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Validade Interna na Pesquisa Científica em Contabilidade no Brasil
ISAC DE FREITAS BRANDÃO
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
ALLAN PINHEIRO HOLANDA
Faculdade Lourenço Filho (FLF)
ANTONIO CARLOS COELHO
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Resumo
O modelo de analise epistemológica comumente utilizado na área da pesquisa contábil é
aquele desenvolvido por Theóphilo (2004), o qual tem como base o modelo quadripolar de
Bruyne, Herman & Schoutheete (1991), que destaca polos epistemológico, teórico,
metodológico e técnico. Uma das lógicas do modelo de análise epistemológica é avaliar a
validade interna da pesquisa em ciências sociais, a qual corresponde à estruturação lógica da
pesquisa, o que ocorre quando os atributos epistemológicos e técnicos nela destacados são
congruentes e apropriados entre si. Nesse contexto, o estudo analisou a validade interna,
epistemologicamente definida por Theóphilo (2004), das pesquisas em contabilidade no
Brasil. O objeto de análise foram os 136 trabalhos publicados nos anais do X Congresso
ANPCONT, edição 2016 e empregou-se análise de conteúdo para compulsar os artigos. Os
trabalhos foram classificados quanto aos propósitos de seus objetivos (exploratório, descritivo
ou explicativo), definindo sua característica epistemológica e quanto às técnicas de tratamento
e de análise de dados empregadas (qualitativas e quantitativas). Os achados indicaram
predominância de artigos com propósitos explicativos (68% dos trabalhos) e com aplicação de
técnicas quantitativas (86% das publicações). Nas pesquisas que se utilizaram de técnicas
qualitativas o maior enfoque foi na utilização de análise documental e análise de conteúdo. Já
técnicas de análise de dependência foram as mais utilizadas nas pesquisas de caráter técnico
predominantemente quantitativo. A validade interna das pesquisas apenas foi verificada em
92% das pesquisas amostradas; assim, foi observada incongruência entre a classificação dos
objetivos declarados pelos pesquisadores e as técnicas de avaliação empregadas em parcela
diminuta da produção analisada; nestas pesquisas os autores, basicamente, apontaram
objetivos com propósitos explicativos embora tenham se apoiado em técnicas descritivas.
Palavras chave: Análise Epistemológica, Validade Interna, Polo Epistemológico, Polo
Técnico, Pesquisa em Contabilidade.
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1 INTRODUÇÃO
Os estudos epistemológicos que abordam pesquisa científica em contabilidade no Brasil
concentram-se, sobretudo, na identificação das abordagens teóricas e metodológicas
predominantes em tal produção (Coelho & Soutes; Martins, 2010; Costa & Martins, 2016;
Ribeiro Filho, Lopes, Souza & Pederneiras, 2007; Theóphilo; 2007; Theóphilo & Iudícibus,
2005).
Borba, Múrcia, Rover & Souza (2009) e Theóphilo & Iudícibus (2005), de outra parte,
destacam estudos epistemológicos que enfatizam o propósito pragmático desta mesma
pesquisa, distinguidos nos enfoques normativo e positivo, assumidos pelos pesquisadores,
dada a inflexão que se dava no sentido de que práticas contábeis sejam discutidas e modeladas
a partir de desenhos que determinem a modelagem ótima para tal prática contábil.
No enfoque positivo os pesquisadores averiguam a prática contábil efetiva desenvolvida
pelos agentes, com foco predominante no uso da informação contábil (informational
approach) e nos determinantes das escolhas contábeis.
O enfoque normativo é mais associado a pesquisas que utilizam técnicas qualitativas de
análise de dados, enquanto no enfoque positivo estão mais presentes avaliações de cunho
quantitativo nas técnicas de tratamento dos dados, segundo Mendonça Neto, Riccio & Sakata
(2009).
A evidência sobre pesquisa contábil empírica no Brasil mostra que nas últimas três
décadas a predominância dos tem se alterado, saindo de estudos normativos e qualitativos
para pesquisas positivas e quantitativas (Avelar, Boina, Ribeiro & Santos, 2015).
As pesquisas em contabilidade, estritamente no que se refere ao polo técnico, são
apontadas em Martins & Theóphilo (2009) como apoiadas em técnicas quantitativas ou
qualitativas, sendo as primeiras usuais nas pesquisas com abordagens metodológicas
empirista e positivista, nas quais são empregados na maioria das vezes modelos estatísticos de
análise.
Já as pesquisas com o segundo tipo de técnica são associadas a estudos cujo objeto é
abordado metodologicamente em matérias fenomenológicas, crítico-dialéticas e sistêmicas;
tais pesquisas também se utilizam de técnicas de apreciação do objeto construído como a
análise de conteúdo, a análise do discurso e outras formas de análise interpretativa (Andrade
& Holanda, 2007; Martins & Theóphilo, 2009; Franco, Carmo & Medeiros, 2013).
O modelo de analise epistemológica presente nos estudos citados inspira-se,
basicamente, em Bruyne, Herman & Schoutheete (1991), adaptado para a área contábil por
Theóphilo (2004), que categoriza a análise epistemológica em modelo quadripolar. Por esse
esquema metódico e reflexivo sobre a ciência, o conhecimento científico referente a objetos
sociais pode ser organizado por meio de quatro polos: o epistemológico, o teórico, o
metodológico e o técnico.
Pouca evidência foi constatada a respeito de estudos epistemológicos que destacassem
congruência entre os polos epistemológico e técnico nas pesquisas da área de contabilidade.
No polo epistemológico se representa a construção do objeto de pesquisa e, por consequência,
a definição do problema a ser investigado e dos objetivos a serem alcançados pela pesquisa na
ampliação do conhecimento científico (Theóphilo, 2004).
No polo técnico se delineiam procedimentos de coleta e apreensão de dados, sua
transformação em informações processáveis, técnicas de tratamento e interpretação destas
informações e modelos de análise e teste; em resumo, os procedimentos e métodos de
condução da pesquisa (Theóphilo, 2004).
