, ao contrário,
de resultado, pois neste último caso (e somente neste, cabe acrescentar) haverá
inversão do ônus da prova e a vítima da lesão ficará em posição mais cômoda.11
9 BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais – 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0288867-5 – Julgamento 12/09/1999. Rel. Des. Geraldo Augusto. 10 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. A responsabilidade civil em cirurgia plástica. RDR. Brasília, nr. 7, Jan/Abr, 1997. 11 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 533.
15
2.4 TIPOS DE ERRO
2.4.1 Erro Profissional
O erro profissional, também conhecido como erro escusável, seria a falha
do homem normal, conseqüência inelutável da falibilidade humana. E, embora não
se possa falar de um direito ao erro, será esse escusável quando invencível à
mediana cultura médica, tendo em vista circunstâncias do caso concreto.
Para o Dr. Irany Novah Moraes, "o erro existe, é intrínseco às deficiências
da profissão e da natureza humana do paciente e ocorre no exercício da profissão,
mas a culpa não poderá ser atribuída ao médico"12.
E, finalmente, para Nélson Hungria, "não há direito ao erro; mas este será
desculpável, quando invencível à mediana cultura médica e tendo-se em vista o
caso concreto"13.
2.4.2 Erro Médico
O erro médico ocorre quando há culpa, ou seja, quando o profissional age
com negligência, imprudência ou imperícia, sendo causas de exclusão da
responsabilidade civil o "acidente imprevisível" e o "resultado incontrolável".
Segundo Veloso da França, "no acidente imprevisível há um resultado
lesivo, supostamente oriundo de caso fortuito ou força maior, à integridade física ou
psíquica do paciente durante o ato médico ou em face dele"14. No resultado
incontrolável, oriunda de uma situação grave de curso inexorável, “o resultado
danoso seria decorrente de sua própria evolução, para o qual as condições atuais da
ciência e a capacidade profissional ainda não oferecem solução"15.
2.3.3 Erro de Diagnóstico
Em linhas gerais, diagnóstico, segundo Maldonado de Carvalho, "é o
enquadramento clínico baseado na capacidade subjetiva do médico em interpretar,
12 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 237. 13 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. 6. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 123. 14 FRANÇA, Genival Veloso da. Direito Médico. 7 ed. São Paulo: BYK, 2001, p. 237 15 FRANÇA, Genival Veloso da. op. cit, p. 238.
16
de acordo com os indícios colhidos durante o exame preliminar, as condições de
saúde do paciente"16.
Já o erro de diagnóstico, segundo o mesmo autor, "é o fruto, quase
sempre, de uma investigação mal realizada, quase sempre marcada pela
insuficiência dos meios utilizados ou pela negligência do investigador"17.
Desta maneira, conforme acima explanado, só haverá responsabilidade do
médico quando ficar comprovado que o erro de diagnóstico foi grosseiro.
2.5 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO
A responsabilidade civil do médico, em regra, é subjetiva, ou seja, haverá
a necessidade da análise da culpa como pressuposto de existência do dever de
indenizar. Se for comprovado que o médico observou a prudência, diligência e
perícia no exercício de seu ofício, este será isentado da responsabilização pelo
resultado adverso que por ventura ocorreu ao paciente, conforme explica o Profº
José Maria Leoni Lopes de Oliveira:
A responsabilidade do médico, em geral, é subjetiva e sua obrigação é de
meio e não de resultado. O médico, em princípio, deve fazer todo o possível,
segundo as técnicas atuais de medicina, para curar e salvar o doente, mas ele não
tem essa obrigatoriedade. Por exemplo, em uma cirurgia neurológica, ele faz o
possível na intervenção, mas se por acaso o paciente não conseguir sobreviver ou
não obtiver o resultado ideal, ele não se responsabilizará por isso, salvo se houver
cometido erro. Essa é a regra geral da responsabilidade médica18.
Cabe, ainda, lembrar que o médico é o guardião da vida, o protetor e
responsável pela saúde física e mental das pessoas. Dele se exige correção,
dedicação e até mesmo perfeição muito maior que dos demais profissionais, pois o
seu erro poderá importar em uma vida a menos e conduzir ao sofrimento, à dor, à
angústia e à perda irreparável.
Evidentemente que se o resultado procurado for a cura de um mal, de
uma doença, não se poderá responsabilizar o médico tão somente em razão da não
obtenção desse objetivo. Tal não poderá jamais ser exigido do médico, pois a
16 CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Responsabilidade Civil Médica. 3 Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 165. 17 CARVALHO, José Carlos Maldonado de. op. cit, 167. 18 OLIVEIRA. José Maria Leoni Lopes de. Introdução ao Direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 97.
17
ciência médica é, por definição, uma ciência incompleta, que a cada dia busca e
encontra novas fronteiras, mas que se defronta com enfermidades novas e
desconhecidas na mesma ou em maior proporção.
Como observou Nestor José Foster:
Numa visão radical da questão, exigir do médico obrigação de
resultado seria o mesmo que exigir dele onipotência devida, em
que ele atuasse como senhor supremo da vida e da morte.
