UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GINO FRANCISCO BUZATO
TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM CUIABÁ E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO
MODERNO (1937-1945)
CUIABÁ - MT
2017
GINO FRANCISCO BUZATO
TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM CUIABÁ E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO
MODERNO (1937-1945)
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso
como requisito para a obtenção do título de Doutor
em Educação na Área de Concentração Educação,
Linha de Pesquisa Cultura, Memória e Teorias em
Educação.
Orientadora: Profª Drª Elizabeth Figueiredo de Sá
CUIABÁ - MT
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
B992t Buzato, Gino Francisco.Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão
moderno (1937-1945) / Gino Francisco Buzato. -- 2017140 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Elizabeth Figueiredo de Sá.Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2017.
Inclui bibliografia.
1. Estado Novo. 2. Modernização urbana. 3. Cuiabá. 4.Educação. I. Título.
Agradecimentos
Agradeço a todos os colegas de jornada que me acompanharam durante a produção desta
pesquisa.
Professora Doutora Elizabeth Figueiredo de Sá, serei eternamente agradecido pela amizade e
orientação.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMT que contribuíram
para o meu processo de desenvolvimento intelectual.
À professora Dra. Elizabeth Madureira Siqueira, Dra Marijâne Silveira da Silva, Dr. André
Paulilo e Dr. Edson Caetano, pelas importantes contribuições e pela participação na
composição da banca de defesa desta tese.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM).
Aos funcionários do NDHIR, do APMT e da Casa Barão de Melgaço, em especial, a
professora Dra. Elizabeth Madureira de Siqueira, curadora do Acervo.
À Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundaão de
Amparo a Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT), pelo apoio à pesquisa.
RESUMO
O período de ditadura civil, compreendido entre 1937 e 1945, denominado nacionalmente de
Estado Novo, foi marcado por uma política progressista que tinha como propósito promover a
modernização do país e inserir o Brasil na fase industrial capitalista, fato que resultou em uma
série de ações do governo federal no sentido de alavancar a economia brasileira. A política
nacionalista da ditadura varguista tencionava substituir a condição social e econômica do
Brasil, essencialmente rural, o que representava atraso econômico e cultural, por um país
industrializado portanto, moderno. Aos propósitos da modernização nacional, várias ações
foram colocadas em prática. Entre elas, destaca-se o financiamento pelo governo federal de
programas de reformas urbanas, desenvolvidos em diversas cidades brasileiras, como parte
das estratégias da instalação do novo e ambicioso modelo econômico. As obras de reforma e
aparelhamento urbano, além de modificarem sensivelmente a paisagem de algumas cidades
brasileiras, também intencionavam produzir parâmetros culturais que possibilitassem a
construção de uma nova identidade para o cidadão do Estado Novo. A criação de ambientes
nas cidades, como cinemas, teatros, hotéis, centros de saúde, investimentos em obras de
infraestrutura, como abastecimento de água tratada e rede de esgoto, e a propagação de novos
hábitos e atitudes de um perfil de cidadão urbano moderno faziam parte das estratégias
modernizantes. Em Mato Grosso, esse processo ocorreu no período do governo
intervencionista de Júlio Müller que, entre outras ações, promoveu a urbanização da capital
com o programa das Obras Oficiais (ampliação da Avenida Getúlio Vargas; Casa do
Governador; Grande Hotel; Cine Teatro Cuiabá; Palácio da Justiça; Secretaria Geral do
Estado; Colégio Estadual de Mato Grosso, Ponte entre Cuiabá e Várzea Grande, entre outras)
e investiu na educação e saúde pública. A tese tem como objetivo analisar a formação do
cidadão moderno na capital, no âmbito da produção do espaço e da convivência urbana,
promovida na gestão do interventor Júlio Müller. Utilizou-se as orientações metodológicas da
historiografia, na qual se considerou diversas fontes documentais, como os relatórios do
interventor Júlio Müller ao Presidente da República, periódicos, fotografias e obras
memorialistas. A busca documental se realizou no Arquivo Público do Estado de Mato
Grosso, no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional e na Casa Barão de
Melgaço.
Palavras chave: Estado Novo. Modernização urbana. Cuiabá. Educação.
ABSTRACT
The period of civilian dictatorship, between 1937 and 1945, denominated nationally of New
State, was marked by a progressive policy that had as purpose to promote the modernization
of the country and to insert Brazil in the capitalistic industrial phase, fact that resulted in a
series of actions of the federal government in order to leverage the Brazilian economy. The
nationalist policy of the Vargas dictatorship intended to replace the social and economic
condition of Brazil, essentially rural, which represented economic and cultural backwardness,
by an industrialized and modern country. For the purposes of national modernization, several
actions were put into practice. Among them, we highlight the federal government's financing
of urban reform programs, developed in several Brazilian cities, as part of the strategies for
installing the new and ambitious economic model. The works of reform and urban rigging, in
addition to appreciably altering the landscape of some Brazilian cities, also intended to
produce cultural parameters that would enable the construction of a new identity for the
citizen of New State. The creation of urban environments, such as cinemas, theaters, hotels,
health centers, investments in infrastructure works, such as the supply of treated water and
sewage networks, and the propagation of new habits and attitudes pertinent to a modern and
urban citizen profile were part of modernizing strategies. In Mato Grosso, this process
occurred in the period of the interventionist government of Júlio Müller, who, among other
actions, promoted the urbanization of the capital with Official Works (enlargement of the
Getulio Vargas Avenue, Governor's House, Grand Hotel, Cuiabá Cine Theater, Justice Palace,
State General Secretariat, State College of Mato Grosso, Bridge between Cuiabá and Várzea
Grande) and invested in education and public health. The thesis aims to analyze the formation
of the modern citizen in the capital, in the scope of space production and urban coexistence,
promoted in the management of the interventor Júlio Müller. We used the methodological
guidelines of historiography, in which various documentary sources were considered, such as
the reports of the interventor Júlio Müller to the President of the Republic, periodicals,
photographs and memorialist works. The documentary search was carried out in the Public
Archives of the State of Mato Grosso, in the Documentation and Regional Historical
Information Center and in the House Barão de Melgaço. Being in progress, the research still
lacks a conclusion.
Keywords: Urban modernization. New State. Cuiabá. Education.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01 - Barca Pêndulo ........................................................................................... 62
Imagem 02 - Júlio Strübing Müller ................................................................................. 77
Imagem 03 - Foto da Inauguração da nova rotativa da Imprensa Oficial ......................... 85
Imagem 04 - Foto de Cuiabá, década de 1930 - Vista a partir do morro da Igreja do
Rosário. Ponte sobre o Córrego da Prainha; ao fundo, à esquerda,
palmeiras e a Catedral, no centro da cidade .............................................
91
Imagem 05 - Residência dos governadores em construção ............................................ 100
Imagem 06 - Residência oficial dos governadores ......................................................... 101
Imagem 07 – Cine Parisien,1912................................................................................ 106
Imagem 08 - Cine Teatro, anos 40 ................................................................................. 108
Imagem 09 - Avenida Getúlio Vargas – à esquerda Palácio da Justiça, à direita
Secretaria Geral ........................................................................................
109
Imagem 10 - Colégio Estadual de Mato Grosso – década de 40 ................................... 110
Imagem 11 - Mapa do abastecimento de água ............................................................... 113
Imagem 12 - Mapa da rede de esgotos .......................................................................... 114
Imagem 13 - Ponte Júlio Müller em obras – 1941 ........................................................ 116
Imagem 14 - Visita do presidente Getúlio Vargas ........................................................ 120
Imagem 15 – Desfile de recepção ao presidente Getúlio Vargas em 06.08.1941 ......... 121
Imagem 16 - Inauguração do Quartel do 16º Batalhão de Caçadores ........................... 124
Imagem 17 - Baile oferecido a Getúlio Vargas, no Palácio Alencastro ........................ 126
Imagem 18 - Grande Hotel- década de 1940.................................................................. 127
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Governantes de Mato Grosso.................................................................. 56
Quadro 2 - Investimentos na Educação (1930 – 1937)................................................ 64
Quadro 3 – Obras Oficiais......................................................................................... 96
Quadro 4 – Balanço das Atividades de Saúde Pública (1937-1940).......................... 111
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
DASP Departamento Administrativo do Serviço Público
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
DNS Departamento Nacional de Saúde
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MT Mato Grosso
NDIHR Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
NHC Nova História Cultural
OIT Organização Internacional do Trabalho
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
1 A DIMENSÃO EDUCATIVA DA CIDADE .......................................................... 20
1.1 CIDADE E EDUCAÇÃO: FACES DA MESMA MOEDA ................................... 21
1.2 A ARQUITETURA COMO EXPRESSÃO DISCIPLINADORA DO URBANO 25
1.3 ARQUITETURA E URBANISMO: UM CAMPO DE CONFLITO ENTRE O
TRADICIONAL E O MODERNO ..........................................................................
27
2 URBANIZAÇÃO E CIDADANIA NO ESTADO NOVO BRASILEIRO .......... 31
2.1 A MODERNIZAÇÃO NACIONAL DO ESTADO NOVO BRASILEIRO ........ 32
2.2 PARA O ESTADO NOVO UM NOVO HOMEM .................................................. 37
2.3 TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO NO
GOVERNO VARGAS .............................................................................................
41
2.4 TRANSFORMAÇÕES URBANAS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO
MODERNO E CIVILIZADO ..................................................................................
44
2.4.1 A modernização das cidades brasileiras ................................................................ 47
3 O ESTADO DE MATO GROSSO E AS PERSPECTIVAS PARA O
DESENVOLVIMENTO ............................................................................................
54
3.1 A REALIDADE MATOGROSSENSE NO INÍCIO DA ERA VARGAS
(1930-1937) ..............................................................................................................
55
3.1.1 O desenho da educação nos princípios da Era Vargas .......................................... 64
3.1.2 As práticas culturais do estado .............................................................................. 66
3.2 JÚLIO MÜLLER: O INTERVENTOR DE MATO GROSSO NO ESTADO
NOVO .......................................................................................................................
73
3.3 MATO GROSSO E OS IDEAIS DESENVOLVIMENTISTAS DO ESTADO
NOVO: DISTANCIAMENTO E ATRASO A SEREM SUPERADOS ...............
79
3.4 A INTERVENTORIA E A PROPAGANDA MODERNIZADORA ....................... 83
4 A MODERNIZAÇÃO DA CAPITAL MATOGROSSENSE: A FORMAÇÃO
DO CIDADÃO MODERNO .....................................................................................
89
4.1 CUIABÁ: DO “ISOLAMENTO” BUCÓLICO AO MODERNO URBANO ......... 91
4.1.1 As “obras oficiais” e a modernização do cenário urbano de Cuiabá ..................... 95
4.1.2 A visita de Getúlio Vargas a Cuiabá...................................................................... 118
CONCLUSÃO....................... ....................................................................................... 126
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 129
9
INTRODUÇÃO
Não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente de
nosso querer ou de nosso desejo. A Cidade se faz educativa pela necessidade
de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de
imaginar que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos,
suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças,
suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo
tempo, o estilo, o gosto de certa época. A Cidade é cultura, criação não só
pelo que fazemos nela e dela, pelo que criamos nela e com ela, mas também
é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita, que lhe
damos. A Cidade somos nós e nós a Cidade. (FREIRE, 2001, p. 12).
Refletir sobre a cidade enquanto espaço educativo significa compreender como suas
ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios foram planejados e organizados para
ensinar os cidadãos a conhecer, criar, sonhar e agir. Através da interação entre os sujeitos e,
destes com o seu meio, os conhecimentos e atitudes se formam e se ressignificam a todo o
momento, trazendo em si as marcas de cada tempo vivido por sua população e os signos,
impressos em sua paisagem, daqueles que um dia quiseram se perpetuar no espaço e no tempo
da cidade.
Como geógrafo de formação, a cidade e sua dimensão espacial sempre foram interesse
de análise. Hoje, analisar a sua dimensão educativa exigiu duplo esforço: o de apropriação de
novas leituras e o sentido de percebê-la enquanto espaço cultural e educativo. Para isso,
tornou-se necessário aproximar de autores que tratam sobre a temática, como: Pesavento
(2007), Silva (2011), Miranda e Siman (2013) e Medeiros Neta (2011).
Tais leituras permitiram perceber que, devido à sua natureza interdisciplinar, a
produção acadêmica relativa aos estudos da cidade é bastante abrangente. A cidade enquanto
objeto e fonte se faz presente em estudos geográficos, arquitetônicos e urbanistas,
antropológicos, economistas e, apenas recentemente, a partir do século XIX, é percebida por
sociólogos e historiadores como forma mais específica de organização social. Segundo Barros
(2012), nos períodos anteriores, por não haver métodos apropriados fundamentados em teorias
capazes de explicar a cidade e o fenômeno urbano em todas as suas dimensões possíveis, que
lhes garantissem uma sistematização investigativa, representava uma desmotivação para
transformar a cidade em um campo específico do saber, preocupado em entender a
especificidade do viver urbano.
O século XX se caracterizou pelo “século da urbanização”, quando se verifica que a
maior parte da população mundial passou a habitar nos centros urbanos, devido, entre muitos
10
fatores, ao deslocamento dos sujeitos que se dedicavam às atividades agrícolas para a cidade,
até então um ambiente exótico, que passa a ser percebido como um lugar atrativo, de novas
possibilidades. Este fato contribuiu para que, então, nesse século, se tenha assistido a uma
grande eclosão de interesses na diversidade dos campos do saber em estudar este desafiador
enigma e esta vasta trama de complexidade que é a cidade.
O mosaico que compõe o espaço urbano está impregnado de subjetividades de
diferentes tempos. Torna-se possível a visibilidade dessas subjetividades quando, ao observar
a cidade, percebe-se que elas se revelam no significado de suas ruas, avenidas, na arquitetura
de suas edificações e de seus monumentos, no conjunto de uma paisagem exclusiva,
personalizada por sua história. É a partir da modernidade que a cidade se torna o grande
cenário dos acontecimentos, despertando o interesse das várias áreas do conhecimento,
enquanto objeto de estudo.
A cidade não se reduz apenas em um local de aglomeração e de produção, portanto,
seus estudos não se limitam a meros processos econômicos e sociais, consiste também, e
acima de tudo, em considerá-la, nela mesma, um problema e um objeto de reflexão, tendo
como perspectiva as representações que se constroem nela e sobre ela, o que implica em
“resgatar discursos e imagens de representação da cidade sobre espaços, atores e práticas
sociais” (PESAVENTO, 2008, p. 78).
Ainda, no decorrer da pesquisa, algumas disciplinas foram indispensáveis para a
compreensão do objeto, entre as quais destaco os Seminários de Pesquisa e os Seminários
Avançados em História da Educação, cujas leituras e sugestões contribuíram para clarear
algumas questões que persistiram e impulsionaram a composição do texto, entre as quais, a
relação entre a cidade e educação. De igual importância foi a participação no Ciclo de Estudos
sobre a Era Vargas1, através do qual foi possível ler e discutir sobre o Estado Novo e suas
dimensões sociais, políticas e culturais.
Em 2015, pela oportunidade do doutorado Sandwich em Coimbra-Portugal, sob a co-
orientação do doutor António Gomes Ferreira, ampliou-se a objetiva acerca do movimento
pelo Estado Novo em âmbito internacional. Percebeu-se, através das leituras sugeridas,
orientações, conversas e a vivência na cidade universitária de Coimbra, fruto da construção
arquitetônica do Estado Novo, de Salazar, e a educação na conformação dos sujeitos, as
similaridades com a ideologia do Estado Novo brasileiro.
1 O Ciclo de Estudos sobre a Era Vargas se deu no bojo do projeto “Estado Novo e Educação em Mato Grosso”
financiado pelo CNPq. Edital Universal MCT/CNPq nº 14/2013.
11
Nesse sentido, esta tese consiste em uma análise da dimensão educativa da cidade de
Cuiabá – MT no período do Estado Novo e a formação de um perfil de cidadão dinamizado
pelas relações entre a população e a admistração pública, na contínua construção e
reconstrução da cidade enquanto materialização de espaços educativos. Naquele período,
visava-se a formação de um novo homem para um novo Estado. A presente pesquisa
encontra-se inserida no projeto “Estado Novo e Educação em Mato Grosso”, financiado pelo
CNPq e coordenado pela Profª Drª Elizabeth Figueiredo de Sá.
No período de 1937 a 1945 Cuiabá vivenciou uma significativa experiência de
modernização sob a administração do seu interventor Júlio Muller que, ao governar Mato
Grosso em conformidade à política progressista de modernização nacional do Estado Novo,
além de promover incrementos em todo o estado, realizou na capital o projeto denominado de
“Obras Oficiais” e outras iniciativas voltadas para a saúde e educação da população, com
intenções de equipará-la às demais capitais consideradas mais avançadas, portanto, modernas.
O texto produzido nesse trabalho de pesquisa apresenta a seguinte tese: as
transformações realizadas na cidade de Cuiabá, promovidas pelas ações governamentais, ao se
materializarem em novos elementos da paisagem urbana, visavam formar cidadãos modernos
em contraposição ao cidadão com hábitos rurais.
Para compreender a dimensão educativa da cidade adotou-se a perspectiva da Nova
História Cultural (NHC). Para o historiador Roger Chartier (2002, p. 16), “A história cultural
tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Nesse sentido, a NHC não se
constitui em uma História do Pensamento ou Intelectual, e nem tem como objetivo o estudo
de ideias e nomes mais expressivos, mas sim, uma nova forma da História interpretar a
cultura. Portanto, a cultura considerada ao olhar do historiador não se limita apenas à
compreensão da realidade a partir do olhar da elite intelectual. Abrange também os demais
grupos sociais, anteriormente ignorados, em suas diversas formas de expressão. Nesse
sentido, “[...] a tarefa do historiador seria captar a pluralidade dos sentidos e resgatar a
construção de significados que preside o que se chamaria ‘a representação do mundo’. Mais
do que isto, tomamos por pressuposto que a história é, ela própria, representação de algo que
teria ocorrido um dia”. (PESAVENTO, 1995, p. 280, grifo da autora).
Conforme Ertzogue e Parente (2006), é difícil conceber história sem sensibilidade,
pois, “[...] não há historiador que não seja cercado e demarcado por uma multiplicidade de
12
afetos, que ao mesmo tempo estampa este sujeito com suas marcas e o ajuda a perceber o
mundo e entendê-lo”. (SILVA; MENESES, 2012, p. 6).
Nessa perspectiva, a cidade soma tempos, épocas que se entrelaçam na combinação
dos elementos urbanos, erigidos no passado e no presente, ao formar uma trama que
possibilita a leitura de representações construídas em diferentes tempos.
Utilizou-se como fonte, periódicos da época, relatórios dos Governadores e
Interventores, relatórios dos diretores da Instrução Pública, dados censitários do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), imagens e obras memorialistas encontradas no
Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, Casa Barão de Melgaço e Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional.
O fato histórico não se expressa em si, não se isola no tempo e tampouco é conclusivo.
É o resultado da construção do trabalho do historiador que também, da mesma forma, dá
sentido ao documento. Tanto o fato histórico quanto o documento, para que sejam
reconhecidos como tal, necessitam ser visualizados a partir da lente do historiador. Pois é essa
visão, que se percebe crítica, que possibilita a leitura das intencionalidades impregnadas nos
documentos/monumentos de um passado que se permitiram eternizar. O que persiste do
passado não se traduz por uma mera resistência ao tempo, e sim pela seleção “[...] quer pelas
forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que
se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores” (LE GOFF, 1990, p.
535).
Moderno, modernidade e modernização: clareando conceitos
Para compreender o contexto de mudanças do Estado Novo, é interessante tecer
algumas considerações sobre o significado dos conceitos de moderno, modernidade e
modernização que, por apresentarem uma diversidade polissêmica, geralmente resultam em
incoerências quando aparecem como significados correspondentes e transistóricos –
empregados para qualquer período da história quando não correspondem ao seu significado
conceitual (CARVALHO, 2012).
Le Goff (1990) cita que o surgimento do termo moderno se deu com a queda do
Império Romano no século V, no sentido de indicar uma mutação histórica, sinalizando para
uma época específica, que se contrapunha ao período anterior pela emergência de novos
poderes e valores que definiriam a organização sócio-espacial em parte da Europa, o que
gradualmente viria a ser a sociedade medieval.
13
A relação antigo/moderno alimenta um conflito de diferentes tempos históricos, entre
rupturas e substituições, que se verifica desde o século XII. Esse conflito se revigora no jogo
das imposições do novo diante da resistência de substituição dos valores anteriormente
construídos. Ao se apresentar enquanto novo, atual, portanto moderno, este parte da referência
de algo que já não mais se justifica no momento e o converte em antigo ou tradicional. O
moderno é um correspondente imediato do contemporâneo e surge para substituir alguma
coisa que se apresenta defasada ou simplesmente algo que se tornou obsoleto e que não tem
mais razão de ser no tempo presente (LE GOFF, 1990).
O século XVIII foi determinante para acentuar o sentindo polissêmico do termo
moderno. Segundo Carvalho (2012), foi no curso desse século que o mundo moderno passou
a ser percebido como tal, a partir de grandes acontecimentos ocorridos retrospectivamente aos
dois últimos séculos: o Renascimento, a descoberta do Novo Mundo e a Reforma Protestante,
o que marca o limiar histórico da Idade Moderna, inaugurando um tempo dirigido pelo futuro,
pela subjetividade do que há de vir.
Ao se referir acerca da substituição do novo sobre o tradicional, Gomes (2011) explica
que esse processo tem a ruptura como primeiro mecanismo, que ocorre paulatinamente ao
desvelamento da inadequação do tradicional diante do atual.
São múltiplas e diferenciadas as interpretações da palavra modernidade, apesar de
frequentemente remeter ao sentido de modernização, conceito a ser discutido mais adiante.
Lançado por Baudelaire, em seu artigo Le peintre de laavie modern, publicado em
1863, o termo modernidade se limitou às esferas literárias e artísticas da segunda metade do
século XIX, ressurgindo em ampla difusão posterior à Segunda Guerra Mundial (LE GOFF,
1990).
A paisagem parisiense, no século XIX, passou por transformações que evidenciaram a
instauração de uma nova vida burguesa e serviu de cenário para a vida do poeta. A construção
de grandes avenidas, mercados, teatros, enfim, a sofisticação do sítio urbano de Paris, fez com
que a convivência das pessoas se deslocasse do interior de suas residências para as ruas, que
se tornaram cada vez mais movimentadas e frequentadas por uma diversidade social,
compondo um lugar para o convívio do cidadão comum e a aristocracia.
Além de evidenciar os contrastes sociais, a cidade também contrasta o indivíduo e a
multidão – a individualidade se dissolve nas massas das ruas. O que põe em cena o flâneur,
muito presente nas obras de Baudelaire; um errante que se entrega à compulsão de sujeito
14
urbano, que passeia prazerosamente sem destino pelas galerias e pelas ruas da metrópole-
labirinto, mas que, ao mesmo tempo, não perde sua natureza humana.
Para refletir sobre o sentido de modernidade no viés cultural, Le Goff (1984) evidencia
seu caráter de massa como sendo uma cultura da vida cotidiana. Cita Edgar Morin como
sendo o autor que melhor descreveu e explicou a modernidade como cultura de massa,
definindo-a como as massas populares urbanas e de parte dos campos, que apresentam novos
padrões de vida e se incluem, progressivamente, no universo do bem-estar, do entretenimento
e do consumo que, até recentemente, era exclusivo das classes burguesas.
Emprega-se também o termo modernidade para identificar um período histórico,
ocorrido há cinco séculos, caracterizado por mudanças econômicas, sociais e culturais
ocasionadas pelo declínio do feudalismo. Esse período foi marcado pelo revigoramento das
cidades, mudanças nas relações de trabalho e de produção, substituição gradual dos saberes
tradicionalmente religiosos pelo conhecimento científico e, como um ponto fundamental, o
fortalecimento do Estado-Nação e a Soberania Nacional.
Entre os termos moderno e modernidade, modernização é o mais recente.
Originalmente esse termo foi utilizado como referência aos esforços de determinados países
da Europa, no século XVIII, como a Rússia e Portugal, a se igualarem aos países europeus
que se vislumbravam modernos, referendados pelo desenvolvimento de sua infraestrutura
(CARVALHO, 2012).
Como referência técnica, o termo modernização passou a ser utilizado após a Segunda
Guerra Mundial, período no qual se projetava as teorias desenvolvimentistas, para explicar as
relações entre o Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.
O contexto histórico apresentado por Le Goff (1984), para situar a complexidade que o
termo modernização implica, evidenciou o sentido de atraso e as questões de identidade
nacional, representadas pela submissão cultural ao imperialismo ocidental, atribuídos às
nações periféricas quando colocadas diante das grandes potências representadas por alguns
países europeus e pelos Estados Unidos.
O “atraso” dos países subdesenvolvidos, evidenciado após a Segunda Guerra Mundial,
associado ao sentido de modernidade enquanto desenvolvimento econômico, impôs às nações
periféricas a premente adesão ao projeto de modernização nos moldes europeu e norte-
americano.
Segundo Le Goff (1984), na segunda metade do século XX esse modelo de
modernização representou experiência bem sucedida no fenômeno de transição do tradicional
15
para o moderno em alguns países denominados, posteriormente à Segunda Guerra, de
Terceiro Mundo.
Nesses países, a modernização se consolidou, segundo a concepção de Jameson
(1996), enquanto progresso econômico promovido pelo desenvolvimento da indústria,
racionalização da administração e reorganização da produção, visando maior eficiência,
dinamização das redes de eletricidade e das linhas de montagem. Assim, verifica-se que a
modernização se relaciona às transformações de infraestrutura capitalista para dinamizar a
economia desses países, porém, não significa que essas transformações necessariamente
foram acompanhadas de avanços sociais.
É interessante observar que, nessa perspectiva, para alcançar o desenvolvimento torna-
se necessário que os países subdesenvolvidos, geralmente antigas colônias europeias,
promovam a modernização, uma vez que, numa abordagem político-econômica, o
subdesenvolvimento parece configurar um estágio a ser superado para se chegar ao padrão de
modernidade definido pelos países desenvolvidos.
É no decorrer dos séculos XIX e XX que
[...] o termo modernização encampou ideias práticas, representações e
projetos de modernidade apropriados e maneira ideológica e aplicados,
pragmaticamente, na tentativa de equiparar povos e nações que, em
contextos históricos específicos, eram tomados como modeladores do que
seja modernidade em termos econômicos políticos e/ou sociais.
(CARVALHO, 2012, p. 26).
Tais características são possíveis de ser percebidas no Brasil nas primeiras décadas do
século XX, principalmente por ocasião da implantação do Estado Novo, quando se acirrou
uma visão mundial de progresso vinculada ao desenvolvimento, visando a superação do atraso
econômico e, consequentemente, a condição de subdesenvolvimento do país que se daria via
industrialização, vindo a substituir a agricultura enquanto principal atividade econômica
nacional.
É num horizonte de transformações que se verifica a enfática utilização do termo
modernização como referência aos diversos fluxos do desenvolvimento brasileiro. Porém, no
caso particular do Estado Novo, para uma referência histórica específica, o termo vem
acompanhado de um adjetivo – modernização conservadora, avanços técnicos, porém
desacompanhados efetivamente de avanços democráticos.
16
A Cidadania e suas dimensões
Não foi somente no aspecto econômico que se constituiu a tentativa de ruptura com o
tradicional. Ela também é possível de ser verificada na construção de uma identidade cultural
brasileira urbana moderna, pois Getúlio Vargas acreditava ser possível o progresso do país se
os brasileiros também encampassem esse ideal. Para tanto, era necessária a formação de um
“novo brasileiro” gestado a partir da educação estadonovista, da valorização da cultura
nacional, do patriotismo, do trabalho e das tradições, um novo cidadão.
Utilizado com frequência na tese, o termo “cidadania” possui várias dimensões. É na
Modernidade, no contexto da organização do Estado-Nação, que surge o conceito de
cidadania, pautado nos ideais de liberdade e igualdade, como se conhece hoje.
Carvalho (2003) explica que é a partir do estudo clássico de Thomas Humphrey
Marshall – Cidadania e classe social, de 1950, realizado na Inglaterra, que se instituiu uma
concepção ampla de cidadania. Para Marshall, a cidadania é compreendida como um processo
de conquistas que faz do cidadão detentor dos direitos civis, políticos e sociais. Assim, a
cidadania plena somente estaria constituída a partir do exercício desses três direitos.
Segundo Carvalho (2003), Marshall considerou que a construção da cidadania plena
nos Estados modernos europeus ocorreu em uma sequência histórica. Para Marshall (1950),
os direitos civis, fundamentais à vida, à liberdade individual, sobretudo o direito à
propriedade, à igualdade perante a lei, foram conquistados no século XVIII. Já no século XIX,
efetivaram-se os direitos políticos que garantem aos cidadãos a participação livre na atividade
política de um determinado Estado, fosse como membro de organismos do poder político,
fosse como eleitor de seus representantes. A conquista dos direitos sociais corresponderia
então, segundo Marshall (1950), à terceira expansão dos direitos, ocorrida no século XX. Os
direitos sociais garantiriam a participação na riqueza coletiva - acesso à educação, saúde,
segurança e lazer.
Após 1945, com o fim da II Guerra Mundial, em alguns países da Europa esses
direitos se consolidaram com a criação do Welfare State (estado de bem-estar social) –
organização política e econômica de um país que se estabelece a partir de princípios
coletivistas e igualitários, nos quais o Estado, em parceria com sindicatos e a iniciativa
privada, regulamentador da organização social, política e econômica de um país, como
obrigação do Estado, deve garantir os serviços públicos e proteção à população.
17
Os movimentos sindicalistas e a participação efetiva da população dos países europeus
que adotaram o estado de bem-estar social foram imprescindíveis para que houvesse
significativa ampliação dos direitos civis, políticos e sociais que se refletiram em avanços na
eficiência do bem-estar político e econômico, no lazer e na educação da população desses
países.
Reconhecendo a importância da contribuição de Marshall, Carvalho (2003) expõe que,
para entender a evolução da cidadania no projeto moderno de Estado, o autor desconsiderou a
diversidade histórica que se observa na formação dos países ocidentais marcados por
momentos de avanços e retrocessos na luta pelos direitos dos cidadãos.
No Brasil, verifica-se no processo de construção da cidadania uma trajetória diferente
daquela que ocorreu nos países da Europa, advindo contradições importantes em cada
momento histórico e na conquista de direitos. Diferentemente do que pensou Marshall, “O
processo de construção da cidadania não se verifica linear. Ao contrário, sempre foi marcado
por avanços e recuos, de fluxos e refluxos. Houve períodos em que ocorreram perdas,
retrocessos, e até mesmo a supressão de direitos básicos” (GOHN, 1995, p. 201).
Diante da supressão dos direitos políticos determinada pelo Estado Novo, Santos
(1979), ao estudar as políticas públicas brasileiras, elaborou o conceito de cidadania regulada
para esse período. Para melhor compreensão desse conceito, é interessante também conhecer
como o autor define cidadão para a época da ditadura do Estado Novo:
[...] são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram
localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em
leis. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas
profissões e/ou ocupações em primeiro lugar, mediante ampliação do escopo
dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos
valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania esta
embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do
lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei.
(SANTOS, 1979, p. 75).
Assim, pode-se afirmar que a cidadania no governo varguista não era conquistada, mas
outorgada pelo Estado, uma vez que não se tratava de aquisição de direitos básicos, mas do
engajamento no ideal de formação da identidade nacional (CORREIA, 2010, p. 11).
18
Organização da tese
Após clarificar os conceitos essenciais para perceber a construção da educação de um
cidadão moderno e de entender a cidade enquanto espaço educativo, partiu-se para a escrita da
tese, dando prosseguimento ao que Certeau (1982) denominou de “operação historiográfica”.
A tese se encontra organizada em quatro capítulos. No primeiro, discorre-se sobre a
concepção da cidade enquanto espaço educativo e a evolução do pensamento segundo as
diretrizes que norteiam o processo de expansão e das transformações dos ambientes urbanos.
O segundo capítulo aborda a cidade enquanto locus de construção da cidadania e
âmbito do processo nacionalizador do Estado Novo brasileiro. Nesse movimento ideológico
do poder, discorre-se sobre o trabalho como princípio da cidadania e a formação de uma nova
identidade nacional – “o homem do Estado Novo”. Como as cidades brasileiras foram
preparadas para participar do processo de criação dessa nova identidade.
O capítulo três revisita o estado de Mato Grosso no Estado Novo, desenhando o
quadro de como o estado se encontrava, e os investimentos realizados pelo interventor Júlio
Müller.
Já o capítulo quatro se propõe a analisar a capital do estado, procurando responder às
questões que nortearam esta tese: como a administração pública planejou e organizou a capital
para a formação de um novo cidadão, o cidadão moderno?
A conclusão, longe de esgotar a temática, sintetisa o que foi levantado durante a
pesquisa como Cuiabá foi organizada e remodelada para a formação do cidadão moderno.
19
CAPÍTULO I
A DIMENSÃO EDUCATIVA DA CIDADE
Chafariz do Mundeú – 1930
Fonte:APMT
20
Houve um tempo em que minha janela se abria
Sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. [...]
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
Que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
Outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
Finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
(Cecília Meireles)
As cidades são construções humanas historicamente complexas, que se percebem
enquanto lugar de acontecimentos, de concentrações diversas e de civilidade. Está sujeita ao
olhar do indivíduo que a percebe, como na poesia de Cecília Meireles, à sua sensibilidade, ao
modo pelo qual a usufrui e nela atua.