Uma das lógicas do modelo de análise epistemológica redesenhado em Theóphilo
(2004) é avaliar a validade interna da pesquisa em ciências sociais, a qual corresponde à
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estruturação lógica da pesquisa, o que ocorre quando os polos destacados são congruentes e
adequados entre si.
Nesse contexto, se questiona acerca da existência de validade interna nas pesquisas em
contabilidade no ambiente científico brasileiro (congruência entre polo técnico e polo
epistemológico) pela confrontação entre objetivo/questão da pesquisa e técnica/procedimento
de condução do estudo. Conjectura-se sobre a adequação de processos e métodos utilizados
nas pesquisas aos objetivos e questões propostos como representação do objeto construído.
A análise da validade interna é relevante para o contexto da pesquisa científica, pois tal
validade contribui para o desenvolvimento e a consolidação do conhecimento contábil.
Ressalta-se o ineditismo do estudo, já que não se identificou pesquisa da área contábil
preocupada em analisar este tópico epistemológico.
Foram compulsados 136 artigos publicados no X Congresso da Associação Nacional de
Programas de Pós-Graduação em Contabilidade (ANPCONT), edição 2016, evento mais
representativo da pesquisa contábil no Brasil, que congrega todos os programas de pós-
graduação da área.
Os artigos foram classificados quanto aos atributos de seus objetivos (exploratório,
descritivo ou explicativo) e quanto ao tratamento e análise dos dados (quantitativo ou
qualitativo). Compararam-se, então, técnicas de tratamento e análise empregadas atributos
predominantes nos objetivos e questões.
Constatou-se que a opção por tratamento quantitativo dos dados com análise estatística
prevaleceu na amostra cotejada e que os objetivos e questões declarados atendem ao atributo
explicativo, com predominância. Os procedimentos e métodos se apresentam em
conformidade com os propósitos apontados, mostrando validade interna de forma
preponderante, consoante Theóphilo (2004).
2 REVISÃO DE LITERATURA
A identificação do problema de pesquisa e a construção do objeto de estudo delimitam o
objetivo a ser alcançado pela investigação científica. De acordo com Strydom (2013) o
propósito das pesquisas da área de ciências sociais aplicadas pode ser classificado como
exploratório, descritivo e/ou explicativo.
A pesquisa exploratória tem o propósito de gerar percepções sobre determinada
temática e desenvolver caminhos que poderão instigar estudos mais aprofundados. O
propósito exploratório vale tanto para novos fenômenos quanto para os já existentes e pode
ser utilizado para testar a viabilidade de estudo mais amplo, para desenvolver novos métodos
de análise e para postular perguntas e hipóteses mais específicas para investigações adicionais
(Marlow, 2005).
A pesquisa descritiva tem como desígnio tão somente descrever características de
determinada população ou fenômeno. Nesse sentido, busca-se a exposição da realidade com o
intuito de se obter uma visão geral da situação que está sendo analisada (Sampieri, Collado &
Lucio, 2006).
A pesquisa explicativa busca determinar relações de causalidade entre variáveis
representativas da população ou do fenômeno estudado. Procura-se inferir sobre razões e
motivos que levaram a efeitos modificadores do comportamento do fenômeno (população)
decorrentes das alterações de variáveis ou fenômenos admitidos como explicativos (Marlow,
2005).
Ressalte-se, conforme Bruyne et al. (1991), que a causalidade do estudo explicativo é
muito mais do que uma variável influenciando outra variável; é a noção de que “alguma
coisa” (acontecimento, efeito, situação, fato) aconteça sob certas condições teóricas
determinadas. Portanto, pode-se ampliar o escopo desta categoria, considerando pesquisas que
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também busquem mostrar associações, relações, semelhanças ou afinidades entre variáveis no
bojo de dada população ou fenômeno.
Cada um desses três propósitos pode ser atingido a partir de diferentes técnicas,
métodos e processos, que concebam a forma como o pesquisador encara a realidade e a busca
da solução do problema (Zanchet, Marques & Martins, 2011).
As pesquisas que utilizam o paradigma metodológico empírico-positivista normalmente
são efetuadas com tratamento quantitativo dos dados e informações, ao passo que as pesquisas
que se valem de paradigmas crítico-dialéticos fenomenológico-hermenêuticos, sistêmicos
baseiam seus procedimentos em técnicas qualitativas de tratamento dos dados (Martins &
Theóphilo, 2009). De acordo com Creswell (2010), as duas técnicas procedimentais não
podem ser tratadas como extremos opostos, pois são apenas diferentes formas de se analisar
uma mesma questão, em função da abordagem metodológica adotada.
Segundo Martins & Theóphilo (2009) a técnica quantitativa parte da apuração e da
mensuração do fenômeno que está sendo analisado em dados numéricos; esses dados são
submetidos a técnicas estatísticas e econométricas e os resultados das estimativas estatísticas
dão suporte à análise e à interpretação do fenômeno sob estudo. De acordo com Minayo &
Sanches (1993, p. 247) a pesquisa processada por via quantitativa tem como pano de fundo:
[...] trazer à luz dados, indicadores e tendências observáveis. Deve ser utilizada para
abarcar, do ponto de vista social, grandes aglomerados de dados, de conjuntos
demográficos, por exemplo, classificando-os e tornando-os inteligíveis através de
variáveis.
Já o procedimento qualitativo parte de descrições, compreensões, interpretações e
análises das informações, fatos, ocorrências e evidências que não podem ser expressas por
números. Por isso, esta técnica qualitativa pode ser entendida como investigação naturalista,
pois para se estudar fenômenos humanos e sociais nesta dimensão é indispensável que o
pesquisador entre em contato direto com o meio no qual o fenômeno está inserido para uma
abordagem científica (Martins & Theóphilo, 2009).
Para Minayo & Sanches (1993), a pesquisa de cunho qualitativo busca trabalhar com
valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões com o objetivo de se aprofundar
nos fenômenos, fatos e processos, muitas vezes complexos e particulares ou específicos, de
determinados grupos sociais mais ou menos delimitados e capazes de serem pesquisados de
forma exaustiva.
