1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM ESTUDOS DE CULTURA
CONTEMPORÂNEA (ECCO)
A FESTA DO PESCADOR EM BONSUCESSO: A PRODUÇÃO SOCIAL DA
FESTA
LUCAS DE ALBUQUERQUE OLIVEIRA
CUIABÁ-MT
2012/1
2
LUCAS DE ALBUQUERQUE OLIVEIRA
A FESTA DO PESCADOR EM BONSUCESSO: A PRODUÇÃO SOCIAL DA
FESTA.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação do Instituto de
Linguagens, Mestrado em Estudos de
Cultura Contemporânea (ECCO), da
Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT), para a obtenção do título de
Mestre em Estudos de Cultura
Contemporânea.
Área de Concentração: Poéticas
Contemporâneas
Orientadora: Professora Doutora Patrícia Silva Osório
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Instituto de Linguagens
CUIABÁ-MT
2012/1
3
O48f Oliveira, Lucas de Albuquerque.
A FESTA DO PESCADOR EM BONSUCESSO : A PRODUÇÃO
SOCIAL DA FESTA / Lucas de Albuquerque Oliveira. -- 2012
88 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Patrícia Silva Osório.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso
Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2012.
Inclui bibliografia.
1. festa. 2. dinâmicas identitárias. 3. associação. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
4
5
Resumo:
Nesta dissertação será apresentado o processo criativo que transforma "Festa de
São Pedro", realizada nas margens do rio Cuiabá, no Mato Grosso, na "Festa do
Pescador". A intenção é a de considerar dinâmicas identitárias, a partir de uma pesquisa
de campo sobre o processo de execução da festa. A realização da Festa do Pescador
coloca-se como uma tentativa dos organizadores de torná-lo um grande evento, não só
para consolidar a identidade local e regional, mas também para desenvolver a venda
maciça de bens turísticos produzidos na comunidade.
Palavras chave: festa, dinâmicas identitárias e associação.
6
Abstract:
In this dissertation it will be presented the creative process that transforms "Festa
de São Pedro" (Saint Peter's Festivity), performed on the banks of Cuiabá river in Mato
Grosso, in "Festa do Pescador" (The Fisherman's Festivity). Our intention is to consider
identitary dynamics, starting from the point of view of the ethnography about the
process of the execution of the Festivity. The realization of Festa do Pescador is an
attempt of the organizers to make it a big event, not only to consolidate the local and
regional identity but also to develop massive tourist expenditure on goods made in the
community.
Keywords: festivity, identitary dynamics and association.
7
Lista de Figuras:
Figura 01: Via de acesso a Bonsucesso 22
Figura 02: A rua enfeitada 24
Figura 03: Engenho de rapadura do seu Neco 24
Figura 04: Bonsucesso com a rua enfeitada para a festa do Pescador 26
Figura 05: As peixarias de Bonsucesso 28
Figura 06: A rua no dia da missa do dia 29 de junho 34
Figura 07: O levantamento do mastro da Festa de São Pedro 34
Figura 08: Procissão terrestre 36
Figura 09: Descendo o barranco para adentrar o rio Cuiabá 36
Figura 10: A procissão de São Pedro no Rio Cuiabá 38
Figura 11: A multidão recepcionando os festeiros 38
Figura 12: Moradores e visitantes agradecendo aos festeiros 39
Figura 13: A missa campal 39
Figura 14: O banquete, a peixada cuiabana 40
Figura 15: A multidão que vem para assistir os shows 41
Figura 16: Construção do barracão da cozinha 51
Figura 17: Construção dos barracões 51
Figura 18: Igreja da comunidade 52
Figura 19: O trabalho em grupo 52
Figura 21: Em foco o trabalho coletivo 57
Figura 22: Hora do banquete 58
8
Sumário:
Resumo 4
Abstract 5
Lista de Figuras 7
Sumário 8
Introdução 9
O ribeirinho de Bonsucesso 12
Metodologia 16
A escrita compartilhada 19
A dissertação 20
Capítulo I: A Festa do Pescador em Bonsucesso 22
Bonsucesso e o peixe 26
As festas em Bonsucesso e a Festa do Pescador 30
Capítulo II: Os vários momentos da festa e sua dinâmica de troca 42
Capitulo III: Festa e dinâmicas identitárias 63
A Festa em suas várias dimensões: identidades para dentro e para fora 65
Capitulo IV: A Associação e a Festa 71
A Associação de Pescadores: o profissionalismo da Festa 71
A representação social e a teatralização da identidade 74
Considerações finais: 82
Referências Bibliográficas 84
9
Introdução:
Bonsucesso foi um de muitos povoados que surgiu às margens do rio Cuiabá na
época da exploração do açúcar e da mineração no século XIX. Atualmente Bonsucesso
possui 2.211 habitantes (IBGE, 2000) e completa pelo menos 100 anos de ocupação,
pois não há uma data certa de sua fundação. Em seu contexto municipal foi a primeira
“comunidade” a ser elevada a distrito do município de Várzea Grande, com a Lei
Estadual de nº. 126, de 23-09-1948. O distrito de Bom Sucesso1 englobaria ainda as
vilas de Souza Lima, Pai André e Praia Grande, tratadas pelo IBGE como lugarejos.
Segundo contam os moradores mais antigos2, estes povoados compunham uma
área de sesmaria, lugar onde os recursos naturais, bem como a terra eram utilizados e
divididos segundo normativas locais de parentesco e compadrio. Alguns estudos
apontam que estas normativas fizeram com que algumas destas sesmarias que existiam
ao longo do rio Cuiabá se desdobrassem em localidades popularmente conhecidas na
região como “comunidades ribeirinhas”. Portanto, a formação social e econômica dessas
“comunidades” deu-se fundamentalmente pelo trabalho e permanência nas terras de
beira-rio (DIEGUES, 1996). Tal vivência serve como mote utilizado pelos moradores
para se inserirem na cidade e no contexto regional, atuando junto à mídia e as redes
sociais e sites de venda coletiva.
Os moradores mais antigos desta localidade a denominam de vila. Esta “vila”
desenvolveu no passado ligações sociais e históricas com o abastecimento de Cuiabá,
através da produção agrícola e com a pesca no rio Cuiabá, os ribeirinhos constituíram,
assim, um modo de vida particular.
Bonsucesso é formado por uma rua principal, que segue paralelamente o curso
do rio, distante deste apenas pelas casas dos moradores, seus quintais, mangueirais,
canaviais e portos de canoas. No meio dela nos deparamos com a Igreja da localidade, e
em frente o centro comunitário, sendo a igreja católica da localidade o palco das
1 O nome da localidade é popularmente escrito com n, e sem separação, Bonsucesso. Esta nomenclatura
aparece principalmente nas camisetas de festas que a comunidade realiza, e na camiseta do time de
futebol. Na criação do Distrito de Bom Sucesso o Estado reescreve o nome da comunidade,
transformando a grafia em um nome composto, ou seja, com a grafia diferenciada. No meu estudo me
atenho à grafia popular, a qual é utilizada ao longo do texto.
2 Situação que é contada por uma das mais antigas famílias que compõem a localidade, e, que foi
registrada em 1987 por Ubaldo Monteiro, falecido político do município, e que teve como intuito escrever
na época um compêndio das estórias das primeiras povoações de Várzea Grande.
10
principais festas e manifestações religiosas, como as novenas, as missas de domingo e
as reuniões do grupo de jovens. Dentre as manifestações de Bonsucesso, a festa de São
Pedro, também chamada de Festa do Pescador, fez-se objeto de estudo neste trabalho.
As festas são momentos importantes para Bonsucesso, e essa característica se
estende por outros bairros da região ribeirinha e pantaneira do Pantanal Norte-
matogrossense. E foi ao longo de alguns anos morando em Cuiabá que enveredei por
este universo em particular. Vivenciei e até trabalhei em manifestações da cultura
popular. Ao entrar em contato com estas manifestações populares considerei que a festa
de São Pedro de Bonsucesso3 seria um possível objeto pela forma como ela mobiliza a
localidade trazendo à tona símbolos como o peixe, o pescador e o rio, fortes referências
para se pensar como é trabalhado este mote identitário no contexto local e regional. A
associação de São Pedro com o sentido de ser pescador do rio Cuiabá me instigou
muito. Esta pesquisa visa a partir de uma pesquisa etnográfica junto aos moradores de
Bonsucesso, refletir sobre como são utilizadas algumas categorias e símbolos que estão
por detrás da Festa de do Pescador.
Visando perceber quais movimentos se intercalam no que tange à produção,
difusão e propagação cultural diante das práticas exercidas nas festas populares na
Baixada Cuiabana, foi meu objetivo acompanhar e analisar as estratégias, atitudes e
discursos que essa população empreende para por em voga a “Festa do Pescador”,
buscando uma re-significação da festa religiosa enquanto possibilidade de gerar renda,
trabalho, diversão e fé.
Pretendemos trabalhar aqui também com os discursos múltiplos sobre a festa,
apresentamos as narrativas sobre a fundação da festa, sobre o associativismo como
forma de se fazer representar perante o poder público, a ênfase no turismo local, e como
se manifestam neste processo as construções e exibições de “identidades”. Enfim, como
a “Festa de Santo” se coloca como um sistema ritual de ação social dentro de uma
dinâmica própria da região. Nesse sentido pode-se ressaltar o que Mariza Peirano
(2003) fala a respeito dos rituais, destacando-os por suas características de forma e
repetição; questões que se tornam frutíferas para a investigação. O ritual seria um
“fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revela expressões e valores de uma
3 Esta festa, também é conhecida como “Festa do Pescador”, termo que trouxe à tona a necessidade de
verificar as “denominações da festa”, algo que será apreciado mais adiante neste trabalho. Neste sentido
estarei me referindo à Festa do Pescador como enfoque da discussão pela forma em que ela é produzida
pelos grupos familiares de Bonsucesso.
11
sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a determinado
grupo.” (PEIRANO, op. cit., p. 10). A autora Mariza Peirano baseia o seu conceito de
ritual em outro antropólogo, Stanley Tambiah, para quem um ritual é um “sistema de
comunicação simbólica”, ou seja, uma convenção que repetidas vezes expõe as mesmas
palavras e atos. Ainda para Tambiah é a “performance” que faz dos rituais um objeto
interessante. Os autores se referem a três traços performativos do ritual: a sua
“convencionalidade”, a multiplicidade dos meios de comunicação que são
experimentados na “performance”, e, os valores e sentidos que são criados durante a
“performance” (ibidem). Neste sentido, a Festa aqui abordada enquanto ritual se
constitui através de um valor identitário que ela promove e pelas conexões de dentro
para fora (e vice-versa) da localidade; assuntos que serão abordados posteriormente.
Bonsucesso apresenta hoje uma composição heterogênea em sua paisagem.
Encontram-se lá, além das moradias da população remanescente de sesmaria,
edificações de veraneio, indústrias, comércios. Os moradores costumam dizer que a
cidade já chegou a Bonsucesso, e isso aconteceu a partir do momento em que o acesso
ao centro de Várzea Grande se tornou mais fácil. Antes para ir à cidade “só a pé ou a
cavalo”. Com a precariedade em que se apresentam as modalidades de trabalho
“tradicionais” do ribeirinho, tais como a pesca, a agricultura de várzea e a pequena
produção doméstica que compunham o uso e formação do espaço, faz-se necessário
indagar: como as pessoas se mobilizam para viver neste local, quais perspectivas são
mantidas em relação à terra de beira-rio e principalmente a sua forma de ação social e
cultural.
Portanto, nesta pesquisa tratei de questões relativas à modernidade e à tradição
em torno do mundo associativo e das festas, noções relevantes no cotidiano da
localidade. Como contribuição deste trabalho são lançados alguns apontamentos de
como Bonsucesso se apresenta na contemporaneidade, quais articulações são traçadas e
quais os discursos proferidos no entorno da festa.
Fugindo um pouco da Sociologia do Trabalho, temática que trabalhei em minha
monografia de Graduação em Ciências Sociais (UFMT) intitulada, “Caminhos e
descaminhos do trabalho nos engenhos de rapadura da comunidade ribeirinha de
Bonsucesso – Várzea Grande/MT” (OLIVEIRA, 2008), nesta pesquisa enveredo pelo
mundo das festas populares, mantendo a temática de permanência e mudança que se
apresenta nelas e intensamente no universo social dos pesquisados. É, portanto, objetivo
12
central deste trabalho tencionar uma noção de “pureza da tradição”4 e “da identidade
ribeirinha”, usando como exemplo a manifestação chamada de “Festa do Pescador” uma
nova versão da festa de São Pedro do bairro de Bonsucesso empreendida como modo de
ação social ritualiza. Em certo sentido, tento defrontar-me com a reconfiguração das
poéticas5 tradicionais mediante a uma série de processos sociais, como o turismo, o
associativismo, processos identitários, a copa do mundo, a reconfiguração econômica e
social da localidade, entre outros. Interessa-me saber como a produção atual das
manifestações populares da Baixada Cuiabana se compõem com a incorporação de
novas práticas.
O ribeirinho de Bonsucesso:
Os moradores de Bonsucesso são conhecidos popularmente como ribeirinhos, e
que acionam elementos identitários que os remetem à história da Baixada Cuiabana. De
pele morena são as pessoas que guardam práticas e saberes dos primeiros moradores das
margens do rio Cuiabá. O termo “ribeirinho” é uma conotação um tanto genérica a ser
aplicada aos moradores de Bonsucesso. Este termo é também banalizado na literatura
regional sobre o tema. Portanto, antes de refletirmos sobre como tal categoria é
acionada nos processos de construção de identidades, é importante pensar esta categoria
e o que ela implica nesta investigação.
Inicialmente ribeirinho é aquele morador da ribeira, da margem do rio, o qual a
autora Martina Neuburger (1994) atrelou às práticas de subsistência e de inter-relação
com o ambiente natural do rio. Ao apontar isso, a autora conecta o ribeirinho à pesca e
ao rio, sem se preocupar com a ocupação de outros espaços naturais que constituem o
4 A noção de “tradição” é alvo de diversas discussões dentro das Ciências Humanas e Sociais, tendo sido
potencializada neste trabalho pela forma em que a manifestação toma seu sentido atual na tentativa de
resolução da dicotomia tradição-modernidade; e, na medida em que os próprios atores se utilizam da
categoria “tradição” como símbolo de sua identidade, reunindo forças para atuar social e politicamente
como grupo e de certa maneira acabam por (re)inventar a sua tradição na contemporaneidade.
5 A festa como poética é vista no sentido em que Luigi Pareyson o estende de Aristóteles, agora, uma
poética significa criação, uma série de procedimentos que geram o que Pareyson chama de
“formatividade”. Neste sentido a poética opera como um sistema, “um determinado gosto convertido em
programa de arte” (1997, p. 17). A poética diz respeito à singularidade e originalidade das obras
conseguidas, pois cada uma em si possui um complexo de informações e técnicas, as marcas do autor e
uma repercussão inimaginável. A formatividade é a junção do fazer executivo ao caráter inventivo que é
intensificado na atividade. Para o executor, o fazer de uma obra inclui fazer-se a si próprio e à obra,
inventar, figurar, descobrir é ao mesmo tempo executar e realizar.
13
meio ambiente da região e outras atividades que esses moradores desenvolvem. Assim
como Neuburger, outros pesquisadores (JANUÁRIO, 2006; GUTBERLET, 1994; COY
& LUCKER, 1996) acabam por relacionar o termo “ribeirinho” a uma forma de vida
ligada à autonomia e ao isolamento espacial, por onde o rio seria a porta de entrada do
mundo dos ribeirinhos.
A autora Ana Carolina da Silva Borges (2010) chama atenção em sua obra “Nas
Margens da História” à pluralidade de atividades que os moradores da região do
Pantanal Norte mato-grossense6, os “ribeirinhos”, exerciam entre os anos de 1870 e
1930 e de como naquele momento histórico se atribuiu uma identidade a essas pessoas
através do seu modo de vida. Segundo a autora atrelar aos “ribeirinhos” a atividade da
pesca é uma tendência recorrente de muitos autores, e, que não diferencia a pluralidade
de moradores e de atividades exercidas pelos mesmos de acordo com seu espaço e
tempo. A autora discorda da idéia de que os ribeirinhos foram um dia isolados. Ao
longo da sua historiografia ela demonstra como as práticas dos mesmos estavam
relacionadas ao sistema econômico mais amplo do estado de Mato Grosso. Há muito
tempo que o auto-consumo e o trabalho agrícola convivem com outras atividades
comerciais e de funcionalismo público.
A idéia de ribeirinho enquanto pescador é criticada pelas autoras Carolina Joana
da Silva e Joana A. Fernandes Silva (1994) ao afirmarem que a especialização na
atividade pesqueira pelos moradores da região norte do Pantanal se refere às
transformações no espaço e hábitos destas pessoas e de certa forma, tais transformações
são recentes. A perda de terras, de empregos e a quebra das relações sociais de
compadrio ligadas às antigas terras de sesmaria fizeram com que as pessoas se
voltassem para a pesca como atividade profissional.
Borges (2010) trata de desenvolver a idéia de identidade ribeirinha através da
análise de documentos do século XIX, onde é mencionado o termo “ribeirinho” para
denominar uma parcela da população local. Ela chega à conclusão que eram atribuídos a
esta população uma idéia de primitivismo, opondo-se aos postulados de sociedade
moderna e “civilizada” que se ansiava para a capital Cuiabá. De certo modo o tom
pejorativo e nada inocente tomados por viajantes e autoridades locais partiam de um
viés interessado em uma mudança estrutural que se contrapunha ao ambiente, valores e
6 Região que se estende da planície pantaneira até a capital Cuiabá e a cidade de Várzea Grande
(COUTRO & OLIVEIRA, 2010).
14
atitudes dos ribeirinhos. A sustentabilidade familiar gerada pela utilização de recursos
naturais disponíveis, próximos ao ambiente de moradia, era vista com maus olhos
porque não se enquadrava na visão utilitarista e capitalista empregada pelos viajantes e
administradores. Borges demonstra isso quando cita as proibições legais do município
quanto à manutenção de terrenos alagados e tanques nos terrenos dos alagadiços. Situar
esta parcela como ribeirinho significava rotulá-los e vê-los à margem do processo de
circulação de bens materiais e do processo econômico tomado na região, ou seja, à
margem do progresso. Mesmo assim a autora comprova que esta população não se
encontrava isolada das relações econômicas e sociais tecidas em Mato Grosso. Muito
pelo contrário eles apresentavam-se como minifundiários e agricultores que
ressignificavam seus conceitos ao se adaptarem aos diferentes processos exploratórios e
produtivos. Aos poucos, em sua obra, a autora busca notar como se dava a relativa
autonomia deste grupo frente às estruturas sociais e econômicas mais amplas,
percebendo, então, atividades que geraram transformações de dentro para fora do grupo
(BORGES, 2010, p. 46). Como aconteceu com o comércio de peles da região. Em certo
período este se tornou uma atividade lucrativa, sendo realizada por peões, indígenas,
agricultores, atendendo a uma demanda do mercado externo, assim a caça predatória
começou a ser largamente praticada. Os ribeirinhos ajudavam a compor um ambiente
heterogêneo e complexo, que abarcava uma variedade de atividades agrárias,
participando do trabalho em usinas, engenhos, fazendas, sítios e vendendo subprodutos
de suas próprias plantações. Pensando como a autora Borges, tratamos o termo
ribeirinho em referência a esta parcela da população que se mantém como referencial
cultural da região. Mesmo assim vamos nos ater a como o termo é empregado pelos
moradores dessa localidade como “mote identitário”7.
Esta população acabou por formar pequenas localidades em toda a região do
Vale do Rio Cuiabá e Pantanal Norte mato-grossense. O Bonsucesso é uma dessas áreas
ribeirinhas e que está intimamente ligada ao que vamos chamar de “imaginário do
abastecimento da Capital”. O primeiro relato desta população em situação camponesa
foi feito por Barbosa de Sá, cronista do século XVIII. Ele conta que já no ano de 1724
se realizaram as primeiras iniciativas de plantio de roças na região da baixada cuiabana,
por parte de uma população que vivia nas margens do rio, da caça e da agricultura; e
que veio a abastecer inicialmente aos garimpos e se constituiu como fornecedora do
7 Esta questão será retomada no Capítulo II.
15
mercado local de víveres (SÁ, 1975). O bairro é, então, fruto de uma territorialização
através do trabalho com a terra, utilização dos recursos naturais e com a pesca.
Pesquisas atuais indicam a necessidade de se estudar a construção da territorialidade dos
espaços ditos como “tradicionais” ou “comunais” (LITTLE, 2002) com a finalidade de
encontrar semelhanças importantes na diversidade fundiária do país. Portanto, me ative
ao fato de que a adequação à vida na beira rio denomina nestas pessoas um modo de
pensar baseado no seu território, a margem do rio, considerando-a como símbolo de
fonte de vida.