Neste capítulo será tratado sobre a relação existente entre a educação e a cidade,
buscando perceber como esta se organiza para a formação de hábitos, valores e atitudes dos
sujeitos que nela habitam.
1.1 CIDADE E EDUCAÇÃO: FACES DA MESMA MOEDA
Desde o surgimento das primeiras cidades a vida citadina se vincula à ideia de
cidadania e cultura. Na Grécia Clássica, a cidade-estado - a pólis era o lugar de concentração
de pessoas e de poder que orientava à participação política no cotidiano coletivo. Na Roma
Antiga, a urbs era o centro político e econômico, onde também aconteciam as diversões
populares, como jogos e teatro. O estilo de vida da urbs era modelo até mesmo para a
população campesina romana. Progressivamente, no decorrer do tempo histórico, o sentido
civilizador e cultural das cidades da antiguidade clássica persistiu e ainda influencia a
dinâmica das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, associa-se a ideia de cidade à
Paidéia, no tocante à formação ética do cidadão para a sua atuação em sociedade. Percebe-se,
então, que a dimensão educativa da cidade já se fazia presente nas mais remotas civilizações.
A cidade se estrutura e se organiza enquanto lugar, segundo os princípios de civilidade que
educa a convivência dos cidadãos na vida social e política num combinado de prática dos
direitos e dos deveres (BRANDÃO, 1997).
Assim, é possível perceber que o conhecimento e o aprendizado inerentes à educação,
num sentido abrangente, não são exclusividades das escolas. As cidades bem como o campo,
salvo suas especificidades, agregam em si espaços e práticas sociais educativas. Para GOHN
21
(2006), dependendo de quem ensina, como se ensina e onde se ensina, pode-se identificar
tipologias educativas conforme a trilogia educação formal, não-formal e informal.
Considerada ainda como área de conhecimento em formação, Gohn (2016), define a
educação formal como aquela que acontece oficialmente em ambientes normatizados por lei
como as escolas, em consonância às diretrizes nacionais, segundo um planejamento
previamente estruturado com conteúdos historicamente definidos, a ser desenvolvido por um
profissionl qualificado - o professor junto aos estudantes, num determinado tempo. Entre
outros objetivos da educação formal, evidenciam-se aqueles relativos à formação do indivíduo
como cidadão ativo, com habilidades e competências diversas, criativo e perceptivo.
A educação não-formal é entendida por GOHN (2006), como sendo aquela que se
aprende no “mundo da vida” ao compartilhar experiências em espaços educativos que se
localizam
[...] em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e
indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos
interativos intencionais (a questão da intencionalidade é um elemento
importante de diferenciação). Onde se educa – em ambientes e situações
interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos,
usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas também poderá
ocorrer por forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um.
Há na educação não-formal uma intencionalidade na ação, no ato de
participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes (GOHN, 2006 p. 29).
Segundo GOHN (2006), a educação não-formal habilita o cidadão do/no mundo com a
aprendizagem de direitos e exercício de práticas que o capacita a se organizar segundo
objetivos comunitários. A educação não-formal proporciona conhecimentos para que os
indivíduos façam uma leitura de mundo a partir da compreensão do que se passa ao seu redor
e de suas relações sociais. Seus objetivos não são apresentados de imediato. São construídos
na interartividade o que gera processos educativos. Nesse sentido, GOHN (2006, p. 29)
conclui que
A construção das relações sociais baseadas em princípios de igualdade e
justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício
da cidadania. A transmissão de informação e formação política sociocultural
é uma meta na educação não-formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser
humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo,
individualismo etc...
A educação informal se estrutura a partir do aprendizado dos indivíduos durante os
processos de socialização, desde as primeiras relações do indivíduo no convívio familiar até
as relações mais complexas estabelecidadas em grupos e espaços mais amplos como o bairro,
22
clube, amigos, nas convivências e sociabilidades. Segundo GOHN (2006), essas relações são
carregadas de valores e culturas próprias de pertencimento e sentimentos que o indivídou
toma para si. O aprendizado ocorre na integração e interação com o outro ou com os grupos.
Os ambientes educativos são definidos pelas referências de nacionalidade, localidade, idade,
sexo, religião, etnia e preferências – a casa de moradia, o bairro, os ambientes de
entretenimento, a igreja ou o local de vínculo de sua crença religiosa, a cidade natal. A
educação informal acontece em ambientes de escolha do indivíduo, onde as relações sociais
se desenvolvem segundo as preferências pessoais, gosto ou pertencimentos herdados.
GOHN (2006, p. 28) explica que a educação informal “[...] socializa os indivíduos,
desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da
linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se frequenta ou que pertence por
herança, desde o nascimento. Trata-se do processo de socialização do indivíduo”.
Verifica-se então, que as cidades, assim como o campo, possuem espaços dotados de
recursos e equipamentos que oportunizam experiências educativas na diversidade e no
entrelaçamento de suas tipologias.
Nessa linha de pensamento, é necessário perceber que a educação através da
organização da cidade se origina tanto nas relações sociais e suas subjetividades quanto no
contato de sua população com o ambiente materializado, enquanto cenário de vivências
urbanas. A cidade é uns dos monumentos materiais mais expressivos da ação do ser humano
sobre a natureza, sendo, também, o lugar onde se originam e se concentram as energias que
dão ânimo à sua materialidade. Para um entendimento amplo do termo cidade é necessário
perceber o seu significado relacional com o urbano. Nesse sentido, Pesavento (2007, p. 13),
pondera que:
A cidade é um outro da natureza: é algo criado pelo homem, como uma sua
obra ou artefato. Aliás, é pela materialidade das formas urbanas que
encontramos sua representação icônica preferencial, seja pela verticalidade
das edificações, seja pelo perfil ou silhueta do espaço construído, seja ainda
pelas malhas de artérias e vias a entrecruzar-se em uma planta ou mapa. Pela
materialidade visível, reconhecemos, imediatamente, estar na presença do
fenômeno urbano, visualizado de forma bem distinta da realidade rural.
Porém, a cidade não é tão somente materialidade. Em seu interior, conforme a autora,
ocorrem processos imateriais que lhe atribuem também um significado, um conceito
específico.
Mas a cidade, na sua compreensão, é também sociabilidade: ela comporta
atores, relações sociais, personagens, grupos, classes, práticas de interação e
de oposição, ritos e festas, comportamentos e hábitos. Marcas, todas, que
23
registram uma ação social de domínio e de transformação de um espaço
natural no tempo. A cidade é a concentração populacional, tem um pulsar de
vida e cumpre plenamente o sentido da noção do “habitar”, e essas
características a tornam indissociavelmente ligada ao sentido do “humano”:
cidade, moradia de muitos, a compor um tecido sempre renovado de relações
sociais. (PESAVENTO, 2007, p. 13, grifos da autora).
Em sua dissertação de mestrado em Geografia, Silva (2011) explica que os conceitos
de cidade e de urbano são equivocadamente usados como sinônimos. Porém, segundo a
autora, equívoco maior seria a dissociação entre eles. Já para o geógrafo Milton Santos
(1992), a distinção conceitual entre cidade e urbano se revela no sentido de que o primeiro se
refere ao concreto, a materialidade visível do urbano, enquanto que o segundo é abstrato,
porém, é o que dá sentido e natureza à cidade.
É na experiência da convivência urbana que se firmam as relações entre diferentes
grupos e indivíduos e desses com o ambiente, a compor uma trama de sociabilidades
verificadas nos diversos espaços da cidade, o que possibilita novas educabilidades, fazendo
com que a cidade se torne lócus de aprendizagem. Por educabilidades, entendem-se como:
[...] conhecimentos e modos de construí-los que se produzem a partir das
relações humanas possíveis dentro dos limites de ações sociais mais abertas
do que aquelas reguladas por instituições formais como a escola. Neste
sentido, são saberes “transinstitucionais”’, e, portanto “trans-escolares”.
(GUTSACK, 2004, p. 33, grifos do autor).
Miranda e Siman (2013) corroboram com o conceito de educabilidades apresentado
por Gutsack (2004), quando afirmam que:
[...] a reflexão acerca da dimensão educadora da experiência urbana, nos
convida a pensar no fato que a cidade é educativa em um sentido lato sensu e
que as ações sociais desenvolvidas pelos diversos atores sociais no espaço da
cidade são tão ou mais educadoras que aquelas ocorridas nos espaços
estritamente escolares. Mas também sua convocação nos impele pensar que a
decisão de transformar a qualidade da dimensão educadora da cidade é uma
decisão de ordem política, que impacta decisivamente ações públicas em um
sentido mais amplo. Educar na cidade e com a cidade, portanto não diz
respeito a ações que possam ser reproduzidas estritamente no âmbito de uma
Secretaria de Educação, ou de uma escola, mas impacta ações
multissetoriais. (MIRANDA; SIMAN, 2013, p. 19-20).
24
Assim, a vivência urbana produz uma formação específica para se viver na cidade,
num arremedo do enigma da esfinge2 para que, quem nela vive, dela possa se apropriar, caso
contrário, por ela será devorado sendo mais um em estatísticas urbanas que nada expressam
além da quantificação dos aspectos de seus habitantes. Portanto, ao perceber e praticar a
dimensão educativa da cidade, seus valores, signos e códigos, quando percebidos e
desvendados pelo cidadão sensível, faz com que ele seja um ser habilitado ao direito à cidade
e se inclua como parte integrante e indissociável dela, inclusive na participação do seu
contínuo processo de produção.
Medeiros Neta (2011) defende a tese de que há uma pedagogia da cidade que, se
delimitada a partir do estilo de vida urbano, pode produzir e intensificar o direito à cidade,
pois esse direito “[...] se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à
individualização da socialização, ao habitat e ao habitar” (MEDEIROS NETA, 2011, p. 18).
A compreensão da cidade como espaço educativo também se dá no cotidiano urbano
pelas experiências vivenciadas por sua população em ações sociais, políticas e culturais, nos
movimentos de resistência, nos espaços de circulação que, ao promover o contato entre
diferentes formas de pensar, possibilita experiências significativas e troca de conhecimentos
que resultam em conhecimentos inéditos e novos posicionamentos dos indivíduos e dos
grupos sociais diante de situações do cotidiano.
Se a convivência urbana educa, viver em contato com a materialidade que a abriga
também é educativa. A composição do cenário urbano está impregnada de símbolos e signos
que funcionam como códigos que influenciam a vida no interior das cidades, ora
condicionando, ora estimulando os citadinos a determinados comportamentos e
procedimentos sociais. Assim, a composição arquitetônica das edificações urbanas pode ser
capaz de produzir efeitos instigantes sobre o modus vivendi urbano. É interessante considerar
que, ao mesmo tempo em que o ser humano dá forma à cidade, essa também o orienta para
nela viver.
1.2 A ARQUITETURA COMO EXPRESSÃO DISCIPLINADORA DO URBANO
Pautados na teoria do determinismo arquitetônico, os regimes totalitários levaram ao
extremo a ideia de produzir uma arquitetura na qual acreditavam que o ambiente seria capaz
2 Sobre o assunto ver BULFINCH, 2013.
25
de determinar o comportamento social das pessoas em espaços públicos previamente
pensados para esse fim.
Neste sentido,
[...] o termo “determinismo” expressa a convicção de que uma dada ação
arquitetônica, praticada sobre princípios e procedimentos teórico-
metodológicos específicos, ter-se-á, necessariamente, uma reação, previsível,
“determinada”, por parte dos usuários do espaço. Essa marca ideológica da
ideia de determinismo vem à tona, de modo mais claro, quando se tem em
mente o surgimento do modernismo na arquitetura e o discurso que lhe deu
sustentação. (LEITÃO, 2004, p. 15, grifos da autora).
A serviço dos regimes totalitário e fascista europeus, como na União Soviética de
Stalin, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini, a arquitetura foi concebida como um
eficiente instrumento de propaganda e propagação da ideologia de Estado, em sua ação de
controle civil nas cidades. A arte a serviço do poder já fora inúmeras vezes, no percurso
histórico, objeto político, no entanto, é a serviço do totalitarismo que essa manifestação é mais
intensa e explícita. Na perspectiva da arte totalitária – aquela a serviço do exercício
autoritário do poder, condicionada e em nome de uma ideologia (ROSMANINHO, 2006), os
espaços públicos são concebidos a partir de seus fins específicos de funcionalidade e, paralelo
aos seus fins de uso, são compostos por edifícios e monumentos intencionalmente projetados
como instrumentos destinados a ostentar força e poder explicitamente enquanto um
instrumento de dominação política. Em estilo clássico monumental, essas edificações foram
eregidas de forma a materializar a imagem onipresente da ideologia estatal da época, em
países da Europa, de maneira a condicionar estrategicamente a disciplina e o doutrinamento
da população. Segundo Rosmaninho (2006, p. 14),
Os regimes totalitários elevaram, [...] a arquitetura ao estatuto de primeira
arte, firmando sem hesitações uma hierarquia que subordinava a escultura e
a pintura. Isso não significava desprezo por estas artes, capazes de veicular
conteúdos ideológicos muito elaborados. Reconheceram, isso sim, que era
no seio do classicismo monumental que seus recursos poderiam ser
valorizados. A principal faculdade ideológica desta corrente arquitectônica
reside na transmissão instantânea de dois valores fundamentais: ordem e
poder.
Assim a arquitetura, enquanto um instrumento de expressão ideológica, era de grande
interesse dos regimes autoritários por ser um eficiente veículo de propaganda ao expor, à vista
26
das massas urbanas, seus códigos e símbolos que acreditavam ter o poder de determinar as
atitudes e o comportamento dos cidadãos.
Referindo-se às características típicas do estilo clássico monumentalista, Cottinelli
Telmo, arquiteto que idealizou a revolução urbanística da cidade universitária de Coimbra no
final dos anos 1930, período do Estado Novo de Salazar, evidencia os princípios
disciplinadores idealizados para a arquitetura na época:
[...] a linha reta não morrerá, porque é o símbolo da ordem, da orientação, da
finalidade atingida, do aprumo, da dignidade. Ela estará sempre presente nos
grandes vãos dos hospitais e escolas; nos renques das carteiras onde
trabalharão empregados públicos disciplinados; nos corredores desafogados
e limpos dos quartéis; nas salas de audiência reabilitadas; nas celas das
prisões modelares; nas avenidas abertas a um trânsito claro e fácil; nos
jardins, nos parques, por toda a parte. (TELMO apud ROSMANINHO,
2006, p. 116).
O visionismo de Cottinelli Telmo, impregnado no planejamento das instalações da
cidade universitária de Coimbra, aponta os significados que essa arquitetura assume enquanto
um arsenal simbólico ordenador, especialmente no que diz respeito à criação de amplos
espaços de circulação que deverão ser ordenadamente higiênicos, arejados, belos, de
disciplina e controle, a preparar o homem para o trabalho e para a fluidez da convivência
urbana.
1.3 ARQUITETURA E URBANISMO: UM CAMPO DE CONFLITO ENTRE O
TRADICIONAL E O MODERNO
O período entre guerras na Europa foi marcado pelo anseio de romper com as antigas
orientações classicistas das artes, com a maneira de se pensar e agir, e pelo desejo de adoção
de padrões estéticos mais significativos ao seu tempo e mais originais ao seu lugar que, de
certo modo, revelava em si um manifesto de antipoder. Como alerta Brites (2005), é prudente
ter a consciência de que o processo criativo inerente ao campo das artes, por ser expressão
estética e social, possui uma dimensão política e, portanto, nunca é neutro. Desse modo,
torna-se criterioso questionar em que medida a produção artística pode ultrapassar a condição
de simples reflexo da trama sociocultural e atuar como agente transformador desse tecido.
27
“Por outras palavras, como pode a produção artística modificar a interpretação da realidade e,
consequentemente, a acção sobre a realidade, portanto a realidade?” (BRITES, 2005, p. 412).
A autora encontra resposta na definição de arte de Pierre Bourdieu, que a concebe
enquanto “sistema simbólico”, ou seja, um instrumento de conhecimento e de comunicação à
semelhança da língua ou da religião, capaz de levar a consenso os vários juízos sobre o real.
Nesse sentido, a arte se revela enquanto instrumento de poder capaz de criar sentidos, gerar e
impor visões de mundo, “[...] um dispositivo do poder que cumpre a função política de impor
ou legitimar a dominação“ (BRITES, 2005, p. 413).
É comum verificar que os sistemas de governo procuram, pelas obras e monumentos
edificados, se eternizarem no tempo. Neste sentido, evidenciam-se os regimes
antidemocráticos, como o nazismo e o totalitarismo, como exemplos categóricos que levaram
ao extremo esse particular potencial das artes. Ao se decidirem por um determinado estilo
arquitetônico, empregado nas edificações urbanas e na organização das cidades, definia-se
também mais uma forma de exercer domínio e perpetuar suas marcas nessas construções
como um pretenso estilo próprio de sua época.
É no instável período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial que países
europeus sediaram na arquitetura e no urbanismo um verdadeiro confronto entre as tendências
conservadoras e a aspiração de inovação, representadas pelo Modernismo, sendo que a
iniciativa pública teve papel preponderante nesse confronto ideológico para a afirmação de
uma estética tradicionalista.
Mesmo diante da necessidade de aderir aos novos referenciais modernistas, como o
funcionalismo e o racionalismo, surgidos com o avanço tecnológico e industrial, que
passaram a reorientar a sociedade, algumas exigências modernistas, como a liberdade do
pensamento, se mostravam incompatíveis aos regimes autoritários por se colocarem em
posição contrária às pretensões de originalidade e de integração nacional. Brites (2005)
explica que o caráter internacional do modernismo interpretado pelos países europeus, o
remetia a um conceito impreciso, antinacionalista, subversivo e degradante diante dos
elementos puramente nacionais, considerados genuínos e íntegros, o que não facultava
expressar a realidade nacional. Ao contrário do classicismo, a postura anti-historicista e a
aparente ausência ideológica das formas abstratas, o modernismo era destituído da capacidade
imediata de comunicação, comprometendo-o enquanto atrativo para a adesão das massas e,
também, como representação de um poder historicamente legitimado.
28
Em face à manutenção do status quo e do anseio de modernização, os regimes da
época se colocavam em xeque por seus próprios discursos desenvolvimentistas que os
obrigavam a ações e posicionamentos modernos. O que se buscava, na verdade, era uma
modernização nacionalista conservadora que combinasse o que convinha do moderno
associado à permanência de valores conservadores.
Nessa perspectiva, no tocante à arquitetura, a Itália de Mussolini é emblemática. O
regime totalitário do Duce em busca de um viés próprio da arte a seu serviço, combinou na
arquitetura elementos modernistas e clássicos, revelando-se num neoclassicismo que se traduz
pela heterogeneidade que agrega o avanço das modernas técnicas de construção e o
monumentalismo clássico que traz em si o prestígio simbólico que a história lhe confere.
Desse modo, na harmonização em conciliar princípios inicialmente antagônicos que se
revela a hibridez dos regimes totalitários “[...] enquanto defendem o mito do moderno,
pretendendo fundar uma nova ordem em que a arquitetura deve exprimir a vitalidade do
presente e o seu fundamento revolucionário, exaltam, concomitantemente, as tradições
nacionais, nelas filiando a sua legitimidade histórica”. (BRITES, 2005, p. 420).
Assim, essa dupla invocação de referenciais impregnados na arquitetura, entre valores
historicamente consolidados e outros ainda em consolidação, convinha à imagem de um
sistema político ostensivamente forte, legitimado pela história, ao mesmo tempo,
disciplinador das inovações culturais do presente e aquelas que ainda iriam surgir na esteira
da modernização.
Também em Portugal, no regime do Estado Novo, a arquitetura e o urbanismo
protagonizaram o confronto entre a estética progressista do racional funcionalismo e a estética
tradicionalista de caráter neoconservador (FERNANDES, 2005). Tal como nos demais países
europeus, o Modernismo era visto como uma ameaça às ideologias em vigor, porém, no caso
de Portugal, havia outro agravante. Diferente dos demais países europeus, o governo
salazarista objetivava fortalecer a base agrícola de sua economia e, contraditoriamente às
pretensões modernistas de sustentação urbana, a imagem do país deveria se associar à
iconografia rural. Porém, sendo Lisboa a capital de um império de povos aquém e além-mar,
necessário seria a criação de uma imagem com pose monumental, de maneira a expor sua
grandiosidade (SEBASTIÃO, 2013, p. 17). Salazar percebia a necessidade de uma arquitetura
doméstica enquanto instrumento pedagógico formador de uma identidade e consciência
nacionalistas. Mas, também, compreendia “[...] a necessidade de uma arquitetura de grande
29
fôlego que significasse o Estado não enquanto burocracia, mas enquanto Nação e que fosse
dela como que a sua emanação espiritual” (ALMEIDA, 2002, p. 43).
A Cidade Universitária de Coimbra representa uma das expressões mais emblemáticas
da arte a serviço do poder. O arranjo monumentalista urbano ostenta, de maneira instantânea,
os valores fundamentais de ordem e de poder (ROSMANINHO, 2006), presentes no discurso
ideológico e representados na magnitude arquitetônica e na monumentalidade de seu conjunto
neoclassicista.
Fundando-se na política de obras públicas, a arquitetura oficial do Estado Novo
Português integra esta dupla influência: artística (com a adoção do modernismo de feição
classicista) e ideológica. Ora, enquanto “veículo de propaganda ideológica e meio de
condicionamento do comportamento individual e coletivo, orientou-se por dois conjuntos de
valores: a autoridade, a disciplina e a ordem, por um lado, o culto a nacionalidade, da família
e do mundo rural” (ROSMANINHO, 1996, p. 41).
Assim como nos Estados autoritários europeus, o Estado Novo brasileiro também
investiu na reordenação do cenário urbano das capitais, e de algumas cidades do interior,
como estratégia para a legitimação do regime político e preparar as cidades para
implementação de uma nova matriz econômica que, segundo se fazia acreditar, ser necessário
também a construção de uma nova identidade para o cidadão brasileiro.
O próximo capítulo aborda a cidade enquanto espaço de consolidação do projeto
modernizador do Estado Novo brasileiro e locus da construção da cidadania. Nesse
movimento, a ideologia do trabalho é considerada como princípio estruturante para o
surgimento de um novo brasileiro. Segue-se então, como as cidades brasileiras foram
preparadas para ser o cenário de criação dessa nova referência nacional – “o homem do
Estado Novo”.
30
CAPÍTULO II
URBANIZAÇÃO E CIDADANIA NO ESTADO
NOVO BRASILEIRO
Rua Bandeirantes nos anos de 1940 – Cuiabá
Fonte: APMT
31
Dentre as mudanças ocorridas no contexto histórico nacional do século XX, pode-se
considerar que as transformações desencadeadas nas esferas política, econômica, social e
cultural brasileiras no governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, marcaram como o período
das mudanças mais expressivas da sociedade em decorrência da expansão capitalista e suas
implicações políticas e ideológicas.
Em situação vulnerável de dependência do mercado externo, a economia brasileira se
mantinha com a exportação de produtos primários e fonte de divisas à importação dos bens
industrializados necessários para atender a demanda interna. A organização política e social
do país se encontrava estruturada em função dos interesses das oligarquias agrárias ligadas à
produção para a exportação, principalmente, do café.
A partir do século XX, é o arranjo de um conjunto de fatores internos e externos que
irá deflagrar o processo de transformação das relações econômicas e políticas nacionais.
A urbanização crescente, a acumulação de capital produzida pelos
excedentes de exportação, incentivo à produção nacional de substitutivos
com a diminuição da capacidade de importar em momentos de crise,
constituíram os principais fatores a estimular o desenvolvimento dos
elementos necessários a um capitalismo de base industrial. (GARCIA, 1999,
p. 35).
O modelo econômico brasileiro, sustentado pela exportação de produtos primários, foi
atingido por crises internacionais decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914) e pela
quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, o que fragilizou os segmentos da economia
nacional. Os setores não vinculados à cafeicultura, e a população em geral, demonstravam
descontentamento devido ao apoio financeiro do Estado para compensar os prejuízos dos
ruralistas, provocados pelo declínio da exportação de café. Politicamente criou-se um desgaste
entre o governo e os não ruralistas, o que gerou um antagonismo entre os diferentes interesses
econômicos internos, acentuando as dissidências sociais com a ampliação dos movimentos
contestatórios, resultando no fim de um histórico pacto político conhecido como a política do
café com leite, que alternava no poder um mandato de um cafeicultor paulista e, noutro, um
pecuarista mineiro.
O fim desse pacto foi consumado com um movimento que alguns autores comumente
denominam de Revolução de 30 (CAPELATO, 2011; PANDOLFI, 1999; FAUSTO, 2003;
D’ARAUJO, 2000).
Esse movimento teve apoio militar e resultou na ascensão de Getúlio Vargas ao poder
e a governar o país por quinze anos ininterruptos, que ficaram conhecidos como “A Era
32
Vargas”, constituída por três períodos distintos: de 1930 a 1934 – Governo Provisório, de
1934 a 1937 – Governo Constitucional, com a participação de lideranças revolucionárias
civis. O propósito do movimento revolucionário era erradicar o poder monopolista das velhas
oligarquias e instaurar uma nova dinâmica econômica e social, até então pautada na
exportação de produtos primários, e substituí-la por uma matriz industrial que se consolidaria
às ações modernizadoras do terceiro período da Era Vargas, no então Estado Novo (1937 a
1945)
Diante das promessas de eleições democráticas para 1938, Getúio Vrgas, para garantir
sua permanência no poder, alegando ameaça de um suposto plano dos comunistas para tomar
o poder – Plano Cohen, irrompe um golpe de Estado apoiado pelos militares com a outorga
de uma nova Constituição com dispositivos comparáveis aos dos Estados autoritários
europeus, como a Itália, Espanha e Portugal e, particularmente da Polônia, motivo pelo qual
lhe fora atribuído o apelido de Constituição Polaca – extremamente autoritária, legitimando
poderes praticamente ilimitados ao chefe da nação. Declarado estado de sítio, o Congresso
Nacional é fechado e os governos estaduais são destituídos, passando a ser administrados por
interventores federais. Assegurado pelo decreto de rigorosas leis de censura e controle,
instalou-se o regime autoritário estadonovista, sem reação expressiva contrária, pois as
estratégias governamentais que o antecederam foram habilmente articuladas para
impossibilitar qualquer ação opositora.
A organização do país no Estado Novo, com a modernização da economia e com
vistas à formação do cidadão moderno brasileiro, será discutida a seguir.
2.1 A MODERNIZAÇÃO NACIONAL DO ESTADO NOVO BRASILEIRO
Estruturado por uma política de massa, com o poder da nação centralizado em um
chefe carismático, com o cerceamento das liberdades públicas e uma polícia secreta
encarregada de vigiar e reprimir de forma violenta os opositores, o Estado Novo brasileiro não
é definido como um regime totalitário, mesmo com as diversas semelhanças ao nazismo
alemão e ao fascismo italiano. Na realidade, tratava-se de um típico regime autoritário comum
às ditaduras da América Latina, que se dividia entre diversos interesses. Não se constituía
enquanto um partido oficial, era apartidário, tampouco apresentava um posicionamento
ideológico definido (CAPELATO, 2011).
33
D’Araujo (2000, p. 15) explica que “O golpe não representou uma ruptura, uma
mudança abrupta com a velha ordem de poder, mas sim a consolidação de um processo de
fechamento e repressão que vinha sendo lentamente construído, com o apoio de intelectuais,
políticos civis e militares”. Aos idealizadores do novo regime, a elite industrial, os militares e
intelectuais da época, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Monteiro Lobato e Caio Prado
Junior, a implantação de um Estado ditatorial foi uma ação necessária para erradicar
“ameaças” à nação, segundo os ideais do Movimento de 30, isto é, as manifestações em favor
do comunismo e do liberalismo entendidas como uma fragilidade aos ideais revolucionários.
Nesse sentido,
O “novo” aqui representava o ideal político de encontrar uma “via” que se
afastasse tanto do capitalismo liberal quanto do comunismo, duas doutrinas
políticas que, desde meados do século XIX e mais intensamente a partir da
revolução soviética, competiam entre si no sentido de oferecer uma nova
alternativa política e econômica para o mundo. Havia em ambas a ambição
de corrigir os problemas do capitalismo: desigualdade social, crises,
insegurança econômica, conflito de classes e de interesses. (D’ARAUJO,
2000, p. 8, grifos do autor).
Tanto a direita quanto a esquerda, segundo D’Araújo (2000), concordavam com o
diagnóstico social econômico mundial, todavia, divergiam nas soluções. Uma terceira via
seria então a conciliação dos sentimentos nacionais e nacionalistas em um sistema que
colocasse os interesses da nação acima dos interesses econômicos privados, através de uma
ação direta de um Estado forte. Essa terceira via atribuiu sentido ao “novo” com o surgimento
do fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha e o Estado Novo no Brasil, que, por sua vez,
idealizou um projeto de modernização que visava, sobretudo, o progresso econômico e a
superação das oligarquias da República Velha, percebidas como fatores do atraso social e
cultural da nação brasileira, porém, as transformações deveriam ocorrer numa ordem que não
ferisse os interesses das novas e das tradicionais elites agrárias.
O projeto nacional de desenvolvimento do Estado Novo tinha como suporte para sua
legitimação um forte arsenal de propaganda que enfatizava o sentido moderno e
revolucionário do então Estado de governo, despertando na população a expectativa de que o
momento era de arrancada de uma onda modernizadora em todas as direções, nunca visto
antes no Brasil. Aparentemente livre do clientelismo personalista e de interesses privados, tão
peculiares à República Velha, o projeto de gestão nacional apresentava como traço inovador a
orientação por medidas técnicas de interesse público, fundamentadas em levantamentos
elaborados a partir da realidade social e econômica do país que, ao receber tratamento
34
estatístico, incorporariam um sentido científico, portanto, moderno e incontestável, servindo
de parâmetros ao pretenso projeto progressista econômico, ao mesmo tempo em que,
supostamente, o desenvolvimento social seria contemplado.
Segundo Medeiros (1978), esses idealizadores do Estado Novo, a exemplo de
Azevedo do Amaral, tinham a sociedade industrializada como sinônimo de vida civilizada
superior, quando comparada às sociedades europeias, que projetaria o Brasil para uma nova
etapa de organização econômica e de progresso social e cultural, ao contrário da realidade
rural brasileira. A importância dada à industrialização foi acentuada quando a principal
atividade econômica do país entrou em colapso com a Grande Depressão (1929-1930) que
impactou a economia mundial, o que motivou repensar as bases do sistema econômico
brasileiro.
No início da década de 1930 foram promovidas transformações políticas e econômicas
com o objetivo de impulsionar a economia e promover o desenvolvimento a partir de um
projeto de modernização nacional vinculado à retomada da industrialização brasileira e a
diversificação das exportações agrícolas, pois “[...] o café deixa de ser o único produto
expressivo de nossa pauta de exportações, passando a dividir espaço com o cacau e
especialmente com o algodão” (D’ARAUJO, 2000, p. 42).
Especificamente a partir de 1940 a conjuntura internacional se torna favorável ao
desenvolvimento interno brasileiro devido a duas grandes crises internacionais: o crack da
Bolsa de Nova Iorque (1929) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O início da guerra
dificultou as importações, incentivando mais uma vez o processo de substituição dos produtos
importados pela produção nacional de bens de consumo, iniciado durante a Primeira Guerra
Mundial. Nesse contexto, oportunamente, o governo também financiava o surgimento de
novas indústrias e estimulava a ampliação das existentes.
Em 1941 inaugura-se um novo período da industrialização nacional com o início da
fundação da indústria de base, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, mais tarde,
objetivando a obtenção de matéria-prima de base, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce
para exploração de minerais, principalmente o ferro.
O movimento de todo esse empreendimento fazia necessário, também, que o
fornecimento de energia fosse assegurado. Para tanto, foi construída a Companhia
Hidrelétrica do São Francisco e o Conselho Nacional de Petróleo, incumbido de controlar e
explorar o fornecimento de combustível e seus derivados. Assim, estava garantido, por meio
35
das grandes empresas estatais, o suprimento dos produtos essenciais ao desenvolvimento das
demandas industriais.
Para a sustentação do regime era também necessário modernizar a admistração
pública. Nessa vertente, o Estado Novo criou órgãos oficiais para assegurar o controle das
pressões sociais e o funcionamento da máquina administrativa sob uma nova perspectiva que,
aparentemente, prezava pela racionalidade técnica, moralização e o disciplinamento do
serviço público. Foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP),
encarregado de comandar a máquina burocrática do Estado e da supervisão da ação dos
interventores nas unidades estaduais, e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
órgão oficial do governo de legitimação do regime ditador e de censura dos jornais, revistas,
da radiodifusão, cinema e outros meios de comunicação e de cultura. Atribuía-se aos censores
o encargo de suspender a veiculação de qualquer conteúdo que julgassem subversivo aos
interesses do Estado. “O DIP [...] tinha como função elucidar a opinião pública sobre as
diretrizes doutrinárias do regime, atuando sob a defesa da cultura, da unidade espiritual e da
civilização brasileira” (CAPELATO, 1999, p. 172).