Por possuir viés subjetivo, a técnica qualitativa requer maior esforço para validação de
seus achados. Por isso é recomendável o uso da triangulação de procedimentos utilizados, ou
seja, para frutos vigorosos em pesquisas com tratamento qualitativo o pesquisador deve
utilizar várias técnicas de modo a corroborar os resultados umas das outras (Vieira, 2004;
Guion, Diehl & Mcdonald, 2011); tal robustez em técnicas quantitativas restringem-se a testes
econométricos que garantam consistência e eficiência aos achados da investigação.
Dobrovolny & Fuentes (2009) resumiram vantagens, limitações e implicações das
técnicas quantitativas e qualitativas, na forma da figura 1.
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Figura 1: Propriedades de Técnicas e Métodos em Pesquisa Científica
Quantitativa Qualitativa
Vantagens
Eficiente no relacionamento entre tempo e
montante de recursos;
Limitada interação humana;
Aplicável a grandes populações;
Anonimato na coleta de dados.
Acessibilidade a dados mais ricos: o "porquê"
e o "como";
Desenvolvimento de compreensão e
relacionamento com participantes do
fenômeno.
Limitações
Responde à pergunta da pesquisa, mas
questões substantivas ou periféricos podem
permanecer sem resposta;
Exige planejamento para ser bem-sucedida;
Precisa de amostras com muitos indivíduos.
Dificuldade na generalização dos resultados
(depende da questão, da diversidade dos
participantes, da consistência dos resultados);
Demanda de tempo (agendamento e
transcrição de entrevistas, remessa e coleta de
questionários);
Recurso intensivo.
Implicações
Percebida como impessoal e
descontextualizada;
Força de estudo parcialmente dependente
de amplitude (número de participantes); e
Maior segurança dos dados, porque
participantes não são identificados.
Cultura organizacional pode desempenhar
papel nos resultados;
Mudanças desde o momento da avaliação
podem não ser consistentes ao longo do tempo;
Avaliação identifica implicações do desejado,
mas trata com juízos de valor;
Decisão sobre o que fazer com os resultados e
como interpretá-los dentro do contexto da
situação ou da organização;
Cuidado para definir o que se precisa saber
antes de começar a pesquisa.
Fonte: Dobrovolny & Fuentes (2009, p. 12)
Apesar de diferenças existentes entre técnicas qualitativas e quantitativas, de acordo
com Minayo & Sanches (1993), pode haver situações em que dada técnica seja insuficiente
para compreender toda a realidade objeto da pesquisa. Nesse sentido, procedimentos
qualitativos e quantitativos podem ser utilizados de forma complementar. Segundo Günther
(2006) não há dicotomia qualitativa versus quantitativa; o ideal, para o autor, seria que o
pesquisador utilizasse as técnicas que se adéquem à sua questão ou objetivo de pesquisa,
independentemente de sua classificação estrita.
Segundo Garbarino & Holland (2009), por utilizarem diferentes tipos de dados existem
diversas modalidades e modelos associados às técnicas quantitativas e outras tantas
preferíveis às técnicas qualitativas. Na figura 2 se mostra resumo das principais modalidades
de técnicas quantitativas e qualitativas aplicadas à pesquisa da área contábil.
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Figura 2: Técnicas aplicáveis à Pesquisa Contábil
Técnicas Atributos / Modalidades
Painel A - Técnicas Quantitativas
Inferência Estatística Utilizam-se para descrição de amostras. Exemplos: Estatísticas Descritivas,
Testes de Normalidade, Testes de Diferenças de Média
Interdependência Baseiam-se em análise multivariada, buscado relacionamentos entre variáveis.
Exemplos: Análise de Conglomerados, Análise Fatorial, Análise de
Correspondência, Análise de Homogeneidade, Análise de Correlação
Dependência Objetivam averiguar relacionamento de influências de variáveis independentes
sobre variável dependente. Exemplos: Análise Discriminante, Análise de
Regressão, Análise de Regressão Logística, Sistemas de Equações Estruturais
Painel B - Técnicas Qualitativas
Observação Usada na busca de evidências do fenômeno a ser estudado a partir da análise
sensorial do pesquisador
Entrevista Aplicada para entender e compreender o significado que os entrevistados
atribuem às questões e situações em estudo
Análise Documental Utilizada em dados primários para dar melhor entendimento aos achados
evidenciados por outras técnicas com o objetivo de proporcionar maior
confiabilidade aos resultados encontrados através de triangulações.
Análise de Discurso Utilizada para analisar e compreender discursos no sentido de se entender o que
está sendo falado e como está sendo falado com o objetivo de se chegar ao
sentido oculto do discurso.
Análise de Conteúdo
Permite o estudo, a análise e a interpretação das comunicações de maneira
objetiva e sistemática com o objetivo de entender os significados (temática do
que está escrito) e significantes (analise lexical e dos procedimentos utilizados)
das comunicações.
Fonte: Adaptado de Bardin (2011), Fávero, Belfiori, Silva & Chan (2009), Martins & Theóphilo (2009) e
Richardson (2014)
Consoante Sampieri et al. (2006) pesquisas com propósitos exploratórios e descritivos e
que apliquem procedimentos quantitativos, são mais pertinentes a tratamentos como
inferência e interdependência, enquanto que aquelas com objetivos explicativos com
processos quantitativos são mais pertinentes a técnicas de dependência.
As ponderações qualitativas são associadas inicialmente a propósitos exploratórios e
descritivos, pois buscam entendimento sobre o fenômeno estudado. Com o desenvolvimento
do estudo o alvo pode se tornar explicativo ao se descobrirem novas motivações,
pensamentos, razões e formas de se perceber o tema sob investigação.