A prática agrícola permaneceu durante longo tempo e conseguiu manter as
pessoas ligadas a seus territórios. Isso pode ser constatado pelos Anais da Associação
dos Geógrafos Brasileiros, publicados nos anos de 1952 e 1953, onde aparecem
referências a Bonsucesso como um local produtor de víveres. Nos Anais, Azevedo
(1957) e Petrone (1957) trabalham a idéia de que a área rural no entorno do aglomerado
urbano de Cuiabá e Várzea Grande formava um cinturão verde ao longo do rio Cuiabá,
que abastecia o mercado local de víveres, principalmente através do “Mercado do
Porto”:
É principalmente através desse rio que os núcleos, “bairros” e
propriedades de beira-rio comunicam-se com a capital, sendo ele o
meio mais utilizado para o escoamento de grande parte da produção
rural que abastece a cidade. (PETRONE, 1957, p. 124).
Estes autores descrevem o escoamento da produção como comércio ribeirinho,
que abastecia Cuiabá com produtos agrícolas, o pescado e produtos artesanais;
comercializados nas feiras populares e embarcações que trafegavam no rio Cuiabá. O
geógrafo Azevedo (1957, p.64) afirma que em relação ao abastecimento de Cuiabá, as
comunidades ribeirinhas eram as principais fontes de fornecimento de hortaliças,
frangos, peixes, rapadura, etc. O autor descreve o universo de sociabilidade e de troca
que ocorria no antigo “Mercado do Porto” na década de 1950:
Ao visitante que atinge a área do porto alta madrugada impressiona,
além da chegada do pescado, a abundância e variedade de hortaliças,
trazidas também como o peixe, em embarcações do mesmo tipo.
Tomates avantajados, couve, rabanete, feijão-fava, pimentão, quiabo,
cebolinha, etc., enchem as canoas e são vendidos à luz de lamparinas
direta e livremente aos carrinheiros, ali chegam a aglomerar uma frota
de cerca de 50 carrinhos.
16
Porém, com a concorrência dos produtos agrícolas vindos do Sudeste, sobretudo
de São Paulo, e com abertura das estradas de rodagem que atravessam o Brasil, a
produção de gêneros agrícolas nas margens do rio Cuiabá entrou em declínio,
desarticulando o comércio ribeirinho. Além disso, as modificações na forma jurídica da
propriedade das terras também solaparam as antigas atividades agrícolas das terras de
sesmaria da beira do rio Cuiabá, rio Paraguai, Chapada dos Guimarães e do Pantanal.
“A grande disponibilidade de terras em Mato Grosso antes da década de 1960 é seguida
por um processo de expulsão dos moradores de beira-rio ou à limitação ao acesso de
terras agricultáveis” (SILVA & SILVA, 1995, p.7).
Assim Bonsucesso foi se transformando e os moradores acabaram
desenvolvendo outras atividades na localidade além das agrícolas. Um pequeno número
de pessoas atua hoje como servidores públicos, mas a maioria está trabalhando para a
iniciativa privada como trabalhadores assalariados. Em termos de identidade, Bauman
(2005) afirma que em contraponto à frouxidão e plasticidade dos laços sociais na
contemporaneidade existe um reforço à sociabilidade comunitária e familiar como
forma de proteção ao “mal-estar da humanidade” em nossas vivências. Se por um lado
está presente na festa um poder de congregação das famílias do bairro, de afirmação de
sua religiosidade e identidade, por outro lado, algumas transformações chamam atenção.
Para Canclini (2003) transformações na cultura popular se devem a algumas causas:
pela necessidade do mercado de incluir as estruturas e bens simbólicos tradicionais nos
circuitos massivos de comunicação, pelo interesse dos sistemas políticos em levar em
conta o folclore para fortalecer sua hegemonia e pela própria continuidade da produção
cultural destes setores populares através de adaptações, negociações e hibridismos.
Metodologia:
Para alcançar os objetivos pretendidos por este autor lançou-se mão de um
trabalho de campo que se estendeu de Novembro de 2010 à Julho de 2011. Através de
visitas periódicas tratou-se da Festa do Pescador e dos processos de socialização8 que se
8 O modo como Georg Simmel concebe a relação indivíduo-sociedade proporcionou a concepção de
processos de socialização, onde qualquer forma de interação é vista como uma forma de socialização.
Nesse sentido o ser humano pode ser visto como um complexo de possibilidades, conteúdos e
potencialidades com base na sua experiência de mundo (SIMMEL, 1977). Ao socializar-se o ser humano
se modela e remodela as práticas culturais. Neste caso, a coleta de dados somente foi possível pela forma
17
passam em torno da festa, com diversas pessoas: moradores comuns e outros
emblemáticos, lideranças e pessoas de fora da comunidade com forte interação com a
localidade, como agentes culturais, funcionários públicos, professores, entre outros. Os
percursos que foram traçados em campo foram previamente planejados, embora como
em toda pesquisa alguns imprevistos nos movem a caminhos impensados. Estes
caminhos foram cruciais para desenrolar a pesquisa; a partir do momento em que foram
eles que constituíram a situação do percurso do trabalho de campo em Bonsucesso.9
A autora Alba Zaluar (2004) nos faz pensar sobre as características centrais que
compõem o trabalho de campo, dentre elas as autoras elencam a observação-
participante. A observação proporciona perceber as superfícies sociais, as relações
sociais e regras, a atualização das normas; e a participação capta as atitudes mentais, os
sentimentos dos sujeitos. Estes desdobramentos de “observação” e “participação” só
fazem sentido enquanto unidade metodológica10
. No caso de Bonsucesso deve-se levar
em consideração que o desenvolvimento do trabalho dependeu não somente de
observação, mas também da participação, num conjunto que pode me levar a perceber
as práticas e representações dos festeiros.
Quando comecei o contato com a gestão organizadora da festa no final de 2010,
logo expirou o seu prazo de atuação, e tive que esperar de Dezembro de 2010 até Março
de 2011 para as atividades dos festeiros retornarem a serem ativadas. Nesse entretempo
tive que me socializar com os “novos” e “velhos” atuantes da festa, visto que a festa
estava em fase de transição. Naquele momento obtive relatos da festa e surgiram várias
concepções que foram investigadas durante a pesquisa. Interessei-me em conhecer o
mito de fundação, quais os papéis na realização da festa, as opiniões sobre a festa. As
questões que eu tinha sobre a preparação da festa, propriamente dita, não apareciam.
Enfim cheguei ao grupo familiar que realizaria a festa naquele ano. Eram filhos
da proprietária de uma bem sucedida peixaria de Bonsucesso, e, que juntos com seus
colaborativa da pesquisa, minhas experiências com o grupo estudado se deram na medida em que fui
“engolido” pela festa.
9 Para o autor Hélio Silva o conceito de situação, ou, o situar-se do pesquisador deve ser pensado na
relação entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa, bem como aos trajetos que ele deve percorrer em
campo. Assim: “A situação é, ao mesmo tempo, a circunstância na qual a condição, o ensejo e a
oportunidade que o etnógrafo deve tornar favoráveis à obtenção dos dados e informações pertinentes ao
seu projeto de pesquisa. Portanto, situação é circunstância e localização.” (SILVA, 2009, p.172) 10
A questão da observação participante não é introduzida por Alba Zaluar, mas a importância da
observação associada à observação participante foi destacada por Bronislaw Malinowski em Argonautas
do Pacífico Ocidental, obra publicada em 1922.
18
parentes e amigos do bairro formaram a diretoria da Associação de Pescadores de
Bonsucesso e Pai André do ano de 2011. Foram eles que me cederam entrada no
universo da pesquisa, e que, me abriram as portas para a colaboração com a realização
da festa. Foi com o presidente da Associação de Pescadores de Bonsucesso e Pai André
e sua família que trabalham em uma peixaria, que consegui acesso ao universo da festa.
A conquista da parceira demorou a acontecer. Até este momento o que eu tinha eram
somente impressões, categorias, símbolos da e sobre a festa. Portanto, tive que recorrer
à minha imagem de professor da Várzea Grande. Esta acabou sendo a maneira em que
eu fui aceito, e, que para mim acabou sendo a maneira mais confortável. A figura de
pesquisador era sobreposta de uma imagem, de alguém que naquele ano antes de
qualquer coisa estava “participando” da festa11
. Esta ação foi definitiva para a coleta de
dados.
Ocasionalmente algumas pessoas nos apontaram direções que foram seguidas ao
longo da pesquisa. Outras vezes dei voltas e voltas no mesmo lugar. Principalmente ao
tentar entrar no grupo de trabalho da Associação por via de uma pesquisa objetiva. Foi
somente no momento em que minha participação se tornou colaborativa12
, adentrando o
universo da festa, que obtive bons dados. O incentivo dos organizadores em vir
participar das reuniões da Associação e sempre ligar (estar em contato) foi o que me
manteve num fluxo com a festa, e que culminou no auge quando fui chamado para
acompanhá-los na ida aos órgãos públicos visando à reivindicação por recursos a serem
utilizados na festa, trabalhar no preparo do peixe, da comida, e outras atividades de
organização das atrações no dia da festa.
Um detalhe que me tocou para esta reflexão foi que ao receber a camisa de
organizador, veio com ela uma série de tarefas, impulsionando ainda mais a minha
interação com o universo da festa.
11
Assunto que será abordado posteriormente em outro momento desta dissertação.
12 Como exemplo, Gonçalves (2008) destaca o trabalho de Jean Rouch. Na antropologia compartilhada de
Jean Rouch releva-se o potencial do encontro etnográfico como lugar de produção de sentidos, tanto do
pesquisador como dos pesquisados.
19
A escrita compartilhada:
A escolha da etnografia para o estudo da festa não é por acaso, como diz
Clifford Geertz (2009) as etnografias devem ser descrições densas. E para Geertz uma
boa descrição implica em interpretação. A cultura para Geertz é pública, pois o
comportamento é uma ação simbólica, e seu sentido é explicitado no momento da ação.
Portanto, a cultura é um texto, que pode ser lido e interpretado, são teias de significação,
que conduzem o homem e a sua ação. O etnógrafo deve atingir o ambiente
microscópico, olhar as situações concretas - levando em consideração que a análise
cultural é sempre incompleta - e quanto mais microscópica, maior a profundidade dos
abismos em que nos lançamos em nossas interpretações. Por isso, a escolha por
traçarmos aqui um panorama da complexidade em que se encontra a Festa do Pescador.
Esta descrição densa visou atingir as articulações entre os festeiros da
comunidade e os outros elementos que compõem a produção da festa. Através do
caderno de campo, gravações de áudio e vídeo, fotografias extraiu-se as falas e
discursos de nossos colaboradores. Entrevistei as pessoas da comunidade que são
articuladores da festa, enveredando saber e interpretar como se dá a tensão entre os
festeiros, os setores políticos, turísticos, empresas e pessoas influentes da Baixada
Cuiabana, que permitem que a Festa do Pescador seja um evento expressivo na região.
Internamente à localidade deu-se como objetivo entremear o universo da festa através
da observação-participante junto a um número de pessoas que participa ou tem opiniões
sobre esta prática.
George Marcus (2009) chama atenção para a configuração estética presente nas
pesquisas etnográficas. Mais do que “método”, a etnografia carrega um apelo estético.
O autor elenca por trás desta questão, a importância da mediação cultural que o
antropólogo realiza ao imergir em um grupo, e, ao traçar a ponte entre o eu
(pesquisador), o outro e o seu leitor. A Antropologia tem como um de seus eixos a
mediação cultural:
(...) porque ela mesma se apóia nas observações de tipo etnográfico da
antropologia, como instituição, e assume plenamente a natureza de
uma prática diferenciada de pesquisa, como uma tecnologia, uma
estética e um conhecimento que traz poder. (MARCUS, 2009, p. 19).
20
As etnografias contemporâneas encontram fôlego em Clifford Geertz e James
Clifford ao propor o “trabalhar as forças culturais como textos” (GEERTZ, 1989, p.
316), “auto-modeladas” (CLIFFORD, 1998) pelo etnógrafo e inesgotáveis enquanto
forma de conhecimento. A idéia de texto está para Geertz (2009) como a constituição
antropológica de obras imaginativas (não imaginárias ou fictícias) construídas a partir
de materiais sociais.
A preocupação de Geertz se dá, portanto, em um nível semântico, onde o que
importa são os símbolos, seus significados e o caráter público da cultura. Para Geertz a
análise simbólica que o nativo faz de sua própria sociedade entra como material que
retroalimenta o texto do antropólogo. Os símbolos e significados encenados no trabalho
de campo são contextuais e referenciais, onde a cultura enquanto texto é conteúdo de
transmissão a partir do imaginário das pessoas. “A cultura de um povo é um conjunto de
textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros
daqueles a quem pertencem.” (GEERTZ, 1998, p.32) Olhar e pensar estes conjuntos é
fazer uma forma inesgotável de análise social, diferente de fórmulas e métodos
enquadrados sobre os grupos pesquisados.
A dissertação:
O presente estudo é dividido em quatro capítulos. As análises desenvolvidas no
primeiro capítulo se referem ao trabalho etnográfico em si, ou seja, a uma descrição da
Festa, trazendo alguns apontamentos iniciais. Falo sobre os espaços estudados, o
cotidiano dos sujeitos da pesquisa, tentando ressaltar as nuances da atualidade que
compõe a vida dos ribeirinhos, como o crescimento da atividade turística. Trago
também uma descrição da festa e a análise de como ela se forma através de vários
momentos que compõe um todo.
A discussão se inicia no segundo capítulo, onde apresento dados relevantes para
a contextualização do pesquisador em campo. Neste capítulo apresento como a festa é
permeada por um universo com uma importante dinâmica de trocas. Pretendo mostrar
que a troca é um ingrediente fundamental da sociabilidade festiva em Bonsucesso e
particularmente da Festa do Pescador.
21
No capítulo terceiro mergulhamos finalmente nas dinâmicas identitárias.
Apresentamos um pouco sobre o universo festivo dos ribeirinhos, focando em sua
produção a teatralidade e a projeção de identidades para dentro e fora da localidade.
Por fim, no capítulo quarto trago como as dinâmicas de troca e o associativismo,
e como que através da figura da Associação de Pescadores, se completa uma amálgama
na produção social desta manifestação cultural e o drama social da Festa do Pescador.
Através de entrevistas organizadas e conversas informais, foi dada liberdade
para os festeiros discorrerem tanto sobre questões objetivas para este trabalho, quanto
para questões subjetivas relacionadas com a singularidade de cada um. Além das
questões próprias relacionadas à atividade, procurei saber quem são esses festeiros,
como operam, quais são seus anseios, angústias e sonhos.
22
Capítulo I: A Festa do Pescador em Bonsucesso
Neste capítulo pretendo caracterizar o universo de pesquisa. Trago uma
descrição de Bonsucesso, bem como apresento e problematizo os traços identitários
acionados no processo de produção e realização da Festa aqui estudada, tais como o
“peixe”, o “ribeirinho” e a própria “festa”.
Bonsucesso é um bairro situado na zona rural do município de Várzea Grande-
MT, cidade em conurbação com a capital Cuiabá. Juntamente com outros onze
municípios, as cidades formam a Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá13
. A rua
principal tem acesso através do Rodoanel viário, ou BR-364, que é uma das rotas de
escoamento da produção agrícola de grãos e bovinos do estado de Mato Grosso. Saindo
da cidade de Várzea Grande, passando por toda a periferia e conjuntos habitacionais,
chega-se ao Rodoanel e posteriormente à via asfaltada que dá acesso ao local. Logo no
início da via existe uma grande placa com os dizeres: “Bem-Vindo a Bonsucesso: Rota
do Peixe”. Esta via de acesso leva à rua principal de Bonsucesso.
Via de acesso a Bonsucesso.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
O bairro de Bonsucesso é um desses típicos bairros do Vale do Rio Cuiabá; fruto
de antigas ondas de migração para o estado. Pesquisas historiográficas recentes apontam 13
A região foi criada segundo a lei 359 de 28 de Maio de 2009, que visa à elevação de metrópole a região
denominada anteriormente como Baixada Cuiabana. A Região Metropolitana do Vale do Rio é composta
pelos municípios de Cuiabá, Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antônio do Leverger,
Acorizal, Barão de Melgaço, Chapada dos Guimarães, Jangada, Nobres, Nova Brasilândia, Planalto da
Serra, Poconé e Rosário Oeste. Em 2010, contava com uma população de 859 130 habitantes.
23
para a ocupação inicial em torno de uma sesmaria. Documentos apontam para o
reconhecimento da ocupação através de escrituras datadas de 1866, e já com o nome
“sesmaria Bonsucesso” (TAVARES, 2011). Uma das famílias reconhecidas como um
dos troncos familiares principais da formação do bairro detém consigo os títulos de
posse e afirma ser descendente direto do antigo dono da sesmaria.
Deste tempo se herdou o fazer da rapadura e o plantio da cana-de-açúcar que
muito alimentou as usinas do Rio Cuiabá. Além da rapadura artesanal, as redes-de-
dormir, lavradas à mão; doces caseiros e a pesca; que mesmo sendo atividades com uma
produção pequena ainda geram divisas para as famílias da localidade que se dividem
entre trabalho agrícola e o assalariado, numa composição mista da renda familiar
(OLIVEIRA, 2008).
Quando se chega a Bonsucesso o visitante fica embevecido pelo ar bucólico e
rural da localidade. Jardins e árvores enfeitam a parte da frente das casas. Muitas
residências possuem árvores frutíferas nos quintais, principalmente mangueiras e
cajueiros. Na rua, calçada com paralelepípedos, carros de bois e reses dividem espaço
com carros, motos e bicicletas. A maioria das casas não possui muros, sendo a porta da
sala diretamente ligada às calçadas, onde muitos moradores colocam suas cadeiras e
põem-se a conversar horas a fio.
Ao caminhar pela rua o visitante entra em contato diretamente com as pessoas
do bairro a todo o momento. Um intenso fluxo se dá nas calçadas, nas casas, nos
galpões, nas ruelas e nos pontos de ônibus. A localidade é marcadamente católica e ao
longo dos percursos percebemos diversos traços da religiosidade. Em certas épocas do
ano, a rua encontra-se enfeitada com fitas, decoração que se estende por toda a
localidade.
24
A rua principal da localidade enfeitada para a celebração de São João, em meados de Junho.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Dentre os lugares de “encontros” e socialização mais importantes da localidade
podemos citar: as igrejas, o centro comunitário, os restaurantes, a calçada, os engenhos
de rapadura e os portos de canoa. Passando pela rua principal podemos ver os velhos
engenhos de rapadura, alguns ainda em funcionamento e sem muros; o que permite ver
o trabalho das pessoas quando estão em produção. Os engenhos são tocados por
senhoras e senhores de avançada idade.
Engenho de rapadura do seu Neco, o dono do local onde ocorre a festa investigada.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
25
É pouca a possibilidade de pessoas forasteiras residirem neste tipo de localidade,
ela se mantém majoritariamente com moradores nascidos e criados na região. Desta
forma se cria uma oposição para os moradores de Bonsucesso, que vai do contato, por
um lado, com a vida urbana (em Várzea Grande e Cuiabá); pelo outro, a vida social na
“comunidade”.
Em Bonsucesso as casas são todas muito próximas umas das outras, existindo
pouco espaço para a expansão de moradias. Quando optam por residir na localidade, os
filhos constroem moradias no fundo das casas dos pais.
A escola de ensino fundamental começou recentemente ofertar o supletivo no
período noturno. Assim a escolaridade vem aumentando gradativamente, principalmente
com o funcionamento dos ônibus escolares. Para um bairro rural da região o transporte
público tem uma boa frequência, principalmente nos chamados horários de pico,
transportando trabalhadores e estudantes para o centro da cidade. Os moradores mais
bem sucedidos optam por ter veículos próprios.
Em alguns pontos da rua principal é possível ver o rio Cuiabá, os portos de
canoa e os pescadores em atividade. Os pescadores passam o tempo todo com seus
apetrechos em direção ao rio, a pé ou de bicicleta. Algumas mercearias também vendem
varas de pescar e iscas para o visitante que chega para se divertir, embora esta forma de
turismo de pesca não gere muita renda para a localidade.
Essa paisagem chama atenção pelo aspecto rural e pelo cuidado que os
moradores têm com a aparência das residências (CORADINI, 2006). De Bonsucesso é
possível ver o grande Morro de Santo Antônio, tornando ainda mais bela a paisagem da
localidade.
26
Bonsucesso e o peixe
Bonsucesso com a rua enfeitada para a Festa do Pescador, ao fundo o Morro de Santo Antonio.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Este bairro e outros da região metropolitana14
vêm implementando atividades
voltadas para o turismo onde se destaca a culinária, artesanato, e, agora as festas vem
conquistando cada vez mais espaço dentro deste leque. Existe na localidade uma
Associação de Cultura e Turismo de Bonsucesso. Algumas dessas atividades citadas
acima são apoiadas pelo poder público, universidades, iniciativa privada e setores
políticos, mas tem em seu cerne a vontade desses atores de se afirmar perante a
urbanização que ocorre na região, e também em relação à reestruturação produtiva do
estado de Mato Grosso após as últimas ondas de migração15
.
14
Como São Gonçalo Beira-rio, Limpo Grande, Praia Grande, Pai André, Engordador, e Passagem da
Conceição, todos situados às margens do rio Cuiabá, exceto Capela do Piçarrão, Capão Grande e Limpo
Grande, mas que são bairros muito antigos e popularmente atribui-se a eles a idéia de ancestralidade da
cultura cuiabana e várzea-grandense.
