economia aplicada e cenários econômicos globais_simão davi silber_2014
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ECONOMIA APLICADA E CENÁRIOS ECONÔMICOS GLOBAIS
SIMÃO DAVI SILBER
2014
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SUMÁRIO
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1. Evolução da Economia Mundial e Suas Perspectivas 3
2. A Globalização dos Mercados 6
3. As Principais Características e Conseqüências da Globalização 9
4. Oportunidades e Conseqüências da Globalização para o Brasil 12
5. Comércio Internacional e Blocos Regionais 13
6. Perspectivas da Economia Mundial 18
7. O Desempenho Recente da Economia Brasileira e as Perspectivas para
os Próximos Anos 22
8. Os Desafios de Longo Prazo: Manter a Estabilização, Retomar o
Crescimento e Minorar os Problemas Distributivos. 44
9. Diretrizes Gerais para a Política Macroeconômica Brasileira de Longo
Prazo. 47
10. Desregulamentação e Privatização 48
11. Referências 50
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1. A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL E SUAS PERSPECTIVAS
A evolução da economia mundial, desde a I Revolução Industrial e até os dias
de hoje, tem se caracterizado pela gradual abertura das economias nacionais às
transações internacionais, tanto comerciais como financeiras e de investimento direto.
Este fenômeno, que hoje é conhecido como o da “globalização dos mercados”, consiste
na exposição crescente das economias nacionais aos eventos e a concorrência mundial.
A globalização caminhou basicamente por três rotas: a primeira pela crescente abertura
do mercado mundial às exportações e importações (hoje em dia as transações
comerciais representam 30% do PIB mundial); a segunda através da rápida expansão
do mercado financeiro internacional na esteira da desregulamentação e da revolução
tecnológica representada pelas tecnologias de informação e; finalmente, pela
internacionalização das decisões de produção, investimento e de tecnologia, com a
ampliação da presença das empresas multinacionais no mercado mundial.
Após a II Guerra Mundial, o comércio internacional voltou a ser um "motor do
desenvolvimento econômico" mundial. A redução das barreiras tarifárias, negociadas no
âmbito do GATT, foi capaz de reduzir a tarifa média de importação nos países
industrializados de 35 para 4%. Esta liberalização comercial concentrou-se basicamente
no setor industrial, sendo que só recentemente (com a Rodada do Uruguai) a agricultura
e serviços foram incorporados nas negociações para a abertura do mercado mundial
destes setores. Além disto, o tratamento multilateral e não discriminatório das regras de
comércio, possibilitaram o crescimento das transações internacionais a taxas bem
superiores ao do crescimento da produção mundial.
Entre 1953 a 1973 para um crescimento da renda mundial de 4,8% ao ano o
comércio cresceu em 7,8%. São também importantes para a obtenção deste resultado a
vigência de taxas de câmbio fixas, os pequenos movimentos especulativos de capital e a
harmonia de políticas macroeconômicas implícita no sistema de câmbio fixo de Bretton
Woods. Essa reorganização da economia mundial representou uma reação institucional
contra os efeitos da escalada protecionista e de desvalorizações cambiais competitivas,
observadas nos anos 30, e que haviam se mostrado extremamente danosas ao comércio
e ao crescimento mundial.
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A partir de meados dos anos 70 inicia-se uma nova fase da evolução da
economia mundial. Os choques do petróleo e das taxas de juros, a ruptura do sistema
de taxas de câmbio fixo, a maior mobilidade de capital e o aparecimento dos países
emergentes como importantes competidores no mercado mundial, são fatores que
contribuem para o aparecimento de uma nova forma de protecionismo, nos países
desenvolvidos e em desenvolvimento, contra a concorrência externa: as restrições não
tarifárias (RNT).
As RNT assumiram diversas formas: ações antidumping, direitos
compensatórios, quotas, subsídios, acordos voluntários de restrição às exportações,
direitos alfandegários variáveis, licenças não automáticas de importação etc., e atuaram
como amortecedores ao crescimento do comércio internacional.
Para reverter esta escalada protecionista é que se criou - -durante a Rodada do
Uruguai - a OMC (Organização Mundial do Comércio), com poderes maiores que o do
GATT. A Rodada do Uruguai foi constituída de um conjunto complexo de temas. O
principal objetivo das negociações era o de incorporar os "novos temas", isto são os
serviços, propriedade intelectual e investimentos nas relações internacionais. Foram 7
anos de negociação, encerradas em dezembro de 1993, e ainda existem enormes
obstáculos, para a implementação dos resultados da negociação.
Uma das principais funções da OMC tem sido a administração do sistema de
solução de controvérsias, considerado um dos principais ganhos para os países em
desenvolvimento, mais vulneráveis a violações comerciais praticadas pelos países
desenvolvidos. Dentro dos novos procedimentos, reduziu-se o poder de barganha dos
países ricos, já que o elemento dominante na avaliação das medidas aplicadas passa a
ser a compatibilidade com os textos legais. Com isto é possível definir violações e
compensações de modo objetivo o que inibe possíveis infratores, principalmente entre
os países ricos. A partir de 1995 entraram em vigor as principais cláusulas negociadas,
que incluem: acesso a mercados (redução das barreiras à importação), com importantes
reduções tarifárias, que em alguns casos chegam a 50% nos países desenvolvidos. Na
área agrícola acordou-se uma redução de 20% no subsídio à produção doméstica;
redução média de tarifa de importação de 36% e redução nesta mesma magnitude dos
subsídios à exportação. Embora longe do ideal, reduz-se com estes mecanismos a
tendência protecionista nos países ricos e estabelecem-se regras específicas para os
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produtos agrícolas. Foram feitos alguns progressos com relação à aplicação da legislação
antidumping e de praticas desleais de comércio, que passam por um escrutínio de
arbitragens multilaterais. Na área de serviços, o texto final do acordo satisfez as
expectativas dos países em desenvolvimento, pois preservou a flexibilidade para que
estes assumam internacionalmente somente os compromissos compatíveis com a
situação jurídica e política interna. Com relação à propriedade intelectual, foram
definidas normas detalhadas de proteção a toda gama de direitos de propriedade
intelectual, indo muito além das Convenções de Berna e Paris. O espaço de manobra
existente para as legislações nacionais adotarem regras distintas foi reduzido de forma
significativa.
A negociação em andamento na OMC, iniciada em Doha-Katar, em novembro
de 2001, veio ampliar a possibilidade de novas negociações multilaterais, nas áreas de
comércio de produtos agrícolas, propriedade intelectual e ações antidumping, de grande
interesse para o Brasil, em decorrência da atual política de inserção do país no mercado
mundial. Infelizmente, em nenhuma destas frentes há perspectivas de avanços
importantes, no curto prazo. Em nível da OMC, a coalizão União Européia/USA para
protelar a redução dos subsídios agrícolas e relutância dos países em desenvolvimento
de avançar nos “novos temas” (serviços, propriedade intelectual, proteção aos
investimentos e compras governamentais) e nas salvaguardas para as importações
agrícolas levaram as negociações a um impasse a partir de 2008. A crise financeira
mundial também contribuiu para colocar a agenda comercial em plano secundário além
de contribuir para uma nova ameaça protecionista. A Rodada Doha só foi iniciada
quando os “novos temas” foram retirados da negociação, permanecendo os temas mais
tradicionais (velhos temas) sobre tarifas e subsídios de produtos agrícolas e industriais.
Após as turbulências dos anos 70 e início dos anos 80 (choques do petróleo,
juros reais elevados e crise da dívida externa dos países em desenvolvimento), que
comprometeram o crescimento das transações internacionais, observa-se à retomada do
crescimento do comércio mundial a partir de meados dos anos 80. Atualmente o
comércio internacional voltou a crescer a uma taxa superior a do crescimento do PIB
mundial.
Deve-se destacar, no entanto, que para o período mais recente, o dinamismo
do comércio mundial está muito mais vinculado a arranjos regionais de comércio e com
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uma nova característica: os principais atores do regionalismo são os países
desenvolvidos. Estima-se que atualmente 50% do comércio mundial se realizem dentro
de blocos regionais. Em particular, o principal defensor do multilateralismo no passado,
os Estados Unidos, também caminhou na direção da formação de um bloco regional de
comércio, fazendo com que o mundo desenvolvido venha a ser dividido em 3 grandes
blocos.
2. A GLOBALIZAÇÃO DOS MERCADOS
A economia mundial está presenciando um período de transformações radicais;
em particular houve uma dramática internacionalização (globalização) da atividade
econômica nas quatro últimas décadas com profundas conseqüências econômicas,
políticas e sociais. Um conjunto de forças poderosas comanda o processo de
globalização. De um lado existem as políticas governamentais de abertura econômica e
de outro um conjunto de forças independentes comandadas pelo progresso tecnológico,
particularmente na área de transporte e comunicações. Os benefícios de tal processo
não estão distribuídos universalmente por todos os países, embora um número
crescente de nações venha desfrutando da prosperidade econômica associada à
globalização. O grande desafio brasileiro é o de fazer parte deste grupo de países que se
integram competitivamente na economia mundial.
Com a globalização, as decisões de produção e comércio internacional ficaram
intimamente interligadas: a internacionalização de empresas se espalhou pelo mundo e
uma parte maior dos novos produtos que chegam ao mercado é transacionável
internacionalmente (traded goods) ou dependem pesadamente de componentes
transacionáveis. Enquanto a produção mundial cresceu cinco vezes nos últimos quarenta
e cinco anos, os fluxos comerciais cresceram doze vezes. No período 1985-2010, em
função da liberalização comercial multilateral e regional houve uma expansão sem
precedentes do comércio mundial, ultrapassando o crescimento do PIB mundial. Os
países em desenvolvimento aumentaram sua participação no mercado mundial de 23%
em 1985 para 37% em 2009. Entre estes dois anos a participação das exportações de
manufaturados destes países no total de suas exportações passou de 47% para 86%.
Uma parcela significativa do comércio mundial é intrafirma, comandados pelo
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investimento externo, na medida em que as empresas procuram aumentar suas escalas
de operação, reduzir custos e ampliar suas participações nos mercados nacionais e
internacionais. Este fenômeno da “desverticalização“ da atividade produtiva está no
âmago da estratégia das empresas multinacionais, que procuram distribuir suas
atividades produtivas em escala mundial, selecionando os países de acordo com as
vantagens comparativas em relação a determinados segmentos da produção.
A tendência de uma crescente abertura comercial mundial tem sido
acompanhada por uma dramática mudança do volume e natureza do fluxo de capitais
para os países em desenvolvimento, com os capitais privados assumindo o papel
anteriormente ocupado pelos financiamentos oficiais. O crescimento espetacular do
investimento direto externo (IDE) acompanhado pela expansão dos capitais de portfólio
constitui - hoje em dia - quase a totalidade dos fluxos de capital para os países em
desenvolvimento. Entre 1983 e 2012, o ingresso líquido de capital dobrou como
proporção do PIB destes países, representando atualmente 3,6% do PIB. Deve-se
destacar, no entanto, que o ingresso de capital esteve concentrado em poucos países
com elevadas taxas de crescimento do PIB: na última década, 2/3 do IDE teve como
destino 8 países em desenvolvimento. O IDE contribui de inúmeras maneiras para
acelerar o crescimento econômico dos países receptores: aumenta a produtividade da
mão de obra, possibilitam escalas de produção compatíveis padrões internacionais,
aumentam a concorrência e a difusão de tecnologia no mercado interno.
A expansão do investimento direto externo e do comércio internacional são dois
grandes motores da globalização. Eles facilitam a divisão internacional do trabalho, é a
forma mais eficiente de difusão de conhecimento tecnológico, de capital, de criação de
riqueza e podem possibilitar a incorporação da capacidade produtiva potencial dos
países no processo de desenvolvimento econômico e abrindo novos mercados para
produtos e serviços de alto valor adicionado e possibilitam oportunidades de empregos
melhor remunerados.
Os avanços na área dos transportes e telecomunicações também foram
decisivos para a globalização, na medida em que reduziram dramaticamente os custos
das transações. O custo de uma chamada telefônica caiu por um fator de 60 vezes
desde 1930 e o coeficiente passageiros/quilometro per capita de viagens internacionais
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cresceu 15 vezes nos últimos 30 anos. O advento das redes globais de computadores
também contribuiu decisivamente para aquilo que hoje é denominado “o fim da
geografia”. Isto foi fundamental para a globalização financeira. Hoje em dia, o principal
mercado internacional é o financeiro, na esteira da revolução tecnológica,
desregulamentação e desenvolvimento de novos produtos financeiros (particularmente o
de derivativos financeiros). Algumas informações estatísticas sobre este fenômeno são
apresentadas a seguir.
Custo do Transporte Aéreo, Chamadas Telefônicas Internacionais e Deflator de Preços
de Computadores.
(em US$ de 1990)
ANO Receita Média por passageiro/km. no transporte aéreo
Custo de uma chamada telefônica de 3 minutos
entre N.Ye Londres
Deflator de preço de computadores do Depto. de Comércio dos USA.
(1990 = 1000)
1930 0.68 244.65
1940 0.46 188.51
1950 0.30 053.20
1960 0.24 045.86 125.000
1970 0.16 031.58 019.474
1980 0.10 004.80 003.620
1990 0,11 003,32 001.000
1999 0.09 000.12 000.150
Fonte: FMI (1997/1999), “World Economic Outlook”, maio
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3. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E CONSEQÜÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO
Em função do crescente impacto da integração econômica global, é
fundamental discutir as suas principais características e conseqüências.