Nesse sentido, técnicas qualitativas podem ser pertinentes aos três propósitos
(exploratório, explicativo e descritivo). A diferença será na forma em que as informações
obtidas são utilizadas e analisadas (Sampieri et al., 2006). Análises anteriores lançaram
alguma luz sobre o assunto.
Coelho & Sousa (2007) verificaram as características das técnicas presentes nos artigos
publicados na área de contabilidade do ENANPAD entre 2001 e 2006. Entre os achados
destaca-se que a técnica qualitativa foi mais aplicada que a técnica quantitativa, com realce
para a análise de conteúdo, presente em 54% dos trabalhos compulsados, a análise não
avançou em outras confrontações sobre o tema.
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Avelar et al. (2015) analisaram as características das publicações de 17 periódicos da
área de contabilidade durante o período de 2001 a 2012. Os autores observaram que no início
do período analisado a maior parte das pesquisas apresentava uso de técnicas qualitativas de
avaliação, tendência superada pela técnica quantitativa mais recentemente. Analisando o
período completo percebeu-se que a avaliação qualitativa ainda é mais utilizada nas pesquisas
da área de contabilidade, independente de quaisquer outras considerações epistemológicas.
Costa & Martins (2016) avaliaram as características dos artigos publicados na Revista
Contabilidade & Finanças entre os anos de 2014 e 2015. Os autores apontaram que
aproximadamente 91% dos artigos utilizaram avaliação quantitativa. As técnicas mais
aproveitadas foram estatísticas descritivas, testes não paramétricos, teste qui-quadrado,
análise de correlação, análise de variância, análise de regressão e análise de correspondência.
Os autores ainda inferiram que os outputs provenientes de técnicas de avaliação
quantitativa foram utilizados como resposta singular, caracterizando abordagem puramente
empírica. Ou seja, tentou-se explicar fenômenos apenas com os resultados dos testes
estatísticas, sem que houvesse contraponto com o referencial teórico das pesquisas.
3 DESENHO DA PESQUISA
A unidade de análise foi o X Congresso ANPCONT, edição 2016, que engloba 136
artigos publicados em cinco áreas temáticas: Mercado Financeiro, de Crédito e de Capitais
(24), Educação e Pesquisa em Contabilidade (22), Controladoria e Contabilidade Gerencial
(26), Contabilidade para Usuários Externos (48) e Contabilidade Aplicada ao Setor Público e
ao Terceiro Setor (16). Destes 136 artigos, foi excluído da análise um trabalho tratando de
caso de ensino, sem enquadramento no escopo da investigação.
A análise dos dados foi realizada a partir da técnica de análise de conteúdo, mais
especificamente pela modalidade de análise da enunciação, a qual consiste em considerar a
comunicação examinada tanto pelos elementos constituintes quanto pelas proposições e
enunciados contidos no texto, segundo Bardin (2011).
Nas 135 pesquisas foram identificados os objetivos de pesquisa expressos, em seguida
classificados nos propósitos, tipificados por Strydom (2013), exploratório, descritivo e
explicativo como componentes do polo epistemológico. Foram considerados exploratórias as
pesquisas em que declarou discutir fenômenos pouco abordados na literatura, sem o intuito de
descrevê-los ou explicá-los.
Os estudos cujo propósito declarado foi de apresentar características do fenômeno
objeto de pesquisa foram classificados como descritivos. Já as declarações de que se
buscavam identificar relações de causalidade, como proposto por Bruyne et al. (1991),
classificaram o artigo como explicativos.
As técnicas de tratamento e análise de dados, suas modalidades e o tipo de amostra
utilizada foram identificadas e catalogadas, seja por enunciação, seja por expressa referência,
aplicando-se os seguintes parâmetros, na forma proposta por Creswell (2010):
Quando se utilizou de amostragem e o problema de pesquisa foi respondido
unicamente através da análise estatística foram classificados como quantitativos.
Nos casos em que não se observou a preocupação com generalização dos achados,
e em que o problema de pesquisa foi tratado predominantemente por meio de
técnicas interpretativas, foram classificados como qualitativos.
Ressalte-se que foram analisadas apenas as técnicas de avaliação, por meio das quais os
dados previamente coletados foram analisados com o intuito de atingir os objetivos propostos.
As técnicas de coleta de dados, que também compõem o polo técnico segundo a classificação
de Bruyne et al. (1991) não fizeram parte do escopo desta pesquisa.
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Em seguida, confrontaram-se as técnicas de tratamento e análise dos dados intuídas aos
objetivos explicitados. A decisão sobre a adequação de técnicas qualitativas aos propósitos da
pesquisa foi tomada por meio da identificação da profundidade com que as técnicas foram
aplicadas e se houve triangulação. Técnicas qualitativas com objetivos explicativos, por
exemplo, requerem análise mais profunda do objeto do que em estudos exploratórios e
descritivos, preferencialmente com o uso de triangulações (Sampieri et al., 2006; Vieira,
2004).
As técnicas de avaliação quantitativas foram classificadas em de acordo com sua
finalidade: inferência, interdependência e dependência (Fávero et al., 2009). A adequação aos
objetivos propostos foi decidida apenas em função do tipo de técnicas quantitativas utilizadas.
Enquanto técnicas de inferência e interdependência são mais adequadas para estudos
descritivos, as técnicas de dependência são mais adequadas para estudos explicativos
(Sampieri et al., 2006).
Também se analisou a adequação das técnicas quantitativas empregadas à natureza dos
dados. Variáveis não métricas, cuja escala de mensuração pode ser ordinal ou nominal, devem
ser tratadas por técnicas estatísticas específicas, diferentemente das técnicas empregadas em
variáveis métricas, cuja escala pode ser intervalar ou de razão (Fávero et al., 2009).
4 ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA
4. 1 Perfil dos Polos Epistemológico versus Técnico
O perfil da confrontação em termos de objetivos declarados e técnicas de tratamento e
análise de dados é apresentado na tabela 1; em termos de artigos relativos ao tema Mercados
financeiro, de crédito e de capitais nota-se que os pesquisadores se preocupam basicamente
em explicar relações causais (87,5%) e em sua totalidade aplicaram técnicas quantitativas no
fazer a pesquisa.
