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Desafios da Intersetorialidade para o Enfrentamento da pobreza no Brasil:
Segurança Alimentar, Assistência Social e Transferência de Renda (1988-2017)
Adriana Aranha
Resumo
O Brasil passou por um ciclo positivo de políticas públicas que contribuiu para a
redução da pobreza e da desigualdade social a partir da Constituição de 1988. Avanços
recentes decorrentes do crescimento econômico combinado com inclusão social são
relatados em diversos estudos. A intersetorialidade é um tema recorrente nos debates
sobre políticas públicas, principalmente à partir da década de 80, impulsionado pela área
social. Na America Latina cresce experiências de políticas públicas com uma
abordagem mais multidimensional do problema, principalmente para garantir direitos
sociais conquistados recentemente. No Brasil três áreas se interagem para consolidar
políticas de enfrentamento a pobreza: assistência social, segurança alimentar e
transferência de renda. Alguns programas de Governo somaram esforços no sentido de
integrar essas três áreas como o Conselho Nacional de Segurança alimentar -CONSEA,
o Comunidade Solidária, o Fome Zero, o Brasil Sem Miséria e agora o Criança Feliz.
Cada um com objetivos e características bem diferentes. Esse artigo relaciona a
experiência brasileira no enfrentamento da pobreza traçando uma linha de interseção
entre essas áreas ao longo do tempo à luz da literatura atual sobre a intersetorialidade.
Palavras Chaves: Fome, Segurança Alimentar, Políticas Sociais, Intersetorialidade,
Brasil.
Introdução
Esse artigo analisa as relações intersetoriais estabelecidas no enfrentamento da pobreza
através da política de combate à pobreza e a fome brasileira nos últimos quase 30 anos
no Brasil, mais especificamente após a Constituição Federal de 1988.
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Trata-se de um estudo comparado de três períodos do Governo Central: do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), do presidente Luis Inácio Lula da Silva
(2003/2010) e da presidente Dilma
Roussef (2011/2014), com destaque para três “planos chaves” desses Governos:
Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria. Como estratégia de
investigação, pretende-se analisar os programas federais buscando compreender os
avanços aportados por eles para o aprendizado da intersetorialidade no enfrentamento
da pobreza com foco nas políticas de assistência social, de segurança alimentar e
nutricional e nos programas de transferência de renda. Observar até que ponto cada
programa com níveis de intersetorialidade diferentes gera resultados diferentes tentando
mostrar a relação entre variáveis diferentes da intersetorialidade.
Pretende-se analisar os Planos Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria
buscando compreender os avanços aportados por eles para o aprendizado da
intersetorialidade no enfrentamento da pobreza com foco na política de segurança
alimentar e nutricional. Busca-se explorar as relações entre interstorialidade e eficacia,
analisando os efeitos de estrategias intersetoriais quanto a um melhor resultado das
políticas. Para isso pretende-se analisar se, e de que maneira os mecanismos
intersetoriais criados na implantação de programas de enfrentamento à pobreza no
Brasil, mais especificamente na área de segurança alimentar e nutricional, influenciaram
os resultados desses.
Trata-se de um estudo comparado de três períodos do Governo Central: do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), do presidente Luis Inácio Lula da Silva
(2003/2010) e da presidente Dilma Roussef (2011/2014), com destaque para três
“planos
chaves” desses Governos: Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil sem Miséria.
Interessa a esse trabalho analisar as relações intersetoriais estabelecidas no
enfrentamento
da fome através da política alimentária brasileira nos últimos 19 anos e criar bases de
análise que estabeleça relação entre intersetorialidade e eficácia. Para isso, será feito
uma analise descritiva da construção da política de segurança alimentar de 1995 a 2014
através dos planos Comunidade Solidária, Fome Zero e Brasil Sem Miséria.
E centrar-se-á na análise comparada dos três planos que possa explicar a relação
existente
entre intersetorialidade e eficacia. Pretende-se observar em que medida a maior ou
menor
intersetorialide de uma política incide numa maior ou menor eficacia da mesma.
As perguntas que orientam a investigação são as seguintes:
i. Objetivo descritivo:
Como tem evoluído a perspectiva intersetorial na política de segurança alimentar no
Brasil? Até que ponto pode-se falar que está em construção no Brasil um modelo de
gestão peculiar?
ii. Objetivo analítico:
Em que medida a maior ou menor intersetorialide de uma política incide numa maior ou
menor eficacia da mesma?
Até que ponto este esforço nacional acumulado nos três períodos criou espaços de
diálogos intersetoriais, com sinergias dos saberes acumulados e compartilhamento de
experiências, com impactos na forma de atuação dos diversos setores? Pode-se dizer
que está sendo construído um novo modelo de gestão intersetorial no país para o
enfrentamento da pobreza extrema e da fome, com foco na Segurança alimentar e
Nutricional?
Existe um grande discurso da necessidade da intersetorialidade nas políticas públicas,
mas pode-se dizer que algo de novo está sendo construído? Ou ainda trata-se de colocar
junto o que se faz separado?