15 Até a segunda metade do século XX, os moradores mais antigos dizem que havia aproximadamente 60
engenhos de rapadura em Bonsucesso, tocados por grupos domésticos bem definidos, todos de madeira,
movidos por tração animal, com bois. O rio Cuiabá era a via de circulação dos produtos agrícolas e
manufaturados, pois através dele, os homens e mulheres seguiam de canoa até o Mercado do Porto, ou
para as feiras de Cuiabá e Várzea Grande para vender verduras, cereais, animais de criação e a rapadura.
Em Bonsucesso havia também uma grande produção de hortaliças, que eram comercializadas com as
embarcações que trafegavam no rio. A pesca era outra grande fonte de renda, mas a partir dos anos 1960 e
1970, a região começa a passar por uma reestruturação do perfil da agricultura. Segundo COY &
LÜCKER (1996) a reestruturação produtiva no estado de Mato Grosso que se deu na década de 1970
privilegiou a produção nas grandes empresas, e quase faliu a pequena produção local.
27
Um grande fluxo turístico invade Bonsucesso através das peixarias, galpões de
rapadura e casas que produzem doces16
. Todo ano a mídia procura estes locais e os
expõe de diversas formas. A televisão e os jornais levam aos espectadores estes “itens”
os “iconizando” como representantes da identidade regional. Ao longo do ano são
gravadas entrevistas com moradores sobre o saber-fazer de doces e pratos da culinária
local para serem exibidas na televisão. Existem também aqueles programas que
ressaltam a identidade regional, que se servem do visual de Bonsucesso para filmar um
programa televisivo, ou expõe aquelas pessoas emblemáticas ou os mais velhos, ao
contar as estórias do bairro e da cidade. Muitos fotógrafos passam o ano todo, tirando
fotos do rio, das pessoas, da natureza, da pesca, dos carros de boi; para serem vendidas
em propagandas.
Um dos grandes símbolos dentro do universo ribeirinho da região é o peixe. Em
Bonsucesso encontra-se em voga a atividade turística através da culinária servida nos 11
restaurantes especializados em servir peixe. Ela se constitui como a localidade que tem
o maior número destes restaurantes. Esta atividade data de aproximadamente 25 anos de
experiência. Pode-se dizer que o universo da pesquisa é altamente “iconizado” a partir
da idéia de que a pesca é uma das principais atividades e característica cultural dos
moradores. Os restaurantes são, portanto, chamados de peixarias, pois o atrativo
principal é o peixe feito com receitas “tradicionais”. As peixarias possuem os mais
variados preços e arquiteturas, dependendo da organização de cada dono. Elas levam o
nome de peixes, árvores e do rio Cuiabá. Algumas se situam bem nas margens do rio,
sendo estas as mais procuradas pelos clientes. O cardápio não muda muito de um
estabelecimento para o outro, havendo o predomínio das receitas locais com alguma
adaptação ao paladar dos clientes.
16
Ver também o estudo de CORADINI (2006) onde a autora percebe as mesmas manifestações aqui
estudadas em relação ao turismo e à produção cultural de Bonsucesso.
28
Em foco a quantidade de peixarias, todas vizinhas umas das outras.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Essas peixarias são dirigidas geralmente por mulheres de pescadores, que
congregam seus filhos e parentes na microempresa. As receitas são passadas pelas avós.
O peixe é servido frito, cozido e assado, inclusive tem-se optado por servir o rodízio de
peixes, que apresenta as três modalidades de pratos, sendo mais lucrativo para os donos,
pois os cozinheiros afirmam que assim o ganho com a refeição “por pessoa” é maior.
Estes restaurantes são empreendimentos das famílias que buscam uma alternativa de
renda e trabalho.
O apelo ao turismo é muito forte em Bonsucesso e a vontade de estruturar
melhor estes empreendimentos é latente. Por isso foi em 2004 que se fundou a
Associação de Turismo e Cultura de Bonsucesso. Em 2009 o Governo do Estado criou
uma linha de financiamento de empréstimos especialmente para estas iniciativas. Mas
os donos das peixarias não utilizam muito estes empréstimos, alegando que não há
necessidade de se endividar para fazer o negócio crescer. Com o intento de aumentar o
potencial das peixarias em meados dos anos 1990 foi realizada uma capacitação junto
ao SEBRAE, e que trouxe à tona a nomenclatura “Rota do Peixe”. Esta acabou por se
tornar uma nomenclatura êmica usada para denominar a identidade regional17
, situando
as localidades que são o foco do investimento no turismo, sendo utilizada em vários
trabalhos do poder púbico e das universidades sobre o turismo na região.
Em Bonsucesso a pesca já foi uma das principais fontes de renda para a
localidade até o final da década de 1990, quando os pescadores atribuem à construção e
17
Atualmente é o órgão chamado “MT Fomento” com a linha de financiamento “Rota do Peixe”, que,
visando atender a demanda das peixarias, agricultores e pescadores do município de Várzea Grande traz à
tona esta nomenclatura.
29
ao funcionamento da hidroelétrica de Manso18
uma alteração no ciclo das águas, e,
portanto, na procriação dos cardumes do Rio Cuiabá. Hoje a pesca é uma atividade que
encontra dificuldades, e não é difícil ouvir dos pescadores a vontade de que seus filhos
não sigam a profissão, que busquem o estudo e trabalho assalariado fora do bairro. A
pesca é considerada atividade que não proporciona renda frequente, e que está associada
a outras atividades, como bicos, trabalhos em roças, cerâmicas, fazendas, construção
civil19
. É muito comum que as famílias tenham uma composição mista da renda, entre
trabalho agrícola e assalariado. Como é proibido por lei que o pescador desenvolva
atividades complementares, correndo o risco de perder seu registro no órgão competente
e assim os seus benefícios, os pescadores tentam desenvolver estas atividades informais
se marginalizando do mercado formal de trabalho. Alguns pescadores abandonam a
pesca para trabalhar com alevinos, pois o mercado de peixes de tanque cresce no estado.
Para algumas famílias de pescadores as peixarias foram a melhor saída, e o seu
“sucesso”, principalmente nos finais de semana, contagia os outros moradores que se
sentem estimulados a abrir seus próprios negócios. Um exemplo de empreendimento
turístico é o de uma doceira, que cansada de circular nas peixarias carregando as
compotas de doces, montou uma barraca em frente a sua casa, fazendo muito sucesso.
Além disso, os pescadores podem alimentar as peixarias com o seu pescado. Esse
movimento faz com que a maioria dos pescadores pare de sair da comunidade para
vender peixe. A pesca acaba sendo absorvida ali mesmo nos restaurantes, pois o
consumo turístico é relativamente grande. Portanto, as peixarias não extinguiram ou
substituíram o trabalho com a pesca, pelo contrário estes empreendimentos ampliaram a
18
A Usina de Manso fica no município de Chapada dos Guimarães. Um dos principais afluentes do
Cuiabá, o Rio Manso era um local que abrigava diversas localidades rurais e quilombolas, se
transformando agora em lago do Manso, onde se construíram diversos condomínios de luxo. À ela é
atribuído um impacto sobre o ciclo das águas e de reprodução dos peixes na região, sendo esta principal
reclamação dos pescadores da região do Vale do Rio Cuiabá.
19Pluriactivité é o termo francês que foi utilizado pela literatura da Sociologia Rural da década de 70, o
qual designa propriedades que desempenhavam múltiplas atividades produtivas, atualmente este termo
foi adaptado ao português-brasileiro, como pluriatividade (SCHNEIDER, 2004). Segundo os moradores,
“antigamente” o trabalho predominante na comunidade era com a terra. Assim, “tudo se produzia” na
comunidade, ou seja, predominava a pluriatividade do trabalho,
por exemplo: o plantio de gêneros
alimentícios, que abasteciam os garimpos e cidades próximas, dois dias da semana se trabalhava com a
rapadura, em outras temporadas trabalhavam em fazendas do Pantanal. A pesca era realizada o ano todo,
mas quando as águas do rio começam a baixar, no que se chama a “época da vazante”, esta atividade era
realizada com maior ênfase, pois a quantidade de peixes no rio é maior. O consorciamento das atividades
era dado por múltiplos fatores, como aparentemente percebi nos relatos dos moradores. Nesse
consorciamento aparecem eventos como: o ciclo de produtividades das plantas, sua época de colheita, a
irrigação natural causada pela enchente do rio Cuiabá, entre outros, como a educação, que iriam
colocando as possibilidades de aquisição de fonte de renda.
30
ação da atividade, trazendo uma nova possibilidade de venda, que não ficasse somente
com os mercados municipais e com a rede pessoal de clientela que cada pescador
possui.
Além disso, e, algo que se revela como atrativo para o nosso trabalho é como o
comércio da culinária tem causado uma espécie de reforço identitário, sendo um grande
reforço de símbolos da cultura local como o peixe, o ribeirinho, o rio, a pesca, a
tradição.
As festas em Bonsucesso e a Festa do Pescador
A população de Bonsucesso é marcadamente católica, realizando as chamadas
festas de santo, comemorações religiosas em homenagem a determinados santos, como
podemos citar: São Benedito, Divino Espírito Santo e a de São Pedro20
. Segundo relatos
dos moradores, no início do século XX as festas eram ofertadas por algumas famílias,
eram acompanhadas de bailes de cururu21
e por um grande banquete. Estas eram
chamadas de festas de santo. Em geral as festas são elementos muito importantes da
cultura brasileira. Segundo Rita do Amaral as festas são momentos que transpõem
elementos que servem para os estudos de nossa sociedade. Sobre o festejar no Brasil ela
conclui que:
Todas as festas não apenas atualizam mitos, como revivem e colocam
em cena a história do povo, contada sob seu ponto de vista. Ela é
como vimos, desde os primeiros tempos da colonização, um dos
lugares ocupados pelo povo na história brasileira, talvez uma de suas
primeiras conquistas reais, e nela ele se vê e se representa em papéis
ativos. Desfilando pelas ruas a riqueza de suas relações com outros
grupos, o privilégio de suas relações com as divindades todas que
ouvem suas preces e lhe entregam milagres, ele se reconhece. Como
se reconhece em força nas massas que caminham por grandes
avenidas, empurrando carros alegóricos com símbolos de sua historia,
empurrando a própria história, em toda sua riqueza, levando em frente
suas paixões e suas utopias. (AMARAL, 1998, p.274).
20
Segundo os próprios moradores, no caso da localidade estudada estas são as três festas de santo mais
importantes.
21 O cururu é um ritmo regional entoado por violas feitas manualmente e por canções religiosas e sobre o
cotidiano. Geralmente ele é realizado por uma roda de tocadores homens onde também são executadas
algumas brincadeiras.
31
Atualmente as festas da Baixada Cuiabana são elementos híbridos. No caso da
localidade e sua festa em questão, existe uma amálgama entre o mundo religioso e o
mundo social. Em Cuiabá e Várzea Grande, além de movimentar o calendário religioso,
as festas movimentam também a cidade. As festas como as de São Benedito e do Divino
Espírito Santo são realizadas no Centro Comunitário de Bonsucesso, contando com a
presença de boa parte dos moradores. Além deste público, fiéis saem de todos os cantos
da cidade para socializar-se com a localidade. Segundo os relatos dos moradores estas
duas festas citadas acima são muito antigas embora recentemente não sejam as mais
importantes. A Festa do Pescador, que inicialmente era somente denominada como festa
de São Pedro, tomou o gosto dos moradores de Bonsucesso e de Várzea Grande
(CORADINI, 2006).
As festas são parte integrante do cotidiano dos colaboradores desta pesquisa e
movimenta tempo, dinheiro e investimento pessoal. Outro traço percebido é que as
festas se colocam como um movimento cultural fortemente arraigado à idealização do
senso comunitário local e da identidade ribeirinha. Todo ano as festas mobilizam boa
parte da localidade, que tem suas ruas fechadas para os eventos. É como se os
moradores parassem a sua rotina para viver um tempo22
de homenagens a São Pedro,
São Benedito, etc. A esse respeito Cavalcanti (2002 e 2000) e DaMatta (1979) falam
sobre a suspensão da rotina para viver o tempo das festas, este tempo “se trata de um
rito individualizador e democratizante no seio de uma sociedade em muitos aspectos
fortemente hierárquica” (CAVALCANTI, 2002, p.47)
As festas envolvem trabalhos ao longo de todo o ano. Elas possuem um
calendário rígido, e com regras fortes que envolvem a religião e a socialização local.
Nesta localidade podemos perceber como as festas adquirem o que Rita do Amaral
chamou de “festa à brasileira”, ou seja, ela acaba se tornando uma forma de
concentração e redistribuição de riqueza, um produto turístico capaz de organizar social
e politicamente a localidade. Além disso, as festas são capazes de mediar valores numa
sociedade pluricultural como a nossa, “ela se revela como poderoso instrumento de
interação, compreensão, expressão da diversidade” (AMARAL, 1998, p.279).
22
Em relação a como o tempo se apresenta nas festas, Cavalcanti (2002, p. 58) afirma que: “o
cristianismo católico dos ibéricos – que diante dos demais povos teriam enfatizado, acima de sua
condição europeia e nacional, sua condição sociologicamente cristã – os teria aproximado dos povos não
europeus por meio de um tempo que não era simples adequação ao trabalho contínuo, com apenas o
domingo dedicado ao descanso, mas um tempo em que muita alternação entre trabalho e lazer, dança e
labor, era propiciada pela própria igreja. Produziu-se assim uma temporalidade que, mais do que
histórica, remeteria a uma série de ritos míticos relacionados à renovação da vida, uma vida qualitativa,
mais do que uma série de atividades lógicas e quantitativamente valoráveis.”
32
A Festa do Pescador pode ser considerada especial dentre as outras festas que
ocorrem na localidade por dois aspectos, o primeiro pelos seus hibridismos23
e depois
pela sua dinâmica de apresentação que utiliza a “tradição” como mote identitário24
. Ela
é composta por diversos grupos, dentre eles podemos citar os principais: a Associação
Turística e Cultural de Bonsucesso, a Associação de Pescadores de Pai André e
Bonsucesso, a comunidade ecumênica de Bonsucesso, a Secretaria Municipal de
Cultura e Esporte; e, apoiada pela Prefeitura Municipal, órgãos regionais do Meio
Ambiente, pelo corpo de Bombeiros e a Polícia Militar. Estaremos tratando ao longo
das próximas páginas de reflexões a partir dos discursos e da forma de apresentação da
questão identitária por partes dos integrantes de alguns destes grupos que compõe a
produção da Festa do Pescador.
Assim, a festa põe em ação elementos do catolicismo, da relação dos homens
com os santos, da relação dos homens com o rio e da relação da localidade com a
cidade. Sendo São Pedro o padroeiro dos pescadores, os festeiros não tiveram
dificuldade em relacionar religião com reivindicação social. Esse âmbito religioso se
associa atualmente a outros elementos como: a música pop regional, o turismo, a
política local, o lazer, a dança e identidade.
É uma prática corriqueira da localidade que a Festa do Pescador seja celebrada
no dia de São Pedro, 29 de junho. Apesar disso, pelo que pude perceber nas narrativas
das festas, sempre houve uma divisão entre dois momentos: o sagrado (a missa) e o
profano (o baile). Pelo que acompanhamos a parte religiosa da festa ocorre na igreja da
localidade, onde a maioria dos presentes são moradores que se congregam na missa
católica em homenagem ao santo. Este momento é marcadamente comunitário, na
medida em que as atividades que precedem a “festa para o turista” são voltadas para a
23
Para Néstor Canclini (2003) o processo de hibridação cultural da América Latina decorre da
inexistência de uma política reguladora ancorada nos princípios da modernidade e se caracteriza como o
processo sócio-cultural em que estruturas ou práticas, que existiam em formas separadas, combinam-se
para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Esse hibridismo, desencadeador de combinatórias e
sínteses imprevistas, marcou o século XX nas mais diferentes áreas.
24 A pesquisadora Cavalcanti (2002) afirma que as festas se utilizam de uma diversidade de meios de
comunicação, evento também percebido nas festas de santo, onde pudemos perceber diversas
performances que utilizam de vários meios de comunicação, canto, danças, música, rituais religiosos, etc.,
e que serão relatados logo abaixo.
33
integração social dos moradores com as “pessoas da cidade”25
e para o comércio
turístico.
A missa em homenagem a São Pedro é realizada à noite. No período da tarde as
ruas da localidade são enfeitadas com velas e fitas com as cores do Santo. A missa é um
evento muito grande, as pessoas ficam amontoadas na porta e nas laterais da igreja.
Aponto abaixo alguns aspectos que me chamaram atenção durante a realização da
missa, pois são a incorporação do discurso identitário inseridos na liturgia católica.
Durante a missa, em dois momentos sobem ao altar figuras que, num domingo
qualquer, não estariam lá. Elas são o diretor da escola e um senhor, Seu F., o contador
de histórias. É explícito em suas falas o enaltecimento da festa. O diretor começa a parte
da missa dedicada à festa. Ele fala sobre a tradição da festa. Seu F. é aquele que sobe ao
palco depois, ele evoca o mito de fundação da Festa do Pescador26
. Assim, ele diz quem
é o ribeirinho, de como ele se encontra prejudicado agora com a poluição do rio, e que
por isso o peixe não pode mais ser ofertado gratuitamente como era antigamente. Ao
final de sua fala ele enfatiza que mesmo assim, a festa não é só para o ribeirinho, agora
ela é para o mundo.
Depois das falas o padre chama, então, os festeiros de São Pedro para trazer uma
oferenda ao Santo. Nesta performance27
os organizadores da festa trazem consigo uma
canoa em miniatura, um remo, a bandeira de São Pedro e um pacú assado, prato típico
da culinária regional. A performance do ribeirinhos prossegue com o levantamento do
mastro, seguido de cururu, e, um banquete com comida típica. A socialização segue
com o anúncio da madrinha da festa, uma cantora regional que em seu repertório
sempre canta uma música dedicada a São Pedro e às festas de santo.
25
Nomenclatura assimilada ao trabalho na coleta das narrativas das festas, onde se percebeu a
diferenciação entre a festa comunitária e a festa turística.
26 Falaremos deste mito posteriormente.
27 Segundo Victor Turner (1987) a performance estaria em momentos que fogem do cotidiano, são
momentos extraordinários que nos saltam aos olhos e que podem dizer muito sobre a cultura observada.
34
A rua da localidade enfeitada para a missa do dia 29 de junho, dia de São Pedro.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
O levantamento do mastro da Festa de São Pedro, momento em que se consagra o início do
festejo.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
No final de semana seguinte ao da missa, os moradores realizam outra festa, que
mesmo que consideremos que seja a mesma festa ela adquire outro tom. Esta festa
abrange um público maior e é realizada no terreno de um rapadureiro, visto que este é
35
um dos únicos que comporta a multidão que vem até a localidade para acompanhar o
evento. Este momento é o que eles chamam de festa para os turistas, para “as pessoas da
cidade”. E que criou uma distinção entre este e outros eventos, o nome de Festa do
Pescador. Consideramos a Festa do Pescador como uma festa diferente da de São Pedro,
que é realizada em vários locais do Brasil no mês de junho.
Ao acompanhar as reuniões da Associação de Pescadores de Bonsucesso e Pai
André uma pauta discutida várias vezes no ano de 2011 foi a do formato da festa. Neste
ano os realizadores propuseram uma separação explícita dos dois momentos da festa,
uma festa para a localidade e outra para os turistas. Embora essa separação já fosse uma
prática dentro do ritual, ela se dava no âmbito sagrado-profano. A justificativa para se
realizar a tal separação se embasada no turismo, principalmente através da ocorrência da
copa do mundo de futebol de 2014, onde então Bonsucesso “se lançaria ao mundo”. Ao
passo que foi no ano de 2011 que começaram vários projetos e preparações para a copa,
fundou-se a Secretaria Especial da Copa, uma série de construções de infraestrutura e o
projeto turístico começaram a acontecer. A festa então poderia ser um chamariz para as
melhorias de infraestrutura no bairro.
No final de semana, a festa para os turistas se inicia com uma queima de fogos, é
a chamada alvorada, que se dá logo no amanhecer do dia. A alvorada é seguida por uma
procissão, onde os festeiros marcham pela localidade em um cortejo terrestre e que
depois se torna fluvial até atingir o local da festa turística. A procissão terrestre se inicia
no local da festa, de onde uma banda sai recolhendo os festeiros em suas casas. A banda
para, soltam-se fogos, e o festeiro sai de sua casa e une-se à procissão de acordo com a
sua posição diante da composição da procissão. São várias as categorias dentre os
festeiros. O alferes de bandeira é o responsável por cortar a madeira e fazer um mastro
com a bandeira do santo. Juízes e juízas seguram coroas e adornos que enfeitarão o altar
do Santo. O rei acompanha a rainha que segura a imagem de São Pedro. Em cada casa
se recolhe um membro com enorme salva de fogos. A procissão é um dos principais
elementos escolhidos pela mídia para ser filmado e registrado.