O tema Educação e pesquisa em Contabilidade é tratado de forma mais dispersa, seja
em termos de objetivos da pesquisa, seja no tratamento técnico do estudo; contudo, há
predominância também dos propósitos explicar e descrever, que chegam a cerca de 90% dos
estudos, mas apenas em 70% se aplicam técnicas quantitativas.
Sobre o tema Controladoria e contabilidade gerencial também se ressalta o caráter
explicativo/descritivo da totalidade das pesquisas, também com forte teor de tratamento
quantitativo na condução das pesquisas; no tema Contabilidade aplicada ao setor público e ao
terceiro setor permanece a tendência das demais temáticas com técnicas quantitativas e
objetivos de descrição e explicação de fenômenos.
O assunto referente a Contabilidade para usuários externos consolida a ideia manifesta
de pesquisadores em buscar explicar os fenômenos contábeis brasileiros, consolidando o
enfoque positivista em vigor e fortemente baseado em técnicas quantitativas (93,8%
concentram-se em tais técnicas).
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Tabela 1: Confrontação dos polos epistemológico e técnico
Temática Propósito
Tratamento e análise de dados Total
Qualitativa Quantitativa
N % N % N %
Mercado financeiro,
de crédito e de capitais
Descrever 0 0,0 3 12,5 3 12,5
Explicar 0 0,0 21 87,5 21 87,5
Total 0 0,0 24 100,0 24 100,0
Educação e pesquisa
em Contabilidade
Explorar 2 9,1 0 0,0 2 9,1
Descrever 2 9,1 11 50,0 13 59,1
Explicar 2 9,1 4 18,2 6 27,3
Descrever e explicar 1 4,5 0 0,0 1 4,5
Total 7 31,8 15 68,2 22 100,0
Controladoria e
Contabilidade
gerencial
Descrever 3 11,5 8 30,8 11 42,3
Explicar 1 7,7 13 46,2 14 53,8
Descrever e explicar 1 3,8 0 0,0 1 3,8
Total 5 23,1 21 76,9 26 100,0
Contabilidade aplicada
ao setor público e ao
terceiro setor
Explorar 1 6,3 0 0,0 1 6,3
Descrever 2 12,5 3 18,8 5 31,3
Explicar 0 0,0 8 50,0 8 50,0
Descrever e explicar 1 6,3 1 6,3 2 12,5
Total 4 25,0 12 75,0 16 100,0
Contabilidade para
usuários externos
Descrever 2 4,2 7 14,6 9 18,8
Explicar 1 2,1 37 77,1 38 79,2
Descrever e explicar 0 0,0 1 2,1 1 2,1
Total 3 6,3 45 93,8 48 100,0
Todos os artigos do
congresso
Explorar 3 2,2 0 0,0 3 2,2
Descrever 9 6,6 32 23,5 41 30,1
Explicar 4 2,9 83 61,0 87 64,0
Descrever e explicar 3 2,2 2 1,5 5 3,7
Total 19 14,0 117 86,0 136 100,0
Com relação ao propósito do conjunto das pesquisas, confirma-se o de explicar,
entendido neste estudo como a busca por fatores que determinam ou influenciam o objeto de
estudo. As pesquisas explicativas são predominantes em quatro das cinco áreas temáticas do
evento. A exceção é a área de Educação e pesquisa em Contabilidade, em que metade das
pesquisas são descritivas. No geral, as pesquisas descritivas representam aproximadamente
30% do conjunto das pesquisas.
Ainda há cinco trabalhos cujo objetivo envolve caracterizar o objeto de estudo e buscar
fatores que o influenciam, e três pesquisas classificadas como exploratórias. O pequeno
número de estudos exploratórios indica que a pesquisa em contabilidade no Brasil está mais
voltada para o confronto das teorias existentes com os fenômenos (pesquisa teórico-empírica)
ou à pura descrição destes (pesquisa empírica).
Das três pesquisas classificadas como exploratórias, duas são ensaios teóricos da área
temática de “Educação e pesquisa em Contabilidade”, construídos a partir de reflexão sobre
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revisão de literatura. O outro estudo exploratório consiste na proposição de modelo e na
descrição de sua aplicação a um caso concreto, na área temática “Contabilidade aplicada ao
setor público e ao terceiro setor”, com enfoque normativo óbvio.
Quanto às técnicas de condução da pesquisa, se qualitativa ou quantitativa, constata-se
predominância da técnica quantitativa em todas as áreas temáticas. Este achado corrobora
resultados de estudos anteriores, que indicam uma inversão da aplicação do polo técnico na
pesquisa em Contabilidade no Brasil nos últimos anos, migrando de enfoque qualitativo para
o enfoque quantitativo (Avelar et al., 2015; Coelho & Sousa, 2007; Costa & Martins, 2016).
Observou-se em alguns trabalhos a indicação da expressão “tipologia qualiquanti”, ou
“quantiquali”, com o argumento de que a pesquisa utilizava técnicas qualitativas e
qualitativas de coleta e interpretação de dados, por exemplo, com coleta efetuada por análise
de conteúdo e interpretação realizada por meio de testes de hipóteses entre as características
encontradas.
Entretanto, tais expressões não se justificam, a nosso juízo, pois a avaliação se refere à
análise e interpretação dos dados, e não à natureza destes. Explique-se, não existem dados
qualitativos, mas análises sob perspectiva quantitativa ou qualitativa. Neste sentido,
considerou-se para fins de análise as técnicas de avaliação empregadas para análise e
interpretação dos dados, que foram classificadas em qualitativas e quantitativas.
A análise conjunta dos propósitos e das formas de avaliação dos trabalhos indica que a
avaliação qualitativa é utilizada associada a pesquisas de caráter exploratório, ao passo que a
avaliação quantitativa é mais presente em pesquisas descritivas e explicativas. A utilização de
técnicas de avaliação quantitativas, que pressupõem pesquisa empírica ou teórico-empírica,
não é adequada para estudos exploratórios, devido à literatura escassa ou inexistente que
sustente achados derivados de testes estatísticos.