Um objetivo especifico é descrever estratégia, concepção e desenho, atores e espacos,
processos e mecanismos de construção de estratégias conjuntas. A partir dessa análise
descritiva e histórica, identificar algumas conexões chaves entre alguns programas, para
uma análise mais qualificada e aprofundada sobre os processos intersetoriais na gestão.
É importante indagar se os resultados obtidos podem ser atribuídos a um investimento
maior nas políticas setoriais ou ao desenvolvimento de mecanismos e processos de
gestão
intersetorial. Em que medida os espaços de diálogo intersetoriais e os processos
integrados de gestão geraram inteligência administrativa e foram efetivos para enfrentar
problemas multidimensionais, como a pobreza e a fome?
4. JUSTIFICATIVA E RESULTADOS ESPERADOS DA PESQUISA
O problema pesquisado parte da constatação que a fome é um fenômeno complexo que
exige soluções integradas e que a Segurança Alimentar e Nutricional se encaixa numa
proposta intersetorial e estratégica para seu enfrentamento.
Os principais documentos dos planos propunham um trabalho transversal, de integração
e com coordenação próxima ao poder central do Governo Nacional. O Comunidade
Solidária é uma estrategia de integração nacional, com cardápio de projetos focado em
determinados territórios. O Fome Zero, estratégia de Governo mobilizadora de várias
frentes e setores do governo com impactos nos arranjos territoriais e, o Brasil Sem
Miséria, que aprofunda a focalização das ações com público mais definido.
Tais estratégias foram implementadas no âmbito federal, com mecanismos de gestão
diferenciados, tanto na coordenação nacional como na integração com esferas
subnacionais.
Apresentaram estratégias, cobertura, ambição, tipo de benefício e graus de
institucionalidade diferentes, assim como concepções diferentes sobre pobreza, fome e a
consequente forma de atuação sobre elas.
Existe um paradoxo a ser enfrentado pela área de Segurança Alimentar e Nutricional.
Por
um lado, a essência do conceito que os defensores da área pretendem implantar no
Brasil é dependente de um olhar intersetorial e, desta forma, não ser constituída
institucionalmente como um setor específico dentro do aparato estatal, facilitaria a sua
integração com as outras áreas. Por outro lado, sem o fortalecimento institucional, um
setor específico nas estruturas estatais, traz fragilidades que historicamente foram
supridas pelos “programas forças” dos governos. É possível garantir segurança
alimentar da população sem criar espaços setoriais? Como criar identidade setorial para
uma política nascida de maneira intersetorial? É possível a área ser respeitada como
uma política pública como as demais, sem uma trajetória marcada por uma construção
institucional-setorial? Este dilema mostrou-se presente desde que esse tema entrou na
agenda das políticas públicas nos últimos anos.
Avançar no conhecimento sobre os fatores que favorecem a intersetorialidade e,
portanto, a eficacia das politicas constitui a justificativa teorica principal da
investigação. A escolha do objeto ou tema – a segurança alimentar e a fome – constitui,
por si só, uma relevancia, pela centralidade que tem para a questão social no Brasil
contemporaneo.
Existem estudos sobre esses programas sob diversos enfoques, mas não uma
comparação
no que diz respeito à formulação e implementação de uma estratégia intersetorial de
enfrentamento da pobreza, especificamente da miséria.
Este trabalho parte da premissa que uma política de segurança alimentar e nutricional
efetiva passa por uma gestão intersetorial ativa.
5. BASE TEÓRICA PARA FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Existem diferentes concepções sobre a fome, suas causas e formas de enfrenta-la, mas
na
concepção aqui empregada, segurança alimentar e nutricional compreende um estado de
bem-estar alimentar, assegurado por um conjunto integrado e articulado de políticas e
ações que garantam o acesso de todos, permanentemente, a uma alimentação
suficientemente adequada, em quantidade e qualidade, para atender as necessidades
nutricionais de cada um, em cada fase ou situação de vida. Pressupõe, ainda, que essa
alimentação seja produzida de forma sustentável, não comprometendo, assim, as futuras
gerações. Dentre os diversos atores que interferem nessa realidade – Estado, mercado,
família e sociedade – o Estado desempenha importante papel, tanto na condução do
modelo de desenvolvimento econômico que pode ser gerador e reprodutor da fome,
quanto na implementação de políticas que amenizem suas consequências. Interessa a
este trabalho, portanto, os arranjos institucionais estatais que possam aumentar a
capacidade do Estado de enfrentar esse problema.(ARANHA,2000)
A vinculação entre problemas sociais complexos, como a Fome, à soluções mais
integradas e intersetoriais de intervenção na área, como a Segurança Alimentar e
Nutricional, aproxima esta interligação aos novos arranjos institucionais emergentes nas
políticas públicas. Problemas complexos, observado por Bruguê (2010) como
“problemas perversos” (“wicked problems”), problemas que não são facilmente
resolvidos, requerem intervenções mais integradas que deem conta da diversidade e da
multidimensionalidade do problema.