36
Procissão Terrestre.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
É hábito que os festeiros percorram toda a rua principal da localidade. Logo em
seguida, os festeiros e convidados entram no rio e começam a segunda parte da
procissão, de via fluvial. Esta faz o grupo percorrer novamente o caminho, só que
através do rio. O ponto final da procissão é em uma das peixarias da localidade. Lá a
procissão faz uma pausa para o café da manhã. A banda começa a tocar música
dançante. Os jornalistas que acompanham a procissão aproveitam para entrevistar o rei
e a rainha da festa, que mais uma vez relembram a tradição da festa, e de como ela é
importante para a localidade.
Descendo o barranco para adentrar o Rio Cuiabá.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
37
A procissão fluvial pelo Rio Cuiabá percorre cerca de quatro quilômetros. No
ano de 2011 a equipe organizadora contratou uma empresa para filmar um
documentário sobre a festa. Ao longo deste caminho as pessoas rezam e também
apreciam a navegação. Os barqueiros são da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Quando chegam então ao porto de canoas do local da festa são recebidos por uma
grande queima de fogos. A rainha desce primeiro, e, lava o santo, purificando-o. A
madrinha da festa recebe os festeiros que descem dos barcos.
Eventualmente políticos e apoiadores são convidados a participar deste momento
solene, onde somente os festeiros intitulados no ano anterior participam. Um ritual é
realizado para homenagear os festeiros, as pessoas levantam as mãos e em reza ao São
Pedro ecoa uma oração.
Percebi que os festeiros são grandes figuras de atuação dentro das festas, e, não
somente meras simbologias diante de uma configuração religiosa de papéis
representados no momento da procissão. Neste momento os festeiros exibem a imagem
do santo e a sua bandeira. Até este instante é o padre que rege a festa. Ele saúda aqueles
moradores mais antigos, figuras do ribeirinho, que se sentam em uma mesa separada,
são os homenageados. O padre chama então os festeiros ao palco, onde será realizada a
missa campal. A missa campal, realizada ao ar livre, é similar aquela do dia 29 de
junho, referida anteriormente. Nesse momento, a rainha da festa devolve o santo nas
mãos do padre.
38
A procissão de São Pedro no Rio Cuiabá.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
A multidão recepcionando os festeiros.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
39
Moradores e visitantes agradecendo aos festeiros.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
A imagem do santo é entregue ao padre e devolvida ao seu âmbito sagrado. A
missa realizada no local da festa ecoa votos de oração para a família e pedindo
generosidade, paz e prosperidade. O grande pedido se dá pela benção sobre o rio, sendo
assim, o fruto do trabalho dos pescadores é lembrado em tempos de tanta poluição do
Rio Cuiabá.
A missa campal.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Depois da missa, sobe ao palco o locutor da festa que transforma o palco em
local de atrações musicais. Inicialmente ele faz a passagem do santo, anunciando os
40
festeiros do ano seguinte. Depois é servido o almoço nas margens do Rio Cuiabá.
Atualmente, o momento da refeição é o auge da festa. A peixada nos moldes da
culinária local é o principal prato do cardápio. No local da festa se espalham diversas
mesas pelas sombras das árvores. Em todo lugar da localidade, as varandas das pessoas
se tornam pequenas peixarias, servindo vários peixes utilizados na culinária local. A
festa se espalha pela localidade. Logo após o almoço, a festa se concentra ao redor do
palco novamente. Começam as apresentações culturais, como shows musicais, teatro,
danças e brincadeiras, tudo depende da gestão e organização da festa.
A abundância de alimento e ênfase na alegria são predicados para a avaliação
positiva ou negativa da festa. Essa comemoração é uma combinação de festejos que
oscilam entre a missa, procissão dos festeiros com o santo, a refeição e o baile. Depois
da missa os convidados se organizam numa enorme fila para comprar suas refeições. As
mesas congregam as famílias na beira do rio.
O banquete, a peixada cuiabana.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Depois que o almoço é servido logo começa o baile. Este se coloca como grande
atração da festa, pois reúne mais pessoas do que nos momentos religiosos da festa. O
41
baile se dá ao som de ritmos regionais, as bandas em sua maioria tocam o lambadão28
, a
festa agora só termina na segunda de manhã.
A multidão que vem para assistir os shows.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Neste capítulo levantamos os três símbolos que se encadeiam na Festa do
Pescador, o peixe, a Festa e o ribeirinho; que se misturam dando à Festa uma
característica chave do ritual, uma composição de um sistema ritual posto como modo
de ação e neste caso como mote identitário. No próximo capítulo veremos como a Festa
é composta de diversos “momentos” que encadeiam estes símbolos naquilo que chamei
de “dinâmica da troca” da Festa do Pescador, uma categoria que engole os atores e
colaboradores.
28
Ritmo regional e que faz muito sucesso pela dança.
42
Capítulo II: Os vários momentos da festa e sua dinâmica de troca
Pretendo abordar aqui a forma (PAREYSON, 1997) que a festa adquire quando
se considera os vários momentos que a compõem. Tento analisar dados recolhidos que
demonstram estes momentos de ação e produção da festa, refletindo também sobre a
atuação do pesquisador em campo.
Trarei aqui alguns momentos que passei junto aos produtores da festa.
Posteriormente dentre estes diversos momentos nos concentraremos em alguns dias
anteriores à festa para termos uma idéia mais geral sobre seu contexto e seus
significados. Incluso a esta narrativa estão os acontecimentos que tencionaram minha
participação em campo, e que puseram à prova minha proximidade com os
interlocutores. São eles os dias 28 e 29 de junho e 2 e 3 de julho do ano de 2011. Eles
correspondem, respectivamente, ao dia em que se começam as preparações internas no
espaço da comunidade, a missa em homenagem a São Pedro, e o final de semana em
que é feita a festa para o público de fora da comunidade. Estes momentos e seus
registros compõem assim a descrição da “Festa de Santo” em sua complexidade.
Foi entre novembro de 2010 e fevereiro de 2011 que eu conheci os atores da
festa. Este foi um momento exploratório do universo da festa. Neste entretempo estive
em contato com algumas pessoas, a presidente da gestão de 2009-2011 da Associação
de Pescadores de Bonsucesso, V.29
, e dona T., a primeira festeira da Festa de São Pedro.
Também mantive contato com alguns membros da Associação de Cultura e Turismo de
Bonsucesso: A., “Professor” T. e Assessor de Cultura da Várzea Grande, G.
Foram elaboradas entrevistas sobre o surgimento da festa, de como se dava a
organização na década de 1980 e um mapeamento das pessoas e grupos envolvidos com
este evento. A princípio as moradoras mais antigas dizem que a festa surgiu como uma
homenagem ao padroeiro das águas e aos pescadores, ao longo do tempo o seu
crescimento surgiu em função da oferta gratuita e em abundância de pescado. Portanto,
com o tempo foi necessário que a Associação de Pescadores tomasse conta da festa pela
sua magnitude, assim a festa se tornou uma mistura entre associativismo, religião e
festa.
29
Inicialmente quando comecei o trabalho de campo a presidente era V., que foi substituída por F., o
presidente com quem mais tive contato na pesquisa.
43
Quanto à organização da festa esta foi detalhadamente relatada por V., a
presidente da Associação de Pescadores, que me descreveu como foi realizada a festa
nos dois anos de sua gestão. Percebe-se em suas falas a importância dada à formalização
do processo, bem como ao envolvimento no associativismo, à necessidade de maior
participação dos pescadores. Para ela tudo deve ser bem democrático e isso se daria
através de eleições das gestões e da prestação de contas com a “comunidade”. Ela vê
neste evento uma possibilidade de organização e união do grupo, no caso dos
pescadores. Ela se refere ao evento como Festa do Pescador (o Assessor de Cultura se
refere à festa como Festa do Peixe). Percebe-se um reforço à identidade de pescador e
da sociabilidade da “comunidade”.
Dona A. vê com tristeza o fato de a Associação dos Pescadores tomar para si a
festa, e que o não envolvimento desta com a Associação de Moradores e com a
Associação de Cultura, molda um panorama de desunião e desorganização comunitária.
Tendo como resultado um isolamento do grupo, não se aproveitando tudo o que a festa
poderia gerar. Percebi posteriormente que a desunião era parcial e que se dava
majoritariamente devido a rixas internas à localidade.
O professor T., diretor da escola da localidade, age como um agente externo,
mas que mora na “comunidade”, ele fora absorvido por este universo. Em suas falas
nota-se a importância da institucionalização da Associação de Pescadores, do
despreparo em relação à articulação que eles fazem com o poder público. Percebe-se
também a grande importância dada à formalização dos meandros da organização da
festa, visando o sucesso e a qualidade do evento. Para ele a festa precisa do
envolvimento da Associação de Cultura também (da qual ele é membro), principalmente
porque para ele apenas os moradores, sem o auxílio do poder público, não dão conta de
realizar a festa diante de sua magnitude.
O assessor G. tem uma visão política e estratégica do evento. Para ele a festa
causa visibilidade por enaltecer o peixe e a identidade várzea-grandense, e, portanto,
necessita ser mais bem trabalhada pelo poder público. Uma das suas preocupações é
com a chegada da Copa do Mundo de 2014 e de como este evento pode situar Várzea
Grande como ponto turístico do estado de Mato Grosso. Assim como para ele o evento
deve ser ampliado e estendido ao longo de vários dias. Ele enaltece a potencialidade de
geração de renda promovida pelo evento.
Depois destes meses me concentrei em conhecer a atual gestão da festa, feita
pela Associação de Pescadores, agora que sabia que era ela a maior responsável pela
44
produção e organização do evento. Quando fui até o Bonsucesso no dia primeiro de
maio de 2011 para ver as atividades do Dia do Trabalhador, realizada pela Federação
das Indústrias e do Comércio, tinha a intenção de encontrar o pessoal da Associação e o
festeiro. Foi na peixaria Beira-rio, de Dona A., que encontrei com F., o atual presidente
da Associação (Gestão 2011-2013).
F. começa a nossa conversa falando do drama que ele está vivendo com a
Associação: sem dinheiro para fazer a festa, com muitas dificuldades em conseguir
patrocínio e com poucas pessoas o ajudando. Ele diz que o presidente tem que “fazer a
frente”, que o pessoal da diretoria ou os moradores de forma geral, só saem juntos
quando o grupo vai à Prefeitura, ou eventualmente quando alguma pessoa tem
disponibilidade o acompanha até uma empresa, mas que todo o dinheiro de gasolina e
tempo foram basicamente despendido por ele.
Além de ser pescador, F. é dono de uma lan-house e quando precisa estabelecer
contatos fora da comunidade para a realização da festa deixa algum “menino
trabalhando” em seu lugar. Reforça em sua fala que uma vez por semana ele tira o dia
todo para ir até aos empresários, mas que tem sido muito difícil, ninguém oferece verba,
os empresários oferecem produtos.
Você acredita, como pode ser isso né? A festa é importante para o
município e até para o Estado. Ela é uma festa tradicional, já se tornou
um patrimônio cultural, e a prefeitura, o governo, as empresas não
estão nem aí pra gente, nem para o nosso bairro.
A festa é desenhada como um drama (TURNER, 2008) a partir de determinadas
questões elencadas pelos atores da festa: do enfrentamento com o poder público; da
possibilidade de visibilidade da comunidade; da insignificância dada à festa pelo poder
público e pelos empresários, da exibição da desunião e dos conflitos que se tornam
latentes na preparação da festa.
F. diz que a gestão dele se propõe a ser uma gestão “nova”, que quer traçar
parcerias externas permanentes, pois percebeu que, sozinhos, os moradores de
Bonsucesso são incapazes de promover o evento do tamanho que ele é almejado
atualmente. Na busca por parcerias para fazer a festa, em nossas conversas, sou
envolvido. Ele pede para mim uma “parceria”: gostaria que eu pudesse arrumar alguém
para filmar a festa e produzir um DVD, visando a utilização deste material junto a
órgãos patrocinadores. Complementando a utilidade do vídeo, F. expõe sua intenção de
45
mandar o DVD para o programa televisivo da Ana Maria Braga. Ressalta que no ano
que vem gostaria que tivesse um link da Rede Globo em Bonsucesso, uma exibição no
programa da Ana Maria, para mostrar o preparo do peixe, e quem sabe, até conseguir
que a emissora abrace a “causa” deles. Tais expectativas talvez possam ser visualizadas
na faixa que ele colocou na entrada da comunidade: “Festa do Pescador – A maior festa
gastronômica do Mato Grosso”.
Ele queria também que eu tentasse articular alguma “ponte” com a universidade.
Além da filmagem, ele diz que seria muito importante para eles se a universidade
pudesse fazer um “mapa cultural das áreas ribeirinhas”, assim o governo poderia saber
em que investir, e que essas tradições e conhecimentos não devem acabar: “A gente tem
que mostrar que existe”. Para esclarecer seu argumento, ele menciona as novas
propagandas do governo estadual veiculadas nos canais de televisão. Seus comentários
enfatizam que nas propagandas se vê mais o interior do estado, a política do estado tem
sido esta, de investir no interior, até a música da propaganda é direcionada, é uma
música sertaneja e não um rasqueado. Ele diz ainda que hoje em dia não existe “nada
voltado para a Baixada Cuiabana em termos culturais, muito menos das festas”. Em sua
opinião, apenas o bairro de São Gonçalo tem conseguido fazer alguma coisa e por estar
mais próximo do centro de Cuiabá eles tiveram o apoio da Secretaria Estadual de
Turismo em sua Festa do Peixe.
Para ajudar na divulgação, o presidente da Associação montou um site. A idéia
do site é promover Bonsucesso e mostrar as fotos da festa. F. fez questão de me mostrar
o site e mais uma vez acionando “parcerias” me entregou alguns cartazes da Festa do
Pescador para eu colar na universidade. Desta forma fui sendo incorporado na festa, na
dinâmica de trocas que existe nela30
. Ele diz que todo mundo está preocupado em usar
da festa, usurpar, jornalistas, fotógrafos, políticos, comerciantes, tanqueiros de peixe,
agentes culturais. Mas que na realidade a localidade precisa de colaboradores, de ajuda
externa e que seja fixa, permanente, assim como o professor T. que se afeiçoou tanto
pela localidade que acabou morando lá.
Nas semanas anteriores à festa passei diversos dias indo a órgãos públicos
juntamente com o grupo da Associação, pedindo alvarás e a colaboração. Dentre estes
dias, ressalto um, o dia 18 de maio de 2011. Fui convidado a ir à reunião com o
presidente da Assembleia Legislativa, em Cuiabá. Da Associação, estavam presentes o
30
Assunto que será explicitado mais abaixo.
46
presidente, F.; seu vice, J.; o assessor, G.; o presidente da Associação de Cultura e
Turismo de Bonsucesso, G.; e o primo de F., que é jornalista e professor em uma
universidade particular. Alguns eu já conhecia, outros cheguei a conhecer naquele
momento, nos reunimos no saguão central da Assembleia, esperamos o primo de F. que
fez o contato com a assessoria do deputado. Eles estavam discutindo os resultados dos
projetos no Conselho Estadual de Cultura. G. afirmava que em Cuiabá haviam sido
contemplados 16 projetos totalizando três milhões de reais. A cidade de Várzea Grande
tinha sido contemplada com três projetos, em um valor de 150 mil reais, e que entre eles
tinha um destinado à gravação de um CD de lambadão com os maiores hits do
momento, e que aquilo não era “cultura de valor”. Sua interpretação era a de que o
Conselho operava por um engajamento político, um engajamento não compartilhado por
ele, uma vez que não trabalhava mais na Secretaria Municipal de Cultura de Várzea
Grande. Ele disse que havia protocolado um pedido de esclarecimento no Conselho de
Cultura e que iria lutar para revogar a questão. F. disse que estava muito chateado, pois
a festa é “tradição” de Várzea Grande: “Como que pode o lambadão, uma coisa que tem
todo final de semana, passar na frente da festa de São Pedro?”.
Entramos nos corredores da Presidência da Assembleia, com várias salinhas, e as
pessoas nos olharam. Entramos então em uma sala apertada, éramos seis, para conversar
com o assessor direto do presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Mato
Grosso. Reproduzo o diálogo estabelecido:
[assessor]: Então senhores, o que é que nós podemos fazer por vocês?
[G.] Bom senhor assessor nós viemos aqui hoje por conta de uma
demanda da Associação dos Pescadores de Bonsucesso e Pai André,
de onde o presidente é o senhor F. Nós necessitamos de um apoio para
a nossa Festa de São Pedro, a Festa do Pescador. Esta é uma festa
“tradicional” da Várzea Grande, do Bonsucesso, ela tem 31 anos de
existência (nesse momento F. sacou um cartaz e entregou ao assessor),
mas por mais importante que ela seja, nós não temos um apoio dos
órgãos públicos, e todo ano é este corre-corre atrás de patrocínio.
[assessor] Mas vocês já foram atrás do Conselho Estadual de cultura?
Porque isso aqui se resolve lá.
[G.] Sim, nós entramos com um projeto, muito bem feito, enfatizando
isso que eu disse para o senhor, mas lá nós fomos reprovados, eu creio
que existe um entrave político conosco, eu não sei bem por que, mas o
estado e a prefeitura não facilitam as coisas para nós. Eu tenho certeza
que existe alguma questão política, inclusive eu vou entrar com um
pedido de esclarecimento, pois esta é uma festa de relevância. O
Bonsucesso é um bairro muito antigo, um bairro de raiz da Várzea
Grande.
47
[assessor] É eu sei que o Conselho é muito complicado, mas depois
que saem as decisões não tem como mexer, nem adianta, é o Conselho
que delibera.
Ao sairmos da sala F. falou:
Olha, toda vez que for para alguma reunião tem que ser assim de
comitiva mesmo, senão não adianta nada, ninguém bota fé no negócio,
tem que ser assim, igual foi no dia de hoje, ele não teve nem cadeira
para receber a gente, nem que a gente fique em pé, mas ele viu que a
coisa é séria.
A ideia de seriedade se relaciona com a necessidade de se seguir procedimentos
formais, como alvarás, projetos, assessoria, concepções que são fruto da modernidade.
Nota-se assim a importância dos fluxos internos e externos da localidade. Estes
fluxos, como diria Canclini (2003), trazem para a festa uma composição híbrida, onde
se misturam vários elementos como o lazer e a política local. Além disso, observa-se a
formalização do processo de produção da festa, que deixa de ser somente algo interno à
localidade, e perpassa meandros políticos regionais, além de mexer com categorias
sociais como tradição, formalização e participação coletiva. Adquirindo assim a
característica de formatividade como ressaltou Pareyson (1997), onde ao fazer a festa,
os indivíduos fazem a si próprios, se tornando os elementos (indivíduo e festa)
indissociáveis.
Além destas tarefas exigidas para a realização da festa que implicam na busca
por colaborações de órgãos públicos, observar e participar das atividades de preparação
da festa que envolvem trabalhos internos da comunidade permitem descortinar outros
sentidos deste festejo. Para expor tais questões inicio com relatos de campo, registrados
no dia 28 de julho de 2011.
No dia 28, os trabalhos se davam em vários pontos da comunidade: na igreja
pessoas enfeitavam para a missa do dia seguinte, homens levantavam barracas para a
festa. Mas a maioria das pessoas estava trabalhando na descamação do peixe, já que
havia mais de dois mil quilos para preparar. A organização se sucedeu através de grupos
de trabalho, cada um responsável por uma devida parte. Eles começaram a se formar
pela manhã, este tipo de organização soma-se ao associativismo, realçando os laços
sociais internos da localidade. Os moradores dividem um café da manhã, neste
entretempo as pessoas dividem suas opiniões sobre a festa, e a comparam com outras
48
festas anteriores. O grupo responsável pelo processamento do pescado busca em uma
propriedade as primeiras sacolas com peixe. O trabalho com o peixe se estende pela
manhã e os jovens chegaram para acompanhar o acontecimento. Foi este o grupo que
escolhi para acompanhar, justamente por estarem lidando com o peixe, símbolo mor da
festa. Pessoas da comunidade também observavam o trabalho, geralmente eram
convidados a ajudar e se não aderiam ao grupo eram caçoados ou alvo de algum
comentário, e logo se retiravam do local.
Naquele porto, próximo a seus pais, as crianças brincavam de pescaria.
Conforme os restos do peixe eram jogados pelos trabalhadores na água, os lambaris
começavam a se concentrar perto do grupo. Os pequenos faziam armadilhas para fisgar
os peixes. Os adultos os colocavam a ajudar, carregar uma coisa daqui para lá, mandar
recados. Daqui a pouco chega mais um farto café com pão, bolo, guaraná. Na hora do
almoço chegaram umas latinhas de cerveja. O vice-presidente da Associação esqueceu-
se da grelha para assar o peixe para o almoço. E assim manda-se mais um menino ir
buscar o material esquecido, e outro menino para levar a cerveja para casa de alguém
para não esquentar até o peixe ficar pronto. As crianças são envolvidas no trabalho
desde cedo, ao acompanhar os pais, avós, tios e tias no trabalho coletivo. É no trabalho
coletivo que se faz a idéia de coletividade da localidade, pois sempre que se referem ao
trabalho coletivo os moradores acionam a noção de comunidade. E, portanto, a
participação nestas modalidades de trabalho e também no calendário religioso e festivo
põe em relevo quem pertence à “comunidade” e diferencia o morador de Bonsucesso, o
“ribeirinho” do forasteiro, “a pessoa da cidade”. Foi por isso que fiz muita questão de
participar mais do que somente observar ou entrevistar, pois neste caso a participação
faz a diferença.
