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Sessão temática Cidade - 316 DRAMATURGIA URBANA E AFETIVIDADE: O CASO DA PRAÇA DA ALFÂNDEGA E DOS EDIFÍCIOS DA DELEGACIA FISCAL E CORREIOS E TELÉGRAFOS Francielle Kubaski* Resumo: A presente pesquisa é um piloto desenvolvido por meio de entrevistas de cunho qualitativo, realizado na Praça da Alfândega de Porto Alegre. A praça se consolidou ao longo dos anos como uma das mais importantes centralidades não apenas na historia da cidade, mas também na história das pessoas, ocupando um espaço importante no imaginário coletivo. Isto se deve não apenas por uma diversidade comercial e social associados a um paisagismo afrancesado, mas, sobretudo, pelas memórias afetivas e os aspectos nostálgicos que a constituem não apenas de forma espiritual, mas de forma concreta por meio de elementos arquitetônicos como os edifícios dos museus: MARGS e o Memorial do RS que colaboram na criação de uma organização cenográfica emoldurando e exaltando a conexão da praça com o antigo porto da cidade. Palavras Chave: Ecletismo, afetividade, dramaturgia, imaginário coletivo

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Sessão temática Cidade - 316

DRAMATURGIA URBANA E AFETIVIDADE:

O CASO DA PRAÇA DA ALFÂNDEGA E DOS EDIFÍCIOS DA

DELEGACIA FISCAL E CORREIOS E TELÉGRAFOS

Francielle Kubaski*

Resumo:

A presente pesquisa é um piloto desenvolvido por meio de entrevistas de cunho

qualitativo, realizado na Praça da Alfândega de Porto Alegre. A praça se consolidou ao

longo dos anos como uma das mais importantes centralidades não apenas na historia da

cidade, mas também na história das pessoas, ocupando um espaço importante no

imaginário coletivo. Isto se deve não apenas por uma diversidade comercial e social

associados a um paisagismo afrancesado, mas, sobretudo, pelas memórias afetivas e os

aspectos nostálgicos que a constituem não apenas de forma espiritual, mas de forma

concreta por meio de elementos arquitetônicos como os edifícios dos museus: MARGS

e o Memorial do RS que colaboram na criação de uma organização cenográfica

emoldurando e exaltando a conexão da praça com o antigo porto da cidade.

Palavras Chave: Ecletismo, afetividade, dramaturgia, imaginário coletivo

Sessão temática Cidade - 317

Introdução

Uma das maiores riquezas do centro de Porto Alegre esta contida na vitalidade

gerada pelo movimento constante e intenso de pessoas se deslocando entre as diferentes

ladeiras históricas da cidade. Cruzando pelas diversas relíquias que muitas vezes

desconhecem, mas apreciam pelo valor histórico implícito que conferem as ruas uma

atmosfera quase sagrada marcada pelos diferentes períodos de transformação da

arquitetura de Porto Alegre. Relíquias nas quais os passantes muitas vezes recriam

memórias que nunca vivenciaram, mas que reconhecem como suas, isto é, como parte

da sua própria história ao mesmo tempo em que se reconhecem como parte da cidade.

Este aspecto de orgulho e afetividade gerada pelo centro como um todo nas

diferentes pessoas, em especial aquelas que possuem mais tempo de convívio com o

espaço, é ainda mais marcante em relação àqueles elementos morfológicos manifestos

de infraestrutura urbana que congregam pessoas. (CASTELLO, 1997, p.527) Dentre

eles um dos mais importantes para Porto Alegre é a Praça da Alfândega, se

caracterizando por ser assumidamente um lugar na cidade.

A palavra "lugar" pode ser interpretada de diferentes formas, para este trabalho,

é entendido como um espaço dotado de urbanidade, isto é um espaço possui qualidades

que propiciam experiências existenciais e comunicação/intercâmbio entre pessoa e

espaço público (CASTELLO, 2007). Qualidades estas que atraem as pessoas e que

através das suas formas de ocupação criam uma identidade única para um espaço. É

como a essência que um espaço emana, sendo por tanto uma condição inerente a ele e

que é apropriado pelo corpo humano se mostrando com um caráter mais ou menos

gentil/hospitaleiro (AGUIAR, 2006).