Para vários autores a intersetorialidade integra um marco de mudanças na gestão
pública. A ocorrência de uma tensão entre especialização e integralidade é enfatizada na
literatura
mais atual sobre gestão pública. O conflito entre atender demandas diferenciadas,
marcada pela especialização, e ter uma visão global sobre as pessoas atendidas e seus
problemas, marcada pela integralidade, desafia a capacidade de dar respostas concretas
com responsividade (responsiviness) aos problemas identificados. O ponto central é que
a segmentação e setorialização da gestão já não respondem de forma adequada aos
desafios atuais. Dessa forma estaria em curso um processo de mudança não apenas
instrumental, formal ou organizativo, como ético e cultural na gestão pública
(BRUGUÉ, Q.; GOMÀ, R.& SUBIRATS, J,2002; Brugué,2010; Bronzo,2007;Blanco y
Gomà, 2003;REPETTO,2010; Nogueira, 2007).
A integralidade na compreensão do problema da fome exige uma estratégia de gestão
coerente com essa perspectiva, que atue nos diversos vetores de produção e reprodução
desse fenomeno. A segurança alimentar e nutricional constitui um fecundo campo de
análise nesse sentido, por remeter a um conjunto de políticas que tratam do acesso a
uma
alimentação qualitativa e quantitativamente adequada e sustentável, o que envolve
diversos setores e ações, tais como acesso à renda, a produção de alimentos, a regulação
do estoque de alimentos e preços, assim como questões higiênico sanitárias. Tratar deste
tema é considerar todos os ângulos que envolvem a cadeia alimentar de uma forma
integral e,portanto, as intervenções nessa área requerem integralidade suficiente para
avançar nagarantia da segurança alimentar e nutricional.
BRUGUÉ (2010) aponta a importância das administrações públicas serem capazes de
responder com eficiência e inteligência frente ao contexto de complexidade crescente do
século XXI. Essa perspectiva e corroborada por MORENO (2007), que afirma existir
“una paradoja del gobierno contemporáneo, el hecho de que éste tiende a fragmentarse
cada vez más, en un mundo donde aumentan la conectividad y la interdependencia. En
muchos sentidos, es como si el gobierno se moviera en una sintonía diferente de la
realidad. En una sociedad compleja, que demanda soluciones cada vez más relacionadas
y más basadas en la actuación de unidades autónomas, debe primar entonces el interés
en la coordinación, que es la esencia del trabajo conjunto”. (MORENO, 2007)
Segundo ANDRADE (2004), existe um consenso do discurso sobre a intersetorialidade,
mas o mesmo não acontece na prática. O autor considera que o dissenso nasce da
contradição entre a própria necessidade de integração de práticas e saberes requeridos
pela complexidade da realidade e um aparato de Estado setorializado, com visões,
interesses, poderes e estruturas muitas vezes contraditórias e antagônicas. De acordo
com documento da Fundación Kaleidos.Red (2010) “la transversalidad como solución
implica que la convertimos en la fórmula mágica para trabajar juntos para multiplicar
nuestros potenciais particulares. En un mundo de renovadas complejidades, la
transversalidad es la respuesta”(KALEIDOS.RED,2010,p.14).
A promoção da intersetorialidade, para Andrade (2004), passa pela construção criativa
de
um novo objeto de intervenção comum aos diferentes setores do Estado que lidam com
a
questão social. O ponto forte da proposta de intersetorialidade é a possibilidade de
construir uma visão de complexidade dos problemas, tendo como requisito o aporte de
diferentes acúmulos setoriais, superando as propostas que se traduzem na mera
sobreposição de ações
setoriais. Grau (2005), Brugué (2010), Bronzo (2007) apontam duas dimensões distintas
e complementares da concepção da intersetorialidade: uma relativa ao aspecto
conceitual e substantivo do problema e outra na perspectiva institucional e
organizacional. Para Brugué, trata-se desde uma forma de pensar integralmente a
realidade e de atuar sobre ela, como inovar em relação às segmentações existentes no
âmbito das estruturas organizativas.
Grau (2005) coloca duas premissas centrais da intersetorialidade, uma fundamentada na
questão política e, outra, fundamentada na questão técnica. A autora observa que
intersetorialidade envolve integración, inclusividad e mancomunidad. A integração
significa alguns consensos em relação aos conceitos, aos objetivos e formas de ação. A
inclusividade trata da coerência no ciclo da politica. A mancomunidad seria o
compartilhamento de recursos, responsabilidades e ações, o que envolve solidariedade e
o compartilhamento do poder.
A inexistência de sistemas de informações, planejamento e orçamento compartilhados
pode ser um obstáculo para a uma gestão intersetorial. Muitas vezes os mecanismos
institucionalizados reforçam a setorialização das ações. Para se reverter essa situação é
necessário tempo e uma forte adesão política dos atores envolvidos para criação de
novas
estruturas institucionais adequadas às necessidades de uma gestão intersetorial. Um
orçamento realizado e monitorado conjuntamente pode ser um bom instrumento de
indução
da materialidade de uma ação intersetorial.