Por meio da propaganda ufanista dos feitos do governo e o culto à figura do
presidente, o DIP significou também importante estratégia para promover a aceitação do
regime antidemocrático. Aos moldes nazifascistas, propagandas e comemorações cívicas eram
organizadas pelo DIP, nas quais a população comparecia em massa. A produção de materiais
impressos, como cartilhas com temáticas nacionalistas que eram distribuídas ao público e nas
escolas com a finalidade de cultuar a imagem idealizada de Getúlio como “protetor dos
trabalhadores” e “pai dos pobres”, fazendo da propaganda um instrumento essencial à
consolidação do poder do ditador, já que não contava com nenhum suporte partidário
(FAUSTO, 2003).
Percebe-se, portanto, que as ações do DIP se empenhavam no poder de persuasão da
propaganda oficial para demonstrar a pretensa lisura do discurso doutrinador estado-novista
como forma de educar a população segundo uma matriz cultural brasileira moderna, em
consonância ao novo modelo de sociedade que se pretendia construir.
36
2.2 PARA O ESTADO NOVO UM NOVO HOMEM
Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a
paz social do país eram objetivos que se unificavam em uma mesma e
grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por
sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação.
(GOMES, 1982, p. 152)152
O regime ditatorial do Estado Novo criou um sistema para incutir junto à população
brasileira a legitimação de um projeto de “fundação de um novo Estado verdadeiramente
nacional e humano” (GOMES, 1982, p. 112). A realização desse projeto tinha como propósito
transformações no sistema econômico e a organização social e política da nação herdada de
um passado, sobretudo da Primeira República que, segundo a política estadonovista,
representou um longo período marcado pelo distanciamento entre a realidade natural e
cultural do Brasil e o modelo político praticado pelo Estado. “O liberalismo, excessivamente
internacionalista, não atentava para as especificidades nacionais, não oferecendo ao homem
brasileiro uma direção própria, um objetivo de luta pela construção nacional” (GOMES, 1982,
p. 113). Evidencia-se, então, que o Estado Novo, em particular, incluiu a reeducação do
cidadão para o trabalho como parte de seu projeto de reconstrução nacional.
Esse projeto tinha como propósito produzir um novo modelo de homem – o homem do
Estado Novo que, além de representar toda a grandeza da nova Nação, também seria
participante ativo da legitimação do modelo político-institucional estadonovista.
A crítica do Estado Novo, nas palavras de Augusto de Figueiredo (1942), ao discurso
ufanista liberal era que tudo no país era grande – seu território, suas belezas e riquezas
naturais, menos o homem brasileiro.
O regime liberal desacreditava de nossos homens e longe de pesquisarem as
causas de nossos males, preferiram, numa atitude comodista e pela lei do
menor esforço, explicar, tudo pela negação da nossa raça. O brasileiro é
preguiçoso – somos um povo de bugres. (FIGUEIREDO, 1942 apud
GOMES, 1982, p. 115-116).
Ao adotar explicações simplistas fundamentadas na inferioridade da raça e do caráter
nacional, o liberalismo, munido de valores europeizantes, desconhecia o verdadeiro caráter do
homem brasileiro. Para o Estado Novo o liberalismo pretendia construir o progresso, porém,
sem considerar o homem em sua dimensão total - subjetiva e espiritual.
37
O Estado Novo, em sua ampla pretensão modernizadora, não tinha uma dimensão
restauradora dos fatores político e econômico, pois não pretendia retomar nenhum momento
do passado. O sentido restaurador estadonovista era o de reviver a cultura nacional. Nesse
sentido,
A cultura nessa acepção era a própria expressão do que é “natural” e
“intrínseco” ao homem brasileiro. Tratava-se de retornar “ativamente” de
atualizar, identificando e construindo o verdadeiro espírito da nacionalidade.
Este espírito encontra-se no inconsciente coletivo do povo, e por isso a
revolução era um projeto dinâmico de dimensões culturais e espirituais. [...].
A proposta restauradora da revolução brasileira, significando um retorno ao
homem a sua dimensão total, assume uma feição espiritual de reeducação do
povo, o que não se pode realizar fora do cristianismo. (GOMES, 1982, p.
116-117, grifos do autor).
O objetivo era substituir a figura do homem existente que remetia a um Brasil rural,
representado pelo Jeca Tatu, símbolo do atraso das populações interioranas (MEDEIROS
NETA, 2011), um homem fraco, desprotegido e rude, por um novo tipo que atendesse aos
padrões idealizados pelo regime: um brasileiro forte disciplinado e amante do trabalho, o que
implicaria no envolvimento da sociedade como um todo em um projeto nacional civilizador.
É interessante ressaltar que o projeto de nacionalização estadonovista tinha como
ideólogos Oliveira Viana e Azevedo Amaral, intelectuais partidários das teorias de Nina
Rodrigues e Silvio Romero, do final do século XIX, que defendiam a ideia de eugenia,
atribuindo à mestiçagem o motivo do atraso do povo brasileiro e um obstáculo para o
progresso nacional. Essa concepção atribuía superioridade ao elemento branco, enquanto que
era da natureza do negro e do índio a indolência, a apatia, o desequilíbrio moral e intelectual
(SCHUFFNER, 2007). Para a superação da “herança inata” dos mestiços, como a preguiça e a
indolência, eram necessárias transformações culturais que os conduzissem à ideologia
trabalhista.
Num rigoroso contexto ideológico à semelhança dos regimes nazifascistas da Europa,
mobilizou-se todas as instâncias e recursos educativos, como a escola, as artes, a cultura
popular, as estações radiofônicas, a imprensa, enfim, todas as formas que pudessem propagar
de maneira a inculcar e legitimar a conquista da dignidade pelo trabalho, idealizada por
Getúlio Vargas, como indispensável ao projeto do novo tipo de homem que a partir daí se
pretendia construir.
Os planos e projetos estadonovistas, especialmente aqueles que dizem respeito aos
esforços e estratégias presentes em seu ideário para a formação de uma nova ideia de trabalho
e de um novo perfil de trabalhador, se relacionavam com a superação da pobreza enquanto um
38
obstáculo ao desenvolvimento da nação, sendo o imobilismo do Estado Liberal apontado
como causa da questão social nacional (GOMES, 1982).
Uma política de valorização do trabalho era, sobretudo, uma política de valorização do
esforço humano, considerado a base e o fundamento de toda a riqueza social – a dignidade
humana. Essa política estaria, portanto, centrada na ideia de que a pobreza era um mal a ser
evitado e que a riqueza era um bem comum, e sua construção só poderia ser possível pelo
trabalho. A riqueza deveria ter uma função social à qual se subordinariam os interesses
particulares dos indivíduos e dos grupos aos interesses da nação.
Assim, a valorização do trabalho era, sobretudo, uma política de valorização do
trabalhador, a base estrutural de toda a riqueza social, e a valorização do próprio trabalho,
estigmatizado como um castigo ou simples instrumento de garantia de uma precária
sobrevivência herdada do período escravista. O trabalho era tarefa exclusiva dos escravos até
aproximados cinquenta anos atrás, o que, de certa forma, ainda representava uma
desqualificação social de quem dele dependia. Portanto, não tinha um valor em si. Mesmo
com a chegada dos imigrantes, com mentalidade diferente sobre o trabalho, ainda se fazia
necessário uma interferência do Estado.
Esse fato se tornava evidente nas expressões da cultura popular que louvava a figura
do “malandro” nas letras de samba, como por exemplo, na composição de Wilson Batista,
“Lenço no Pescoço”, que enaltecia a vadiagem como uma vantagem em relação a quem
trabalhava e que pouco conquistava materialmente:
Lenço no Pescoço
Wilson Batista (1933)
Meu chapéu do lado
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
39
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão
E eles tocam
E você canta
E eu não dou
O malandro, em certo sentido, expressava uma existência mais digna, mais livre do
que o trabalhador. Por isso, as ações do Estado em relação à valorização do trabalho se fazem
perceber também através da cultura popular, pois, por força da ação do DIP, o novo
protagonista dos sambas, de malandro transforma-se em um trabalhador nos moldes da
ideologia do trabalho como se verifica na letra de “O Bonde de São Januário”, do mesmo
autor da composição anterior.
O Bonde São Januário
Wilson Batista (1941)
Quem trabalha
É quem tem razão
Eu digo
E não tenho medo
De errar
Quem trabalha...
O Bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu
Que vou trabalhar
O Bonde São Januário...
Antigamente
Eu não tinha juízo
Mas hoje
Eu penso melhor
No futuro
Graças a Deus
Sou feliz
Vivo muito bem
A boemia
Não dá camisa
A ninguém
Passe bem!
A política trabalhista foi o caminho encontrado pelo governo para possibilitar o acesso
das famílias dos trabalhadores às condições que suprimissem as necessidades básicas, como a
alimentação, moradia e educação. “Assim, era pela família que o Estado chegava ao homem e
este chegava ao Estado” (GOMES, 1982, p. 158).
40
Além do empenho de se aproximar do trabalhador do presente, a política de proteção à
família incluía também o trabalhador do futuro. Assim, a educação passou a se centrar nessa
prioridade. A escola deveria adotar a concepção de formação de um homem passivo,
colaborador com o viés econômico do projeto nacionalizante. Portanto, sua formação deveria
ser orientada para a nacionalidade, trabalho, moral e obediência da vontade coletiva
idealizada pelo Estado. Caberia então à escola desenvolver qualidades, como a inteligência,
eficiência e sua utilidade social.
O papel da educação escolar na formação do homem para o trabalho era
enfatizado, tanto no que se refere à formação específica como para a
conformação de consciências favoráveis aos objetivos governamentais e ao
papel dos homens no contexto de tais objetivos. Aqui, trata-se da produção
de habitus considerado adequado: eficiência, disciplina, sujeição aos
interesses do governo etc. contaminando corações e mentes. (PRADO, 2001,
p. 15).
Percebe-se, então, que a educação escolar tinha como finalidade maior a formação
desse novo trabalhador. Para tanto, era necessário que a escola se organizasse e se equipasse
no sentido de promover a superação do despreparo do futuro trabalhador para adequá-lo ao
projeto de modernização nacional. Essa formação, segundo a ideologia estadonovista tinha
como objetivo formar o homem integral - um ser constituído na intersecção de três
dimensões: o físico, o moral e o intelectual, o que o habilitaria a desenvolver habilidades
relacionadas à agilidade, destreza, resistência muscular, percepção rápida, disciplina, espírito
de solidariedade e de cooperação desinteressada (PRADO, 2001, p. 14).
Na perspectiva de formação do novo homem para além da cultura e da formação
escolar, a cidade também se organiza para contribuir com o projeto formador de uma nova
nação.
2.3 TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO NO GOVERNO VARGAS
As mudanças necessárias à implantação de um modelo econômico industrial no Brasil
implicava também na formação de uma população ativa com aptidões técnicas. O sistema
educacional apontava para esse fim desde que também promovesse mudanças no sentido de
renovar seus objetivos e procedimentos de ensino de forma a contemplar os princípios
norteadores da construção da nova sociedade.
Foi a industrialização que obrigou o próprio Estado a assumir a
responsabilidade de erradicar o analfabetismo, pois as tarefas demandavam
41
ao menos um mínimo de qualificação para o maior número possível de
trabalhadores. O próprio mercsdo de trabalho assim exigia. O crescimento da
demanda social faz pressão sobre o processo educativo existente e, no Brasil
a Revolução de 1930 que determina a formulação dessa nova demanda e
modifica o papel d próprio Estado nesse processo. A Revolulução de 1930
cria condições para a modificação dessa situação e abre a possibilidade de se
expandir o ensino, para nele incluir uma parcela maior da população,
especidficiamente nas regiões mais industrializadas. A crescente
industrialização obriga ao aumento das possibilidades que só o ensino pode
abrir (GILES, 1987, p. 221).
Para consolidar a política educacional do governo Vargas, em 1930 foi criado o
Ministério da Educação e da Saúde Pública para regulamentar as ações necessárias à
formação de um trabalhador brasileiro ideal que, segundo o regime, deveria conjugar
educação e saúde.
O período de 1930 a 1945, foi marcado por um grande avanço no ensino primário e
secundário nas áreas urbanas mais desenvolvidas do país. Verifica-se também a ampliação no
número de escolas técnicas que, em 1933 somavam 133 estabelecimentos de ensino ténico
industrial, chegando 1368 em 1945. O número de alunos que aproximava de 15 mil, no
mesmo período, amplia-se para 65 mil (Freitas, 1984).
Com a instituição da Constituição de 1937, implementa-se no país o projeto de
Gustavo Capanema e a educação passa a ser organizada em duas redes: a primária
profissional e a rede secundária superior. A rede primária profissional destinava-se a formar
trabalhadores para atender as demandas de mão de obra especializada para a expansão da
indústria no Brasil. Incluíam-se os ensinos primário, técnico e a formação de professores para
o ensino básico. A rede secundária superior se encarregava de preparar os futuros dirigentes
empresariais e industriais, segundo as palavras do próprio Capanema, as individualidades
condutoras – as elites (Nunes, 2001). Por consequência da legislação oficial, o sistema
educacional reforça a discriminação social e os princípios democráticos.
A legislação acabou criando condições para que a demanda social da
educação se diversificasse apenas em dois componentes: os componentes
dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção pelas escolas que
‘classificam’ socialmente, e os componentes dos estratos populares que
passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para
o trabalho (ROMANELLI, 1998, p. 169).
Em meio aos movimentos por reforma da educação em diversos estados brasileiros,
com a chegada do Estado Novo, institucionalizou-se a Escola Nova já praticada pelo modelo
paulista de escolarização e se difundiu por equipes de professores de São Paulo, que levaram
esse modelo a diversos estados brasileiros na tentativa de se criar um sistema de ensino
42
fundamentado por bases científicas apoiadas em pesquisas da psicologia e sociologia da
educação, com fins de formar mentalidades modernas de maneira que
[...] onde e quando foi possível, os espaços de aprendizagem se
multiplicaram: não apenas as salas de aula, mas também as bibliotecas, os
laboratórios, a rádio-educativa, os teatros, os cinemas, os salões de festa, os
pátios, as quadras de esporte, os refeitórios, as ruas, as praças, os estádios
esportivos (NUNES, 2001, p. 105).
A principal orientação da política educacional era dar ênfase a educação cívica
nacionalista e promover o aprendizado técnico profissional objetivamdo a formação de
indivíduos que espelhassem os interesses nacionais incumbidos da construção do Brasil
enquanto uma grande nação.
É a apartir de 1940, sendo Gustavo Capanema ministro da educação, que o ensino
profissional se organiza por Leis Orgânicas e se divide em dois segmentos: um mantido pelo
sistema oficial e outro por empresas privadas. Em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem
dos Industriários (SENAI) mantido pela Confederação Nacional das Indústrias, com cursos
profissionalizantes em diversas áreas de produção e atualização dos profissionais em serviço
(Santos, 2000).
Bercito (1995) explica que
[...] a população de baixa renda, desejosa de se profissionalizar, encotra
nesses cursos a condição ideal, mesmo porque os alunos eram pagos para
estudar, ou seja, recebia uma bolsa-auxílio como incentivo. Daí, o êxito
desse empreendimento particular paralelo. Além disso, os cursos mantidos
pelo sistema oficial não tinham condições de acompanhar o ritmo do
desenvolvimento tecnológico do setor industrial em expansão. Mas,
sobretudo, o que ocorria era a procura maior pelas escolas oficiais por parte
das camadas médias desejosas de ascensão social e que, por isso mesmo,
preferiam os cursos de formação, desprezando os profissionalizantes
(BERCITO, 1995, p. 32)
O período em que a educação teve como ministro Gustavo Capanema (1934-1945),
Bercito (1995) explica que foi macado pelas reformas que fez. Também foi marcante a
participação de renomados intelectuais que auxiliaram na formulção de projetos e programas
de governo. As inclinações modernistas do ministério da educação marcaram as
contribuições de renomados intelectuais como Carlos Drumond de Andrade, Mario de
Andrade, RodrigoMelo Franci de Adrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernado de
Azevedo, Heitor Villas-Lobo e Manuel Bandeira. Entretanto, a gestão Capanema também se
destaca pelos efeitos da política autoritária e centralizadora do Estado Novo, quando em 1939,
determinou o fechamento da Universidade do Distrito Federal por considerar desnecessária e
43
com tendências comunistas e o fechamento das escolas, consideradas como anti-nacionalistas,
mantidas por colônias estrangeiras a exemplo das alemãs no sul do país.
2.4 TRANSFORMAÇÕES URBANAS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO MODERNO E
CIVILIZADO
Os anos de 1930 até 1945 foram nacionalmente marcados por ideais
desenvolvimentistas do primeiro governo de Getúlio Vargas, que se consolidaram mais
acentuadamente no período de 1937 a 1945, no então regime do Estado Novo. Essa época
ficou registrada na história do país como uma vaga modernizadora que, além de redefinir a
política e a economia, redefiniu também o desenho urbanístico de diversas capitais brasileiras
e de algumas cidades do interior, com a pretensão de abrigar uma nova sociedade que também
deveria ser moderna. Então, os impactos causados nas paisagens urbanas não se deram a
perceber apenas pelas transformações físicas das cidades, mas também nas práticas urbanas
com o propósito de produzir um novo cidadão moderno e civilizado. As cidades são
preparadas pelo governo para ser o locus onde se originariam novas concepções culturais,
onde se acentuaria a valorização da racionalidade científica e do progresso, como maneira de
se distanciar das mentalidades tradicionais rurais, passando essas a representar empecilhos
para o desenvolvimento econômico e cultural da nação.
Ao modernizarem-se, as cidades redimensionam sua função educativa. A criação de
novos ambientes resulta em novos hábitos e comportamentos para os citadinos. Personaliza o
estilo de vida urbano ao promover o aprendizado para a civilidade e sociabilidade. Assim, a
cidade e o urbano se constituem num cenário dinâmico de experiências e de educação, uma
vez que a civilidade se aprende a partir das relações entre os cidadãos e desses com o
ambiente construído, impregnado de significados.
A instituição do urbanismo como campo específico de conhecimento sobre o meio
urbano no Brasil resultou de um processo que teve início nas primeiras décadas do século XX,
no âmbito de reformas urbanas pontuais e esporádicas nas principais capitais nacionais, que
visavam promover a higienização e o embelezamento das cidades, pois essas representavam,
paradoxalmente, a concentração da desordem e insalubridade, ao mesmo tempo em que eram
espaços de civilização. Esse quadro se formou principalmente após a abolição da escravidão e
o início da atividade industrial nas principais capitais do país, como Rio de Janeiro e São
Paulo (HOLANDA, 1995). Diante dessa realidade, a administração pública, aliada a
44
preocupações sanitaristas e de valorização imobiliária, passou a questionar o quadro resultante
dos processos desordenados de ocupação, com o objetivo de promover a valorização das áreas
urbanas centrais, o que exigia medidas técnicas de racionalização do ordenamento urbano.
As intervenções urbanísticas ocorridas em cidades europeias, como Paris da Belle
Époque, foram inspiradoras às intervenções em cidades brasileiras, a exemplo da cidade do
Rio de Janeiro no início do século XX.
Foi no período do Estado Novo que a urbanização no Brasil adotou outra dinâmica em
virtude da necessidade de disciplinar o processo urbano, planejar seu crescimento e controlar
sua expansão, para viabilizar a modernização do país pela substituição de um modelo
econômico agroexportador para o urbano-industrial. Para tanto, era necessário que as cidades
se adequassem ao plano nacional de desenvolvimento em conformidade a uma racionalização
espacial a partir de uma lógica que abarcasse objetivos econômicos, sociais e culturais.
Segundo o pensamento de Vargas, era necessário que as cidades refletissem os ideais
desenvolvimentistas e a nova identidade do país, que representassem o que de novo havia no
Estado Novo.
Nesse sentido, era necessário pensar as cidades e a expansão urbana de forma racional,
com o emprego de técnicas modernas pautadas no conhecimento científico. É na dinâmica
modernizadora varguista que se justifica a regulamentação da profissão do engenheiro e do
arquiteto, e também a consolidação do urbanismo enquanto disciplina autônoma nos cursos de
formação desses profissionais (FELDMAN, 2012). Considerava-se que somente um
conhecimento científico sobre as questões citadinas e profissionais qualificados no Brasil
seria capaz de refletir sobre os aspectos que pudessem dar inteligibilidade à realidade urbana
brasileira.
Integrado aos anseios de reformas, acompanhavam às preocupações dos urbanistas as
questões sociais, dotando o urbanismo de uma dimensão social que atribuía maior significado
à sua contribuição para a construção de uma nova sociedade. Não se tratava apenas de meros
planos de embelezamento e projetos de abertura de novas vias de circulação, como se
verificava anteriormente. Tratava-se do engajamento em um projeto nacional de reforma
social, no qual o urbanismo deveria dar resposta aos problemas sociais de habitação dos
trabalhadores e, especialmente, de melhoria na qualidade das cidades. “Em nome de um
destino grandioso que esperava a nação todos tinham ‘fé’ no progresso, os urbanistas se viam
incumbidos de planejar a casa e a cidade que melhor serviriam ao tipo de brasileiro que estava
sendo descoberto” (SILVA, 1993, p. 46).
45
Diferente das propostas anteriores, os planos no período do Estado Novo passaram a
ser elaborados com maior ênfase nos princípios científicos do urbanismo e apresentavam
maior abrangência na escala espacial e social. Além do aprimoramento científico, os projetos
eram sistematizados a partir de inventários técnicos que melhor qualificavam os ambientes a
serem transformados, quer nas condições físicas ou sociais.
A capacidade interventora do especialista no meio urbano deu-se, em grande
parte, pela concepção de que a ordem espacial estava intimamente ligada à
ordem social. O território reorganizado poderia potencializar uma nova
ordem produtiva e, consequentemente, uma nova ordem política,
transformando a cidade num fator de progresso. (SILVA, 1993, p. 49).
Novas repartições públicas foram criadas para inspecionar e garantir a implementação
das inovadoras diretrizes do planejamento urbano e que, depois de aprovadas, reverteriam em
leis, estabelecendo orientações mais complexas e restritivas para o reordenamento das cidades
em conformidade aos padrões normativos de modernização.
A visão desses urbanistas era de que, em virtude das prioridades emergentes ao
ordenamento urbano, a eficiência da racionalidade técnico-científica deveria ser privilegiada
em detrimento das funções políticas e administrativas da gestão pública, de maneira a
valorizar a neutralidade do discurso científico (FELDMAN, 2012). Dessa forma, as mudanças
de governo, típicas da democracia, não significavam garantia efetiva para a realização dos
planos em sua totalidade, sendo frequentemente interrompidos ou abandonados a cada
alternância da administração pública. Porém, essa forma de pensar, ao contrário de sua
aparente neutralidade, corroborava com a política autoritária de Vargas, no sentido de garantir
o cumprimento de seus ideais de modernização, pressupondo que o conhecimento técnico
científico expressasse a legitimação das reivindicações sociais, portanto, acima de qualquer
interesse político.
A contribuição do urbanismo no projeto de construção da identidade do “homem do
Estado Novo” se revelava segundo o discurso de que “[...] a racionalidade técnica e a lógica
científica deveriam regular as atitudes e comportamentos da sociedade através da cidade”
(OUTTES, 2014, p. 395). Os projetos de modernização, ao disponibilizarem novos
equipamentos para a população urbana, como postos de saúde, teatros, cinemas, tratamento de
água, pasteurização de leite, substituíam hábitos antigos da população por procedimentos e
atitudes salutares modernas. Assim, verifica-se que os projetos de modernização urbanística
eram imbuídos de intenções educativas disciplinadoras a serem incorporadas no cotidiano dos
46
novos cenários urbanos. Esses projetos, ao definirem um traçado moderno na disposição das
ruas e avenidas, e as redes de saneamento básico, facultavam a produção de um ambiente
mais confortável e saudável que possibilitasse a incidência dos raios solares, a livre circulação
do ar, de maneira a combater a insalubridade resultante do improviso das antigas
concentrações urbanas.
Nesse quadro, é possível observar a dimensão educativa disciplinadora dos projetos de
modernização do Estado Novo, tal como os projetos arquitetônicos totalitários, que
preparavam as cidades de maneira a influenciar, e como se acreditava, determinar mudanças
de atitudes no cotidiano da população conforme regras e padrões determinados pela
disposição do aparato urbano.
2.4.1 A modernização das cidades brasileiras
Ao desenvolver estudo sobre o período da ditadura civil do Estado Novo, Capelato
(2011) explica que essa época foi marcada por uma grande mobilização em defesa da
modernização nacional, que resultou na reorganização do Estado, reordenamento da
economia, em um novo redirecionamento das esferas pública e privada, e uma nova relação
entre o Estado e a sociedade.
Esse movimento modernizador político e econômico refletiu na materialidade dos
espaços urbanos brasileiros e teve, como uma de suas expressões mais representativas, a
transformação das paisagens de algumas cidades como forma de combater o que poderia
simbolizar atraso, ou seja, o que representasse a República Velha. Nas ações voltadas à
formação do cidadão moderno, concentrava-se o ideário getulista em criar o novo a partir de
signos que, no seu conjunto, colaborassem para a construção de um imaginário em que a ideia
de progresso se apresentasse contrária ao provinciano, ao atraso. Enfim, nas possíveis
interferências que pudessem afetar de maneira negativa o que, na época, se concebia como
progresso.
O revigoramento das cidades, nesse cenário, se relacionava a um rearranjo capitalista
no país, que, no plano econômico, se diversifica entre um modelo agroexportador para uma
base urbano-industrial. Em grande parte, a importância das cidades se deve ao processo de
industrialização alavancado por condições institucionais criadas após o Movimento de 1930,
devido à crescente pressão dos interesses industriais.
47
A industrialização brasileira desencadeia uma nova fase em direção à urbanização do
Brasil, em que as cidades assumem importância fundamental no projeto nacional de
desenvolvimento, por serem o espaço de concentração dos elementos necessários que irão
impulsionar as atividades econômicas secundárias: a concentração de mão de obra e mercado
consumidor. Em cidades brasileiras, não só nas capitais como também em algumas cidades do
interior, são empreendidas intervenções físicas e a adoção de novas formas de gestão do
crescimento urbano e gestão municipal.
Essa passagem significou investir em um esforço de racionalizar o traçado urbano e,
simultaneamente, disciplinar seu uso público. A importância atribuída às cidades está
relacionada ao novo impulso econômico que exigia uma configuração urbana destinada a esse
fim. Para pensar a construção de um espaço segundo essa nova perspectiva econômica,
buscou-se a contribuição e o fortalecimento dos discursos e práticas advindos do urbanismo,
que deveria contribuir tanto para a instalação da indústria quanto para a formação do “homem
do Estado Novo”.
Mas, não foi só na época do Estado Novo que se verifica, em pesquisas desenvolvidas,
a evidência da dimensão educativa da cidade. Veiga (1997), ao investigar a construção de
Belo Horizonte no período de 1894-1897, defendeu a tese de que nos projetos urbanos
elaborados no final do século XIX também estiveram incluídas as proposições de formação e
educação do cidadão. Para a autora, essas proposições podem ser identificadas nas ações de
urbanização e construção das cidades e, também, nas práticas escolares. A percepção de
Veiga (1994) quanto às orientações educativas da cidade remontam à antiguidade clássica.
As palavras que se vinculam à cidade exprimem educação, cultura, bons
costumes, civilidade, elegância. Cidade e urbanidade vêm do latim, civitas e
urbs; polidez, da polis grega. Esses valores e atitudes desenvolveram-se em
redes de sociabilidade que se diversificaram no curso da história com
destaque para a modernidade, a partir do século XVI. (VEIGA, 1997, p.
299).
Para promover a civilidade na convivência social, Veiga (1997) se refere a um tipo
especial de educação na perspectiva da concepção de espaço e de ambiente como agentes
educadores e formadores de uma nova identidade cidadã.
Essa educação estética referia-se às mais variadas formas de expressão
artística como o canto, a dança, a música, a literatura, o teatro, os trabalhos
manuais, mas, principalmente as formas de educar para produzir uma
emoção estética. A concretização dessa educação se faria no
desenvolvimento da capacidade de contemplar a beleza urbana, seus jardins
48
e edificações, a nova estética dos prédios escolares e das salas de aula;
pensou-se também nas festas cívicas e escolares, auge de uma comunhão
nacional e de homogeneidade cultural, em que todos são um só canto e uma
só imagem. (VEIGA, 1997, p. 306).
Nos estudos realizados sobre a modernização em Vitória, no estado do Espírito Santo,
no começo do século XX, Pires (2006) fala que as cidades passaram a representar o grande
cenário da modernidade, tornando-se o símbolo do novo em contraposição ao meio rural,
representação do obsoleto e sinônimo do atraso. Foi nos cenários urbanos que os indivíduos
passaram a promover práticas modernas e incluíram “[...] novas práticas de lazer e linguagem,
novos hábitos culturais e modismos que se confrontavam com as antigas tradições” (PIRES,
2006, p. 100), até mesmo para aquelas camadas da população sem acesso às “novidades” que
invadiam a cidade, gerando contradições entre o moderno e as posturas tradicionais. As obras
em Vitória, segundo a autora, fizeram parte de um conjunto de remodelações no centro da
cidade com o aterramento das partes baixas próximas à baía, a construção expressiva de
prédios e abertura de ruas e avenidas, entre outros, cujo objetivo junto à população foi o de
“urbanizar e civilizar” e, dessa forma, converter a cidade numa metrópole moderna conforme
os moldes estéticos, urbanísticos e econômicos europeus, como estratégia para atrair
investimentos estrangeiros.
Medeiros Neta (2011), ao pesquisar a relação entre cidade e sociabilidade para a
construção de educabilidades na cidade de Príncipe - Rio Grande do Norte, no século XIX,
defende a tese de uma pedagogia da cidade compreendida em seu modus vivendi, nos
cenários, nas ritualizações e nas instituições.
[...] a pedagogia da cidade transmuta-se na reflexão de como a cidade educa.
Por isso, a pedagogia da cidade se expressa no estilo de vida e no
aprendizado da civilidade e do direito a cidade, bem como nas funções
pedagógicas expressas em projetos urbanos e escolares, na relação entre o
corpo urbano/corpo cidadão e na hermenêutica urbana e em uma postura
sensível frente ao urbano. (MEDEIROS NETA, 2011, p. 22).
Silva (2009), em sua pesquisa sobre as representações de cidade e escola primária no
Rio de Janeiro e em Buenos Aires, nos anos de 1920, argumenta que a modernidade
significou um momento de intensificação da concepção de que a reforma dos espaços urbanos
deveria ser acompanhada por uma remodelação dos comportamentos e hábitos da população.
Nesse sentido, o grande desafio era empreender uma harmonização ao conjunto das obras
públicas que, via de regra, vinha sendo implantado desde a virada do século XIX, sob maneira
49
que a modernidade fosse incorporada aos atos, falas e modos dos habitantes para conter os
“avanços do subúrbio”. O autor conclui que
Com a pretensão de adaptação e disciplinamento dos comportamentos e
hábitos da população, porque sublinhavam a possibilidade de trabalhar junto
à comunidade escolar (crianças e adultos) certo número de procedimentos e
condutas e de contribuir para a multiplicação dos mesmos pelo meio social,
fortaleceu-se a interferência de saberes e práticas de escolarização primária.
Por essas considerações é que se pode afirmar que, sob a lógica
governamental, intensificou-se no decurso dos anos 1920 a concepção de se
pensar a escola e a cidade a partir de um repertório comum de estratégias.
Isso porque se objetivava converter a cidade em um espaço educativo e a
escola em um dispositivo para incutir ideais de urbanidade e higiene pública.
(SILVA, 2009, s/p).
Cavalcanti (2007) pesquisou sobre as transformações urbanísticas nas primeiras
décadas do século XX, na cidade de Taperoá, no estado da Paraíba, quando alguns signos da
modernidade urbana foram introduzidos naquela cidade, como arborização, pavimentação e
iluminação das vias públicas, linha telegráfica e outros, que contribuíram para a formação de
uma nova sensibilidade em seus habitantes. Essas transformações foram promovidas pelo
desejo de uma elite que pertencia a uma cultura de tradição rural, porém, seu objetivo não se
resumia somente à produção de uma nova paisagem urbana, tinha também o propósito de
construir novas representações que passaram a dar significado ao imaginário urbano e à
formação de uma nova sensibilidade, de uma reeducação dos sentidos dos habitantes da
cidade, entendida na época como um processo civilizador dos costumes cotidianos das
pessoas, especialmente dos populares, pois hábitos e atitudes do dia-a-dia do povo também
passaram a ser vistos e considerados negativos sob a ótica do discurso do progresso. Nesse
sentido, Cavalcanti (2007) se reporta às intenções de Félix Daltro, prefeito de Taperoá na
ocasião:
[...] a afirmação da moral e dos bons costumes se apresentava para Félix
como urgente, e nesse sentido providenciou prescrições que tinham por
objetivo fundar uma nova ordem urbana, em correspondência estreita com os
novos tempos, impondo dessa forma uma nova ordem moral através de um
novo código de conduta (regulamento) que regesse os munícipes, uma vez
que estes necessitavam de um “adoçamento dos costumes”. Parece-nos que
as atitudes tidas como indesejáveis estavam associadas às práticas do
cangaço, como sendo sinônimo de rusticidade e que necessitavam ser
substituídas pelas diversões e gentilezas para com o outro, marcas estas
personificadas ao próprio prefeito. (CAVALCANTI, 2007, p. 59, grifo do
autor).