Em primeiro lugar, a globalização não pode ser retardada nem ignorada. As
poderosas forças que comandam a globalização – ligadas aos avanços tecnológicos em
transporte e comunicações - têm vida própria e são independentes dos governos.
Portanto, participar ou não da globalização não é uma opção, dadas às mudanças
irreversíveis no ambiente internacional. Na era da tecnologia da informação, é
impossível a um país se isolar do mercado mundial, a não ser a um custo social muito
elevado, já que ele se marginalizaria da prosperidade material aberta a um número
crescente de nações.
Em segundo lugar, a globalização implica que algumas das antigas distinções
entre políticas domésticas se tornem crescentemente irrelevante. Inseridos
crescentemente no mercado mundial, os países necessitam ter políticas consistentes
para garantir a confiança do mercado financeiro internacional e o influxo de IDE. Por
outro lado, existe uma margem pequena para o governo implementar políticas que
ignoram as restrições externas e a concorrência mundial. Um exemplo típico é o da
política tributária: em uma economia globalizada, não existe lugar para um sistema
tributário anacrônico e anticompetitivo como o brasileiro que, ao penalizar a atividade
produtiva doméstica, em uma era em que a mobilidade de fatores é elevada, reduz (e
pode marginalizar) a participação do país das decisões relevantes de investimento
produtivo no mundo. Outro exemplo, que o Brasil sofreu até a última década, decorre
da crescente inserção do país no mercado financeiro internacional: dada à volatilidade
deste mercado, são necessárias políticas fiscais e cambiais consistentes com a
capacidade de financiamento externo, sob pena de o país ter de enfrentar ataques
especulativos recorrentes contra sua moeda, o qual tem efeitos devastadores sobre a
economia.
Em terceiro lugar, a integração crescente na economia mundial tem custos
econômicos e sociais na etapa de transição bem definidos, devido à exposição de
setores protegidos à concorrência internacional e as necessidades das empresas se
adaptarem a escalas compatíveis com o mercado aberto. Isto se torna mais importante,
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quando o país inverte a seqüência de reformas estruturais: o ideal é inicialmente
avançar na estabilização e reformas domésticas para depois avançar na inserção
internacional; o Brasil fez exatamente o oposto e com isto teve que utilizar instrumentos
mais adequados ao equilíbrio externo e a competitividade internacional (taxa de câmbio)
para consolidar a estabilização interna, aumentando a vulnerabilidade da economia a
ataques especulativos e magnificando os custos econômicos e sociais da transição para
uma economia mais inserida na economia mundial. Mesmo em condições ideais, existe
um período de transição em que alguns setores reduzem sua importância na economia,
antes que outros setores mais competitivos se desenvolvam, mais do que compensando
as perdas iniciais. Mas no curto prazo, sempre existirão ganhadores e perdedores. A
globalização expõe as disparidades entre aqueles que têm condições de crescer em um
ambiente dinâmico, competitivo e aberto e aqueles que só sobreviveriam em uma
economia fechada e protegida. Rodrik (1997) 1 argumenta que a economia mundial se
defronta com um grande desafio de assegurar que a integração econômica mundial não
aumente a desintegração social interna. Em termos sociais, o governo deve ter o
objetivo de conduzir a abertura minimizando os efeitos distributivos da transição. Para
isto são necessárias políticas governamentais tais como a coordenação na fusão de
empresas domésticas para ganharem escala e competitividade, programas de
treinamento de mão de obra, assistência técnica para a difusão de tecnologia e linhas de
crédito preferencial para facilitar o ajuste. Deve ser enfatizado que esta preocupação
difere marcadamente dos argumentos falaciosos daqueles que advogam medidas
protecionistas para evitar os custos associados à globalização. O protecionismo não é a
resposta adequada, como mostra a experiência recente brasileira e internacional,
criando tensões sociais ainda maiores devido à marginalização do progresso material
mundial e a polarização do conflito distributivo. A abertura econômica não é um jogo de
soma zero e o crescimento da renda per capita no longo prazo depende basicamente do
crescimento da produtividade da mão de obra e isto só será atingido em um ambiente
econômico aberto.
Finalmente, o ambiente econômico mundial oferece grandes oportunidades de
integração, mas cada país tem que aproveitá-las. Uma participação crescente na
1 Rodrik, Dani (1997) “Trade, Social Insurance, and the Limits to Globalization”, National Bureau of Economic Research, Working Paper # 5905.
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economia internacional possibilita inúmeros benefícios: ela permite uma melhor alocação
dos recursos em direção aos setores onde o país tenha vantagens competitivas,
aumenta a eficiência através da concorrência entre as empresas e favorece a difusão
tecnológica e do conhecimento. Com isto deverá aumentar a convergência de renda
entre as nações, na medida em que os países em desenvolvimento terão taxas de
crescimento superiores às observadas nos países ricos. O Brasil teve, durante as duas
últimas décadas, uma taxa de crescimento do PIB abaixo da média mundial e
significativamente inferior a dos países em desenvolvimento, mesmo quando comparado
com a América Latina. O mesmo se pode dizer do pequeno dinamismo das exportações
brasileiras, refletindo a redução da competitividade do produto brasileiro no mercado
mundial, quer pelo isolamento crescente de nossa economia do cenário mundial durante
os anos 80, quer por políticas macroeconômicas pouco favoráveis à expansão das
exportações. Talvez esta seja a grande herança negativa que o país herdou do período
de grande exclusão mundial e seu maior desafio atual: o de aumentar, diversificar e
sofisticar as exportações para poder acelerar sua taxa de crescimento sem se
transformar em refém do mercado financeiro internacional. Não se deve esquecer, no
entanto, que as exportações brasileiras (como a de outros países em desenvolvimento)
enfrentam importantes barreiras tarifárias e não tarifárias no mercado mundial. Quotas,
direitos compensatórios, restrições voluntárias as exportações, normas fitossanitárias,
normas técnicas, processos antidumping e de salvaguarda tem sido utilizados com
grande freqüência contra as exportações brasileiras, reduzindo as possibilidades de
expansão de nossas vendas externas.
A inserção do Brasil na economia mundial ainda é pequena e alguns indicadores
podem dar uma idéia da trajetória que o país terá ainda que percorrer para participar
mais ativamente da globalização. Quanto mais um país está integrado na economia
mundial maior é a exposição à concorrência internacional, maior a absorção de
tecnologias modernas, maiores as opções para os consumidores finais e de obter
recursos financeiros a custos menores no mercado mundial, tudo isto contribuindo para
melhorar a alocação de recursos e atingir padrões mundiais de eficiência. Existem várias
formas para expressar o grau de integração de um país na economia mundial e aqui são
utilizados o grau de abertura da economia e a estabilidade da política de importações
como indicadores da exposição do país à concorrência mundial e a participação dos
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manufaturados no total das exportações, como uma medida da capacidade do país em
produzir dentro dos padrões mundiais e absorver níveis mais sofisticados de tecnologia.
O Brasil ainda tem um dos menores graus de exposição à concorrência internacional,
embora, a partir de 1990 haja uma reversão do fechamento exagerado do país que se
estendeu por toda a década de 80. Mesmo assim, a política de abertura não é linear e
consistente; os retrocessos têm sido freqüentes, particularmente depois do Plano Real,
introduzindo uma grande instabilidade nas regras de importação e nos preços relativos e
dificultando o planejamento de longo prazo das empresas. Restrições às importações
são importantes barreiras à difusão de tecnologia e ao aumento da produtividade total
dos fatores de produção além de introduzirem distorções na alocação dos fatores de
produção e no padrão de concorrência.
O que esta análise indica é que a reaproximação do Brasil à economia mundial
ainda está em uma etapa incipiente e que uma maior participação do país na
globalização dos mercados ainda tem um longo caminho a ser trilhado. O isolamento
radical do país do cenário mundial durante os anos 80, com a conseqüente perda de
dinamismo da economia brasileira, representa um grande obstáculo e um grande
desafio para a sociedade brasileira, o qual começou a ser enfrentado durante os anos
90. A grande tarefa a frente é a de conseguir aumentar a inserção internacional do
Brasil na economia mundial, para que isto se transforme em um motor do
desenvolvimento econômico nacional.
4. OPORTUNIDADES E DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO PARA O BRASIL
As quatro últimas décadas presenciaram uma radical transformação na divisão
do trabalho em escala mundial, sendo que uma dezena de países em desenvolvimento
aproveitou este fenômeno para acelerar o seu ritmo de crescimento econômico e se
aproximar dos padrões de opulência dos países afluentes. Isto foi possível em função da
grande integração destes países na economia mundial, ausência de distorções
relevantes que afetavam as decisões de investimento e pela estabilidade
macroeconômica. Crescimento econômico e participação crescente na economia mundial
são forças que se complementam e a grande oportunidade que o Brasil tem a frente é a
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de reverter seu isolamento da economia mundial e aproveitar as oportunidades
oferecidas pela globalização para acelerar seu crescimento econômico. A globalização
oferece grandes chances de aumentar a capacidade produtiva doméstica através do
investimento direto estrangeiro e pela sua capacidade de ampliar o acesso ao mercado
externo em produtos em que o Brasil tem vantagens comparativas, dada à alta
propensão exportadora das empresas multinacionais. Considerado um dos grandes
mercados “emergentes” do mundo (juntamente com China, Índia e Rússia), o Brasil
enfrenta hoje o grande desafio de manter um conjunto de políticas econômicas
coerentes para que o país possa aproveitar as oportunidades que a globalização dos
mercados lhe oferece e retornar ao seu padrão histórico de crescimento acelerado
interrompido no final dos anos 70. Para isto é necessário que o país mantenha políticas
macroeconômicas estáveis, crie condições favoráveis aos investimentos em capital físico
e humano e mantenha a abertura ao exterior.
5. COMÉRCIO INTERNACIONAL E BLOCOS REGIONAIS
São três os grandes projetos de integração regional que se materializaram no
mundo: a criação de uma zona de livre comércio entre os EUA, Canadá e México iniciado
em 1994 e implementado em 15 anos; a criação de um mercado interno único na
Europa e a formação de um "bloco asiático" comandado por Japão, China e Coréia do
Sul, incluindo os países de industrialização recente asiáticos.
Com relação à liberalização do comércio entre EUA, Canadá e México, deve-se
destacar que a maioria do comércio entre estes países já era livre de tarifas antes do
início do acordo. Com relação ao comércio entre Canadá e EUA, 65% das exportações
americanas e 80% das canadenses eram isentas de impostos de importação. Com a
integração, ocorreram efeitos importantes de realocação econômica, principalmente no
Canadá, em função da diferença de tamanho de mercado das duas economias (em 2013
o PIB americano foi de US $ 16,7 trilhões, enquanto que o canadense se situou em US $
1,8 trilhões). O Canadá aumentou suas exportações de manufaturas leves, intensivas
em mão-de-obra, como calçado e vestuário, de produtos de tecnologia padronizada,
como aço e automóveis, e dos intensivos em recursos naturais, como açúcar, cobre e
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petroquímicos. As vantagens comparativas dos EUA se situam em produtos de
tecnologia de ponta, serviços e produtos agrícolas.
O livre acesso ao mercado americano trouxe ganhos de escala importantes à
indústria canadense: estima-se um aumento da produtividade da mão-de-obra de 5 a
20% com o aumento da integração regional, e um ganho de renda real entre 3 a 7% do
PIB. Não se deve esquecer que 72% das exportações canadenses se destinam aos EUA
em 2012, contra os 19% das exportações americanas para o Canadá. Além disto, o grau
de abertura das duas economias ao comércio internacional difere marcadamente: na
canadense se situa em 32% do PIB, contra os 15,9% nos EUA.
Ambos os países recorreram extensivamente a RNT nos anos 80 para controlar
suas importações. A criação de uma região de livre comércio necessitou harmonizar
estas medidas, para evitar que terceiros países utilizem as diferenças de tratamento
para aumentar suas exportações para a zona de livre comércio. Tal processo implica em
desvio de comércio, discriminando as exportações do resto do mundo. Para o Brasil, em
particular, está havendo maior dificuldade em exportar para os EUA produtos como
ferro, aço, produtos químicos e açúcar, produtos que o país concorre diretamente com o
Canadá nos suprimento do mercado americano. Por outro lado, os efeitos dinâmicos da
integração, que se reflete em aumento de renda e da demanda por importações
poderão compensar os efeitos anticomércio anteriormente apontados, e apresentar um
efeito líquido favorável à expansão do comércio mundial.
O México também já tem um nível de integração comercial elevada com os
EUA. Das exportações globais de 371 bilhões de dólares em 2012, 75% se destinaram
ao mercado americano; das importações mexicanas 216 bilhões de dólares, 76 % são
oriundas dos EUA. Portanto, os efeitos sobre a economia mexicana da criação de uma
zona de livre comércio dependem fundamentalmente do relacionamento bilateral destes
dois países. Das exportações mexicanas para os EUA, 84% são de produtos
industrializados, com destaque para equipamentos e material de transporte e
eletrônicos, enquanto que 16% são de produtos primários e recursos minerais. Dada a
grande dimensão do mercado americano, tem-se observado um significativo aumento
das exportações mexicanas para este mercado, representando este o principal ganho do
país na criação da zona de livre comércio.