Bruguè,Q, Canal,R. y Payà,P (2009) utilizando a literatura especializada em gestão de
redes
e estratégias de colaboração identifica quatro fatores chaves para a gestão da
transversalidade. Os objetivos, que devem ser compartilhados efetivamente e
construídos
conjuntamente entre as partes. Os atores, que devem ser complementares e
interdependentes. Os fatores tangíveis, que se materializam através da institucionalidade
(espaços administrativos criados, recursos humanos e econômicos). E os fatores
intangíveis, formados pelas relações, confianças estabelecidas e lideranças envolvidas.
O marco teórico a ser mobilizado considera a literatura sobre intersetorialidade, novas
formas e mecanismos de gestão integrada das políticas e setores e, a partir desse quadro
conceitual, serão definidas as variavéis de análise que, a principio, buscam captar tanto
as
diferentes modalidades e intensidades da intersetorialidade dos diferentes planos
nacionais
de enfrentamento da fome e da miséria quanto os resultados em termos de eficácia das
distintas intervenções.
6. ABORDAGEM METODOLÓGICA
A partir das reflexões de Grau (2014) e Brugué,,Q., Canal,R. y Payà,P(2009) sobre os
fatores que incidem na modelação da intersetorialidade se identificará algumas variáveis
chaves a serem consideradas no estudo para análisar a intensidade da intersetorialidade
em
cada experiencia. A partir da análise destas variáveis independentes pretende-se criar
um
modelo que busque explicar a relação destas com a variável dependente, eficacia.
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Considera-se aquí a intersetorialidade em três modalidades: horizontal, vertical e esferas
sociais. O horizontal, que será o foco maior do estudo, será feita uma análise das
relações
entre os atores internos ao Governo federal e levará em consideração os objetivos
compartilhados, ou seja a existência ou não de consensos em relação ao problema a ser
enfrentado e a estratégia a ser desenvolvida; os recursos e orçamentos partilhados; os
sistemas de informação, monitoramento e avaliação compartilhados ou articulados;
ações
conjuntas e legislação, que expressam o grau de formalização da relação entre os atores
e
os espaços de coordenação e / ou integração das ações existentes.
A intersetorialidade vertical, entre entes federados, e da intersetorialidade entre os
setores
sociais, sociedade civil e Estado. Nesse caso serão estudadas a presença e efetividade
dos
espaços de pactuação, se existem ações conjuntas e se a legislação apresenta algum grau
de
formalização da relação entre os atores.
Quadro 1 – Fatores a serem considerados no estudo da Intersetorialidade1. Intersetorialidade horizontal (entre mesma esfera de governo)
11. Intersetorialidade vertical (entre entes federados)
111. Intersetorialidade social (entre setores sociais)
Objetivos compartilhados (consenso em relação ao problema e a estratégia )
X _____ _____
Recursos partilhados (orçamento)
X _______ ______
Sistemas de informaçao, monitoramento e avaliacao (compartilhados ou articulados)
X _______ ______
Espaços de pactuação X X X Ações conjuntas X X X Legislação ( grau de formalização da relação
entre os atores)
X X X
Fonte: elaboração própria
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7. COLETA DE DADOS
A coleta dos dados será desenvolvida por meio de análise de documentos e entrevistas.
No
caso dos programas com execução concluída, os atores entrevistados serão selecionados
a
partir da reconstrução da trajetória dos programas. As entrevistas serão feitas com
pessoas
que ocuparam ou ocupam diferentes níveis institucionais: operacional, técnico e
estratégico.
Para cada programa serão considerados os atores subnacionais envolvidos (sociedade
civil,
gestores estaduais e municipais). As entrevistas serão realizadas pela pesquisadora, com
roteiro semiestruturado, adequado aos vários tipos de entrevistados.
Serão analisados documentos oficiais (normas, leis, decretos, planos plurianuais,
manuais,
etc.). Os documentos subsidiarão o conhecimento acerca do desenho e execução dos
programas. A revisão teórica será dedicada aos temas segurança alimentar e
intersetorialidade.
Estão previstos publicação de pelo menos dois artigos: 1) a relação entre segurança
alimentar e intersetorialidade; 2) resultados das análises dos programas estudados.
Propõe-
se, ainda, participação em eventos para divulgação dos resultados.
IV. 1. O período FHC: da Constituição cidadã à contenção de gastos sociais
O Programa Comunidade Solidária foi instituído logo no início do governo Fernando
Henrique Cardoso, em 1995, para o enfrentamento da fome e da miséria. O programa
foi presidido pela então primeira-dama do país, Ruth Cardoso, e era vinculado
diretamente à Casa Civil da Presidência da República.
Seu objetivo era coordenar ações governamentais dirigidas à parcela da população que
não dispunha de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate
à fome e à pobreza. Seus objetivos específicos: coordenação e a melhoria da gestão de
programas governamentais; articulação entre os diferentes níveis de governo;
focalização das ações em áreas e populações mais necessitadas; incentivo a novas
formas de parceria entre governo e as diversas organizações da sociedade. Para isso, o
programa contava com seis linhas de ação: redução da mortalidade na infância;
suplementação alimentar; apoio ao ensino fundamental; apoio à agricultura familiar;
geração de emprego e renda e qualificação profissional e desenvolvimento urbano.