50
Paulilo e Silva (2012), ao estudarem as transformações promovidas pelo poder público
na cidade do Rio de Janeiro, nos anos 1920, chamam atenção quanto às modificações
significativas na arquitetura da cidade e também nas práticas sociais de seus cidadãos, num
processo de entrelaçamento dos cenários urbanos com os educacionais construídos naquele
período, algo que, segundo os autores, não aconteceu por acaso. Tinha como objetivo, “[...]
organizar, educar e harmonizar as formas da população de se relacionar cotidianamente [...]”,
e, “ [...] no decurso da década de 1920, foi-se intensificando a concepção de que para
modernizar a capital, para além das reformas arquitetônicas, era necessário remodelar as
práticas de sociabilidade” (PAULILO; SILVA, 2012, p. 128 e 131).
Para a incorporação à paisagem carioca de aspectos condizentes ao urbano, os autores
citados explicam que foram necessárias ações que avançassem além das medidas de
fiscalização e punições quanto à distribuição das moradias, otimização do tráfego,
aglomeração de ambulantes, hábitos de higiene, além de outros, pois se colocava em jogo uma
modificação nas tradições, modos e comportamentos dos habitantes. Paulilo e Silva (2012)
evidenciam a importância da contribuição da escola na formação dessa nova concepção de
cidade racionalizada, portanto moderna. A expectativa era de que os ensinamentos e
experiências escolares civilizadoras fossem expandidos além dos espaços escolares e
contribuíssem para a (re)construção e organização do espaço público e o disciplinamento e
condutas da população.
Como pode ser observado nos projetos de remodelação urbana citados, em períodos
anteriores ao Estado Novo, esses foram acompanhados da preocupação de, também,
“reformar o povo” (VEIGA, 2000), no sentido de que, para a convivência em um ambiente
urbano moderno, há a necessidade de transformação dos hábitos dos cidadãos, o que reforça
as intenções governamentais de determinar, segundo seus interesses, como os espaços
citadinos devem ser praticados, preocupação que também se fez presente nas ações de
modernização urbanas do governo de Vargas.
Em seu estudo sobre as construções sociais do moderno no Nordeste brasileiro, Gomes
(2011) relata que em Campina Grande, no estado da Paraíba, no período do Estado Novo, se
recebeu diversas melhorias, como a construção do Grande Hotel e a construção do Cine
Capitólio, com notórias influências europeias de higienização e embelezamento. Em se
tratando dos reflexos desencadeados na população, Gomes (2011) conta que as mudanças não
se restringiram apenas às estruturas da cidade, como também mudou o significado de viver
dos citadinos, pois “A população absorveu o espírito do Moderno, levando-o além das
51
reformas urbanas e desenvolvimentos econômicos e tecnológicos, era o vestir-se, o portar-se.
Surge um novo código de postura voltado ao cidadão moderno” (GOMES, 2011, p. 523).
Os códigos de conduta também se representaram em estratégias para promover o
consumo. Segundo Gomes (2011), em consequência do desejo de se modernizar, criou-se a
necessidade das pessoas se adequarem ao ambiente, comprando, portanto, artigos mais atuais
para si e suas casas.
Assim, para que eles se sentissem como sujeitos modernos precisariam usar
os signos que definiam a modernidade. E mais que isto deveria ostentá-los
perante seus pares. [...] Passou-se então, a buscar estar moderno em
detrimento do ser moderno. (GOMES, 2011, p. 522).
Ainda ao se referir ao projeto de reforma urbana, em 1935, para Campina Grande, o
autor ressalta as significativas influências europeias de higienização e embelezamento das
cidades.
Essas mudanças foram mais que estruturais, elas mudaram o significado da
concepção de viver daqueles indivíduos, e mesmo que a modernidade não
tenha atingido as cidades da mesma forma, já que ela estava ligada as
condições econômicas de cada uma, ela criou uma nova teia de relações
culturais [...] e mudanças de hábitos culturais. (GOMES, 2011, p. 522).
A administração municipal de Belo Horizonte, no período de 1940 a 1945, teve como
prefeito Juscelino Kubitschek que, segundo Cedro (2009), implementou projetos urbanísticos
ousados e de vanguarda para que a capital mineira continuasse a ostentar a referência de
cidade moderna e abrigar, em suas proximidades, atividades secundárias em conformidade ao
ideal nacional de modernização – urbanização acompanhada de industrialização e a formação
de um novo homem.
O remodelamento de Belo Horizonte foi planejado segundo as orientações da Carta de
Atenas de 1933 – documento elaborado no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
que, naquele ano, teve como temática a cidade funcional. As propostas da Carta foram
elaboradas por Le Corbusier, arquiteto e urbanista suíço – fundador das bases da arquitetura e
do urbanismo moderno, devido à expressão inovadora funcionalista de seus projetos. Oscar
Niemeyer, adepto de Le Corbusier, também teve destacada participação na modernização de
Belo Horizonte com projetos modernistas, os quais se tornaram verdadeiros cartões postais da
cidade: o Conjunto Arquitetônico da Pampulha com a Igreja de São Francisco de Assis, a
Casa de Baile e o Cassino.
52
Ainda sobre Belo Horizonte, Cedro (2009, p. 29) observa que “[...] A modernidade
empreendida por Juscelino que atendia a população em geral restringia-se à abertura de ruas e
avenidas, já para os mais abastados criou-se todo um complexo turístico de entretenimento”.
Ao estudar como a experiência goiana participou do projeto de modernidade
nacionalista e a formação de identidades afirmativas para o goiano na construção da cidade-
capital e da escola nos anos 1930/1940, Rubia-Mar Nunes Pinto (2009), em sua tese de
doutorado, aborda o papel do urbano na relação entre centro e periferia. A autora conclui que,
apesar de todo o esforço em incorporar a história da cidade na história nacional como a “[...]
locomotiva que levou a civilização para o sertão brasileiro [...]”.
Percebe-se, então, que os diversos projetos modernizadores dos ambientes urbanos em
diferentes épocas, foram acompanhados de intenções educativas referentes à formação de uma
nova identidade, a do cidadão polido, moderno, condizente com as aspirações de modernidade
da sua época. Essas intenções se encontram expressas nos textos estudados pelos conceitos:
“civilizador”, “formação de uma nova sensibilidade”, “reeducação dos sentidos”, “nova
conduta”, “civilidade”, “reforma do povo”, “novas práticas sociais”.
Mato Grosso é revisitado no Capítulo III , nos anos de 1930. A partir de um esboço do
quadro político, social e econômico da época , discute-se a inclusão do estado na política do
Estado Novo, segundo suas perspectivas para o desenvolvimento econômico e a consolidação
dos ideais de modernização no cenário mato-grossense a partir da gestão do interventor Júlio
Müller.
53
CAPITULO III
O ESTADO DE MATO GROSSO E AS
PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO
Ponte Júlio Müller sobre o rio Cuiabá – anos 40
Fonte: APMT
54
Para a inclusão de Mato Grosso no projeto modernizador do Estado Novo, era preciso
tratar algumas questões importantes que inviabilizavam esse propósito: o vazio populacional;
a quase ausência de estradas para a comunicação entre os municípios e escoamento da
produção; a precariedade de infraestrutura, como luz elétrica e saneamento básico; e a falta de
investimento em setores, como a saúde e a educação, além das questões políticas internas
entre o Sul e o Norte do Estado em um movimento reivindicatório de separação ou o
deslocamento da sede do governo de Cuiabá para Campo Grande.
No presente capítulo serão abordadas as características de Mato Grosso na Era Vargas
e as ações de seu Interventor, Julio Strüberg Müller, para a sua modernização e inclusão no
ideário nacional.
3.1 A REALIDADE MATOGROSSENSE NO INÍCIO DA ERA VARGAS (1930-1937)
Os últimos anos da Velha República em Mato Grosso foram marcados por
turbulências políticas e econômicas, agravadas pelo golpe que levou Getúlio Vargas ao poder.
Segundo Póvoas (1995), o desfecho do Movimento de 1930, diante da destituição do
presidente Washington Luis e a posse da Junta Governativa, devido às dificuldades de
comunicação, foi recebido em Cuiabá por fonte não oficial e considerada “boato”, causando
ansiedade junto à população. A partir de então, os presidentes de estado foram destituídos e as
unidades federativas passaram a ser administradas por interventores federais, nomeados pelo
presidente da República. Com a Constituição de 1934 (Art. 9º), a Assembleia Legislativa
Estadual foi reconstituída e promoveu eleição indireta para os governos estaduais. Mato
Grosso, no período aproximado de sete anos, teve no seu governo a alternância de nove
governantes, por curtos períodos, que somada às condições do estado e do país, nada de
notável puderam realizar (PÓVOAS, 1995).
55
Quadro 1 - Governantes de Mato Grosso (1930-1937)
Governantes Posse Término Cargo
Antonino Mena Gonçalves 03.11.1930 24.11.1930 Interventor
Arthur Antunes Maciel 24.04.1931 15.06.1932 Interventor
Leônidas Antero de Mattos 15.06.1932 12.10.1934 Interventor
César de Mesquita Serva 12.10.1934 08.03.1935 Interventor
Fenelon Müller 08.03.1935 28.08.1935 Interventor
Newton Deschamps Cavalcanti 28.08.1935 09.08.1935 Interventor
Mario Corrêa da Costa 07.09.1935 07.03.1937 Governador
Manoel Ary da Silva Pires 09.03.1937 04.10.1937 Interventor
Julio Strümberg Müller 04.10.1937 10.11.1937 Governador
Fonte: Póvoas (1995).
Além da frequente substituição dos administradores, a população enfrentava conflitos
políticos separatistas entre a porção Norte e Sul do estado, tendo a transferência da sede do
governo estadual para Campo Grande como uma das questões de maior relevância entre as
lideranças políticas.
A disputa revelava, em Mato Grosso, uma situação contraditória ao plano nacional de
integração, que teria que ser resolvida. Além das imensas áreas desocupadas e desconhecidas,
de difícil controle por parte do estado, aquelas de maior concentração populacional,
polarizadas em Cuiabá e Campo Grande, se rivalizavam em sediar o poder público,
demonstrando que o território matogrossense carecia também de ações de integração
geopolítica.
Registros historiográficos matogrossenses apontam, para os anos finais do século XIX,
o surgimento de manifestações rebeldes que evoluiram para o movimento separatista liderado
pelos coronéis sulistas em oposição às oligarquias cuiabanas nortistas. A situação se acirrou
com a situação política de 1932, quando lideranças sulistas matogrossenses apoiaram a
“Revolução Constitucionalista de São Paulo”, insurgindo-se ao governo de Getúlio Vargas
(AMEDI, 2014).
Diversas foram as manifestações publicadas pela elite sulista, de repercussão nacional,
como estratégia para legitimar a separação entre o Sul e o Norte do estado. Algumas dessas
publicações atacavam com argumentos que se reportavam à origem do povo cuiabano como
sendo
56
[...] cheio de preconceitos feudais, tem mentalidade inteiramente differente
do sulista: na sua formação teria a canicula abrazadora de Cuyabá influído a
ponto de torna-lo um individuo desanimado e contemplativo e incapaz de
arrojadas e dynamicas iniciativas de que são capazes, dizem elles os filhos
do sul.
[...] Cuyabano e sulista constituem dois typos raciais completamente
diferentes: o cuyabano, typo meio mongolico, de physico atarracado, pele
bronzeada, olhos oblíquos, cabeça chata authentico, pertenceria, assim, a
uma raça inferior; enquanto que nós sulistas, de físico mais desenvolvido,
mais claros e de cabeça alongada, já petenceriamos a uma raça mais apurada,
descentes mesmo, talvez, de perfeitos aryos [...]. (Diário de São Paulo, 10 de
abril de 1934).
Como se observa, esses motivos separatistas também se apoiavam na teoria do
determinismo geográfico que, nesse caso, atribuía à questão climática – o calor cuiabano,
como sendo um fator determinante para o desenvolvimento diferenciado entre Norte e Sul.
Seria o calor, elemento natural, a causa da desmotivação da população para que essa
permanecesse com seus modos e tipos tradicionais, resistindo aos modos mais evoluídos de
uma raça mais apurada. A elite sulista buscava, então, legitimar a questão separatista como
sendo uma consequência natural.
Ocupavam-se os políticos do Sul do estado, para justificar as reivindicações
separatistas, em mostrar o quão decadente era a organização produtiva do Norte de Mato
Grosso.
Não há uma pecuária organizada. Cria-se, hoje, como antes de 1880 – à
solta, em latifúndios. Gado perdido por toda a parte. Nada de técnica para
qualquer mister. As fazendas não estão divididas nem cercadas. Tudo é
duma primitividade inconcebível. O gado está refinado por falta de sangue
novo – é o gabiru, o peludo, rejeitado pelos compradores. No que toca a
cavalares e suínos, o mesmo. Fazendas sem organização alguma, velhas
habitações sem conforto, solitárias, encravadas em latifúndios, que não dão
dinheiro ao Tesouro.
A indústria do açúcar, em Cuiabá, decai todo ano. O trabalho, ali, não
melhorou; a indústria não se valeu de novos métodos; mantém o operariado
em miséria e sem garantias. Iniciou-se, ali uma charqueada, que se fechou
logo, dando graves prejuízos. (MATO GROSSO, Liga Sul-matogrossense. A
divisão de Mato Grosso: resposta ao General Rondon. Maracajú, 1934, p.
17-19).
Ao mostrar que o Norte ainda permanecia organizado de maneira rudimentar para a
atividade pecuária, indiretamente a crítica atribuía aos fazendeiros do Sul a sustentação
econômica de Mato Grosso. Na época, era a pecuária o carro chefe da economia do estado (O
Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 04.10.1941, p. 14), consequentemente, diante das condições
expostas, não caberia ao Norte mérito a ser destacado.
57
Reforçando o movimento separatista, em paralelo, trabalhava-se a ideia de
transferência da capital para Campo Grande, alegando que a longínqua Cuiabá era uma cidade
velha e que as precárias condições das estradas a tornavam um lugar isolado, atrasado e
desprovido de capitalidade, quando comparada à “moderna e limpa” Campo Grande.
Faltavam-lhe os atrativos necessários para uma cidade ser reconhecida como uma capital
moderna.
Afirmava-se ainda uma grande distância a separar norte e sul, Cuiabá não era
conhecida dos sulistas; sua imprensa não era lida e as ideias dos seus homens
não chegavam à região.
O que mais se destacava eram os esforços dos sulistas no sentido de se
afirmarem como “civilizados”, “modernos” e economicamente
“desenvolvidos”, se opondo às características “cuiabanas” – o “estatismo” e
a “decadência” do norte. (AMEDI, 2014, p. 68, grifos do autor).
A respeito, o governador Dr. Mario Corrêa da Costa relata:
Essa falta de prévio preparo do meio ambiente, assim como a inesperada
transformação por que passou o scenario politico da nossa terra, em o qual
vimos surgir, emergindo de obscurantismo em que sempre viveram, figuras
apagadas e inexpressivas que, de uma hora para outra, se avoraram em
chefes, assenhorando-se de todas as posições de mando, sem que nenhum
título os recomendasse senão a situação em que se encontravam os
oposicionistas, não podia deixar de trazer, como era natural, as
consequências danosas, que se reflectiriam necessariamente, na
administração publica.[..]
Tornava-se, assim, impossível uma orientação segura aos Interventores que,
à mingua de conhecimento do valor dos homens, e do que se passava os
municípios, não podiam medir bem as consequências dos seus actos, por
mais bem inspirados que fossem, na preoccupação louvável de acertar.
(MATO GROSSO, Mensagem, 1936, p. 11-12).
Além dessa situação, outros fatores políticos interferiam ainda mais na administração
pública após o movimento de 1930, como: “a revolução constitucionalista que eclodiu em São
Paulo e Mato Grosso, em 1932, que agravou ainda mais a situação financeira do estado; o
movimento pela sua divisão; a Segunda Guerra Mundial, entre outros. O problema sério que
afetava a administração pública era, porém, o setor financeiro” (SÁ; FURTADO, s/d, s/p). A
respeito, Jucá (1998, p. 57) afirma que “A receita além de ser pequena e injusta, não
compreendia o possível universo dos contribuintes. A despesa, por sua vez, era superior às
possibilidades do Tesouro”. Em sua Mensagem à Assembleia Legislativa, o Dr. Mario Correa
da Costa assim explica a sua opinião:
58
Penso, entretanto, Senhores Deputados, que os déficits orçamentários não
podem e não podem e não devem servir de phantasma para os homens de
governo, não podem constituir a sua preocupação máxima [...]
Foi justamente contrahindo empréstimos, attrahindo capitães e empregando-
os em fontes reproductivas, que se transformaram aquellas Unidades da
Federação em verdadeiros centros de trabalho, celeiros máximos da riqueza
nacional. Povando-se, fomentando as suas industrias, incrementando a sua
lavoura e a sua pecuária, desenvolvendo a cultura intelectual de seus filhos,
transformaram-se de bucólicas Provincias que eram em verdadeiros centros
de grandeza, na mais eloquente demonstração da intelligencia e da
capacidade de trabalho do povo brasileiro. (MATO GROSSO, Mensagem,
1936, p. 34).
Além da constante alternância de governantes e da falta de recursos, outro fator
apontado como obstáculo à administração pública em Mato Grosso era a “[...] vastidão
imensa do seu território e a escassez de sua população, cerca de 400 mil habitantes para
1.500.000 quilômetros quadrados” (MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 5). O presidente
Anibal Toledo argumenta que:
Si esta população, embora pequena, estivesse reunida, confinada em áreas
menos extensa, ainda o seu governo não seria tão difícil. A densidade maior
do povoamento e a diminuição das distancias poriam mais ao alcance de
seus recursos orçamentários, tornariam mais baratos e mais eficientes, todos
os serviços públicos, - instrucção pública, a hygiene, o policiamento,
administração da justiça, a assistência publica sob todos os seus aspectos, e
por fim a própria arrecadação dos elementos financeiros necessários para
executa-los. (MATO GROSSO, MENSAGEM, 1930, p. 5).
O estado, conforme dados do Recenseamento Geral do Brasil (1936), continha um
território de 1.477.041 km², distribuídos em 25 municípios: Aquidauana, Araguaiana, Bela
Vista, Campo Grande, Corumbá, Coxim, Cuiabá, Diamantino, Entre Rios, Gajará Mirim,
Livramento, Maracajú, Mato Grosso, Miranda, Nioaque, Poconé, Ponta Porã, Porto Porã,
Porto Murtinho, Rosário Oeste, Santa Rita do Araguaia, Santo Antônio do Rio Madeira, São
Luiz de Cáceres e Três Lagoas.
Nesse período, o crescimento populacional no estado foi pouco expressivo, como é
possível observar:
59
Gráfico 1 – Situação demográfica de Mato Grosso (1930-1935)
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, Ano II (1936).
Em 1935 a população relativa correspondia a 0,25 habitantes por km², isto é, menos
de uma pessoa por km², dado este que endossa a afirmação de Anibal Toledo em 1930. Nesse
sentido, a solução, apresentada por Toledo aos deputados, foi de “[...] fomentar dentro do
estado a formação de fortuna e da riqueza particular, sem a qual não é possível a riqueza
publica, que faz os bons orçamentos, que fornece os recursos necessários à realização
daqueles serviços”, que seria somente possível com o povoamento do território matogrossense
(MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 7).
A baixa densidade demográfica era reflexo, também, das condições de vida e das
possibilidades de deslocamento. Segundo o pensamento dos dirigentes matogrossenses, o
alinhamento do estado aos ideais varguistas de modernização dependia, entre outras
necessidades, de equipar seu vasto território com um sistema viário que possibilitasse “[...]
levar progresso e civilização ao sertão” (LORENZETTI; FERREIRA, 2008, p. 266), de
maneira a expandir a tímida participação nos mercados nacional e internacional, pois o estado
possuía apenas 5.840 km de estradas de rodagem, sendo estas 994 km de terra “melhorada” e
4.846 km de terra “não melhorada”, possibilitando, mais adequadamente, a circulação de
transportes de tração animal. Embora, houvesse em Mato Grosso somente 756 automóveis, 35
auto-ônibus, 13 motociclos, 519 caminhões e 1 automóvel (possivelmente uma ambulância),
60
sendo que 16 automóveis e 72 veículos de cargas se encontravam na Capital (BRASIL,
Anuário, 1936, p. 149-152).
Na época, na porção Centro-Norte de Mato Grosso, a circulação de mercadorias, para
atender o mercado da capital, ocorria com o uso de animais de tração e pequenas
embarcações, como explica Póvoas (1983). Os cereais produzidos nas cercanias de Cuiabá,
alguns em locais um pouco mais distantes, como Chapada dos Guimarães (Serra Acima) e
“Raiz da Serra” (Serra Abaixo), chegavam até as casas comerciais e no Mercado Municipal da
capital trazidos por animais chamados cargueiros. Entre eles, bois que eram
[...] arreiados com uma cangalha da qual pendiam, de um lado e de outro,
dois “surrões” (grandes bolsas) de couro que transportavam arroz, milho
farinha, bananas, mandioca, etc. Havia também os que traziam, pendentes
desses arreios, “mocutas” (feiches) de lenha para uso de cozinha (PÓVOAS,
1983, p. 40, grifos do autor).
A produção ribeirinha do Cuiabá, a montante da capital, nas localidades da Guia,
Brotas (hoje Acorizal) e Engenho,
[...] desciam para o mercado consumidor cuiabano em “batelões” – canoas
muito grandes, construídas de um só tronco de madeira -, com “pisapés”
laterais por onde circulavam os homens que impulsionavam a embarcação
em “zingas”.
De águas-abaixo - das localidades do norte para Cuiabá -, os “batelões”
desciam super-carregados, trazendo, além de sacas de mantimentos, frutas,
aves, ovos, etc. De águas acima iam leves, apenas com as poucas compras
que seus tripulantes faziam no comércio local. (PÓVOAS, 1983, p. 40-41,
grifos do autor).
Conhecer a vastidão territorial do estado era algo praticamente impossível, devido ao
reduzido número de estradas, ressalta-se ainda, de pequenas extensões e que se encontravam
em precárias condições de conservação. As vias fluviais eram o meio mais utilizado para o
deslocamento de pessoas e transporte de mercadorias em longas distâncias. Na transposição
dos rios, quando não se fazia por pontes de madeira, em rios de vão estreito, utilizava-se
balsa, a exemplo da travessia do rio Cuiabá, em perímetro urbano, ligando a capital ao 3°
Distrito de Cuiabá, hoje Várzea Grande. Essa travessia se dava de “[...] forma bastante
rudimentar, através de uma embarcação conhecida por Barca Pêndulo” (BORDEST, 2014, p.
84), única forma de comunicação entre Cuiabá e a região Norte e Oeste do estado. Inaugurada
a 04 de junho de 1874 (O Estado de Mato Grosso, 06.01.1942, p. 1), a barca pêndulo fez a
travessia do rio Cuiabá até a inauguração da moderna ponte de cimento armado em 1942. Nos
61
sessenta e oito anos de funcionamento, “[...] Dela se serviam não só pessoas como também
veículos (automóveis ou mesmo carroças) que se destinavam aos municípios de Livramento,
Poconé e Cáceres” (PÓVOAS, 1983, p. 31).
Muitos foram as cenas de verdadeira aventura que aconteciam nos cinco a dez
minutos de travessia. Os momentos de maior apreensão ocorriam no período das cheias,
quando a força da correnteza rompia os cabos de aço que serviam de guia para a barca, que
descia rio abaixo, alterando a rotina do dia de seus passageiros, numa mistura do lamento dos
adultos e a alegria das crianças que tinham justificativa para se ausentarem da escola Senador
Azeredo, localizada no 2° Distrito (PÓVOAS, 1983).
Imagem 01 – Barca Pêndulo
Fonte: Ayala e Simon (1914)
Uma das alternativas utilizadas para superar a dificuldade de transporte por via
terrestre foi a utilização de hidroaviões, iniciada em 1930, que perdurou até 1939, no percurso
São Paulo-Corumbá-Cuiabá (PÓVOAS, 1995).
Associada às dificuldades internas pela falta de estradas e meios de comunicação, a
baixa produtividade agropecuária era outro fator a ser considerado. O estado continha uma
grande reserva de riquezas naturais que referendavam sua vocação extrativa e agropecuária
62
como um promissor potencial econômico a ser explorado. Nesse período, basicamente, a
produção do estado se voltava para: a indústria extrativa de babassú-amêndoas, borracha,
castanha, caucho, cumarú, ipecacuanha, madeiras, mate, óleo de capaíba e tanino; a
agricultura, por meio do cultivo de abacaxi, arroz, banana, batata, café, cana de açúcar, feijão,
fumo, laranja, mandioca e milho; e, a pecuária, a criação de gado maior (bovinos, equinos,
asinos e muares) e do gado menor (suínos, ovinos e caprinos) (BRASIL, Anuário, 1936).
Longe das possibilidades de se industrializar, a inserção de Mato Grosso nos planos
governamentais se daria como produtor de matérias-primas para as indústrias brasileiras e
exportação para o mercado internacional. A estratégia, para esse fim, era despertar interesses
a investimentos que promovessem sua ocupação e, consequentemente, alavancassem seu
desenvolvimento econômico.
A precariedade da infraestrutura do estado também era um fator crítico para sua
modernização. Em relação à pavimentação urbana, das 854 ruas existentes nos 26 municípios
(1937), 49 eram pavimentadas com paralelepípedos, 24 com concreto, 4 ruas com macadame
simples, 13 com asfalto betuminoso, 75 de saibro, 6 sem especificação e 685 não
pavimentadas. Esses dados apontam que 80,21% das ruas eram de chão batido, sem nenhum
investimento em prol de melhorias (BRASIL, Recenseamento, 1940).
A insuficiente produção de energia elétrica era um fator complicador à realidade das
cidades matogrossenses, principalmente aquelas localizadas na porção Centro-Norte do
estado, incluindo sua capital Cuiabá. Essa situação desestimulava a atração de contingentes
populacionais para o Mato Grosso. A escassez de energia refletia em limitados investimentos
às cidades e confinava a vida dos cidadãos urbanos à reguladas horas de fornecimento de luz.
Os dados estatísticos indicam que, em 1937, somente 17 municípios tinham
iluminação pública à base de eletricidade e querosene e, 12 municípios tinham iluminação
domiciliar, sendo que em 337 ruas havia 4.596 ligações (BRASIL, Recenseamento, 1940).
Em relação ao saneamento básico, somente 5 municípios tinham água potável,
atendendo 4.412 prédios; 8 municípios tinha rede de esgoto pluvial; e 21 municípios tinham
serviço de limpeza pública, no entanto, somente 7 municípios faziam a coleta domiciliar de
lixo.
A população se encontrava abandonada pelo poder público. As condições do atendimento a
saúde e educação no início dos anos de 1930 configuravam um quadro desalentador. Morria-se de
lepra, tifo, tuberculose e frequentemente a população se vitimizava pelos surtos de desinteria
colibacilar, devido à contaminação das águas, situação que se agravava nas cidades banhadas por rios,
63
como o caso da capital do estado, devido às cheias sazonais do rio Cuiabá, que colocava a população
ribeirinha em situação de risco à saúde (MATO GROSSO. Relatório dos Governadores. 1936).
Em 1937, a situação continuava desoladora, pois 18 municípios não tinham qualquer
instituição de assistência médico sanitária, apenas 6 tinham assistência com internação, 2 com
e sem internação e uma sem internação de paciente (BRASIL, Recenseamento, 1940).
3.1.1 O desenho da educação nos princípios da Era Vargas
Em relação à educação o quadro pintado não é muito diferente. Embora o percentual
do investimento tenha aumentado durante o período, os números não significam muita coisa,
pois a demanda era muita e o valor arrecadado não era suficiente.
Quadro - 2 Investimento na Educação de 1930 a 1937
ANOS IMPORTÂNCIAS % TOTAL DAS DESPESAS
1930 1.228:000$000 12,0
1931 1.798:000$000 14,8
1932 1.507: 000$000 19,2
1933 1.715:000$000 18,2
1934 1.936: 000$000 19,3
1935 1.830000$000 19,2
1936 1.941:000$000 19,8
1937 2.157:000$000 18,1
Fonte: Sá e Furtado (s/d).
A instrução pública era concebida como baluarte da modernização no discurso político
do então Presidente do Estado, Dr. Annibal Toledo. Em sua mensagem ele enaltece a
educação, principalmente os grupos escolares que, na sua opinão, “[…] vão apresentando
resultados compensadores do esforço e dos encargos que impõem ao Thesouro” (MATO
GROSSO, Mensagem, 1930, p. 39). Porém, ao se referir às escolas rurais, vê-se que não
compartilhavam da mesma situação da instrução pública urbana.
O mesmo não se poderá dizer, infelizmente, das escolas rurais, espalhadas
pelo interior, onde a falta de instalações apropriadas, a deficiência de
64
material escolar, a impossibilidade de encontrar professores diplomados para
rege-las e a ausência quase absoluta de fiscalização, nos autorizam a
considerar como insignificante ou nulla a contribuição de uma grande parte
dellas para instrucção da infância residente fora das cidades e das villas.
(MATO GROSSO, Mensagem, 1930, p. 39-40).
No entanto, o presidente do estado não se reporta, em sua mensagem, à precariedade
de materiais e equipamentos das escolas e, muito menos, à situação em que se encontravam os
prédios escolares. Essas informações aparecem no relatório do Diretor Geral da Instrução
Pública, professor Franklin Cassiano da Silva, em que evidencia que a urgência sobre a
manutenção das edificações se verifica a partir do próprio prédio da Diretoria Geral.
Esta Directoria vem funcionando em prédio n. 9, à rua dos Voluntários da
Pátria.
Acha-se pessimamente instalado, sendo de lamentar, dada a importância da
mesma Repartição, a situação vexatória em que se encontra.
Ocupa a parte superior do referido prédio, cujo estado de conservação é
deplorável.
As salas pouco limpas: o forro do tecto de todo imprestável. É uma medida
de necessidade inadiável a mudança desta Repartição para um prédio mais
confortável a mudança desta Repartição, para um prédio mais confortável,
de acordo com sua importância. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).
Situação similar observa-se nos grupos escolares distribuídos pelo estado. As
condições, reportadas pelo Diretor Geral da Instrução, não coadunam com o propalado
discurso de setor avançado e seu governo, proferido pelo Presidente de Estado. Pelo contrário,
mostra o descaso do poder público com a instrução pública, refletido nas péssimas condições
estruturais das escolas por todo o estado: telhados ameaçando a desabar, obrigando a
suspensão de aulas em dias de chuva, paredes em ruínas, impedindo a ocupação de partes de
edifícios, instalações sanitárias em condições emergentes de reforma. Além do mobiliário
escolar desgastado pelo prolongado tempo de uso e insuficiente para todos os alunos (MATO
GROSSO, Relatório, 1931, s/p).
Outro aspecto comprometedor da eficiência do ensino público se refere ao
fornecimento de material didático as escolas. Segundo o professor Franklin Cassiano da Silva,
as escolas ficaram prejudicadas com a criação do Almoxarifado Geral do Estado que passou a
centralizar o fornecimento dos materiais necessários ao expediente de todas as repartições
públicas, sendo que seus pedidos, quando atendidos, suprimiam parcialmente as necessidades
das escolas. A respeito, em seu relatório, o diretor geral da Instrução Pública, Dr. Leônidas
Antero de Matos, informa que, além de existir escolas com instalações em péssimas condições
65
de conservação, verificava-se a insuficiência da verba de expediente destinada à aquisição de
material de uso diário, como giz, por exemplo. Quanto às causas da “lastimável” situação,
observava o diretor que
O almoxarifado geral do Estado, há muito tempo, deixava de atender aos
inúmeros pedidos dos professores que traziam constantemente as suas
reclamações à Diretoria Geral, sem que esta nada pudesse fazer para
melhorar a situação, tolhida como se achava na sua ação pelo regime
burocrático que então imperava e do qual infelizmente ainda não foi
libertada. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).
Acrescenta ainda que:
A situação geral do ensino naquela zona é lastimável, pela falta quase que
completa de material didático, assim como pela desorientação em relação ao
emprego de métodos. Entregues geralmente as direções dos estabelecimentos
a pessoas leigas, sem tirocínio no magistério, transformou-se assim o cargo
de Diretor de Grupo de uma função essencialmente técnica para a de simples
burocrata.
Por outro lado, na maioria dos Grupos Escolares o corpo docente é quase
todo constituído de pessoas sem preparo técnico necessário, daí a confusão, a
falta de orientação segura que se nota geralmente nos referidos
estabelecimentos. (MATO GROSSO, Relatório, 1931, s/p).
O Diretor Geral da Instrução Pública lamenta, em seu relatório, o desconhecimento do
número de crianças que não recebem os benefícios da instrução pública, pela falta de
informações que deveriam ser levantadas pelos serviços de estatística, estabelecidos pelo
Regulamento baixado pelo Decreto nº 759, descumprido pela não realização do
recenseamento escolar. Lamenta, também, a indiferença das escolas particulares em relação
ao poder público, por não informarem à Diretoria de Instrução o número de alunos
matriculados, considerando que essas são subvencionadas pelo estado, não dando subsídio
algum para avaliar o atendimento das crianças em idade escolar, muito menos estimar o
número de escolas em real funcionamento.