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A criação de um mercado interno unificado na Europa, onde o principal
ingrediente foi à introdução da moeda única a partir de 2002, tem também efeitos
importantes na reorientação da atividade econômica regional e sobre o comércio
internacional. Ela representa uma reação da União Européia à redução das taxas de
crescimento observadas a partir dos anos 70, e uma tentativa de dar uma melhor base
competitiva para as empresas européias em sua concorrência com empresas americanas
e japonesas. Alem disto, em maio de 2004, a União Européia aceitou dez novos
membros, elevando para vinte e sete o número de países caminhando em direção a um
mercado unificado. Em 2013 foi incorporado o 28º membro: A Croácia.
O nível de integração atual das economias nacionais européias já é bastante
elevado. Mesmo assim, ocorreram impactos importantes das medidas que foram
implantadas na nova fase de integração: a taxa de crescimento passou dos 1,8% a.a.
observados na primeira metade dos anos 90, para 2,8% na última década. A União
Européia estimou que os ganhos de renda real para o período 1999-2008 são de US $
350 bilhões, com a criação de 2 milhões de novos empregos. O comércio regional
cresceu significativamente com a eliminação de controles nas fronteiras sobre os
movimentos de bens e serviços, a adoção de padrões industriais uniformes, a
harmonização das taxas do imposto sobre o valor adicionado, a liberalização do
movimento de capital e dos serviços financeiros e a abertura das concorrências públicas,
em condições de igualdade, para as empresas da União Européia. Todas estas medidas
representam desvio de comércio, já que discriminam os países não membros. Além
disto, existem atualmente 700 restrições quantitativas nacionais e em complexo sistema
para definir índices de nacionalização para o comércio inter-regional que foi
harmonizado com a criação de um mercado único. Com isto, espera-se um aumento da
proteção na Europa, com o projeto de unificação do mercado. Não é sem razão que os
investimentos de empresas americanas, japonesas, coreanas, canadenses, etc.
aumentaram significativamente nos últimos anos, na Europa.
Deve-se destacar, no entanto, que a integração européia iniciada em 1957,
manteve até aqui um grau de abertura da sua economia semelhante a dos EUA e a do
Japão. Para o ano de 2011 o grau de abertura da União Européia era de 12 % do PIB,
contra 15,9 % dos EUA e 15,7% do Japão.
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Em síntese, o que se pode afirmar é que a próxima etapa do processo de
integração Européia tem características desfavoráveis ao crescimento do comércio
internacional, que poderão ser minorados pela aceleração da taxa de crescimento da
renda regional e conseqüente aumento das importações.
Com relação à formação do "Bloco Asiático", não existe acordo formalizado,
mas a interdependência regional aumentou sensivelmente nas últimas décadas. A
perspectiva de que os EUA não poderiam indefinidamente absorver os superávits do
leste asiático, colocou em redefinição o papel do Japão, China e Coréia na região, e sua
integração com os países emergentes altamente dependentes da exportação. O
comércio regional, a partir de 1985, apresenta um crescimento da ordem de 9% ao ano.
Portanto, mesmo sem ter um aparato institucional definido, a integração regional
asiática tem caminhado rapidamente. Com a desvalorização do dólar americano nos
últimos anos, os EUA deixarão de ser um absorvedor tão importante das exportações
asiáticas e deverá se acelerar ainda mais o crescimento do comércio regional.
Além dos acordos regionais acima mencionados, deve-se destacar que hoje
existe uma proliferação de acordos preferenciais no mundo e entre eles está o
MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul, envolvendo 6 países e que previa um prazo
de implementação plena ainda indefinido).
O esforço integracionista ao nível do MERCOSUL foi definido em 1991, através
do "Tratado de Assunção". As negociações levaram ao estabelecimento de um
cronograma que especifica o ano 2000 para se atingir o livre comércio e o ano de 2006
para a convergência da tarifa externa comum. A eliminação das barreiras tarifárias e não
tarifárias nas transações intra-regionais, a definição de uma tarifa externa comum, a
coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e harmonização de legislação
envolvida, seriam os principais instrumentos para implementar o mercado comum.
Destes, o principal instrumento da integração passou a ser a rápida redução das
alíquotas de importação, em detrimento dos demais instrumentos, que passaram a ter
menor relevância, quer em função das políticas macroeconômicas domésticas, quer pela
redução do papel ativo do Estado na alocação de fatores. Com isto as preferências
tarifárias passaram a ser importante - associada à proximidade geográfica - na
determinação da realocação da produção a nível regional.
17
A experiência com a integração até aqui indica que existe espaço para uma
maior especialização regional: uma vez definidos os mecanismos institucionais
apropriados pode se acelerar o crescimento do comércio regional. Além disto, todos os
países caminharam no sentido da liberalização unilateral de suas transações
internacionais, eliminando restrições não tarifárias e reservando às alíquotas de
importação o papel de sinalizar as preferências estratégicas de industrialização. Passa-se
a atribuir ao sistema de preços uma parcela maior da alocação de recursos diminuindo o
caráter discricionário e instável da política comercial vigorante até o final dos anos 80.
Não existe uma coordenação de política macroeconômica entre os membros do Mercosul
e até recentemente a grande discrepância se localizava na política cambial, com a
Argentina adotando um regime de taxas de câmbio fixa em termos nominais, enquanto
que os demais países seguem uma regra que se aproxima de um regime de taxa de
câmbio flutuante com interferência governamental. Alias, aqui reside uma importante
restrição ao processo de integração: como Brasil e Argentina não completaram seus
programas de reforma macroeconômica, sem dúvida alguma tal objetivo ainda é
prioritário, se sobrepondo (e conflitando) ao objetivo de integração regional. Os eventos
da desvalorização do real e de moratória da Argentina dão uma demonstração clara da
inviabilidade de uma integração profunda, quando persistem diferenças
macroeconômicas tão radicais entre os países.
Alterações no volume de comércio têm ocorrido desde o início do processo de
integração comercial ao nível do MERCOSUL. As informações disponíveis indicam que o
grau de especialização regional aumentou, levando a expansão dos fluxos comerciais.
Vários setores produtivos foram afetados com o incremento das transações regionais,
dependendo os resultados do grau de competitividade das indústrias de cada país. A
magnitude do mercado regional (PIB da ordem de 2,8 trilhões de US$ em 2013)
possibilitou redefinir a distribuição espacial de várias atividades, aumentando a
competitividade destes setores a nível mundial. Aliás, esta seria uma razão primordial
para a implementação do MERCOSUL: em um cenário de crescente globalização e de
concorrência em escala mundial, o processo de criação de um mercado comum não
poderá ser protecionista, sob o risco de comprometer a competitividade internacional da
região.
18
12. 6. PERSPECTIVAS DA ECONOMIA MUNDIAL
Dada à interdependência das economias nacionais, as mudanças recentes que
estão ocorrendo nos países desenvolvidos já estão afetando a trajetória da economia
mundial para os próximos anos. As informações divulgadas até o final de 2013 dão uma
indicação cada vez mais clara que as economias dos países desenvolvidos estão
passando por um processo de gradual do nível de crescimento.
Existem vários fatores para explicar essa mudança de rumo da economia
mundial: em primeiro lugar, a magnitude da crise financeira dos Estados Unidos, Reino
Unido, Espanha, Portugal, Grécia, Bélgica e Irlanda reduziram o dinamismo da economia
dos países desenvolvidos. Somente em 2014 é que se projeta uma gradual recuperação
do crescimento mundial. Quando se acreditava que as medidas de estimulo monetário e
fiscal na economia americana e européia poderiam ter eliminado o pior da crise, eclodiu
o problema da crise das dívidas soberanas dos países da área do euro e dos EUA.
Uma das características importantes da economia mundial do período pós II
Guerra Mundial é a recorrência de flutuações cíclicas, que a política macroeconômica é
incapaz de controlar. Os ciclos econômicos não tem um padrão definido, o que torna a
muito difícil à tarefa de prever o comportamento futuro da economia mundial. O ponto
central a ser destacado é que após a desaceleração econômica mundial do ano de 2001,
a economia mundial passou por uma forte recuperação e entre 2003 e 2007, o
crescimento foi superior a média histórica, porem a partir do segundo semestre de
2008, começou a reversão do crescimento da economia mundial. Essa diminuição do
dinamismo do crescimento mundial teve três causas: há um importante desequilíbrio
macroeconômico no mundo durou quase que uma década. Em segundo lugar, o próprio
crescimento acelerada do PIB mundial, pressionou o preço das commodities no mundo e
em terceiro lugar, eclodiu a crise de crédito nos Estados Unidos que se espalhou
rapidamente pelo mercado financeiro dos países industrializados e em desenvolvimento.
Na virada dos anos noventa para a primeira década do século XXI se acentuam
inicialmente o déficit de balanço de pagamentos dos EUA e após o ataque terrorista de
11 de setembro de 2001, o esforço bélico americano com a invasão do Iraque,
Afeganistão e defesa interna ampliaram o déficit governamental. As conseqüências dos
“déficits gêmeos” americanos foram de um lado o aumento das taxas de juros longas
19
nos Estados Unidos e uma desvalorização sistemática da moeda americana no mercado
cambial mundial.
A depreciação do dólar e o aumento do preço das commodities geraram pressões
inflacionárias e o FED reagiu aumentando a taxa básica de juros (Taxa dos Fundos
Federais) e o resultado foi à redução de ritmo de crescimento da economia americana.
Se adicionarmos a crise hipotecária de 2007, temos o conjunto de fatores que explicam
a desaceleração do crescimento do PIB americano e que teve efeitos adversos nos
demais países ricos.
A partir do mês de julho de 2007, o mercado financeiro internacional começou a
passar por um período de maior volatilidade que persiste até o momento atual. No início
da crise o principal foco das preocupações ficou concentrado com as perspectivas do
comportamento do mercado imobiliário americano e os efeitos colaterais sobre retração
de crédito bancário nos Estados Unidos e das repercussões sobre a economia mundial,
particularmente a União Européia. As bolsas de valores passaram a ter oscilações
maiores, o risco soberano dos países em desenvolvimento aumentou significativamente,
houve maior flutuação da taxa de câmbio e houve uma realocação de carteiras em
direção a aplicações mais seguras (fuga para a qualidade). Um bom termômetro dessa
mudança é o aumento do preço dos títulos do tesouro americanos mais longos e
consequente queda de juros desses papeis. Outro indicador da mudança de humor do
mercado financeiro foi o comportamento das bolsas de valores mundiais. Cinco anos
após a eclosão da crise do “sub-prime”, a volatilidade dos preços das ações continua
elevada e houve um aumento generalizado do preço das ações no mundo.
Houve uma retração significativa da atividade de construção de residências nos
Estados Unidos: comparado com o início de 2006, as informações disponíveis até início
de 2014 indicam uma queda de 61% nas construções de residências. Os preços dos
imóveis começaram a cair a partir de 2006, contabilizando uma redução de 34% no
preço dos imóveis residenciais e criando problemas de liquidez e insolvência para os
mutuários. Entre 2006 e 2013 foram executadas 4,5 milhões de hipotecas nos Estados
Unidos.
O prejuízo reportado por bancos na área de crédito imobiliário e securitização de
recebíveis em hipotecas deixou o mercado financeiro internacional extremamente volátil
durante três anos. O segmento imobiliário em qualquer economia com aprofundamento
20
financeiro é muito grande e a queda do nível de atividade desse setor usualmente leva a
uma desaceleração do crescimento do PIB. Só para se ter uma idéia das magnitudes
envolvidas, o valor do crédito hipotecário nos Estados Unidos é de US$ 12 trilhões, ou
80% do PIB americano. Um problema de inadimplência no segmento mais arriscado
desencadeou um ajuste no mercado de capitais americano e mundial de grandes
proporções. Aqui, o papel dos Bancos Centrais e do Tesouro dos países desenvolvidos
foi decisivo para evitar que o problema financeiro contaminasse a economia mundial
como um todo.
Na verdade deve-se lembrar que a economia dos Estados Unidos já dava sinais
de redução do seu crescimento a partir de 2004, em função da política monetária
restritiva praticada pelo FED, dada à ameaça inflacionária que começava a rondar a
economia americana. Não se deve esquecer que até setembro de 2007, a taxa básica de
juros nos Estados Unidos estava em 5,25% ao ano. A partir de agosto de 2008, o
cenário mudou muito rapidamente quando se percebeu a extensão da crise financeira e
a prioridade do banco central americano passou a ser o nível de atividade econômica.
Apesar da agressividade de atuação do FED em aumentar a liquidez real da economia,
isso não tem sido suficiente para sustentar os preços dos ativos e a queda da atividade
econômica acabou ocorrendo . A economia americana teve uma queda do PIB de 2,7%
em 2009 e no período de 2010 a 2013, foram necessários estímulos monetários e fiscais
excepcionais para que houvesse um crescimento de 2%.
A retração do nível de atividade econômica se acentuou com a crise do “sub-
prime”. Rapidamente o mercado imobiliário se ajustou ao excesso de oferta e o nível de
atividade na construção civil está hoje próximo de 35% do exibido em 2006, quando se
atingiu o pico da produção de imóveis residenciais. Alem de representar por si só uma
forte redução da demanda por componentes e de mão de obra, a queda no preço dos
imóveis trouxe uma diminuição patrimonial estimada em US$ 2 trilhões aos
proprietários. Se adicionarmos a redução do preço médio das ações a partir de meados
de 2007, estima-se que os americanos passaram por uma redução no valor de mercado
de seu patrimônio de aproximadamente US$ 4 trilhões. Trata-se de um “efeito riqueza”
negativo, que transformou o consumidor e o investidor americano em um agente
econômico mais cauteloso no planejamento de suas despesas, o que deverá sancionar
um crescimento moderado para a economia americana - apesar dos estímulos
21
monetários e fiscais utilizados. O crédito está muito mais seletivo e a perda patrimonial
dos bancos americanos exigiu uma restrição de crédito que passou a ser um fator
adicional a reduzir a demanda agregada. Do lado europeu, o panorama não é muito
diferente. A exposição dos bancos europeus foi elevada aos ativos financeiros
americanos, o que levou a uma retração do crédito na região. Com isso a Europa entrou
em recessão, fenômeno idêntico ocorreu no Japão.