Como, infelizmente, os seres humanos continuam a morrer, e
isso ocorre também com os médicos, é evidente que a cura
nem sempre é possível. Logo, tal resultado não poderia ser
exigido de nenhum ser humano, nem mesmo do médico.19
Mas, em conclusão, se da ação ou omissão dolosa ou culposa, que, neste
caso, se traduz em “erro médico”, ou seja, decorrente de ato em que se poderia
exigir do médico resultado diverso, o paciente vier a sofrer dano de qualquer ordem,
seja físico, psíquico ou moral, nasce o dever de reparar, pois é ele destinatário
daquele dever de guarda e incolumidade.
Por outro lado, quando a intervenção do médico for de natureza
meramente estética, surge a controvérsia sobre se a sua responsabilidade é ou não
subjetiva, se estará o profissional vinculado ou não ao resultado pretendido pelo
paciente.
Segundo o entendimento do Prof. Sylvio Capanema, “em relação à
cirurgia plástica estética, a doutrina majoritária sustenta no Brasil que essa
obrigação é de resultado – o que não acontece na cirurgia plástica reparadora, que
também é de meio. Na cirurgia estética, como não há necessidade clínica e a
pessoa se submete para o embelezamento, a obrigação é de resultado, a despeito
da tese de que mesmo nesse caso a obrigação seja de meio”20.
Porém, mesmo na obrigação de meio, o médico pode ser responsabilizado
quando não houver utilizado os recursos adequados segundo as melhores técnicas
da medicina moderna. Já na cirurgia plástica estética, ele tem que oferecer o
19 FOSTER, Nestor José. Cirurgia plástica estética: obrigação de resultado ou obrigação de meios? São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 83. 20 CAPANEMA, Sylvio. Responsabilidade Civil do médico. Mural - Direito em movimento. Rio de Janeiro, n. 62, mar. 2009.
18
resultado ideal, caso contrário, estará inadimplente. Tal assunto é pauta de acirrada
polêmica doutrinária, entendendo a vertente majoritária que, sendo ela meramente
estética, a obrigação do médico passa a ser de resultado, o que desloca sua
responsabilidade civil para o território da teoria objetiva.
A supra mencionada posição, no entanto, é a mais radical, podendo, de
certa maneira, exacerbar a responsabilidade do médico. Deve-se, desta forma,
verificar se o médico alertou o paciente dos riscos advindos de sua intervenção, não
tendo garantido o êxito. Sendo assim, sua obrigação permaneceria como de meio,
dependendo da apreciação pelo juízo, caso a caso, diante das provas dos autos
para que fosse decidido o mérito.
Parte da doutrina defende que a relação médico-paciente deve ser
analisada sob o prisma da prestação de serviços, revestindo-se do caráter contratual
ou aquiliano, enquanto que outra parte defende o caráter extracontratual. Utilizando-
se, mais uma vez, da obra do Prof. Sérgio Cavalieri Filho, temos que:
Hoje a responsabilidade médica/ hospitalar deve ser examinada por dois
ângulos distintos. Em primeiro lugar a responsabilidade decorrente da prestação de
serviços direta e pessoalmente pelo médico como profissional liberal. Em segundo
lugar a responsabilidade médica decorrente da prestação de serviços médicos de
forma empresarial, aí incluídos: hospitais, clínicas, casas de saúde, bancos de
sangue, laboratórios médicos, etc.21
Independentemente de ser contratual ou extracontratual, conforme já
acima exposto, havendo ato ilícito, dano e nexo de causalidade, nascerá o dever de
indenizar. A diferença reside apenas na análise dos limites da responsabilidade, se a
relação derivar de um vínculo obrigacional.
Outro ponto que merece destaque é a possibilidade de aplicação direta da
Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) nas relações médico/ paciente.
O Prof. Leoni Lopes de Oliveira assevera que:
Em regra, não se aplica o CDC na relação médico-paciente. O médico é
um profissional liberal, e o artigo 14, § 4º do CDC diz que a responsabilidade dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Então, a
responsabilidade do médico é pessoal, fundada na culpa, e não se submete as
21 CAVALIERI FILHO, Sérgio. A Responsabilidade Médica Hospitalar à luz do Código de Defesa do Consumidor. Vol.2 Rio de Janeiro: COAD, 2004, p. 104.
19
regras do CDC. Entretanto, a relação entre o hospital é de consumo, com aplicação
direta da Lei nº 8.078/90 e a responsabilidade é objetiva.22
Neste diapasão, cabe frisar ensinamento do Profº Samir José Caetano
Martins, que expõe que:
A responsabilidade civil dos hospitais e clínicas, nas relações
de consumo, será objetiva. Há viva controvérsia sobre a
natureza de sua responsabilidade pelos erros dos médicos que
integram seus quadros (independente da relação jurídica, ou
seja, não importa se o médico é empregado ou prestador de
serviços), sendo crescente na doutrina (mas nem tanto na
jurisprudência) o entendimento de que a responsabilidade será
subjetiva, considerando o risco inerente da atividade médica.
Nos chamados “hospitais de corpo clínico aberto” não há que
se falar em responsabilidade civil dos mesmos pelos erros
praticados pela equipe médica levada pelo paciente. Já a
responsabilidade dos laboratórios e bancos de sangue é,
majoritariamente, considerada objetiva.23
Há que se frisar, ainda, por oportuno, a importância do prontuário médico,
peça essencial para fins de prova no caso de danos causados por atos médicos,
posto que é “não apenas o registro da anamnese do paciente, mas todo o acervo
documental padronizado, ordenado e conciso, referente ao registro dos cuidados
médicos prestados e aos documentos anexos”24. É através destes registros
prestados que se pode verificar se um determinado ato médico foi realizado de
maneira regular ou não.