A minha participação é sempre posta em questão pelos grupos, na medida em
que me aproximo sou chamado a participar no grupo de trabalho de descamação do
peixe. Perguntei a um morador o que ele achava da mídia, que já havia passado ali
através de vários jornalistas locais. Ele disse que achava muito bom para a divulgação
da festa. Mas reclamou da “usura” por parte dos “outros” que só queriam se promover
em cima da festa. Foi quando ele exclamou: “Professor, o senhor tem medo de entrar na
água para descamar o peixe?”. Respondi que não e achei naquele convite uma grande
oportunidade para me envolver melhor. Percebi então uma diferenciação entre dois tipos
de “outros”, ou seja, pessoas de fora da localidade: os “colaboradores” e os
“usurpadores”. E é lógico que eu queria me inserir como colaborador, mesmo não
49
sabendo que já havia sido incluído pela organização dentro desta figura. Como naquele
momento minha prioridade era tentar acompanhar a dinâmica de trocas e de trabalho
nos diferentes grupos, e, portanto, circular pela localidade, deixei a oportunidade de
participar deste trabalho com o peixe para o dia seguinte (29 de Junho), na segunda fase
do trabalho.
Para me aproximar do grupo tento uma conversa com o festeiro, confundindo
com uma entrevista, ele diz que agora não dá tempo nem de dar entrevista, só de
trabalhar. Neste momento percebo que o meu envolvimento com o grupo era parcial,
pois ninguém queria interagir comigo, todos estavam preocupados com o trabalho
coletivo.
O assessor cultural chega, nós tiramos fotos do trabalho, ele me diz que vai
publicar no site da prefeitura e em um jornal. Os festeiros e devotos o recebem e
oferecem café, pedem para ele entrar na água e participar da atividade. Ele se recusa
dizendo que tem outros trabalhos a fazer, e me convida para almoçarmos juntos. Senti-
me na mesma posição do assessor cultural, de colaborador, mas que era mal visto por
parte da localidade, pois estes achavam que nós apenas queríamos ganhar com a festa.
Decidi ir almoçar com o assessor cultural que colabora há anos com a festa.
Ninguém melhor do que ele poderia me dar algumas noções sobre como fortalecer o
contato com a localidade. Comecei a especular sobre os andamentos finais e sobre o seu
papel de mediador entre as formalidades exigidas para a realização de uma festa nos
formatos atuais e da informalidade dos organizadores. Ele me mostrou a pasta que
dedica para arquivar as “coisas da festa”: ofícios, o projeto cultural que era apresentado
para concorrer a financiamentos. Ele disse que como o presidente da Associação está à
frente da festa este ano, eles dividiram estas questões formais, pois este já era um
pescador bem esclarecido; e que não tem todos os ofícios e todos os procedimentos
anotados como nos anos anteriores quando ele estava “à frente da festa”. E resto do
trabalho fica com a “comunidade”.
O trabalho coletivo se divide em etapas e setores. Muito antes da festa o trabalho
da associação é construído coletivamente, todos os detalhes da festa são pensados em
reuniões, em visitas a moradores importantes, arrecadando opiniões. O grupo de
diretores da associação vai a órgãos e empresas angariar fundos e na prefeitura recolher
alvarás. Internamente a localidade os trabalhos se dividem em três setores, a construção
dos barracões, um grupo serve para enfeitar a localidade e a igreja, e um último para
lidar com o pescado.
50
O trabalho com os barracões e feito pelos homens, que junto com seus filhos vão
até uma área de mata próxima para cortar madeira e palha para levantar os barracões,
que posteriormente se transformarão em vendas de doces, peixes, artesanato, bebida,
etc. Estes barracões são construídos em frente a casa de moradores, em cima da calçada.
Existe ainda um barracão maior, o da cozinha da festa, onde o pescado é preparado e
servido. Este local exige um maior número de pessoas e, portanto, necessita de um
grupo de trabalho somente para ele. A decoração da rua é feita por homens e mulheres,
algumas cortam as fitas, mas são os homens que sobem em escadas lançando sobre os
fios de energia elétrica uma fita maior que segura todas as fitas com as cores do santo.
Para a decoração da igreja existe a participação de dois grupos, o grupo eclesial
e alguns festeiros eleitos, ambos ficam responsáveis por comprar aquilo que seria
necessário para enfeitar a igreja, flores, tapetes, fitas. Leva-se a bandeira do santo,
fazem camisetas exclusivas para o grupo que organiza a igreja, pois estes são
funcionários da fé, sentimento que mobiliza a paixão e o sentimento de ser “ribeirinho”.
Neste ano em que a festa foi observada montou-se uma encenação para levar a “oferta”
ao santo. Três moradores constituíam o grupo. Um levava um remo, ferramenta de
trabalho do pescador, outro levava a bandeira de São Pedro e o ultimo levava o
oferenda, um peixe frito em uma bandeja toda decorada.
Por último existe o trabalho com o pescado este é claramente dividido por
gênero. Este demanda mais tempo que os outros, pois começa com a compra do peixe
semanas antes da festa e dura de três a quatro dias somente no processamento do
pescado.
51
Construção do Barracão da cozinha, o trabalho coletivo é posto em relevo.
Foto Lucas Oliveira, 2011.
Construção dos barracões dos moradores que iam montar vendinhas em frente a suas casas, aos
poucos essas barracas vão reconstruindo a paisagem da localidade.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
52
Igreja da comunidade é atrás dela que se dá o trabalho com o peixe.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
A noção de “comunidade” acionada no mutirão para o preparo do peixe envolve
as noções de “tradição” e “identidade”. Ali a conversa é o deleite do trabalho, pois
exercitando a paciência as palavras vêm, e todo tipo de estórias aparecem. Conversas
sobre acidentes, brigas, casos da localidade, herança e até casamento. Todos estão bem
entrosados embora se formem dois grupos, dos homens e das mulheres, onde além do
trabalho o assunto também varia. Os homens ficam com a escamação do peixe, as
mulheres destrincham e transformam em ventrecha as costelas do peixe que serão fritas
e servidas com arroz e salada.
.
O trabalho em grupo.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
53
No dia seguinte, 29 de junho, dia de São Pedro, fui para campo com uma
determinação: “Hoje é dia de entrar mais a fundo no trabalho dos devotos”. Cheguei e
fui logo para a beira do rio. Parecendo ser a ética do ribeirinho, a necessidade de trocar,
fui logo chamado para trabalhar, desta vez não tinha como recusar. Procurei uma faca,
que foi difícil achar, pois todos trazem as suas facas de casa, as mulheres as da cozinha,
os homens as de trabalho. Achando uma faca, que aparentemente havia sido deixada ali
por alguém que estivera limpando o peixe e fora descansar, fui sentar perto de um
senhor, que cuidava de seu neto. Pensei que ele seria a pessoa mais indicada para me
contar umas estórias, e trocar uma conversa, visto ser esse um senhor de idade que devia
saber muito sobre a “comunidade”; além disso, havia uma vaga para sentar ao seu lado.
Seu neto corria muito, então foi difícil começar uma conversa, ele estava sempre
avisando o menino: “não pule na água você está gripado, vou já levar você para sua
avó”. Consegui um contato maior com ele quando este reparou no meu fazer da
atividade, pois o jeito que eu tirava a escama do peixe era diferente, além de estar
perdendo o controle do animal a todo tempo, por ele ser escorregadio. O senhor me
mostrou como cravar as unhas no peixe e com o corte certo retirar todo o couro do
animal, às escamas iam junto com esta primeira camada da pele, depois os cortes
necessários para passar o peixe para a próxima etapa da escamação, responsável pelas
mulheres.
Segundo aquele senhor, aquela união que os pescadores tinham quando ele era
jovem estava se perdendo. Antigamente o pescado não era comprado e sim pescado no
próprio rio e armazenado em tanques para ser destrinchado nas vésperas da festa.
Segundo ele, o lugar se tornou só mais um bairro da cidade, onde os vizinhos brigam,
não mantém mais aquela coesão que existia quando Bonsucesso era apenas a zona rural,
uma área ribeirinha. Ele fala da importância de inserir os jovens dentro da festa porque
ela não é só uma festa de santo, ela traz as pessoas para junto das outras, ela reforça a
“tradição” e a “identidade”. E ao final de nossa conversa ele pede para eu tirar uma foto
sua segurando um belo peixe. Esta foto demonstrou para ele o orgulho de ser o que ele
é, um pescador, envolvido pelo rio Cuiabá.
O almoço chega e sou convidado a ir comprar o refrigerante, cervejas, ou seja,
colaborar com o trabalho coletivo. Sentamos todos na barranca do rio, o almoço foi
sendo trazido aos poucos por outro grupo de trabalho, o mesmo peixe que será utilizado
na festa é preparado na hora para quem está trabalhando na descamação. As pessoas
54
falam como um peixe fresco é mais saboroso. Um velho “chacoteia” um homem de
meia idade, dizendo da briga dele com um parente.
O vice-presidente passava a mão na cabeça, perguntei a ele qual a preocupação:
ele queria um celular com crédito para ligar para o presidente da Associação de
Pescadores. Ofereci o meu e ele ligou e acertou os últimos preparativos. O presidente
ainda ia aos órgãos pegar as licenças para a realização da festa, os alvarás, e o vice ficou
tomando conta dos trabalhos dentro da localidade, junto com o festeiro, estes se
ocupariam do trabalho com o peixe.
“Agora vamos buscar o peixe!”, disse o vice-presidente para mim, e eu pensei
que já estava todo enlameado, e ainda por cima ir buscar peixe, assim ficaria exalando
aquele cheiro até no outro dia. Não teve jeito, fomos até uma chácara nos fundos da
comunidade, onde um empresário, o “amigo” da localidade, negociou doar uma parte e
vender outra do pescado. Quando chegamos lá, os homens que trabalhavam na chácara,
e que eram todos pescadores de Bonsucesso, lamentavam não poder estar ajudando no
trabalho coletivo. Enchemos o meu carro com pescado até a suspensão abaixar. O
funcionário da fazenda de tanques perguntou ao organizador: “Cadê o dinheiro?”, ele
respondeu: “Esse é na conta do seu patrão, anota pra mim que depois eu resolvo”. Eles
dão muitas gargalhadas, pois ambos são pescadores da Associação, e riem pelo fato de
um grande empresário fornecer para eles o peixe da Festa do Pescador. Fomos embora
para o local do mutirão e os funcionários dos tanques vieram atrás com mais um
caminhãozinho cheio de peixe.
Voltando ao trabalho coletivo passo a conversar mais com as mulheres, elas me
ensinam os truques de tirar as espinhas e deixar o peixe limpinho, me ensinaram o
tempero local. Enfim, terminamos a descamação. Agora só falta embalar e por no
freezer, um velho chega com seu carro para levar o peixe para o local da festa. É hora de
se arrumar para ir à missa. Como eu moro mais longe, em outro município, tenho que
sair mais cedo. Na hora em que saíamos do barranco, a TV Centro America chega às 5
da tarde, neste momento não havia mais nada o que ser filmado ali. Os organizadores
reclamam, pois esta é a televisão de maior audiência na região. Marca-se a reportagem
para o outro dia, juntamente com a madrinha da festa: Flor Morena31
. Só que agora os
organizadores irão performar a descamação do peixe para a televisão. A madrinha
31
Flor Morena é uma cantora regional que participa de diversos eventos festivos da religião católica,
canta canções sobre seus santos, e que, portanto se torna importante para a localidade de Bonsucesso por
cantar uma canção para São Pedro.
55
trouxe consigo alguns tocadores de viola para dar um ar “tradicional” à atividade, a
impressão é de que se trabalha e canta ao mesmo tempo.
Na saída da localidade vejo as pessoas arrumando a igreja, os últimos
preparativos para a missa, um grupo espalha velas pela rua da comunidade, outro
pendura bandeirolas coloridas que haviam sido confeccionadas à tarde.
Cheguei um pouco atrasado, a missa já havia começado e parto para conversar
com os cururueiros32
. Disseram que numa festa de santo eles nunca pedem dinheiro, só
cobram em apresentações mais formais, ou seja, fora do contexto “tradicional” deste
ritmo musical. “Aquilo ali é para manter viva a tradição, porque o papel do cururueiro é
esse de animar a festa, e no momento de levantar o mastro, entoar as cantigas
religiosas”. Decido ver a missa mais de perto, porque alguns pontos me interessavam: o
ofertório, onde seria levado o peixe ao altar e apresentado ao padre; a fala do diretor da
escola e a fala de seu F., o contador de estórias da localidade.
Dentre os elementos que eu visava observar na missa o ofertório acontece
primeiro. Aquelas mesmas pessoas que trabalharam no “destrinchamento” do peixe
foram escolhidas para em certo momento da missa entrar pela igreja e oferecer a comida
local ao Santo. Este é o momento em que se erige a “identidade” que quer ser mostrada
e que liga os moradores diretamente ao São Pedro, sendo este o padroeiro dos
pescadores.
Logo depois deste ofertório o diretor da escola fala à frente de todos: primeiro da
importância da cultura, de se manter as tradições e que isso implica em se manter a
união dentro da “comunidade de Bonsucesso”. Ele fala das dificuldades em que se
encontra a profissão de pescador, e da grandeza da festa, de como ela hoje promove o
Bonsucesso e mostra como ele é um polo importante da cultura mato-grossense, mais
do que simplesmente várzea-grandense. Ele reclama dos maus tratos dos políticos, pois
a festa é oficial no estado, mas não tem apoio do governo, só de particulares. Ele fala da
ancestralidade do Bonsucesso, dos resultados publicados pelo seu livro33
, da sesmaria e
do tempo da rapadura, e de que se morava ali e não se precisava ir ao centro, como as
pessoas fazem atualmente para chegar ao trabalho diariamente.
32
Os mesmos que foram chamados para aparecer na reportagem de descamação do peixe pela manhã
daquele mesmo dia.
33 O livro Passado e Presente de Várzea Grande - Confrontos, de Ubaldo Monteiro foi publicado
autonomamente em 1987.
56
Ele então chama seu F., a pessoa que representa o tronco familiar dos primeiros
donos de terras no Bonsucesso, e, quem também lhe cedeu a documentação e contribuiu
na produção do livro, contando estórias e versos. Conforme já destacado anteriormente,
Seu F. funciona como um ícone no Bonsucesso aparece nos programas de televisão
quando saem matérias sobre a vida de beira-rio. Nesses programas ele conta estórias,
poesias, anda de carro de boi, faz rapadura junto com suas irmãs. Ele também já até
participou de propagandas junto com dois humoristas locais, políticos e cantores
regionais.
A idéia de seu F. estar ali é de legitimar a “tradição” e ancestralidade de
Bonsucesso. Ele é a memória viva, pois ele evoca os mitos do passado, como o
surgimento da festa. Ele fala do trabalho com a rapadura, de quando o “ribeirinho” subia
o rio para vender sua produção no Porto de Cuiabá.
Depois da missa há o levantamento de mastro, o presidente tira fotos com
pessoas ilustres, me chamaram para levantar o mastro. Neste momento senti que meu
trabalho fora reconhecido, pelo fato de que os moradores acreditam que quem levanta o
mastro é fortemente abençoado pelo santo. Os cururueiros se põem a tocar, uma criança
começa a dançar com eles,depois me contam que é assim que a “tradição” está sendo
“preservada”. Depois da missa e desses rituais religiosos é servida uma janta de graça e
a madrinha Flor Morena se apresenta no fundo da igreja, umas pessoas ensaiam uns
passos de lambadão, já demonstrando o que seria a festa, muita alegria, as pessoas
festejando, dançando e se divertindo em família.
No próximo final de semana (ao dia de São Pedro) é então que se mistura à festa
religiosa, comunitária, a festa turística. Esta divisão aparente é recheada de signos
locais, e alguns que se modificam para abranger um público mais massivo. No dia 02 de
julho a festa é composta por dois momentos, a refeição e o baile, apenas ensaiam o que
está por vir no dia seguinte, a enorme lotação pelo público de fora da localidade. Nesse
dia o que chamou mais a atenção foi a intensidade do trabalho coletivo posto em prática
para realizar a festa na magnitude desejada pelos organizadores.
57
Em foco o trabalho coletivo.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Segundo constatei em minha participação em campo a dinâmica da festa envolve
duas noções muito importantes para os ribeirinhos, a de participação no fazer, e a noção
de grandeza na avaliação. A participação é um critério que diferencia quem é um
morador ativo nas questões da localidade e quem fica de fora. Moradores participantes
são louvados, se tornam referência e ícones de Bonsucesso. Aqueles que não participam
são mal vistos, chamados de preguiçosos ou egoístas. A noção de grandeza é um
predicado importante para julgar se a festa foi boa ou ruim. Quanto maior o público e a
refeição, mais bem vista é a gestão organizadora. Em várias falas dentre entrevistados e
colaboradores é ressaltada a idéia de “sucesso” da festa. “A festa do ano (...) foi um
sucesso!”, “Já a festa feita pelo (...) não foi boa”. A falha ocorreria na festa sem uma
presença massiva de “pessoas da cidade”. Ao passo que em relação ao dia da missa,
momento inicial da festa, no dia 29 de junho, não se atribui necessariamente um
julgamento de valor; pois não há uma diferenciação explicita entre o “eu” e o “outro”.
Na festa de 2011, mudanças climáticas, ou seja, a chegada de uma frente fria
colocou-se como inimiga do sucesso do evento, os organizadores sentiram-se
preocupados com o decorrer das atividades do final de semana. No primeiro dia não se
vendeu muitos almoços, e nem mesmo ao baile as pessoas compareceram.
58
É hora do almoço, e as mesas se estendem pelo gramado.
Foto: Lucas Oliveira, 2011.
Portanto ficou para o segundo dia de festa turística a expectativa do sucesso para
este ano. Ao mesmo tempo foi no dia 03 de julho que fui mais uma vez absorvido pela
dinâmica da troca empreendida pelos ribeirinhos. Neste dia de festa fazia um pouco
menos de frio, mas a expectativa para a presença de um grande número de pessoas era
ampla, pelos atrativos dos rituais religiosos, principalmente da procissão fluvial. O dia
começou com a alvorada, este é o momento em que os devotos soltam fogos nas
margens do rio para chamar as pessoas para a festa. São também organizados locais
para a soltura de fogos nos vários pontos por onde passara a procissão tanto terrestre
quanto fluvial. Arrumou-se a cozinha; e o palco foi transformado em altar, as cadeiras
foram todas organizadas para a missa. A performance empreendida na procissão e a
missa campal formam uma composição não só de rituais necessários na festa, mas agora
esses rituais são absorvidos porque neste dia a festa é direcionada ao turista. Portanto,
mesmo que a missa seja necessariamente realizada no dia 29, dia de São Pedro, ela é
novamente realizada, no local da festa e num palco grande para abarcar este público. A
missa se torna um show, ela é espetacularizada34
. Antes da missa, outro momento
espetacularizado que vem do âmbito religioso é a procissão.
Da igreja da localidade partiu a procissão com um pequeno número de festeiros.
Ao passar em frente à casa de cada festeiro se fazia uma parada, fogos eram soltos no
34
Em relação às transformações mais recentes das culturas populares, Nestor Canclini (2003) destaca a
espetacularização de alguns elementos simbólicos, ou de toda uma manifestação, como também explicita
Rita do Amaral (1998), ao estudar festas que acabaram por se tornar grandes festivais regionais e
nacionais.
59
quintal e a procissão continuava. Aos poucos cada um ocupava o seu lugar, com o
festeiro, o rei e a rainha à frente. Três canais de televisão e uma rádio acompanhavam a
procissão, fotógrafos e a equipe de filmagem do DVD da festa também. As pessoas
abrem as janelas para olhar. Nos bares os bêbados levantam copos e riem animados com
a procissão. Ao chegar ao final da rua principal a marcha retorna até uma peixaria. Lá a
procissão é recebida com um café da manha. A banda que tocava hinos católicos toca
agora um rasqueado35
, as pessoas dançam, comem e a alegria toma conta do local. A
televisão entrevista os festeiros, pergunta-se qual o sentido da festa, e a resposta parece
óbvia, para manter a tradição. O festeiro aproveita e fala da condição dos pescadores,
que o rio está muito poluído e faz uma fala reivindicatória ao público. O santo é posto
em um altar, acende-se uma vela e a dona da peixaria faz um discurso, agradecendo por
todo ano receber a procissão na peixaria de sua família.
Os barcos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (MT) nos esperam nas
margens do rio. Logo procuro um barco para descer em procissão fluvial. Chovia no rio.