3.1.2 As práticas culturais do estado
Entre as práticas culturais mais antigas em Mato Grosso destacam-se as festas
religiosas e civis. Camargo (2012), em sua dissertação de mestrado em História, estudou um
dos festejos de maior euforia, que acontecia em algumas localidades de Mato Grosso e com
maior destaque em Cuiabá: as “corridas de touros” ou “tardes de touro”, denominação das
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touradas na época (COELHO, 1777 apud CAMARGO, 2012). Segundo a autora, as corridas
de touros, [...] foram introduzidas na segunda metade do século XVIII, pelas autoridades
coloniais européias portuguesas, compondo, entre outras atividades, o calendário de festas
profanas e religiosas da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá (CAMARGO, 2012, p. 20).
São diversos os registros dos locais de ocorrência das touradas na capital. O que
permite inferir que eram espetáculos itinerantes que dependiam da disponibilidade de espaços
livres na cidade que, porventura, não incomodassem a vizinhança. O historiador Rubens de
Mendonça (1977) relata que o local das corridas de touro variava conforme as crcunstâncias.
Teve início na Praça Alencastro, depois deslocou-se para a Praça Ipiranga, de onde foi
transferida para o Campo D’Ourique, em atendimento ao edital publicado no “Liberal” n°
421, de 21 de maio de 1876, com o seguinte anúncio:
Não estando a contento de algumas pessoas, cujas moradas dão em frente ao
largo Ypiranga, que ali se faça a armação de palanques e mais preparativos
para os touros; o encarregado desse divertimento anuncia, para a ciência do
público que a supradita armação se há de fazer na Praça do Alegre (antigo
Campo D’Ourique) e para cômodo dos espectadores se distribuirá o terreno
2ª feira, dia 22 do corrente’. (MENDONÇA, 1977, p. 92).
A praça de Touros era antigamente o Jardim Alencastro, depois foi
transferida para o Jardim Ipiranga, e em 1873 para a Praça do Alegre
(Campo D’Ourique) hoje, praça Moreira Cabral. (MENDONÇA, 1977, p. 3).
Profano e sagrado às vezes se entrelaçavam. Mendes (1977) conta que as touradas
eram eventos que ocorriam na mesma ocasião das festas religiosas, como a do Divino Espírito
Santo, estendendo-se por até uma semana, com animação de bandas de músicas e clarins. Os
festeiros, pessoas religiosas que se encarregavam de organizar a festividade, percorriam a
cidade cantando hinos sacros e com a bandeira do Divino, de casa em casa, buscavam prendas
e esmolas, doações em dinheiro ofertadas pelos fiéis, para ajudar no custo da festa. Os
festeiros permaneciam com suas casas abertas com a mesa posta para os visitantes. Na
madugada de quinta-feira, após a missa na Matriz, servia-se o “chá com bolo”, na casa do
festeiro e, em seguida, todos se deslocavam para o Campo D’Ourique para ver a corrida de
touros, durante toda a manhã. Á noite, eram leiloadas as prendas angariadas nas esmolas
(MENDES, 1977).
As touradas eram um verdadeiro espetáculo ritualesco, onde os participantes se
vestiam ricamente a caráter: “[...] Os trajes dos protagonistas da tourada eram elegantes e
vistosos. O toureiro usava um casaco aberto de cetim vermelho, por baixo um peitoral azul
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com botões dourados. Vestia calça branca, botas pretas e um elegante chapéu com plumas”
(CAMARGO, 2012, p. 31).
Segundo Camargo (2012), na sexta-feira e no sábado as touradas se realizavam no
final da tarde, a exemplo das touradas espanholas e portuguesas. E, no sábado
[...] era ainda o dia do espetáculo dos fogos de artifício que a todos
maravilhavam com a cortina de luzes que se formava no céu. E, finalmente,
para encerrar a festa no domingo à tarde, após missa solene, acontecia a
última grande tourada.
Vestiam-se as melhores roupas nessa ocasião. Nas touradas que aconteciam
nas noites de sexta, sábado e domingo, o povo literalmente fazia a festa.
Improvisavam-se botequins em torno do anfiteatro com bebidas alcóolicas e
jogos. Algumas vezes ocorriam brigas que acabavam com a intervenção da
polícia. (CAMARGO, 2012, p. 27).
Apesar do tom popularesco que as touradas possam insinuar, eram acontecimentos que
reuniam pessoas de todas as estirpes sociais – desde a elite a populares. Mesmo atraindo os
diferentes segmentos sociais, esses não se misturavam, pois o cenário do evento se
encarregava de selecionar o público.
[...] As pessoas mais favorecidas financeiramente ocupavam os camarotes
privilegiados pela sombra e pelo conforto que eram pagos, enquanto os
demais espectadores organizavam-se em volta do anfiteatro em que pesa a
clara segregação das classes nos espaços da tourada, esta era uma diversão
em que toda a sociedade comparecia, não ficando ninguém de fora, desde os
financeiramente privilegiados até os mais pobres que se acotovelavam nas
cercas ou embaixo dos palanques. (CAMARGO, 2012, p. 29).
Da segunda metade do século XVIII, as corridas de touros resistiram até o século XX,
quando, conforme registros, em 1936 aconteceu a última tourada em Cuiabá (CAMARGO,
2012). O fim das touradas corresponde à instalação de um novo período de modernização na
história, desencadeado por acontecimentos em escala global, que alteraram o modo de pensar
o mundo e tudo o que nele acontecia.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas por fatos mundiais que deram
feições próprias ao novo século e o início de uma nova época. Segundo o geógrafo Milton
Santos (2008), após a Primeira Guerra Mundial acirraram-se os problemas sociais nas grandes
cidades e a nova mentalidade, estabelecida pelo advento da modernidade, exigia soluções
efetivas para o reordenamento das sociedades, principalmente as urbanas. A exemplos
brasileiros, cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, devido a um crescimento
hipertrofiado, haviam se tornado espaços insalubres. Segundo Janotti (1999), é por força dessa
68
nova época que, a partir dos anos de 1920, nas principais capitais brasileiras, grupos de
intelectuais e artistas passaram a questionar essa realidade e, por meio de artigos publicados
em jornais da época, empreenderam ferrenhas críticas no sentido de derrubar os tradicionais
hábitos coloniais e chamar a atenção para as condições em que vivia a população brasileira,
apontando transformações que julgavam necessárias para colocar o Brasil em situação
equivalente, em civilidade e modernidade, às sociedades europeias da época.
O que a elite brasileira ostentava de europeu já não mais correspondia à Europa do
século XX. Era necessário ver as cidades brasileiras pelo prisma da modernidade, equipadas
com saneamento urbano e com as condições básicas de higiene pública, transporte e educação
para os trabalhadores, enfim, espaços modernos produzidos segundo os princípios científicos.
Contudo, não seria somente a materialidade da cidade que deveria se modernizar, a população
também teria que passar por um processo de civilização; e os antigos costumes, socialmente
aceitáves até então, agora, considerados bárbaros, deveriam ser substituídos.
Sevcenko (1995) chama a atenção para os indícios que paulatinamente se acirram
junto a uma sociedade que aspira pela instalação do moderno em detrimento ao tradicional:
[...] a condenação de hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade
tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que
pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política
rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que
será praticamente isolada para desfrute exclusivo das camadas aburguesadas;
e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida
parisiense. (SEVCENKO, 1995, p. 30).
Nesse movimento, mesmo restrito à eleite local, Cuiabá ansiava por se modernizar.
Aquela cidade, com reputação de estagnada e isolada do mundo civilizado, também era vista
como tal por algumas personalidades letradas da capital. O advogado e literato José Barnabé
de Mesquita, fundador da Academia Matto-Grossense de Letras, fez, em 1927, as seguintes
observações sobre a cidade.
A Cuyabá de cem annos atraz era – relevem-me tão dura verdade – quasi a
Cuyabá de hoje. Não vejo uma rua que figure no actual cadastro municipal
que, bem ou mal, com este ou aquelle nome, não existisse naquela época.
Um bairro se quer apareceu de novo – a disposição urbana se conservou
invariavelmente a mesma. (MESQUITA, 1978, p. 103).
Assim como a cidade, atitudes e hábitos da população considerados como bárbaros e
os crimes que aconteceram em Cuiabá, desde o início de sua colonização em 1727 até 1879,
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não passaram despercebidos pela lente eugenista do intelectual cuiabano José Barnabé de
Mesquita. Seu estudo, intitulado Gente e Coisas de Antanho (1978), teve como finalidade
explicar cientificamente as causas dos crimes praticados e o atraso que se verificava na capital
de Mato Grosso. A origem de tantas adversidades sociais, como a indolência, preguiça,
indisciplina, a falta de amor ao trabalho e o alcolismo, principal causador dos crimes
violentos, segundo Mesquita (1978), resultavam da imposição genética do cruzamento do
sangue indígena com o dos negros africanos, que só seria solucionado com a depuração da
raça.
Advinha também, dessa mistura, o gosto da população pelos costumes arcáicos que
deveriam, às vistas da elite, serem extirpados do convívio social, entre eles
[...] estavam listados todas as diversões populares, como as touradas, a
congada os batuques e os jogos de azar. Tudo que lembrasse a origem dessa
população, a sua mescla com negros e índios, traduzida em hábitos pouco
recomendáveis, estavam portanto, condenados ao esquecimento. (MACIEL,
1992, p. 77).
Como explica Sevcenko (1995), a instalação da sociedade moderna é intolerante à
parcela da população que não consegue disciplinar-se aos novos modelos de prática social.
Estrategicamente, aos interessados pelo novo coube a utilização dos meios de comunicação
para divulgar esses modelos, ao mesmo tempo em que o Estado se encarrega de estabelecer as
leis que disciplinam a população a esses novos modelos.
O combate aos velhos hábitos, em favor da modernização de Cuiabá, era animado por
artigos e crônicas nos jornais da capital, que se encarregavam de marginalizar as práticas
consideradas atrasadas, ao mesmo tempo em que pretendiam ensinar a população a civilizar-
se.
Não há cousa que impressione de modo mais agradável n’uma casa de
família do que o acceio e a hygiene; o mesmo se verifica em relação a uma
cidade. Quem não póde possuir uma cidade com edifícios sumptuosos e
monumentos artísticos que a tenha ao menos limpa, acceiada e arborisada.
Para esse fim é necessário que se corrija o abuso de lançarem lixo e agoas
putridas pelas ruas e exgotos, transformando as travessas, as ruas e becos em
outros tantos depositos de immundices como entre nós acontece. (O
MATTO-GROSSO, 29.07.1928 n. 2114, p.1).
Como se observa, mesmo ainda não sendo Cuiabá um local de concentração dos
elementos materiais julgados necessários para ser uma cidade moderna, pelo menos seus
habitantes poderiam adotar hábitos de higiene e limpeza que deveriam ser praticados no
ambiente urbano e em suas casas, como forma de expressar a civilidade do seu povo,
70
enquanto se aguardava a chegada do progresso que iria fazer a Cuiabá moderna, já presente
nas mentes letradas de então.
A exemplo do que se fazia na capital federal, em Cuiabá as violentas e grosseiras
brincadeiras do carnaval popular, como os entrudos e os jogos com limões de cheiro, eram
criticadas pelos jornais e, segundo Maciel (1992), gradativamente eram substituídas por
hábitos finos, amenos, civilizados, como as batalhas de confete,
[...] Os torneios entre clubes de foot ball e o footing das senhoritas nos
jardins públicos ao cair da tarde e até mesmo as corridas de automóveis,
cada vez mais comuns nas ruas da capital, estariam pouco a pouco
substituindo os hábitos antigos e atrasados, por outros, mais civilizados e
modernos. (MACIEL, 1992, p. 79).
Entre o que havia de desaparecer e ser esquecido no cenário da Cuiabá que se
pretendia moderna, figuravam as tardes de touros, que passaram a ser ferrenhamente
criticadas pelos jornais e pela Igreja Católica que, já na década de 1920, também condenava
os rituais africanos, como as congadas nas festas de São Benedito (CAMARGO, 2012).
As críticas dos jornais reportavam a reprovação de um comportamento que colocava
em dúvida a fé dos cristãos católicos.
[...] Onde ficam as convicções religiosas de tal gente? Na véspera
acompanham a procissão, contrita ou não, pouco importa, mas aparentam
crença; no dia seguinte batem palmas à primeira sorte do capinha. Em nome
de princípios, de moral, da solidariedade humana, da civilização, enfim, urge
que as touradas sejam excluídas dos nossos costumes. (O MATTO GROSSO,
03.07. 1928 p. 1).
Os jornais também se apegavam, não só pelo fato de que as touradas destoavam do
espírito religioso da Festa do Divino, mas, também, por ser capaz de corromper a dignidade
de pessoas de bem, induzido-as às práticas condenáveis que as levariam à ruína financeira de
si e do próximo.
Aproximam-se as touradas! Aproximam-se os dias fataes para revolucionar a
cabeça de muita gente que se diz séria e de bem, e onde o povo em massa irá
reunir-se. Aproximam-se também os dias e as noites de desenfreada jogatina,
o lugar onde os indivíduos se empenham para a ruína do próximo e,
finalmente a velhacaria. Para isso é necessário que a nossa polícia se coloque
em vigilâncias, fazendo mesmo como no ano de 1926, e impedindo
severamente que aquelle monstro negro que tanto mal faz e tem feito aos
bolsos da humanidade, não estenda ali sua tenda!! (O FERRÃO, 09.05.1929.
p. 1).
71
Camargo (2012) observa que não havia sensibilidade por parte de quem criticava as
touradas, com relação aos atrozes maus tratos aos animais, que eram o motivo de divertimento
do povo durate os festejos. Se os moralistas condenavam a barbárie da tourada, era por
pensarem que ela tinha um efeito brutalizante sobre o caráter humano, tornando-os cruéis
entre si.
[...] o fato é que esse espetáculo estava associado, segundo estes articulistas,
à desordem, ao caos, à calamidade pública,ao jogo à transmissão de doenças,
à promiscuidade, a tudo aquilo que age contra a possibilidade de manter a
massa sob controle e disciplina, fundamentais para o projeto de civilização.
(CAMARGO, 2012. p. 51).
A observação de Camargo (2012) revela a fragilidade da ordem pública, representada
pela reunião da “massa”, por um motivo torpe que colocava, tanto os ricos quanto os pobres,
em diversas situações de risco, se não física, então, em prejuízos morais.
A condenação definitiva às touradas, no sentido de se preservar os animais quanto aos
maus tratos, ocorre em outra onda de modernização nacional, no governo do presidente
Getúlio Vargas, quando, pelo Decreto Lei n° 24.645, de 10 de julho de 1934, o Estado toma
sob sua tutela todos os animais existentes no país e determina que a prática de maus tratos e
atos de crueldade a qualquer animal torna-se crime que incorre em multa e prissão de 2 a 15
dias (DECRETO n° 24.645, DF., 10.07.1934).
Assim, no tempo que se fez necessário, o que antes era um acontecimento no qual elite
e povo se assemelhavam, por força da lei, marginaliza-se e cai no esquecimento. Ao tomar
para si a condução do processo modernizante, oficialmente o Estado, pelo seu poder, refina a
população e transforma o que outrora representava, não só a preferência do povo, mas
também da elite, em uma prática bárbara, com o intuito de disciplinar a população aos moldes
do que passou a ser considerado moderno e civilizado.
É nesse contexto que a administração do interventor Júlio Müller irá desenvolver seu
programa de modernização que atingirá os setores de atendimento ao público, como saúde,
educação em falta e, em especial, a modernização de sua capital. Naquele momento,
modernizar significava o rompimento com um passado de isolamento, exclusão e atraso, para
o descortinamento de um horizonte progressista representado pela revitalização de sua capital
e de sua gente. À Cuiabá do Estado Novo caberia sua consolidação como a capital de um
estado uno. As obras urbanas a serem edificadas redimensionariam seu papel de educar a
sociedade para as novas sociabilidades que se verificavam em todo o país. Assim, o sentido
72
modernizador, presente nas novas técnicas de urbanização e na construção dos novos
edifícios, deveria também impactar na suposta mentalidade atrasada dos cuiabanos e
impressionar seus espíritos, a ponto de sentirem o desejo se modernizar e civilizar.
3.2 JÚLIO MÜLLER: O INTERVENTOR DE MATO GROSSO NO ESTADO NOVO
Mattogrossenses: tendes à frente do governo um administrador jovem e
ativo, desejoso de empreender e realizar, perfeitamente compenetrado das
responsabilidades assumidas perante seus concidadãos e o governo
nacional. Colaborai com êle, ajudai-o de boa vontade e provereis, assim, o
surto do vosso progresso. (VARGAS. O Estado de Mato Grosso,
04.10.1941, p. 1).
Estudar o processo de modernização de Cuiabá no período do Estado Novo seria uma
tarefa inconclusa se fossem negligenciadas as personalidades de quem protagonizou esse
importante episódio da história da modernização, não só de uma cidade, mas também, de
considerável parte do estado de Mato Grosso. Além dos evidentes interesses de integração e
desenvolvimento econômico por parte do governo federal, as tramas estabelecidas pelas
relações pessoais que, naquele momento, confundiam-se entre laços familiares e aproximações
políticas, tiveram fundamental importância para que, em menos de dez anos, Mato Grosso se
equipasse de elementos modernos e se descortinasse para um horizonte de possibilidades
desenvolvimentistas.
A história dos Müller em Mato Grosso, contada na obra memorialista “Júlio Müller, um
grande estadista”, de autoria do jornalista Pedro Rocha Jucá (1998), tem início com a chegada,
em 1843, em Cuiabá, do médico obstetra alemão luterano Augusto Frederico Müller, nascido
em New Brandenburg, Condado de Mecklemburg.
Jucá (1998) narra que o jovem médico se casou com D. Brígida Albertina de
Vasconcelos Pinto, filha de um português minerador, que possuía minas de ouro desde a Serra
de São Vicente até à região do Guaporé. Do casamento nasceram dois filhos, uma menina que
faleceu aos 19 anos, vítima de varíola, e um menino, em 1850, de nome Júlio Frederico Müller.
A narrativa prossegue: Júlio Frederico Müller se casou com Rita Teófila Corrêa da
Costa, filha do coronel e político Francisco Corrêa da Costa. Vale lembrar que os Corrêa da
Costa foram os que mais tempo permaneceram no governo de Mato Grosso. Desse casamento,
nasceram seis filhos: Frederico Müller, Frederica Müller, Fenelon Müller, Julio Müller, que
acrescentou Strübing quando rapaz, Rita Müller e Filinto Müller.
73
Jucá (1998) conta que Júlio Müller nasceu na Fazenda Bom Jardim, no município de
Cuiabá, em 06 de janeiro de 1895 e, aos três anos de idade, para que os filhos estudassem, os
Müller se mudaram para uma chácara no centro de Cuiabá.
Júlio Müller se formou bacharel em Ciências e Letras pelo Liceu Salesiano e, com
aproximados 19 anos, iniciou sua carreira no magistério em uma escola particular. Após prestar
o serviço militar, foi nomeado diretor do Grupo Escolar de Poconé, ocasião em que se casou
com a ex-normalista Maria de Arruda, neta do ex-governador e senador Generoso Paes Leme
de Souza Ponce, nome expressivo na política matogrossense da Primeira República. Por parte
materna, Júlio Müller também possuía ascendência política, os “Corrêa da Costa”: bisneto do
primeiro Antônio Corrêa da Costa, governador da Província de Mato Grosso no período 1895-
1898 (JUCÁ, 1998).
Os desgastes da política oligárquica do presidente Artur da Silva Bernardes, entre 1922
a 1926, e o movimento para a sua deposição, denominado de Revolução Paulista de 1924,
repercutiram em Mato Grosso, reascendendo a ideia separatista da porção Sul do estado,
originada em 1892, quando se tentou implantar a República Transatlântica de Mato Grosso.
O ingresso dos irmãos Müller na política se deu nos movimentos de 1922 a 1926, em
oposição ao então presidente Arthur da Silva Bernardes, sendo que o então tenente Filinto
Müller, formado pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1919, se envolveu nos
movimentos tenentistas, onde atuou ativamente na ocupação da capital paulista em 1924.
Exilou-se na Argentina e, ao retornar ao Brasil em 1927, foi preso por dois anos e meio. Em
1930, teve participação no movimento que culminou no fim da República Velha e levou
Getúlio Vargas ao poder. Foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Guerra,
posteriormente foi secretário do interventor federal em São Paulo e, em abril de 1933, foi
nomeado chefe de Polícia do Distrito Federal, cargo que ocupou por quase uma década
(FGV/CPDOC-DHBB, 2001).
Fenelon Müller se formou em engenharia civil pela Faculdade Politécnica de São
Paulo. Ao retornar para Mato Grosso, na década de 1920, seu primeiro emprego como
engenheiro foi em Três Lagoas, na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Ingressou na vida
pública quando foi eleito pelo voto direto para a intendência-geral em Três Lagoas, para os
anos 1924 a 1926. Nomeado pelo governador, seu primo, Mário Correa da Costa, também foi
intendente-geral de Cuiabá no período de 1927 a 1930. Por determinação do então presidente
Getúlio Vargas, assumiu a interventoria do estado de Mato Grosso, por indicação de seu irmão
74
Filinto Müller, no período de 08.03.1935 a 28.08.1935 (PÓVOAS, 1992; JUCÁ, 1998;
SIQUEIRA, 2002).
Segundo Jucá (1998), o ingresso de Júlio Müller na política partidária se deu nas
eleições de 1° de março de 1930, ao declarar publicamente seu voto ao candidato da Aliança
Liberal, Getúlio Vargas, contrariando a posição de seu pai, o coronel Júlio Frederico Müller,
que foi intendente de Cuiabá, cargo correspondente a prefeito, nos anos 1907 e 1908. No
decorrer de 1930 foi nomeado prefeito, substituindo seu irmão Fenelon Müller, até 1933. Em
seguida, 1933 a 1935, exerceu a função de chefe de polícia e secretário geral do estado. Em
1935 foi eleito deputado estadual e, em setembro de 1937 foi eleito, pela Assembleia
Legislativa, governador do estado, para completar o mandato de seu primo Mário Correa da
Costa, que governaria Mato Grosso até agosto de 1939. Porém, com a instalação do Estado
Novo, em 24 de novembro de 1937, foi nomeado interventor federal, onde permaneceu até o
dia 08 de novembro de 1945, tendo como Secretário Geral do Estado de Mato Grosso seu
cunhado, o engenheiro João Ponce de Arruda, que anteriormente fora prefeito de Cuiabá.
Em consonância ao cenário da política nacional, o governo do interventor Julio Müller,
em sua administração, também se utilizava de um acentuado teor personalista. Pelos seus
discursos e matérias publicadas nos jornais e revistas, não só de Cuiabá como também do Rio
de Janeiro e São Paulo, o interventor buscava se aproximar da população ao projetar, não só
para Mato Grosso como também nacionalmente, uma imagem positiva, acessível e de
confiança, o que às vezes podia ser interpretado como exagerado, produzindo em torno de si e
de suas proposições políticas uma atmosfera de onipresença de sua administração, como forma
de persuadir a população aos seus ideais políticos, como se observa na nota jornalística: “S.
Excia. o Snr Interventor Federal tudo prevê e provê. A sua ação não se circunscreve a
determinada zona. Por toda a parte do Estado há atividade e trabalho” (O ESTADO DE MATO
GROSSO, CUIABÁ, 04.10.1941).
Utilizado como estratégia para o exercício do poder, o culto à personalidade é uma
forma de propaganda política que exalta a figura do líder, principalmente os ditadores, como
um mecanismo sutil de manipulação e dominação não explícito, ao mesmo tempo em que se
busca desmoralizar as frentes opositoras (D’ARAUJO, 2000). Cooptando as massas por meio
de discursos carismáticos, elogiosos e persuasivos, como no caso do Estado Novo, ao atribuir
ao povo brasileiro qualidades, como “ordeiro”, “tolerante de índole tradicionalmente pacífica”
que, diante de “[...] qualquer forma de conflito era passível de ser apresentada como estranha
ao caráter cordial e cristão do povo brasileiro” (GARCIA, 1999, p. 112). As artimanhas de
75
endeusamento da figura do líder político pela propaganda foram uma estratégia intensamente
utilizada por políticos de regimes totalitários, como Joseph Stalin, Adolf Hitler, Benito
Mussolini e, por que não dizer, do próprio Getúlio Vargas.
Não só nos discursos, o culto à personalidade se expressa em homenagens,
concentrações cívicas e inaugurações de monumentos que reúnem multidões, retratos com
crianças e jovens, nos quais a figura do líder é considerada como “[...] a continuidade da
relação do espaço familiar, incorporando o mecanismo de identificação dos filhos com a
autoridade patriarcal no interior da família” (BERTOLINI, 2000, p. 134).
A exemplo da atribuição do título “pai dos pobres” ao presidente Getúlio Vargas, em
Mato Grosso atribuía-se ao interventor Júlio Müller, bacharel em Ciências e Letras, o título de
“advogado do povo”, por seu “destacado empenho à defesa das causas populares” e “precursor
da modernidade” (O MATTO GROSSO. EDIÇÃO COMEMORATIVA. Cuiabá, 1/12/ 1994, p.
3).
Em comemoração ao primeiro ano de administração de Júlio Müller em Mato Grosso é
publicado, no Diário Oficial de 02 de outubro de 1938, o convite, à população em geral e
autoridades, para a inauguração da fotografia do interventor no Salão Nobre do Palácio
Alencastro. Na imagem que segue, o retrato oficial do interventor federal Júlio Strübing
Müller.
76
Imagem 02 - Júlio Strübing Müller
Fonte: http://www3.mt.gov.br/mato-grosso/historia/historia-de-mato-grosso/70485
Na edição do dia 06 de outubro de 1938, o Diário Oficial, em matéria sobre a
solenidade de inauguração do retrato, destaca que
[...] alude o Exmo. Sr. Interventor Federal à sua indesmentível solidariedade
com as classes pobres, à sua constante preocupação em melhorar-lhes as
condições de vida e ao que já tem, nesse sentido, realizado. Diz que
desfraldando, na oposição, a bandeira de luta, como agora desfraldada, no
governo, a da paz, foi nos seios das classes proletárias, dos deserdados da
sorte, que foi buscar apoio para as reivindicações que, como oposicionista,
sustentou contra a tirania de governos passados. (DIÁRIO OFICIAL,
06.10.1938, p. 1).
Como apontado anteriormente, sobre o culto à personalidade, o convite para a
inauguração da fotografia do Interventor e o trecho da matéria veiculada no Diário Oficial
chancelam o título de “advogado do povo”, atribuído a Júlio Müller, ao destacar o seu
comprometimento e solidariedade com a população menos favorecida.
77
No Diário Oficial de 03 de setembro de 1938, no âmbito das comemorações alusivas à
Semana da Pátria, são publicados os agradecimentos do interventor à homenagem recebida dos
alunos do Liceu Salesiano São Gonçalo, onde também foi aluno.
Recordações como essas que vindes, esperançosos moços de minha terra,
despertar pelo contágio da vossa sadia alegria, do vosso garbo e juvenil
entusiasmo, na alma de vosso amigo, neste dia consagrado ao culto da
pátria estremecida, têm o poder sobrenatural de rejuvenescer os corações e
vivificar as nossas esperanças na grandeza do Brasil.
[...]
Jovens brasileiros, sereis em muito em breve responsáveis pelos destinos do
Brasil, Preparai-vos, cultivando os vossos espíritos, cultuando cada vez
mais a pátria bem amada, buscando na educação moral, cívica e cristã, os
princípios salutares, o apoio firme às vossas convicções de moços, para
serdes, amanhã, dignos da grandiosa missão que vos estará reservada.
Na nota publicada, verifica-se o empenho do interventor em divulgar seu compromisso
com a política nacional de formação do homem do Estado Novo: um cidadão patriótico,
cristão, trabalhador, empenhado na construção da grandeza do Brasil.
Visitas do interventor nas localidades de resistência à sua política eram nacionalmente
noticiadas como estratégia para demonstrar que, mesmo nesses locais hostis, a figura do
interventor se fazia presente em missão de apaziguar as diferenças. De autoria do jornalista
Júlio Barata, o editorial do jornal “A Pátria”, do Rio de Janeiro, em sua edição do dia 20 de
novembro de 1938, reporta sobre a primeira visita oficial do interventor a Campo Grande,
ocasião em que, segundo o jornal, atendeu a diversos populares que lhe comunicavam uma
série de reivindicações numa demonstração de proximidade com o povo daquela cidade.
É, com efeito, um grande exemplo, útil a toda nação, o que acaba de dar o
interventor federal naquele Estado, Sr. Júlio Müller. Esse administrador
moço, que não gosta de se exibir à luz dos reflectores da publicidade,
mostrou-nos, há poucos dias, como se interpreta e como se practica o lema
do novo regime, preconizado pelo presidente: não há mais intermediários
entre o governo e o povo. (A PÁTRIA, 20.11.1938, p. 1).
O pensamento modernizador, encampado pelo governo de Mato Grosso, se fazia
representar de maneira abrangente e de forma a se estender aos diversos setores produtivos e de
sua administração. Principalmente aqueles que consolidariam o papel de Mato Grosso no plano
nacional de desenvolvimento. No Diário Oficial de 23 de julho de 1939 foi publicada entrevista
do interventor sobre sua audiência com o presidente Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, na qual
relata:
78
[...]
Encontrei, por parte do presidente Vargas e dos seus ilustres ministros, o
melhor acolhimento para os assuntos do maior interêsse de Mato Grosso,
principalmente sobre o fomento da produção agrícola e da pecuária,
fundamentos, por excelência, da economia nacional e bases em que se
assentam nossas principais fontes de rendas. Do ministro Fernando Costa
obtive a construção de um aprendizado agrícola orçado em dois mil contos,
e com capacidade para 500 menores. Essa construção já foi autorizada pelo
Sr. Presidente Getúlio Vargas.
A fim de distribuir junto aos fazendeiros, consegui, também, cinquenta
reprodutores da raça “Zebu”, e para os lavradores virão duas mil e
quinhentas mudas de cítricos, bem como de outras plantas adaptáveis ao
nosso clima, inclusive muitas sementes forrageiras e de milho. Ainda
naquele Ministério obtive cinco motores a gasogênio, para serem adaptados
aos caminhões do Estado, e que fosse determinado a abertura de poços
artesianos na Mina de Urucum, Município de Corumbá. (DIÁRIO
OFICIAL, 23.07.1939).
De acordo com o fragmento da entrevista, nota-se a preocupação em destacar os
investimentos destinados à modernização agrícola, tanto com a formação de mão de obra
qualificada, o que pode ser interpretado como exigência de um trabalhador que se adeque às
necessidades demandadas pelas transformações modernizantes, às quais o estado ingressara,
quanto com a inserção de práticas modernas de manejo para o melhoramento da produtividade
agrícola e pecuária com a introdução de novas raças e de novos cultivares. Evidencia-se o
aspecto modernizante também presente nas atividades rurais, de maneira a consolidar Mato
Grosso como produtor primário para atender os mercados nacional e internacional. Na
entrevista do interventor fica evidente que as demandas apresentadas/atendidas seguem a
política econômica modernizadora instituída pelo presidente Getúlio Vargas. Em outras
palavras, Mato Grosso ruma o caminho de uma agricultura e pecuária modernas com a
substituição das práticas agrícolas rudimentares.
3.3 MATO GROSSO E OS IDEAIS DESENVOLVIMENTISTAS DO ESTADO NOVO:
DISTANCIAMENTO E ATRASO A SEREM SUPERADOS
Em setembro de 1937 a Assembleia Legislativa de Mato Grosso elegeu o bacharel
Júlio Strübing Müller para governador. Com a implantação do regime autoritário
estadonovista, em novembro do mesmo ano, Júlio Müller, partidário aos ideais nacionalistas
modernizadores de Vargas, se manteve no poder como interventor federal até o fim do regime
do Estado Novo.
79
Em consonância à política governamental de Getúlio Vargas, o governo interventor de
Mato Grosso deveria promover a modernização do estado, tendo como ponto de partida a
própria máquina administrativa. Para a moralização da administração do estado, a exemplo do
governo federal, com a criação do DASP, orientações técnicas e de racionalização dos
serviços públicos foram padronizadas e normatizadas a partir da publicação do Regulamento
da Secretaria Geral e das Repartições Públicas do Estado de Mato Grosso, em 1938. Já em
funcionamento nesse mesmo ano, a Diretoria de Estatística e Publicidade, divulga no Diário
Oficial de julho de 1937, edital de concurso público para preenchimento de vagas para aquela
diretoria. A partir de então, os serviços de atendimento público e o preenchimento de vagas no
funcionalismo deveriam observar os procedimentos técnicos discriminados no regulamento
para “[...] se evitar o favoritismo e privilégios observados em administrações anteriores qu
feriam a lisura dos órgãos públicos” (DIÁRIO OFICIAL, 16.11.1937, p. 4).
As deliberações administrativas de Júlio Müller se fizeram mostrar já no seu segundo
ano de administração. Em relatório referente a 1939, o Presidente de República foi informado
que a receita apresentou crescimento superior ao dobro, comparada aos últimos dez anos, o
que “[...] demonstra que a administração atual vem mantendo um grande ‘superávit’ o que
permite ao Estado a liquidação de débitos que se acumularam em consequência do regime
deficitário em que vinha o mesmo até 1936” (MATO GROSSO, 1939-1940, p. 5).