A sua elaboração é a obrigação do profissional médico, e a sua guarda
cabe ao estabelecimento de saúde (Resolução CFM nº 1639/2002), que deve
permitir o acesso a ele pelo paciente, ou aos seus representantes legais, ou a
procuradores regularmente habilitados.
22 OLIVEIRA. José Maria Leoni Lopes de. op. cit. p. 99. 23 MARTINS, Samir José Caetano. Responsabilidade Civil na Área Médica. Mural – Direito em movimento, n. 62, mar - 2009. 24 CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. Manual do Médico – Informar para não punir, 2000. Rio de Janeiro. p. 258.
20
2.6 ÔNUS DA PROVA
No campo jurídico, não basta a simples alegação da existência de um ato
ilícito, abusivo, defeituoso, sem a qualidade esperada, ou sem a informação
necessária; da mesma forma que não basta somente a mera alegação da existência
de dano ou da relação de causalidade entre o dano e o ato. Haverá sempre a
discussão no que tange a necessidade de realização de produção de prova ou não,
seja pelo autor da ação, seja pelo réu.
Segundo Moacyr Amaral Santos toda pretensão tem por fundamento um
ponto de fato; fato este do qual deverá ser demonstrada a existência ou inexistência,
uma vez que “o juiz quer e precisa saber da verdade em relação aos fatos afirmados
pelos litigantes. A existência da verdade, quanto a existência ou inexistência dos
fatos, se converte na existência da prova destes”25; e arremata, mais adiante,
definindo a prova como sendo “a soma dos fatos produtores da convicção apurados
no processo”26, ou seja, do ponto de vista objetivo, temos que: são os meios
destinados a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos deduzidos no
processo.
Desta forma, todos os fatos que não forem notórios (conhecidos por
todos), impertinentes (estranhos à causa), irrelevantes (que, embora pertençam à
causa, não influenciam na sua decisão), incontroversos (confessados ou admitidos
por ambas as partes) e cobertos por presunção legal de existência ou de veracidade
ou impossíveis (embora se admita a prova dos fatos improváveis), necessitam de
produção de provas. E esses fatos seriam provados, como ensina Alexandre
Câmara, mediante provas testemunhais (incluindo depoimento pessoal),
documentais (afirmações escritas ou gravadas) e materiais (incluídas aqui as
perícias e as inspeções judiciais)27.
Segundo os ensinamentos do Profº Fredie Didier Jr. o “ônus da prova é
um encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação. [...] Em primeiro sentido, o
ônus da prova é uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos
25 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro: Saraiva, 2008, p. 132. 26 SANTOS, Moacyr Amaral. op. cit., p. 133. 27 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 343.
21
que a cada uma incumbe provar. O sistema não determina quem deve produzir a
prova, mas sim quem assume o risco caso ela não se produza.”28.
Moacyr Amaral Santos sintetiza o ônus da prova em duas regras: “1)
Compete, em regra, a cada uma das partes fornecer os elementos da prova das
alegações que fizer [...]. 2) Compete, em regra, ao autor a prova do fato constitutivo
e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo [...]”29.
O ônus da prova tem duas funções primordiais. Primeiramente, estimular
as partes a provar as alegações que fizeram e, em segundo plano, ajudar o
magistrado que ainda permanecer em estado de dúvida, a julgar em desfavor da
parte que teria o ônus de trazer aos autos a prova cabal e não a fez,
impossibilitando, assim, a comprovação de suas alegações trazidas à baila no
processo. Em síntese, tal regra resolve a controvérsia nos casos em que a produção
probatória não convence ao juiz, guiando-o a julgar em desfavor daquele a quem
incumbia o ônus da prova e que não o cumpriu satisfatoriamente.
2.5.1 Distribuição do ônus da prova
Ainda segundo o Profº Didier, “A parte que alega deve buscar os meios
necessários para convencer o juiz da veracidade do fato deduzido como base da
sua pretensão/ exceção, afinal é a maior interessada no seu reconhecimento e
acolhimento”30, salvo os casos de inversão do ônus da prova.
Assim, de acordo com o artigo 333 do Código de Processo Civil, cabe ao
Autor da ação produzir as provas quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao
Réu quanto à existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
do Autor. Segundo entendimento clássico, esta regra seria objetiva e fixa, distribuída
de forma imutável.
Entretanto, esta visão estática vem sofrendo duas críticas e perdendo
suas forças, uma vez que dificulta a adequação ao caso concreto. Sendo assim, a
doutrina contemporânea vem pugnando pela flexibilização destas regras, no sentido
de permitir ao juiz que, deparando-se com nítido desequilíbrio das condições
probatórias entre as partes, decida, motivadamente, por adequar a regra de
28 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 2 ed. Bahia: Podivm, 2008, p. 74. 29 SANTOS. Moacyr Amaral. op. cit, p. 135. 30 DIDIER JUNIOR. Fredie. op. cit, p. 76.
22
distribuição do ônus da prova ao caso concreto, determinando que o mesmo recaia
sobre a parte que dispuser das melhores condições de fazer a prova.