Como é possível que países de dimensão econômica minúscula como as da Grécia,
Irlanda e Portugal conseguiram trazer uma grande incerteza com relação ao futuro do
Euro e da própria União Européia? A resposta é que a crise europeia reflete um
problema amplo que atinge o âmago da arquitetura econômica e política do projeto de
integração europeu. o problema não é específico de um país ou do conjunto de países
que foi identificado como PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), mas da
sobrevivência da moeda única frente a dois choques adversos: a crise financeira de
2007/2008 e a deterioração fiscal e creditícia decorrente da profunda recessão de 2009,
que levou a queda da arrecadação, aumento das despesas do governo e uma trajetória
insustentável da dívida pública de vários países europeus.
A grande incógnita que surgiu em 2010 é se o acordo anunciado em 5 de maio de €$
110 bilhões entre a União Européia e o Fundo Monetário Internacional para evitar que a
Grécia decretasse moratória na sua dívida seria suficiente para garantir a transição até
2015 e se o fundo de estabilização de €$ 750 bilhões anunciado em 10 de maio de 2010
garantirá apoio aos demais países que tenham dificuldades de financiamento de suas
dívidas no mercado financeiro internacional. Em fevereiro de 2012 foram necessárias
medidas adicionais de apoio à Grécia para evitar uma moratória da dívida do governo e
foram criados novos mecanismos para que o mesmo não ocorresse com Portugal e
Irlanda. O segundo “pacote” de ajuda à Grécia foi de €$ 130 bilhões, envolvendo novos
empréstimos, redução de juros da dívida, alongamento de prazos e uma contribuição
voluntária dos bancos privados na reestruturação da dívida do governo grego. Dada à
interdependência das economias nacionais, as mudanças recentes que estão ocorrendo
nos países industrializados afetarão a trajetória da economia mundial para os próximos
anos. As informações divulgadas até 2013 dão uma indicação cada vez mais clara que
22
as economias dos países desenvolvidos estão passando por um processo de recuperação
do nível de crescimento, caminhando para um crescimento mais modesto. Esse é o caso
da União Européia, onde a inexistência de uma política monetária e cambial a nível
nacional levou a uma recessão em 2012 e 2013. Os ajustes fiscais anunciados para os
próximos anos são grandes e deverão contribuir para um crescimento de 1% ao ano.
Contrariando o Tratado de Maastricht (1991) e o Pacto de Estabilidade e Crescimento
(1997) os países da área do Euro passaram a apresentar importantes divergências
inflacionárias, fiscais e de balanço de pagamentos. Um primeiro critério de convergência
em uma are a monetária ótima deve ser a pequena diferença de inflação entre países,
para não alterar a competitividade da produção nacional. No caso europeu isso não
ocorreu. Diferenças de inflação entre países afetam os custos unitários de mão de obra
e levam a uma apreciação da taxa de câmbio real dentro da região do euro. Espanha,
Portugal e Grécia durante a última década tiveram uma taxa de inflação
sistematicamente superior da Alemanha em função do excesso de demanda, comandado
por uma ampliação dos gastos públicos e expansão desordenada do crédito doméstico.
A conseqüência foram déficits de balanço de pagamentos em transações correntes
elevados.
A credibilidade no Euro permitiu que os países deficitários financiassem seus balanços
de pagamentos com créditos internacionais, na esteira da desregulamentação e
expansão do crédito que já ocorria desde os anos oitenta. Mas claramente, isso era
insustentável, já que nenhum país pode-se endividar indefinidamente, com um déficit de
balanço de pagamentos que chegou a atingir 15% do PIB (no caso da Grécia em 2007).
A recessão mostrou a outra fragilidade da área do Euro: o déficit público disparou e as
dívidas do governo passaram a ter uma trajetória que, rapidamente, sinalizavam a
insolvência de vários Estados europeus. A rápida queda do nível de atividade, o
aumento do gasto público e a queda na arrecadação levaram o déficit fiscal para
patamares insustentáveis e o caso mais dramático foi o do governo grego, aonde o
déficit público chegou a 9,5% do PIB em 2010. Com uma divida externa em trajetória
explosiva, rapidamente o mercado financeiro passou a exigir spreads altíssimos na
renovação na dívida do governo grego, chegando tais spreads a atingir 2500 pontos
23
(25%) com relação ao titulo do tesouro alemão. Estava fechado o mercado para novas
emissões de dívidas do governo grego e a crise na área do euro atinge seu ápice,
culminando com o acordo com o FMI, Banco Central Europeu e União Europeia para
evitar uma moratória grega. Fenômeno semelhante ocorreu com a Irlanda em dezembro
de 2010 e novamente com a Grécia em julho e outubro de 2011.
Portanto o dinamismo da economia mundial passou a depender do crescimento
dos países em desenvolvimento. Em 2010 houve um teste importante se os países em
desenvolvimento se desacoplaram dos ciclos das economias dos países desenvolvidos.
Pelas informações disponíveis para 2013, o PIB da União Européia, Estados Unidos e
Japão conjuntamente representavam 56% do PIB mundial e a probabilidade de uma
retração de demanda nessas regiões afetar o desempenho das economias em
desenvolvimento era muito alta. Mas a política a política monetária e fiscal adotada nos
países emergentes conseguiu rapidamente reverter os efeitos da queda da demanda
externa e a expansão do mercado interno possibilitou um crescimento do PIB da ordem
de 6% ao ano, inferior ao observado antes da crise financeira.
7. O DESEMPENHO RECENTE DA ECONOMIA BRASILEIRA E AS PERSPECTIVAS PARA OS
PRÓXIMOS ANOS.
Introdução
O objetivo dessa seção é o de analisar as principais transformações ocorridas
na política macroeconômica brasileira nas duas últimas décadas e avaliar as perspectivas
futuras em função das opções de política econômica disponíveis. A experiência recente
pode ser dividida em dois períodos: o primeiro que compreende os anos 1988-1998, foi
caracterizado por duas transformações estruturais que mudaram o modelo econômico
brasileiro: a abertura ao exterior e a estabilização dos preços. Estas mudanças foram
acompanhadas de dois desequilíbrios básicos que passaram a restringir a trajetória
futura de crescimento da economia brasileira: o rápido crescimento da dívida do
governo e a necessidade crescente de poupança externa. Em um ambiente externo de
crises recorrentes tal vulnerabilidade tinha dias contados. A partir de 1999 e até os dias
24
de hoje, foram tomadas medidas para reduzir os desequilíbrios das contas públicas e do
balanço de pagamentos e do resultado das medidas dependerá a trajetória futura da
economia brasileira. A ênfase da análise está concentrada neste segundo período,
embora uma análise do período anterior seja essencial para o entendimento das
transformações recentes de política econômica implementadas no país a partir de 1999.
Duas grandes mudanças alteraram o modelo econômico brasileiro nos anos
noventa:
Em primeiro lugar, houve uma transição do modelo fechado dos anos setenta e
oitenta, para um regime mais aberto do ponto de vista comercial, financeiro e de
investimento direto. Foram reduzidas as barreiras às importações, o mercado financeiro
foi desregulamentado e foram eliminadas restrições institucionais a uma maior
participação do capital estrangeiro em investimentos em setores de infraestrutura. Uma
discussão dos resultados de tais mudanças é essencial para uma análise dos efeitos da
abertura na economia brasileira.
Em segundo lugar, o governo conseguiu – depois de muitas tentativas mal
sucedidas – reduzir a inflação para patamares de um dígito ao ano, tendo sido a
abertura uma pré-condição para a estabilização. O país estava caminhando
inexoravelmente para a hiperinflação, mas conseguiu implementar um programa
coerente de combate a inflação, que trouxe a taxa de inflação para patamares
semelhante aos observados na média dos países em desenvolvimento.
Acreditava-se que, em um ambiente mais aberto e estável, a economia
passasse a experimentar um crescimento significativo, o que não aconteceu em função
de turbulências internacionais e as inconsistências da política macroeconômica interna.
O país continuou a apresentar um crescimento modesto quando comparado com o ser
padrão histórico, onde o país teve - no período 1900-1980 - a segunda maior taxa de
crescimento do PIB do mundo, só sendo suplantado pelo Japão.
A abertura e a estabilização foram acompanhadas de importantes desequilíbrios
nas contas públicas e no balanço de pagamentos que se apresentavam como os grandes
desafios que o país tinha pela frente para consolidar a transição e criar condições para a
retomada do crescimento econômico.
25
A Política Brasileira de Abertura da Economia ao Exterior
O país ao optar por uma política de industrialização rápida passou por
diferentes fases de política econômica, as quais condicionaram o perfil produtivo do
país. Na história recente, podem-se destacar dois períodos na política brasileira de
inserção internacional:
O primeiro (fechamento da economia), que se estende pelo período 1974 a
1988 - é caracterizado pelo aumento das tarifas de importação e das restrições não
tarifárias (RTN) às importações, o que transforma o país em uma das economias mais
fechadas do mundo. Neste período houve uma verticalização excessiva da economia,
quer em decorrência dos choques externos, quer por decisão de política industrial de
atingir autonomia a qualquer custo; houve, adicionalmente, pouca ênfase na formação
de recursos humanos, e em pesquisa básica e aplicada essenciais para a criação e
transferência do progresso tecnológico. Houve, também, ênfase em proteger setores de
alta tecnologia, setores que usam intensivamente mão de obra qualificada em pesquisa
e desenvolvimento (P&D), fator escasso na economia brasileira e de pequena prioridade
nos investimentos governamentais. A concentração dos incentivos para as vendas no
mercado interno e externo em poucas firmas de grande porte favoreceu a formação e
preservação de uma estrutura oligopolista, pouco afeita à concorrência e à mudança
tecnológica.
Não se pode esquecer que, durante os anos 80, reduziu-se dramaticamente a
inserção do Brasil no comércio mundial, com importantes resultados sobre a
competitividade da economia brasileira e o papel a ser desempenhado pelo setor
externo em uma estratégia de retomada do desenvolvimento econômico. Basta indicar,
que entre 1980 e 1987, o grau de abertura da economia brasileira ao comércio mundial
se reduziu em 42% (de 9,4% do PIB em 1980 para 6,6% em 1987).
Para que isto se modificasse, foi necessário que o país liberalizasse seu
comércio exterior com a eliminação da variância da proteção e dos incentivos,
diminuísse a verticalização excessiva da economia, eliminando as barreiras à competição
e o sistema de incentivos concentrados em empresas que tem poder de mercado. Com
isto, está sendo possível obter os ganhos de produtividade necessários à ampliação do
26
poder competitivo do país, em um mercado mundial cada vez mais determinado pelo
ritmo do progresso tecnológico.
Este segundo período iniciou-se em 1988 (abertura da economia).
Os benefícios de um programa de abertura da economia, baseado no sistema
de preços e com regras estáveis e não discriminatórias de acesso aos agentes
econômicos são:
a) Criar um ambiente competitivo que possibilite uma melhor alocação de recursos
entre setores, com um mínimo de distorções. Em uma economia com níveis de
proteção elevada, as empresas tendem a ser menos eficientes, já que lhes são
impostas uma série de restrições na alocação de fatores de produção e na
escolha da composição do produto final. A inexistência da concorrência externa e
as imperfeições do mercado de capitais doméstico possibilitam a manutenção de
estruturas de mercado oligopolizadas, com elevadas barreiras ao ingresso de
novas firmas;
b) Incentivar os aumentos de produtividade e possibilitar a especialização da
produção compatível com escalas mínimas ótimas;
c) Acelerar o ritmo de criação, importação e difusão tecnológica, compatível com a
expansão da competitividade das empresas brasileiras, tão comprometida nos
anos 80;
d) Aumentar a taxa de crescimento do produto quer através da diminuição da
restrição externa, quer pela ampliação do mercado interno e externo;
e) Favorecer uma diminuição da concentração de renda, já que a estratégia de
maior abertura beneficia o fator abundante da economia (mão de obra, terra e
recursos naturais).
Com a entrada em vigor, em 15 de fevereiro de 1991, do cronograma de
redução gradual das alíquotas de importação, completou-se um conjunto de medidas
iniciadas em março de 1990, visando à liberalização do comércio exterior brasileiro. As
principais mudanças da política de importação ocorreram em março de 1990, quando
foram eliminados os regimes especiais de importação (à exceção do drawback, acordos
internacionais e Zona Franca de Manaus) e os controles administrativos sobre as
27
importações (restrições não tarifárias). Além disto, extinguiu-se a exigência de
financiamento compulsório das importações e alterou-se o regime cambial do país.