Porém, o desafio com que o interventor se deparava não se resumia à conjuntura
econômica. Antigas questões, como a ausência de um conhecimento técnico mais preciso
sobre os limites territoriais do estado, o potencial produtivo e as condições sociais das cidades
matogrossenses, além da questão do separatismo da porção Sul, se tornaram prioridades
prementes a serem incorporadas à política de integração nacional do Estado Novo. Os
matogrossenses, alegando o histórico abandono por parte da administração federal e
acreditando no possível progresso a ser promovido pela política varguista, entusiasmados
bradavam que enfim “Chegou a vez de Mato Grosso!” (O ESTADO DE MATO GROSSO,
14.07.1940, n. 253, p.1)
Em 1940, o total da população matogrossense se representava por 432.265 habitantes,
sendo 69,6% residentes na zona rural e 30,4% nas áreas urbanas (IBGE, Censo de 1940). Um
autêntico sertão que alimentava antigas preocupações devido à distância com as regiões mais
desenvolvidas, a fragilidade de uma população dispersa em um território de que pouco se
sabia sobre suas reais fronteiras, mas, que deveria ser incluído no ideal modernizante do
Estado Novo.
80
Acompanhando as preocupações internas, desde a recessão iniciada em 1929, o
cenário mundial era de crise econômica e de insegurança política. O governo brasileiro
percebia a necessidade de pensar seus recursos internos a um possível autoabastecimento. A
situação evidenciava a emergência de se ocupar os espaços “vazios” interioranos expandindo
as fronteiras agrícolas em direção ao Centro-Oeste, interior do Nordeste e Amazônia. Segundo
Pinto (2009, p. 47), o Estado tinha também como meta:
[...] transformar os valores, práticas e ideias das populações que habitavam
estas regiões. Era a modernidade que se instalava no sertão como um passo
decisivo para a unidade nacional, a qual era vista desde o período imperial
como essencial para o processo de construção da nação. Na Era Vargas e, em
especial, no período de 1937-1945, a integração, unidade ou incorporação do
sertão ao nacional encontraria um momento impar de afirmação e busca de
saídas e soluções tornando-se um projeto especialmente caro ao Estado
Novo.
O progresso chega ao “sertão” e o retira do isolamento. Como explica Lacerda
(1994, p. 7), é a “[...] presença de um estado moderno em todos os setores da sociedade,
desempenhando o duplo papel de construtor e unificador da Nação”.
Lenharo (1986) explica que, em 1938, na formulação simbólica de sustentação do
regime estadonovista, instala-se a Marcha para o Oeste - um programa político de intenções
nacionalizantes com o objetivo de aproximar as regiões litorâneas brasileiras mais
desenvolvidas ao “sertão” ou interior “atrasado” e “incivilizado”, conforme os discursos da
época, em busca de uma efetiva Integração Nacional.
A proposta da Marcha para o Oeste era de instalar pontos avançados de
“colonização” dirigidos pelo Estado. Vargas formulou diretrizes,
administrativamente centralizadas, inspiradas na ótica nacionalista, com o
objetivo de ocupar os “espaços vazios” do Oeste e da Amazônia, para criar
no “novo espaço” a “nova ordem social”. Na sua visão, as fronteiras
econômicas deveriam coincidir com as fronteiras políticas. (LENHARO,
1986, p. 26, grifos do autor).
É no contexto da ideologia da integração do Estado Nacional e no âmbito da Marcha
para o Oeste que, segundo Bertolini (2000), se compreende as ações de modernização urbana
de Cuiabá e a construção de Goiânia, como estratégia de colonização da hinterlândia
(hinterland), expressão utilizada na época para o sertão. As propostas de colonização do Oeste
eram divulgadas pelo aparato propagandístico que, utilizando um discurso ufanista, tornavam
81
públicas as potencialidades naturais de Mato Grosso, como a mineração, os solos férteis e o
potencial hidrelétrico, com se Mato Grosso fosse um novo El Dorado.
Realizar o desenvolvimento econômico de Mato Grosso era uma meta, para
Vargas, a ser alcançada a curto prazo, e isso se daria a partir dos
investimentos na agricultura e em condições de infraestrutura para
colonização e interiorização da região, um vez que o Brasil Novo
necessitava resgatar suas raízes no interior, reatando a campanha dos
primeiros construtores da nacionalidade – os bandeirantes. (DOURADO,
2007, p. 36).
A política da construção da nova identidade nacional do “novo homem”, ao resgatar as
raízes nacionais do bandeirantismo, do indígena, do caboclo, do sertanejo, como símbolos de
força e resistência, buscava o que havia de mais original na história do país. Seria o que
personalizaria o Brasil moderno, no contexto internacional dos países economicamente
desenvolvidos.
Além de toda publicidade, medidas concretas deveriam ser colocadas em prática para
reafirmar o interesse dos futuros matogrossenses. Dourado (2007) explica que, de acordo com
a historiografia, era necessário algumas medidas concretas indispensáveis para atrair os
trabalhadores, como a construção de estradas, saneamento, educação e transporte, para a região
“despovoada”. Essas reivindicações foram levadas pelo interventor, Júlio Müller, em janeiro de
1938, na primeira audiência com o presidente Getúlio Vargas.
A visita do interventor ao Presidente da República foi noticiada pela Gazeta de
Notícias, do Rio de Janeiro, então capital da República, transcrita na integra no Diário Oficial
de Mato Grosso.
Mato Grosso contém nos seus limites todos os elementos para ser no futuro
próximo, um dos Estados mais prósperos da Federação. As suas riquezas
incomensuráveis são tão grandes e tão intatas que suas florestas e suas
montanhas, os seus rios e as suas planuras, traçadas pela mão de Deus sob a
escala do infinito, ainda guardam o cheiro da virgindade da terra nos
primeiros dias do mundo. Com a exploração de suas jazidas e dos seus
campos, as gerações vindouras poderão fazer do Brasil uma das nações
mais opulentas e mais fortes do Universo. (GAZETA DE NOTÍCIAS apud
DIÁRIO OFICIAL, CUIABÁ, 22.02.1938, n. 7683, p. 1).
Por ser uma publicação na capital federal, a propaganda do governo pretendia, ao
enaltecer as riquezas naturais de Mato Grosso, projetar suas potencialidades em âmbito
nacional, de maneira a atrair a atenção de todo o país à expansão dos limites agrícolas que se
82
pretendia desbravar com a Marcha para o Oeste, e mostrar de que maneira o estado se incluía
na onda desenvolvimentista nacional.
Os efeitos políticos da gestão interventora, já em 1938, se traduziram em ações para
viabilizar os pretensos ideais do governo. A dinamização das ligações entre Cuiabá e demais
regiões internas do estado e do país iniciou um período de intensificação das comunicações. A
empresa Serviços Aéreos Condor Ltda., que realizava voos comerciais apenas semanais entre
São Paulo e Cuiabá, passa a atender os interessados com mais dois voos semanais entre a
capital do estado e Corumbá, cidade que já possuía estradas de rodagem e ferrovia, o que
dinamizou o acesso de Mato Grosso à Região Sudeste do país (JUCÁ, 1998).
O serviço aéreo era de fundamental importância, naquele momento, para o
desenvolvimento de Mato Grosso e principalmente para Cuiabá, centro que recebia jornais e
revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, que mantinha a elite intelectual informada sobre os
acontecimentos nacionais e internacionais. Em contrapartida, a interventoria federal concedia à
empresa Condor isenção de impostos e mantinha instalações na capital, para hospedar os
tripulantes dos hidroaviões. Era do interesse do governo manter esses serviços, pois a via aérea
representava um eficiente e moderno meio de transporte, que reduzia tempo e distâncias, de
maneira a facilitar a chegada de forasteiros ao estado em busca de novas oportunidades de
investimentos. Os hidroaviões da Condor foram utilizados até outubro de 1940.
3.4 A INTERVENTORIA E A PROPAGANDA MODERNIZADORA
Segundo Capelatto (1999), a propaganda é eficiente estratégia para o exercício do poder
em qualquer regime, porém, naqueles de tendência autoritária, graças ao controle dos meios de
comunicação, exerce censura rigorosa sobre o conjunto das informações veiculadas. Assim, ao
controlar e manipular as informações, os meios de comunicação pretensamente passam a
exercer o papel de porta voz da população e “[...] nos períodos autoritários, depois da escola
que instrui as novas gerações, é o jornalismo que circula entre as massas, encarregando-se de
sua informação e formação na ideologia em curso” (CAPELATO, 1999, p. 174).
Em Mato Grosso, como em todo o Brasil do Estado Novo, a comunicação também foi
um dos setores que recebeu atenção especial por parte do governo. Até a onda modernizadora
iniciada em 1939, nos últimos cem anos em Mato Grosso, “[...] mais de 120 jornais surgiram,
circularam e desapareceram [...] uma média de mais de um por ano” (PÓVOAS, 1983, p. 149).
Devido às condições materiais, eram periódicos de reduzida reprodução por instrumentos
83
rudimentares de civilização, mas que sempre tiveram sua importância reconhecida para a vida
cultural matogrossense (PÓVOAS, 1983).
A composição da matéria era toda feita com tipos soltos, catados à mão,
pelo tipógrafo, [...] a impressão era feita em impressoras planas, acionadas a
pedal.
Quando aparecia algum clichê, era confeccionado de madeira, sculpido à
mão, com canivete, pelos curiosos artistas que sempre tivemos. (PÓVOAS,
1983, p. 149).
A grande revolução nas comunicações em Mato Grosso vai ocorrer com a
modernização dos equipamentos da imprensa oficial. Valendo-se das comemorações do
primeiro centenário da imprensa em Mato Grosso, a interventoria de Júlio Müller,
reconhecendo que o estado, diante das perspectivas de desenvolvimento, necessita modernizar
seus meios de comunicação, substitui os antigos equipamentos da Tipografia Oficial do Estado
por um maquinário moderno com alta capacidade editorial: quatro máquinas de linotipo e uma
rotativa. Não somente as instalações físicas receberam melhoramentos. No relatório
apresentado ao Secretário Geral do Estado, pelo então jornalista Archimedes Pereira Lima,
diretor da Imprensa Oficial, este informa que adotou um modo racional de escrita que
anteriormente se fazia incompreensível e sem método. No mesmo relatório justifica a mudança
de nome do expediente de comunicação.
Pelo regulamento, a repartição, que se acha equipada hoje, de máquinas
linotipo, não tendo, portanto, mais razão de ser denominada de
“Tipografia”, passou a denominar-se “IMPRENSA OFICIAL” e o órgão do
Estado “DIÁRIO OFICIAL”, em vez de “Gazeta” [...] em virtude da
tendência geral existente hoje no país de se padronizar as denominações das
repartições. (RELATÓRIO IMPRENSA OFICIAL, CUIABÁ, 1938, p. 4).
Expressa também no relatório o avanço do setor comunicativo de Mato Grosso,
representado pelas características modernas, ao relacionar a eficiência da máquina pela
substituição de pessoal e agilidade, economizando tempo.
A aquisição dessa moderna máquina representa um grande passo para a
evolução da imprensa do Estado. É a primeira máquina de compôr instalada
em Mato-Grosso e derminou ela uma verdadeira revolução nos nossos
métodos de trabalho. Fazendo grande economia de tempo, de pessoal e
material, pôde ela compôr o jornal todo, com a vantagem ainda de se ter,
diariamente, material novo, [...]. Foi este, sem duvida, o maior
melhoramento e a maior reforma que conhece esta repartição em toda sua
existência. (MATO GROSSO, Relatório Imprensa Oficial, 1938, p. 7).
84
No dia seguinte ao da inauguração, o Diário Oficial, já impresso na nova “rotativa”,
traz a cobertura sobre as solenidades de inauguração. Além do grande público em geral,
estiveram presentes autoridades, intelectuais e, às 17:15 h,
[...] o Revmo. Padre Teodoro Kolkzichy, Vigário da Capital, procedeu à
benção da nova máquina. Após proferir a oração do ritual, seguida de
ligeiras palavras alusivas ao ato, pronunciou ligeiro discurso, abrindo a
solenidade, o Diretor da Imprensa Oficial, Advogado Archimedes Pereira
Lima. (DIÁRIO OFICIAL, CUIABÁ, 15.08.1939).
Imagem 03 – Foto da Inauguração da nova rotativa da Imprensa Oficial
Fonte: Müller (1994, p. 117).
O novo equipamento inaugura também, o que relatou Archimedes Pereira Lima, a
“indústria jornalística do Estado” que em breve se tornaria “[...] numa repartição industrial das
mais rendosas do Estado” (MATO GROSSO, Relatório Imprensa Oficial, 1938, p. 10). Além
dos documentos oficiais, como o Diário Oficial, a Imprensa do Estado passou a editar no mês
seguinte, o jornal “O Estado de Mato Grosso”. Segundo Jucá (1998), esse periódico introduziu
o jornalismo informativo e diário na imprensa matogrossense. Com sucursal sediada no Rio de
Janeiro, diariamente Cuiabá recebia notícias da Europa e dos Estados Unidos por meio de
várias agências telegráficas (PÓVOAS, 1983).
85
Porém, já na edição de inauguração, entre as notícias dos conflitos na Europa, fica
claro a que veio esse jornal. A matéria intitulada “A administração Isác Póvoas” traz o seguinte
texto:
A boa administração do município da capital valoriza e recomenda o
governo estadual. Aquele que sente a necessidade de seus munícipes, que
sabe aplicar os dinheiros públicos em obras de interesse coletivo, que possui
o senso das suas responsabilidades, é um administrador merecedor da
estima e do respeito dos seus concidadãos.
Nesse sentido é que se orienta a administração Isác Póvoas na prefeitura de
nossa Capital. Graças à sua operosidade, Cuiabá se moderniza e se valoriza
cada dia com novas obras públicas e tudo está a indicar que novas
transformações aí vêm. Todos sentem o surto de renovação e de progresso
que vitaliza nossa velha Capital. (O ESTADO DE MATO GROSSO,
27.08.1939, ano 1, n. 1).
A nota projeta o prefeito de Cuiabá como sendo uma pessoa de sensível
responsabilidade, respeitador do interesse coletivo, que se coloca no lugar do cidadão comum
para melhor administrar os recursos públicos, ao mesmo tempo em que está empenhado nos
propósitos modernizadores de renovação da velha cidade e, consequentemente, da vida da
população projetada nas perspectivas de transformação.
Percebe-se, então, que, no período estudado, a imprensa deixa de ser um veículo
imparcial de informação para se configurar num instrumento de convencimento, utilizando-se
dos discursos otimistas e doutrinários proferidos pelos homens do governo, que são
apresentados com as qualidades que o regime desejava incutir no cidadão comum –
responsável, trabalhador, honesto, patriota e cristão, como um modelo de cidadão a ser
incorporado pela população em geral. A opinião pública não seria apenas o alvo para as
informações, mas, sobretudo, doutrinada, reeducada conforme os princípios da ideologia
estadonovista.
Assim como a imprensa, a radiodifusão também fez parte das ações modernizadoras da
comunicação em Mato Grosso. Até os anos de 1930 não havia os serviços de radiodifusão em
Mato Grosso. As ondas que aqui chegavam eram emitidas há muitos quilômetros de distância.
Era uma curiosidade imensa ouvirmos outros centros do Brasil e,
principalmente Buenos Aires, que sempre se ouviu muito bem em Cuiabá.
Ficávamos sintonizados na “Rádio Stentor” daquela metrópole platina, que
intercalava com notícias daquele país e lindos tangos, o anúncio até hoje
utilizado por uma das maiores casas comerciais daquela cidade [...].
(PÓVOAS, 1983, p. 178).
86
Essa curiosidade, à qual o autor faz referência, ao mesmo tempo em que revela sua
simplicidade pelo gosto em ouvir o rádio, traz uma contradição diante dos interesses
nacionalizantes do Estado Novo. Essa contradição se verifica na matéria intitulada “Rumo ao
Oeste”, da revista A Violeta, de 1939, quando expressa a preocupação dos seus editores com a
falta de uma emissora de rádio que dê cobertura 24 horas aos
[...] longínquos recantos do país. Em Mato Grosso, as estações nacionais
são sintonizadas somente à noite. [...] durante o todo o dia, em estações
estrangeiras, notadamente argentinas, que são as que mantém irradiação
permanente em ondas curtas – estamos nessas condições, debaixo da
influência argentina. (A VIOLETA, 29.08.1939, p. 2).
Não deixa de ser um meio de uma cultura estrangeira se infiltrar no cotidiano de uma
região do Brasil que necessitava se integrar aos ideais políticos e culturais nacionais e, dessa
forma, o ingênuo ato de se ouvir programas radiofônicos possa representar uma possível
ameaça aos objetivos nacionalistas.
O rádio, no período do Estado Novo, era defendido pelos ideólogos nacionalistas como
um instrumento de educação coletiva “[...] com vistas à formação da consciência nacional
considerada indispensável à integração nacional [...]”. Em 1931, foi criado o programa “Hora
do Brasil”, reestruturado em 1939, após a criação do DIP. O programa tinha três finalidades:
informativa, cultural e cívica (CAPELATO apud PANDOLFI, 1999, p. 176). A autora observa
que o rádio representava um veículo de acesso às longínquas regiões, contribuindo para o
desenvolvimento do homem do interior e sua integração na coletividade nacional.
Funcionando desde 1939, “A Voz do Oeste” foi solenemente inaugurada somente em
1944. Segundo Jucá (1998), a solenidade de inauguração teve como principal oradora a
primeira dama do Estado, Sra. Maria de Arruda Müller, que “[...] ressaltou a importância dos
meios de comunicação, principalmente do rádio, a última novidade do setor naquela época”
(JUCÁ, 1998, p. 254). Com horários ainda diariamente restritos, das 10:30 às 14:00 horas e das
17:30 às 21:00 horas, a população em Cuiabá passa a ter acesso a programas gravados na
Radio Nacional do Rio de Janeiro, como a Hora do Brasil, noticiários, radionovelas, programas
humorísticos e de orientação de higiene e saúde.
Tanto o jornal quanto o rádio foram transformados em poderosos instrumentos
utilizados pelo governo em disseminadores dos princípios ideológicos do Estado Novo para a
formação de uma nova consciência nacional. Em Mato Grosso, a ênfase dada aos meios de
comunicação, no que se referia ao sentido do novo, tanto no regime quanto no homem, na
87
sociedade e no país, era visualizada na materialização das obras erigidas pelo Estado, o que era
enfaticamente divulgado, de maneira a evidenciar um contraste entre uma situação do passado,
marcada pelo atraso e abandono e a atual, um estado com sólidas perspectivas de progresso,
incluso no ideal moderno de desenvolvimento nacional.
A seguir, o capítulo quatro apresenta como as intenções modernizadoras do poder
público se matereializaram na paisagem urbana cuiabana e na configuração de um espaço
moderno enquanto estratégia para a formação do novo homem.
88
CAPITULO IV
MODERNIZAÇÃO DA CAPITAL
MATOGROSSENSE: A FORMAÇÃO DO
CIDADÃO MODERNO
Avenida Getúlio Vargas – anos 40
Fonte: APMT
89
As transformações urbanas, ocorridas em diversas cidades no período do Estado Novo,
integram um projeto de modernização nacional que deveria promover o Brasil ao rol dos
países capitalistas desenvolvidos via industrialização e, ao mesmo tempo, construir uma nova
identidade nacional que refletisse o potencial do trabalhador brasileiro.
Santos (2010) explica que, naqueles anos, as questões que envolviam o cenário
nacional nas esferas social, urbana e cultural se relacionavam à necessidade de uma definição
da identidade da nação brasileira fundamentada em pilares modernos, porém, que lhes
assegurasse a sua individualidade em um contexto internacional de modernização. Para
Gomes (2011), o projeto de modernidade visava, segundo os ideais iluministas, buscar o
progresso humano através do desenvolvimento intelectual do homem, ampliando sua
mentalidade a partir das organizações sociais que atuassem de modo racional. A autora
explica que
Ampliando o intelecto criticamente, ele (o homem) gradativamente
assumiria uma posição de libertação das instituições. Sendo assim elas
seriam apenas norteadoras para a descoberta da sua própria racionalidade,
onde por intermédio do saber se buscaria a libertação das irracionalidades do
mito, da religião, da superstição, do uso arbitrário do poder até que se crie
uma lógica própria do mundo. (GOMES, 2011, p. 519).
Assim, as necessidades materiais e espirituais seriam suprimidas com a união entre
ciência e tecnologia, o que resultaria na potencialização das capacidades humanas. Algumas
expressões dessa união podem ser observadas nas transformações das cidades europeias que
buscavam na associação do monumental e do “belo” com as invenções aplicadas em
atividades cotidianas citadinas, como a luz elétrica, o telefone, o bonde, as máquinas
industriais e nos grandes e cada vez mais luxuosos trens de ferro (GOMES, 2011), numa
dinâmica de produção e de consumo.
A modernidade se caracterizou, portanto, em princípio, por intenções virtuosas que
deveriam atingir a todos de forma abrangente e visível. Era um plano de melhoria que
ambicionava redefinir o indivíduo e, assim também, suas relações com o mundo. Mais que
uma mudança estética ou comportamental, almejava transformar as mentalidades, fazendo o
ser humano necessitar ser moderno.
Para tanto, era necessário criar situações que superassem a ruptura com o antigo,
produzindo um mal-estar nas pessoas caso não pretendessem se modernizar. Assim, foi na
ideia da necessidade de melhorias na vida em sociedade, possibilitadas por um determinado
90
sistema político e cultural que os discursos modernistas se apoiaram e que é possível
vislumbrar nas transformações ocorridas na capital matogrossense.
4.1 CUIABÁ: DO “ISOLAMENTO” BUCÓLICO AO URBANO MODERNO
A capital matogrossense apresentava características rurais, com ruas de barro batido,
com esgotos abrindo caminhos por lamaçais, onde animais, como porcos, galinhas, cavalos e
vacas, circulavam livremente pelas vias da cidade. As principais atividades culturais públicas
aconteciam no coreto do jardim Alencastro, e, ao seu redor, novos casais se formavam, novas
amizades e novos (ou velhos) destinos para o estado eram traçados.
As lembranças da população se remetem a uma população calma, “[...] com as pessoas
se encontrando nas praças e nos jardins, ao ritmo das músicas, das retretas. As famílias
visitavam-se, os aniversários eram festejados (...) o povo demonstrava nas ruas o fervor
religioso” (MACHADO apud ROSA, 1990, p. 62).
Conforme Sá (2007, p. 120), “[...] a Cuiabá do início do século XX era uma cidade
pacata, com casas de adobe, grande parte caiada de branco, bondes puxados a burro e
lamparinas de querosene; a compor uma paisagem bucólica de cidade de interior”.
Imagem 04 - Foto de Cuiabá, década de 1930
Fonte: Lázaro Papazian (Cháu), Iphan/DID/ANS-RJ.
91
A fotografia mostra, do morro da Igreja do Rosário em direção á porção central da
capital de Mato Grosso. Sobre o leito do Córrego da Prainha, a ponte que ligava o 1° Distrito
ao bairro Coxipó. Ao fundo, à esquerda, a Catedral. No centro da fotografia, as palmeiras
indicam o Jardim Alencastro, local da convivência cuiabana da época.
Conforme Ayala e Simon (1914, p. 320), a cidade se desenvolveu segundo as
necessidades e os caprichos dos antigos mineradores de ouro.
[...] dividida em dois distritos e conta com 24 ruas, 1 praça e 28 travessas,
sendo a Rua Barão de Melgaço, a mais extensa, com quase três quilômetros;
existem alguns edifícios públicos e particulares de feição moderna, dois
elegantes jardins situados nas praças Coronel Alencastro e Marquez de
Aracaty, uma linha de transways (bonde puxado a burro) com o ramal para o
Matadouro e outro mais de um quilômetro para a fábrica de cerveja.
Devido ao fato de as casas serem geminadas, a convivência entre vizinhos era
inevitável, facilitando a constituição de um ambiente familiar e cordial entre eles. Mas,
segundo Sá (2007, p. 122), cabia às crianças levar “[...] mais longe as raias da vizinhança,
entrando nas casas com toda familiaridade, muitas vezes, sem bater palmas para se anunciar,
já que as portas de entrada permaneciam sempre abertas”.
A convivência entre as famílias, compreendendo adultos e crianças, se dava
também no fim do dia, quando, à luz da lamparina de querosene os vizinhos
colocavam suas cadeiras na calçada para tirar uma prosa. A roda se desfazia
às nove horas, pois se acordava cedo com as vozes do padeiro, peixeiro e
verdureiro. (SÁ, 2007, p. 123).
No entanto, aos olhos dos viajantes, Cuiabá não se apresentava de modo agradável.
O porto de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, é de uma monotonia
fatigante: sobre a barranca de terra vermelha, matizada pelo verde escuro das
plantas daninhas, ergue-se uma dúzia de casas sem alinhamento, algumas
branqueadas e outras com a ossada de “adobes” à mostra. Uma rampa mal
construída e pior conservada serve de praia para o desembarque, que é feito
em 'canoas', sistema de embarcações acionadas a remos por mulatos quase
nús. [...]
Mesmo com a chuva cuidei do desembarque. Em terra esperei o bonde,
único gênero de locomoção que existe aqui para passageiros; o bonde não
veio e a pé fiz a caminhada à cidade, longo percurso de quase quatro
quilômetros de mal caminho.
Ao empedramento que cobre o sólo argiloso da capital os naturaes dão o
nome de “calçamento”, e com a chuva, onde havia antes apenas buraco, há
agora buraco e lama. Na orla das casas o mato cresce viçoso para o sustento
barato dos animais que pastam.
92
Nos flancos do casarão do “Arsenal” depara-se soberbo campo de
experimentação de cultura de plantas, e mais além, na baixada da
“Enfermaria”, uma lagoa de águas barrentas purifica o ambiente. A
conservação desse depósito de água e lôdo merece pirotécnicos encômios, e
mostra que os encarregados municipais de serviço sanitário são uns
beneméritos.
Povo feliz! Tem um reduto servindo à decomposição orgânica, só tolerável
quando a antiprofilaxia andava em fraldas de camisa pelas ruas, sem as peias
dos princípios da ciência, e nada reclama, nem se incomoda com as
emanações que servem de veículo ao impaludismo e ao tipo!
A rua que vou seguindo, a rua “Grande”, se não é longa como o caminho das
Índias, é semelhante pelos tormentos. A 'buraqueira' inflinge aos pés
caminheiros transes terríveis e obriga o transeunte a pirueta de moitu
contínuo. Um companheiro de viagem mostrou-me coisa pior: lugares no
centro da cidade em que se precisava levar o lenço no nariz para disfarçar
com o perfume do mesmo, os odores mefíticos que desses pontos se
desprendiam, com prejuízo da saúde pública.
Ninguém se magoa; verdadeiramente a cidade retrógada-se, mas o
contentamento é geral porque está decidido que a praça da “República”, vai
possuir uma estátua. [...]. (O Commercio, 12/01/1911, n. 46, p. 3).
É interessante observar que, ao olhar do estrangeiro, o povo se encontrava mais
preocupado com banalidades do que com o seu saneamento básico, o que não era verdade.
Silva (2015, p. 41), ao analisar a cidade pela ótica dos administradores, constata que “A
circulação de animais pelas ruas da cidade irritava a administração pública, não só por causa
dos dejetos, mas devido à manutenção dos jardins e à má impressão que dava aos visitantes,
talvez denunciando o aspecto rural da Capital”. Tal afirmação pode ser confirmada por meio
do relatório da Prefeitura Municipal:
A criação de porcos e a manutenção das cavalariças foram apontadas pelo
Intendente Hermenegildo de Figueiredo (1915) como as principais causas
prejudiciais à salubridade pública. Quatro anos depois, em 1919, o
Intendente Alexandre Addor afirma ser ‘revoltante o costume de criar porcos
nos quintais’ sendo, este hábito “um contrasenso dos mais perigosos à saúde
local”. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1919, p. 4).
Os parcos recursos municipais, devido a vários fatores, entre eles as constantes lutas
armadas que invadiam as ruas das principais cidades, inclusive da capital, faziam com que o
poder público investisse na segurança, o que tornava inexequível qualquer melhoria na
capital. A precariedade dos cofres públicos unia-se aos hábitos que persistiam entre os
cidadãos, como jogar lixo no córrego, deixar animais soltos, entre outros, o que contrastava
com os “ares modernos” pretendidos à capital.
Porém, as preocupações das autoridades, no passado, não foram suficientes para sanar
as questões de salubridade urbana. No início de 1929, o então prefeito engenheiro Fenelon
93
Müller, em relatório das atividades municipais do ano anterior, ao se referir à limpeza pública
e remoção de lixo doméstico, declara que: “Este serviço tem sido feito com manifesta
deficiência. Grande parte da cidade tem deixado de receber o seu benefício, pois, como o
sabeis, o serviço era até 31 de Dezembro, feito apenas nas ruas mais centraes do primeiro
districto” (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 10).
Quanto à manutenção da limpeza das ruas e praças, a narrativa do prefeito possibilita a
ideia de como se caracterizava o adensamento urbano da capital matogrossense naquela
época.
Este serviço mereceu bastante atenção da minha administração.
E se as nossas ruas e praças não mostraram durante o anno melhor aspecto, a
razão principal está em factores que não podem ser removidos de um
momento para outro, tendo entre eles primazia o crescimento irregular da
nossa cidade, cujos bairros de construção mais ou menos concentrados, estão
ligados entre si, por vias de raras construcções, havendo, por isso, grandes
áreas não aproveitadas covenientemente, que apenas oneram a limpeza
pública. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 12).
Antigos hábitos expressivos da natureza rústica da população de Cuiabá, mesmo sob o
risco de pagamento de multa determinada por lei municipal, parecem se eternizar no cotidiano
do que se pretendia citadino. Verifica-se que, além de “cães vadios”, outros animais ainda
compartilham com a população o espaço da cidade, fazendo parte da convivência urbana.
Continua, infelizmente, entre nós o máu hábito de se deixarem soltos pelas
ruas e praças publicas animaes de tiro ou de sella, vaccas, cabras, porcos,
etc.
É um hábito que não póde continuar, senão só pela má impressão que causa
aos adventícios, como pela tranquilidade que dele decorre para os
transeuntes. (CUIABÁ, Relatório da Prefeitura, 1929, p. 12).
Interessante é que, mesmo com a determinação da lei e o desejo de impregnar Cuiabá
de ares urbanos, a administração municipal pondera sobre a resistência da população em
abandonar antigos os hábitos e toma uma decisão política e educativa:
Resolvi iniciar um combate lento, porém contínuo, a esse velho hábito.
Não convinha agir bruscamente porque, entrelaçado com esse problema,
surgia o de abastecimento de leite à população e o de forragem para os
animais.
Era preciso provocar a adaptação à nova exigência. (CUIABÁ, 1929, p. 13).
94
Em 1958, a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros faz a seguinte referência sobre o
cenário político social de Cuiabá:
Até 1930 a sociedade cuiabana vivia em compartimentos estanques,
formados por clãs políticos do coronelato. Havia o coronel engenheiro, o
coronel médico, o coronel comerciante, o coronel industrial, o coronel
agricultor, fazendeiro, etc., todos influentes na política tumultuada do
Estado, e, como tal influentes nas decisões administrativas.
Fora dêsse círculo convencional, o povo não representava nenhum poder
atuante, nem mesmo congregava em classes, de caráter operário ou agrícola.
(IBGE, Enciclopédia, 1958, p. 173).
Urgia a alteração do cenário urbano e novas posturas do cidadão residente na capital,
como superação de suas características e hábitos rurais. Era preciso modernizar. Júlio Müller
se ocupou dessa responsabilidade.
4.1.1 As “obras oficiais” e a modernização do cenário urbano de Cuiabá
Refletir sobre a dimensão educativa da cidade de Cuiabá, no período do Estado Novo,
implica a compreensão de seu contexto político e social delineado pelo “isolamento” do
interior brasileiro e pelo seu rudimentar desenvolvimento urbano. Vale ressaltar que a
localização de Mato Grosso representava importância geopolítica diante das intenções
estadonovistas de integração nacional, inclusive devido aos seus limites com a Bolívia e
Paraguai.
Uma das ações para a modernização da capital de Mato Grosso foi a remodelação do
cenário urbano em um conjunto de edificações, denominado de “Obras Oficiais”, financiado
pelo governo federal. Com técnicas arquitetônicas arrojadas e o emprego, na época, de
materiais inovadores, essas obras introduziram signos da modernidade urbanística à capital
matogrossense e provocaram descontinuidade no estilo de vida da sociedade local,
contribuindo para a formação de novas sensibilidades em seus habitantes (LACERDA, 2004).
Esses signos eram representados não só por elementos materiais, como a remodelação do
centro da cidade segundo os princípios da racionalidade funcional do urbanismo moderno e
suas características físicas de monumentalidade e simetria com a introdução de novos estilos
arquitetônicos e elementos da construção civil, como o cimento armado e o ferro, materiais
ainda inéditos em Cuiabá. Ambientes, como o Cine Teatro, o Grande Hotel, além de outros, e
as inovações introduzidas na organização dos serviços públicos, como a saúde, que passou a
contar com profissionais aperfeiçoados em São Paulo e Rio de Janeiro, intencionalmente eram
95
divulgadas pelos meios de comunicação com a intenção de influenciar a população a ter uma
percepção otimista ao novo tempo que se inaugurava.