Em síntese, embora claro esteja que o ônus incumbe a quem alega o fato,
na área médica a questão da prova sempre foi tormentosa, principalmente diante de
duas afirmações que, ao longo do tempo, passaram a ser tidas como verdades
quase que absolutas: o leigo tem grande dificuldade de obter a prova e os médicos
sempre se ajudariam com base no espírito de classe.
É o que pretendemos demonstrar no caso da ação de responsabilidade
civil por erro médico, onde é mais fácil ao médico provar que sua conduta foi correta
do que ao paciente o contrário, já que é o possuidor de todos os conhecimentos
técnicos para tal, como veremos a seguir.
3 O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO
MÉDICO E A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA
3.1 DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA
Inicialmente, afim de melhor elucidar o tema proposto, faz-se necessário
alguns esclarecimentos acerca da Teoria da Carga Dinâmica da Prova e de sua
aplicação no direito contemporâneo, senão vejamos:
A supra-referida teoria tem sua origem no Direito Argentino, através do
jurista Jorge W. Peyrano, sendo lá definida como Teoria das Cargas Processuais
Dinâmicas. Naquele país, assim como na Espanha e no Uruguai, a mesma vem
sendo vastamente difundida e aceita, sobretudo no campo da responsabilidade
profissional.
Percebe-se, através de apurado estudo, que a Teoria Dinâmica de
Distribuição do ônus da Prova rompe com as regras rígidas e estáticas da
distribuição do “ônus probandi”, tornando-o mais flexível e adaptável ao caso
concreto, uma vez que não lhe interessa a posição da parte, se autora ou ré, nem a
espécie do fato, se constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, mas sim quem
dispõe de melhores condições de suportar o ônus da prova, sendo, então, a este
imposto tal encargo, ainda que os fatos tenham sido alegados pela parte contrária.
A Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova, resumidamente,
consiste em retirar o peso da carga da prova de quem se encontra em evidente
debilidade de suportá-lo, impondo-o sobre quem se encontra em melhores
23
condições de produzir a prova essencial ao deslinde do litígio, o que será verificado
pelo magistrado condutor da lide, caso a caso.
3.2 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA
No item acima, discorremos brevemente sobre a Teoria da Carga
Dinâmica da Prova. A seguir, então, iremos explanar acerca da aplicação da referida
teoria nos casos concretos, ou seja, quando e por que o juiz irá aplicar a citada
teoria numa relação processual.
O cerne da Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da Prova está
justamente em permitir ao juiz uma maior flexibilização da regra do ônus probatório,
de acordo com seu próprio convencimento e conforme seja a situação particular das
partes em relação à determinada prova verificada por ele mesmo no processo
submetido ao seu crivo, e não só aplicar os critérios anteriormente definidos na lei.
Com efeito, se a parte a quem o juiz impôs o ônus da prova não a produzir
ou a fizer de forma deficitária, as regras do prejuízo recairão sobre si, em razão de
não ter cumprido com o encargo determinado judicialmente.
Nas palavras de Miguel Kfouri Neto “as regras que determinam a posição
da parte litigante – ora autor ou réu – nos processos, quanto à prova, em geral são
imutáveis ao longo da demanda. No entanto, por decisão do juiz, tais posições
podem variar, e o sistema deixa de ser pétreo para se tornar dinâmico”31.
Contudo, aquela visão estática que, aprioristicamente, obriga ao autor
provar os fatos constitutivos de seu direito invocado, e, ao réu, os fatos obstativos da
pretensão contra ele articulada, sem levar em consideração as condições
probatórias de cada parte, não condiz com os preceitos da atual sistemática do
Processo Civil Brasileiro.
Desta feita, indubitavelmente, à luz da Teoria da Carga Dinâmica da
Prova, ao juiz é dada uma maior discricionariedade na avaliação da distribuição das
regras desse ônus, posto que, se ao analisar a lide o juiz identificar que, pelos
mandamentos da lei, o ônus da prova recai sobre a parte mais desprovida, de algum
modo, de condições de suportá-lo, poderá invertê-lo, parcial ou integralmente, de
modo a beneficiar a parte, técnica ou economicamente hipossuficiente, a fim de
restabelecer a igualdade das partes em litígio.
31 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 5 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 232.
24
Em nome da submissão inconteste à regra advinda do art. 333 do Código
de Processo Civil, a prestação jurisdicional, muitas vezes, não produz lídima justiça
à causa submetida à apreciação pelo Poder Judiciário, pois, pela regra geral
tradicional, o ônus da prova poderia recair sobre a parte mais fraca do processo, isto
é, sobre quem não tem condições de fazer a melhor prova capaz de lhe assegurar o
direito por ela invocado, enquanto o juiz não faria nada para amenizar essa suposta
injustiça, apenas aplicando a regra do ônus da prova se, ao final do processo, as
partes não apresentarem suas alegações devidamente provadas.
Vale destacar que a Teoria ora apresentada deve ser tratada da maneira
que é, ou seja, como uma exceção, e não ser aplicada em qualquer caso. Daí a
importância da análise do caso pelo magistrado que conduz a lide, que somente
deverá aplicar a inversão do ônus da prova pela aplicação da Teoria da Carga
Dinâmica, se a parte a quem caberia a produção da prova não tiver condições de
fazê-lo ou se lhe for muito mais difícil do que a seu ex adverso, o que configuraria
verdadeira desigualdade de condições.