Mas foi bonito ver as pessoas em seus portos olhando a procissão, vez ou outra se ouvia
um “viva” São Pedro. São dois barcos, um contendo os festeiros, e outro, contendo os
amigos, colaboradores. Normalmente neste segundo barco encontram-se os políticos
que apoiam a festa. Mas este ano nenhum deles participou. Somos recebidos por uma
grande soltura de fogos e uma multidão na margem do rio. Logo escuto o locutor
avisando que a madrinha da festa iria receber os festeiros e encaminhá-los até o altar.
Antes todos esticam as mãos e fazem uma prece a São Pedro, pedindo que este melhore
a vida dos pescadores e abra as portas da felicidade para todos os presentes.
Na mesa do ofertório ao santo encontram-se as pessoas mais ilustres da
comunidade, seu F., o contador de estórias e a primeira professora da localidade. Antes
da missa eles são aplaudidos e homenageados. O festeiro entrega o santo ao padre para
que este o mostre para todos. A bandeira do santo também é erguida e agitada no palco.
Alguém corre para a cozinha para buscar o prato de peixe para o ofertório. A missa é
celebrada e ao seu final são revelados os festeiros de 2012, que sobem ao palco para
receber o santo.
Ao final da missa vou à cozinha ajudar. O almoço começa a ser servido. Desde
as cinco da manhã começou-se a descongelar e temperar o peixe. Fazia muito frio e os
homens tomavam pinga. Uma repórter vem pedir para eu deixá-la entrar na cozinha, ela
35
Ritmo muito apreciado pela população regional.
60
estava fazendo uma matéria sobre a festa e queria apresentar o prato típico cuiabano no
site do jornal, digo a ela no que consiste a comida, ventrecha de pacu, arroz branco,
vinagrete e farofa de banana. O dinheiro pago pela comida vai para a Associação de
Pescadores, indiquei que ela deveria entrevistar o presidente, seu vice e a dona de uma
peixaria, dona A., a equipe de fotografia vem tirar fotos, pedem que eu os mostre a
cozinha. Perguntaram-me se eu era o assessor de imprensa, digo que não, sou apenas
um colaborador. A fotógrafa pede para experimentar o peixe, digo a ela que se dirija ao
grupo que está fritando o peixe, lhe é servido um grande prato de comida.
O padre vem almoçar na cozinha, ele quer saber do peixe. As pessoas o recebem
com abraços e muita satisfação, principalmente as mulheres. Decido sair um pouco da
cozinha e ver a movimentação da festa, o almoço e as barracas, a circulação da
multidão. Muitas pessoas bebem desde cedo, outras se lambuzam com comida. O
ambiente é muito familiar, mesas compridas se estendem com toda a família, dos velhos
aos novos. Embora muitos homens jovens viessem à festa para conseguir uma garota,e
as jovens se enfeitam com a mesma intenção. Uma fila enorme se forma na frente da
cozinha.
De repente sou parado pelo presidente da Associação, ele me pede para ajudar
em algumas coisas, ser o juiz da corrida de canoa e dar os prêmios das brincadeiras no
palco. Ele me dá uma camisa e pede que eu a vista, é a camiseta da organização da
festa. Logo corro para a beira do rio, onde um barqueiro me espera. Informo o barqueiro
que eu seria o responsável por ali. Retorno ao palco para avisar ao locutor para fazer a
chamada da corrida.
O barqueiro pede as instruções, e partimos para estender a fita até o meio do rio.
Logo descem os corredores rio abaixo. Uma dupla de jovens vence e pula na água. Subo
como os jovens até o palco para a entrega dos troféus. Os vencedores são louvados com
salva de palmas e gritos. Ao descer o principal interesse dos vencedores é para pegar o
dinheiro do prêmio. Os outros colocados também querem saber dos prêmios, seriam 500
tijolos e um deles já pensava em erguer um banheiro em sua casa. Os jornalistas os
entrevistam como se fossem artistas, logo surgem flashes e luzes em cima dos
corredores. Aos poucos as pessoas começam a chegar na festa e o lambadão começa a
ser tocado, pessoas dançam e cantam em todos os cantos da festa.
Decido sair um pouco da área do palco para ir ver o movimento nas peixarias. O
que me interessa lá é o a gastronomia, que atrai as “pessoas da cidade”. Vou até a
peixaria da família do presidente da Associação. O movimento era intenso, como eu
61
acreditava isso se deu em todas as peixarias. Fiquei ali parado, mas em certo momento,
fui chamado pela dona da peixaria para ajudá-la a servir a polícia e aos bombeiros que
trabalham na festa. Naquele dia separaram-se dois ambientes na peixaria um para quem
está trabalhando e outro dos consumidores, que no dia pagam mais caro. A irmã do
presidente me oferece umas cervejas e pede que eu a ajude, os garçons são meninos
jovens. Ela estava grávida e ficando um pouco confusa com aquela situação. Quando o
movimento cessa um pouco, escuto o som do lambadão parando, é a chamada para mais
uma brincadeira, a competição de quem come mais “ventrechas”. Logo vem alguém lá
do palco e pede que eu leve o peixe e algumas toalhas, algumas mesas são levadas da
peixaria.
Quando cheguei ao palco os candidatos já estão todos atrás de uma grande mesa.
O locutor pede que eu ajude a vigiar as possíveis trapaças. Várias câmeras sobem ao
palco, junto com as equipes de televisão. Começa um movimento louco e engraçado,
alguns participantes se engasgam com as espinhas e gritam: “Água!” Um picolezeiro
desafia os candidatos e anuncia que se ele ganhar vai dar um carrinho com 200 picolés,
o público começa a gritar: “Picolezeiro, Picolezeiro!”. Mas quem ganha é um cuiabano,
um filho de ribeirinhos, e se utilizou de certa técnica para ganhar, tirando o couro do
peixe primeiro, depois separou as espinhas com a mão, assim ele evitava o trabalho de
retirar as espinhas da boca. A televisão o cerca e pergunta se ele está satisfeito. O
vencedor responde que sempre vem àquela festa, e que apesar de comer tanto peixe em
Bonsucesso, sempre leva um pouco para jantar em casa, e que naquele momento ele
ainda iria saborear um peixe cozido com a sua família. Ele levanta o troféu e sai do
palco.
O lambadão recomeça. Neste momento o se formava uma grande fila para
comprar a peixada da festa. Cada vez mais o número de pessoas crescia, e uma larga
multidão ocupa todo o gramado da festa. Volto para a peixaria com o material que fora
utilizado nas brincadeiras, sou chamado novamente para o trabalho como garçom. Ao
final a irmã do presidente me oferece uma marmita com bastante peixe em
agradecimento pela ajuda. Os jovens dançam até a segunda-feira pela manhã, neste
momento bebida e a dança tomam conta da festa. É o momento das paqueras, de
conhecer pessoas, ou simplesmente se divertir com os amigos.
A dinâmica da troca é um ingrediente fundamental da sociabilidade do local e
das Festas, esta troca também faz pensar sobre minha inserção em campo. Fui inserido
nas dinâmicas das trocas, de modo que diversas vezes minha presença é ressaltada, ora
62
como professor, ora como um representante da universidade, nos encontros com
políticos, ou para ajudar a formular perguntas para o vídeo que se pretendia divulgar a
comunidade para o turismo. As trocas também se dão pela exigência de participação
através de múltiplas funções durante a festa: armar o rancho, fritar peixe, ser locutor, ser
juiz da corrida de canoa, etc.; todas essas situações revelam a dinâmica da troca que se
dá nas festas. E eu, enquanto pesquisador fui capturado por ela, e para trocar é preciso
dominar os códigos da troca.
63
Capitulo III: Festa e dinâmicas identitárias
As abordagens atuais, principalmente aquelas advindas das pesquisas
etnográficas acerca de temas como festas, congados, batuques, procuram enfatizar não a
permanência das formas, mas o sentido, a articulação entre forma e cognição, as
singularidades culturais dos processos sociais (SEGATO, 1992, p. 20).
Embora vista por um prisma renovado, a cultura popular é ainda abordada em
muitos trabalhos por um viés romântico. Portanto, pensar as mudanças, reinvenções e
fluxos que se fazem neste âmbito, é uma alternativa qualitativa para dar contribuições
para o estudo das manifestações populares. Cada pessoa envolvida nestas manifestações
atua de forma ativa, recombinando retalhos. As formas e conteúdos navegam e são
incorporados seletivamente de acordo com a proposta dos atores. As manifestações
populares são constantemente reinventadas e transformadas, simplesmente pelo caráter
dinâmico que a própria cultura possui (VIANNA, 2005).
Partilhando das perspectivas teóricas acima apontadas, refletiremos neste
capítulo sobre o processo inventivo no qual a “Festa de São Pedro”, realizada em uma
área rural às margens do rio Cuiabá, Mato Grosso, torna-se a “Festa do Pescador”. A
intenção é apresentar algumas dinâmicas identitárias. A produção e realização da Festa
do Pescador colocam-se como uma tentativa dos organizadores de situá-la como grande
evento não só para balizar a identidade local e regional, mas para potencializar o
consumo turístico e massivo dos bens produzidos em Bonsucesso.
Exemplo de catolicismo popular, a Festa de São Pedro, também chamada de
Festa do Pescador, traz a bagagem cultural dos ribeirinhos, misturada a elementos
diversos, como a música pop regional, o turismo e a política local. A Festa aqui
analisada pode ser considerada especial dentre outras festas que ocorrem na localidade,
pois ela é promovida por um grupo de pescadores organizados em uma Associação
formalizada.
A produção-realização da Festa pode ser vista como um processo ritual, pois tem
uma forma específica, constituindo um sistema cultural de comunicação simbólica
(PEIRANO, 2003). A Festa é o canal privilegiado por meio do qual a comunicação é
estabelecida entre os moradores da localidade e entre estes e a sociedade envolvente. O
festejo consegue congregar pessoas num duplo sentido: os moradores; e numa outra
esfera, os visitantes e representantes das esferas administrativas da cidade, uma vez que
64
a Festa se apresenta como uma forma de acesso ao poder público, à iniciativa privada e
aos agentes culturais, chamados para apoiar a festividade. No processo de construção da
Festa se faz necessário a formação de redes sociais. E são nestas redes estabelecidas que
emergem os fluxos entre a localidade e a cidade e vice-versa.
O que faz a produção da Festa poder ser vista como um evento especial é a sua
potencialidade de edificar e comunicar imagens, de expressar representações sociais.
Nas narrativas sobre o evento são construídas imagens que se referem à afirmação
identitária, à idealização da forma de convívio em Bonsucesso, bem como ao
acionamento da idéia de tradição, muito enfatizada pelos organizadores e moradores.
Nos últimos anos a noção de identidade tem sido amplamente reexaminada a
partir de estudos que visam aproximar-se dos hibridismos, sincretismos, mestiçagens,
enfim, manifestações que tendem a trazer à tona dinâmicas de globalização, localismos
e processos culturais multifacetados e complexos (HALL, 2005; CANCLINI, 2003). A
opção por traçar este caminho coloca-se como relevante na medida em que o que
importa no contexto contemporâneo são as trocas, as mudanças e os choques culturais.
Falar da Festa de São Pedro ou Festa do Pescador de Bonsucesso é poder adentrar em
tais questões. A Festa veicula uma imagem associada a um local, Bonsucesso, e a um
estrato social, os ribeirinhos à beira do rio Cuiabá, mas ao mesmo tempo alimenta o
calendário de lazer das cidades de Várzea Grande e Cuiabá, reunindo pessoas da
comunidade e de fora dela. Portanto, aqui a identidade será tratada numa perspectiva
que ressalte o caráter social e simbólico das dinâmicas identitárias, mas também de sua
ação enquanto algo denotativo de contraste e de identificação formulada num
determinado processo social mais amplo.
Cabe observar que uma forma relacional de produção de identidades é conhecida
na literatura antropológica através da obra, publicada nos anos 40, de Evans-Pritchard
(1993), Os Nuer. O sistema político deste povo baseia-se num processo de articulação
das fragmentações, que num plano micro-social se opõe em segmentos familiares e da
aldeia, mas que dependendo da situação podem-se unir como povo em relação a seus
vizinhos, os Dinka.
Ao final da década de 1960, Fredrik Barth publicou Grupos Étnicos e suas
Fronteiras, um ensaio que tem sido ao longo destes 50 anos amplamente citado e
repensado. Inicialmente Barth (1998) aponta que muitos têm se enganado ao pensar as
diferentes culturas e processos sociais em termos de perdas culturais. Estes estudos
enfatizam a morte das sociedades tribais, as consequências nefastas do capitalismo para
65
os grupos tradicionais e a insurgência de uma homogeneidade cultural causada pela
globalização. Para Barth toda e qualquer variação cultural é descontínua, e, portanto, a
cultura é dinâmica e enfrenta diversos processos ao longo do tempo. Em essência,
segundo as afirmações do autor, as agregações humanas compartilham semelhanças e
diferenças culturais que as distinguem. É na auto-atribuição e identificação como
pertencentes a determinados grupos que os próprios atores conseguem se organizar
como tais e interagir. Portanto, o contraste entre os grupos é relevante como fator de
organização social. A identidade está, então, no processo íntimo de reconhecimento e no
processo relacional de diferenciação e organização.
As relações entre identidade e o conceito de comunidade continuam como
questões abertas e controversas. George Marcus (1991) problematiza o conceito de
comunidade referindo-se a uma localidade e identidade específicas, dissolvendo a
solidez destes conceitos para propor uma análise dos processos identitários em
múltiplos planos e espaços. Tal formação de identidades em múltiplos planos e espaços
pode ser observada na Festa de São Pedro - Festa do Pescador.
Na Festa, observamos a erupção de identidades para dentro do âmbito da
localidade, de forma interna à constituição da produção da festa. E para tal é necessário
perceber como se organizam os ribeirinhos, quais figuras se destacam, as narrativas da
festa, a vida cotidiana, os saberes que implicam no fazer da festa. Numa segunda
instância, será observada a construção de identidades para fora, nos fluxos que os
moradores tecem para realizar a festa, seja com o poder público, com agentes culturais,
com a iniciativa privada e com a mídia. Quais discursos são proferidos, quais noções
são acionadas como os organizadores querem ser vistos através da festa? Como estas
imagens identitárias, para dentro e para fora, se cruzam, se alteram ou mutuamente se
constroem? Trata-se, portanto, de perceber o que une os indivíduos e os fazem pensar
como pertencentes a uma “comunidade ribeirinha”, que a cada ano se integra às cidades
de Cuiabá e Várzea Grande, pois o fluxo de trabalhadores assalariados que vão trabalhar
no centro destas cidades é cada vez maior.
A Festa em suas várias dimensões: identidades para dentro e para fora
Para refletir sobre tais questões, trazemos aqui alguns dados etnográficos
referentes às narrativas sobre a Festa. A primeira narrativa é de uma senhora, que se
66
constrói como a primeira idealizadora e festeira da Festa de São Pedro. Em 1979, ela e
duas colegas foram até o barranco localizado atrás da igreja para comprarem peixe para
a preparação do almoço. No barranco, às margens do rio, encontraram um tarrafeiro
com uns curimbatás e piaus muito bonitos, a claridade reluzia nas escamas dos peixes.
Foi aí que ela fez uma proposta ao pescador: ele daria os peixes e elas preparariam uma
peixada em homenagem a São Pedro, pois era o dia do santo, 29 de junho. O pescador
disse que se fosse para fazer uma homenagem ao santo, elas poderiam escolher qualquer
peixe. Outros pescadores que lá se encontravam também ofereceram seus melhores
pescados para a comemoração. Subindo de volta para a rua da comunidade, elas
convidaram os moradores da comunidade para a peixada. O alvoroço estava feito, as
mulheres logo se colocaram a preparar a comida, cada uma trouxe um ingrediente. Mais
tarde quando o comprador de peixes chegou para buscar o pescado do dia, viu aquele
“furdunço”. Ele e o gerente da empresa que comprava os peixes dos ribeirinhos
decidiram doar chope e uma vaca para a comemoração. No ano seguinte este gerente,
oriundo de uma localidade próxima a Bonsucesso, doou uma imagem de São Pedro para
a igreja. As narrativas das outras senhoras, envolvidas no episódio, reproduzem a
história contada, sempre ressaltando em seus relatos o apelo às trocas, à reciprocidade, à
comunhão local e à construção coletiva da Festa.
Conforme já mencionado anteriormente, sua produção se diferencia do cenário
de realização das primeiras festas de São Pedro. Atualmente, a Festa é organizada pela
Associação dos Pescadores de Bonsucesso. E quando adentramos nos relatos sobre a
Festa produzidos por integrantes da Associação outras questões são inseridas nas
dinâmicas identitárias atualizadas na comunidade. A ex-presidente da Associação é uma
das pessoas indicadas pelos moradores para “falar sobre a Festa”. Nos relatos desta
mulher de aproximadamente 40 anos há referências à organização da Associação, aos
problemas que enfrentava em sua gestão pela desunião dos pescadores para fazer a
Festa e pela falta de participação nos papéis formais da Associação. Ela também ressalta
que em seu mandato houve uma ruptura com a Prefeitura de Várzea Grande. Ela não
conseguiu apoio institucional nos dois anos de sua gestão, fato que acarretou dívidas
para a Associação, destacando que foi muito difícil organizar a Festa. Segundo ela, sem
o apoio do poder público, fazer a Festa se resume em pagar os gastos com a mesma.
Entre os anos de 2005 e 2008, a Festa obteve apoio da Secretaria Estadual de
Cultura de Mato Grosso e foi amplamente divulgada na mídia, além de contar com um
grande número de pessoas nestas edições. Em 2009, 2010 e 2011 os organizadores não
67
conseguiram a aprovação de seus projetos no Edital de Financiamento de Projetos
Culturais de Mato Grosso e, portanto, o evento foi realizado sem um capital prévio,
necessário para o pagamento das atrações e da infra-estrutura do evento. É relevante
notar que a busca de financiamento público e apoio de políticos acaba se tornando uma
busca por reconhecimento do Estado e por ele fazer cumprir seu papel de gestor da
cultura.
A transição de gestão da Associação de Pescadores foi marcada por uma disputa
de campanhas um tanto quanto familiares, onde se apresentavam relações de parentesco
e de compadrio. A fala dos candidatos era a mesma, se resumia em conseguir a
aprovação do projeto da Festa, e fazer uma festa “maior” e “melhor” que as dos anos
anteriores, enfatizando que a grandiosidade do evento festivo seria fundamental para
propagar e enaltecer Bonsucesso. Após a votação, a chapa vencedora se reuniu no
restaurante da família do presidente eleito onde tomaram cervejas e soltaram fogos de
artifício. A princípio, o candidato derrotado parecia o mais preparado para liderar a
Associação, pois já havia sido presidente da Associação de Moradores e trabalhava com
uma cooperativa que vende pescado para mercados locais. No entanto, as pessoas que
votaram no candidato eleito apostaram em duas coisas: primeiro, no “novo”, o
candidato eleito nos debates reforçou que iria fazer um “novo modelo de festa”; e
segundo, em seus contatos políticos, uma vez que trabalhou na campanha de um político
influente, além de ter amigos que trabalham em uma rádio da cidade e de conhecer
fornecedores de peixe, elemento crucial para a realização da Festa.
Estes dados demonstram que para a produção da Festa não basta o acionamento
de laços sociais mais próximos como o parentesco e o compadrio. A Festa, em sua atual
configuração, exige mobilizações que não se esgotam nas trocas entre vizinhos e
mutirões como fora citado no relato do surgimento da Festa de São Pedro contado pela
primeira festeira. É por isso que para ser “presidente dos pescadores” deve-se estar apto
para construir redes sociais mais amplas com pessoas de fora da comunidade,
simplesmente porque as redes sociais mais próximas são limitadas e não conseguem
suprir as demandas de capital e infra-estruturas necessários para a construção da Festa
nas proporções que ela atinge hoje.
A religião, que era o foco principal da Festa em seu início, agora se mescla a
outros elementos, como o turismo, o lazer - não somente para os moradores de
Bonsucesso, mas para os habitantes das cidades de Várzea Grande e Cuiabá - e o
consumo. Como um micro-sistema dentro da Festa, a religião é elevada à categoria de
68
“tradição”; é o momento tradicional da Festa; a parte que não pode mudar; é referência
de memória, da localidade de pescadores que necessitam da benção de São Pedro. No
relato mítico da Festa de São Pedro, citado inicialmente, a homenagem ao santo através
do banquete era o motivo da manifestação, não havia uma relação com políticas
culturais, visibilidade e mídia. A proposta da festa enquanto Festa do Pescador vem
suprir uma demanda pela expansão e por visibilidade do bairro localizado em uma área
rural e a demanda por fontes de renda para a localidade, como o turismo. Fazer a festa
hoje expõe a necessidade de notoriedade da Associação e da localidade.
Embora se perceba uma reconfiguração nos modos de produzir a Festa, os
discursos dos candidatos ao cargo de presidente da Associação recaem em uma imagem
muito presente nas representações dos moradores: a idéia de união. Os candidatos
apresentam como proposta unir a comunidade e a “categoria dos pescadores”, trazendo
assim benefícios para a comunidade e para o turismo local. Portanto, saber fazer a Festa
do Pescador, diferente da festa de São Pedro, é saber tecer redes sociais mais amplas, e,
além disso, é saber reforçar uma idéia que a localidade tem de si, de ser unida.
