edição 22 vírus planetário completa

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VÍRUS PLANETÁRIO Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça ENTREVISTA INCLUSIVA: David Harvey Uma outra comunicação é possível! R$ 2 edição nº 22 abril 2013 nº22 Movimentos criam Projeto de Lei para democratizar as Comunicações no Brasil Com conteúdo do MEDIA FAZENDO Internações Compulsórias_O que está em jogo com o recolhimento dos moradores de rua? O geógrafo marxista inglês lança livro no Brasil e conversa sobre marxismo e megaeventos EDIÇÃO DIGITAL

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Edição 22 (abril 2013) da revista Vírus Planetário completa

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Page 1: Edição 22 Vírus Planetário completa

Vírus PlanetárioPorque neutro nem sabonete, nem a Suíça

para entender e derrubar o capital

EntrEvista INclusiva:

David HarveyUma outra comunicação é possível!

R$2edição

nº 22 abril2013

nº22

Movimentos criam Projeto de Lei para democratizar as Comunicações no Brasil

Com conteúdo do

MEDIAFAZEN

DOInternações Compulsórias_O que está em jogo com o recolhimento dos moradores de rua?

O geógrafo marxista inglês lança livro no Brasil e conversa sobre marxismo e megaeventos

EDIÇÃO DIGITAL

Page 2: Edição 22 Vírus Planetário completa

Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100%

pública e investimento em energias limpas.

Participe do abaixo-assinado:www.sindipetro.org.br

Notícias da campanha:www.apn.org.br

www.tvpetroleira.tv

organização:

Convida:

Gestão Mobilização Docentee Trabalho de Base

www.aduff.org.br

Page 3: Edição 22 Vírus Planetário completa

traço livre

Eu acredito que todas as mulheres têm o direito de se vestir como quiserem e de se comportar como bem entenderem sem serem julgadas por isso...

...Menos a Valesca Popozuda, é claro. Ela degrada a imagem das mulheres!

Por Inês Emery

Page 4: Edição 22 Vírus Planetário completa

ExPEDIEnTE:Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Catherine Lira, Chico Motta, Eduardo Sá, Gabriel Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez | Brasília: Alina Freitas, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach , Duna Rodríguez, Jéssica Ipólito e Luka Franca | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim Ilustrações: Carlos Latuff (RJ), Paulo Marcelo Oz (MG) e Adriano Kitani (SP) Revisão: Bruna Barlach e Jones

Mário Colaborações: Juliana Rocha Capa: Juliana Florêncio e Bruna Barlach

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria

de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ)

Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principal-

mente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas

necessária para os virgens de Vírus Planetário:

Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é

nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso

estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcia-

lidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim,

parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas exclu-

ídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opres-

são. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível

gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor

é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas

batalhas do cotidiano.

Afinal, o que é a Vírus Planetário?

acesse nossa loja virtual!

www.loja.virusplanetario.net

Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716#Tiragem: 1.500 exemplares

#Impressão:

www.virusplanetario.com.br

Anuncie na Vírus: [email protected]

Siga-nos: twitter.com/virusplanetario

ComuniCação e editora

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem

o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a

humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acredi-

tamos que com mobilização social, uma sociedade em que

haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendome-dia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.

Correio

>Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para

[email protected]

Queremos sua participação!

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digitais, livros, camisas, CDs!

Page 5: Edição 22 Vírus Planetário completa

EditorialAo longo de quase cinco anos de trajetória, A Vírus Planetário se

envolveu com diversas lutas sociais. Passamos a nos reconhecer não apenas como revista, mas também como uma organização política engajada que reúne um conjunto de ideias progressistas. É neste tom que pedimos a sua atenção para falar de um dos temas mais impor-tantes hoje no país: a democratização da comunicação.

A Comunicação é um direito humano que deve ser tratado no mesmo nível e grau de importância que os demais direitos humanos. O direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. O direito humano à comunicação incorpora a inaliená-vel e fundamental liberdade de expressão e o direito à informação, mas não se restringe apenas a estes princípios.

Temos que entender esse direito no sentido mais amplo, do acesso igualitário às tecnologias da informação e condições de pro-dução, à garantia da diversidade e pluralidade de meios e conteú-dos informativos, a partir de um regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual. Ainda nesse sentido, o direito à comunicação se estende à garantia da participação da sociedade na definição de políticas públicas, tais como conselhos de comu-nicação, conferências nacionais, regionais e locais.

Na prática, isso significa não aceitar como fato consumado a atual concentração da mídia, em que apenas dez famílias contro-lam as grandes redes de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV em todo o país. Enquanto esses poucos usarem as conces-sões públicas para fins comerciais, a população continua com o direito à comunicação cerceado.

Significa também lutar para que rádios comunitárias sejam estimuladas, e não combatidas. Significa trabalhar pela constru-ção de um sistema público de comunicação, em que haja emis-soras públicas fortes, geridas e financiadas com independência tanto em relação aos governos quanto ao setor privado. Sig-nifica defender o controle público da comunicação, (o que não se confunde com censura), para garantir que as concessões públicas sejam usadas em nome do interesse público.

Por isso, fique atento a campanha nacional que começa esse mês para coletar 1,3 milhões de assinaturas e pautar uma nova lei de iniciativa popular do país, agora para a co-municação. Visite o site www.paraexpressaraliberdade.org.br e informe-se.

Nesta edição você vai encontrar também outras lutas, na defesa pelos direitos, à educação pública, à reforma agrária, direito à saúde pública não militarizada, e dos direitos tra-balhistas. E para completar, na Entrevista Inclusiva do mês, quatro páginas com David Harvey, um dos maiores intelectu-ais marxista contemporâneos que nos incentiva a entender e derrubar o capital. Divirta-se e boa leitura!

sumário

6 Ana Enne_Quem (não) me

representa?

9 Sociedade_Internações

Compulsórias

12 Sociedade_Estado laico, pra

quê?

15 Bula Cultural_Indicações e

Contraindicações

16 Bula Cultural_Prática

Cineclubista

18 CAPA_Entrevista Inclusiva_David

Harvey

22 Fazendo Media - Agrocoecologia

como alternativa no meio rural

26 Internacional_Chile, buscando a

alegria que ainda não veio

28 Minas Gerais_Abril Vermelho

30 Fazendo Media - Para expressar a

liberdade!

33 Sórdidos Detalhes

34 O Sensacional Repórter

Sensacionalista

Infelizmente, esta edição não conta com os Passa-tempos Virais, pois não obtivemos verbas para conse-guir imprimir 40 páginas, e lançamos com 36 páginas. Já passou da hora dos sindicatos e entidades de luta que querem democratizar a sociedade, apoiar uma uma importante iniciativa de comunicação alterna-tiva. Afinal, não somos poucos, em nosso facebook falamos semanalmente com milhões de pessoas al-cançadas, com mais de 46 mil e 500 pessoas que curtem nossa página

Page 6: Edição 22 Vírus Planetário completa

Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e

Mídia da Universidade Federal Fluminense

(UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo

Museu Nacional (UFRJ).

AnA EnnE

Março de 2013 reservou-nos uma ingrata surpresa. O pastor Marcos Feliciano, deputado federal pelo PSC-SP, foi indicado para assumir a impor-tantíssima e estratégica presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Feliciano é pró-digo em declarações polêmicas, de cunho homofóbico, sexista, racista e de perseguição religiosa, se tornando nacionalmente conhecido por frases como: “Africanos descendem de an-cestral amaldiçoado de Noé. Isso é fato”; “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição” (sic); “É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre para Deus e Deus não vai dar”; “Eu que-ria estar lá no dia que descobriram o corpo dele. Ia tirar o pano de cima e dizer: ‘Me perdoe John, mas esse primeiro tiro é em nome do Pai, esse é em nome do Filho e esse em nome do Espírito Santo’” (sobre a morte de John Lennon); dentre outras pérolas. Convenhamos, é tanto aviltamento, disparate, preconceito, afirmação cri-minosa (porque, sim, racismo é crime no Brasil, inafiançável), que custamos mesmo a acreditar que a entrega da presidência da Comissão de Direitos Humanos a uma pessoa desse calibre não seria só uma espécie de “pegadi-nha”. Mas não é.

Para lidar com o choque por essa indicação ofensiva e inacreditável, parte significativa dos brasileiros, através dos mais diversos movi-mentos e ações sociais, individuais

Quem (não) me representa?

Valesca em ensaio fotográfico em defesa da luta pela saúde da mulher | Foto: Reprodução fonte: http://www.revistatudoeetc.com/2012/08/o-falso-moralismo-do-lelele.html

Vírus Planetário - abril 20136

Page 7: Edição 22 Vírus Planetário completa

Ilustração: Carlos Latuff

ou coletivas, criou uma forma de manifestação pública, batizada de “Feliciano não me representa”, in-dicando, através de múltiplas for-mas de expressão, sua não identi-ficação com os valores e práticas do pastor Feliciano.

Sabemos que representar é tornar presente, através de uso de significantes, um ausente. No caso da representação instituída, em que alguém a quem delegamos um papel fala por nós, como, por exemplo, um político eleito, acre-ditamos que ele irá cumprir essa delegação porque o colocamos ali por que ele nos sintetiza, é capaz de falar por nós porque nos iden-tificamos com seus valores e prá-ticas, porque confiamos em seu lugar moral, reconhecemos sua autoridade e sua legitimidade de falar por nós, mesmo sabendo que será impossível que o representan-te fale por todos, consiga agradar e sintetizar todas as visões de mundo, seja sempre retilíneo e não contraditório.

Quando parte significativa de um país adere a um movimento que acusa o pastor Marcos Feli-ciano de não representação, o que esse brado está dizendo é: não re-conhecemos seu lugar moral, sua autoridade e sua legitimidade para falar por nós; não nos identifica-mos com seus valores e visões de mundo; não aceitamos a sua insti-tuição para nos substituir.

Ao mesmo tempo, participei, recentemente, de episódio tam-bém muito interessante de confli-

to representacional. Sou professora do curso de Estudos de Mídia, da Universidade Federal Fluminense/UFF. Em abril de 2013, uma turma de sete alunos me fez o feliz convite para ser paraninfa em sua formatura, e escolheram para patronesse a funkeira Valesca Popozuda. Adorei a ideia da turma. Em primeiro lugar, porque externaliza a vocação e a co-ragem do curso de Estudos de Mídia, de não se conformar com os pa-radigmas, de quebrar com as regras, de nos lembrar aquilo que Oswald de Andrade afirmou: “só há determinismo onde não há mistério”. É preciso, então, abrir janelas, forjar outros olhares, confundir, hibridizar, blasfemar, para quebrar os determinismos, o senso comum, as verda-des cristalizadas. E isso fizeram esses sete alunos: ousaram blasfemar, homenageando não só uma personalidade não acadêmica, mas do rei-no do pop, do estigmatizado universo do funk; uma cantora que para alguns “banaliza o corpo feminino e contribui para a exploração da mu-lher”, enquanto para outros tematiza a questão da sexualidade femi-nina e coloca em cena discussões importantes para o feminismo; uma artista que para muitos representa o mundo da alienação, enquanto para outros tem se mostrado cidadã consciente apoiando causas de minorias, em especial a luta anti-homofobia. Ou seja, uma personagem não retilínea, contraditória, complexa, assim como a vida. Palmas para meus ousados alunos, que não se curvaram ao óbvio e se atreveram a homenagear alguém cujo comportamento e estilo artístico são

“ Não tenho dúvidas entre quem escolheria, em termos de valores, para me representar,

se Feliciano ou Valesca.”