Se, em contraposição, houver possibilidade de a parte a quem a Lei
incumbe o ônus de produzir a prova o fazer, assim deve permanecer a carga
probatória. Porém, se tal distribuição colocar as partes em pé de desigualdade, deve
o magistrado se utilizar do dinamismo da carga probatória, a fim de novamente as
igualar, tentando evitar a derrota da parte que, em tese, tem o melhor direito, pelo
simples fato de não possuir as melhores condições de prová-lo.
Por óbvio, toda atuação do juiz deve ser emoldurada pelos princípios
processuais da legalidade, motivação, igualdade, devido processo legal,
contraditório, ampla defesa, cooperação, adequação e efetividade.
No que tange ao artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, cujo
teor prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova, e apesar de haver, assim,
uma flexibilização da distribuição do ônus da prova, em sua essência, não há
aplicação direta da Teoria em comento, posto que o dispositivo legal citado prevê
que tal inversão só será possível quando for verossímil a alegação ou quando for o
consumidor hipossuficiente. Ocorrendo qualquer uma dessas previsões legais, o juiz
não precisa inverter o ônus da prova, pois esse ônus já está invertido por força da
lei.
Desta forma, em apertada síntese, a Teoria da Carga Dinâmica da Prova
consiste em retirar o peso da obrigatoriedade de produzir provas de quem se
25
encontra em evidente debilidade de suportá-la, impondo-o sobre quem se encontra
em melhores condições.
3.3 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA NA AÇÃO
DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO
A problemática do ônus da prova na ação de responsabilidade civil por
erro médico reside no fato de que, em regra, cabe ao paciente o ônus de provar a
culpa (imprudência, imperícia ou negligência) do médico no exercício de sua
atividade, para então nascer o dever de indenizar, conforme esclarecimentos do I.
Profº. Capanema, a saber:
A responsabilidade civil dos médicos, quando atuam como profissionais
liberais autônomos, é aferida pela teoria subjetiva, na modalidade da culpa provada,
a teor do que dispõe o artigo 14, § 4º do CDC. Isso significa dizer que incumbirá ao
paciente, quando entender ter sofrido um dano em decorrência da atuação do
médico, o pesado ônus da prova de sua culpa; ou seja, de que teria ele cometido um
erro profissional.32
Conforme acima já explanado, justifica-se tal sistema em razão de traduzir
a atuação do médico uma obrigação de meio, em que não pode ele vincular-se ao
êxito, não se garantindo a cura ou a preservação da vida.
Ocorre que não é fácil, na prática, aferir a ocorrência do erro profissional,
já que os médicos trabalham com uma matéria-prima imponderável, que é a
natureza humana.
Os juízes geralmente recorrem, então, à prova pericial para formar sua
convicção, uma vez que o magistrado não possui conhecimento técnico-ciêntífico
para emitir juízo de mérito sobre a conduta do profissional em comento.
Recorrendo, assim, a um perito médico poderá ter respondidas suas
perguntas. Mas, como explica Sérgio Cavalieri Filho, “neste campo,
lamentavelmente, ainda funciona o espirit de corps, a conspiração do silêncio, a
32 CAPANEMA, Sylvio. Responsabilidade Civil do médico. Mural - Direito em movimento. Rio de Janeiro, n. 62, mar. 2009.
26
solidariedade profissional, de sorte que o perito, por mais elevado que seja o seu
conceito, não raro, tende a isentar o colega pelo ato incriminado.”33.
Diante deste cenário deve o autor eleger um assistente técnico, com
objetivo de acompanhar o trabalho da perícia médica, o que pode diminuir a
incidência de corporativismo. No entanto, tal serviço evoca grandes despesas, o
que, perante a realidade do país, impossibilita que 90% dos interessados tenham
acesso a este tipo de recurso.
Merece destaque o fato de que há forte corrente contemporânea no
sentido de se possibilitar a inversão do ônus da prova em ações de responsabilidade
civil decorrente de erro médico, com fundamento na Teoria acima explanada, diante
da hipossuficiência técnica do paciente, o que transfere ao profissional médico o
ônus de provar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia na
execução da terapia submetida ao paciente.
Ressalte-se que essa inversão deve ocorrer antes do encerramento da
instrução, para não haver violação dos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa.
A grande dúvida é se essa inversão ocorreria também em um processo
em que fosse réu um médico profissional liberal. A matéria não está pacificada,
embora esteja ganhando força o entendimento doutrinário e jurisprudencial no
sentido de ser possível essa inversão.
Cumpre destacar, neste sentido, a opinião do Profº. Samir José Caetano
Martins, onde a possibilidade de inversão do ônus da prova não estaria restrita às
relações de consumo:
O aplicador da lei é levado a pensar que o ônus da prova será do
paciente, demandante em ação de responsabilidade civil, por força do art. 333 do
CPC, ressalvados os casos de relação de consumo em que o juiz determine a
inversão do ônus da prova, por considerar que o consumidor é hipossuficiente e que
sua alegação é verossímil, nos termos do art. 6º, VIII, CDC. Mas, na prática, deve-se
aplicar a chamada “teoria da carga dinâmica da prova”, segundo a qual, em
apertada síntese, o ônus da prova deve recair sobre a parte que tiver melhores
condições de comprovar a veracidade ou falsidade da alegação fática. Convém
33 CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit, p. 108.
27
lembrar, ainda, que o juiz pode lançar mão do seu poder instrutório para proceder,
de ofício, à coleta das provas (art. 130, CPC).34 (grifo nosso)
No que tange à prova na área médica, as situações fáticas são difíceis de
serem provadas pelo leigo. Só o médico poderá contestar ou atestar o erro
praticado, e, em havendo questões técnicas a elucidar, José de Aguiar Dias35
observa que será incivil admitir-se testemunhos de leigos, sendo a perícia o caminho
indicado; no entanto, adverte que a prova pericial deve ser vista com reserva e
prudência, pois pode o perito informar favoravelmente ao médico-réu por espírito de
classe.