Segundo Hiller (1983, p.49) a definição do caráter assim como a apropriação

pelas pessoas está diretamente relacionada com a forma de constituição e articulação do

lugar, e o seu sucesso é medido em termos de vitalidade, isto é, em quantidade de

pessoas que são acumuladas no espaço.

Depreende-se até aqui que lugar e urbanidade, são dois conceitos diretamente

relacionados com a forma de sentir um espaço. As sensações podem ser geradas a partir

do simples contato visual, no entanto se intensificam quando há a imersão da pessoa no

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meio. Estas sensações se manifestam em forma de afeto, um conceito que é definido

como algo que engloba a emoção (felicidade, tristeza, curiosidade, medo e etc.) e as

sensações obtidas a partir dos sentidos (IZARD, apud ULRICH, 1985, p.30).

A partir do da criação do sentimento de afeto a pessoa é capaz de atribuir um

juízo de valor; expressar uma preferência subjetiva que pode ser traduzida em "gostar

ou não gostar", isto é, em uma resposta estética positiva, negativa ou mesmo uma

posição neutra. (ULRICH, 1985, p.30). Estas respostas estéticas podem acabar por

definir comportamento das pessoas frente a um ambiente, logo, entender do

comportamento humano e usar a interpretação destas preferências subjetivas nos

desenhos de projeto é uma das chaves para a criação de lugares na cidade. No caso de

projetos já consolidados, como a Praça da Alfândega, é possível analisar o seu sucesso

em termos de vitalidade a partir do seu desenho (HILLER, 1983, pg.49), tendo como

ferramentas as opiniões das pessoas, a observação in loco do espaço e de como os

corpos se movimentam (percursos) e interagem nele e com ele. Pode-se então destacar

os elementos que colaboram mais ou menos na constituição positiva do lugar.

Os Percursos da Praça

Através da história da cidade podemos enxergar a praça como um elemento que

articula as diferentes camadas topográficas urbanas (cidade alta, cidade baixa e lago

Guaíba), estando diretamente relacionado com o porto, elemento que conecta a cidade

com o exterior. Atualmente, e mesmo em desenhos anteriores, vemos que esta

funcionalidade se reflete na forma de organização da praça a partir de dois eixos em

cruz: a Av. Sepúlveda e Rua Sete de Setembro. Em termos de vitalidade, atualmente,

possuem distinções consideráveis e que ainda se diferenciam da forma de apropriação

massiva que ocorre na Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, onde se concentra a maior

parte do movimento.

A partir da observação in loco, atualmente, percebe-se uma falta de continuidade

no eixo transversal (Av. Sepúlveda) da praça. Primeiro de forma visual, causada pela

intersecção com vias com alto fluxo de veículos. E em segundo lugar estes mesmos

veículos se transformam em uma barreira física para o movimento em direção ao cais. O

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percurso das pessoas é desenvolvido tendo em conta os atratores aos quais os caminhos

levam ou contém, no caso da avenida em questão o elemento atrator de destaque é o

lago. No entanto, atualmente, percebe-se que o Porto não participa com a mesma

importância do cotidiano da cidade, estando muitas vezes o portão principal fechado,

limitando o contato da praça com o Guaíba. O que justifica em parte, porque a Av.

Sepúlveda não participa mais tão ativamente do percurso dos pedestres quanto o eixo da

Rua Sete de Setembro, na qual os dois lados estão possuem serviços de importância,

como os diferentes bancos além de conectar-se diretamente ao Mercado Público.

Cabe lembrar que até 1978 a Rua Sete de Setembro era uma via de circulação de

veículos em toda a sua extensão e dividia a atual Praça da Alfândega em Praça Senador

Florêncio (mais ao sul) e Praça Visconde de Rio Branco (mais ao norte). No entanto, o

seu potencial desenvolvimento do setor de serviços sempre a caracterizou como uma via

de grande fluxo de pessoas, ainda que não fosse tão percorrida quanto a rua da praia

com a sua grande concentração de comércios diversificado (que se mantém até hoje).