Vírus Planetário - abril 2013 7

Page 8: Edição 22 Vírus Planetário completa

alvos constantes do preconceito e da distinção de classe.

No entanto, não se toma uma atitude assim sem correr os riscos de suas consequências. Associar-se em um projeto de identidade a quem carrega as marcas do es-tigma, como os funkeiros, mesmo que aparentemente protegido pelas unções do sagrado (no caso, a mar-ca do diploma acadêmico), muitas vezes faz com que as marcas do preconceito contaminem também o defensor. E isso, a meu ver, torna a luta ainda mais necessária, mais justa, mais bonita: não temer a as-sociação com as marcas do perigo, não se apegar às cômodas vestes da pureza. Dito e feito! A homena-gem causou espanto, virou matéria em muitos jornais, recebeu levas de comentários negativos dos leito-res cínicos dos portais de notícias, como o Globo, que têm a cara de pau de acusar de “baixa cultura”, “falta de cultura”, ou qualquer um desses termos preconceituosos e ignorantes acerca da diversidade e polissemia da ideia de cultura, aque-le que professa um gosto diferente do seu, se esquecendo, inclusive, que para boa parte da elite inte-lectual que lhe serve de referência para a aplicação do rótulo precon-ceituoso contra o funkeiro, também ele, leitor de O Globo, num passa de um alienado, um inculto, uma grande de uma besta. Dando um tiro no próprio pé, os comentaristas dos portais apontaram suas armas contra Valesca, o funk, os forman-dos, a universidade, os professo-res, o curso e, pasmem!, Lula e a política de cotas.

Tudo isso me fez pensar em representação, na configuração do jogo presente x ausente, no reco-nhecimento do lugar moral daquele que, instituído, fala por mim, fala por você, fala por nós. Não tenho dúvidas entre quem escolheria, em termos de valores, para me repre-sentar, se Feliciano ou Valesca. Por isso, não tenho qualquer hesitação em afirmar, neste artigo, que Feli-ciano não me representa, os pre-conceituosos não me representam, os comentaristas dos portais com suas visões de mundo estreita e suas ridículas necessidades de dis-tinção (sendo leitores de O Globo!, mas que grandes de umas bestas!, diria a inteligência ainda mais distin-ta!) também não me representam. Valesca Popozuda, o funk, as for-mas de resistência da cultura po-pular, seus embates, contradições,

suas lutas e questões, sim, me re-presentam. Mas me representam ainda mais os meus valorosos e corajosos alunos, que arriscam, não temem associar seus nomes ao lu-gar do preconceito, que sambam na cara da sociedade quando dizem que não se curvam aos dogmas e aos sacralizados, que estão aí pra fazer pensar e não para se sub-meter, que colocam pra dialogar o que aprendem em sala com o que vivenciam no mundo. Esses alu-nos, os formandos e todos aqueles que depois compraram a briga por eles, esses não só me representam, como me enchem de orgulho. Tamo junto e misturado, sempre!

“ Esses alunos ousaram,homenageando

uma personalidade do muitas vezes

vilipendiado universo do funk”

Confira em nosso site a resposta da mes-tranda e jornalista da Vírus, Mariana Go-mes, à apresentadora Rachel Sherazade sobre seu projeto de mestrado sobre funk e mulheres: www.tinyurl.com/respostafunk

Campanha contra homofobia feita por Valesca Popozuda Vírus Planetário - abril 20138

Page 9: Edição 22 Vírus Planetário completa

sociedade

O estômago retorcido. A cidade vazia, repleta de desconfiança. Ela range como as máquinas da fábrica, grita como os tiroteios ouvidos na noite passada, é dolorida como a sutil humilhação do olhar de um passante qualquer. Ela vem de novo, pra dizer que estou vivo. A fome. Menino magrinho percorre as ruas escuras, eis uma figura monstru-osa, assustadora: uma criança pobre. Foi dormir, em vez de acender a pedra. Já era a décima vez seguida que conseguia isso. Enquanto seus amigos de rua faziam fumaça ao lado, ele procurava se aquecer apenas com o cobertor, tendo a companhia de seu bicho de pelúcia puído. Achou por acaso num lixo, era alguma coisa quando o futuro só existe na possibilidade de uma próxima dor de estômago. As pálpebras iam pesando, e pesaram até o dia seguinte.

O sol amanhece na cidade asséptica. Alguém tira seu cobertor e o pega pelo braço. Na confusão, tentam convencê-lo, e ele tenta convencê-los, “estou sem usar há dias”, e quando percebe que seus

amigos não estavam mais lá, provavelmente levados para lugares aos quais jamais chegaria, dispara. Um policial se aproxima, portando um fuzil. O menino está fraco, mas tenta. É agarrado e levado pelo outro moço de crachá, quando constata, ao fecharem a van, que seu brin-quedo ficou na rua. Bate na janela, mas ig-noram. Do vidro, vê seu brinquedo jogado,

desimportante.

Internações Compulsórias

Por Lívia Valle e Miguel TiribaO que está em jogo?Velho higienismo é atualizado por um contraditório discurso da proteção durante internações compulsórias de moradores de rua, usuários de droga ou não.

Assistente social corre atrás de morador de rua Foto original: Adriana Lorete

Vírus Planetário - abril 2013 9

Page 10: Edição 22 Vírus Planetário completa

Enquanto é levado para algum destino sem nome, vê outro menino correndo do lado de fora. Está atravessando a rua. “Ele fumou com os outros essa noite?”, não deu tempo. Rio de Janeiro, 10 de Janei-ro de 2013. Um menino de 10 anos, identificado como Rafael, morreu nesta manhã ao ser atropelado por um caminhão na Avenida Brasil. De acordo com a polícia, a vítima atravessou a pista para tentar fugir dos agentes da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) que realizavam operação para recolher usuários de crack. O motorista do veículo fugiu. Bem-vindos à Cidade Olímpica. Do que é feita a nossa saúde pública?

Em Abril deste ano, o Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com uma ação civil pública pedindo a cassação do prefeito Eduardo Paes em razão do recolhimento compulsório de moradores de rua pela cidade. Dado deste acontecimento, precisamos nos perguntar o que tem significado esta medida. Vê-se que nos últimos anos a adminis-tração municipal vem assumindo um caráter autoritário na constru-ção e execução de suas políticas. Através de práticas higienistas e de aprisionamento vestidas de um contraditório discurso da “proteção”, os recolhimentos e internações compulsórios de moradores de rua, usuários de droga ou não, surgiram sem participação social e como parte da construção de um projeto de cidade - o dos megaeventos, voltado para uma especulação imobiliária, essa sim compulsória, em um reordenamento urbano produtor de segregação.

Após uma audiência pública em 2011, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da ALERJ em parceria com organi-zações de direitos humanos realizou uma série de visitas aos “abrigos especializados” para crianças e adolescentes. Resultando em relatório lançado em 2012, este mostra a compreensão do problema como de controle social punitivo e não de saúde pública. Segundo o relatório,

na maioria dos casos, o profissio-nal que assinava os laudos não era um médico, e os lugares observa-dos, ainda, feriam gravemente di-retrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A partir disso, o vereador Rena-to Cinco (PSOL) solicitou este ano a instalação da CPI para investiga-ção da política de internação com-pulsória no Rio de Janeiro. Alegou-se que no município a internação é aplicada como procedimento prioritário e generalizado, violando a legislação da reforma psiquiátri-ca, Lei 10.216 de 2001, que garante direitos fundamentais e determi-na as modalidades de internação, sendo a compulsória tida como último recurso, esgotadas todas possibilidades de cuidado através de dispositivos comunitários. Além disso, esta só pode ser executada por determinação judicial. Assim, surge em seu lugar a internação “involuntária”.

Segundo a lei, um médico, um familiar, ou responsável legal po-dem solicitar a internação invo-luntária. No entanto, as chama-das “operações” de recolhimento

Moradores de rua são recolhidos em São Paulo. Foto: Marcelo Carmago/Agência Brasil

Tem que ser caso de Polícia? O contraditório discurso da proteção

Vírus Planetário - abril 201310

Page 11: Edição 22 Vírus Planetário completa

ocorrem na prática forçadamente e massificadas, sem respeitar os direi-tos e destinos indicados em lei, e ainda, junto a Polícia Militar e Civil. Em uma das maiores operações, ocorrida em 2011 em Manguinhos, a prefeitura teve o apoio do 22º BPM, Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA) e Guarda Municipal, o que mais revela uma lógica do delito direcionada a qual-quer um que seja ‘suspeito’. Em São Paulo, adultos têm sido algemados na abordagem. Ou seja, esta apro-priação do discurso da lei da saúde mental elucida o estado de exceção em que vivemos, pois as medidas surgem pelos termos da lei quan-do suas ações excluem a mesma. Surgem assim não novas políticas de saúde, mas novas maneiras de excluir, maquiando a desigualdade pelo isolamento forçado de um ex-cedente pobre da população. E a polêmica pode ir longe: você conhe-ce as comunidades terapêuticas?

Segundo relatoria especial da ONU sobre o tema, os “centros de tratamento” de drogas podem ser locais de tortura e maus-tratos. No caso brasileiro, a discussão passa pela ampliação das comunidades terapêuticas se aprovada a lei an-tidrogas (PL 7663). Estas são resul-tado da entrada de interesses da igreja e do mercado privado da saúde que utiliza recursos públicos; processo que precariza o sistema

público de saúde (SUS) e retrocede suas conquistas junto a luta antima-nicomial. Segundo Paulo Amarante, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, nessas comuni-dades podem ser encontradas pes-soas enterradas até o pescoço ou sendo obrigadas a carregar pedras, numa mistura de prática religiosa de purificação e exorcismo com tera-pia de choque geradora de medo 1. Para Lindomar Darós, psicólogo da Vara da infância, da Juventude e do Idoso do Tribunal de Justiça do RJ, pesquisador e militante, essas co-munidades são como os antigos manicômios, instituições descons-truídas com a reforma psiquiátri-ca, a partir da redemocratização. Em entrevista à Vírus Planetário, este problematizou como os CAP-SAd (centros de atenção psicosso-cial para álcool e drogas) têm sido desinvestidos com o SUS, mesmo sendo a opção de tratamento mais indicada por profissionais e diversas entidades, como o Conselho Federal de Psicologia, uma das integrantes da Frente Nacional de Drogas e Di-reitos Humanos. No caso do uso de álcool e drogas há ainda a estraté-gia de redução de danos e os con-sultórios de rua, mais afirmadores do cuidado e de uma lógica extra-muros, em detrimento de práticas humilhantes e violadoras de diver-sos direitos humanos.