O diagnóstico que serviu para guiar o programa foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) através do Mapa da Fome em março de 1993, que
estimava em 32 milhões o número de indigentes no país, mais de 20% da população
que, em 1990, era de aproximadamente 147 milhões de pessoas.
A responsabilidade de execução do programa, que abrangeu 1.369 municípios, ficava a
cargo do Governo Federal e da Sociedade Civil. E a instância de participação era um
Conselho Consultivo, formado por 10 ministros de Estado e 21 personalidades da
sociedade civil, escolhidas pelo Presidente da República, e por uma Secretaria-
Executiva.
Em relação a criação de institucionalidades, o que se observa nesse período é a extinção
de órgãos na área social. Segundo Peres (2005), no momento da criação do Comunidade
Solidária foram extintos o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), a
Legião Brasileira de Assistência (LBA), e dois outros importantes órgãos para a
proteção e assistência sociais, o Ministério do Bem-Estar Social (MBES) e o Centro
Brasileiro para a Infância e a Adolescência (CBIA).
Na área de Assistência Social, em substituição aos órgãos de assistência social extintos,
foi criada a Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência
Social (SAS/MPAS). Em 1999, essa Secretaria passa a ser responsável pela
coordenação da Política Nacional de Assistência Social e pela normatização e
articulação das ações governamentais e não-governamentais no campo da assistência
social, apoiando técnica e financeiramente os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal, com o nome de Secretaria de Estado da Assistência Social, SEAS, que
continuou vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.
Na área de Segurança Alimentar e Nutricional, extinguir um órgão como o CONSEA
foi acabar com a única iniciativa federal na área iniciada na década de 90. O CONSEA
surgiu a partir do Plano de Combate à Fome e à Miséria (PCFM), criado em abril de
1993 no Governo anterior, Itamar Franco, para articular as três instâncias de governo
(municipal, estadual e federal) e a sociedade civil na revisão dos programas federais
num projeto para o combate à fome e à miséria1.
A Lei Orgânica da Assistência Social n. 8.742/1993 (LOAS)2, é uma lei que foi
reapresentada e sancionada pelo presidente Itamar Franco, após ter sido vetada
anteriormente pelo Ex-Presidente Fernando Collor de Melo. Segundo Sposati (1995b), a
LOAS regulamentou os preceitos estabelecidos pela Carta Constitucional de 1988 à
1 Órgão de assessoramento ao Presidente, com a participação da sociedade civil e dos órgãos de governo que foi extinto em 1995. O conselho tinha a função de consulta, de assessoria e de indicação de prioridades ao Presidente da República deveria ser exercida por uma parceria entre ministros de Estado e personalidades de destaque na sociedade brasileira, identificadas com vários setores da sociedade civil, na sua maioria indicados pelo Movimento pela Ética na Política.
2 A partir da LOAS, a assistência social passou a ser direito do cidadão e dever do Estado (art. 1º): “Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.
seguridade social que rompem com o modelo tradicional de assistência social pautado
em entidades prestadoras de serviços ou filantrópicas na medida em que colocava a
assistência social no campo das políticas públicas. A LOAS constitui um sistema
descentralizado e participativo, com transparência e controle social.
Em suma, o governo de FHC pautou-se principalmente pela agenda neoliberal, com
focalização de ações, descaracterização da assistência social enquanto direito social,
diminuição do papel do Estado no combate à pobreza e estímulo ao crescimento do
Terceiro Setor, responsabilizando a sociedade e a família pela área social.(Yazbek,1996;
Montaño,2003; e Silva et. al., 2001; Tessarolo, e. M., Krohling,A ,2011).
IV.2 O período Lula: De gasto social para investimento social
Já no primeiro ano do Governo Lula, em 2003, sob a égide do Fome Zero,
compromisso assumido pelo Presidente para zerar a fome, inicia-se a institucionalização
da área com a criação do Ministério Extraordinário de Segurança alimentar e Combate à
Fome (MESA), o Ministério da Assistência Social (MAS) e uma Secretária Especial de
Renda e Cidadania. Essa última, fruto de um Grupo de Trabalho de integração dos
programas de transferências de renda.
Passado o primeiro ano com uma ampla etapa de diagnóstico, formulação e
implantação de diversos programas surge, a partir de 2004, a necessidade de integração
da área social. Cria-se o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome com
o intuito de agregrar em um único órgão as políticas de segurança alimentar para a
população mais vulnerável, a política de assistência social e os programas de
transferências de renda.
Percebe-se claramente uma inflexão, tanto em termos de aumento exponencial
de recursos destinados à área, quanto ao tratamento mais sistêmico e duradouro frente à
complexidade dos problemas sociais a serem enfrentados. Criaram-se por exemplo dois
novos sistemas públicos, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Sistema
Integrado de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). O conceito de investimento
social substituiu gradativamente o conceito de gasto social.
As mudanças de rota dos programas sociais também podem ser observadas na
tentativa de integração e institucionalização desses. Programas fragmentados e sem
integração ganharam uma densidade, não só na ampliação do número de pessoas
beneficiadas, como na qualidade e integração com outras áreas sociais, como foi o caso
dos Programas de Transferência de Renda.