Essas idéias já foram encontradas anteriormente, havendo decisões,
inclusive no exterior, que indicavam, primeiro, que o Juiz não poderia se envolver
nas discussões referentes à ciência ou técnica médica, devendo neste ponto
recorrer aos peritos e, segundo, que a prova testemunhal deveria ser descartada,
em razão das pessoas serem impressionáveis e não terem conhecimento técnico na
matéria médica.
O notável Yussef Said Cahali já alertava que “ao juiz é defeso, por não ser
de sua competência, pronunciar-se por essa ou aquela técnica, optar por esse ou
aquele método operatório”36. Isso porque todo aquele que exerce publicamente uma
arte, profissão ou ofício presume-se habilitado.
Sendo assim, se levarmos em consideração os efeitos práticos da
distribuição do ônus probatório neste tipo de ação, fácil se faz constatar que a
relação Autor-paciente/ Réu-médico, não se encontra em equivalente igualdade ao
competir-se a parte hipossuficiente todo o dever de provar o erro médico praticado,
ainda mais se tal prova não depende de qualquer ato seu ou documento em seu
poder, mas sim de uma análise de terceiro, o qual, frise-se, pertence a mesma
classe profissional do Réu, a fim de ver constatado todo o seu dano, bem como a
extensão do mesmo.
O que se possibilita com a inversão do ônus probatório, nos casos ora
destacados, não é que toda a obrigação de comprovar os fatos alegados seja
34 MARTINS, Samir José Caetano. Responsabilidade Civil na Área Médica. Mural – Direito em movimento, n. 62, mar - 2009. 35 DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade Civil: nexo de causalidade. 3 ed. Rio de Janeiro: Revista do Direito, 1996, p. 78. 36 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 121.
28
repassada ao Médico, mas sim que, no que se refere aos procedimentos e termos
técnicos, nos quais o paciente é hipossuficiente, seja o Réu-médico compelido a
demonstrar sua correta atuação segundo as melhores diretrizes da moderna
medicina, tudo, obviamente, dentro das possibilidades e condições impostas pelo
momento. Daí a importância do poder instrutório e do livre convencimento do
magistrado.
Porém, assim como nos casos abrangidos pelo CDC, no que pese a
inversão probatória, onde permanece a obrigação do consumidor de apresentar a
verossimilhança de suas alegações, na ação em tela também deverá ocorrer a
comprovação de requisitos mínimos para o convencimento do juiz, o que
possibilitaria a inversão do ônus, a fim de que coubesse ao médico comprovar seu
correto procedimento, e não ao paciente o erro do profissional, o qual, de certo,
encontraria maiores dificuldades.
5 CONCLUSÃO
A responsabilidade civil do médico está alicerçada na existência de culpa,
nas suas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia. Porém na cirurgia
plástica apresentam-se peculiaridades, diferenciações, ou seja, se a cirurgia for
reparadora constituir-se-á uma obrigação de meio, portanto, a responsabilidade
médica só ocorrerá se provada a culpa, cabendo esse ônus a quem alega.
No entanto, nas cirurgias plásticas puramente estéticas, entendem a
maioria dos nossos juristas que o fato do profissional não alcançar o resultado
prometido ou pretendido já importa em caracterização da responsabilidade civil e o
conseqüente dever de indenizar o paciente, com a inversão do ônus da prova,
incumbido ao profissional médico provar as excludentes de responsabilização.
Ocorre que durante a instrução probatória do processo caracteriza-se por
de difícil constituição a comprovação dos fatos e danos pelo paciente- Autor, pois
praticamente todas as provas dependem de perícia médica.
A intenção primaz da presente dissertação foi, então, além de apresentar
a Teoria da Carga Dinâmica da Prova, ainda pouco disseminada no ordenamento
pátrio, trazer ao cenário a discussão acerca da possibilidade de sua aplicação nas
ações de responsabilidade civil por erro médico, haja vista considerarmos que
estaríamos diante de uma hipossuficiência do paciente frente a maior facilidade do
médico em demonstrar se o procedimento aplicado seria o mais correto ou não,
29
caracterizando-se, por conseqüência, a existência ou não de um dano passível de
indenização.
O que se espera, ante todo o exposto neste artigo, é que a Teoria
Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova receba proeminente adesão dos
estudiosos do direito, mormente dos magistrados, a fim de que aquela visão estática
arbitrada pelo artigo 333 do Código de Processo Civil possa sofrer uma maior
mobilidade, levando-se em consideração as condições probatórias de cada parte, o
que deverá ser analisado, caso a caso, pelo magistrado condutor da lide.