Frente à opinião comum e na-turalizada de que é preciso inter-ditar o uso de drogas na situação

de rua sob a justificativa do sofri-mento, perguntamos: o que produz sofrimento? Como nossa sociedade produz sofrimento aos moradores de rua? Considerando o argumento da ameaça a ordem pública, são es-tes que produzem o perigo para a sociedade ou é esta que os coloca em perigo, ao produzir a exclusão? Será a droga o risco, ou arriscado é o uso da droga nesta sociedade, que o criminaliza? É preciso consi-derar vários aspectos da situação, que não se resolvem com punição, mas com melhores ofertas de vida e informação. O problema passa por uma guerra às drogas que não solucionando o tráfico ainda utiliza violência para sustentar um siste-ma social (e moral) falho, sem de-bate amplo.

Antes tarde, pensemos como o capital está em jogo na cidade, sen-do maior que a vida. No fio da nava-lha, pensemos em lutar, ou em pelo menos discutir, afirmar: um serviço público de saúde, universal e de qualidade, com acesso à informa-ção, possível para o exercício ple-no dos direitos, inclusive o direito à escolha sobre o próprio corpo. Pois quando meninos como Rafael mor-rem ao tentar fugir de uma opera-ção, desconfiamos que prender não é sinônimo de cuidar.

“ Retrocedemos assim

conquistas da redemocratização,

como a luta antimanicomial”

Manifestantes contra a internação forçada em São Paulo. Fonte: www.presaude.com/ciencia-e-saude/internacao-compulsoria/attachment/internacao-compulsoria-crack

Compareça ao ato anual da luta anti-manicomial no Rio de Janeiro, dia 17 de Maio na praça xV!

Promotor Rogério Pacheco explica ação contra Eduardo Paes em debate sobre as internações compulsórias. ASSISTA - www.is.gd/nMuxj7

Estado mínimo e repressivo versus alternativas de

cuidado nascidas de lutas.

Qual é a sociedade que queremos?

Vírus Planetário - abril 2013 11

Page 12: Edição 22 Vírus Planetário completa

Nas últimas semanas, o Brasil tem travado um enorme debate so-bre Estado laico, liberdade religiosa e representação política. A eleição do Deputado Pastor Marco Felicia-no à presidência da Comissão de Di-reitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados causou muita polêmica e trouxe reflexões recorrentes sobre a laicidade do Es-tado brasileiro.

O Estado laico, ou Estado secu-lar, nasceu nos primórdios da demo-cracia francesa. A ideia é a de que Estado e religião sejam totalmente dissociados; a política, então, não deve sofrer interferência vinda de qualquer orientação religiosa. O Es-tado laico deve ter como princípios a imparcialidade em assuntos – se-jam eles de cunho religioso ou não –, a não discriminação ou o apoio a nenhuma forma de culto religioso e o respeito às crenças.

No Brasil, a laicidade foi conso-lidada na Constituição de 1988. O artigo 19º proíbe que o Estado man-tenha alianças e relações de depen-

Estado laico, pra quê?

evangélicas neopentecostais. Esses políticos exercem pressão religiosa em decisões de interesse público, dificultando a promulgação de leis, principalmente no que diz respeito à pesquisa científica, aos direitos ci-vis de minorias e aos direitos sexu-ais e reprodutivos.

A força da bancada evangélica vem afetando diretamente a garan-tia das liberdades individuais. Alguns parlamentares, inclusive, apontam que esta é uma prática contrária à ideia de democracia, pois nega prin-cipalmente as diferenças culturais existentes em um país de dimen-sões continentais.

No dia 27 de março, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a

Por Julia Maria Ferreira

dência com qualquer igreja, templo ou entidade religiosa. Contudo, a mesma constituição foi promulgada e jurada em nome de Deus. E as contradições vão além, entidades religiosas não pagam impostos, al-gumas recebem subsídios, há esco-las no sistema público em que o en-sino religioso faz parte do currículo e privilegia o cristianismo. Ainda existe a discriminação com outras religiões, principalmente as de ma-triz africana, como o Candomblé e a Umbanda. Em 2009, uma profes-sora no Rio de Janeiro foi afastada do cargo após ler as “Lendas de Exu” para seus alunos, a diretora da escola era evangélica.

O Congresso Nacional vem sen-do ocupado por uma bancada muito bem organizada composta por parlamentares ligados ao cris-tianismo, principalmente, às igrejas

O papel do Estado laico e os entraves para a plena

liberdade religiosa no Brasil

Bancada evangélica em Brasília

sociedade

Vírus Planetário - abril 201312

Page 13: Edição 22 Vírus Planetário completa

ao longo de dois anos pelos parlamentares contrários ao texto na CCJ, mas, em pleno momento de pressão contra Marco Feliciano, a proposta foi em frente. Além do deputado federal Décio Lima (PT-SC) na presidência da CCJ, o Partido dos Trabalhadores (PT) conta com a maioria dos parlamentares da Comissão.

O que para uma parcela da sociedade é apenas um discurso ine-rente à disputa política, para outros é o preconceito sentido na pele. É o caso de Lucas Ariel Almeida, estudante de psicologia e umbandista. Para ele, qualquer forma de preconceito com sua religião, por mais que não seja direcionada a ele, o atinge. “Em qualquer discurso funda-mentalista, mesmo que não encaminhado diretamente para mim ou mesmo para minha religião, eu acabo sentindo como preconceito, de uma maneira ou de outra”, afirma. Lucas ressalta, ainda, que acredita que a religião deve estar mesmo separada da esfera política, e que

Proposta de Emenda à Constitui-ção 99/11, do deputado João Cam-pos (PSDB-GO). A proposta inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitu-cionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja, religiosos poderão questionar decisões judi-ciais – como a legalidade da união estável para casais de mesmo sexo, aprovada no Supremo Tribu-nal Federal (STF) em maio de 2011. O texto segue para ser votado em plenário e, se aprovado, segue para votação no Senado Federal. A proposta vinha sendo rejeitada

Liberdade para os religiosos

Ilustração: Carlos Latuff

Vírus Planetário - abril 2013 13

Page 14: Edição 22 Vírus Planetário completa

sociedade

a fé é importante, mas não deve interferir nas escolhas do Estado. E completa: “não votaria em alguém da minha religião só por ser da mi-nha religião, da mesma maneira que não votaria em ninguém por torcer pelo mesmo time que eu”.

Matheus Ramos, que também é umbandista, condena a questão da religião ser uma forma de repre-sentação política. Matheus acredita que a pluralidade religiosa contribui para que o Brasil seja um país cultu-ralmente rico, mas discorda que um deputado possa condenar católicos, dizer que pessoas morreram por colocarem Deus à prova, ou ainda falar que a África sofre maldições. “Esses são argumentos do passa-do”, coloca Matheus, “foram ultra-passados há muito tempo e uma pessoa como Feliciano representa um retrocesso na história política e científica do mundo”.

Desde o início da História do Brasil, o catolicismo era conside-rada oficialmente como a religião dominante. Outras religiões eram proibidas de promoverem cultos públicos, até o início da república. As práticas religiosas de origem afri-cana eram proibidas e consideradas

crimes passíveis de punição. O clero católico recebia salários do gover-no como se fossem funcionários públicos. O Código Penal proibia a divulgação de doutrinas contrárias às “verdades fundamentais da exis-tência de Deus e da imortalidade da alma”, inclusive as doutrinas positi-vistas europeias que só circulavam entre as pessoas que podiam viajar ou estudar no exterior. E nos cemi-térios públicos, somente eram per-mitidos o enterro de católicos. Fa-mília de mortos membros de outra religião tinham de se fingir católicos ou procurar cemitérios particulares, como foi o caso dos judeus e dos protestantes.

Com a primeira constituição re-publicana, este cenário mudou gra-dualmente, mas ainda existem vín-culos notórios entre o Estado e a Igreja Católica. As Igrejas Evangélicas também têm exigido privilégios. A maioria delas possuem grandes es-paços em emissoras de rádio e te-levisão, além de acesso a recursos públicos para atividades assisten-ciais e educacionais. Elas são, tam-bém, as grandes beneficiadas pela imunidade tributária direcionada a templos religiosos.

Em maio de 2007, o Vaticano pressionou o governo brasileiro a assinar um pacto para consolidar os privilégios da Igreja Católica, as-

sim como para estabelecer outros, como o livre acesso às terras indíge-nas, para ação religiosa. Tratava-se da preparação para visita do então papa Bento XVI. Movimentos so-ciais, entidades laicas e a imprensa denunciaram que um acordo secre-to estava sendo elaborado. O então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, rejeitou o documento e firmou que “o Brasil é um Estado laico”. No entanto, os entendimen-tos continuaram, secretamente, e culminaram na assinatura da Con-cordata, em Roma, em novembro de 2008.

Ao longo dos meses de março e abril, diversos atos públicos aconte-ceram pelo Brasil em prol da liber-dade religiosa. No Rio de Janeiro, a Caminhada por uma Comissão de Direitos Humanos para todos, que aconteceu no dia 7 de abril, teve como objetivo demonstrar que a população está atenta e luta por liberdade religiosa e respeito aos direitos humanos. A passeata con-tou com a presença de diversos movimentos sociais e parlamenta-res, entre eles, o deputado federal Chico Alencar (PSOL), que perten-ce à CDHM e declarou que “a luta aqui é pela igualdade radical entre todos os seres vivos. A democracia no Brasil está em jogo e defender o Estado laico é tarefa de todos nós”.

O Estado Brasileiro e a Igreja Católica

População exige direitos e liberdade

“ Ainda existem vínculos notórios

entre o Estado e a Igreja Católica. As Igrejas

Evangélicas também têm exigido privilégios”

Manifestação na Câmara dos Deputados contra o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). | Foto: José Cruz/Agência Brasil

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Page 15: Edição 22 Vírus Planetário completa

ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural

ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

ContraindicaçõesHermes e Renato

O programa está de volta à MTV no forma-to que deu fama ao quinteto de humoristas. A contraindicação não é para o programa em si e sim para o contexto preconceituoso e machista que várias piadas se inserem, como a natura-lização da violência contra a mulher e as mi-norias, por exemplo, presentes em alguns dos episódios e programas do show. Vale assistir, mas com a atenção de que algumas temáticas não são “só uma piada”, e sim, não passam de piada sem graça.

IndicaçõesFilme - O dia que durou 21 anos

Apesar do fim abrup-to, quando o filme che-ga ao período da “linha dura” e de deixar muito a desejar, “O dia que du-rou 21 anos” merece ser visto por todo cidadão brasileiro.

O documentário faz boa análise da conjuntu-ra política que culminou no golpe militar de 1º de Abril de 1964, e exibe a densidade do envolvi-mento dos EUA no golpe. Mostra também a difa-mação do governo Jan-go - tramada pelo IBAD, o Instituto Millenium da

época - com o intuito de

convencer a população da necessidade de um golpe.

Quem podia imaginar que a mentira reinaria por 21 anos?