Na área da Segurança Alimentar sempre houve descontinuidade dos projetos
implementados, desarticulação entre os três níveis de governo, desintegração entre os
diversos setores e ineficiência administrativa. Contudo, ainda que existisse no Brasil
uma política de alimentação, ela caracterizou-se, predominantemente, como
fragmentada, emergencial, não prioritária e desarticulada. Apenas em
1993, esse tema ganha destaque no País devido à mobilização do movimento da
Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Com a implantação do
CONSEA – e com a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar no
Brasil ocorre uma ampla discussão no País sobre o tema, com notórias conquistas.
Várias iniciativas da sociedade civil foram consolidadas através de mais de sete mil
comitês de combate à fome implantados em todo o Brasil no período 1993-1994.
Porém, como indicado anteriormente, o CONSEA foi extinto na ocasião do lançamento
do Programa Comunidade Solidária.
Não obstante, a temática da segurança alimentar foi retomada com vigor no
governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, com o Programa
Fome Zero. A prioridade da segurança alimentar materializou-se na criação, logo no
início do Governo Lula, de três instâncias, diretamente ligadas à Presidência da
República e voltadas especificamente para a implementação de uma Política Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, quais sejam: i) o Gabinete do Ministro
Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome - MESA -, ii) o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA - que envolve representantes
governamentais e personalidades oriundas de organizações da sociedade civil, iii) uma
Assessoria Especial da Presidência da República de Mobilização para o Fome Zero.
As ações deste programa se enquadraram em quatro eixos articuladores. Cada
eixo tinha programas próprios, mas todos se integravam em uma mesma estratégia
macro, pois compreendia-se que nenhum deles, isoladamente, conseguiria atingir a meta
de zerar a fome.
O primeiro eixo, Acesso aos Alimentos, implementou ações diretamente
voltadas para a ampliação do acesso à alimentação pela população de baixa renda. A
principal delas foi a imediata instituição e rápida expansão de um programa de
transferência de renda, o programa Bolsa Família. O acesso foi também promovido pelo
remodelamento e ampliação do programa de alimentação escolar e pelo apoio à criação
de equipamentos públicos, tais como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e
bancos de alimentos.
O segundo eixo de atuação da Estratégia Fome Zero foi voltado para o
fortalecimento da agricultura familiar, que constitui a parte majoritária dos
estabelecimentos agrícolas e a principal responsável pelo fornecimento de alimentos ao
mercado doméstico. Logo no início do Fome Zero instituiu-se um Plano de Safra
específico para essa categoria de agricultores englobando, de um lado, a ampliação do
programa de crédito já existente – o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF). Trata-se de um programa de crédito exclusivamente
dedicado a esse tipo de agricultura, apoiando majoritariamente a produção de alimentos.
De outro lado, foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar (PAA), um exitoso programa intersetorial que estabelece elos entre a oferta de
alimentos proveniente da agricultura familiar e a demanda por alimentos para
programas e equipamentos públicos (alimentação escolar, hospitais, distribuição gratuita
de alimentos, cadeias etc.) e também para a formação de estoques.
O terceiro eixo, de Promoção de Processos de Geração de Renda, desenvolveu
ações de qualificação da população de baixa renda no sentido de contribuir para a sua
inserção no mercado de trabalho. Foram desenvolvidas diversas parcerias nessa área
com iniciativas inovadoras de geração de trabalho e renda em economia solidária, apoio
às organizações que operam com Fundos Rotativos Solidários e Bancos Comunitários
levando financiamento solidário e disponibilizando recursos financeiros para viabilizar
ações produtivas associativas e sustentáveis.
No quarto eixo e último eixo, Articulação, Mobilização e Participação Popular,
foram firmadas mais de cem parcerias para a realização de campanhas de combate à
fome e de segurança alimentar e nutricional. Esse eixo também proporcionou a
educação cidadã por meio da mobilização e formação da cidadania.
Como resultados desta atividade, podemos destacar o fortalecimento e a criação
de fóruns e conselhos de segurança alimentar; criação de feiras itinerantes de agricultura
familiar e economia popular solidária; iniciativas de trabalho com indígenas,
quilombolas, mulheres, catadores e recicladores de materiais; estímulo à criação dos
consórcios de segurança alimentar e desenvolvimento local; monitoramento e controle
social do Bolsa Família e de outras políticas públicas; fortalecimento das políticas
territoriais; criação de núcleos de educação popular com as famílias beneficiadas pelo
Fome Zero e em condições de vulnerabilidade social; mobilização de educadores e
famílias para a participação nas conferências de Segurança Alimentar e Nutricional e
processos de discussão e aprovação das leis da área.
Nesse eixo também encontravam-se os programas de proteção social às famílias
atendidas dentro do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), através da rede
proteção e promoção social. O Programa de Atenção as Famílias (PAIF) desenvolvido
nos Centros de Referências da Assistência Social – CRAS realiza atendimentos às
famílias, com orientação social e psicológica, identificação de demandas e
encaminhamentos para outros níveis de complexidade do sistema.