O objetivo básico destas alterações foi o de eliminar os critérios altamente
discricionários, subjetivos e instáveis da política de importação e atribuir ao sistema de
preços, via tarifas de importação e taxa de câmbio, o controle das importações. Toda a
parafernália de intervenções no setor externo atrapalhava o funcionamento dos
mercados, gerando ineficiências na produção interna, aumentava o custo da burocracia
para o Estado e levava a importante transferência de renda entre os segmentos da
sociedade brasileira. Além disto, tal sistema desacreditava o país como um parceiro
comercial confiável e transparente, gerando imprevisibilidades e inibindo os
investimentos nacionais e estrangeiros.
A reforma da tarifa aduaneira estabelecida para o período 1991-1994 teve
como objetivo atribuir ao sistema tarifário o papel de principal instrumento de controle
das importações. Ao se diminuir o nível e a dispersão da proteção nominal procurou-se
estimular a concorrência e uma maior especialização internacional do país no médio e
longo prazo, compatível com maior eficiência alocativa e retomada do crescimento
econômico.
A tarifa nominal tem um valor mais freqüente de 20%, com um mínimo de 0%
para os seguintes casos: produtos em que o país tem claras vantagens comparativas;
para produtos sem produção nacional e produtos com pequeno valor adicionado e
elevados custos de transporte internacional. As tarifas mais elevadas foram fixadas para
bens de consumo durável, sendo que a proteção nominal máxima é atualmente de 35%.
Pelo compromisso que o Brasil assumiu durante a Rodada do Uruguai, a alíquota
máxima passou a ser de 35% a partir de 2000.
Houve uma significativa redução da tarifa nominal entre 1988 (ano
imediatamente anterior à reforma) e 1994. A tarifa média era de aproximadamente 1/3
da vigente em 1989, fazendo com que haja uma maior homogeneidade na estrutura
tarifária. Com o Plano Real, houve uma reversão parcial da abertura comercial, com
aumentos significativos nas tarifas de importação de autos, eletroeletrônicos, calçados,
tecidos e brinquedos. Com a abertura comercial, as importações passaram de um
patamar de US $ 20 bilhões ao ano, para 220 bilhões em 2012.
28
As mudanças efetuadas tiveram um impacto importante na inserção
internacional e na estrutura produtiva do país. Em primeiro lugar, o grau de abertura
comercial, possibilitou reduzir o grande isolamento do país do comércio e da tecnologia
mundial disponível. Em 1990, o Brasil era um dos países com o mercado interno mais
isolado do planeta e conseguiu reverter tal resultado na última década.
Esta abertura comercial possibilitou uma parcial desverticalização do processo
produtivo doméstico, a descontinuidade de atividades produtivas incompatíveis com
condições de custo de produção internacional, a modernização do parque produtivo
doméstico e ganhos de escala importantes para a ampliação do comércio intra-indústria
e intrafirma, tão importante no comércio mundial contemporâneo. De uma maneira
abrangente, para todos os setores industriais brasileiros, houve uma significativa
reordenação da produção de um caso de quase autarquia para uma maior inserção no
comércio internacional.
Estas modificações da estrutura industrial brasileira foram acompanhadas de
alteração da produtividade média da mão de obra. Após uma década de isolamento do
mercado mundial, inflação e estagnação, a abertura ao exterior, a estabilização e a
perspectiva de um crescimento mais consistente da renda per-capita, criaram condições
mais favoráveis ao investimento direto. Neste novo ambiente, os ganhos de
produtividade foram maiores, embora ao final da década já dessem sinais de
esgotamento, em função das turbulências domésticas e internacionais.
Mesmo com ganhos importantes de produtividade, o desempenho exportador
brasileiro foi modesto e o país não conseguiu recuperar a perda relativa no mercado
mundial observada a partir da segunda metade dos anos setenta. A forte valorização
cambial da segunda metade da década de noventa, um sistema tributário que penaliza a
atividade produtiva doméstica, juros reais elevados e logística deficiente explicam o
pequeno crescimento das exportações e o aumento da vulnerabilidade externa do país
às turbulências econômicas domésticas e internacionais. Entre os países em
desenvolvimento, o crescimento das exportações brasileiras foi o menor durante os anos
noventa. Este fenômeno começou a ser revertido a partir de 2001, em conseqüência da
desvalorização cambial ocorrida a partir de 1999, dos ganhos de produtividade
decorrentes da abertura da economia e do aumento da demanda internacional por
commodities brasileiras.
29
Além da abertura comercial, o governo promoveu uma integração maior do país ao
mercado financeiro internacional e aos fluxos de investimento direto estrangeiro. Uma
série de medidas foi tomada para reduzir o isolamento do país aos principais
movimentos de capital financeiro e produtivo internacional. Com relação aos
movimentos de capital financeiro são relevantes as seguintes medidas: o término da
renegociação da dívida externa do governo em 1994, normalizando o relacionamento do
país com os credores internacionais e a desregulamentação dos fluxos de capital
financeiro internacional em direção ao mercado brasileiro. Neste último tópico deve-se
destacar a simplificação da legislação do Anexo IV (facilitando a entrada e saída de
capitais de portfólio nas Bolsas de Valores brasileiras) e a liberdade para aplicação de
recursos externos em títulos de renda fixa no mercado financeiro doméstico. A
desregulamentação também facilitou os bancos e empresas instaladas no país captar
recursos no mercado internacional, através de notes e bonds. A abertura financeira
possibilitou que se triplicasse a partir dos anos 90 o ingresso líquido de capital financeiro
no país. Com relação ao investimento direto estrangeiro, as principais mudanças que
ocorreram no país durante os anos 90 e explicam o grande crescimento dos
investimentos diretos estrangeiros na economia brasileira: as mudanças na Constituição
de 1988 que passaram a permitir a presença do capital estrangeiro em setores como e
de infraestrutura e bancário; a aceleração do programa de privatização e a própria
estabilidade macroeconômica, que passou a sinalizar a importância do mercado
brasileiro na estratégia de investimento das grandes corporações transnacionais. O
Brasil, que no inicio dos anos 90, captava US $ 1 bilhão de investimentos diretos,
terminou nos últimos anos com captações no nível de US $ 60 bilhões e manteve-se
entre os principais hospedeiros de investimento direto estrangeiro entre os países
emergentes.
O balanço de pagamentos do Brasil apresentou modificações importantes a
partir dos anos 90. Com a abertura comercial, financeira e ao investimento direto,
acompanhado e aumento do nível de atividade econômica interna decorrente do Plano
Real, deterioram-se rapidamente as contas externas. O país que apresentava superávits
comerciais elevados, suficientes para financiar os déficits na conta de serviços, passa a
apresentar déficits crescentes, que passam a ser financiados pela entrada de
investimentos diretos e financiamentos/empréstimos internacionais, suficientes para
30
manter elevado o estoque de reservas necessários para manter a credibilidade na
“ancora“ cambial. Este padrão é mantido até o ano de 1996, porém a partir de 1997,
com os impactos da crise asiática e russa, o país não conseguiu atrair capitais
suficientes para financiar o balanço de pagamentos e passa a perder reservas que
culminaram com o abandono do regime de bandas cambiais em janeiro de 1999. A
mudança do regime cambial e a forte desvalorização cambial que a seguiu, passaram a
sinalizar uma nova fase para as contas externas. As perspectivas para o setor externo
da economia brasileira ficaram bem mais favoráveis do que as observadas a partir de
1999. Em primeiro lugar, o crescimento da economia mundial, que havia se reduzido em
função da crise que assolou os mercados emergentes, se acelerou a partir de 2003
acima de seu padrão histórico. Como as exportações brasileiras são diversificadas
geograficamente, um crescimento mundial maior foi favorável ao desempenho das
exportações brasileiras. Em segundo lugar, o crescimento dos preços das commodities,
completaram um mercado internacional mais favorável ao ajuste externo da economia
brasileira.
Para o balanço comercial do Brasil, além de um efeito renda mundial positivo,
deve-se adicionar o efeito preço relativo associado à desvalorização cambial, cujos
resultados foram expressivos na forma de superávits comerciais. Na conta de serviços,
ocorreram reduções nas despesas, particularmente no item viagens internacionais
embora a conta lucros e dividendos apresente uma trajetória de crescimento expressivo.
Adicionando-se as transferências unilaterais, o déficit em transações correntes
desapareceu e se transformou em superávit. A partir de 2008 o país volta a apresentar
déficits no balanço de pagamentos em transações correntes em função da apreciação
cambial que se consolidou a partir de 2004 e de um maior crescimento do mercado
interno, que aumentou a demanda por importações.
A Estabilização: O Plano Real
Antecedentes
O Plano Real apresentou uma inovação significativa na política de estabilização,
na medida em que pode utilizar novos instrumentos macroeconômicos que não estavam
31
disponíveis nos planos anteriores. Como se sabe, desde o Plano Cruzado, os elementos
utilizados para interromper a aceleração inflacionaria foram: reformas monetárias, a
desindexação dos contratos, o congelamento de preços e o seqüestro de ativos
financeiros. Todos os planos (Cruzado, Bresser, Verão e Collor) tiveram duração efêmera
e o país conviveu durante quase uma década com o fenômeno da “inflação extrema”.
Durante todos estes episódios a economia brasileira estava extremamente isolada dos
fluxos internacionais de comércio e de capitais, o que dificultava a utilização da
disciplina dos preços mundiais e o impossibilitava de atrair poupança externa como
instrumento coadjuvante de um programa de estabilização macroeconômica. O imposto
inflacionário era utilizado intensamente para financiar o déficit público, contribuindo para
a expansão acelerada dos preços.
O Plano Real representa um “divisor de águas” com relação a estes
procedimentos na medida em que passa a utilizar a taxa de câmbio e a poupança
externa como instrumentos chaves para a estabilização. A abertura comercial e
financeira ao exterior, iniciada no final dos anos 80, já estava suficientemente avançada
em meados de 1994, viabilizando a utilização de “uma âncora cambial” na disciplina dos
preços dos ”tradeables”, e a utilização do ingresso de capital externo para financiar o
déficit público (em substituição ao imposto inflacionário). São estas inovações que
possibilitam a drástica redução da inflação observada nos últimos anos e que consolidam
a manutenção de uma inflação moderada no país. Deve-se destacar, adicionalmente,
que o sucesso do plano de estabilização esteve associado à utilização da URV, no
período anterior à reforma monetária e a desindexação dos contratos a partir de 1996.
32
Retrospectiva e Perspectivas do Plano Real
Existem duas fases no Plano Real desde a sua implementação em meados de
1994: a primeira fase se estende até janeiro de 1999 e apresenta características bem
definidas. Inicialmente, há uma rápida expansão da demanda interna associada à
drástica redução do imposto inflacionário e pela valorização da taxa de câmbio.
Observa-se um crescimento rápido das importações, fenômeno típico de economias que
tenham certa abertura às importações e experimentam rápida expansão de demanda.
As restrições iniciais ao crédito e o crescimento da taxa de juros não foram suficientes
para controlar a rápida expansão do nível de atividade da economia e no setor externo o
que se observou foi à transformação do superávit em déficit comercial.
Esta situação não representava nenhuma ameaça ao Plano Real, na medida em
que a disponibilidade de recursos financeiros no mercado internacional viabilizou o
financiamento do déficit de transações correntes. Desde a crise do México, em
dezembro de 1994, a brusca reversão do fluxo de capitais externos, começa a colocar
em xeque a estratégia inicial de estabilização do plano real, já que a rápida diminuição
das reservas externas poderia sinalizar para os agentes econômicos a eminência de uma
mudança da regra cambial necessária para evitar o colapso das contas externas.
Assim, iniciam-se já em 1995 alguns ajustes no Plano Real com a utilização de
uma série de instrumentos para o equilíbrio externo e interno de curto prazo da
economia: taxas de juros reais elevadas, a utilização da “banda cambial deslizante“ (que
nada mais é do que um sistema de minidesvalorizações disfarçado) e dos controles
tarifários e não tarifários sobre as importações. Com estes expedientes, foi possível
administrar a restrição externa, reduzir a demanda interna, porém poucos avanços
foram feitos em direção ao equilíbrio das contas públicas, passando este a ser o
elemento chave da inconsistência intertemporal do Plano Real.
A partir do primeiro trimestre de 1996, com a forte redução do nível de
atividade (o PIB apresentava uma queda de 2,1% neste período), passa o governo a
reduzir a restrição ao crédito, e gradualmente há uma recuperação da taxa de
crescimento, fazendo com que se feche o ano com um crescimento positivo da ordem
de 3%. Neste ano, houve uma deterioração das contas externas, e as perspectivas de
equilíbrio ou pequeno superávit comercial que o governo previa no início do ano, foi
33
substituído por uma de déficit de US $ 4,5 bilhões. Adicionando-se o déficit de serviços e
as transferências unilaterais atingiu-se - no ano de 1996 - um déficit em transações
correntes de US $ 24,3 bilhões (3,5% do PIB). O movimento de capital manteve-se
superavitário, mantendo o nível de reservas externas próximos aos US $ 60 bilhões. Esta
situação se altera em meados de 1997, quando a crise asiática se alastra para vários
países, inclusive o Brasil, levando a uma mudança brusca da política monetária para
preservar o nível de reservas internacionais e a regra cambial vigente. As promessas não
cumpridas de um ajuste fiscal anunciadas no famoso “Pacote 51” colocam o país a partir
de 1998 em uma posição externa cada vez mais vulnerável a choques externos.
A regra cambial, inaugurada em março de 1995, foi a de administrar uma
desvalorização cambial que grosso modo, seguia a taxa de variação do índice de preços
por atacado. Isto permitiu uma parcial recuperação da taxa de câmbio real, após a
enorme valorização que ocorreu logo no início do plano, passando a sinalizar que o
governo não iria manter um regime cambial tão rígido como o adotado pela Argentina.