Filme - O Riso dos Outros

No encalço das polêmicas que eventualmente pipocam

entorno de comediantes, o documentário de Pedro Arantes

debate a ética e os limites do humor. O média metragem apre-

senta uma sucessão de humoristas, acadêmicos e ativistas

que se revezam com posicionamentos mais ou menos críticos

diante da risada nacional. De um lado vemos os defensores

incondicionais do humor pelo humor, atacando a tal “polícia

do politicamente correto”, usando argumentos do tipo “é só

uma piada”. Do outro, um grupo de humoristas que tenta po-

litizar o debate, argumentando que “é papel dos comediantes

saberem de qual lado estão de uma piada”. Alguns dos en-

trevistados são a blogueira feminista Lola Aronovich, os co-

mediantes Rafinha Bastos e Danilo Gentilli, os quadrinistas

Laerte, André Dahmer e Arnaldo Branco, o deputado federal

Jean Wyllys e o escritor Antonio Prata.

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Page 16: Edição 22 Vírus Planetário completa

bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Projetando e transformando: uma prática cineclubista

Movimento capixaba mostra sua força de organização e intervenção no Estado, com a retomada da

rearticulação dos cineclubes

A prática cineclubista consiste, sucintamente, de um grupo de pes-soas que se reúnem para exibir fil-mes e, após sua exibição, trocarem ideias sobre a sessão. Existem ci-neclubes movidos pelas mais diver-sas finalidades: alguns são temáti-cos, discutem questões específicas como gênero, racismo, questões ambientais, enquanto outros pro-curam discutir estética, linguagem. Ainda há aqueles ligados à arte, à educação e aos movimentos sócio-políticos. Na verdade, o mais inte-ressante da prática cineclubista é criar momentos de encontro que irão possibilitar troca de saberes e experiências mediados pelas mais diversas produções audiovisuais

Por Laíssa Gamaro e Diego nunes

- do videoclipe produzido pelo ar-tista independente aos longa me-tragens de ficção comerciais. Tudo isso acontece no cineclube, esse espaço-movimento que liga, conec-ta, afirma e reinventa identidades. Alguns até trazem apresentações musicais, teatro, fotografia, poesia e outras diversas linguagens híbridas, de modo a construir provocações acerca do mundo e de nós mes-mos. Todo cineclube possui acesso gratuito, o que permite o acesso irrestrito de pessoas, e busca prio-rizar produções que infelizmente não possuem - ou possuem pouco - espaço nos circuitos comerciais de cinema.

Por falar em cinema comercial, existem alguns sérios problemas relacionados a ele: de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009, a média nacional de pessoas que frequen-tavam as salas de cinema era de apenas 14%. O problema do acesso é ainda mais complicado quando se leva em consideração o alto valor dos ingressos. Além disso, ao nos confrontar com a programação dos filmes em cartaz, quantos filmes de outras nacionalidades que não nor-te-americanas fazem parte dessa programação? Quantos brasileiros?

Nos perguntemos: quais são as possíveis conexões que podemos

Sessão cin

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Page 17: Edição 22 Vírus Planetário completa

no Brasil. No mesmo período, começam a acontecer as Jornadas Na-cionais Cineclubistas, congressos anuais ou bianuais. Na ocasião da III Jornada Nacional é fundado o Conselho Nacional de Cineclubes - CNC. Nesta mesma época, o Movimento se organizava a nível nacional e o cineclubismo tomava impulso no Espírito santo. Em 1981, surge a Fede-ração de Cineclubes do Espírito Santo, cujas ações permanecem até a década de 90. Em meado dos anos 2000, muitos cineclubes começam a surgir no estado, e o movimento aos poucos começava a se reorga-nizar. Finalmente, em 2010, com a 28ª Jornada Nacional de Cineclubes, os cineclubistas capixabas presentes deram a luz a sua nova entidade representativa: A Organização Dos Cineclubes Capixabas - OCCa. Sua diretoria foi reformulada em novembro de 2011, e desde então a entidade vem buscado estruturar-se para dar suporte e permitir a organização dos cineclubes do estado do Espírito Santo.

Após dois anos de articulação, a OCCa conseguiu realizar, entre os dias 09 e 10 de Março, juntamente com a Associação Diacônica Luterana (ADL), o 4ª Encontro Estadual de Cineclubes do ES. O evento aconteceu na sede da ADL, com o apoio da Secretaria de Cultura da Universida-de Federal do Espírito Santo (UFES) e da prefeitura de Afonso Cláudio. O momento propiciou o encontro de cerca de cinquenta cineclubistas capixabas, que debruçaram-se coletivamente ao longo dos dois dias de encontro no sentido de compreender as mais diversas realidades de cada cineclube, dentro do contexto político que vivenciamos em nosso estado, trocando experiências, esboçando possibilidades de atuação no sentido de contribuir ativamente no desenvolvimento cultural do Estado, na formação do público, na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que oportunize espaços de encontro e o diálogo. Esse foi um essencial momento de troca e construção coletiva de propostas estra-tégicas de ação da Organização e do movimento cineclubista Capixaba, permitindo que os diversos cineclubes se reconhecessem parte de uma mesma rede, agindo por diretrizes comuns.

fazer com um filme, por exemplo, “O homem Aranha”, com a nossa vida? O que este filme diz sobre nossos problemas, nossa realida-de? Não se trata de fazer juízo de valor sobre as produções hollywo-dianas, mas sim de garantir espa-ço para uma programação mais di-versa; produções com outros per-fis estéticos e de conteúdo mui-to interessantes e com os quais possamos criar conexões novas e mais legítimas com nossas vidas. E aí entra o movimento cineclubista, que defende a democratização do acesso aos bens culturais, os direi-tos do público (de se expressar, de interferir na programação, de ter acesso às produções) e luta pela construção de consciência crítica. Tudo isso visando a construção de uma sociedade democrática, garantindo a livre expressão, legiti-mando as lutas sociais e almejan-do tornar nossa sociedade cada vez mais igualitária.

A Federação Internacional de Ci-neclubes (FICC) foi criada em 1947, em Cannes (França) por grupos de cineclubes em países de todo o mundo, também é conhecida como Federation Internationale des Cine-Clubes (FICC). A partir de 2010, mais de 30 países passaram a ser representados nesta organização internacional. No Brasil, o primei-ro cineclube, o Chaplin Club, surge em 1928, ainda que o movimento cineclubista brasileiro começa a se organizar na década de 60, desta-cando-se enquanto movimento de resistência à ditadura militar vivida

“ O mais interessante da prática cineclubista é criar momentos de encontro, de trocas de saberes ”

Para saber mais sobre o movimento cineclubista, acesse www.ficc.info , cineclubes.org.br ou o blog da OCCa: www.occapixabas.wordpress.com

Sessão cineclubista organizada pelo cineclube Kbça, no centro de cultura Afro

Odomodê

Encontro Estadual de Cineclubes manda seu recado contra Marco Feliciano

Fotos: Divulgação

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Page 18: Edição 22 Vírus Planetário completa

Geógrafo e marxista mundialmente conhecido, David Harvey veio ao Brasil para o lançamento de seu novo livro “Para entender o Capital” (Editora Boitempo, R$49) e nos concedeu uma grata entrevista em São Paulo na sede da Boitempo, que o presenteara com um bonequinho de Karl Marx.

Com tradicional pontualidade britânica, vestin-do uma camiseta vermelha com o desenho do filó-sofo fundador da teoria comunista, Harvey nos recebeu com muita simpatia, tirou fotos conos-

EntrEvista INclusiva:

David Harveyco e mostrou-se favorável à imprensa alternativa. Na entrevista que segue, conversamos com o geógrafo sobre tópicos propriamente referentes ao seu novo livro, que ele numa expressão feliz chamou de “guia de viagem” d’O Capital, principal obra de Marx e também sobre questões atuais do Brasil, como o advento dos megae-ventos e a espoliação urbana, temas a respeito dos quais Harvey muito tem a contribuir a partir de seus estudos sobre geografia urbana. Que comece a viagem – como dissemos na capa desta edição – para entender e derru-bar o capital.

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Page 19: Edição 22 Vírus Planetário completa

Por Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach e Caio Amorim

“ Não podemos usar apenas ciência para nos ditar quem

queremos ser e qual o tipo de sociedade gostaríamos de

construir”

Qual a dificuldade de ler “O Capital” nos dias de hoje?

Começamos por ser um livro compli-cado. Sua linguagem é muito particular, é necessário se acostumar a ela e ao senso de humor de Marx. Até para saber quando está sendo irônico e quando não está. A dificuldade está em conseguir uma imersão no livro. Também há difi-culdade no fato de que todos tem uma opinião sobre o que Marx disse, mesmo sem nunca tê-lo lido. Todos já ouviram

o que outros cientistas pensam sobre o livro. É muito difícil que-brar essa opinião pré-concebida. Assim como o é ler o livro de fato, como algo novo, sobre o qual nada se sabe. É necessário se desfazer de suas leituras prévias. Não que estejam erradas, mas é necessário ultrapassá-las para uma boa leitura. Isso leva tempo. Certamente você formará uma opinião. Também tenho a minha, mas tento não impor minha leitura ao mostrar que essa é apenas ‘minha’ forma de ler. É necessário fazer sua ‘própria’ leitura. Assim, sou uma companhia e os convido a ler comigo.

Como o pensamento marxista pode explicar a crise mundial do capitalismo na qual estamos inseridos desde 2007?

Sinto uma a diferença ao ensinar Marx hoje. Na década de 1970, quando comecei, era difícil ler o volume I do Capital e relacioná-lo com o que ocorria na sociedade. Naquela época havia Estados de bem-estar social nos EUA e na Inglaterra. Salários estavam subindo, a classe trabalhadora forte, os partidos na Europa eram social-democratas de esquerda ou mesmo comunistas. O mundo não se parecia com o mundo que Marx descrevia. Mas, após 30, 40 anos de políticas neoliberais, - destruindo a classe trabalhado-ra e suas instituições, e os devolvendo às condições de trabalho que eram descritas no Capital - é impressionante ver como o que foi dito do capitalismo é o que vimos acontecendo.

Na década de 1990, eu trazia relatórios do processo neoliberal nas Filipinas e no México e comparava com o que foi escrito n’O Capital e era impossível diferenciar o que pertencia ao livro ou à realidade. É fácil hoje ver mais sentido entre o que disse Marx e o que está acontecendo. Depois, veio a crise. Em 1990 tínhamos certeza que o capital havia triunfado, com o final da guerra fria. ‘O marxismo está morto, tudo está perdido, fim da história’ dizí-amos. ‘Tudo vai bem’, é o que nos diziam.

E as coisas foram piorando com a crise no final dos anos 1990 que atingiu Argentina, Brasil. Em 2008 atinge os EUA e já pode-mos dizer que o capitalismo tem problemas. Alguém pode me explicar como o capitalismo pode estar indo bem, diante de to-dos esses fatos? Foi quando os marxistas foram capazes de dizer que há uma teoria sobre as crises do capitalismo em Marx, que estas explicam as contradições do capital e que os economistas burgueses nunca a entenderam e nunca vão entender. Talvez de-vêssemos usar o marxismo para tentar entender estes aconteci-mentos, já que ele está novamente relacionado com o contexto atual.

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De acordo com o seu livro, a obra O capital de Marx não define mui-to bem o que é exatamente o comunismo científico. Como você poderia descrevê-lo?