Corrigindo grande parte desses disparates provocados pela adoção de um
regramento completamente rígido, que fere tantos princípios constitucionais,
consoante demonstrado anteriormente, desponta a moderna teoria, por meio da qual
o ônus da prova pode recair tanto para o autor como para o réu, a depender das
circunstâncias do caso e da situação processual de cada uma das partes.
Ao magistrado é permitido fazer um juízo de ponderação e, mediante
decisão devidamente motivada, respeitando todas as garantias constitucionais
asseguradas às partes, modificar a regra de distribuição do ônus da prova fazendo
incidir sobre a parte que tem o controle dos meios de prova e, por isso mesmo, se
encontra em melhores condições de produzi-la a contento, ou seja, apta a trazer aos
autos a prova capital que descortinaria a verdade dos fatos controvertidos.
É logicamente insustentável que, se há uma parte em melhores condições
de produzir a prova, deixe de fazê-lo unicamente pelo apego a formalismos
exacerbados e, por que não dizer, desarrazoados. O processo moderno não mais
coaduna com esse tipo de idéia, pois que seu escopo maior é garantir o direito a
quem realmente seja seu titular.
Cabe sempre ao julgador decidir com a máxima cautela, explorando todas
as nuances do caso, todo o conjunto probatório, buscando sempre ouvir ambas as
partes e, em caso de dúvidas, procurar realizar inspeções judiciais, para decidir da
melhor forma possível e aplicar a verdadeira justiça.
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SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil.
Vol. 2. Rio de Janeiro: Saraiva, 2008.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.
ANEXO 1
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• APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ANÚNCIO
INVERÍDICO OFENSIVO À HONRA DA AUTORA VEICULADO NO SITE DA
REQUERIDA. RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR E DO FORNECEDOR DE
SERVIÇOS. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA
PROVA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ATENÇÃO AO CRITÉRIO PUNITIVO-
PEDAGÓGICO AO OFENSOR E COMPENSATÓRIO À VÍTIMA.
INAPLICABILIDADE AO CASO PELO JUÍZO A QUO DO INSTITUTO NORTE-
AMERICANO DO PUNITIVE-DAMAGES. 1 - Incontroverso o fato de que o anúncio
registrado no site "Almas Gêmeas" pertencente à requerida, foi efetuado por terceiro
alheio ao processo. 2 - Atuando a ré como provedora de acesso à Internet e não
sendo possível a identificação do real responsável pelo conteúdo ofensivo do
anúncio, é seu o dever de indenizar pelos danos à personalidade da autora.
Aplicação da Teoria da Carga Dinâmica da Prova, ou seja, incumbe a quem tem
mais condições a prova de fato pertinente ao caso. 3 - Não só como provedora
de acesso em sentido amplo atuou a ré na relação em análise, como atuou também
como prestadora de serviços, mesmo que gratuitamente. Evidencia-se a
desmaterialização e despersonalização das relações havidas pelo uso da Internet,
não sendo mais possível identificar o objeto e muito menos os sujeitos de tais
relações. Assim, sendo a ré empresa que possui site na Internet de relacionamentos
deve, a fim de evitar a incomensurável dimensão dos danos oriundos do mau uso de
seus serviços, adotar medidas de segurança que diminuam tais riscos. 4- Valor da
Indenização que atendeu o caráter punitivo-pedagógico ao ofensor e compensatório
à vítima pelo dano sofrido. Ademais, para o arbitramento do dano moral deve-se
levar em conta as condições econômicas da vítima e do ofensor. Inaplicabilidade do
instituto norte-americano do punitive damages. Aplicação ao caso dos critérios para
aferição do quantum a indenizar em consonância com o instituto da
responsabilidade civil do direito brasileiro. Negado Provimento Aos Apelos, Com
Explicitação. (grifos nossos)37
• APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO
GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AUSÊNCIA DO CONTRATO
OBJETO DA PRETENDIDA REVISÃO. Caso em que o contrato objeto da pretensão
37 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70013361043. Apelante. Apelado. Rel. Artur Arnildo Ludwig. Rio Grande do Sul, 21/12/2006, data da publicação.
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revisional não veio aos autos, ônus que cabia à instituição financeira, pela
observância ao princípio da carga dinâmica da prova. Inteligência, ainda, do
artigo 355 do CPC. Sentença Desconstituída De Ofício. (grifos nossos)38
• APELAÇÃO CÍVEL. COMERCIAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICATAS. CAUSA DEBENDI. INEXISTÊNCIA.
ÔNUS DA PROVA. DANO MORAL IN RE IPSA. FACTORING. DIREITO DE
REGRESSO. PROTESTO. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS
PROTESTOS. SENTENÇA ULTRA PETITA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. JUROS.