Por fim, também incluem-se aqui as ações de controle social dos programas. Destaca-se
o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ligado diretamente ao
Presidente da República, composto por 57 conselheiros (38 representantes da sociedade
civil e 19 ministros de Estado e representantes do governo federal) e 28 observadores
convidados.
Foi realizado um diagnóstico da situação jurídico-institucional dos programas
que compõem o Fome Zero, que acabou contribuindo para a elaboração da Lei Orgânica
de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN, promulgada em 2006. Esta lei foi
elaborada em conjunto com a sociedade, aprovada por unanimidade no parlamento
brasileiro e sancionada pelo Presidente. Ela institui o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN que, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) e
do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), integra e organiza as políticas
desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal. A Lei consolida as bases
institucionais para que todas as pessoas possam ter uma alimentação saudável,
acessível, de qualidade, em quantidade suficiente e de modo. Institui, também, de forma
permanente, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e
cria a Câmara Interministerial com papel de organizar e articular as instâncias
responsáveis pelo Sistema.
Em 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a
alimentação entre os direitos sociais, fixados no artigo 6º da Constituição Federal
Brasileira . Assim, temos no campo jurídico, um largo instrumento de garantia de todas
as ações integradas pelo Fome Zero. Agora, o direito à alimentação é um direito
constitucional no Brasil.
Em relação à integração dos programas, um bom exemplo foi a transferência de
renda para as famílias do Bolsa Família, programa chave para o Fome Zero. A
integração com outras ações, como a saúde, a educação e a assistência social, passou a
ser o diferencial na implementação deste programa.
Outra conexão importante pode ser observada entre dois programas que
compõem a estratégia de enfrentamento da pobreza na área da segurança alimentar: o
fortalecimento da agricultura familiar e a garantia da alimentação para populações. Para
viabilizar o escoamento da produção agrícola familiar foi necessário um esforço de
integração entre setores e áreas de governo com diálogos setoriais dificultados:
desenvolvimento agrário, educação, nutrição, assistência social, trabalho e renda.
Todos estes programas e ações, além de apontarem para uma maior integração e
institucionalização das diversas políticas sociais, possibilitaram uma ação mais
afirmativa e integrada do Estado, voltada para as famílias.
O foco nas famílias, o olhar atento às especificidades dos territórios, a
coordenação e integração dos ministérios na concepção, planejamento, implementação e
monitoramento das ações, assim como no orçamento, contribuiram para ampliar a
inclusão social e a cidadania. Os dados apontam que houve a ampliação do acesso aos
alimentos, a expansão da produção e consumo de alimentos saudáveis, o aumento da
frequência escolar, a melhoria das condições de saúde e do acesso ao saneamento e ao
abastecimento de água e a geração de ocupação e renda.
Foi também fundamental neste processo a realização de duas Conferências
Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, com ampla participação da sociedade
civil neste período. A 2ª Conferência, ocorrida em Olinda, em março de 2004, resgatou
um processo interrompido por dez anos, após a realização da 1ª Conferência, em 1994,
iniciando o processo que resultou na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (LOSAN). A 3ª Conferência Nacional realizada em Fortaleza, em julho de
2007, aprovou princípios e diretrizes que nortearam a construção do Sistema Nacional
de Segurança alimentar e Nutricional.
Cabe destacar que todo este processo de participação popular resgatado com o
Fome Zero na área de Segurança alimentar e Nutricional, além do CONSEA Nacional,
possibilitou-se a criação de CONSEAS Estaduais em 26 Estados e no Distrito Federal,
dentre os quais 11 já aprovaram Leis Estaduais na área (LOSANs estaduais) e 16 têm
Comissões de Direito Humano à Alimentação. Atualmente cerca 700 CONSEAs
municipais funcionam no País3.
IV.3 O Período Dilma: De investimento social ao foco na miséria .
Constrangimentos orçamentários e escolhas públicas
O Brasil sem Miséria é um programa social do governo federal brasileiro, criado na
gestão da presidente Dilma Rousseff. Lançado em junho de 2011, o programa tinha
como objetivo retirar da situação de pobreza extrema 16,2 milhões de pessoas que
viviam com menos de 70 reais por mês4, cerca de 8,6% da população. Ele integra ações
de desenvolvimento social para o público da extrema pobreza em três eixos principais
de intervenção: transferência de renda, acesso a serviços e políticas e inclusão
produtiva.
O público-alvo do programa é a camada mais pobre da população brasileira, que
vive em condições de extrema pobreza. A partir do momento que uma família estiver
participando do programa, ela passa a beneficiar-se de ações de inclusão produtiva - por
exemplo cursos profissionalizantes e encaminhamento ao emprego - e de acesso a
serviços públicos, como escolas, água encanada e escoamento sanitário. O Brasil Sem
Miséria aprofunda as ações para famílias extremamente pobres por meio da busca ativa
das famílias que ainda não acessaram o Programa Bolsa Família, bem como integra os
serviços aos benefícios e desenvolve atividades de inclusão produtiva no meio rural e
urbano.