Eu não descreveria o comunismo como científico, acho que essa noção de que o comunismo deve ser científico é algo atribuído a Marx por Engels. Eu acredito que o comunismo não é científico, é um processo social no qual as pessoas tem que se engajar. É algo sobre relações sociais, entre pessoas. Pode-mos observar as consequências do que fazemos e tentar usar a ciência para ter noção de causa e consequência. Mas não podemos usar apenas a ciência para nos ditar quem queremos ser e qual o tipo de sociedade gostaríamos de construir. E acho que essa questão está em aberto. Neste momento no qual temos uma ideia de que está tudo indo errado com o capital, nós não sabemos o que colocar em seu lugar.

Continuando com este momento de influência do marxismo, aconteceram os movimentos Occupy em 2011, como você analisa estes movimentos, que eram muito fortes em 2011 e agora tiveram um certo enfraquecimento?

Não eram movimentos especificamente marxistas. Eram coalizões de pen-samentos autonomistas, pensamentos anarquistas, alguns marxistas, era uma amálgama de diferentes movimentos que se uniram em torno do mo-vimento Occupy. O que acho importante neste movimento é que mudou o debate nos EUA. Ele mudou de tal modo que a desigualdade social fosse reco-nhecida como um problema. De algum modo, penso que Obama não teria sido reeleito se esse debate não tivesse sido mudado por este movimento. De algu-ma maneira, ainda que não fosse sua intenção o movimento Ocuppy criou um clima que facilitaria a reeleição do Obama.

Outro dado interessante é que o movimento Occupy foi violentamente ata-cado pela imprensa sem razão e foi violentamente atacado pelas polícias, cujas ações foram brutais e desnecessárias. Era um movimento relativamente pequeno. O que sugere que havia um grande medo dos burgueses que este

movimento pudesse ganhar uma força real. Cada passo foi dado para acabar com este movimento. De al-gum modo, essas tentativas de des-truição foram parcialmente bem-sucedidas. Mas foi interessante que na ocorrência do furacão Sandy em NY, as primeiras pessoas a ajudar fossem do Occupy. Penso que o movimento Occupy está passando por mudanças. Não vemos mais o movimento em lugares simbólicos, como Wall Street, mas espalhado pelos bairros, trabalhando em áre-as mais afetadas pelo furacão (por exemplo), ajudando pessoas, e es-tas pessoas com as quais eles tra-balharam passaram a falar bem do movimento. Isso fez com que o mo-vimento político se espalhasse. A internet também colaborou muito para que o movimento se desenvol-vesse, ainda que tenha sido menos importante do que as atividades na rua..

Na edição 20 da nossa revista falamos sobre remoções de mo-radias populares em diversas ci-dades do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, que vai receber os

“ As cidades são construídas e crescem para que algumas pessoas tenham máximo lucro. E esses megaeventos se tornam

desculpas para projetos de desenvolvimento massivos e um pretexto para remover

populações”

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Page 21: Edição 22 Vírus Planetário completa

jogos olímpicos de 2016 e é a prin-cipal sede da copa de 2014. No mo-mento exato em que conversamos, acontece a remoção dos índios da Aldeia Maracanã, antigo museu do índio. O prédio abandonado foi ocupado pelo movimento indígena em 2006 e está localizado ao lado do estádio do Maracanã. Em rela-ção à preparação das cidades que vão receber os megaeventos espor-tivos, como você compara esse pro-cesso que está acontecendo agora no Brasil com outros processos como Barcelona em 1992? Como podemos pautar o direito à cidade?

Grande parte da preparação des-sas cidades envolve criar um campo para a acumulação de capital por parte dos desenvolvedores, financia-dores, construtoras, empreiteiras e afins. As cidades são construídas e crescem dessa forma para que algu-mas pessoas tenham máximo lucro. E esses megaeventos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos sempre se tornam desculpas para projetos de desenvolvimento massivos e um pretexto para remover populações. Não há uma edição das Olimpíadas na história moderna que não tenha envolvido remanejamentos, por ve-zes massivos, de populações. Isso ocorreu em Beijing, Seul, Roma, em algum grau em Londres... E se você tenta resistir, as pessoas te chamam de antipatriótico, argumentam: “va-mos ter todos os benefícios que es-tão vindo por conta das Olimpíadas, isso é uma coisa magnífica para nós, você devia estar orgulhoso que os Jo-gos Olímpicos e a Copa estão vindo

para o Brasil e blablablá...” E se pode dizer “Sim, mas quem está se bene-ficiando de tudo isso?” Não é a po-pulação. Aliás, ela perde muito com isso. Se você observar a situação fi-nanceira da Grécia nesse momento, em algum grau isto tem relação com o quanto gastaram nos Jogos Olím-picos de 2004. Muito dinheiro gasto em coisas inúteis, já que após a Copa restavam estádios vazios em Atenas, e nenhum evento esportivo. O único benefício foi construírem um novo sistema de metrô, que uma melhora permanente num futuro pós-evento. Mas, de fato, a maior parte do inves-timento foi uma grande quantidade de dinheiro que foi entregue às cons-trutoras e financeiras. O interessante é que muitos contratos foram feitos com empresas alemãs. Elas ficaram com muito do dinheiro investido no jogos olímpicos, e agora os gregos se-rão cobrados. Muito do dinheiro foi “roubado” dos gregos pela Alemanha nesse período de preparação para as Olimpíadas de 2004. Por exemplo, os alemães controlam o novo aeroporto e todo o sistema de telecomunica-ções na Grécia. Foi um caso clássico de roubo de um país pelo outro; um vai à falência e o outro diz “não te-nho nada a ver com isso”.

Eu não sei os detalhes daqui no Brasil, mas ouço histórias de remo-ções típicas de quase qualquer Olim-píada e Copa do Mundo

Mas aqui esse processo de ata-que à população mais pobre está sendo mais intenso do que nunca...

Sim, imagino. E isto, claro, combi-

nado com militarização da polícia, o que é ainda mais assustador. Em Londres, muitas pessoas deixaram a cidade durante os Jogos Olímpi-cos, por não querer estar em meio à segurança e vigília exacerbada. O que resultou na diminuição da ati-vidade econômica na maior parte de Londres. Os turistas comuns não queriam ir para lá, pois todos diziam que seria o caos. Os habitantes que podiam, saíram da cidade. Os únicos lugares beneficiados estavam perto de estádios. Mas o centro de Londres estava morto durante as Olimpía-das! Ninguém queria estar lá. Sus-peito que o mesmo deva acontecer aqui. Quem vai ficar no Rio, duran-te a Copa do Mundo? Os preços vão subir estratosfericamente, a maioria dos turistas comuns vai ficar longe. São Paulo também, eu suspeito de que a maioria dos habitantes, se pu-derem, vai desaparecer por algumas semanas

Esse processo de gentrificação em que a população pobre é expul-sa do centro das cidades é rever-sível?

É muito difícil de reverter, mas há uma luta no mundo todo por casas acessíveis. Em muitas partes do mundo, há um déficit grande de casas acessíveis. Portanto, é perfeita-mente possível montar um progra-ma de casas populares, que o Estado, financie promovendo um programa que permita que a população tenha casas por um preço acessível. E isso significa também lutar contra a es-peculação imobiliária.

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A agroecologia como alternativa no meio rural

da alimentação que vai para a mesa dos brasileiros. E sem ela a agroecologia não é possível. É a única saída sustentável para o meio urbano e, sobretudo, o rural, segundo seus defensores. Apesar de distorções do modelo hege-mônico, que privilegia a produção de soja para exportação ao invés do feijão para alimentação nacio-nal, a agricultura familiar garante

Por Eduardo Sá

O final da década de 80 foi mar-cado pela ascensão do modelo neo-liberal, que no meio rural se traduziu na chamada “revolução verde”. No Brasil isso representou, com a au-sência do Estado, a entrada de gran-des empresas de insumos agroindus-triais, transgênicos e outros elemen-tos propagados pela “modernização do campo”. A reforma agrária, no entanto, avançou muito pouco.

A migração dos camponeses para a cidade seguiu crescendo nos anos 90. O cenário, em termos de direitos sociais e preservação ambiental não era dos melhores. Não à toa que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), nos últimos 25 anos, se tornou o maior movimento social da América Latina, efeito do modelo de desenvolvimento excludente e pre-datório. Reflexo da desigualdade no país.

Apesar dessa hegemonia do agro-negócio, com forte apoio do gover-no aos latifundiários e empresas, sustentada ideologicamente pelos meios de comunicação, um mode-lo alternativo construído pelos agri-cultores e movimentos, em parceria com a academia, vem crescendo gradativamente nas últimas déca-das. Experiências locais, baseadas na agroecologia, têm feito contraponto a esse arranjo dominante. É um mé-todo que, através da técnica, faz o embate político. É uma luta econô-

mica e política com base na cultura local. Uma concepção ampla sobre a natureza, em busca da harmonia. Mistura de conhecimento tradicio-nal, herdado secularmente pelos camponeses, com os acadêmicos que acreditam em outra forma de produção no campo. É uma disputa de sociedade.

Segundo alguns integrantes do nú-cleo executivo da Articulação Nacio-nal de Agroecologia (ANA), uma rede de movimentos sociais, camponeses e acadêmicos e outros setores da sociedade, criada em 2002, que está na vanguarda da luta política nessa área, é possível sintetizar a agroeco-logia na seguinte fórmula: “Agroeco-logia como campo do conhecimento interdisciplinar, fundado na aplicação da Ecologia ao estudo dos agroecos-sistemas, visando à otimização de relações sinérgicas entre capacidade produtiva, uso e conservação da bio-diversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, efici-ência econômica e equidade social”. A segurança alimentar e nutricional da população está associada a essa perspectiva, que é de transformação do modelo de desenvolvimento.

É fundamental ressaltar a im-portância da agricultura familiar na alimentação da população. De acordo com o Censo Agropecuá-rio de 2006, do IBGE, ela é res-ponsável pela produção de 70%

Abril de 2013 | Ano 10 | Número 105 | www.fazendomedia.com | [email protected] média que a mídia faz

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DOIlustração: Carlos Latuff

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Page 23: Edição 22 Vírus Planetário completa

Ilustração: Carlos Latuff

a comida na mesa das pesso-as. Ela combate a monocultura, que degrada o solo e a fauna, e compreende os malefícios dos insumos químicos. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxi-cos do mundo desde 2008, ao preço da contaminação dos so-los, doenças dos trabalhadores do campo e dos consumidores. O modelo atual já mostrou sua

inviabilidade ambiental, social e cultural, embora seja o mais in-teressante do ponto de vista econômico para uma poderosa mi-noria.

O governo brasileiro tem, ainda que insuficientemente, promovido algumas iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar e da agroe-cologia. É o caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante a compra de 30% da agricultura familiar nos colégios, e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no avanço de temas como o das sementes crioulas. A Política Nacional de Agroecologia

Política nacional de agroecologia e produção orgânica

Vírus Planetário / fazendo media - abril 2013 23

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e Produção Orgânica (PNAPO), foi instituída pela presidenta no dia 21 de agosto de 2012. As primeiras reuniões oram realizadas nos últimos meses. A sociedade civil está representada por 14 organizações, assim como o governo, num grupo interministerial. Apesar da ausência de temas essenciais, como a função da terra e a questão da água, há expectativa de avanços nos movimentos, principalmente no fomento às sementes nativas. Centenas de bancos comunitários de sementes crioulas estão articulados em todo o Brasil pelos camponeses e orga-nizações. Embora o governo, em nome da governabilidade, adote uma linha hegemônica em parceria com os grandes empresários e latifundi-ários, há um processo alternativo crescente em curso.