4.2 Técnicas Qualitativas
Processos e procedimentos qualitativos foram identificados em 19 artigos. Na tabela 2
são descritas as modalidades de análise de dados ali aplicadas.
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Tabela 2: Técnicas de avaliação qualitativa
Painel A
Técnicas Frequência de Utilização % de Presença em Artigos
Análise documental 7 36,8
Análise de conteúdo 6 31,6
Entrevista 4 21,1
Análise bibliográfica 3 15,8
Análise de discurso 2 10,5
Observação 2 10,5
Total de Técnicas Utilizadas 24 -
Painel B
Técnicas Número de Artigos % de Presença em Artigos
Análise documental 4 21,1
Análise de conteúdo 4 21,1
Entrevista 3 15,8
Análise bibliográfica 2 10,5
Análise de discurso 1 5,3
Análise bibliográfica / Análise documental 1 5,3
Análise de conteúdo / Análise documental 1 5,3
Análise de conteúdo / Observação 1 5,3
Análise de discurso / Análise documental /
Observação 1 5,3
Análise documental / Entrevista 1 5,3
Total de Artigos 19 100,0
A análise documental foi a modalidade mais empregada dentre as técnicas qualitativas;
foi empregada de forma exclusiva em quatro pesquisas, embora haja recomendação para que
achados decorrentes de pesquisa qualitativa sejam triangulados com outras técnicas (Vieira,
2004; Guion et al., 2011). Contudo, não se identificou perda de significado pelo uso particular
da análise documental, uma vez que os propósitos eram descritivos, e os documentos foram
utilizados pelos autores para caracterizar os fenômenos do objeto de estudo. Em outras três
pesquisas empregou-se a análise documental em conjunto com outras técnicas de avaliação.
A análise de conteúdo foi classificada como técnica de avaliação em seis trabalhos, nos
quais, efetivamente, os outputs da análise de conteúdo foram analisados de forma qualitativa.
A forma de apresentação dos dados normalmente se deu em quadros e tabelas nos quais se
buscou sintetizar os achados da análise de conteúdo.
A entrevista foi aplicada como técnica de avaliação em quatro pesquisas.
Diferentemente da realização de entrevistas apenas como instrumento de coleta de dados,
nestes trabalhos os pesquisadores buscaram compreender o sentido que os entrevistados
davam aos fenômenos (Gil, Stewart, Treasure & Chadwick, 2008; Martins & Theóphilo,
2009).
Em um dos trabalhos, a triangulação com a análise documental permitiu que fosse
atingido o propósito explicativo. Outros dois trabalhos com propósitos explicativos utilizaram
apenas a entrevista como técnica de avaliação. Nestas duas pesquisas, além de não ter sido
verificada maior profundidade na entrevista, os autores limitaram-se a resumir as falas dos
entrevistados e apresenta checklists descritivos. O terceiro trabalho que utilizou a entrevista
12
como única técnica de avaliação tinha propósito descritivo, o que se adequou ao objetivo da
pesquisa.
A revisão da literatura sobre o tema do trabalho, aqui denominada de análise
bibliográfica, embora seja ponto comum a (quase) toda produção científica, foi utilizada nas
três pesquisas exploratórias como unidade de análise, dada a característica deste tipo de
estudo. Nos dois ensaios teóricos, a análise de conceitos pertinentes ao tema abordado foi a
única argumentação dos autores. Na outra pesquisa exploratória, os autores utilizaram a
literatura para sustentar o modelo proposto no trabalho, mas também simularam a aplicação
do modelo em uma empresa real (análise documental).
Apenas em dois trabalhos foi utilizada a análise de discurso como técnica de avaliação.
Em ambos os trabalhos os autores fizeram a gravação e a transcrição de entrevistas com a
finalidade de compreender o sentido da fala dos entrevistados. Em um destes artigos,
entretanto, observou-se que os autores se limitaram a identificar nas entrevistas as
características do fenômeno objeto de estudo, quando o propósito expresso do trabalho era
explicativo, de entender as causas do fenômeno. O outro trabalho que relata a utilização de
análise de discurso também tinha propósito explicativo, mas investigou com mais
profundidade os discursos dos entrevistados e utilizou-se de triangulação com outras técnicas
para a validade dos achados- análise documental e observação.
A observação foi utilizada em apenas dois trabalhos, e como técnica complementar a
outras técnicas principais. Em um dos casos a autora relata observação participante, e no outro
trabalho os autores realizaram observação não participante.
4.3 Técnicas Quantitativas
Processos e procedimentos quantitativos foram identificados, conforme mostrado na
tabela 3, em 117 trabalhos nos quais se utilizaram técnicas de avaliação quantitativa, os quais
foram classificados - painel B - quanto ao tipo de técnica utilizada; no painel A se listam o
total de técnicas de inferência, interdependência e dependência utilizadas nos 117 artigos que
utilizaram técnicas quantitativas, que somaram 155, valendo dizer que algumas pesquisas se
utilizaram de mais de uma técnica em sua elaboração e desenvolvimento.
Tabela 3: Técnicas de avaliação quantitativa
Painel A
Técnicas Frequência de Utilização % de Presença em Artigos
Inferência 45 38,46
Interdependência 26 22,22
Dependência 84 71,79
Total de Técnicas Utilizadas 155
Painel B
Técnicas Número de Artigos %
Inferência 21 17,9
Inferência / Interdependência 7 6,0
Inferência / Dependência 16 13,7
Inferência / Interdependência / Dependência 1 0,9
Interdependência 7 6,0
Interdependência / Dependência 5 4,3
Dependência 60 51,3
Total de Artigos 117 100,0
13
Em 84 trabalhos os dados foram analisados por técnicas de dependência, as mais usuais
na amostra. Os trabalhos nos quais foram empregadas técnicas de interdependência
representaram apenas 22,22% do total de trabalhos com avaliação quantitativa, redundando na
constatação de que a maioria dos trabalhos usam técnicas mais sofisticadas.