Figura 1: Praça da Alfândega

Fonte: Google Earth + graficação autora

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A partir das fotos encontradas em museus como o José Joaquim Felizardo de

Porto alegre, entende-se que a Av. Sepúlveda também era uma via de tráfego de

veículos com mão dupla. Nesta época o porto ainda cumpria um papel fundamental na

circulação de produtos e pessoas estabelecendo uma força simbólica como porta de

entrada e saída da cidade, habilmente emoldurada pelos edifícios dos atuais Museu de

Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS) e Memorial do Rio Grande do Sul.

Esta implantação dos dois edifícios veio acompanhada de outras medidas que, mais

tarde, acentuaram o caráter cenográfico deste eixo da praça, como o monumento ao

General Osório de 1933 e a fileira de palmeiras imperiais colocadas no canteiro central

da avenida em 1935.

A avenida faz parte de um projeto desenhado pelo Secretário de Obras Públicas

Attilio Trebi em 1909, que previa a conexão da Praça da Alfândega com a Praça da

Matriz através de um eixo viário que, no entanto, por razões diversas, não foi executado

por completo, se constituindo apenas o trecho que hoje corresponde a Av. Sepúlveda

(PEREIRA, 2008, p.12). O desenho de Trebi estava vinculado ao projeto de

Figura 2: Av. Sepúlveda, 1930.

Fonte. Museu Joaquim José Felizardo.

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modernização de Porto Alegre desenvolvido durante o governo de Carlos Barbosa, que

previa a realização de um aterro para a expansão do centro da cidade em direção ao

Porto. Desde então surgiram os quarteirões que foram ocupados pela sede da Delegacia

Fiscal e a sede dos Correios e Telégrafos, objetos de concurso vencidos pelo arquiteto

alemão Theo Wiederspahn em 1913 e 1910, respectivamente, sob a insígnia da

Escriptorio de Engenharia Rudolph Ahrons.

Os dois edifícios que ocuparam 100% de suas áreas de lote, foram alinhados de

forma a limitar o campo visual, criando "anteparos" que reforçam o eixo visual em

direção ao Guaíba. Theo caracterizou a importância da avenida dotando cada edifício de

uma torre que confere assimetria ao edifício, típica da organização volumétrica de

partidos pitorescos, o que dialoga de forma coerente com o ecletismo predominante das

suas obras, com destaque para o neobarroco exemplificado pelo edifício dos correios.

Os Lugares do Espetáculo

Dentro da linguagem teatral a cenografia é o conjunto de artifícios que criam um

plano de fundo para o desenvolver das peças pelos atores. Em arquitetura este conceito

pode ser traduzido como um conjunto de elementos capaz de criar uma paisagem de

forte significado emocional para os atores, isto é as pessoas que utilizam o espaço da

cidade, entendida por Evelyn Werneck Lima como uma estrutura viva de constante

dramaturgia, isto é um local de espetáculos:

(…) Consideramos o ambiente urbano como um texto prévio a qualquer

escolha de uma obra dramatúrgica a ser encenado, o que implica olhar a

cidade não como cenografia, mas sim como dramaturgia; Isso significa

identificar como esse texto pode gerar estímulos e suportes para a encenação

(…)(LIMA, 2012).

Segundo o projeto de Trebi, a Av. Sepúlveda não apenas servia para enquadrar o

porto, mas deveria promover o que Le Corbuiser chamou de "Promenade

Architectural", isto é um percurso nobre que neste caso faria o deslocamento das

pessoas por um eixo ladeado de jardins que levariam até a Praça da Matriz e ao Palácio

Piratini. Um percurso que prepara os transeuntes não apenas para um evento artístico

mas para o espetáculo da vida pública da capital.