De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), é preciso destacar o atraso histórico do Estado brasileiro em implementar uma política preocupada com a produção de alimentos saudáveis e com a preservação de recursos naturais. Desde a década de 60, explica o agrônomo, todas as institui-ções criadas para apoiar a agricultura, como o crédito e a pesquisa, se voltaram para o modelo agroquímico com a utilização de fertilizantes industriais, agrotóxicos e o desmatamento de florestas para o plantio de monoculturas, dentre outros fatores.

“Essa política é uma dívida histórica do estado brasileiro com a sua popu-lação, um direito das populações tanto do campo quanto da cidade. Mas ela será implementada num contexto bastante difícil, por causa da hegemonia do modelo do agronegócio, da produção em larga escala para exportação. As bandeiras históricas dos movimentos sociais, como a reforma agrária e o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e outros tradicionais, não vêm sendo respeitados. No entanto, é uma opor-tunidade para se construir políticas públicas e iniciativas que fortaleçam a agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais”, afirmou.

No momento está em discus-são a elaboração de um Plano Nacional de Agroecologia e Produ-ção Orgânica, cuja execução está prevista entre os anos de 2013 e 2015. A proposta dos movimentos é construir políticas voltadas para a preservação, disseminação, e valorização das sementes criou-las, que são produzidas pelos pró-prios agricultores. Uma assistência técnica voltada para a agricultura familiar de acordo com as carac-terísticas locais e em trajetórias de transição agroecológica. Cré-ditos e financiamentos que não induzam os agricultores à compra de insumos industriais. Ampliação das possibilidades de venda nos mercados institucionais e estímulo às feiras de agricultura familiar e agroecológicas.

“Todas essas possibilidades es-tão sendo discutidas no âmbito do plano. Temos feito um esforço de apresentar as nossas propos-tas, fazer uma avaliação crítica do andamento dessa construção dentro do governo. Achamos que o governo tem proposto algo mui-to aquém do que a gente reivindi-ca e do que a sociedade precisa. Apontamos essas deficiências, e fazemos um esforço de que as nossas propostas sejam incorpo-radas nesse plano”, afirma.

Nesse sentido, a primeira ver-são do plano elaborada pelo go-verno sequer citou a questão do uso de agrotóxicos mesmo diante do quadro de liderança do país em

“ O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo”

Comissão da política de agroecologia reunida. Foto: Eduardo Sá

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“Ainda não tem nada decidido, até porque não depende só de nós. Está tudo em negociação, nenhu-ma pauta foi totalmente retirada. No dia 03 de abril a Câmara Intermi-nisterial vai se reunir para concluir a proposta do plano nacional externo e interno do governo. A proposta será entregue para a sociedade nos dias 11 e 12 de abril. Concluindo, vai para os ministérios e depois passa pelos setores técnicos. Então segue para a Casa Civil, que encaminha à presidenta. Até o final de maio deve ter uma aprovação final presiden-cial”, afirmou Heck.

seu uso. Os movimentos defendem que há uma incompatibilidade na criação de uma política nacional de agroecologia com o uso indiscrimi-nado e descontrolado de venenos químicos. Está sendo reivindicado um plano nacional de redução de agrotóxicos para viabilizar a promo-ção da agroecologia, que foi reco-locado na pauta e está em nego-ciação junto ao governo. A questão das sementes crioulas também vol-tou para mesa de negociação, pois os movimentos avaliam que seu tratamento no plano é insuficien-te, na medida em que as sementes são fundamentais para a autono-mia dos agricultores e a realização da agroecologia. As organizações da sociedade civil também estão propondo ações mais efetivas em relação ao acesso à água, pois na primeira versão do plano apresenta-do pelo governo não tem nada que garanta seu acesso para as comu-nidades como um bem da natureza de domínio público.

Existem algumas possibilidades de data do lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Pro-dução Orgânica, de acordo com o governo: junto com o Plana Safra da Agricultura Familiar 2013, no dia do Meio Ambiente (05 de junho), ou em alguma cooperativa ou associa-ção dos agricultores. A expectativa, segundo o secretário executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, Selvino Heck, que representa a Secretaria-Geral da Presidência da República, é que até o final do semestre esteja pron-to o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

“ Desde a década de 60 todas as instituições criadas para apoiar a agricultura se voltaram

para o modelo agroquímico.”

Plantação em Sistema Agroflorestal que reúne as culturas agrícolas com as culturas florestais, utilizando os recursos naturais de forma sustentável aliada a uma menor dependência de insumos externos(veneno e adubo químico) proporcionando uma maior segurança

alimentar e econômica, tanto para os agricultores, como para os consumidores. | Foto: Reprodução

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internacional

SAnTIAGO (Chile)

O bombardeio do Palácio de La Moneda, em 1973, deu origem a uma pioneira e desastrosa expe-riência neoliberal no Chile. Augus-to Pinochet, que assumiu o poder após o golpe, privatizou os princi-pais setores produtivos e se abste-ve do compromisso de prover aos cidadãos o acesso a direitos bási-cos, como saúde, moradia, seguri-dade social e, em especial, educa-ção. Coube aos estudantes – curio-samente, os mais prejudicados pela iniquidade de um modelo de ensino cujo objetivo é o lucro – a responsa-bilidade de abrir os olhos da popu-lação para a urgência de se sepultar a herança da ditadura. E o primeiro passo era propor um novo sistema educativo: gratuito, de qualidade, e regulado pelo Estado.

O movimento chegou a ter 86% de aprovação entre os chilenos, mas a intransigência do governo de Se-bastián Piñera fez com que muitos cidadãos perdessem esperança de mudanças estruturais durante este mandato. Porém, a semente estava plantada e, cedo ou tarde, a terra voltaria a tremer.

Ao lado de Camila Vallejo e Gior-gio Jackson – ex-dirigentes estudan-tis da Universidade do Chile (Fech) e da Pontifícia Universidade Católica (Feuc), respectivamente –, Cami-lo Ballesteros foi um dos símbolos da luta pela educação pública em 2011. Ex-presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Santiago (Feusach), ele afirma que o

As mobilizações começaram efeti-vamente em 2006, quando alunos do ensino médio saíram às ruas e cria-ram um movimento massivo denomi-nado Revolução Pinguina. Depois de um hiato de cinco anos, os protestos ressurgiram em todo o país, impulsio-nados principalmente por universitá-rios. Em sete meses foram realizadas cerca de 30 marchas pela educação, as aulas foram suspensas e cente-nas de escolas e universidades foram tomadas pelos estudantes. Ao final, 40 mil jovens tiveram que repetir o ano letivo, ainda assim as demandas principais não foram atendidas. “Pelo menos, a população se deu conta de que, enquanto a educação for obje-to de negócio, não haverá equidade”, analisa Juan García-Huidobro, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvi-mento da Educação (CIDE).

chile, buscandoa alegria que ainda não veio*

Estudantes voltam às ruas pela educação pública

esperam recuperar o nível de mobilização alcançado

em 2011

Por Daniel Giovanaz

Desmobilização, jamais

*Referência ao jingle da proposta “Não” do plebiscito de 1988 feito no Chile para consultar o povo se Pinochet deveria ou não continuar no poder. Fato retratado no filme “No”. Confira aqui - www.tinyurl.com/nochile

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Jato d’água e gás lacrimogênio são usados pela polícia conta protestos

Apelidados de ‘pinguins’, alunos do ensino médio são maioria entre os manifestantes

“ Em sete meses foram realizadas cerca de 30 marchas pela educação”

tes do Chile (Confech) confirmou outra para o dia 11 de abril. A esta convocatória, somaram-se outros setores interessados, como professores e pais de alunos.

Presidente do Sindicato Nacional de Professores, Jaime Gajardo Orellana, aposta que os protestos vão continuar porque nenhum go-verno que sucedeu Pinochet alterou a Constituição e as políticas ne-oliberais impostas pela ditadura. Segundo o professor de História da Universidade de Santiago, Mario Garcés, as falhas do sistema educativo não se solucionaram, mas se agudizaram após o fim do regime militar. “A ampliação do modelo de subvenção deteriorou a qualidade do ensi-no básico e secundário”, critica. Entre 1992 e 2012, mais de 800 escolas públicas fecharam as portas, e foram criados 2942 colégios particulares subvencionados – financiados com dinheiro estatal, mas que lucram sobre a mensalidade dos alunos. “No ensino superior, as medidas to-madas acabaram com a gratuidade, endividaram a classe trabalhadora e fortaleceram os bancos”, acrescenta Garcés.

Para Camilo Ballesteros, a maturidade adquirida nas ruas desde 2006 e a iminência das eleições presidenciais fazem de 2013 um ano decisivo para o triunfo estudantil. O pesquisador García-Huidobro, que trabalhou para o Ministério da Educação entre 1990 e 2000, também é otimista em relação aos próximos meses. “Os protestos alteraram a agenda mi-nisterial, e é visível que o Chile caminha em direção a um novo modelo, cuja prioridade será a satisfação dos direitos, e não o fomento dos negócios”, completa.

movimento está submetido a um processo cíclico, mas jamais de desmobilização. “Embora as mar-chas não sejam tão massivas, es-tamos mais conscientes”, assegu-ra. Fabián Araneda, vice-presidente da Fech, sinaliza uma mudança es-tratégica. “Chegou a hora de nos unirmos aos trabalhadores e a ou-tros movimentos de luta. Primeiro, construir com o povo; depois, pen-sar em constituir maioria”, defen-de Araneda. Segundo ambos, 2013 poderá ter protestos tão intensos como há dois anos.

O aperitivo aconteceu no dia 7 de março na Praça Itália, centro de Santiago. Na ocasião, 400 jovens secundaristas reuniram-se em um protesto organizado através das redes sociais e foram fortemente reprimidos pela polícia. Apesar da ausência das entidades de base, essa foi a primeira marcha estu-dantil em seis meses, e teve efei-tos quase imediatos. Menos de quinze dias depois o Movimento de Estudantes de Educação Su-perior Privada (Mesup) convocou nova marcha para o dia 28 de mar-ço, e a Confederação de Estudan-

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Abril é um mês muito importante para o MST. O chamado Abril Ver-melho é o mês de maior concentração de lutas dos trabalhadores rurais sem-terra. Esta concentração é uma forma de lembrar o assassinato de dezenove trabalhadores rurais cometido pela Polícia Militar do estado do Pará, no dia 17 de abril de 1996. O caso que aconteceu no sul do estado, no município de Eldorado dos Carajás ficou conhecido como Massacre de Carajás, emblemático pela latente violência historicamente vivenciada pelos trabalhadores do campo e pela repressão que o Movimento sofre.