Observou-se apenas em um trabalho a utilização conjunta de técnicas estatísticas de
inferência, interdependência e dependência. No geral, notou-se o emprego de vigorosa
variedade de técnicas e modelagens, para se adequar aos dados e aos propósitos da pesquisa.
Em 48 trabalhos, ficou patente que os pesquisadores confirmaram os achados, efetuando
matching com mais de uma modalidade estatística, no sentido de dar maior robustez
econométrica no apoio às conclusões.
Na Tabela 4 estão relacionadas as modalidades identificadas nas pesquisas, classificadas
segundo a sua finalidade, a partir das técnicas de inferência, interdependência e dependência.
Ressalte-se que em 48 pesquisas foram utilizadas mais de uma modalidade estatística para
análise dos dados.
Tabela 4: Modalidades de avaliação quantitativa
Técnicas Modalidades Frequência de Utilização % de Presença em
Artigos
Inferência
Estatística descritiva 29 24,8
Teste de hipóteses paramétricos 11 9,4
Teste de hipóteses não paramétricos 17 14,5
Análise da variância 1 0,9
Interdependência
Análise de correspondência 3 2,6
Análise de correlação 6 5,1
Análise de conglomerados 4 3,4
Análise fatorial 11 9,4
Análise de homogeneidade 1 0,9
Análise envoltória de dados 1 0,9
Dependência
Regressão linear simples 3 2,6
Regressão linear múltipla 36 30,8
Regressão Logística 10 8,5
Modelo de equações estruturais 8 6,8
Regressão com dados em painel 28 23,9
Teste de causalidade de Granger 1 0,9
Regressão PROBIT 2 1,7
Teste de Sobel 1 0,9
Total de Modalidades Utilizadas 173 -
Técnicas de inferência almejam descrever as características de uma população a partir
de uma única variável. Estatística descritiva (medidas de frequência, de tendência central e de
variabilidade) foi a modalidade de inferência mais utilizada, sendo a única forma de análise
em 12 artigos. Tal modalidade também se insere em pesquisas bibliométricas, com técnicas
qualitativas de coleta de dados e análise feita por meio de estatística descritiva; uma pesquisa
utilizou entropia da informação, que mede a importância da informação com base na sua
variabilidade (Santos, Rocha & Hein, 2014).
14
Os testes de igualdade de médias e de análise da variância sejam paramétricos ou não
paramétricos foram bastante utilizados, geralmente sendo processados em conjunto com
outras técnicas estatísticas. O pressuposto da normalidade da distribuição para utilização de
modalidades paramétricas (FÁVERO et al., 2009), entretanto, foi pouco mencionado, não
sendo possível verificar se testes paramétricos foram adequados aos dados.
As técnicas de interdependência, que identificam associações ou correlações entre
variáveis (FÁVERO et al., 2009), foram as menos utilizadas. Dentre estas, correlação foi
utilizada em seis trabalhos, sendo que em dois foi utilizado o coeficiente de Spearman, para
dados não paramétricos; o coeficiente de Pearson, foi utilizado nos demais; também não se
identificaram testes de normalidade da amostra que possibilitassem a avaliação da adequação
do índice de correlação usado.
Análise de correspondência e análise de homogeneidade, úteis para identificar grupos
homogêneos em relação a variáveis categóricas, foram aproveitadas em quatro trabalhos. Para
variáveis métricas, a técnica mais adequada é a análise de conglomerados, que foi utilizada
em outras quatro pesquisas.
Análise envoltória de dados e análise fatorial, úteis para identificar correlação entre
variáveis métricas, seja para a redução do número destas variáveis, seja para identificar
fatores latentes às variáveis originais, também estiveram presentes nas pesquisas, com análise
fatorial sendo empregada como modalidade de avaliação secundária, buscando obter novas
formulações das variáveis originais, a serem analisadas por outras modalidades estatísticas,
como nas pesquisas em que se empregaram sistemas de equações estruturais.
Técnicas de dependência verificam existência de relações de influência entre duas ou
mais variáveis e foram as que mais prevaleceram na amostra. Dentre as 39 pesquisas que com
análise por regressão linear, simples ou múltipla, 11 utilizaram modelagens alternativas aos
mínimos quadrados ordinários (MQO), no intuito de mitigar efeitos do não atendimento de
pressupostos desta modelagem. Citam-se, como exemplo, regressão quantílica, modelagem de
mínimos quadrados generalizados e correção da variância dos resíduos na modelagem MQO.
A utilização de modelagens alternativas demonstra preocupação dos pesquisadores em
aumentar a validade dos resultados, uma vez que a não observância dos pressupostos da
análise de regressão pode gerar estimativas enviesadas (Cunha & Coelho, 2012). Destaca-se
que poucos pesquisadores relatam o processamento de testes de adequação dos dados aos
pressupostos da análise de regressão.
Outra forma utilizada nas pesquisas para aumentar validade dos resultados foi a
estimação de coeficientes com dados em painel. Na maior parte dos trabalhos em que se
utilizaram tais técnicas, foram processados testes para indicar a modelagem mais adequada os
dados cross-section: efeitos fixos, efeitos aleatórios ou pooled (FÁVERO et al., 2009). A
exceção foram dois trabalhos em que se empregaram técnicas alternativas: Feasible
Generalized Least Squares e Generalized Equations Estimating.
Sistemas de equações estruturais, processados para verificar dependência /
interdependência entre duas ou mais variáveis latentes identificadas por meio de análise
fatorial, foram modelados por mínimos quadrados parciais. Dois outros trabalhos empregaram
sistemas de equação com modelagem por mínimos quadrados em dois estágios, computados
para fins de apresentação dos dados como técnicas de análise de regressão linear múltipla.