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Ainda que a “promenade” de Theo sirva apenas para orientação das pessoas até a

Praça Senador Florêncio, este fato não diminui o seu valor enquanto obra cênica. E mais

do que simples cenário, era como os bastidores ou as coxias da caixa teatral, para os

atores que entram e saem de cena pelo porto, isto é, servindo como um portal, digno de

cartão postal para a cidade, ao mesmo tempo em que configurava, e ainda hoje

configura um dos limites físicos da praça.

Esta praça se tornou o palco para diversas atuações: contemplação e

deslumbramento dos imigrantes recém-chegados a capital, a compra e venda das

mercadorias em um caráter informal de feira marcado pela existência de escravos como

descreve Saint-Exupery em suas cartas (MACEDO, 1993); Exibição de status dos

burgueses que vinham se servir do comércio, recepcionar os recém chegados ou ainda

se despedir dos entes queridos que pegariam os vapores. Assim, acabou por se tornar

um lugar dotado de um caráter de pluralidade cultural.

Esta riqueza de diversidade se mantém de certa forma até hoje, e o que se

percebe no local é uma concentração de tipos de pessoas em diferentes lugares/cenários

da praça. A variação de cada cenário esta contida na atmosfera criada pelo sentimento

de maior ou menor privacidade, e neste sentido a vegetação atua como um dos fortes

elementos de composição dos espaços.

Os lugares com maior concentração de jovens, em casais ou grupos, são os

espaços entre os canteiros curvos contidos no interior da praça onde o caminho é mais

estreito e fechado por arvores, porém, onde aquela ideia de controle visual proposto por

Jane Jacobs (2009) ainda atua de forma discreta. Logo, ao mesmo tempo em que se

sentem livre para executar as suas atividades ou atuar no espaço (namorar, fumar, ouvir

musica, conversar), podem se sentir seguros. A mesma lógica se aplica aos moradores

de rua que se concentram na praça, porém nos canteiros mais próximos dos museus,

onde há um fluxo de pessoas ainda menor, porém uma condição de visualização

ampliada em função do desenho dos canteiros.

As pessoas mais velhas se concentram nos eixos principais da praça que

possuem um ângulo visual mais amplo e onde existe maior circulação de pessoas.

Quando estes estão em grupos, tendem a se concentrar nas periferias da praça, isto é, na

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Rua dos Andradas ou nas ruas Capitão Montanha e Cassiano Nascimento onde estão os

engraxates (elementos icônicos da praça) e as mesas de xadrez, respectivamente.

Atualmente, a intervenção do Programa Monumenta propôs a criação de um

bloco com banheiro público e comércio na lateral do Edifício da Caixa econômica

federal, uma medida interessante para evitar a parede cega que existia. No entanto o

comércio ainda não foi instalado, o que faz desta a interface menos animada da praça e

por tanto aquela que causa maior sentimento de insegurança para os passantes, apesar

das mesas de xadrez sempre estarem ocupadas.

A interface dos engraxates agrega junto a este serviço um comercio informal de

artesanatos criando uma fachada animada dos dois lados da rua. Já a interface da Rua

dos Andradas é composta por uma diversidade comercial e um movimento constituído

historicamente durante o período em que ainda se chamava Rua da Praia e cuja história,

neste artigo não nos cabe contar.

A Pesquisa

Entende-se que a utilização da linguagem eclética trazida pelos imigrantes

alemães como Theo, para Porto Alegre, foi uma forma de atualizar a recente capital e,

para Carlos Barbosa, de marcar a sua passagem pelo governo com obras dignas de

admiração que dura até os dias de hoje. No entanto, mais do que uma estratégia de

consagração política, os edifícios de Theo foram importantes para a determinação do

espaço da Praça da Alfândega como um lugar e um símbolo para de Porto Alegre

vinculado ao imaginário coletivo.