A Festa de São Pedro quando ela surgiu pode ter sido uma manifestação que
encontrava sentido na organização interna das relações pessoais. Atualmente, num
contexto mais complexo de relações pessoais, interessa para os moradores também
realizar uma Festa do Pescador na medida em que seu enfoque é justamente a extensão
das relações com diversos setores da sociedade.
A Associação conseguiu se tornar uma figura importante da Festa, dedicando
maior atenção e sendo responsável pela condução de momentos específicos da Festa: as
refeições e os bailes. Enquanto que os ritos religiosos e a comunhão com o santo
colocam-se como algo interno à própria localidade, de cunho mais restrito. Podemos
perceber uma festa com diferentes campos simbólicos atuando e com diferentes
extensões.
Mesmo com toda a importância que a Associação ocupa, existe um universo na
Festa que está além da Associação, a “comissão da igreja”, pessoas que cuidam das
questões religiosas locais, que organizam as festas da igreja, e que escolhem os festeiros
de São Pedro. Esta extensão da Festa constitui o terreno religioso da festividade em que
são dinamizados movimentos internos à própria localidade. Para os moradores a parte
religiosa da Festa não deve mudar; e nem se envolver diretamente nos fluxos que a
Associação tece com os órgãos públicos e privados da região. Deste terreno só se
participa quem é da “comunidade” e quem é “pescador”, atuando de forma a reafirmar
69
constantemente a sua identidade, num movimento em que a dinâmica da troca abarca o
universo da festa.
Agora quem faz a festa aqui é o presidente, ele tem que estar junto, ir
para os órgãos. A gente vai junto quando pode, quando é para ir na
prefeitura assim eu até vou pedir dispensa para ir. Mas eu vou ficar
mesmo com o serviço braçal, reunir as equipes pra montar o barracão,
cortar o bambu, vou chamar meus colegas, aquelas pessoas que eu sei
que vão trabalhar. Esse serviço não muda. No dia da festa, o festeiro
não trabalha, a gente só se prepara para fazer a procissão, descer o rio
Cuiabá. A comunidade escolheu o festeiro, então a gente tem que estar
lá, presente.
Para mim que é a primeira vez que eu vou ser festeiro significa
representar a comunidade. Você vai vestido com o que a “comissão”
elege, se tiver que alugar um terno eu vou ter que alugar.
Eu acho que o papel do festeiro não mudou nada, ficou a mesma
coisa. E tem que ser sério, tem que representar.
(Seu C., Rei da festa de 2011)
Aqui se apresenta o “universo festivo” de São Pedro, uma parte da festa que está
dentro da Festa do Pescador e que exige toda uma hierarquia de papéis desempenhados
pelos festeiros que seguem uma “tradição”.
Em entrevistas com os festeiros, eles falam sobre os seus papéis, o seu trabalho,
este é bem definido e a ele não se acrescentam outras etapas. Quando inquiridos sobre
os significados dos ritos dos festeiros, estes não se interessam em responder. Creio que
mais importante do que se preocupar com questões do tipo: por que o nome “alferes da
bandeira”; é saber o que o alferes faz com a bandeira. Em certa ocasião perguntei ao
festeiro do ano de 2011, o que significa “lavar o santo”? Passear com ele na rua? Ele me
afirmou que não sabia que sempre era feito assim, e que perguntasse à sua mulher que
possivelmente poderia me dar uma resposta. É evidente que dentro deste universo de
conhecimentos religiosos as mulheres se destacam muito mais do que os homens.
Quando inquirida a mulher do festeiro remeteu aos conhecimentos de sua mãe, a
senhora foi ensinada que lavar o santo abre as portas para os pobres, além é claro de
trazer boas chuvas no próximo ciclo de plantio agrícola. Andar com o santo na rua ela
não sabia, mas o marido logo respondeu que o sentido era de representar a categoria dos
pescadores. Ao contrário da consciência da cultura que se tem em relação ao turismo, a
parte religiosa da festa impõe um caráter totalmente sistematizado e que é internalizado
de tal maneira que o que se faz é tradição, e não se discute.
70
O rei e a rainha ficam à frente na procissão e nas atividades, o alferes de
bandeira leva a bandeira, o capitão do mastro fica responsável por cortar a madeira,
orná-la e afixá-la no dia da Festa, os juízes levam as coroas que vão enfeitar o altar do
santo no dia da missa. Alguns dias antes da Festa, o rei e rainha, que foram escolhidos
na missa do ano anterior, organizam grupos de trabalho para executar algumas tarefas.
São elas: o ornamento da igreja, o qual é pago pelos festeiros, são flores, tapetes, fitas; a
formação dos grupos de trabalho que vão preparar o peixe, construir a cozinha, feita
com bambus e palha, etc. A todo o momento em que as pessoas estão preparando a
comida ou trabalhando, os festeiros ficam responsáveis por alimentá-las, preparar os
lanches, levar o almoço para as pessoas que estão cortando os peixes na beira do rio.
No dia da Festa as figuras mais prestigiadas são os festeiros, neste dia é dito que
eles não trabalham. Eles se resguardam para realizar a procissão terrestre e fluvial,
carregando o santo e representando os pescadores. Ao contrário da direção da
Associação que tenta angariar a participação de pessoas com diferentes ocupações
oriundas da comunidade na formação das chapas, os festeiros continuam sendo
exclusivamente pescadores. São estas as pessoas que põem o santo na rua, que o
carregam, o lavam, o passando adiante ao fim da procissão fluvial para os festeiros do
ano seguinte.
A Festa opera em dois âmbitos, num plano mais interno que engloba as relações
religiosas, as relações sociais entre os moradores; e outro mais externo que põe em ação
a Associação e suas dinâmicas de troca para além de Bonsucesso, costurando redes
entre a localidade com esferas administrativas das cidades de Cuiabá e Várzea Grande.
Tais planos estão refletidos no próprio calendário da Festa. Conforme vimos nos
capítulos anteriores a Festa é realizada em finais de semana diferentes. O evento festivo
que tem a centralidade nas dinâmicas religiosas e nas relações internas da comunidade é
realizado no dia do santo, ou seja, dia 29 de junho, dia de São Pedro, a Festa de São
Pedro, ou seja, a festa é destinada à comunidade, aos de “dentro”. No final de semana
seguinte o evento ganha outra amplitude, recebe um maior número de visitantes e de
autoridades políticas, são realizados os shows e o grande almoço, ou seja, a festa é feita
para um público de “fora”. Tais desdobramentos refletem nas dinâmicas sociais que
estão sendo dramatizadas na Festa.
No próximo capitulo, continuaremos abordando tais dinâmicas, enfocando de
forma mais específica a relação da Festa com a Associação dos Pescadores de
Bonsucesso.
71
Capitulo IV: A Associação e a Festa
Neste capítulo serão abordados a relação entre a Associação e a Festa e as
dinâmicas de profissionalização da mesma. Serão analisados ainda os desdobramentos
deste processo de profissionalização nas formas de produzir e realizar a Festa e
consequentemente na construção e exibição de identidades.
A Associação de Pescadores: o profissionalismo da Festa
Passemos a falar um pouco mais sobre a Associação dos Pescadores, pois ela é
fundamental para a compreensão da passagem de Festa de São Pedro para Festa do
Pescador. A idéia que os organizadores têm é a de que a organização em associação
proporciona legitimidade de representação, uma vez que se constitui em uma
representação formalizada, principalmente quando se concorrem aos apoios financeiros
públicos ou privados.
A Associação de Pescadores atua de forma central na Festa. Portanto, o discurso
que se apresenta hoje na Festa parte do pressuposto da busca por uma sociedade civil,
por cidadania. Além disso, a Festa se torna um mote usado para a representação da
categoria de trabalho, “os pescadores” abençoados por São Pedro, onde no momento do
preparo e da realização da festa coloca-se a possibilidade do acesso ao poder público.
No momento em que as leis de pesca são instituídas no Mato Grosso,
modificações aparecem (SILVA & SILVA, 1997). Os moradores da localidade contam
que se criou este aparato de associativismo para um melhor controle da atividade que é
executada em diversas localidades do Vale do Rio Cuiabá. O culto ao padroeiro dos
pescadores é incorporado como uma das atuações da Associação de Pescadores de
Bonsucesso e Pai André. Como a festa é uma das “tradições” locais das mais
enaltecidas pelos moradores, fazendo parte do calendário e das rotinas religiosas não foi
difícil a associação entre “culto ao santo” e “participação” na Associação de Pescadores.
A categoria “participação” é pensada como algo necessário para os moradores, não
importa se a participação é na Associação de Cultura e Turismo, na de Pescadores, de
Moradores de Bairro, é a participação na vida social do bairro que é diferencia o
“ribeirinho” do “outro”.
72
Nesse sentido outra categoria se associa à anterior, a preservação da tradição
que é enfatizada pelos mais antigos, e que dizem estar se perdendo para o
individualismo da geração jovem. Esta necessidade de “tradição” se torna uma
prerrogativa para a realização da festa. Portanto, na medida em que se incorpora a
necessidade de processos formais para a realização da festa causa-se uma abertura para
a participação política.
Minha percepção é a de que em Bonsucesso tudo sugere que política e religião
andam juntas. Igreja e as Associações são espaços primordiais de convívio e atuação
social nesta localidade, e estão localizadas espacialmente frente à frente. Portanto,
minha participação na Festa foi uma estratégia para perceber que, fluxos entre arenas
diversas da vida social tornam-se altamente estimulados através das festas36
, e, no caso
dos dados coletados percebemos que através da Festa aparece um grande jogo de troca,
reciprocidade e representação. A organização em Associação proporciona legitimidade
de representação, pois é uma representação formalizada, principalmente quando se
concorre a apoio financeiro. Além disso, usa-se o nome da Associação como fator de
representação também perante a sociedade de forma geral.
No realizar da Festa esses atores tornam-se sujeitos políticos organizados,
tentando estabelecer um diálogo crescente com o setor público. Embora este coletivo
organizado surja como grupo de interesses, ou como um grupo de pressão que atua
segundo regras exclusivas de financiamento para projetos culturais, seus resultados e
impactos não são parciais. Esta forma de atuação pode alterar progressivamente o
comportamento deste setor da sociedade civil frente ao Estado. Esse movimento, por
exemplo, possibilita que num determinado período o “presidente dos pescadores” possa
ser representante das demandas e interesses da comunidade, implicando na realização
mediações para a aquisição de melhorias para a população do bairro. Como ocorreu no
dia do lançamento da Festa, momento em que o presidente pediu a um deputado uma
camada asfáltica para melhor receber os visitantes, pedido que foi atendido.
Sem um contingente significativo de representantes da “classe dos pescadores”
de Bonsucesso, a Associação dos Pescadores reivindica o apoio de toda a comunidade
na produção da Festa. O estatuto da Associação foi reformulado em 2011, permitindo
que todo e qualquer morador de Bonsucesso possa votar, bem como se candidatar à
diretoria da Associação. A participação na eleição e candidatura era permitida apenas
36
Conforme afirma Rita do Amaral (1998)
73
àqueles que possuíam a carteira de pescador profissional, aparentemente restringindo
esta atividade política apenas aos homens37
.
A pesca no Rio Cuiabá é uma atividade em declínio. A escassez do pescado é
atribuída à instalação de uma barragem de energia elétrica rio acima, que segundo os
pescadores alterou o fluxo das águas, prejudicando a reprodução dos cardumes. Não se
pode pensar em fazer uma festa com peixes doados pelos pescadores, como era feito até
a década de 1990. E ao final das reuniões da Associação há sempre discussões sobre a
situação da pesca, os fluxos do rio, a situação dos pescadores. A Associação também se
coloca como um espaço em que se atualizam os assuntos do cotidiano e do pescador.
A Associação de Pescadores de Bonsucesso surgiu em 1980, por intervenção da
Colônia de Pescadores Z1, órgão que cuida das questões legais dos pescadores. Na
época o presidente era o mesmo que estava por trás do início da festa de São Pedro, e
que era também fiscal da superintendência de pesca, no tocante a questões de pesca no
rio Cuiabá. O órgão criou uma série de reservas pesqueiras ao longo do rio, territórios
onde se concentravam o maior número de pescadores, e consequentemente nas
comunidades ribeirinhas. Nestes locais só era permitido pescar com anzol, ou seja, a
idéia era criar áreas que fossem preservadas e fiscalizadas pelos próprios moradores. Ao
longo da comunidade de Bonsucesso, em 1 km de rio não se poderia jogar rede ou
tarrafa, tentando evitar a pesca predatória. Para cuidar das reservas, o presidente foi até
as comunidades e criou uma série de associações. Hoje em dia, a competência sobre a
pesca não fica mais somente com o IBAMA e foi passada a fiscalização para a
Secretaria Estadual de Meio Ambiente, tendo uma subsecretaria voltada para a pesca.
As reservas pesqueiras também não funcionam mais. Em Bonsucesso ao contrário das
outras localidades, a Associação não morreu, ela tomou outro significado e outra
função, fazer a Festa do Pescador. Não se sabe ao certo quando a Associação tomou esta
função para si, mas foi logo no início da festa na década de 1980. Naquela época ela
exercia as duas funções, cuidar da reserva pesqueira e buscar apoio para a festa, que era
pequena e que, portanto, não exigia um grande dispêndio de tempo e trabalho como
37
É evidente o domínio masculino dentro do universo da Associação, e, apenas uma mulher conseguiu até
hoje ser presidente da Associação. Embora neste caso “Festa de São Pedro a Festa do Pescador”
apresente-se o tempo todo considerações sobre o gênero nas narrativas das festas, não as abordaremos
aqui. Haveria necessidade de uma extensão da pesquisa para avaliar os papéis de gênero tanto na
Associação, quanto na organização da festa, bem como tal questão se apresenta no mito fundacional do
festejo.
74
demanda hoje. Conforme a festa foi crescendo essa demanda de tempo e trabalho foi
aumentando, e consequentemente foi aumentando a importância da Associação.
Com a Associação surge a figura da “diretoria”, é ela que vai atrás dos
patrocínios, dos agentes culturais para elaboração de projetos, da contratação de bandas,
incentivo de comerciantes, da prefeitura para viabilizar infraestrutura, etc. O presidente
da diretoria é a figura central do processo, dele se exige a maior parte do trabalho e do
tempo necessários à realização do evento. O presidente acaba sendo enquadrado como o
responsável pela manifestação e como principal mediador entre o planejamento dos
organizadores e o contato com os fornecedores de pescado e órgãos públicos.
A representação social e a teatralização da identidade
Podemos dizer que angariar fundos para a elaboração da festa é uma tarefa árdua
e que para os organizadores acaba por se traduzir num drama social na concepção de
Victor Turner (2008) onde o drama tem como ponto essencial uma ação que rompe com
o que é vivido cotidianamente quase que de modo automático, e, que desencadeiam
processos compensatórios. De certa forma, os organizadores enxergam seu trabalho
como um drama, sendo a festa um rompimento com a rotina e sua ênfase na alegria se
dá através de alguns momentos em que o lazer prevalece sobre aquele árduo trabalho. A
cada ano, seis meses antes da festa eles começam a procurar pessoas que possam
elaborar projetos culturais, que possam fazer mediações políticas, acompanhá-los à
Assembleia Legislativa, que façam a publicidade, que financiem gasolina, enfim, uma
série de tarefas que exige muita negociação e dispêndio de tempo. E a cada grupo que
passa pela Associação alimenta-a de experiências, de contatos e dramas.
Em 2011, após dois anos sem apoio do poder público, a Associação decidiu
contratar um agente cultural para ajudá-los a organizar o evento. A idéia é a de que a
necessidade de profissionalismo para a realização do evento é algo necessário para
situá-lo como evento turístico e de visibilidade no cenário da região. E, portanto, os
organizadores se põem a aprender com alguém que possa mostrar-lhes alguns meandros
necessários ao profissionalismo do evento. Principalmente porque cada vez mais se
pretende a construção de um evento mais bem estruturado, e assim até o ano da Copa do
Mundo de 2014, que no caso coincidirá com o mês da festa, junho, que para os
envolvidos com a organização será o auge da visibilidade da festa, quando irão “lançá-la
75
para o mundo”. Parte-se do pressuposto de que para projetar a Festa para fora da
comunidade é necessário organizar o discurso e as idéias.
A busca pela “profissionalização” da Festa não é incompatível com o
acionamento das noções de tradição e patrimônio. Em meu contato com os moradores,
organizadores e festeiros, o principal argumento que se percebe no discurso sobre a
festa é o argumento da tradição, isso consta claramente no projeto cultural que foi
construído em 2011 para apresentação na Secretaria Estadual de Cultura de Mato
Grosso. Além disso, é amplamente acionada nas falas dos entrevistados a ideia de que a
festa é tradicional, de que o Bonsucesso é a raiz de Várzea Grande, pois são filhos de
ribeirinhos, pessoas que foram do campo e que ergueram a cidade, além da construção
da noção de que Bonsucesso é uma comunidade unida.
“A festa é tradicional”; “Bonsucesso é a raiz de Várzea Grande”; “Somos filhos
de ribeirinhos, pessoas que vieram do campo e que ergueram a cidade”; “A comunidade
é unida”, são frases bastante proferidas quando o assunto é a Festa do Pescador. Ao
relatar as dificuldades de financiamento e apoio, o presidente da Associação se queixa:
Ninguém oferece verba, os empresários só oferecem produtos, como
se a gente não tivesse outros gastos com a festa, só com arroz. Você
acredita, como pode ser isso, né? A festa é importante para o
município e até para o Estado. Ela é uma festa tradicional, já se
tornou um patrimônio cultural, e a prefeitura, o governo, as empresas
não estão nem aí pra gente, nem para o nosso bairro.
Ao empregar algumas noções exploradas no campo científico e pelas políticas
culturais, o presidente da Associação dá um uso singular a elas, re-significando as
noções para legitimar o seu discurso. As noções que permeiam a caracterização do
evento como tradicional e patrimônio cultural estão embasadas em concepções
temporais, ou seja, a festa remete a um passado longínquo. Passado longínquo este que
não se remete necessariamente ao período de existência da Festa, quando inquiridos os
moradores afirmam que o evento tem 31 anos. O que a qualifica como tradicional é o
lugar da festa, Bonsucesso, uma localidade “antiga”, originada de uma sesmaria, cuja
população é ribeirinha e, portanto tudo que é produzido lá seria “tradicional” e um
“patrimônio cultural”.
A idéia de que a Festa não é simplesmente uma festa, mas sim uma manifestação
da tradição, um patrimônio, revela que é necessário para os organizadores enfatizar o
lugar social e político que a comunidade adquire quando situada em relação ao
76
município de Várzea Grande. Assim, o presidente da Associação se constrói também
como pessoa “importante”, alicerçado no jeitinho brasileiro, onde sua autoridade é
afirmada no sentido de demonstrar que o sistema é hierárquico e inapelável
(DAMATTA, 1986, p.101). A maneira de me receber propõe isso, ele sempre marca os
dias de encontro, de maneira que seja reservado um tempo só para mim, mesmo que
curto, mas que ele possa dedicar total atenção a minhas indagações, formalizando assim
nossos encontros. A maneira com que ele se apresenta nos órgãos públicos, sempre
enfatizando ser o “presidente”, também é bastante reveladora. Nestes eventos, ele é o
primeiro a entrar, o primeiro a falar, e em sua fala sempre faz menção ao “coletivo”,
usando expressões como “nós viemos aqui hoje”, “nós estamos indo atrás de tal
pessoa”.
Mas dizer que a festa é tradicional, e que, portanto, todas as demandas devem ser
supridas pelo poder público não implica em resultados objetivos. O presidente tem
consciência de que não é tão simples assim, por isso a necessidade de aprovar um
projeto cultural, de busca por suporte na iniciativa privada, de busca por “padrinhos” da
festa, escolhidos entre os comerciantes do município.
E neste movimento a utilização das noções de tradição e patrimônio é muito
importante, pois cativam os contatados e constroem o apelo emocional. Elas
contextualizam a manifestação sendo o ponto de partida do apelo, seguidos dos
argumentos como o descomprometimento do poder público, o descaso com uma
localidade importante como Bonsucesso. Construir a Festa como patrimônio e tradição
coloca Bonsucesso em situação privilegiada. Mesmo com todas as dificuldades para a
realização da Festa, a Associação recebe algum tipo de apoio. Outros bairros de Várzea
Grande encontram grandes dificuldades para executar “projetos culturais”, não
conseguindo apoio nem na esfera pública nem na privada.
Recentemente a noção de “patrimônio imaterial” tem sido enfatizada pelos
órgãos públicos partindo da premissa de que há uma série de manifestações que não
eram contempladas em termos de um amparo legal de modo a assegurar sua
manutenção:
Durante 12 anos essa imaterialidade foi, de certa forma, inapreensível
pela lei. De 1988 em diante um grupo ligado ao estado pôs-se a
trabalhar na construção de uma regulamentação de políticas para a
área. O esforço resultou no Decreto 3.551 de 4/8/00, que institui dois
instrumentos de salvaguarda e proteção do patrimônio imaterial: o
registro e o programa que dão ao inventário cultural de bens imateriais
77
ênfase e centralidade. Passam, assim, a existir “novos” mecanismos,
importantes para a valorização e proteção do patrimônio cultural,
sobretudo das culturas populares. (VIANNA, 2004, p.15.)