TERMO INICIAL. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
DESCABIMENTO. Não se pode bloquear justa pretensão de direito material por um
simples equívoco processual, quando se sabe que o processo somente se justifica
na exata medida em que serve à efetividade e à realização dos direitos materiais
das partes e, para o Estado-Juiz, serve à realização da justiça do caso concreto,
finalidade última e superior da atividade jurisdicional. Não há óbice a que se conheça
um pedido de liminar como antecipação de tutela ou como medida cautelar, pois o
que define a natureza jurídica da postulação é a essência da pretensão deduzida em
juízo e não o eventual nomem juris que a parte circunstancialmente tenha atribuído
em sua petição. Não há a tipicidade de ações no Direito brasileiro. Preliminar de
extinção da ação cautelar rejeitada. A duplicata mercantil, como título causal que é,
representativa de operação comercial entre sacador e sacado, vincula-se ao negócio
jurídico subjacente, podendo ser elidida a presunção de liquidez e certeza inerente
aos títulos de crédito mediante a demonstração, por parte do sacado, de que a
relação negocial, seja a prestação de serviço, seja a entrega de mercadoria, não se
efetivou. Tendo a sacada negado a existência da relação jurídica que teria dado
ensejo à emissão das duplicatas protestadas, cabia à apresentante dos títulos a
protesto a prova em contrário. Não se poderia exigir da sacada a prova da
inexistência da relação jurídica, pois trata-se de prova negativa, conhecida também
como prova impossível ou prova diabólica. Caso de aplicação do princípio da
carga dinâmica da prova, o qual informa que o ônus da prova cabe à parte que
melhores condições tem de produzi-la. A existência de outros protestos em nome
da autora é situação que deve ser considerada quando da fixação do quantum
38 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70017420225. Apelante. Apelado. Rel. Isabel de Borba Lucas. Rio Grande do Sul, 07/12/2006, data da publicação.
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indenizatório, não afastando a obrigação de a ré responder pelos prejuízos
causados à autora. O endosso do título transmitido às empresas de factoring não é
considerado como endosso cambiário, o qual exige o protesto do título endossado
para fins de preservação do direito de regresso. A empresa de factoring cobra
deságio das duplicatas que negocia com a faturizada, ocasião em que assume o
risco pelo não-pagamento do título pela sacada. Em se tratando de protesto
indevido, não é necessária a prova do dano moral, pois trata-se de dano in re ipsa.
O cadastramento da autora em órgão de restrição creditícia ocorrido posteriormente
à propositura da ação pode e deve ser levado em consideração pelo juízo quando
da prolação da sentença. Exegese do art. 462 do CPC. Por óbvio que não poderia a
demandante fazer referência na peça inicial da ação ao cadastramento efetuado
após o ajuizamento da ação. Sentença ultra petita que não se caracteriza. Os juros
nas ações indenizatórias por dano moral devem incidir desde o evento danoso
(Súmula 54, STJ) e não a partir da citação. Termo inicial de incidência dos juros que
não se altera em face do princípio da impossibilidade de reformatio in pejus. APELO
DESPROVIDO. (grifos nossos)39
• RECURSO DE AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO INDENIZATÓRIA. DENTISTA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA EM DESFAVOR DO PROFISSIONAL LIBERAL.
POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. A experiência comum
demonstra que a prova da negligência e imperícia médica constitui, na prática,
verdadeiro tormento paras as vítimas dos profissionais despreparados. Na
maior parte dos casos, os pedidos de indenização acabam sendo denegados
em razão da ausência da prova de culpa do profissional. No entanto, sendo o
médico prestador de serviço, sua responsabilidade, embora subjetiva via de regra,
também está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, que permite
ao juiz inverte o ônus probatório em favor do consumidor (art. 6 º, VIII). 2. Saliente-
se que a hipossuficiência do consumidor não é apenas econômica, mas
precipuamente técnica. Ora, o profissional médico encontra-se, evidentemente,
em melhores condições de trazer aos autos os elementos probantes
39 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70006513477. Apelante. Apelado. Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano. Rio Grande do Sul, 15/12/2004, data da publicação.
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necessários à análise de sua responsabilidade. 3. Desprovimento do recurso.
(grifos nossos)40
• RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA. CULPA. PROVA.
1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar
implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto
probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus.
2. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente.
3. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo juiz.
Regularidade.
4. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente
submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula.
5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada.
Recurso Especial não conhecido. (grifos nossos)41
• Entende-se que a obrigação contratual assumida pelo médico não é
de resultado, mas de meios ou de prudência e diligência, como correntemente é
referido. Nas constitui objeto do contrato a cura do doente, mas a prestação de
cuidados conscienciosos e atentos. Caracterizada assim a natureza da obrigação
resultante desse contrato, que obviamente não tem a necessidade de ser firmado,
mas cujo vínculo se forma quando, chamado, o médico aceita a incumbência de
tratar o doente, assume em conseqüência, a obrigação de dar a este o tratamento
adequado, isto é, conforme os dados atuais da ciência. A atenção ao chamado,
seguida da visita e do tratamento iniciado, estabelecem o contrato entre o médico e
o cliente.42
• A responsabilidade do cirurgião plástico é subjetiva, mas, em se
tratando de obrigação de resultado e não de meio em que fica invertido o ônus da
prova, prevalece a presunção da culpa pelos médicos pelo insucesso ou pela
imperícia da cirurgia de melhoramento executada na autora, sem que houvesse
prova idônea que ilidisse tal culpa. Resultado nefasto da cirurgia plástica e prova
pericial não favorável aos réus. Reparação de danos material e moral. Aplicação, 40 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo Interno nº 2009.002.25471. Rel. . Rio de Janeiro, data, data da publicação. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1995/0033341-4. Apelante. Apelado., data da publicação. 41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 9309/SC; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, 18/06/1996. 42 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação nº 70006513579. Rel. Rio Grande do Sul, 12/05/2007.