Acredita-se que esta aproximação afetiva se dá por meio de dois aspectos

principais. Em primeiro lugar em relação ao uso dos edifícios que determina uma das

formas de relação destes com a praça, além da relação estética de aberturas que

determina a constituição dos diferentes lugares limitados pelas suas fachadas. E em

segundo lugar os aspectos que dizem respeito a comunicação entre as atividades

cotidianas das pessoas (percursos) pela praça.

323

Para investigar isso foi feita uma pesquisa de cunho qualitativo, conduzida a

partir de 6 questionamentos a serem respondidos de forma subjetiva e independente do

grau de escolaridade ou renda. O público alvo selecionado foi de pessoas idosas

entendidas como aquelas que possivelmente agregam uma maior experienciação do

espaço.

Todas as entrevistas foram conduzidas na praça (total de 4 visitas),

possibilitando não apenas identificar usuários reais da praça, mas também observar as

interações entre as pessoas, a praça e os edifícios atualmente. Optou-se por entrevistar

apenas pessoas que estivessem sentadas e visivelmente disponíveis para serem

entrevistadas, isto é, sem interromper outras atividades pessoais, tais como, ler jornal,

escutar rádio, ou conversas com outras pessoas.

Resultados

Em um primeiro momento se observou que a grande maioria dos usuários que

permanecem sentados nos bancos da praça é do sexo masculino o que justifica porque

do total de 23 entrevistados, apenas 2 são mulheres. As poucas mulheres que foram

vistas sentadas estavam acompanhadas. O que se compreende a partir de alguns

depoimentos em relação à insegurança na praça.

Vale salientar que o equilíbrio que existe entre o número de usuários mais

velhos e mais novos na praça mostra que ainda hoje a praça funciona como um polo

atrator de pessoas no centro renovando o e mantendo caráter dinâmico do lugar. Sendo

um ponto de estar mesmo para as pessoas que são de pontos distantes de dentro ou de

fora da cidade. A questão que se levantou em seguida, investigou a presença da praça no

imaginário das pessoas a partir da primeira palavra que lhes vinha a mente quando

indagadas sobre a praça.

Neste sentido, a praça como um lugar agradável se comprova pelo número de

palavras positivas as quais remete (81% das respostas). Se destacando como um lugar

de descanso, apesar das constantes entrevistas e pesquisas que são feitas no local. O

descaso que aparece como ponto negativo mais enfatizado está relacionado com a

sujeira, e por sujeira entende-se a partir da observação no local, que se trata mais

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fortemente da presença de folhas mortas e areia rente aos canteiros, logo junto aos

bancos.

Dentro de um espaço verde urbano, a condição de manutenção da vegetação é

uma das principais características que determina para as pessoas a qualidade de uma

paisagem. Um espaço com acúmulo de folhas e galhos tende a desenvolver um

sentimento de baixa afetividade. (ULRICH, 1985 p.32)

Outro aspecto importante para que haja uma apropriação física e psicológica do

espaço é a condição do mobiliário. (MARCUS, 1995, p.23) A praça é reconhecida como

um dos espaços com mais bancos no centro da cidade. E não apenas a quantidade, mas a

qualidade do posicionamento se torna um fator chave para atrair as pessoas. O

mobiliário é outro dos elementos importantes de composição do cenário, assim como as

diversas configurações de calçadas mais largas ou mais estreitas em que o mobiliário

(bancos e lixeiras) se relaciona com as árvores para criar situações diversas de luz e

sombra.

Além de luz e mobiliário, o cenário também é composto por som. Cada lugar vai

apresentar diferentes níveis de ruído e, ainda que esta seja apenas uma sensação causada

Figura 3

0 2 4 6 8 10 12

Antiguidade

Limpa

Cultura

Descanso

Família

Religião

Trabalho

Lazer

Movimento

Natureza

Descaso/sujeira

Insegurança

Caos

Aspectos transmitidos pela praça

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pelo formato e composição do espaço, é um dos elementos importantes para que se

desperte nas pessoas a sensação de descanso e relaxamento. De forma geral pode-se

dizer que a sensação de ruído é proporcional aos níveis de privacidade de cada lugar,

interessante notar, que, no entanto, os lugares de médio ruído são os preferidos pelas

pessoas mais velhas, uma vez que os níveis de privacidade estão relacionados com o

sentimento de segurança que cada lugar proporciona. Os lugares que sugerem ser mais

silenciosos, também são os mais inseguros para os idosos, no entanto os preferidos dos

jovens.