De qualquer forma, taxas de juros reais elevadas, desvalorizações cambiais
homeopáticas e utilização de poupança externa para financiar o déficit público foram
elementos essenciais para os resultados macroeconômicos de curto prazo: balanço de
pagamentos equilibrado (porém, com forte déficit em transações correntes financiado
pela entrada de capitais externos), nível de atividade econômica com moderada
expansão e taxas de inflação no patamar de um dígito ao ano. O calcanhar de Aquiles
de tal estratégia está claramente na impossibilidade de eliminar o déficit público, o que
colocava o Plano Real em uma trajetória inconsistente em médio prazo. A manutenção
de uma inflação moderada na ausência do equilíbrio das contas públicas só foi possível
pela atração de recursos externos, que financiou o déficit das transações correntes e as
necessidades de financiamento do setor público. A dificuldade de tal política era clara:
existem limites à expansão acelerada do endividamento interno e externo.
A segunda fase, iniciada em janeiro de 1999, quando o Banco Central não
conseguiu controlar um ataque especulativo fulminante à moeda brasileira e foi obrigado
a mudar o regime cambial em direção a taxas flutuantes. A partir daí, acaba a “âncora
cambial” e o país passa a contar com a consistência da política fiscal e monetária para
garantir uma inflação de um dígito no país e reduzir as turbulências da área externa.
34
As mudanças que ocorreram a partir de 1999, procuraram alterar a trajetória
da economia e recuperar a capacidade de financiamento externo e do governo. As três
grandes alterações de política econômica, que passaram a condicionar os cenários
futuros da economia brasileira, foram:
a. Modificação do regime cambial, que culminou com uma desvalorização
cambial real, passando a sinalizar que a magnitude do déficit externo seria de
magnitude inferior ao observado antes do abandono da “âncora cambial”. As mudanças
de política cambial introduzidas em janeiro de 1999 demoraram a surtir efeitos
substanciais sobre o balanço de pagamentos. O primeiro superávit comercial só
apareceu em 2001 e o primeiro grande superávit só ocorreu em 2003. Em 1998, no
auge da aversão ao risco a empréstimos a mercados emergentes, a Brasil tinha uma
necessidade de recursos externos impossível de ser financiado. O déficit de transações
correntes era de US$ 33 bilhões e as amortizações de empréstimos atingiam US$ 34
bilhões.
Nos três primeiros anos os resultados não foram significativos. Em 2001, o
déficit externo ainda era de US$ 23 bilhões, uma redução modesta, quando comparado
ao pico de 1998. Nos anos de 2002 a 2007 é que há a grande guinada e o déficit
externo se transformou em um superávit. As informações estatísticas do balanço de
pagamentos indicam que o ajuste foi na balança comercial e não na conta serviços e
rendas. De um modesto superávit comercial de US$ 2,6 bilhões em 2001, chega-se a
um mega superávit de US$ 40 bilhões em 2007. O déficit em serviços e rendas não
diminuiu, já que boa parte das despesas é contratual e o passivo externo líquido do país
é elevado. Portanto não ocorreram mudanças radicais nas despesas com juros da dívida
externa, nem de remessas de lucros e dividendos. No agregado, o déficit em serviços e
rendas aumentou de US$ 30 bilhões de 1998, para o patamar dos US$ 75 bilhões em
2013. A partir de 2008 o país volta a ter déficits crescentes em transações correntes da
ordem de US$ 81 bilhões em 2013.
Com relação ao balanço de pagamentos deve-se analisar, finalmente, o
comportamento do movimento de capitais. Aqui ocorreram algumas transformações
importantes. Em primeiro lugar, houve uma oscilação importante no ingresso de
investimento direto. Isto se deve a um comportamento cíclico do investimento direto
estrangeiro no mundo (IDE). O auge da expansão do IDE ocorreu em 2000, quando se
35
desfez a bolha especulativa das “empresas ponto com”; houve uma redução do ritmo de
crescimento das principais economias do mundo; foi descoberto o escândalo da
maquiagem de balanços em grandes empresas; houve o ataque terrorista aos Estados
Unidos e para finalizar a moratória argentina. Dentro deste contexto, não havia clima
para a manutenção do IDE e ele foi reduzido à metade no mundo. No Brasil, a queda foi
mais significativa ainda, o IDE caiu a um terço de seu pico, de US$ 30 bilhões para US$
10 bilhões. A redução do escopo do Programa de Privatização, o “apagão”, as incertezas
regulatórias e o baixo dinamismo do crescimento econômico podem ser apontados para
explicar esta queda mais acentuada do IDE no país. Nos anos de 2007 a 2013 há um
significativo crescimento do IDE, atingindo o patamar dos US$ 64 bilhões em 2013.
b. Programa de metas inflacionarias, inaugurado em meados de 1999, após a
mudança do regime cambial, onde o poder discricionário do Banco Central passa a ser
direcionado para coordenar as expectativas dos agentes econômicos através de metas
inflacionarias declinantes, que apontam uma meta básica de 4,5% ao ano, com um
limite de tolerância até 6,5 fixada pelo Conselho Monetário Nacional.
O Programa de Metas Inflacionarias tem sobrevivido a vários testes. Foram
quatro grandes choques de oferta: câmbio (1999, 2001 e 2002) e um de racionamento
de energia (2001). Alem disto, a transição política de 2002 e a “marcação a mercado”
trouxe certa aversão à aplicação em títulos públicos federais e o BC foi obrigado a
monetizar parte da dívida, aumentando a liquidez da economia no segundo semestre de
2002. Estes acidentes de percurso levaram a inflação a patamares elevados e dada a
grande desvalorização cambial de 2002, a inflação chegou ao nível de dois dígitos,
aumentando muito a responsabilidade do Banco Central em 2003 para reduzir a inflação
e evitar a indexação de contratos. Isto foi conseguido, porem com um custo elevado,
em termos do nível de atividade. O crescimento do PIB foi de apenas 0,2% e a inflação
terminou o ano em 9,3%, acima da meta de inflação, que era de 8,5% ao ano, porem
dentro do limite de tolerância de 11%. O programa implementado conseguiu manter a
inflação dentro dos limites da meta somente nos dois primeiros anos. A partir de 2001, a
inflação ultrapassou o limite superior da meta e somente a partir de 2006 é que se tem
uma taxa abaixo do limite superior da meta.
Este resultado mostra a impossibilidade da política monetária isoladamente
controlar a inflação; a dominância é claramente da política fiscal. Em um choque de
36
oferta adverso de grandes proporções, o Banco Central não tem condições de alterar
drasticamente a taxa de juros, pois levaria o governo à insolvência e a inflação se
acelera rapidamente. Ou seja, existem limites à política monetária e os choques de
oferta serão acomodados por mais inflação. Ultrapassado estes acidentes de percurso, a
inflação entre 2006 e 2008 permaneceu dentro dos limites da meta. A partir de 2011,
com uma política monetária e fiscal expansionista, a inflação passou a se fixar no
patamar de 6% ao ano e com a recente depreciação cambial (a partir de maio de 2013)
a inflação tem se mantida próxima a 6% ao ano.
A trajetória da taxa de juros real no período recente mostra menores
oscilações, quando comparada com períodos anteriores e corrobora uma visão de
política monetária com menor poder discricionário. Embora o período recente mostre
juros reais menores aos observados no período da âncora cambial, eles continuam um
dos mais altos do mundo. Um governo que promete pagar juros reais elevados terá uma
trajetória de redução da dívida menor. Para reduzir juros o governo terá que avançar
ainda mais na disciplina fiscal para criar espaço para uma redução consistente da taxa
de juros, sem acelerar a inflação.
c. Programa de ajuste fiscal, destinado a reverter à trajetória explosiva do
déficit e da dívida pública interna. Com este programa, conseguiu-se reduzir a relação
dívida líquida/PIB e manter um superávit primário elevado durante muitos anos. Além
disto, as reformas na área fiscal poderão garantir – no longo prazo – a capacidade de
financiamento do governo. A implementação da reforma da previdência, federativa,
administrativa, tributária e o programa de privatização possibilitarão uma recuperação
das contas públicas, compatíveis com o aumento da taxa de poupança doméstica
necessária para acelerar a taxa de crescimento do PIB. É importante salientar que a
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em maio de 2000 e com a sua plena
implementação a partir de 2003, instituiu-se uma regra de austeridade fiscal para todas
as esferas de governo e para todos os poderes.
Alguns comentários adicionais sobre as mudanças na política fiscal brasileira são
pertinentes. O ajuste fiscal observado nos últimos anos foi importante para controlar a
trajetória da dívida interna, mas a qualidade do ajuste fiscal deixa muito a desejar. Foi
feito pelo caminho mais fácil, aumento da carga tributária bruta e redução dos
37
investimentos públicos e não por controle sobre as despesas. No início dos anos noventa
a carga tributária estava próxima de 25% do PIB, hoje se situa em 36% do PIB a mais
alta do mundo para países de renda per-capita intermediária. Este aumento de carga
tributária reduziu a capacidade de poupança e investimento do setor privado, passando
a ser um dos principais entraves ao crescimento de longo prazo.
Estas três mudanças são decisivas para o futuro da economia brasileira, e as
linhas gerais podem ser identificadas pela seguinte trajetória: com o ajuste fiscal e a
desvalorização cambial ocorrida a partir de 1999, diminui drasticamente a necessidade
de taxas de juros elevados para manter a regra cambial. Com a queda da taxa de juros
nominais e reais, há um impacto favorável sobre o déficit público. A recuperação do
nível de atividade doméstica decorrente de uma política monetária menos restritiva e um
pouco mais de inflação aumentam a arrecadação tributária e, portanto contribuem para
o ajuste fiscal. Iniciou-se, portanto, um novo ciclo para a economia brasileira,
libertando-se das amarras do período 1997-98, onde a necessidade de manter um fluxo
de recursos financeiros elevados para financiar um déficit crescente de balanço de
pagamentos, obrigava a utilização de taxas de juros extremamente elevadas, o que
comprometia, internamente, a trajetória do déficit e da dívida pública e o crescimento
do país. Portanto, os ingredientes básicos da economia passaram a ser: déficit externo
reduzindo-se ao longo do tempo, taxas de juros domésticas menores, controle do déficit
público e crescimento moderado da economia com inflação de um dígito ao ano. Estes
resultados foram obtidos em 2000.
Este cenário foi alterado drasticamente a partir de 2001: a forte redução do
crescimento dos países ricos, o ataque terrorista aos EUA, a queda nas bolsas de valores
mundiais, a descoberta das fraudes contábeis em grandes corporações, o default da
Argentina, a crise energética brasileira e a transição política do país, mudaram
drasticamente as perspectivas da economia, neutralizando os avanços na administração
macroeconômica. As turbulências externas e internas tiveram fortes repercussões sobre
a desvalorização cambial. As pressões inflacionárias daí advindas forçaram o Banco
Central a aumentar a taxa de juros. Estes dois efeitos, aliados a redução do crescimento
do PIB, levaram a uma trajetória de rápida expansão da dívida interna e ao temor de
uma nova moratória na dívida interna e externa. O desafio de curto prazo foi atravessar
38
as turbulências sem rupturas de contratos e concentrar-se, depois, nos grandes
problemas de longo prazo.
No período 1994-2003, a economia brasileira apresentou ciclos econômicos de curta
duração com uma tendência de crescimento moderado. Todas as crises ocorridas nesse
período tiveram fortes impactos sobre a economia brasileira.
Esses choques produziram um conjunto desfavorável de indicadores da liquidez
internacional e da solvência do país, que repercutem em alta volatilidade da taxa de
câmbio, do prêmio de risco país e das taxas domésticas de juro. Nessas condições,
choques adversos causam reações amplas no mercado financeiro, que incidem
imediatamente nessas variáveis. Essa volatilidade causa impactos na taxa de inflação e
no nível de produção e de emprego.
A política monetária em particular foi passiva, respondendo aos choques depois que
eles ocorrem. A adoção do regime de metas de inflação agravou o problema, na medida
em que o Banco Central, para manter a taxa de inflação dentro da meta, aumenta a
taxa de juros, comprometendo o crescimento da economia e a trajetória da dívida do
Governo. O ciclo econômico foi extremamente curto no Brasil - de aproximadamente um
ano e meio entre o pico e o piso - sendo que a tendência de crescimento da economia
convergiu para modestos 2,5% ao ano.
O que explicava a grande vulnerabilidade do país a choques externos, quando
já se observa uma década de políticas macroeconômicas mais consistentes? A resposta
é a magnitude dos passivos externo e interno herdados de períodos anteriores. Existem
dois parâmetros chaves para a avaliação do risco país:
a) Relação Dívida Líquida do Governo/PIB (1) e
b) Relação Dívida Externa Líquida/Exportações (2)
Embora estejam reduzindo de magnitude ao longo dos últimos anos, tais
parâmetros foram muito elevados no passado recente, fazendo com que as incertezas
sobre a trajetória da política macroeconômica brasileira aumentassem quando acontecia
uma turbulência no ambiente externo ou interno, contaminando rapidamente o risco
país e desencadeando uma série de impactos negativos sobre o desempenho da
economia brasileira. Países que já eram “grau de investimento” na América Latina, como
39
o Chile e México tinham parâmetros de dívida considerados seguros para enfrentar
volatilidades de curto prazo, sem comprometer os resultados de longo prazo: para o
parâmetro (1) Relação Dívida Total do Governo/PIB, as porcentagens para estes dois
países estavam abaixo de 30%, enquanto que para o Brasil ele estava acima de 55%;
com relação ao segundo parâmetro, ele está respectivamente, abaixo de um no Chile e
México e em 2007, também ficou abaixo de um no Brasil. Existe um grande desafio para
o Brasil nos próximos anos: persistir no superávit primário para que a relação Divida do
Governo/PIB se situe abaixo de 30%; caminhando nesta direção, finalmente, o país
chegou à classificação de “grau de investimento” e poderá ter taxas de juros reais
compatíveis com a sustentabilidade da dívida do governo e um crescimento com menor
variação cíclica.