Quando a variável dependente no modelo de regressão era variável categórica, as
modalidades de estimação foram regressões PROBIT e LOGIT. Nenhuma pesquisa utilizou
análise discriminante, outra técnica recomendada para identificar relações com variável
dependente daquele tipo.
Em duas pesquisas foram processados testes de dependência adicionais à análise de
regressão: teste de Granger, para causalidade de séries temporais; e teste de Sobel, para
significância de coeficientes de variáveis mediadoras em sistemas de equações.
15
Outro ponto importante identificado diz respeito à amostragem. Destes 117 trabalhos
em análise apenas um explicita que a amostragem foi probabilística, embora se tenha como
princípio que se o propósito da pesquisa inclui generalização do comportamento para a
população, deve-se observar a aleatoriedade na escolha dos indivíduos amostrados, quando se
põem testes estatísticos.
Nas demais pesquisas, seis se posicionam como censo, e 110 se constituíram em
amostragem não probabilística, ou seja, por conveniência. A dificuldade de obtenção de dados
em levantamentos e análise documental de empresas é uma das principais causas da opção
dos autores da área de Contabilidade pela amostragem não probabilística. Também não foi
encontrada nos trabalhos menção à determinação estatística do tamanho da amostra.
4.4 Validade interna das pesquisas
Na tabela 5 está sumarizada a apreciação crítica da adequação das técnicas de avaliação
de dados aos propósitos declarados, ou seja, da validade interna das pesquisas.
Apenas em 8% das pesquisas foi observada incongruência entre a classificação dos
objetivos declarados pelos pesquisadores e as técnicas de avaliação empregadas. Neste
sentido, o conjunto das pesquisas apresenta-se, majoritariamente com a validade interna
requerida epistemologicamente.
O polo epistemológico e o polo técnico são consistentes no conjunto da amostra,
valendo dizer que os resultados e as inferências podem ser aceitos pela comunidade científica,
consoante estabelecido em Theóphilo (2004); a propriedade entre propósito de pesquisa e
forma de se atingir tal propósito atende aos parâmetros conceituais para os 92% dos artigos
examinados.
Tabela 5: Validade interna das pesquisas
Propósito da pesquisa
Técnica de avaliação de dados
Qualitativa Quantitativa Total
Adequada Não adequada Adequada Não adequada Adequada Não adequada
Explorar 3 0 0 0 3 0
Descrever 9 0 32 0 41 0
Explicar 1 3 77 6 78 9
Descrever e explicar 2 1 1 1 3 2
Total 15 4 110 7 125 11
As quatro pesquisas nas quais não se realizaram análises qualitativas apropriadas aos
objetivos tipificados têm dois pontos em comum; apresentavam propósitos explicativos, o que
pressupõe maior imersão nos dados; e utilizaram apenas uma técnica de avaliação, sem
atentar para triangulações com outros enfoques, de forma a garantir confiabilidade nos
achados.
A falta de triangulação de análise, com emprego de interpretação, julgamento e
subjetiva observação do pesquisador pode levar a inferências enviesadas, principalmente
quando o propósito vai além da descrição do fenômeno. As modalidades únicas nas quatro
pesquisas foram a análise do discurso, a entrevista (2 artigos) e a análise de conteúdo.
Na avaliação quantitativa, a impropriedade, detectada em sete pesquisas, decorreu da
incongruência entre a modalidade empregada e o propósito dos objetivos propostos. Enquanto
o objeto da pesquisa se referia a explicar, serviram-se de técnicas de inferência e/ou de
interdependência, incipientes para estabelecer relações de dependência entre variáveis.
16
As modalidades nestas pesquisas destacaram estatísticas descritivas, testes de igualdade
de média (paramétricos e não paramétricos), análise da variância, análise de correspondência,
análise de homogeneidade e análise fatorial.
5 CONCLUSÕES
Muito além da discussão sobre o caráter qualitativo versus quantitativo, a análise
epistemológica de técnicas de avaliação empregadas na produção científica carece examinar-
se sua adequação às modalidades de análise e aos propósitos da pesquisa.
Os achados desta investigação revelam que existe predominância no uso de técnicas
quantitativas na pesquisa contábil no Brasil e se direcionam de forma majoritária a verificar
relações de dependência entre fenômenos, mostrando, portanto, propósitos explicativos.
Modalidades qualitativas de análise, outrora predominantes, estão presentes em 14%
dos artigos. Do ponto de vista dos propósitos, pesquisas de natureza exploratória somaram
apenas 2% do total amostrado, o que pode indicar avanço incipiente da pesquisa teórica e
analítica no Brasil.
A dificuldade de acesso a dados que permitam maior profundidade nas pesquisas e a
influência da corrente predominante na área de Contabilidade e Finanças em outros países
podem ser fatores explicativos da maior concentração de pesquisas quantitativas.
No que tange às técnicas de avaliação detectadas, a avaliação qualitativa se mostrou
superficial, muitas vezes resumida à descrição de entrevistas e documentos. Já a avaliação
quantitativa, fartamente aplicada, emprega técnicas na sua maioria apropriadas aos propósitos
do trabalho e à natureza dos dados, mas negligencia cuidados com amostragem, não
permitindo generalização dos resultados por falta de representatividade quanto à população.
A análise empreendida teve escopo reduzido, tanto na definição dos textos analisados
(X Congresso ANPCONT) quanto na abrangência e profundidade da análise das técnicas.
Futuros estudos podem analisar periódicos e outros congressos da área de Contabilidade, além
de avaliar outros aspectos da validade interna, como as técnicas de coleta de dados, a
operacionalização dos construtos e a adequação das técnicas de avaliação à literatura existente
sobre o tema da pesquisa.
Ressalte-se que a adequação da técnica estatística aos objetivos da pesquisa, com vistas
a aumentar a validade interna da pesquisa, envolve outras questões não abordadas neste
estudo. Como já dito, a não observação de pressupostos subjacentes às técnicas estatísticas
pode enviesar os achados. Para que se realizasse tal análise seria necessário acesso aos bancos
de dados utilizados em todas as pesquisas.
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