As “Obras Oficiais” foi um programa de desenvolvimento que, em menos de dez anos,
equipou a cidade com diversas obras públicas. Naquela época, Cuiabá era organizada em três
distritos. Sendo o 1° Distrito a área central da cidade, o 2° Distrito correspondia à parte mais
antiga, a região do porto localizada na margem esquerda do rio Cuiabá, onde aportaram os
fundadores da cidade e o 3° Distrito, localizada à margem direita do Cuiabá, hoje, município
de Várzea Grande. As referidas obras são citadas pelo engenheiro Cássio Veiga de Sá (s/d, p.
179), e organizadas conforme sua a localização como mostra o Quadro 3, a seguir.
Quadro 3 - Obras Oficiais
OBRA LOCALIZAÇÃO
01 Residência dos Governadores
Cuiabá
1° Distrito
02 Avenida Getúlio Vargas
03 Grande Hotel
04 Cine Teatro de Cuiabá
05 Secretaria Geral
06 Palácio da Justiça
07 Colégio Estadual
08 Estação de Tratamento de Água
09 Estação Elevatória de Água
10 Maternidade
Cuiabá
2° Distrito 11 Ponte sobre o Rio Cuiabá
12 Pavilhão de Exposição Agro-Pecuária
13 Usina de Pasteurização de Leite Cuiabá
3° Distrito
14 Hotel das Águas Quentes Serra de São Vicente
Fonte: Memórias de um Cuiabano Honorário (SÁ, s/d).
Para execução do programa das Obras Oficiais a interventoria do estado contratou a
firma Coimbra Bueno & Cia Ltda., do Rio de Janeiro, responsável por diversos projetos de
remodelação e embelezamento urbano de cidades do país, como Rio de Janeiro (AZEVEDO,
96
2012), Porto Alegre (SOUZA; ALMEIDA, 2012) e a construção de Goiânia (PINTO, 2009),
com assessoria do urbanista francês Alfred Agache.
À frente da execução das obras foi nomeado Cássio Veiga de Sá, engenheiro
responsável técnico pelas edificações, fixando residência em Cuiabá.
Em seu relato de chegada do Rio de Janeiro a Cuiabá, em 1939, Veiga de Sá remete
o cotidiano cuiabano a um cenário rural:
[...] diariamente, pela manhã, o leiteiro, [...] trazia o leite, em vasilhames
apropriados. Depois passava o vendedor de peixe com um carrinho de mão
que trazia o pescado na madrugada e logo depois o verdureiro. Os fogões
daquela época consumiam lenha [...]. Mas não tínhamos problemas porque
o vendedor de lenha também oferecia diariamente ao consumidor, em
achas, a lenha [...] pois ele conduzia um boi com duas bruacas, assim
chamadas grandes bolsas feitas de couro cru, onde colocava verticalmente
as achas de lenha.
[...]
O mais curioso é o vendedor de leite de cabra que com quatro ou cinco
cabras com um sininho no pescoço, circulava pelas ruas e, à porta do
consumidor interessado, parava e tirava o leite; aspecto muito curioso,
desaparecido, de uma época que já passou (SÁ, s/d, p. 55-57).
Outro fator relevante, a se considerar, era o desenvolvimento desigual entre as porções
Norte e Sul do estado, o que denotava uma tradicional competitividade entre Cuiabá, a capital
e Campo Grande, cidade localizada no Sul do estado que, devido ao seu desenvolvimento
econômico e urbano, insistia na expectativa de se tornar sede do governo. O discurso dos
mudancistas alegava que Cuiabá,
[...] não tinha condições básicas para ser a capital. Por ser próxima aos
grandes centros, Campo Grande, diziam eles, era mais bem dotada de
infraestrutura urbana, pois ligava-se a São Paulo e Rio de Janeiro por estrada
de ferro, enquanto que Cuiabá, na ocasião, só podia valer-se da via fluvial
para transporte de cargas e passageiro e do hidroavião. Cuiabá, [...] não
possuía edifícios para instalar o governo nem mesmo um hotel para receber
os visitantes. (FREITAS, 2011, p. 201-212).
Alardeava-se que a localização interiorana de Cuiabá era a causa do atraso que se
refletia na economia e em seus aspectos urbanos. Diante da política de integração nacional, o
governo federal de Getúlio Vargas colocou em prática diversos programas de
desenvolvimento e colonização para expandir as fronteiras internas do país. Era estratégico
para a política de integração nacional que Cuiabá fosse fortalecida enquanto capital do estado.
97
A um olhar mais atento evidencia-se que o estigma do isolamento de Cuibá se tratava
de uma alegação pejorativa na disputa política entre oligarquias do Sul e do Norte. O fato é
que, mesmo em tempos remotos, o isolamento nunca foi absoluto (BORGES, 2014). É
interessante destacar que a efetiva navegação no rio Paraguai, em 1870, fez de Cuiabá a única
capital brasileira a ter ligações com três capitais federais: Montevideo, Buenos Aires e Rio de
Janeiro.
A execução do programa “Obras Oficiais” procurou diminuir as diferenças estruturais
urbanas entre Cuiabá e outros centros nacionais mais desenvolvidos. Para tanto, não se
mediu esforços e o uso do prestígio político da administração do interventor Júlio Müller. Em
sua administração, a capital matogrossense vivenciou um momento célere de transformações
urbanísticas executadas com o apoio do presidente da república,
[...] circunstância que contribuiu para emprestar prestígio à ação
governamental do Interventor Júlio Müller, - e esta de modo decisivo -, foi a
presença de seu irmão, o capitão Filinto Müller, num dos mais altos postos
do País, que era, na época, chefe de Polícia do Distrito Federal, diretamente
ligado à pessoa do Chefe do Governo da República. (PÓVOAS, 1992, p.
105).
Na esteira do progresso, concomitante às construções oficiais, obras particulares e de
instituições de interesse público também foram erigidas na capital matogrossense, pela
empresa Coimbra Bueno & Cia. Ltda., entre elas destacam-se os edifícios do 16º Batalhão de
Caçadores de Cuiabá, a construção de um Centro de Saúde, as novas instalações do Clube
Feminino e do Abrigo Bom Jesus, e o Palácio Episcopal, além de edificações para fins
comerciais e onze residências; marcaram um novo período na urbanização da cidade e
introduziram o vínculo empregatício com registro em carteira profissional do Ministério do
Trabalho e do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, inicialmente pelos
trabalhadores contratados pela “Coimbra Bueno”, em São Paulo e Rio de Janeiro e,
posteriormente, estendido aos contratados em Cuiabá, totalizando cerca de mil trabalhadores
(SÁ, s/d).
Devido à falta da documentação dos trabalhadores de Cuiabá, as exigências
burocráticas foram viabilizadas com interferência direta da Delegacia do Trabalho.
Álvaro Duarte, então Delegado do Trabalho no Estado, muito colaborou com
as Obras Oficiais no sentido de regularizar a situação dos trabalhadores,
familiarizados com o antigo sistema anterior às Leis Trabalhistas do
Governo Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930. Com a contratação dos
98
especialistas que vieram para Cuiabá, as Obras Oficiais representaram uma
escola que adaptou os elementos locais aos novos métodos e aprimorou a
mão de obra, elevando o seu nível de classificação e remuneração. (SÁ, s/d,
p. 180).
No início da execução das obras oficiais em 1939, melhor dizendo, no início do
processo de modernização da urbs a cidade já se mostrava educativa, fazendo com que
também se modernizassem os animadores desse processo. Em consonância aos princípios de
formação de brasileiros idealizados pelo Estado Novo: trabalhadores - profissionais
qualificados com seus registros de cidadãos oficialmente representados pela carteira de
trabalho, a categoria ganhava novos adeptos em Cuiabá. Nessa iniciação, esses trabalhadores
eram aprendizes que compulsoriamente foram ingressados nesse tempo de modernização e
para se incluírem nessa nova época precisavam de preparo. Teriam que aprender, mesmo que
talvez inconscientemente, na convivência com as pessoas qualificadas, experientes mestres de
obras, que trouxeram para Cuiabá novas ideias que se materializavam diante dos olhos dos
trabalhadores a transformação de complicadas linhas traçadas em um papel em edificações
nunca antes vistas na paisagem cuiabana. Além do aprendizado com os contatos pessoais
nesse novo ambiente de conversa, trocas de ideias, observações, aprendia-se também no
contato com novos materiais da construção civil. Esses trabalhadores passam a ver paredes se
erguendo numa tal altura, não mais a partir da sobreposição de blocos de adobe feitos com a
massa que mistura barro, capim seco e estrume de vaca. Os materiais eram outros: cimento,
cal, pedra brita, ferro, madeira aparelhada, trazidos de São Paulo via embarcações.
Certamente, a partir de então, esses trabalhadores ampliaram seus conhecimentos sobre os
afazeres de seu ofício e, segundo o engenheiro Cássio Veiga de Sá, ao aprimorarem suas
habilidades profissionais, isto é, ao se apresentarem como trabalhadores modernos que
dominam as novas técnicas da construção e, possivelmente, dominarem também a leitura de
plantas e projetos, conquistaram melhores níveis profissionais e de remuneração de maneira a
garantir participação no novo mundo que se descortinara.
A execução das obras, segundo Castor (2013), se desencadeou atendendo as
prioridades estabelecidas pelo Secretário Geral do Estado, o engenheiro cuiabano João
Ponce de Arruda. A primeira delas foi a Residência dos Governadores, seguindo as novas
orientações de ordenamento urbano seguido pelas demais residências edificadas, na região
central da cidade, a partir de então. “Todas construídas com afastamento da rua e nas
confrontações laterais cedeu lugar a essa nova orientação, iniciando na cidade uma mutação
da arquitetura e consequentemente na construção de novas residências” (SÁ, s/d, p. 180).
99
Imagem 05 - Residência dos governadores em construção
Fonte: O Estado de Mato Grosso. Cuiabá, 06 de janeiro de 1939.
É possível perceber que a casa é margeada por recuos frontais e laterais, o que
possibilitou uma área de ajardinamento, introduzindo uma nova estética às residências que
tradicionalmente eram construídas rente ao alinhamento da rua. A construção conjuga espaços
internos e externos em um terreno que se posicionava, estrategicamente, nos fundos da antiga
sede do governo estadual. Porém, devido às suas dimensões acanhadas, na avaliação de
Cássio Veiga de Sá, mais dois lotes foram incorporados ao terreno da residência, completando
a largura do quarteirão delimitado pelas ruas Cândido Mariano e Barão de Melgaço. “A
ampliação do terreno veio a calhar. Além de conferir maior dignidade à residência oficial,
realçou duas principais novidades introduzidas pela obra na cultura urbanística local: a
moradia cercada de verde e os espaços de transição entre eles” (CASTOR, 2013, p. 181-182).
Na imagem a seguir é possível observar os aspectos evidenciados pelo autor.
100
Imagem 06 - Residência oficial dos governadores
Fonte: Siqueira et al. (2006, p. 116).
A disposição interna dos cômodos também era inovadora na época, por não seguirem
a “[...] disposição linear conforme rezava a tradição local, mas estão organizados em torno de
uma sala de acesso com pé-direito duplo e escadaria escultural” (CASTOR, 2013, p. 182).
Outra novidade é que a casa oficial “Foi a primeira residência de Cuiabá a possuir fogão a
gás, que era abastecido por grandes bujões adquiridos em São Paulo, e a ter uma piscina”
(JUCÁ, 1998, p. 172).
O estilo Californiano da Residência dos Governadores, muito empregado em
residências do Rio de Janeiro, se adequava às condições climáticas de Cuiabá, devido à sua
disposição arquitetônica. Na época, em geral, as casas cuiabanas eram baixas e anexadas
umas às outras, o que dificultava a circulação do ar e o sombreamento, principalmente em
dias chuvosos, resultando em ambientes úmidos, mofados e insalubres. Era atribuído às
más condições de higiene das moradias as doenças, a preguiça e o desânimo do
trabalhador (CAVALCANTI, 2006). “Os arquitetos modernos, não isentos de certo
etnocentrismo e determinismo espacial, esperavam com seus projetos, reeducar a
população, principalmente os mais pobres, ensinando-lhes os modos corretos de habitar”
(CAVALCANTI, 2006, p. 12). As novas técnicas introduzidas pelo urbanismo
orientavam a ambientes mais sadios para a convivência humana,
101
[...] impedindo a estagnação dos elementos do meio, como o ar e a umidade
e controlando os fluxos de toda a natureza. [...] procurando construir um
meio físico e social equilibrado, o urbanismo nascente buscara conciliar
exigências técnicas relativas à higiene e saneamento, vislumbrando a
possibilidade de transformar a casa num espaço modelar, base da edificação
do novo trabalhador. (ANDRADE, 1992, p. 17).
No âmbito do Estado Novo o papel pedagógico que os novos espaços salubres e
moralizantes deveriam desempenhar é elemento fundamental no processo de formação do
trabalhador. Assim, mais que higienizar com o fim de evitar ou eliminar males, a cidade
moderna buscava implantar um modo de vida mais digno à população e, a partir do
esforço da construção do “novo homem”, a família desempenharia papel central, tendo a
casa como espaço de referência.
A arquitetura da residência oficial espelhou como modelo para a construção, na época,
de novas residências particulares em Cuiabá, que também foram executadas pela empresa de
engenharia “Coimbra Bueno”, de maneira a revelar a influência do movimento modernizador
na arquitetura da paisagem urbana, para além das obras oficiais, como por exemplo,o Palácio
Episcopal.
O processo de modernização das cidades, no Estado Novo, se desenvolveu a partir da
adoção do urbanismo enquanto conhecimento técnico e científico, empregado no
reordenamento do espaço urbano, no sentido de planejar seu crescimento e direcionar sua
expansão às áreas de interesses imobiliários. A contribuição do urbanismo, no projeto de
construção da identidade do “homem do Estado Novo”, se revelava segundo o discurso de
que “[...] a racionalidade técnica e a lógica científica deveriam regular as atitudes e
comportamentos da sociedade através da cidade” (OUTTES, 2014, p. 395). Vale ressaltar
que esse pensamento se revela mais evidente enquanto manobra para o “controle dos
distúrbios civis” nos projetos de modernização dos espaços das grandes cidades, onde as
ocorrências de manifestações se faziam frequentes, as quais eram de difícil domínio do
Estado, devido ao desordenamento das edificações, onde os becos funcionavam como
verdadeiros labirintos e esconderijos aos manifestantes dificultando a ação da polícia.
Em Cuiabá o surgimento dessa nova estética urbana, implantada por determinação
da prefeitura, passou a regulamentar o enquadramento das edificações nos terrenos, a
exemplo da Residência dos Governadores, e se estendeu para as novas edificações que, a
partir de então, foram surgindo. Outro traço marcante do ideário urbanístico do Estado Novo
era a concepção de que toda cidade grande deveria ter uma grande avenida. Na condição de
capital, Cuiabá não poderia fugir à regra. Ao estender e ampliar a antiga Avenida Murtinho, a
102
cidade passa a contar com uma nova e moderna via de circulação, considerada a “artéria da
nossa Capital” (PÓVOAS, 1995, p. 383), que já se preparava para atender uma das
exigências da modernidade que ainda não se fazia tão presente em Cuiabá: os automóveis.
Por determinação do governo federal recebeu o nome de Avenida Getúlio Vargas que,
estrategicamente, orientou o crescimento da cidade no sentido de se distanciar das áreas
próximas ao Córrego da Prainha, pois essas serviam de depósito de lixo e o córrego, já
naquela época, era destino de esgoto in natura. O direcionamento do crescimento urbano
para as áreas mais elevadas e distancidas do córrego atendia aos interesses imobiliários que
percebiam esses terrenos, devido à sua localização, como mais valorizados.
Atendendo a lógica da valorização imobiliária, foi ao longo da Avenida Getúlio
Vargas que se deu a maior concentração dos edifícios das obras oficiais: Grande Hotel, Cine
Teatro, Secretaria Geral, Palácio da Justiça e o Colégio Estadual, demarcando uma área
nobre da cidade, o que desencadeou a construção de várias residências de famílias
tradicionais cuiabanas, em conformidade aos padrões do moderno urbanismo.
A construção do Grande Hotel, iniciada em janeiro de 1939, logo chamou a atenção
dos populares devido à sua localização estratégica, em terreno em declive, que poderia ser
visto dos jardins, e a novidade de seus arcos despertava a atenção de quem por lá passasse:
Entretanto, quando os incrédulos que não confiavam no progresso de
Cuiabá, souberam que o hotel teria trinta e oito quartos, fizeram uma
pergunta:
- Onde é que Julio Müller vai arranjar hospedes para esse hotel?
(SÁ, s/d, p. 74).
A observação do engenheiro Cássio Veiga de Sá deixa transparecer que a
administração em curso não tinha o favoritismo absoluto, como se divulgava nos meios de
comunicação. Mesmo porque, as matérias dos jornais levadas ao público sempre traziam as
opiniões próprias dos governantes e sobre seus atos, de maneira a escamotear o pensamento
popular. Provavelmente, a construção do hotel incitou críticas, o que pode ter levado o jornal
O Estado de Mato Grosso a promover um concurso para escolha do nome do hotel, como
estratégia para desarmar as opiniões contrárias, num jogo de envolvimento e valorização da
opinião pública. Como parte da artimanha, nas edições de final de semana o jornal divulgava
os nomes mais sugeridos: Hotel Centro América, Hotel Bandeirantes, Hotel Planalto, entre
outros (O ESTADO DE MATO GROSSO, Cuiabá, 28.06.1940, n. 261). Porém, na obra
memorialista de Cássio Veiga de Sá, diz que
103
O nome Grande Hotel veio de uma determinação de Getúlio Vargas que
toda cidade importante tivesse um Grande Hotel. Goiânia já tinha
inaugurado o seu e, por essa razão, desde o início da obra ela foi assim
chamada. Era a obra mais próxima do jardim, e o seu desenrolar
acompanhado pelo público, seguiu sua marcha sem interrupções. (SÁ, s/d,
p. 74).
Veiga de Sá (s/d) salienta que, com a construção do Grande Hotel se delineava um
novo perfil para a sociedade cuiabana, com o surgimento d e aposentos “de primeira
categoria” e, também, um local de socialização entre a elite da capital. O local,
[...] oferecia à nossa sociedade, aos domingos, no bem decorado salão do
hotel, uma “soirée” dançante, contratando para isso uma orquestra. Logo
após o jantar, as moças e os rapazes que não tinham outro entretenimento
senão o passeio no Jardim, afluíam para o soirée [...]. (JUCÁ, 1998, p.
175).
As dependências do hotel serviram de cenário para festas e réveillon promovidos pela
interventoria do Estado. Essas ocasiões representavam, para os frequentadores, momentos de
encenação de rituais modernos e civilizados quando os ilustres convidados se apresentavam
com suas vestimentas de gala e arriscavam o uso de palavras que os remetiam aos ambientes
culturais europeus, que certamente não faziam parte do vocabulário cuiabano, como soiarée
e revellion.
Ao remeter o pensamento a tão requintado ambiente, tem-se que considerar que os
serviços de atendimento não poderiam mais ser os mesmos e também prestados por aquelas
pessoas que trabalhavam nas simplórias pensões, tal aquela que hospedou o engenheiro
Cássio, por ocasião de sua chegada em Cuiabá. A inserção do hotel no contexto cuiabano
certamente exigiu que os profissionais a serem empregados na prestação de seus serviços
também deveriam se modernizar e receber qualificação profissional condizente ao
antendimento aos ilustres hóspedes que porventura viriam ali se hospedar e dos comensais,
nos glamorosos jantares servidos à elite.
Maria de Arruda Müller, em sua obra memorialista “Cuiabá ao longo de Cem Anos”
(1994), conta que nessas ocasiões havia concentração de populares na entrada dos eventos
que, a seu modo, também se divertiam ao observar a chegada dos convidados em seus finos
trajes, que eram elogiados ou criticados em conversas no correr dos dias até a chegada de um
novo evento.
104
As dependências do hotel sediaram também as reuniões do Rotary Club, fundado em
Cuiabá em 1944, porém, já presente em Mato Grosso em cidades do Sul do estado, como
Campo Grande e Corumbá. A chegada dessa associação norte americana representou um
marco civilizatório para a capital, por se tratar de uma associação de serviços
filantrópicos a serviço da humanidade. Teve como presidente fundador o próprio
interventor Júlio Müller. A partir de então, a sociedade cuiabana passou a se reunir no salão
do hotel para jantares, às sextas feiras, o que se tornou em um tradicional hábito da
sociedade local (SÁ, s/d).
Conforme Capelato (2011), o governo getulista tinha a valorização da cultura como
importante fator para a unificação nacional. Portanto, fundamental seria sua intervenção na
expectativa de que, ao promover as expressões culturais nacionais, a arte se tornasse um
suporte para alavancar a política nacionalista. A arquitetura e o cinema receberam especial
atenção devido ao seu poder de sedução como instrumentos de propaganda e de conquista
das massas. O cinema, para Getúlio Vargas, significava um meio instrutivo eficiente para a
população em geral, inclusive para os analfabetos, por dispensar textos escritos, como os
jornais. As projeções representavam eficientes meios para incutir a ideologia nacionalista
modernizante através das imagens, o que fazia da construção do cine teatro em Cuiabá
também uma prioridade política. Além disso, segundo Alencastro (1996), em Cuiabá havia a
expectativa da população quanto à construção do cinema, pois eram reduzidos os locais para
a diversão popular. Esse anseio da população, porém, foi subjulgado diante do requinte do
ambiente.
Construído ao lado do Grande Hotel, na Avenida Getúlio Vargas, o Cine Teatro, com
capacidade para um público de 600 pessoas, foi projetado pelo arquiteto Humberto Kaulino,
assim como o projeto da Residência dos Governadores. O salão de projeção e espetáculos foi
dotado de mezanino. Sua estrutura era voltada para atender à elite local, não mais para o
acesso da população em geral, como era o Cine Parisien, que funcionou no período
republicano, independente de classe social, sexo ou vestimentas.
105
Imagem 07 - Cine Parisien, 1912
Fonte: Acervo APMT.
Veiga de Sá (s/d) recorda que o Cine Teatro trouxe novos hábitos para a convivência
urbana. Sua grande aceitação junto à população despertou a preocupação quanto ao possível
esvaziamento do Jardim Alencastro, lugar tradicional da convivência cuiabana. Silva (2009),
ao estudar o cinema em Cuiabá na década de 1940, observou que sua inauguração
introduziu novas práticas culturais e sociais que influenciaram o comportamento da
população e
As representações da população cuiabana, pensadas aqui como modos de
pensar e sentir coletivos, de admiração ao novo cinema geraram práticas
culturais, como costumes de se vestir com a melhor roupa aos fins de
semana e o passeio no Jardim Alencastro (Praça Alencastro), antes e depois
das sessões [...]. (SILVA, 2009, p. 89).
Por influência dos hábitos europeus, foi organizado, nas dependências do cinema,
“[...] um salão de chá, admitindo-se que após a sessão os frequentadores do cinema afluíssem
ao salão, à semelhança do que se passava na conhecida Cinelândia no Rio de Janeiro [...]
(SÁ, s/d, p. 166)”, porém o intento foi frustrado.
A inauguração do novo Cine Teatro, em maio de 1942, representou um ícone da
modernização em nível nacional. Além de uma programação confirmada para os meses
106
restantes do ano com a distribuidora de filmes, o que garantia ao público cuiabano o que
havia de melhor nas produções cinematográficas da época (FREITAS, 2011), as
dependências do estabelecimento foram dentre as primeiras do país a serem equipadas de
“[...] sistema de renovação de ar, com um processo de refrigeração baseado na água que
circulava em serpentinas. Quando o calor era mais forte, usava-se barras de gelo [...]”
(JUCÁ, 1998, p. 221).
Imagem 08 - Cine Teatro, anos 40
Fonte: NDIHR/UFMT.
Também construídos ao longo da Avenida Getúlio Vargas, os edifícios da Secretaria
Geral do Estado e o Palácio da Justiça, por se tratarem de edifícios destinados às funções da
administração pública, são típicos representantes da arquitetura do Estado Novo, tendo como
característica principal o predomínio de linhas retas, resultando em um objeto arquitetônico
monótono de aparência sóbria, porém pesada, o que transmite uma sensação de uma
austeridade quase que bélica. Esses edifícios demonstram que o Estado Novo se utilizou da
mesma estratégia dos regimes totalitários europeus quanto ao uso da arquitetura como
propaganda, combinando traços modernos com o tradicional. O moderno está presente no
emprego das novas tecnologias e materiais da construção, como o concreto armado. A
monumentalidade mantém o aspecto ideológico disciplinador através da ostentação de
107
poder expresso pelas linhas retas do Art Dèco, estilo predominante nas obras
estadonovistas.
Imagem 09 - Avenida Getúlio Vargas
Fonte: Álbum das Obras Oficiais - CBM.
A fotografia mostra, à direita, a Secretaria Geral, sede da interventoria do Estado e, à
esquerda, o Palácio da Justiça e o Departamento de Estatística de Mato Grosso. No plano mais
ao fundo, vê-se a antiga Catedral.
Esses edifícios modernos, instalados na também mais moderna avenida da cidade,
formavam um conjunto sólido, assim como deveria ser percebida pela população a
administração pública. Não era só o visível que se modernizara. A eficiência do poder público
também se fortalecera com o disciplinamento do traçado urbano, o que possibilitou ampliar o
alcance da visão para melhor controle dos espaços e a salubridade do interior da cidade. O
Departamento de Estatística se encarregava em transformar as necessidades da população do
Estado em índices estatísticos que serviram de base a planos para desenvolvimento
econômico, educacional e saúde pública.
A data de 10 de novembro de 1944 foi bastante significativa para a educação em Mato
Grosso. Nesse dia, como parte das comemorações alusivas ao 7° aniversário da instalação do
regime do Estado Nacional Brasileiro, foram inaugurados, oficialmente, a rádio Voz do Oeste
e, na parte mais elevada da Avenida Getúlio Vargas , o Colégio Estadual de Mato Grosso. O
108
jornal O Estado de Mato Grosso trouxe, em sua primeira página, uma extensa descrição sobre
as modernas dependências do colégio.
O monumental edifício do Colégio Estadual de Mato Grosso que hoje será
inaugurado solenemente, é uma verdadeira obra prima de bom gosto
arquitetônico e, ainda, uma perfeição no que concerne às exigências da nova
pedagogia [...] Construído de acordo com todas as exigências do Ministério
da Educação compreende o Colégio Estadual cuja a monumental
perspectiva se vê [...] um edifício principal, de dois pavimentos como uma
área de 3.732.000 m², um “ginasium” com uma área de 840.000 m², um
estádio compreendendo arquibancadas, pista de atletismo, campo de
futebol etc., e a urbanização da Praça Marechal Malet. Contém o edifício 10
salas de aulas comuns; uma salada de aula de Geografia; um conjunto de
salas de aula de Física e Química; um conjunto idêntico para aulas de
História Natural; biblioteca; amplo anfiteatro com capacidade para 500
alunos, gabinete médico; “hall” nobre, “hall” de alunos, recreio coberto para
meninos, recreio coberto para meninas; gabinete do diretor; secretaria; salas
de professores; sala de bedéis; sala dos inspetores de alunos, etc. O custo da
obra foi de 5 milhões de cruzeiro. (O ESTADO DE MATO GROSSO,
10.11.1944).
A descrição do jornal revela alguns aspectos do currículo e da gestão escolar da época,
ao mesmo tempo em que busca mostrar ao público, em um contexto de política de massa, a
monumentalidade do edifício enquanto símbolo de uma identidade nacionalista, preparado
para assumir a formação do cidadão para o Estado Novo. Por outro lado, explicita a
importância dada à educação física dos seus alunos, por meio da contrução de um estádio, um
ginásio de esportes, pista de ateltismo, campo de futebol, entre outros espaços, visando
assegurar “mão de obra capacitada, cabendo a ela cuidar da recuperação e manutenção da
força de trabalho do trabalhador brasileiro” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 19).
109
Imagem 10 – Colégio Estadual de Mato Grosso – década de 40
Fonte: Acervo Museu Histórico de Mato Grosso/MT
Em sua obra memorialista “Cuiabá de Outrora” ( 1983), Lenine Póvoas relata que, até
a década de 30, Mato Grosso era uma vasta região esquecida pelo Governo Central do país,
então, como se dizia, o estado era uma “simples expressão geográfica no mapa do Brasil”.
Lenine Póvoas destaca que, em determinada época daquela década, começaram a surgir, em
alguns pontos de afastados municípios do Norte matogrossense, casos de malária, fato que
sensibilizou pela primeira vez o governo central, através do Ministério da Saúde, ou aquele
que suas vezes fazia, socorrer a população com campanha preventiva de defesa contra a
malária (PÓVOAS, 1983).
É no âmbito do plano geral, de saúde idealizado pelo Departamento Nacional de Saúde
(DNS), é que se desenvolveu a chamada “Reforma Sanitária Júlio Müller”, com ações em
todo o território do estado.
No relatório anual de 1941, enviado ao Presidente da República, o interventor faz um
balanço das atividades implementadas no campo da saúde pública, nesses seus quatro anos de
governo, e expressa em números que a saúde pública foi prioridade em sua administração,
conforme mostra o quadro abaixo.
110
Quadro 4 – Balanço das atividades de saúde pública (1937 – 1941)
Ano Percentual do Orçamento
1937 3,4 %
1938 5,6%
1939 5,6%
1940 -
1941 7,5%
Fonte: Relatório do Interventor 1942.
Nesse período, foi investido na especialização do corpo médico do estado, em número
de sete, em cursos do Instituto de Higiene de São Paulo, para atuarem no combate da
tuberculose, lepra, doenças venéreas e higiene infantil, ao mesmo tempo em que o diretor do
Departamento de Saúde do Estado fez curso de administração e bio-estatística, organizado no
Rio de Janeiro pelo DNS.
Esses cursos habilitaram os especialistas a promover cursos aos profissionais da saúde
que replicavam seus novos conhecimentos à população em palestras educativas sobre a boa
alimentação, campanhas de higiene e preservação da saúde, além de lembretes publicados nos
jornais e em cartazes nos estabelecimentos públicos, quanto aos devidos cuidados contra a
tuberculose: “Gripe mal curada, tuberculose ameaçada!”
No período, também foram construídos nove postos de saúde distribuídos pelo estado:
um leprosário em Cuiabá, com duzentos e oitenta leitos; além de um Centro de Saúde, com
verba específica do Ministério da Saúde para esse fim; e pelo programa “Obras Oficiais”, a
construção da Maternidade.
Segundo Müller e Rodrigues (1994), as ações de profilaxia muito incomodavam os
habitantes de Cuiabá, que viam de maneira exagerada os novos cuidados com o
armazenamento da água, a obrigatoriedade das vacinas e as insistentes convocações do Centro
de Saúde de Cuiabá aos exames de fezes e tuberculose.
As autoras trazem, em sua obra memorialística, a publicação de uma matéria escrita
por Nilza Pinto de Queiroz, e publicada em 1989, relembrando aqueles tempos.
111
A medida preventiva do governo Julio Müler era revolucionária! Dava uma
sacudida nas nossas condições de vida; mexia com o ser humano:
arregimentava senhoras grávidas a frequentarem o Centro; fiscalizava
nossas moradias e os insetos; intimava a certo prazo a construir privada
higiênica; controlava as doenças venérias; atacava o piolho na cabeça da
criançada da escola, enfim, a Saúde Pública realmente fazia o seu papel de
preservação contra doenças.
Os reservatórios de água eram vistoriados e se comprovado a existência de
larvas do mosquito da febre amarela, a água era inutilizada com a adição de
querosene ou óleo queimado [...]
Vistoria em cachorro que não fora vacinado... lá vinha a “Saúde Pública”...
O dono do animal tinha duas escolhas: ou vacinava o cão ou então iria ficar
sem ele, pois seria levado em uma carrocinha que percorria as ruas e
acabava com aquela cachorrada vadia.
Tudo isso era “incomodação” o povo culpava o “Governo Júlio Müller” que
vivia “perseguindo a população. (QUEIROZ apud MÜLLER;
RODRIGUES, 1994, p. 122).
A Reforma Sanitária de Júlio Müller segue os preceitos da política do Departamento
Nacional de Saúde, que também apresentava uma dimensão educativa em seu propósito de
sanear os ambientes sociais higienizando a população pobre e enfrentando os problemas que
afetavam sua vida útil, como a má alimentação, a falta de higiene e cuidados corporais, de
maneira a promover a formação de novos hábitos higiênicos como garantia de mão-de-obra
disciplinada, saudável e útil ao progresso da Nação (VIEIRA, 2003).
O sentido educativo, no cuidado do Estado à saúde de sua população, prende-se ao
interesse de se constituir uma massa de trabalhadores sadios e economicamente úteis. Uma
população fraca e doentia de nada serviria aos propósitos produtivos e, além disso, em vista do
sentido assistencialista do governo de Getúlio Vargas, resultaria em grandes gastos aos cofres
públicos. Nesse sentido, aos setores da saúde pública caberiam ações colaborativas para esse
fim, através de suas campanhas educativas, inculcar na população em geral e principalmente
na parcela ativa da população, novos hábitos higiênicos e morais tidos como salutares ao novo
cidadão que se queria formar.
As preocupações referentes à saúde pública implicavam também em melhorias no
saneamento básico da cidade. Cuiabá já contava com um sistema de distribuição de água,
porém não era tratada.