As lutas já começaram em diversos núcleos do Movimento. No dia 10 de abril o movimento ocupou uma fazenda em Esmeralda, região metro-politana de BH. Uma das pautas colocadas nos atos e ocupações que estão previstas para esse mês em todas as regiões em que o Movimento se territorializa é a Justiça por Felisburgo e a luta contra os mandados de despejos previstos para esse ano em diversas regiões ocupadas ou assentadas pelo MST.

minas gerais

Violência no campo e mandados de despejos são pautas de luta do

MST para esse mês

abril vermelhoPor Ana Malaco

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mês na capital mineira contará com a presença de João Pedro Stédile e Leonardo Boff.

De acordo com Sílvio Cardoso Netto, militante do Movimento, a rea-lidade de violência no campo é histórica. E está relacionada ao modelo de concentração de terras e riquezas, à impunidade da justiça brasileira pelos diversos crimes cometidos nesses conflitos, à manutenção da desigualdade social e à criminalização do MST pela mídia hegemônica. O momento do julgamento é oportuno para conscientizar a população sobre a parcialidade do Estado e da justiça brasileira, “o Estado fez uma opção de classe, na qual os trabalhadores são fortemente atingidos pelas políticas que apenas mantêm os privilégios da classe dominan-te.” completa o militante. No que diz respeito ao fim dos conflitos por terra no país, de acordo com Sílvio Netto “A superação da violência no campo perpassa a construção de outro projeto societário que inclua a Reforma Agrária Popular.”.

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra a violência no campo tem aumentado. No ano de 2011 ocorreram 23 crimes de assassinato envolvendo conflitos no campo. O relatório de 2012, que será divulgado em maio deste ano e os casos de assassinato que já ocorreram em 2013, apontam esses intensos conflitos enfrentados pelo Movimento em todo o território nacional.

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Divulgação do movimento “Justiça para Felisburgo”

O julgamento do Massacre de Felisburgo, que há 8 anos segue impune, vai ocorrer a partir do dia 15 de maio em Belo Horizon-te. Adriano Chafik, mandante e também autor do crime, invadiu o acampamento Terra Prometida com mais 17 pistoleiros, ateando fogo nos barracos e na escola. For-temente armados assassinaram cinco trabalhadores sem-terra e balearam outros 12, entre eles uma criança. O suposto proprietário da terra, Adriano Chafik, é dono des-sa e de mais três fazendas da re-gião do norte de Minas e de qua-tro fazendas no sul da Bahia.

O Instituto de Terras de Minas Gerais comprovou que pelo menos 515 hectares de terras são áreas devolutas. Ou seja, a região foi gri-lada pelo fazendeiro Chafik. Ainda hoje a fazenda não foi desapro-priada. Chafik, que é réu confesso, já foi preso duas vezes, mas em ambas foi solto pela justiça bra-sileira. As famílias das vítimas do massacre e os feridos nunca fo-ram indenizados e nem seus per-tences pessoais foram ressarcidos.

De acordo com a coordena-ção regional do Movimento, além dessa pauta, os atos também lu-tam pelo não cumprimento dos mandados de despejo previstos para esse ano. Só em Minas es-tão previstos mais de 20 despejos em regiões de acampamentos ou assentamentos. Em função deste quadro estão previstas diversas manifestações em Belo Horizonte e no interior do estado, bem como em todo o território brasileiro.

Para garantir que o julgamento do Massacre de Felisburgo con-dene Adriano Chafik e os outros pistoleiros envolvidos no caso, o Movimento irá fazer uma Plenária, juntamente com o Comitê Justi-ça para Felisburgo (composto por diversas organizações, coletivos e movimentos da sociedade). A Ple-nária que acontece no dia 17 desse

A preparação para o julgamento

Justiça para Felisburgo

“ A superação da violência no campo perpassa a construção de outro projeto societário que inclua a Reforma Agrária

Popular”

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Para expressar a liberdade!

Movimentos criam Projeto de Lei de Iniciativa Popular para democratizar as Comunicações

no Brasil

mentos que defendem a democra-tização da comunicação como uma ruptura do diálogo que havia sido minimamente aberto pelo anteces-sor Franklin Martins.

Nesse contexto, o Fórum Nacio-nal pela Democratização da Comu-nicação (FNDC), que reúne diversos

“Penso que nós não devemos ter monopólios de mídia no Brasil, onde poucas famílias mandam no setor. Isso é contra a democracia”. A declaração é do ex-presidente Lula, feita durante um debate realizado em Montevidéu pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Traba-lhadoras das Américas (CSA), no dia 5 de abril. A posição contrasta com os esforços tímidos do governo do PT nos últimos dez anos para avan-

çar com a regulamentação do setor no país e, em especial, com as re-centes afirmações do atual Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, ele disse que não estava disposto a bancar a regulamenta-ção da mídia, considerando-a des-necessária. O posicionamento do ministro foi considerado pelos movi-

Por Artur Romeu

Para expressar a liberdade

MEDIAFAZEN

DO

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Ilustração: Carlos Latuff

movimentos da sociedade civil or-ganizados pela maior diversidade da mídia brasileira, vai lançar esse mês um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que dispõe sobre a comu-nicação social eletrônica no país. Para ser debatido no Congresso, a campanha (www.paraexpressara-liberdade.org.br) deve coletar um mínimo de 1% de assinaturas do eleitorado. A lei atual, que data de 1962, é considerada ultrapassada do ponto de vista da tecnologia e da democracia.

Por se utilizar de um espectro eletromagnético limitado, a radio-difusão (rádio e televisão) é cedi-da mediante concessão pública. A legislação define que quem explo-ra esse setor deve respeitar uma série de princípios e finalidades de natureza cultural, educativa e ética. Diretor do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil), o professor da UFRJ Marcos Dantas participou do Grupo de Trabalho de Formulação do Projeto de Lei de Inciativa Popular. Ele afirma que a prática do setor das comunica-ções no Brasil é inconstitucional.

“A constituição determina que a produção para rádio e televisão deve ser regionalizada, ou seja, deve haver espaço para a produção regional, e isso não acontece na grande maioria do país. A Constituição determina que não pode haver monopólio ou oligopólio de forma di-reta ou indireta. E é absolutamente claro que existe um oligopólio das comunicações no Brasil”, explica Dantas.

A organização não governamental Repórter Sem Fronteiras, fundada na França em 1995 e internacionalmente respeitada por sua atuação na defesa da liberdade de expressão, publicou no começo desse ano um relatório intitulado “Brasil, o país dos trinta Berlusconis” (em referência ao ex-primeiro ministro italiano, conhecido como um grande magnata das comunicações). O relatório afirma que “o modelo de concentração de propriedade da mídia no Brasil afeta diretamente o fluxo de informa-ção e freia a diversidade. Dez grandes grupos de mídia, dirigidos por fa-mílias, ainda controlam o mercado de comunicação de massa no país.”

Em outro trecho, o relatório segue afirmando que “a concentração de propriedade (da comunicação), a nível nacional e regional, e formas de censura, através de pressão econômica e política, em escala local, são as características de um sistema de mídia que não foi efetivamen-te democratizado desde o fim da ditadura militar. Os generais se foram, mas os coronéis persistem.” O termo coronel eletrônico é utilizado no relatório em referência ao histórico de coronelismo no país, com grandes proprietários de terra usando o poder econômico para instru-mentalizar a política. Nas recomendações finais, o relatório defende uma reforma urgente na lei que possa garantir limites de propriedades no setor, democratizar o acesso às concessões públicas e regular o financiamento estatal através do gasto de propaganda do governo para apoiar setores sociais diversos. Em 2009, o governo brasileiro gastou cerca de R$ 1,5 bilhões em anúncios publicitários destinados somente para organizações de mídia com fim comercial.

Representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil), o jornalista Arthur William defende que a democrati-zação da comunicação é na verdade um meio de se atingir um direito humano garantindo pelas Nações Unidas. Ele argumenta que é neces-sário que existam leis e políticas públicas que garantam esse direito para pessoas que não têm o poder econômico.

“O tratamento que se dá para rádios e canais comunitários é muito severo. A única ação do poder público é fechar, os meios comunitários não recebem nenhum tipo de facilidade. O interesse econômico pre-domina sobre os meios sem fins comerciais voltados para o interesse público. A desregulamentação total do setor confunde liberdade de expressão, com liberdade de empresa. Quem perde é o cidadão”, critica Arthur.

“ Dez grandes grupos de mídia, dirigidos por famílias, controlam o mercado de

comunicação de massa no país”

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Também jornalista e integrante do Coletivo Intervozes no Rio de Janeiro, Daniel Fonsêca afirma que são poucos os países considerados como democracias mais avançadas que não possuem uma regulação da mídia. Segundo ele, um dos grandes desafios para o Brasil é abor-dar o tema de maneira mais afirmativa do ponto de vista do direito humano à comunicação, não apenas do ponto de vista da crítica ao oligopólio.

“Temos que ter a capacidade de dialogar com a população para dizer que a comunicação é um direito constituído. Devemos pensar estratégias como fundos públicos destinados ao apoio da produção alternativa, comunitária ou local para dar viabilidade a canais de comu-nicação sem fins comerciais, e que esses conteúdos possam ter um canal próprio para serem veiculados. O problema é que o atual objetivo da imprensa é interditar esse debate”, afirma Fônseca.

Na Argentina, a recente Lei dos Meios causou grandes embates nacionalmente e também nos vizinhos latino-americanos. A imprensa brasileira vociferou contra Cristina Kirchner, acusando a presidenta de estar tentando calar o Grupo Clarín (maior grupo isolado de comunica-ção na Argentina) já que a nova lei obrigaria o império de mídia no país a fazer um forte desinvestimento. O que pouco se disse foi que a lei era resultado de uma intensa mobilização da sociedade acolhida pela governo que incorporou as demandas existentes, dando os primeiros passos para acabar com um monopólio e fortalecer outros atores.

A Lei dos Meios divide o espectro de frequência equitativamente em três segmentos, o público, o privado não comercial e o privado comer-cial. De acordo com diversos especialistas na área da comunicação, a legislação trás uma série de avanços ao fazer, entre outras regulamen-tações, a redistribuição de concessões públicas – favorecendo o surgi-mento de novos atores na mídia e fortalecendo meios comunitários e regionais, em especial as rádios.

O Uruguai também decidiu colocar um freio nos monopólios de comunicação do país. A Secretaria de Comunicação da Presidência do governo de José Mujica editou um decreto em janeiro e limitou a quan-

tidade de afiliadas que podem ter as empresas privadas de televisão. O relatório do Repórter Sem Fron-teiras cita a legislação argentina e uruguaia como exemplos para o Brasil.

O professor Marcos Dantas aponta que a diversidade da co-municação está diretamente as-sociado à proliferação de meios locais e regionalizados. Ele cita o Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, afirmando que os seus moradores devem ter acesso à produção e consumo de infor-mação que deem conta dos seus problemas a partir do ponto vista da Maré, para fazer um contra-ponto aos preconceitos de rádios de grande alcance, como a CBN. Além de aumentar o espaço para esses meios comunitários, o Esta-do pode fortalecer a diversidade fazendo melhor a redistribuição de verbas públicas. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República é responsável por alo-car a publicidade governamental – mas, segundo Dantas, os critérios burocráticos utilizados favorecem grandes grupos de comunicação com larga audiência. Ao prever critérios democráticos, e não so-mente técnicos, o governo pode viabilizar e fortalecer a diversidade na comunicação.