A variação de cenários permite que diferentes pessoas se sintam acolhidas de

diferentes formas, favorecendo que esta praça seja a opção em detrimento de outros

espaços como a Praça da Matriz ou a Praça XV de Novembro, uma vez que é capaz de

satisfazer as necessidades psicológicas e físicas de diferentes tipos de pessoa em

diferentes idades. Esta variação de pessoas se mostrou um dos itens importantes

apontados pelos entrevistados que enxergam a praça como um espaço de lazer e

movimento, como um bom lugar para passar o tempo sozinho ou com as crianças no

fim de semana, para namorar ou mesmo simplesmente estar no meio das pessoas vendo

o movimento. Ainda que não estejam de fato, no meio, e sim numa posição de

contemplação.

No que diz respeito a esta imagem de praça os aspectos naturais aparecem com

mais peso do que os aspectos históricos. O reconhecimento da praça enquanto um

espaço verde e de relaxamento salienta a capacidade da vegetação de diminuir o stress

(GRAHN, 2003, p.16) e para alguns entrevistados ressalta aspectos nostálgicos que

lembram as casas do interior do Estado de onde alguns vieram.

O que se nota em seguida, é que o caráter de antiguidade que a praça possui

parece estar mais vinculado a imagens dos edificios em si, do que com espaço público

que estes encerram. E neste momento os edifícios do MARGS e do Memorial do RS em

especial se identificam como elementos que mais despertam aatenção dos usuários da

praça.

326

Figura 5

O valor histórico é reconhecido através da linguagem arquitetônica das fachadas

que é percebido pelos entrevistados no peso decorativo e nas esculturas que criam para

eles uma distinção temporal que separa as obras de Wiederspahn do restante dos

edifícios da cidade que seriam modernos. Assim, a linguagem eclética do ponto de vista

dos entrevistados, os qualifica como verdadeiros monumentos e, mais do que isso,

como elementos inerentes à paisagem. Nota-se que o valor histórico ganha uma

dimensão afetiva no momento em a linguagem os destaca enquanto elementos que

embelezam a praça.

A monumentalidade e o respeito pelos edifícios também fica implícito pela

associação destes a imagem da igreja através dos elementos como as cúpulas e o

relógio. Os entrevistados se reportavam mais diretamente ao edifício dos Correios e

Telégrafos o que é de se esperar pela exuberância da decoração da torre que marca o

eixo que possui um caráter mais próximo da linguagem barroca, o estilo arquitetônico

Figura 4 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

bem posicionados na praça

São Importantes

Bonitos

Bem Conservados

Arquitetura Inerte

Edificios Normais

Atrapalham a vista do Guaíba

O que você acha dos 2 edificios?

327

que por essência tinha a intenção de despertar os sentimentos das pessoas por meio das

curvas e ondulações nas fachadas.

Entrevistados que demonstraram respostas mais reflexivas do que espontâneas

identificaram os dois edifícios como objetos bem conservados, no entanto inertes, isto é,

sem muita relação de uso com a praça. Esta visão possivelmente diz respeito à condição

atual dos edifícios enquanto museus. O que justifica o desconhecimento apresentado

pelas pessoas em geral sobre o uso que se desenvolve atualmente nos prédios de

Wiederspahn.

Dos entrevistados, apenas 30% soube identificar os museus. Este

desconhecimento das funções dos edifícios demonstra uma falta de participação deste

no cotidiano das pessoas, o que é resultado de uma falta de divulgação dos museus e

simultaneamente uma falta de interesse das pessoas em saber o que ocorre do lado de

dentro das paredes dos monumentos para eles tão dignos do título de patrimônio que

receberam. Esta postura reitera a importância das obras de Wiederspahn enquanto

imagem que compõe o espaço da praça, mais do que como instituições culturais.