A dívida líquida do governo atingiu seu máximo em setembro de 2002, com uma
porcentagem de 57,6% do PIB e hoje se situa em 35% do PIB. Trata-se de um recuo
importante, mas ainda é considerada elevada por padrões internacionais para mercados
emergentes. Além disso, é uma dívida de curto prazo (30% da dívida interna vence em
um ano) e muito cara. Esta é uma das razões pela qual o Risco Brasil é maior que a do
México e Chile. A sustentabilidade da divida externa líquida teve uma mudança mais
significativa que a observada na dívida interna, graças ao crescimento das exportações e
aumento das reservas. Na última década a receita de exportações quase que
quadruplicou, reduzindo a relação divida externa/exportações do nível crítico de
insolvência (quatro), para os 0,3 atuais.
Embora estes parâmetros chaves para a avaliação do Risco Brasil tenham
apresentado tendências na direção correta, os indicadores fiscais ainda são
inadequados, indicando que o pais deverá consolidar estes resultados nos próximos
anos para ser considerado um país de baixo risco de crédito e, portanto menos
vulnerável às vicissitudes das turbulências da economia mundial e doméstica. Para
discutir este aspecto crucial na explicação do comportamento da economia brasileira da
última década, deve-se adotar como ponto de partida para a análise a equação de
arbitragem de juros internacionais, válida para uma economia que esteja inserida no
mercado financeiro internacional e apresentada a seguir:
DFEEERR e
USABR 00 /
40
Onde:
RUSA = Taxa de juros dos USA, para uma aplicação financeira de um ano;
RBR = Taxa de juros do Brasil, para uma aplicação financeira de um ano;
Ee = Taxa de câmbio esperada para um ano;
E0 = Taxa de câmbio a vista;
F = Risco Brasil
D = Dívida Líquida do Governo brasileiro
A equação anterior especifica a condição de equilíbrio da taxa de câmbio de
curto prazo, equalizando a remuneração esperada de uma aplicação financeira no
mercado interno com uma aplicação financeira semelhante no mercado externo e ela
determina o nível e a composição da taxa de juros doméstica. Colocado de outra forma,
torna-se indiferente ao aplicador financeiro colocar seus recursos no mercado interno ou
externo se a igualdade se verificar. Ou seja, a taxa de juros doméstica tem quatro
componentes: os juros externos, o risco cambial, o risco Brasil e o IOF.
A vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos verificada no
período 1999-2003 pode ser explicitada pela seguinte seqüência de eventos:
inicialmente há uma rápida deterioração das expectativas que se reflete imediatamente
sobre o risco país. Em um regime de câmbio flutuante, o impacto mais forte do aumento
do Risco Brasil é sobre a taxa de câmbio, já que o Banco Central não tem condições de
restaurar a igualdade na equação de arbitragem, pois isto implicaria em um grande
aumento da taxa de juros, o que comprometeria a solvência do governo. Portanto, a
trajetória da taxa de câmbio será idêntica a do risco país.
Desvalorizações cambiais significativas são repassadas (pass through) para a
inflação e as expectativas com relação a preços futuros trocam de patamar. A seqüência
de eventos já tem três componentes: aumento do risco, desvalorização cambial e
mudança da trajetória da inflação. A cada desvalorização cambial significativa, segue-se
uma mudança na taxa de inflação até que se chegue a um caso dramático como a
desvalorização cambial de 2002, que chegou a ameaçar a própria política de metas de
inflação. Uma inflação de dois dígitos não consegue ser debelada somente por juros
altos: a queda do nível de atividade e a trajetória explosiva da dívida impedem o Banco
41
Central de elevar drasticamente a taxa de juros e um aumento do superávit primário
torna-se necessário. Mesmo assim, o Banco Central não pode manter-se imóvel: um
aumento significativo da taxa de juros nominal torna-se necessário para acomodar o
aumento do risco país e as pressões inflacionárias. Ou seja, dado o aumento do risco e
a desvalorização cambial, não há como manter juros reais cadentes e o Banco Central se
comporta reativamente.
A sequência final de eventos se completa pela variação do nível de atividade.
Com o aumento da taxa de juros há um desaquecimento rápido do crescimento do PIB e
a introdução de ciclos reais de curto prazo de grande amplitude. Com isto reduz-se a
média de crescimento da economia e aumenta-se drasticamente o desvio padrão. Desde
o início do Plano Real, qualquer turbulência externa ou interna ao se refletir em juros
altos reduz o nível de atividade fazendo com que a tendência de crescimento da
economia caminhe para uma taxa muito modesta (2% a 3% ao ano).
Portanto, a vulnerabilidade da economia brasileira a choques exógenos foi
muito acentuada e somente a persistência e aprimoramento da política macroeconômica
atual é que garantiram a diminuição da volatilidade do nível de atividade, criando um
ambiente propício para o aumento dos investimentos e um crescimento com menores
flutuações cíclicas. Um bom teste para a credibilidade da política macroeconômica atual
pode ser observado a partir das turbulências do mercado financeiro internacional
iniciadas em agosto de 2007.
Perspectivas de Curto Prazo para a Economia Brasileira.
A estrutura da política macroeconômica brasileira tem se mantido praticamente
inalterada desde janeiro de 1999, quando foi inaugurado o regime de câmbio flutuante
no país. Logo em seguida (março) foi aprovado no Congresso Nacional um conjunto de
medidas para aumentar a carga tributária do governo federal visando à manutenção de
superávits primários elevados e finalmente em junho de 1999 foi instituído o regime de
metas de inflação dando autonomia para o Banco Central na condução da política
monetária. Depois de um período inicial onde os efeitos dessa mudança não se fizeram
sentir, devido a turbulências externas, como a desaceleração econômica mundial, o
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, a moratória argentina e a própria
42
transição política no Brasil em 2002, começa um período de forte expansão da economia
mundial que, com a manutenção da mesma política macroeconômica interna começam a
alterar uma série de parâmetros que contribuíam para a grande vulnerabilidade do país
a choques externos. Até meados dessa década, os grandes problemas do país eram a
elevada divida externa líquida e trajetória explosiva de crescimento da dívida interna do
Governo. Na medida em que esses problemas foram contornados, o país passa a
desfrutar de um ambiente econômico de maior estabilidade e de maior crescimento do
PIB.
A partir de meados dos anos oitenta, quando a inflação se acelerou, vários
planos foram implementados para combater a inflação e um dos instrumentos utilizados
foi o congelamento da taxa de câmbio. Desde o Plano Cruzado até o Plano Real, a
trajetória da taxa de câmbio foi de uma continua apreciação, tendo como resultado
déficits crescentes do balanço de pagamentos. Somente após a adoção do regime de
câmbio flutuante é que se observa a reversão na apreciação da moeda brasileira.
Ocorreram três grandes depreciações do Real: a primeira, logo após a mudança do
regime cambial em 1999; a segunda decorrente da grande turbulência da economia
mundial de 2001 e a terceira devido às incertezas com relação às possíveis mudanças de
política econômica que poderiam advir da transição política de 2002. A partir de 2003, a
trajetória da taxa de câmbio foi a de contínua apreciação até os dias de hoje. Quais os
fatores subjacentes a esta tendência inexorável de apreciação cambial? Em primeiro
lugar, deve ser apontar que a própria melhoria das contas externas contribuiu para a
percepção de um menor risco e deixou de pressionar a taxa de câmbio. Basta
acompanhar a trajetória da taxa de câmbio e do spread dos títulos brasileiros no
exterior na última década para se constatar que a trajetória do câmbio foi à trajetória do
risco. As grandes desvalorizações cambiais de 1999, 2001 e 2002 coincidem com a
rápida deterioração da confiança no país, levando a drásticas desvalorizações cambiais.
Além disso, a revisão das contas nacionais brasileiras mostrou alguns aspectos
mais favoráveis da economia brasileira: o tamanho e o crescimento do PIB eram
maiores do que estimativas anteriores e a relação dívida/PIB do Governo foi reduzida
para um patamar de 40%. O crescimento médio da economia não era de 2,7%, mas sim
3,9%. Com fundamentos macroeconômicos mais sólidos e na ausência de turbulências
internacionais, houve uma redução adicional do risco país, contribuindo para a
43
apreciação cambial. Em segundo lugar, a redução do risco não foi acompanhada no
mesmo ritmo pela redução da taxa SELIC. Dada à condição de arbitragem de juros
internacional, o Banco Central poderia ter sido menos conservador na política de juros.
A depreciação cambial, associada à forte expansão da renda mundial,
gradualmente foi alterando o panorama das contas externas do Brasil. De um déficit de
transações correntes de US$ 33 bilhões, em 1998, o país passou por cinco anos
consecutivos de superávits e volta novamente para a posição de déficit a partir de 2008.
Nos últimos anos, houve uma mudança importante no comportamento das
contas externas do país: de um lado houve uma sistemática redução do superávit
comercial e do outro se acentuou uma entrada maciça de capital financeiro. Explicam
essas mudanças a forte expansão do nível de atividade econômica no país, a sistemática
apreciação da taxa de câmbio e uma taxa de juros interna ainda elevada, suficiente para
atrair capitais externos através de arbitragem internacional de juros. Em termos de
taxas anualizadas, a crescimento do PIB estava em 2% no início de 2014. Houve uma
expansão importante do consumo das famílias como um todo, que cresce atualmente a
taxas anualizadas de 3% e a formação bruta de capital fixo não está crescendo a uma
taxa compatível com o crescimento da demanda. Existem limitações e incertezas
institucionais no país para os investimentos produtivos, comprometendo o
comportamento das empresas com relação à ampliação da capacidade produtiva no
atual ciclo econômico e que pode perdurar por alguns anos.
O crescimento da economia foi comandado pela demanda interna, já que a
apreciação cambial tem propiciado uma maior expansão da importação comparada com
a exportação, fazendo com que a contribuição do setor externo para o crescimento da
economia seja negativa. Por outro lado, esse crescimento maior das importações tem
contribuído para arrefecer pressões inflacionárias decorrentes da expansão da demanda
interna. Para se ter uma idéia da rápida expansão das importações, pode-se destacar as
seguintes estatísticas para 2013: as importações de bens de capital cresceram a uma
taxa de 33% ao ano; a importação de bens de consumo durável cresceu 55% e a
importação de bens de consumo não duráveis cresceu a uma taxa de 18%.
A expansão de demanda agregada não está mais contribuindo para um crescimento
significativo da produção interna. Nessas condições, é necessário que o crescimento das
exportações seja bem menor que o das importações para evitar pressões inflacionárias
44
relevantes. Ou seja, uma parcela do crescimento da demanda interna tem que ser
satisfeita pelas importações de bens e serviços. Isso efetivamente ocorreu a partir de
2008: o superávit comercial reduziu-se para US$ 20 bilhões em 2012 e atingiu somente
US$ 2,6 bilhõesem 2013. Nessa condição, apareceu um déficit crescente em transações
correntes. Trata-se de um resultado consistente do ponto de vista do modelo econômico
atual que estimula o consumo. Com a carência de poupança interna, esta tem que ser
complementada por poupança externa, ou seja, um déficit em balanço de pagamentos
em transações correntes, atualmente, de 3,4% do PIB..
Os parâmetros chaves para a avaliação do Risco Brasil passaram a apresentar
tendências na direção correta, fazendo com que o país passasse a ser considerado de
baixo risco de crédito e, portanto menos vulnerável às vicissitudes das turbulências da
economia mundial e doméstica. Tanto é que entre abril e maio de 2008, duas agencias
internacionais de avaliação de risco (Standard &P Poor´s e Fitch), elevaram a
classificação do país para “Grau de Investimento”.
A redução e estabilização do Risco Brasil a partir de 2003, passou a ter uma influencia
importante na trajetória da economia. O país está menos vulnerável a choques externos
como pode ser constatado pelo pequeno efeito da crise do “sub-prime” no Brasil em
2009. Reverte-se finalmente a seqüência de verificada no período 1999-2003 quando
uma rápida deterioração das expectativas que se refletia imediatamente sobre o risco
país.
Foram dezoito trimestres em que a taxa de crescimento da formação bruta de capital
fixo é positiva e idêntico movimento de expansão é observado no investimento direto
estrangeiro. Adicionalmente, deve-se destacar o crescimento consistente do consumo
privado, estimulado pelo aumento da massa salarial real e do crédito. O país caminhou
para uma taxa de investimento de 20% do PIB e junto com a estabilização econômica
esses fatores tem contribuído para o aumento da produtividade do trabalho. As
estimativas recentes de crescimento potencial do país indicam um crescimento de 3%
ao ano. Trata-se de um patamar modesto e o Brasil continua com a menor taxa de
crescimento dos BRICs. Para crescer mais, o país tem que avançar em reformas que
aumentem a poupança necessária para financiar um nível mais elevado de
investimentos internos. Em um ambiente externo adverso que voltou as ficar mais
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adverso e uma inflação maior, as perspectivas para a economia brasileira no curto prazo
são de baixo crescimento.