“O mais importante disso tudo é o seguinte: que a sociedade, na sua diversidade, se veja projetada no seu som e na sua imagem. Se eu sou índio e pego uma televisão globo e o índio não existe, então eu não existo. Vivemos numa so-ciedade mediatizada, na qual boa parte do papo gira entorno do que você leu, viu ou ouviu no jornal. Precisamos ampliar esse proces-so para aqueles que não estão mediatizados, que não vão entrar pelo viés comercial – monetizável. Queremos criar mais alternativas de visão de mundo”, afirma o pro-fessor Marcos Dantas.

A mudança já sonda a América Latina

“ O governo não está disposto a bancar

a regulamentação da mídia, considerando-a

desnecessária”

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sórdidos detalhes...

A verdade varrida pra debaixo do tapete

Enquanto o canal de notícias independente Vi O Mundo ameaça fechar por falta de fundos, blogs de difusão machista e de ódio conseguem apoiadores todos os dias e o governo alimenta seus preferidos na rede com concessões, incen-tivos e fundos vindos das reservas da União para a cultura. Mas e o compromisso destes veículos com a verdade e transparência do que transmitem e do que fazem com os fundos recebidos não é cobrado. Vamos impedir que mais um canal de informação sem o rabo preso morra nas mãos da sonegação mercadológica da informação. Para ajudar acesse www.viomundo.com.br/faca-parte e faça sua doação para manter um dos poucos canais independentes de informação sem inter-ferência governamental funcionando.

É incrível como a mídia grande, essa danada, consegue colocar de volta a moda cada vez mais debates conservadores e retrógrados. Não bastasse o desserviço que ela já presta diariamente contra a juventude negra e pobre, essa danadinha agora deu para voltar com o debate da diminuição da maioridade penal. Com a mesma facilidade que a mídia “marota” consegue camuflar com uma rapidez impressionante os crimes cometidos por jovens brancos de classe média e alta, ela consegue usar um crime cometido por um jovem pobre e negro para defender a redução da maioridade pela.

Não sei qual é a melhor parte de tudo isso: se é tomar como individual um problema que é social e querer resolver colocando jovens cada vez mais jovens dentro da cadeia ou se acreditar que colocar alguém na cadeia resolve o problema da violência. Este deve ser o mesmo tipo de gente que acredita que acha que ir pra cadeia é tirar férias e que preso vive melhor que a classe média, só pode.

Não adiantou, e mesmo com o apoio de di-versos setores da sociedade, quem tem caveirão, bomba de gás e até arma ultrassônica (sic) acaba mos-trando quem manda. Rapidez, violência e truculência marcaram a ação po-licial contra os índios resistentes. Não vender-se ao governo significou ex-pulsão à força da Aldeia no dia 22 de março. O nível de violência utilizado e os absurdos daquele dia ficarão marcados na história em fotos e vídeos e no registro feito por ativistas como nosso jornalista Chico Motta, preso durante a mobilização. No mesmo camburão, só que algemado, ia o garoto negro. A seletividade no tratamento da polícia tem cor, tem classe e tem cara.

Mas a pressa do sistema falha de verdade quando, um mês depois da acei-tação do acordo, os índios continuam sem saber para onde vão. Vivem em alojamento provisório, sem saber o que virá. E os outros, que resistiram, quem sabe qual será seu futuro? Pelo menos lhes resta o orgulho de terem resistido até o fim.

A resistência continua, não vamos deixar morrer a luta pela Aldeia, e nem outras lutas indígenas pelas di-versas localidades do país. Aproveitando o único dia do ano em que lembramos da existência do Índio brasileiro, diversas tribos indígenas do país foram a Brasília exigir q u e suas reivindicações se-jam ouvidas e que as florestas, os territórios e os direitos dos nati-vos sejam respeitados... E como parece que a Dilma não estava muito interessada em ouvir, após 513 anos de explo-ração depois, eles não esperam mais, invadiram o plenário da câmara, cantaram seus cantos de guerra, levantaram faixas e mostraram que não fi-carão calados. E que todo dia seja Dia do Índio.

pela mídia independente

Esses moleques danados...E a velocidade do sistema atende a seus interesses.

Ocupação por ocupação...

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*Improvável, mas não impossível.

Por Chico Motta

sem dizer uma coisa gentil faz mal. E, segundo me disse uma amiga – sábia –, quando se deita a cabeça no travessei-ro e se percebe que a empregada está perturbando, é hora de trocar.

E aí começa a culpa: se ela ficar de-sempregada por um longo tempo, vai viver de quê? E o pior de tudo: como demiti-la se ela trabalha comigo há anos e eu teria que pagar uma fortuna de direitos trabalhistas? Maquiavel já dizia que o bem deve ser feito aos pou-

Com o advento das PEC das domés-ticas as donas de casa se veem numa situação difícil: Como demitir sua em-pregada doméstica sem ter que pagar indenizações trabalhistas?

Se houvesse um flagrante, do tipo ela agarrada com seu marido ou vesti-da com seu vestido novo ou com seu colar de pérolas – o verdadeiro – no pescoço, seria fácil. Mas, quando são pequenas coisas que você vai deixan-do passar porque no fundo ela é boa empregada, honesta, e também por-que você tem preguiça de pensar em arranjar outra e ter que ensinar tudo de novo, aí fica mais difícil.

Pode-se despedir a empregada por-que ela tem mau humor e mal fala com você dentro de casa? Porque faz o trabalho bem-feito, mas é incapaz de oferecer um chá quando você está jo-gada na cama com gripe e com febre, e não faz o mínimo, que é perguntar se você melhorou? Digamos que é parte do temperamento dela, e tem-peramento não se muda. Mas passar anos numa casa sem dar um sorriso e

cos e o mal de uma vez só. Em casos como esse, vale uma mentira, porque discutir a relação com a serviçal não levaria a nada. Mas e o medo? Aliás, medo de quê? Nas minhas mais loucas fantasias, pensava que ela podia pegar um facão e enterrar nas minhas costas; como se sabe, fantasia não tem limites. Até que me enchi de coragem e disse que minha vida tinha mudado: Coloquei um anel de brilhante na bolsa da criada e acionei a polícia. Em algumas horas

Como demitir uma empregada doméstica?

“Quando se deita a cabeça no travesseiro e se percebe que a empregada está perturbando, é

hora de trocar”

GLÓRIA KAIUVoltei, Brasil! Mesmo esses comunas safados da Vírus Planetário que querem

implementar a ditadura no Brasil tiveram de dar espaço pra eu poder falar sobre essa nova lei absurda que quer dar direitos às empregadas domésticas, como se elas já não tivessem regalia suficiente, deixo elas até usarem o banheiro e

dormirem na minha casa.Nessa edição vou dar dicas de como fazer quando aquela empregada cafona está te

dando no saco e você precisa demitir com sua habitual elegância. Prontas? Então retoquem o make, ajeitem o modelito e venham comigo!

Alô, Chics!

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*ATEnÇÃO: Essa seção é fictícia. não levem a mensagem a sério. A PEC das empregadas é uma conquista histórica e um

avanço. Achou nossa brincadeira radical demais? Então dá uma lida no que algumas patroas disseram:

www.tinyurl.com/cartapatroa www.tinyurl.com/textodanuza

Reconstituição da situação bafônica pela qual uma querida minha teve que passar. Ela foi mais extrema e conseguiu manter a elegância. Não aconselho qualquer um agir com veemência como

ela, pois é difícil manter-se glamourosa em situações extremas como ela conseguiu.

estava ela presa por furto e foi demitida por justa causa. Na cadeia teria comida e moradia pelo tempo que precisasse, não precisaria pagar indeniza-ções astronômicas e eu tinha botado um fim naquela situ-ação que estava me incomo-dando. Eu, que tinha parado de fumar faz 6 anos, não me con-tive e acendi um cigarro para saborear o momento.

Dois dias depois entrou a nova empregada, já em outros termos: três vezes por sema-na, de 9 às 7, nada de feira, nada de geladeira cheia de legumes estragando, nada de cara de cu, nada de potinhos com coisas misteriosas que nunca tive coragem de abrir por medo de encontrar uma cobra. Agora é comida conge-lada, acabaram-se as panelas no fogão e, no terceiro dia de trabalho, quando eu disse que ia ao médico, como deve fazer uma boa mucama, a novata me perguntou, com um sorriso, se eu queria que ela fosse comi-go. Com essa ela me ganhou para sempre, ou pelo menos até eu cansar da cara dela.

E fiquei pensando que na-morados e maridos que nos atormentam a vida são como empregadas domésticas: a gente dispensa mais tarde do que deveria e perde um tempo imenso sendo infeliz.

Page 36: Edição 22 Vírus Planetário completa

www.seperj.org.br

Educação Estadual na luta!

36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Os animadores culturais das escolas estaduais conquistaram uma grande vitória: em abril,

o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou a apelação do Sepe contra uma ação movida

pelo Ministério Público Estadual (MP), que pede a extinção da categoria no quadro da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC),

prejudicando centenas de profissionais. Com isso, o julgamento da ação do MP volta à vara de origem, com a exigência de que todos os

476 animadores sejam ouvidos e exerçam o seu direito de defesa – o que dará mais tempo

para que a categoria conquiste a regulariza-ção de sua situação junto ao governo do esta-

do e Assembleia Legislativa.

A decisão do Tribunal representa uma grande vitória para a luta dos animadores culturais

das escolas estaduais que há 30 anos lutam para terem sua situação regularizada junto à SEEDUC e ver seus direitos trabalhistas ga-rantidos. Agora, é seguir a luta pela regula-

mentação e todos os demais direitos.

>>Direitos não reconhecidos

Vitória da luta dos animadores culturais das escolas estaduais do Rio:

Os profissionais da animação cultural existem nas escolas estaduais desde 1983, quando foram criados os CIEPS. A profissão tem como objetivo oferecer um instrumento educacional e cultural para a co-munidade escolar. O animador exerce o papel de motivador; intera-gindo com os alunos, no sentido de conduzi-los à prática cultural.

No entanto, a animação cultural foi colocada como função gratifi-cada. Com isso, esses profissionais ficaram num limbo funcional, que se agravou quando, por decisão do Supremo Tribunal Federal, teve seu recolhimento previdenciário passado para o INSS. Isso fez com que os onze anos recolhidos para a Previdência do estado não fossem repassado para o INSS.

TJ impede a extinção do cargo

Por conta de toda essa situação e pelo reconhecimento do trabalho dos animadores, bem como para se fazer justiça, em 2010 a Alerj aprovou a emenda constitucional nº 44, que inclui a Animação Cul-tural na Constituição do estado, sinalizando para o governo estadual que ele poderia regulamentar a situação funcional desses profis-sionais.

Em 2011 o Ministério Público “descobriu” que esses profissionais existem. Mas, ao invés de o MP reconhecer os direitos trabalhistas do segmento, pediu a extinção do cargo e a consequente demis-são de todos os 476 animadores que ainda trabalham nas escolas. A apelação ganha pelo Sepe no TJ, no entanto, barrou essa demissão.

Animadores culturais em frente ao Tribunal de Justiça