A delegacia Fiscal ser desconhecida por 87% dos entrevistados era esperado, em

especial levando em consideração que maior parte dos entrevistados não vivenciou o

espaço durante a existência da instituição (que funcionou até 1968) Acrescenta-se

também o fato de não ser um edifício que promovesse o acesso por meio de uma

atividade de interesse público, fazendo com que permanecesse como um elemento de

pouca participação na praça. Isto é, não funcionava como um polo atrator logo, não

participava da experiência de espaço que as pessoas tinham na Praça da Alfândega por

meio de seu uso, apenas pela sua imagem que conformava o pórtico de acesso à cidade

a partir do Porto. As poucas pessoas que conheciam seu antigo uso sabiam em função

de conhecidos que trabalhavam no lugar ou eram pessoas que por meio de estudos

descobriram.

Este desconhecimento se manifesta também na falta de uma denominação uma

vez que não é identificado como delegacia e nem como MARGS, diferente do Correios

e Telégrafos que permanece sendo chamado por este nome (reconhecido por

praticamente 80% dos entrevistados) mesmo após a mudança de uso para Memorial do

RS. Este conhecimento das pessoas sobre a antiga função do edifício tem como

328

facilitador o fato de estar escrito na fachada e também o fato de que a mudança de uso

ser recente (1996). No entanto, este último dado não é fundamental quando lembramos

que os entrevistados não identificaram o edifício enquanto Memorial do RS.

O que parece ser o fator determinante desta presença de caráter histórico no

imaginário coletivo é o fato de que se tratava de um edifício com uma função pública de

suma importância na época como meio de comunicação entre amigos e familiares. O

que traz lembranças nostálgicas a alguns dos entrevistados que associaram o edifício

aos avós, e em peso revelaram usar os serviços dos correios no passado.

A sua participação ativa no cotidiano da praça e das pessoas fez dele ponto de

encontro e monumento de grande prestígio sendo utilizado em cartões postais, folders

turísticos, capa de guias telefônicos e etc.

Considerações Finais

À medida que o eixo da Sepúlveda foi diminuindo a sua importância funcional,

nota-se uma crescente valorização em especial da Rua da Sete de Setembro. Esta sendo

integrada a praça em 1978 chama a atenção para o reconhecimento da importância da

unificação das praças e do forte caráter de permanência que foi se desenvolvendo ao

longo do tempo, se distanciando da ideia de local de passagem como inicialmente

parecia ser a idéia de Trebi, quando ainda se previam apenas jardins francês para a área.

Percebe-se que o potencial cenográfico e dramatúrgico desenvolveu, ainda que

em parte, de forma não planejada. Este aspecto não planejado, diz respeito em especial,

à manutenção da vegetação. Se por um lado o seu crescimento desordenado diminuiu a

permeabilidade visual escondendo os edifícios de Wiederspahn das visuais que se

poderiam ter desde a Rua da Praia, por outro lado, possibilitou a criação de outras

dimensões de praça que influenciaram de forma positiva o grau de afetividade das

pessoas em relação ao lugar.

Em relação aos edifícios, pode-se dizer que participam do imaginário coletivo no

que diz respeito a uma constituição de paisagem. Atualmente, não aparecem enquanto

elementos que participam do cotidiano das pessoas, mantendo o caráter de cenográfico

de composição da interface norte da praça.

329

No passado os Correios e Telégrafos possuía uma atuação maior dentro dos

percursos das pessoas, constituindo em si um lugar, participando das experiências

espaciais de praça e enquanto edifícios. Este vínculo de uso fortaleceu o seu lugar no

imaginário coletivo. Já a delegacia vai estabelecer a sua importância dentro do

imaginário em função da sua linguagem compositiva de fachadas e de volumetria e sem

duvida, em função da noção de conjunto que forma com o correios, criando o eixo

transversal da praça.

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Bilbioteca Arquitetura e Urbanismo - UFRGS