Em consonância aos propósitos higienistas do urbanismo, o sistema de abastecimento
de água, já existente, foi incrementado com a construção de duas obras oficiais, a Estação de
Tratamento de Água e a Estação Elevatória. “O projeto foi elaborado pela maior autoridade
do Brasil neste assunto, na época: W. A. Rein, que optou pelo tratamento de sulfato de
alumínio e cloração. [...] Cuiabá foi uma das primeiras cidades do Brasil abastecidas por
112
água tratada” (JUCÁ, 1998, p. 191). Porém, como mostra o mapa a seguir, somente a parte
correspondente ao 1° Distrito – centro da cidade e a nova área de expansão urbana,
receberam o benefício.
Imagem 11 – Mapa do abastecimento de água
Fonte: IHGMT. Publicações Avulsas. 2010, n° 73 p. 63.
Na época, já havia rede de esgoto concentrada apenas na região central –
correspondente ao 1° Distrito como se observa no mapa a seguir.
113
Imagem 12 – Mapa da rede de esgotos
Fonte: IHGMT. Publicações Avulsas. 2010, n° 73 p. 65.
A administração do interventor Júlio Müller pretendia ampliar a rede de esgoto da
cidade. Conforme nota intitulada Cuiabá e seu urbanismo, publicada em 1944:
Tudo progride em Cuiabá, sentindo-se em todos os setores de atividade de
sua gente uma verdadeira febre de desenvolvimento. A Prefeitura Municipal
não podia nem devia assistir impassível ao progresso generalizado. E ela
também compreendeu que devia participar da arrancada vitoriosa e ademais
representar o papel de mantenedora do surto de renovação material e cultural
do Estado. [...]
Estamos informados de que com o levantamento da planta cadastral da
Capital, já em andamento e com o traçado do novo sistema de esgotos, a
Prefeitura gastará a vultuosa soma de Cr$ 1.200.000,00. Mas, não são
somente essas obras da Prefeitura de Cuiabá. Outras aí estão em franca
realização, merecendo destaque todo especial o calçamento e remodelação
da Praça Dom José que, uma vez terminada será um dos mais importantes e
belos logradouros públicos de Cuiabá. (O ESTADO DE MATO GROSSO.
CUIABÁ, 27.07.1944, n. 1257, p. 1).
Como mostra a nota do jornal, Cuiabá estava se preparando para se tornar uma cidade
condizente às expectativas progressistas modernas, destinadas a abrigar uma população
urbanizada, visto que o surto de inovações materiais, segundo o jornal, viria acompanhado de
uma renovação cultural em todo o Estado.
Ações dos serviços viários foram desenvolvidas para superar antigos obstáculos que
se verificavam anteriormente à interventoria de Júlio Müller, como por exemplo, a travessia
do rio Cuiabá que, por falta de uma ponte, dificultava a comunicação da capital com o
114
interior do estado, além do desconforto do desembarque dos viajantes ao aportarem no porto,
em vista da precariedade de suas condições. A construção de uma ponte, de “cimento
armado”, ligando Cuiabá ao 3° Distrito, hoje município de Várzea Grande, foi a solução
para as dificuldades de comunicação também com as regiões interioranas do Oeste e do
Norte do Estado. O visitante, ao desembarcar no porto, se deparava agora com a visão de
uma “moderna ponte de concreto” em substituição à velha balsa pêndulo e com os
melhoramentos urbanísticos do cais fluvial, distanciando-se, portanto, da lembrança de um
lugar de chegada que tinha uma rampa mal construída e pior conservada “[que] serve de
praia para o desembarque, que é feito em ‘canoas’, sistema de embarcações acionadas a
remos por mulatos quase nus” (MATO GROSSO. O Commercio, Cuiabá, 12/01/1911, n. 46,
p. 3).
Para a inauguração da ponte a prefeitura, em seu 1° Decreto Lei de 1942, faz as
seguintes considerações:
Considerando que a população cuiabana prepara imponentes festejos para
celebrar o ato de inauguração da ponte de concreto armado sobre o rio
Cuiabá, ligando o 2° ao 3° distrito dessa Capital;
Considerando que o júbilo popular é inteiramente justificado, uma vez que a
inauguração dessa ponte constitui a concretização de antiga e acalentada
aspiração do povo de Cuiabá;
Considerando que o poder público deve sempre apoiar e compartilhar da
expressões da alegria popular, principalmente em se tratando do motivo
louvabilíssimo que ocasiona aquele contentamento proporcionando ao
mesmo tempo os meios para que todos possam se integralizar nas
manifestações de jubilo;
DECRETA
Artigo 1° - Fica declarado feriado municipal o dia 20 de janeiro do corrente
ano, marcado pela inauguração da ponte de concreto armado. (O Estado de
Mato Grosso. Cuiabá, 20/01/1942.)
115
Imagem 13 – Ponte Júlio Müller em obras – 1941
Fonte: Rosenfeld/CBM.
No feriado, uma terça-feira, a primeira página do jornal O Estado de Mato Grosso
traz em cada lado de uma fotografia da ponte, imagens do interventor e de seu secretário de
Estado, como políticos beneméritos com capacidade para criar obras comparáveis às
pirâmides do Egito. E, numa evidente demonstração de poder que se estende a população em
geral, considera que “[...] Os monumentos da estatutária e da arquitetura gritam mais alto e
falam mais eloquentemente, impondo-se ao respeito dos próprios ignorantes. Basta vê-los
para admirá-los e compreendê-los”. Diante da ausência de realização de grandes obras nos
governos do passado recente, expressa uma sutil crítica ao declarar que “[...] o govêrno que
não trabalha, que não constroe e que não edifica para a posteridade é um govêrno morto” (O
ESTADO DE MATO GROSSO, 20/01/1942, p.03).
Para o evento, a prefeitura nomeou uma “comissão promotora dos festejos de
inauguração da ponte de cimento armado” que, entre outras funções, se fazia porta-voz do
povo. Na edição da inauguração pública no O Estado de Mato Grosso um comunicado sobre
a escolha do nome do interventor para o “monumento”.
Foi por isso que o Povo utilizando-se do direito que lhe é próprio e das
prerrogativas que lhe conferem as normas democráticas, resolveu sem
nenhuma descrepancia que aponte que inaugura se desse o nome de V.
Exma., como preito de merecida homenagem e com o testemunho de sua
imorradura gratidão. (O ESTADO DE MATO GROSSO, 20.01.1942, p.03).
116
Nos dias que se seguiram, entre matérias sobre a guerra na Europa, a inauguração da
ponte ainda se fazia notícia nos jornais. Uma delas, bastante interessante, é a publicação do
discurso do Cel. José Antonio de Souza Albuquerque, antigo prefeito de Cuiabá, que, com
olhar progressista, demonstra a viabilidade do funcionamento do Matadouro Público,
“devidamente aparelhado para seu perfeito funcionamento”, instalado no 3° Distrito, às
margens do rio, que, com a ponte, poderá dinamizar a produção em vista às futuras
exportações via embarcações, colocando fim a uma prática por ele denunciada à Câmara
Municipal da Capital, ainda na sua gestão.
Continua a censurável pratica da matança do gado para consumo público,
nos quintais e cerrados dos subúrbios desta cidade ameaçando a salubridade
pública; e, ainda mais oferecendo-nos o deprimente espetáculo da condução
da carne das rezes abatidas nos matadouros improvisados para os açougues
no dorso dos cavalos magros e suarentos. (O ESTADO DE MATO
GROSSO, 22.01.2017, p.02).
A cena, narrada pelo coronel, revive a situação de barbárie que se queria apagar no
cenário da moderna Cuiabá. São essas, entre outras práticas, que deveriam se modernizar e
civilizar de maneira a combater as cenas bizarras contraditórias ao cotidiano urbano moderno
que se almejava.
As vozes dos políticos ainda permanecem enaltecedoras ao evento da ponte. Em
matéria jornalística faziam alusão aos aspectos progressistas que, a partir de então, graças à
acessibilidade promovida pela ponte, passaram a dinamizar a economia do Estado. Nos
dizeres de Manuel Miraglia, na época prefeito de Cuiabá, via a ponte como um meio para
facilitar o intercâmbio de produtos e a locomoção das pessoas, dando início a um novo ciclo
para a marcha vitoriosa em curso, realizando para o aparelhamento de Mato Grosso as outras
unidades da Federação no lugar que lhe compete.
Outro serviço público que também recebeu atenção do governo em Cuiabá foi o
fornecimento de energia que teve a rede elétrica ampliada com a aquisição de um novo
equipamento para potencializar a capacidade de produção da Usina Hidro-Elétrica do Rio da
Casca, o que possibilitou atender um maior número de residências e o funcionamento do
comércio. O conforto que a energia elétrica proporcionou, na época, estimulou o comércio de
eletrodomésticos, como aparelhos de rádio e ventiladores, conforme propagandas de lojas de
eletrodomésticos, veiculadas nos jornais da capital.
117
4.1.2 A visita de Getúlio Vargas a Cuiabá
As viagens realizadas pelo presidente Getúlio Vargas às regiões afastadas da capital
da República marcaram uma inovação aos moldes de fazer política desde os anos de 1930.
Essas viagens devem ser entendidas como um gesto de aproximação com o povo, mesmo nas
mais longínquas regiões, para que a figura do presidente pudesse se tornar uma unanimidade
nacional. A partir de 1938, as inserções ao hinterland brasileiro possuíam uma nova
significação, com a conclamação da Marcha para o Oeste, com o objetivo de incluir as
regiões interioranas na política desenvolvimentista nacional.
As intenções políticas e ideológicas de Getúlio Vargas, referidas ao programa Marcha
para o Oeste, são percebidas em seu discurso por ocasião da inauguração da Associação
Cívica Cruzada Rumo ao Oeste, no Rio de Janeiro. Conforme citado por Lopes (2002),
Vargas assim se expressou:
[…] se politicamente o Brasil é uma unidade, não o é economicamente. Sob
este aspecto assemelha‐se a um arquipélago formado por algumas ilhas,
entremeadas de espaços vazios. As ilhas já atingiram um alto grau de
desenvolvimento econômico e industrial e suas fronteiras políticas não
coincidem com as fronteiras econômicas. Continuam, entretanto, os vastos
espaços despovoados, que não atingiram o necessário clima renovador, pela
falta de densidade da população e pela ausência de toda uma série de
medidas elementares, cuja execução, figura no programa de Governo e nos
propósitos da administração, destacando‐se, dentre elas, o saneamento, a
educação e os transportes. […] Deste modo, o programa de “Rumo ao
Oeste” é o reatamento da campanha dos construtores da nacionalidade, dos
bandeirantes e dos sertanistas, com a integração dos modernos processos de
cultura. Precisamos promover essa arrancada, sob todos os aspectos e com
todos os métodos, a fim de suprimirmos os vácuos demográficos do nosso
território e fazermos com que as fronteiras econômicas coincidam com as
fronteiras políticas. (LOPES, 2002, p. 42).
Conforme se observa, a preocupação de Vargas era garantir as condições elementares
para promover o povoamento e a consequente inserção do interior às frentes capitalistas. Para
tanto, era necessário dotar essas regiões com as condições elementares, como saneamento,
educação e transporte, de maneira a criar condições não só para atrair, mas, também, para
manter a permanência dos contingentes migratórios que para o sertão se destinava.
É nesse sentido que se procura entender a emergente necessidade de modernização de
Cuiabá e a construção de Goiânia. Em particular, no caso de Cuiabá, não se pode ignorar a
necessidade que a cidade tinha de adotar elementos de capitalidade, sendo a falta desses o
alvo constante das críticas dos “mudancistas”.
118
Pode-se dizer que a visita do presidente Getúlio Vargas a Cuiabá, em 1941, foi o
episódio mais espetacular da interventoria de Júlio Müller. A estadia do Presidente da
República e sua comitiva marcou três dias de intensa euforia na cidade, no cumprimento de
uma agenda que incluía a louvação popular ao líder da Nação, desfiles escolares, marchas
militares, inaugurações, visitas oficiais, churrasco, banquetes e baile de gala. Coube à
imprensa a preparação dos ânimos da população em expressar “espontaneamente” os mais
elevados sentimentos de civilidade e de reconhecimento da grande maestria presidencial.
A tão esperada visita do Presidente Getúlio Vargas a Cuiabá iniciou no dia 06 de agosto
de 1941 e se estendeu até o dia 08. Os jornais na época, sobre a visita do presidente Vargas,
destacavam que:
O magnetismo messiânico e irresistível, de irradiante simpatia e
atraente bondade, de Getúlio Vargas atrae e envolve a todos [...] O
contentamento do povo de Cuiabá nesta recepção de toda alma e de
todo o seu coração ao grande chefe nacional [...], benemérito criador
do Estado Novo e salvador insigne do Brasil, não traduz somente a
hospitalidade cavalhareisca de uma população civilizada e culta”. (O
ESTADO DE MATO GROSSO, 06/08/1941, p. 01)
Como se observa, no fragmento da reportagem, além do destaque enaltecedor à
presença do salvador da nação em Cuiabá, destaca-se, também, a manifestação calorosa da
população ao receber o presidente numa manifestação de genuíno afeto e reconhecimento. A
espontaneidade do reconhecimento popular à figura do presidente é condição necessária para
que ao público se atribua adjetivos, como “hospitaleira, cavalhareisca, civilizada e culta” de
maneira a contrapor a ideia de que Cuiabá é um lugar atrasado com uma população
igualmente atrasada e inculta. Ao pontuar as características da população, procurava-se forjar
que as pessoas que aqui viviam já possuíam um perfil moderno e civilizado.
Ao analisar as matérias jornalísticas e os discursos proferidos pelas autoridades na
ocasião, fica evidente o esforço em demonstrar o espírito hospitaleiro e a lealdade da
população aos sentimentos patrióticos, de maneira a evidenciar a civilidade do povo cuiabano.
A movimentação na cidade e as pompas oficiais nas inaugurações das novas
edificações davam o tom necessário aos sentimentos da população de que, enfim, a cidade
ingressara nos tempos modernos. A contra cena do espetáculo ficava por conta da pessoa de
um presidente atencioso que se fazia quase parte da massa quando, em vários momentos,
rompia com o protocolo oficial e se aproximava dos populares, fato amplamente noticiado
pelos jornais, conferindo-lhe seu elevado espírito familiar e carismático.
119
Assim, como em outros lugares, o presidente desempenhou o papel de “pai do povo”
e não se furtou da tradicional cena de afagar crianças presentes nos eventos políticos. Aqui em
Cuiabá a cena foi acompanhada pela presença do interventor Júlio Müller, como mostra a
figura a seguir.
Imagem 14 – Visita do presidente Getúlio Vargas
Fonte: APMT
De tão convincente dos atos de civilidade praticados pela população cuiabana, que o
Sr. Valentim Bouças, um empresário carioca que aqui esteve na ocasião, chegando ao Rio de
Janeiro deu uma entrevista ao Correio da Manhã, que foi reproduzida na íntegra pelo O
Estado de Mato Grosso, dizendo que
Acho-me magnificamente impressionado com a visita que fiz a Cuiabá. O
raciocínio que logo nos ocorre (ilegível) o progresso que ali se desenvolve é
de que a civilização brasileira não mais vem de fora para dentro, empírica e
paradoxalmente, mas de dentro para fora. Se não fosse um pouco excessivo,
dado o entusiasmo com que senti a vida em Cuiabá, diria que agora é que o
Brasil começa a movimentar-se. Nesse caso o coração do Brasil é
precisamente aquela riquíssima zona ponto da marcha para o oeste.
[...]
120
Predomina naquela zona o pensamento construtor. O visitante que sai da
capital da República e que se encontra de momento em Mato Grosso tenha a
impressão, em plena Cuiabá, que a denominação Mato Grosso talvez não
tenha mais razão de ser, talvez já tenha perdido inteiramente o seu
verdadeiro sentido. (O ESTADO DE MATO GROSSO, 08.08. 1941, p. 4).
Diante das riquezas e do pensamento construtor, o entusiasmo do visitante revela que
o pulsar econômico brasileiro naquele momento seria então Mato Grosso, nome que, devido
às possibilidades de desenvolvimento, não lhe era mais cabível.
O presidente Getúlio Vargas desembarcou no aeroporto da capital, no findar da manhã
do dia 06 de agosto de 1941, de onde seguiu, acompanhado de um cortejo de automóveis para
a praça da República, e lá chegando, assistiu ao desfile descrito pelos jornais como grande e
imponente.
A fotografia a seguir mostra a população cuiabana tomada pela atmosfera do civismo
estadonovista. Banderolas nacionais tremulando sobre os populares sugestionados pela
suposta vitória de um Brasil unificado.
Imagem 15 – Desfile de recepção ao presidente Getúlio Vargas em 06.08.1941
Fonte: APMT
121
Exibiram-se as tropas do Exercito e da Polícia, do Tiro de Guerra e de todos os
colégios, na presença de uma incalculável massa popular (O Estado de Mato Grosso,
06.08. 1941, p. 01 a 04). Mesmo sendo um governo civil, a atmosfera reinante da ditadura de
Vargas sempre fazia alusão a referências marciais enquanto símbolos da retidão disciplinar
representada pela valoriazação de cadências conjuntas, uniformes e palavras de ordem como
marcha.
Bertolini (2000, p. 22) observa que
[...] as solenidades espetaculares tinham efeito multiplicador de sentido
não só pelos artifícios do aparelho de propaganda: também
correspondiam, em algum instante [....] as aspirações do homem
citadino, razão pela qual se acredita que o sucesso verificado em tais
eventos não deva ser atribuído exclusivamente aos exegetas patriotismo,
ou carisma pessoal de Getulio Vargas.
A vinda do presidente Getúlio Vargas a Cuiabá, segundo Póvoas (1941), teria sido a
cerimônia de instalação da Associação Cruzada Rumo a Oeste, que tinha como objetivo a
reforma espiritual e a reforma da mentalidade brasileira e, concomitante, o presidente teria em
sua agenda, entre outros compromissos, a inauguração do Quartel do 16º Batalhão de
Caçadores, marcado para as 13 horas do dia de sua chegada.
No discurso de inauguração, o presidente Getúlio Vargas destaca o esforço necessário
dos diferentes segmentos das instâncias governamentais para promover o desenvolvimento do
interior do Brasil. Ao exército, além da defesa territorial, teria importante ação civilizadora ao
levar o sentido da modernização, educação e nacionalização aos “povos de formação
recente”.
Entre nós, povo de formação recente [...] cabem as forças militares
tarefas mais amplas e multiforme. Elas não são apenas, o esteio da defesa
do solo pátrio: agem, também, como pioneiras no desbravamento e
ocupação de terra , ligadas a todas atividades construtivas, auxiliando o
desenvolvimento do pais nos setores industriais, nas comunicações, nos
transportes, nas pesquisas das riquezas naturais e seu aproveitamento
[....]. O trabalho das guarnições no interior, e principalmente nas zonas
pouco habitadas, revestiu-se, em todas as oportunidades, de cunho
educativo e civilizador [....] um quartel aqui não é apenas o alojamento
de uma força militar; e o centro de irradiação cívica, escola de
atividade, núcleo de segurança e cooperação com a administração
122
pública, participando de todas as iniciativas que dizem respeito ao
progresso local [...]. Pelas suas dependências e alojamentos passarão
[...] jovens que aprenderão viver melhor, mais conforme as regras de
higiene e hábitos salutares da disciplina. (O ESTADO DE MATO
GROSSO, 07.08.1941, p. 02).
O civismo representado pelo Brasão Nacional e a Badeira do Brasil, diante de um
edifício com arquitetura também emblemática, a fotografia a seguir mostra a presença da
Igreja Católica e o Exército Brasileiro, em um mesmo contexto que, aliados do Estado,
entrelaçando princípios e asseguram a efetivação de seus interesses na construção do Brasil
Novo.
Inauguração do Quartel do 16º Batalhão de Caçadores
Fonte: APMT
123
Entre as homenagens prestadas ao presidente, a Oração Gratulatória – Te Deum
Laudamus, proferida pelo arcebispo da capital, Dom Francisco de Aquino Corrêa, em
cerimônia realizada na antiga catedral, representou o engajamento da Igreja Católica à
ideologia do Estado Novo. Ao colocar lado a lado princípios políticos e religiosos em sua
oração, o arcebispo exaltou a aliança estabelecida entre o Estado e a igreja em cooperação a
formação do novo brasileiro.
O ponto alto da visita presidencial aconteceu na noite do dia 07, quando aconteceram
“[...] as extraordinárias manifestações ao Sr. Presidente da República nesta capital,
culminando na estupenda parada trabalhista [...] na qual cerca de 15.000 pessôas aclamaram
delirante e freneticamente o nome do chefe do governo” (O Estado de Mato Grosso,
08.08.1941, p. 1). Porém, o acontecimento não teve a gloriosa unanimidade alardeada pelo
jornal. Bertolini (2000) observa que
Na área social, a capital de Mato Grosso também vivia momentos agitados,
mesmo com todas as restrições à atuação do movimento sindical, conforme
nos deixa entrever a solicitação do Centro Operário e demais sindicatos em
operação, que reivindicavam, já no dia 27 de junho, providências ao
interventor quanto à excessiva elevação do custo de vida. Se postula que –
até que estudos mais específicos lancem luz sobre o tema – houve relação
direta entre as reivindicações operárias e a participação do expressivo
contingente de trabalhadores na parada do dia 7 de agosto [...].
(BERTOLINI, 2000, p. 135).
Na análise de Bertolini (2000), verifica-se que, apesar de ter recebido por parte da
imprensa um enfoque de consagração do afeto popular ao presidente da República, na
realidade não deixou também de ser uma manifestação política de evidente cunho de protesto
social.
Porém, o presidente, sabendo utilizar-se da estratégia oratória, agraciou o povo com a
seguinte manifestação de seu grande espírito de reconhecimento: “Metrópole heróica das
bandeiras, rica de quase dois séculos de história transformada, através dos tempos, pelo
trabalho de seus filhos, num adiantado centro de cultura, Cuiabá tem absoluto direito à
primazia política que exerce” (O Estado de Mato Grosso, 08.08.1941, p. 01).
Ao exaltar o reconhecimento da primazia política a Cuiabá, o presidente confirmava
seu apoio à permanência da capital junto aos cuiabanos, atendendo, assim, aos interesses dos
124
grupos econômicos e políticos do Norte e, por um breve momento, arrefeceu os ânimos dos
separatistas. Porém, não se deve minimizar a importância estratégica em uma política de
integração nacional em curso, a manutenção de uma capital de estado em área de expansão de
fronteiras.
A agenda social nos dias da visita presidencial foi marcada por eventos que reuniram a
elite cuiabana em momentos de deleite à companhia presidencial. Além dos banquetes
oferecidos, destacam-se os bailes em comemoração à visita de Vargas. Mülller e Rodrigues
(1994) descreveram o ambiente do baile oferecido a Getúlio Vargas que aconteceu no Palácio
Alencastro:
A granfinagem urbana se expandia nos seus ademanes e roupagem de gala
para os eventos palacianos, cujo o arremate era o baile oficial. Quer para
marcar a posse dos governadores, quer para recepcionar autoridades ou
visitantes, pessoas gradas enfim, dignas de serem recebidas com pompa. O
antigo palácio apesar de seu exterior despojado, apresentava os seus
interiores decorados com esmero. Havia até um certo luxo; espelhos enormes
de cristal, jarrões de porcelanas de Limoges, mobília estofada com bordados
estilo Goberlin, apliques prateados nas paredes e consoles de mármore de
Carrara, tapetes Persas. Misturados em doses discretas, emprestavam ao
antigo palácio uma elegância raffineé, de características parisienses.
(MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 71).
Pelo ambiente descrito por Müller e Rodrigues (1994), podemos inferir o sentido de
moderno que almejava as intenções governamentais para Cuiabá. Moderno, porém com
evidentes características conservadoras dos costumes tradicionais europeus. Portanto, a onda
modernizante, a qual Cuiabá vivenciou, não romperia com a tradição segregacionista. O
moderno que aqui chega já vem moldado em conformidade às intenções desenvolvimentistas
europeias de maneira a lhe conferir o senso civilizado e moderno.
Os eventos sociais promovidos pela elite cuiabana no Palácio Alencastro, por ser o
local da sede do governo municipal, de certa maneira, estabelecia oficialmente os ditames de
elegância e requinte para a sociedade da época, que como mostra a fotografia a seguir, sempre
relacionava a eleite sobre o comando dos símbolos e expressões de ordem e o disciplinamento
desejado pelo Estado Novo. Esses momentos do ideal social, eram amplamente divulgados
pelos jornais de maneira a refletir sobre a população em geral. Em pose “entre as mulheres”,
a fotografia referenda o carisma presidencial junto ao público feminino.
125
Imagem 17 – Baile em homenagem a Getúlio Vargas – Palácio Alencastro
Fonte: APMT
Das imagens aqui mostradas, a da página aseguinte, talvez seja a mais emblemática ao
período estudado. Nela pode se observar que, por mais intenso que seja os anseios de
modernização, esses jamais alcançarão de imediato todas as dimensões pretendidas. Sempre
haverá o tempo da transição. A cidade, como um palimpsesto (PESAVENTO, 2007), guarda
resquícios de escritas que tentaram ser apagadas pela dinâmica das ações modernizadoras na
sua pretensa intenção de deixar para o esquecimento um tempo vivido que já não mais
representa os interesses do momento presente. A cena registrada pela fotografia eternizada, a
transição na coexistência de elementos que representam dois tempos: o tempo matuto,
representado pela frágil persistência daqueles que não conseguem acompanhar a avidez de um
tempo presente, que se sabe, também transitório, que em breve será apenas mais um episódio
do interminável processo da modernidade.
126
Imagem 18 – Grande Hotel década de 1940
Fonte: Siqueira et al. (2006, p. 114)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
127
As obras realizadas em Mato Grosso integraram a política desenvolvimentista de
Getúlio Vargas, que pretendia a unificação do território nacional, na qual todas as regiões
brasileiras deveriam desempenhar uma função de acordo às suas aptidões, num esforço para
redimensionar os aspectos econômicos, políticos e culturais do Brasil, de maneira a fortalecer
a ideia de substituição de uma sociedade tradicionalmente rural, considerada atrasada, para
uma sociedade urbana moderna, de maneira a projetar para o mundo o potencial econômico
brasileiro visando atrair investimentos internacionais.
Esse redimensionamento implicava em um processo de modernização nacional o qual
tinha como objetivo o desenvolvimento econômico com a substituição da base econômica,
essencialmente agroexportadora, com a maior parte da população brasileira vivendo no
campo, para uma matriz urbana industrial como estratégia para “tirar o Brasil do atraso”.
Caberia ao Estado promover verticalmente a modernização do país de maneira a não abalar a
estrutura estabelecida e contrariar os interesses dass elite. A esse tipo modernização
acrescenta-se o adjetivo conservadora pois, intencionalmente, o Estado promoveu uma nova
funcionalidade administrativa fundamentada no pensamento racional, implementou
inovações técnicas para a máquina pública, interferiu na economia ao orientar o processo
produtivo do país de maniera a fomentar o desenvolvimento tecnológico e para a população,
estabeleceu medidas e ações educativas para formar o cidadão ideal segundo os interesses
nacionais de desenvolvimento.
Porém, naquela época, as extensões interioranas ditas vazias eram enormes, isto é,
ainda não estavam incluídas, de fato, no processo de exploração capitalista. No período do
Estado Novo a inclusão de Mato Grosso, no novo modelo econômico industrial, não se daria
pela chega da indústria e sim, pela valorização de suas características físicas, tais como a sua
extensão territorial, que favorecia a produção em larga escala de matérias primas
interpretadas, pretensamente, como uma vocação natural. Porém, para tornar sua produção
relevante a tal intento, era necessário modernizar seus setores produtivos e preparar seus
cidadãos para a vida moderna.
Considerado um estado atrasado, principalmente por sua localização geográfica, esse
pensamento era reforçado pela falta de eixos rodoviários que viabilizassem maior
comunicação com as regiões mais desenvolidas economicamente, fato que influenciou a
permanência de práticas sociais e culturais, herdadas do passado hstórico, principlamente
junto a popualação de sua capital, o que não condizia aos propósitos de modernização que se
prentendia para o momento político e econômico. Também nesse sentindo, a cidade de
128
Cuiabá, por ser a capital do estado, localizada em uma região “isolada” do centro
desenvolvido do país e, consequentemente não apresentar as condições de capitalidade
exigidas para um centro urbano sede da administração pública, protagonizava um conflito
interno no estado entre a população da porção sul e o norte do estado que, ao defender
interesses políticos e economicos, os sulistas reivindicavam a transferência da capital para a
cidade de Campo Grande, fato que contrariava as intenções integralistas do governo federal.
É na perspectiva da integração nacional e o desenvolvimento econômico do país que
toma sentido os projetos de modernização das cidades brasileiras e a inclusão de Cuiabá à
onda desenvolvimentista encampada pelo Estado Novo. Não fugindo a essa regra, também
em Cuiabá se faz presente a ação disciplinadora necessária a formação de um novo perfil de
cidadão: educado, trabalhador, ordeiro, saudável, católico, amante da pátria e da família.
Ao forjar a construção do Brasil novo, era necessário, também, reconfigurar sua gente
interiorana para tornar produtivos os espaços vazios. O regime do Estado Novo lançou mão
de todos os recursos que pudessem ter papel efetivo a esse fim. A escola, os meios de
comunicação, as artes e também, a racionalização dos espaços urbanos enquanto estratégia
para a reeducação da população.
Em Mato Grosso, a administração pública por meio da interventoria de Júlio Müller
associou esforços da esfera estadual e federal para dinamizar esse processo em Cuiabá,
pressupondo a condução da população aos princípios nacionalistas do Estado Novo, assim
como a substituição de velhos hábitos por comportamentos considerados civilizados e
modernos.
A modernização dos equipamentos da imprensa oficial, a inauguração da rádio A Voz
do Oeste e o do cinema, garantiria a difusão dos princípios ideológicos da política
estodonovista assim como também, disciplanaria a população às novas práticas culturais e
aos novos hábitos de higiene e saúde. Com esse mesmo fim, promoveu-se a ampliação da
infraestrutura da cidade como o saneamento básico, fornecimento de água tratada e coleta de
lixo, contudo, esses serviços se concentraram apenas nas áreas centrais da cidade se
estendedendo para as áreas perifériacas as ações coercitivas dos decretos estabelecidos pela
interventoria do Estado, desacompanhadas de melhoramenos dos serviços públicos.
A construção do Colégio Estadual intencionou a inclusão de Cuiabá à política
nacional de educação e a equiparação a um modelo de escola já praticado nas cidades
centrais do Brasil. As ações do governo procurava reproduzir em Cuiabá o que se
129
considerava de mais atual, na época, em termos de arquitetura e modelo de escola, a exemplo
de Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao adotar os princípios do urbanismo moderno na ampliação da avenida que, a partir
de então, passou a se denominar Getúlio Vargas, as forças governamentais de controle
passou a ter maior visibilidade da área central da cidade o que também contribuiu para a
valorização imobiliária dessa nova frente de expansão urbana que tinha como referencia para
as futuras edificações o padrão arquitetônico introduzido pela firma Coimbra Bueno com os
projetos das Obras Oficias elaborados no Rio de Janeiro.
Com a disponibilização de novos equipamentos urbanos, como centro de saúde,
teatro, cinema, central de tratamento de água, a usina de pasteurização de leite, a exemplo
do que ocorreu em Cuiabá, pretendia-se que antigos hábitos da população, considerados
como rudes, fossem substituídos por procedimentos e atitudes modernas e civilizadas. Os
hábitos incultos como o consumo de produtos in natura, água de poço, fonte ou bica, o
descuido com o corpo, não corresponderiam com os ditames de uma sociedade civilizada.
Assim, verifica-se que as ações governamentais de modernização, em Cuiabá, tinham o
propósito de incutir novos hábitos que deveriam ser incorporadas no cotidiano urbano em
consonância aos ideais modernizadores estadonovistas.
Pode-se considerar, então, que o projeto de modernização da cidade de Cuiabá,
elaborado a partir dos princípios do urbanismo moderno, foi acompanhado de intenções
educativas disciplinadoras, destinadas à formação de uma nova cultura que orientasse para
hábitos e costumes que deveriam ser assimilados pela população citadina e que expressassem
o sentido de desenvolvimento daquela admistração pública enquanto expressão do moderno e
civilizado.
As obras oficiais juntamente com as outras edificações particulares erigidas naquela
época, representam um divisor de águas que se consolidou na paisagem cuiabana que separa
a cidade rústica de um passado lento, adormecido no período colonial, para um tempo que
inaugura um processo de intermináveis tentativas de construção de uma urb moderna, em
busca de referências externas dos grandes centros, evidenciando assim, a busca de
compensação de um descompaço entre o passado histórico e as emergências estabelecidas
pelo ritmo acelerado dos avanços patrocinados pelos interesses econômicos que tão bem
representam a modernidade.
REFERÊNCIAS
130
ALENCASTRO, A. Anos Dourados dos nossos Cinemas: Antigas Salas de Projeções de
Mato Grosso. MT: Editora Secretaria do Estado de Cultura/MT, 1996.
ALMEIDA, Pedro Vieira. A arquitetura no Estado Novo: uma leitura crítica. Lisboa, PT:
Livros Horizonte, 2002.
AMEDI, N. da C.A invenção da Capital eterna: discursos sensíveis sobre a modernização de
Cuiabá no período pós-divisão do Estado de Mato Grosso (1977-1985). Dissertação (Mestrado
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Saturnino de Brito. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) Universidade de São Paulo, São
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