8. Os Desafios de Longo Prazo: Manter a Estabilização, Aumentar a taxa de Crescimento
e Minorar os Problemas Distributivos.
O crescimento do PIB brasileiro ao longo do século XX foi um dos mais altos do
mundo. Com uma taxa média anual de 5,5% ao ano, no período 1920-1980, foi a
segunda maior taxa de crescimento do mundo, só suplantado pela do Japão. Porém, a
partir de 1980, esta tendência de crescimento rápido desaparece e o país passa a
conviver com um padrão modesto de crescimento, com a estagnação do crescimento da
renda per capita. Contribuíram para este fenômeno: o desaparecimento da poupança
externa, na esteira da crise da dívida, a aceleração inflacionaria, decorrente do
desequilíbrio das contas públicas, o isolamento exagerado da economia mundial e o
clima de grande incerteza decorrente dos vários programas de estabilização de resultado
efêmero. Porém, as mudanças estruturais, que começam a ser implementadas a partir
do final dos anos 80, passam a influenciar positivamente o crescimento da produção.
Em um ambiente econômico mais aberto ao mercado mundial, inflação declinante e
reforma fiscal, o crescimento do PIB atingirá patamares mais elevados do que os
observados nos anos 80 e 90.
A redução do crescimento no período 1998/2005 esteve associada aos impactos
negativos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira e a superação
destas dificuldades poderá possibilitar um crescimento do PIB no patamar dos 4,5% ao
ano. Para ter um crescimento consistente de longo prazo, uma pré-condição é preservar
a estabilização e ampliar a abertura ao exterior. O grande desafio é o de completar a
reforma fiscal. Qualquer país tem a sua disposição três políticas macroeconômicas para
caminhar em direção de objetivos de longo prazo: a política cambial, a política
monetária e a política fiscal. No caso brasileiro, não existem grandes inovações a fazer
nas duas primeiras políticas: câmbio flutuante é adequado a um país de grandes
dimensões como o Brasil; o sistema de metas inflacionárias é compatível com flutuação
cambial e a desindexação de contratos já está implementada há quinze anos. O grande
desafio é fiscal, para completar a transição para políticas econômicas consistentes com o
desempenho de longo prazo.
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A reforma fiscal é fundamental para que a sociedade brasileira consiga atingir
os seus grandes objetivos econômicos:
Consolidar a estabilização econômica; o “Plano Real” garantiu uma inflação de
um dígito ao ano, porém não se pode indefinidamente controlar a inflação com
base em um ajuste fiscal provisório apoiado, basicamente, em aumento em
impostos em cascata. É necessário eliminar o déficit público no médio e longo
prazo, caso contrário, a inflação reaparecerá no futuro, quando se esgotar a
capacidade de endividamento interno do governo e este recorrer à emissão de
moeda para se financiar;
Retomar o crescimento econômico a taxas elevadas; o crescimento atual da
economia é muito modesto e abaixo do padrão histórico e para acelerar o
crescimento é necessário aumentar a taxa de poupança e de investimentos da
economia e o grande instrumento para promover a expansão da poupança
interna é a reforma fiscal;
Promover uma melhor distribuição de Renda; o país tem uma distribuição de
renda muito desigual, herança da inflação elevada do passado,
abandono/distorção dos investimentos na área social e uma reformulação nas
receitas e despesas de governo poderá contribuir decisivamente para melhorar a
distribuição de renda;
Geração de empregos; a desregulamentação do mercado do trabalho e redução
de encargos sobre a folha de pagamentos e os investimentos governamentais
em infra-estrutura (construção civil, saúde e educação) associados à redefinição
do papel do Estado, poderão contribuir para aumentar a absorção da mão de
obra no mercado formal de trabalho.
A reforma fiscal envolve várias mudanças constitucionais para aprimorar o
sistema tributário e federativo brasileiro, reformar o sistema de aposentadorias,
reduzirem despesas de custeio e promover uma reforma patrimonial do setor público
através da privatização e redução da dívida interna. Os principais pontos da reforma
fiscal são a seguir destacados:
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Reforma Tributária: a carga tributária no Brasil se situou em 2010 no patamar de
36% do PIB, portanto relativamente elevada em termos internacionais para
países em estágio semelhante de desenvolvimento. O que diferencia o Brasil dos
demais países é o reduzido universo de contribuintes, o grande número de
impostos e contribuições para-fiscais, as alíquotas elevadas e a existência de
impostos “em cascata”. O sistema tributário brasileiro penaliza indevidamente a
produção e o emprego e é considerado um dos principais fatores do chamado
“custo Brasil”. O Governo e o Congresso deverão discutir uma nova proposta de
reforma tributária para reduzir as distorções existentes. Deve-se procurar reduzir
o número de alíquotas do ICMS, unificá-las a nível nacional para reduzir a
“guerra fiscal” e transformar os impostos em cascata em impostos sobre o valor
adicionado.
Reforma Administrativa e do Federalismo Fiscal: a reforma administrativa tem
como objetivo aumentar a eficiência no setor público e reduzir despesas com
pessoal em esferas do governo onde há excesso de funcionários. Para isto já foi
votada no Congresso Nacional uma emenda que acaba com a estabilidade no
emprego no setor público e atualmente já existem limites à remuneração no
setor público (Emenda Constitucional nº. 19 de 04/06/1998). Esta medida
possibilita adequar às despesas das diversas esferas de governo a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que impõe o limite de 60% de gastos com pessoal sobre
a receita líquida. Este é um passo decisivo para reduzir uma grande distorção do
federalismo fiscal brasileiro, onde o excesso de gastos correntes dos estados e
municípios é financiado com transferências do governo federal. A Lei de
Responsabilidade Fiscal aprovada no ano 2000 é essencial para o controle destas
despesas, incluindo, tetos para despesas com pessoal ativo e inativo nas três
esferas de governo: federal, estadual e municipal. Esta restrição vale para o
executivo, legislativa e judiciária.
Reforma da Previdência; constitui-se na mais importante reforma de longo prazo,
pois viabilizará a expansão da poupança privada para financiar o
desenvolvimento econômico nacional e reduzirá os encargos trabalhistas sobre a
folha de pagamentos favorecendo a geração de novos empregos. A
aposentadoria no Brasil era por tempo de serviço (35 anos para homens e 30
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para mulheres) sem especificar anos de contribuição e idade mínima. Com a
reforma aprovada para o regime geral (INSS),em 1998, o critério passou para o
tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres). Foi instituído
o Fator Previdenciário, que criou princípios atuariais no cálculo das
aposentadorias no regime celetista. O grande desafio do governo atual será o de
aprovar um plano de reforma da previdência dos estatutários, que reduza
despesas, aumente receitas e na margem incentive a ampliação da previdência
capitalizada. As distorções são tão grandes que uma reforma mais ampla não
terá apoio político para a sua implementação. De qualquer forma, a instituição
da idade mínima para aposentaria, a contribuição dos inativos, a instituição do
fator previdenciário no setor público e o aumento das contribuições são medidas
que poderão reduzir em aproximadamente 20% o déficit previdenciário do setor
público.
9. DIRETRIZES GERAIS PARA A POLÍTICA MACROECONÔMICA BRASILEIRA DE LONGO
PRAZO.
A política econômica atual é uma extensão das políticas implementadas no segundo
mandato do governo Fernando Henrique Cardoso: regime de câmbio flutuante, metas
inflacionárias para o Banco Central e Superávit primário para evitar uma trajetória
inconsistente da dívida pública. Embora seja superior à política implementada
anteriormente, ela ainda é insuficiente para um desempenho de longo prazo adequado.
O grande desafio é fiscal e não existe na experiência do pós-guerra nenhum caso de
crescimento econômico sustentado que não tenha sido acompanhado de um consistente
equilíbrio fiscal intertemporal. Mais ainda, na história recente mundial, os casos bem
sucedidos de ajuste fiscal foram obtidos por redução de despesa e não por aumento de
receitas. Dadas as atuais condições das finanças públicas brasileiras, não se pode
afirmar - -com toda certeza – que estamos nesta trajetória. Os aumentos de receita são
provisórios, a trajetória das despesas futuras ainda é indefinida e o teste definitivo para
a Lei de Responsabilidade Fiscal ajustar as despesas de todas as esferas do governo
ainda não foi feito.
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A variável de controle do governo é a trajetória de sua dívida através do superávit
primário. Isto pode desencadear um circulo virtuoso ou um circulo vicioso na economia.
Quanto mais ambiciosa e persistente no tempo a política de superávit primário, menor o
risco soberano; maiores as possibilidades de o Banco Central reduzir juros, sem disparar
as expectativas inflacionárias. Com juros menores é possível expandir a demanda
agregada, sem uma monetização do déficit do governo e inflação. O oposto ocorreria
caso o governo não consiga estancar a trajetória de expansão da relação dívida/PIB: o
Banco Central não conseguirá conter a desvalorização cambial, que acarretará pressões
inflacionárias e monetização do déficit do governo. O resultado será uma inflação maior.
Em síntese: o país tem duas opções de longo prazo:
a. Uma saída pela austeridade fiscal, inflação cadente (em direção a 3% ao ano)
e crescimento moderado nos próximos anos (4% a 5% ao ano de crescimento
do PIB).
b. Uma saída pela inflação (acima de 5% ao ano) e crescimento modesto (algo
em torno de 3% ao ano), com maior volatilidade nas variáveis reais e nominais
da economia.
Claramente a primeira solução é a mais adequada e ela depende de três fatores: uma
economia mundial caminhando para sua taxa de crescimento “natural” (4% ao ano),
sem nenhuma grande turbulência de mercado financeiro internacional; apoio político
interno para a implementação das reformas e persistência de austeridade fiscal no longo
prazo. Se isto se materializar, a importância da dívida do governo era se reduzindo ao
longo do tempo, abrindo espaço para um crescimento moderado da economia brasileira.
10. DESREGULAMENTAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO
Uma importante transformação institucional que ocorreu no Brasil diz respeito
ao papel do Estado na economia. Desde o final dos anos 80 houve uma tentativa de
corrigir a excessiva participação do governo e dar uma maior ênfase na economia de
mercado. De um lado, se procurou reduzir a excessiva regulamentação dos mercados,
de outro reduzir a figura do “Estado Empresário” além de controlar o déficit público
através do ajuste fiscal.
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Com relação à desregulamentação várias medidas importantes foram
implementadas: através de emenda constitucional de 1995, eliminou-se a distinção
entre capital nacional e estrangeiro que operam no país, que era uma das principais
discriminações contra o investimento estrangeiro; está sendo feita uma gradual abertura
do mercado financeiro/serviços domésticos a concorrência internacional (os casos mais
recentes são o de serviços bancários e o de seguros de saúde); houve algum avanço na
desregulamentação do mercado de trabalho, com a redução de encargos para contratos
de trabalho por tempo limitado e o programa de privatização/concessões em setores
estratégicos de infra-estrutura (energia elétrica, telecomunicações, portos, estradas,
etc.) tem eliminado monopólios estatais e instituído regimes competitivos e menos
regulamentados.
O Programa de Privatização é uma parte essencial das reformas que foram
implementadas pelo governo visando à modernização da economia. Os objetivos do
programa são:
o Permitir uma mudança do papel do Estado, redirecionando suas ações
e recurso para as áreas sociais;
o Reduzir a dívida pública interna, contribuindo para o ajuste fiscal do
governo;
o Estimular a competição nos mercados,
o Permitir a retomada dos investimentos nas empresas e atividades
desestatizadas, com os recursos de seus novos proprietários;
o Fortalecer o mercado acionário, com maior pulverização do capital.
Desde a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), em 1990, já
foram privatizadas 68 empresas e participações acionárias estatais federais, a maioria
nos setores de siderurgia, química e petroquímica, fertilizantes, energia elétrica e
telecomunicações. Além dessas, foram repassados à iniciativa privada, por concessão, 7
(sete) trechos da Rede Ferroviária Federal S.A., Porto de Santos, Porto de Sepetiba,
GERASUL, Porto de Angra dos Reis, Malha Paulista e Datamec. O valor total das
privatizações já atingiu US$ 105 bilhões.
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Referências e sites de atualização:
Academia Pearson: “Economia Brasileira”, Pearson Education do Brasil, 2011.
Banco Central do Brasil – (http://www.bcb.gov.br)
Relatório de Mercado – semanal.
http://www.bcb.gov.br/?FOCUSRELMERC/
Atas do COPOM – a cada 45 dias.
Baumann, Renato (organizador): “Brasil, Uma Década em Transição”, Editora Campus,
2000.
Giambiagi, Fábio, Villela André, Castro, Lavínia e Hermann, Jennifer (organizadores):
“Economia Brasileira Contemporânea: 1945-2010” 2ª. Edição. Editora Campus, 2011.
Fishlow, Albert “O Novo Brasil”, Saint Paul Editora, 2011.
FMI- (http://www.imf.org):
World Economic Outlook – semestral;
Global Financial Stability Report – semestral;
IPEA (http://www.ipea.gov.br)
IPEADATA – Banco de Dados do IPEA.
Carta de Conjuntura – trimestral.
OMC – Organização Mundial do Comércio (http://www.wto.org) :
International Trade Statistics - anual.
World Trade Report. - anual.
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento -
(http://www.unctad.org);
World Investment Report – anual.