IV.4 O período Temer: um golpe no percurso – Dos sistemas públicos à caridade- o
retorno da patronagem
3 Estimativa do CONSEA Nacional em 2010.4 Cerca de U$ 21,87 (cotação de 07/09/2017).
O segundo mandato presidencial de Dilma Roussef foi interrompido, em meados
de 2016, por um impeachment, constituindo uma conjuntura crítica na trajetória da
política. Michel Temer, que assumiu em seu lugar, conduziu um processo, ainda em
andamento, de alteração ideológica e programática da política de assistência social e
combate à fome.
Em termos ideológicos, nota-se uma reaproximação com o ideário da eficiência
econômica e com a visão de políticas sociais como gastos. Adicionalmente, há uma
gradativa desinstitucionalização desta política, expressa na ausência de informação
oficial nos websites, , redução de investimentos e desestrutração ministerial em termos
programáticos e de recursos humanos. Por fim, destaca-se a retomada de uma
concepção mais assistencialista da política social, com a volta do “primeiro-damismo”
na condução do novo programa – “Criança Feliz”.
Em suma, a construção do Estado de Bem-Estar Social no Brasil não é marcada
por processos lineares em termos de institucionalidade ou de fins da ação social. Assim,
é plausível afirmar que esta trajetória teve, no período aqui analisado, um percurso
tortuoso. Instituições foram criadas e extintas, políticas e programas não foram perenes.
O quadro 1 sistematiza e permite comparações entre os programas e políticas do período
analisado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve o objetivo de analisar as políticas sociais voltadas à redução
da pobreza no Brasil nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff, comparando-os tanto no plano institucional, quanto no plano
das orientações que as presidiram.
A apresentação da trajetória das políticas de transferência de renda, assistência
social e segurança alimentar nestes governos mostrou que houve diferenças notáveis
entre eles, quanto a orientações ideológicas e demandas de institucionalidade. Notou-se,
de um lado, que o governo de FHC se pautou principalmente por princípios de
eficiência econômica, com focalização de ações, diminuição do papel do Estado no
combate à pobreza e estímulo ao Terceiro Setor. De outro, que os governos de Lula e
Rousseff, embora distintos entre si, aproximaram-se de princípios de justiça social e
efetuaram maior institucionalização da política, com leis, normas, novos conselhos
participativos, sistemas de políticas públicas, ministérios etc.
Logo, concluiu-se que os governos comandados pelo PT, dada a nova correlação
de forças entre atores políticos, conseguiram alterar a política social em foco tanto em
termos qualitativos e de orientação ideológica, como quantitativos, além de
promoverem a construção de um novo aparato institucional para concretizar tal
orientação. Contudo, essa hipótese não implica desconhecer que a trajetória das
políticas não é linear e que já houve mudanças com o impeachment e o novo governo de
Michel Temer, relacionadas à orientação ideológica - novamente aproximando-se de um
ideário neoliberal -, e à redução da institucionalização desta política.
Quadro 1 –
COMUNIDADE SOLIDÁRIA, FOME ZERO E BRASIL SEM MISÉRIA, CRIANÇA FELIZ (1995-2017)
Programas Comunidade Solidária Fome Zero Brasil Sem Miséria
Definição Estratégia do Governo Federal para assegurar o direito humano a alimentação adequada, priorizando as pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos.
Plano nacional para superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações.
Objetivos Geral
•Coordenar ações governamentais dirigidas à parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza
•Promover a segurança alimentar e nutricional
•Contribuir para a erradicação da pobreza extrema e para a conquista da cidadania da população mais vulnerável a fome.•Integrar diversos programas e ações.
•Promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre, tornando residual o percentual dos que vivem abaixo da linha da pobreza
•Elevar a renda familiar per capita.
• Ampliar o acesso aos serviços públicos, às ações de cidadania e de bem estar social;
• Ampliar o acesso às oportunidades de ocupação e renda através de ações de inclusão produtiva nos meios urbano e rural.
Abrangência (municípios)
1.369 5.565 5.565
Responsabilidade da execução
Governo Federal, Sociedade Civil
Governo Federal,Estados e Municípios
Governo Federal, Estados e Municípios
Financiamento
Fundo de Combate à Pobreza
Fundo de Combate à Pobreza Recursos Federais e dos entes federados
Período de 1995 – 2002 (a) 2003 – 2010 (a) 2011 – 2014 (a)
Vigência considerando fases e desdobramentos
Instância de Participação Popular
Conselho Consultivo -10 ministros de Estado e 21 personalidades da sociedade civil,
escolhidas pela Presidência
Conselho Consultivo -
59 conselheiros, sendo 17 ministros de Estado e 42 representantes da sociedade civil escolhidos pela Sociedade Civil, e por uma Secretaria Executiva
Estruturas de participação dos programas e ações que compõem o Brasil Sem Miséria
Orgão coordenador
Presidência e Secretária-Executiva
(Primeira-Dama)
Presidência e Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(a) Considerou-se aqui as diversas fases e desdobramentos dos Programas ao longo
do tempo, incluindo aqui programas novos que surgiram a partir do Programa
Mãe. Considerou-se aqui o Programa Criança Feliz como principal programa
social do Governo Temer.
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