Trata-se de festas, folguedos, modos de fazer de artesanato, culinária, etc., ou
seja, um conjunto amplo e pouco delimitado de manifestações e saberes que requerem
medidas de proteção que ainda não tinham sido estabelecidas. Estes modos de ser e de
fazer certamente constituem diferenças sociais e são encarados pelos órgãos como um
meio de acesso a direitos e cidadania.
Temos assistidos nos últimos anos inúmeros movimentos e processos
de construção de identidades, revitalização de expressões culturais,
enfim, ações que apontam para um conjunto de representações que
designam um momento de resgate das tradições culturais. É sabido
que, para que uma tradição permaneça existindo ela deve modificar-
se. Neste sentido, uma justificativa para a retomada da tradição, da
memória e dos processos de construção identitária, por meio do
patrimônio imaterial, sem que isso signifique uma volta ao modelo
folclorista, consiste no peso dado à criatividade (ROCHA, 2009,
p.230).
Segundo Gilmar Rocha (2009) noções como a de tradição e patrimônio são
operacionalizadas por atores da cultura popular na medida em que se tornam
instrumento dentro de suas realizações. O discurso do presidente é construído a partir de
uma abstração desta discussão.
Para valorizar a Festa, é necessário categorizá-la como um patrimônio para que
seja reconhecida e assim alcançar os resultados. Construírem-se como detentores de um
patrimônio e de uma tradição colocam-nos em situação privilegiada. Eles acabam sendo
apoiados, mesmo que passem por dificuldades, constituindo-se num setor diferencial da
cidade, já que pessoas de outros bairros encontram grandes dificuldades para executar
projetos culturais, não conseguindo apoio nem na esfera pública nem na privada.
Outro ponto que ressalto trata-se do que acaba acontecendo com a(s)
imagem(ns) que a Festa expõe. A visibilidade dela também pode implicar em riscos e
conflitos. O presidente da Associação enfatiza que todo mundo está preocupado em
“usar da festa”, usurpar os ribeirinhos como era feito no passado: jornalistas, fotógrafos,
políticos, comerciantes, tanqueiros de peixe, agentes culturais. Ele diz que já foram
procurados por quatro tanqueiros, cada um com propostas de vendas diferente. Mas
enfatiza que todos querem vender o pescado, nenhum se propõe a doar nem sequer um
quilo de peixe. Ele conta que no dia da Festa o número de repórteres querendo
78
entrevistar os moradores é tão grande, que eles nem desfrutam do lazer. E que os flashes
chegam a incomodar os moradores e pessoas que almoçam.
Mais uma vez aqui a produção da festa coloca-se como um drama repleto de
ambiguidades e conflitos. No entanto, neste novo formato da festa, que pressupõe busca
por apoio, por recursos financeiros e por visibilidade, é preciso assumir os riscos da
“usurpação”. E uma das estratégias para superá-los é o acionamento da dinâmica da
troca, já ressaltada em outro momento desta dissertação. A fala abaixo é do presidente
da Associação e constitui-se num apelo para a inserção do próprio pesquisador nesta
dinâmica:
Agora é o momento de fazer aparecer a demanda, a população, já
selecionei alguns políticos eleitos, vereadores e deputados para onde
vou levar o projeto da festa, fotos e quero que você vá também, um
pesquisador, para eles verem que o negócio é importante. Eu vou em
alguns comitês, e se for necessário vou ficar lá até a pessoa aparecer,
vou vencer estes políticos pelo cansaço, porque eles tem que ajudar.
Podemos perceber a importância da noção de visibilidade da Festa. Para isso ele
criou um site para divulgar o evento e as peixarias da localidade. Ele também quer
investir numa produção fílmica da festa, a gravação de um DVD que ele enviará para as
televisões buscando apoio para o ano de 2012. Quando ele diz: “Agora é o momento de
fazer aparecer a demanda, a população”, refere-se à necessidade de visibilidade para
consecução do evento. Ele então tenta buscar os meios para consegui-la, visitas a
políticos e comitês de partidos, empresas; sempre munido de fotos, de sua direção, de
um pesquisador, objetos que legitimem a “tradição”. Essa narrativa demonstra a
compreensão das potencialidades que a mídia e a visibilidade podem dar à festa, de que
se inserir no espaço midiático e político é reestruturar aquela festa “autêntica”, onde
atualmente devem ser buscados elementos que a impulsione perante estes setores,
demonstrando assim que os fenômenos culturais folk ou tradicionais são produtos
multideterminados de agentes populares e hegemônicos, rurais e urbanos. Por
conseguinte é possível pensar este popular como um processo híbrido e complexo,
procedentes de diversas classes e grupos (CANCLINI, 2003, p 221).
Conforme destacado no Capítulo III, a religião, que era o foco principal da festa
em seu início, agora se mescla a outros elementos, como o turismo, o lazer para a
cidade, o consumo. Como um micro-sistema dentro da festa a religião é elevada a
“tradição” que não pode mudar, ela é referência de memória, da localidade de
79
pescadores que necessitam da bênção de São Pedro. A festa ainda que possuindo
fortemente o seu lado católico não é apenas uma manifestação do catolicismo, mesclam-
se políticas culturais, visibilidade e mídia. A sua proposta enquanto Festa do Pescador
vem suprir uma demanda pela expansão e por visibilidade da localidade e a sua
demanda por turismo e renovação da produção da localidade. Fazer a festa hoje
transparece uma necessidade de ter cada vez mais alcance e notoriedade, e que, por
conseguinte seria também a visibilidade da localidade. A Associação ocupa um lugar
fundamental nestas dinâmicas.
Portanto, saber fazer a Festa do Pescador, diferente da festa de São Pedro, é
saber tecer redes sociais mais amplas, para além da comunidade, ao mesmo tempo em
que é também saber reforçar no discurso uma idéia que a localidade tem de si,
principalmente calcada no ideal de união e harmonia. A “Festa de São Pedro” quando
ela surgiu pode ter sido uma manifestação que encontrava sentido na organização
interna das relações pessoais. Atualmente, num contexto mais complexo de relações
sociais, interessa para os moradores realizar também uma “Festa do Pescador” na
medida em que seu enfoque é justamente a extensão das relações com diversos setores
da sociedade, e de se afirmar a identidade do ribeirinho perante a sociedade várzea-
grandense e cuiabana, promovendo a produção local do pescado.
A Associação conseguiu se tornar uma figura central da festa, dedicando maior
atenção à comensalidade e ao baile, momentos que são comerciais. Os ritos religiosos, e
a comunhão com o santo colocam-se como algo interno à própria localidade, de cunho
mais restrito. A procissão seria nesse sentido um desfile da identidade, uma mediação
entre os momentos sagrados e profanos.
Um dos elementos que impulsionam a Festa enquanto manifestação turística e de
lazer é o peixe, cardápio principal da Festa e momento mais esperado e explorado em
termos de visibilidade pelos organizadores. De fato várias emissoras de televisão vêm à
comunidade para filmar a limpeza e fritura do pescado. É nesse momento que
percebemos claramente processos próximos àqueles nomeados por Marshall Sahlins
(1996), de indigenização da modernidade, onde a consciência da cultura é tomada como
partido para a ação social. Os organizadores espetacularizam o momento dispondo o
peixe frito dentro de uma canoa para ser fotografado.
Em entrevista com a dona da primeira peixaria da localidade, Dona A., a mãe do
presidente da Associação, ela se diz sentida em relação a algumas coisas na Festa,
“coisas que se perderam”. Ela diz que naquele tempo (quando a festa começou) era
80
bonito ver o festeiro organizando as pescarias, ele ia atrás dos pescadores formava os
grupos. As mulheres todas ficavam esperando os homens voltar na beira do rio, depois
escamavam os peixes. Ela disse que neste ano de 2011, o filho dela quer comprar o
peixe já fatiado, e que vai comprar uns 200 quilos só para a televisão vir filmar. Mesmo
com o crescimento da festa, com o aumento do número de fregueses, ela diz que seria
bom se ainda fosse possível dar o peixe. Por trás deste manejo com o pescado e o seu
caráter de dádiva reside a idéia de autonomia da comunidade:
Se o rio pudesse dar o peixe para o povão, ai continuaria tradicional
como era antigamente, ai não estaria incomodando ninguém, nem
pedindo nada para ninguém, e a comunidade ia estar envolvida para
fazer a festa, pois não ia sair caro, não teriam esses luxos, essas coisas
que cada um cobra uma coisa. (Dona A.)
Em relação à tradição da culinária local, ela diz:
O que eu faço de comida é aquilo que os cuiabanos faziam, e nós
estamos usando até agora. A única coisa que mudou foi que antes o
peixe era acompanhado de arroz sem sal, e agora tem sal, e alguns
nomes também mudaram, como escabeche, na realidade é peixe ao
molho, esse foi clientes que colocaram, mas, por exemplo, a mujica é
a mesma coisinha. O peixe é o que garante a festa de São Pedro.
A idéia de que o peixe garante a presença das pessoas está no imaginário dos
moradores de Cuiabá e Várzea Grande: se você quiser comer um bom peixe, nos moldes
“tradicionais”, deve-se ir até estas localidades ribeirinhas. O momento da festa é uma
oportunidade ímpar, pois o preço acessível a uma grande quantidade de pescado salta
aos olhos das pessoas. Portanto o “peixe” enquanto categoria simbólica, e aquilo que ele
representa enquanto mote identitário é um símbolo prestigiado em Bonsucesso.
Conforme já enfatizado, um dos elementos que impulsionam a Festa é o peixe,
cardápio principal do evento. A peixada é o momento mais esperado e explorado em
termos de visibilidade pelos organizadores. Ao passo que as televisões vêm à
comunidade para filmar a limpeza e fritura do pescado, os organizadores também
espetacularizam o momento dispondo o peixe frito dentro de canoas para ser
fotografado.
Portanto, conforme se pode perceber a diferenciação da Festa perpassa pelas
novas imagens que ela edifica, bem como pela dinâmica social que ela incorpora. Desta
81
forma a cultura é posta em ação através dos cruzamentos dos diversos setores que
compõem a cultura de Bonsucesso.
82
Considerações finais:
Hoje em dia o evento reúne moradores das cidades de Cuiabá e Várzea Grande.
Mesmo com todas as alterações no formato, o evento é um momento privilegiado para a
exibição da identidade do ribeirinho pescador e de um local abençoado por São Pedro,
capaz de oferecer em abundância refeições para o público. Bonsucesso afirma-se a nível
regional como um pólo na área do turismo por sua história e tradição. A categoria
tradição atua neste universo social, visto que constitui uma categoria êmica dos
colaboradores deste trabalho.
O cardápio principal de nossa festa é o peixe; servido em comércios montados,
em espaços privados - residências de moradores - que se tornam públicos com a grande
circulação de gente que se aglutina para um lazer de final de semana. Este espaço
intersticial se torna híbrido: reúne a família, o trabalho, o turismo, religião e no âmbito
político um complexo jogo de identidades.
Visando perceber quais movimentos se intercalam no que tange à produção,
difusão e propagação cultural diante das práticas exercidas nas festas populares na
Baixada Cuiabana, objetivou-se acompanhar e analisar as estratégias, atitudes e
discursos que essa população empreende para por em voga a Festa de São Pedro,
buscando uma re-significação da festa religiosa, na Festa do Pescador enquanto
possibilidade de gerar renda, trabalho, além de diversão e fé.
Os discursos sobre a festa aqui apresentados exibem as forma de se fazer
representar perante o poder público, a ênfase no turismo local, e como se manifestam
neste processo as construções e exibições de “identidades”.
As identidades são construídas em dois âmbitos que não são excludentes, mas
sim complementares: para dentro – relações e dinâmicas internas da “comunidade”, e
para fora – relações estabelecidas entre a localidade e as cidades de Cuiabá e Várzea
Grande (visitantes, turistas, políticos, empresários, jornalistas, pesquisadores).
Atuando nas dinâmicas da Festa para fora, notamos o papel central da
Associação dos Pescadores, com destaque para o lugar ocupado pelo presidente. Na
realização da festividade que transita entre a Festa São Pedro e a Festa do Pescador,
algumas pessoas destacam-se, tornando-se lideranças comunitárias, efetivando o diálogo
com o poder público, tratando nesses “encontros” de questões para além da festa, como
melhorias para o bairro, acesso à cidade, busca por fontes de renda.
83
A realização de uma “boa” festa coloca-se como fator de prestígio para aqueles
que estão diretamente nela envolvidos. Nas festas de santo da região podemos perceber
uma riqueza nos fluxos e fronteiras, onde dependendo das imagens envolvidas diversos
elementos podem se aliar e misturar-se. Um traço que podemos salientar é o fato de
algumas pessoas se destacarem por se tornar lideranças comunitárias efetivando um
papel cívico de organização social e política da localidade.
A festa também constrói um imaginário sobre as relações que são tecidas
internamente na localidade, positivam a participação e restringem socialmente aqueles
que não participam da construção do evento. Além de se constituir como fator de
prestígio para aqueles que estão diretamente envolvidos.
Constrói também uma imagem do local, de sua importância social, cultural e
política e a reatualiza perante a cidade. As festas servem então, como um fator de
mediação entre a cultura e ação, entre a representação social da tradição e o representar-
se a si próprio e o representar-se para os outros. Fazendo com que a produção de
identidades para dentro e para fora da localidade se cruzem e se misturem na dinâmica
do evento festivo.
84
Referências Bibliográficas:
AMARAL, Rita de Cássia de Mello Peixoto. Festa “à brasileira”: significados do
festejar num país que “não é sério”. 1998. (Tese de doutorado)–FFLCH-USP, São
Paulo, 1998.
AZEVEDO, Aroldo de. Cuiabá – Estudo de Geografia Humana. In: Anais da
Associação dos Geógrafos Brasileiros. Vol. VII, Tomo II, 1952-1953. São Paulo: 1957.
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe e
STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas
fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora Fundação UNESP, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi/Zygmunt Bauman;
tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
BORGES, Ana Carolina. Nas margens da história: meio ambiente e ruralidade em
comunidades "ribeirinhas" do Pantanal Norte. Cuiabá: Carlini & Caniato
Editorial/EdUFMT, 2010.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. Tradução: Heloísa Pezza Cintrão, Anna Regina Lessa. São Paulo:
EDUSP, 2003.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Os sentidos no espetáculo. Revista de
Antropologia. São Paulo, USP, 2002, V. 45 nº 1.
___________________. “O Boi-Bumbá de Parintins: breve história e etnografia da
festa”, Revista História, Ciência e Saúde: Visões da Amazônia, Rio de Janeiro, vol. VI:
1019-1046, nov., Suplemento especial, 2000.
CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica; Sobre a automodelagem
etnográfica: Conrad e Malinowski. A experiência etnográfica: antropologia e literatura
no século XX. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998.
85
CORADINI, Maria Lúcia da Campo. A paisagem simbólica de Bom Sucesso e Limpo
Grande, em Várzea Grande. – MT. 2006. (Dissertação de Mestrado) POSGEO-UFMT,
Cuiabá, 2006.
COUTO, E.G.; OLIVEIRA, V. The Pantanal of Mato-Grosso: Ecology, biodiversity
and sustainable management of large neotropical seasonal wetland. Sofia: Pensoft,
2010.
COY, Martin & LÜCKER, Reinhold. “Espaços sociais no Meio Rural do Centro Oeste
Brasileiro: mudanças de um Espaço Periférico em processo de modernização”. Cuiabá:
Cadernos do NERU/UFMT, No 4., Jul. 1996.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
DIEGUES, Antonio Carlos. Repensando e recriando as formas de apropriação comum
dos espaços e recursos naturais. Em: Gestão de recursos naturais renováveis e
desenvolvimento. Vieira, P. F. E Weber, J. (orgs). São Paulo: Cortez Editora, 1996.
EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer: uma descrição dos modos de subsistência e das
instituições políticas de um povo nilota. São Paulo: Perspectiva, 1993 [1940].
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara
Koogan, 1989 [1973].
_______________, Clifford. Estar lá: a antropologia e o cenário da escrita; O mundo
num texto: como ler Tristes Trópicos; Estar aqui: de quem é a vida afinal? Obras e
vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009 [1988].
_______________. O saber local: novos ensaios de antropologia interpretativa.
Petrópolis: Vozes, 2001b.
86
GONÇALVES, Marco Antonio. O real imaginado: etnografia, cinema e surrealismo
em Jean Rouch. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.
GUTBERLET, Jutta. Pequena Produção nos cerrados e transformações sócio-
ambientais recentes: O caso do município de Acorizal na Baixada Cuiabana. Cuiabá:
Cadernos do NERU/UFMT, No 3, Set. 1994.
HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. 10ª ed. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 2005.
JANUÁRIO, Elías. As vidas do Ribeirinho – História, Meio Ambiente e Cotidiano na
Comunidade Ribeirinha de São Gonçalo, Cuiabá, Mato Grosso. Cárceres: Editora
UNEMAT, 2006.
LITTLE, Paul E. Territórios Sociais e Povos Tradicionais no brasil: por uma
Antropologia da territorialidade. In: Série Antropologia V.322 Brasília, 2002.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1976 [1922].
MARCUS, George E. A Estética Contemporânea no Trabalho de Campo na Arte e na
Antropologia: Experiências em Colaboração e intervenção. In: BARBOSA, Andrea;
CUNHA, Edgar Teodoro da; e HIKIJI, Rose Satiko (org). Imagem-Conhecimento:
Antropologia, Cinema e outros diálogos. Campinas: Papirus, 2009.
MARCUS, George. Identidades passadas, presentes e emergentes: requisitos para
etnografias sobre a modernidade no final do século XX ao nível mundial. Revista de
Antropologia, vol.34, 1991.
MONTEIRO, Ubaldo. Várzea Grande: passado e presente; confrontos,1867-1987.
Cuiabá: Policromos, 1987.
87
NEUBURGUER, Martina. Engenho Velho e Miguel Velho – comunidades ribeirinhas
em transformação. Cuiabá: Cadernos do NERU/UFMT, No 3, Set. 1994.
OLIVEIRA, Lucas de A. Os caminhos e descaminhos do trabalho nos engenhos de
rapadura na comunidade ribeirinha de Bonsucesso – Várzea Grande – MT.
Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Ciências Humanas e Sociais:
Departamento de Sociologia, Ciência Política e Antropologia. Monografia de
graduação, 2008.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fonseca, 1997.
PEIRANO, Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
PETRONE, Pasquale. A zona rural de Cuiabá. In: Anais da Associação dos Geógrafos
Brasileiros. Vol. VII, Tomo II, 1952-1953. São Paulo, 1957.
ROCHA, Gilmar. Cultura Popular: Do folclore ao patrimônio. Revista Mediações. v.
14, n.1, p. 218-236, Jan/Jun. 2009
SÁ, Joseph Barbosa de. Relação das povoações do Cuyabá e Mato Grosso de seos
princípios thé os prezentes tempos. Cuiabá: Edições UFMT/SEC, 1975.
SAHLINS, Marshall. The Sadness of Sweetness: The Native Anthropology of Western
Cosmology. Current Anthropology, 37(3):395-428, 1996.
SCHNEIDER, Sérgio. Agricultura familiar e Industrialização. Pluriatividade e
descentralização industrial no Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2004.
SEGATO, Rita Laura. A antropologia e a crise taxonômica da cultura popular.
Seminário folclore e cultura popular. Série Encontros e Estudos 1, MINC-IBAC, p. 13-
21, 1992.
SILVA, Hélio R. S. A situação etnográfica: andar e ver. Horizontes
Antropológicos. vol.15 no 32. Porto Alegre July/Dec. 2009.
88
SILVA, C. J. da; SILVA, J. F. No Ritmo das Águas do Pantanal. São Paulo: NUPAUB-
USP, 1995.
SIMMEL, Georg. Sociologia: Estudos sobre las formas de socilización. Madri: Alianza
Editorial, 1977.
TAVARES, José Wilson. Várzea Grande: História e Tradição. Cuiabá: KCM Editora,
2011.
TURNER, Victor. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana.
Niterói: EdUFF, 2008.
TURNER, Victor. The Anthropology of performance. New York: PAJ Publications,
1987.
VIANNA, Hermano. Tradição da mudança: a rede das festas populares brasileiras.
Revista do Patrimônio n. 32, 2005.
VIANNA, Letícia C. R. “Patrimonio Imaterial: legislação e inventários culturais. A
experiência do projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular”. In: Celebrações e
Saberes da Cultura Popular: pesquisa, inventário, crítica e perspectivas. Cecília
Londres [et al.]. Rio de Janeiro: Funarte, Iphan, CNFCP, 2004.
ZALUAR, Alba. Teoria e pratica do trabalho de campo: Alguns problemas. In:
CARDOSO, R. (org). A aventura antropológica: Teoria e pesquisa. São Paulo: Paz e
Terra, 2004.