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Os negros no Brasil: História de luta, resistência e de fé na vida! ANO 2 • Nº 7 • NOVEMBRO • 2005 ZUMBI 300 ANOS+10 ZUMBI 300 ANOS+10 ZUMBI 300 ANOS+10 ZUMBI 300 ANOS+10 ZUMBI 300 ANOS+10 Edição Especial

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Os negros no Brasil:

História de luta,resistência e de fé na vida!

ANO 2 • Nº 7 • NOVEMBRO • 2005ZUMBI 300 ANOS+10ZUMBI 300 ANOS+10ZUMBI 300 ANOS+10ZUMBI 300 ANOS+10ZUMBI 300 ANOS+10Edição Especial

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CUT-SP - Diretoria Gestão 2003/2006

DIREÇÃO PLENA

Ivânia Alves MouraAparecido D. da Silva

Francisco Wagner MonteiroFrancisco de Assis Ferreira

Waldemar P. de OliveiraJoão Batista GomesEliane de Souza Koti

Rubens GermanoNodete Santos R. de JesusAntonio C. Amado FerreiraFernando Ferro Brandão

Odnir da SilvaSilas Martins

Maria Izabel da SilvaElisabete Amodio EstorilioSidnei Morales Hernandes

Roberto Barros M. FoutoAdemir A. Oliveira

Marcos Roberto EmílioMarcy da Silva

Francisco de Assis CabralRosana Martiniano

CONSELHO FISCAL

Francisca Trajano RochaCarlos Tadeu Villanova

Sebastião A. Costa Filho

EXECUTIVA

PresidenteEdílson de Paula Oliveira

Vice-presidenteEmanuel Melato

Secretário GeralJoão de Oliveira

1º SecretárioVAGO

Tesoureiro Geral Ariovaldo de Camargo

1º TesoureiroSilvio de Souza

Secretário de Política SindicalFlávio de Souza Gomes

Secretário de FormaçãoHildo Soares de Souza

Secretária de ComunicaçãoLucinei Paes de Lima

Secretária de Políticas SociaisFrancisca Pereira da Rocha

Secretária de OrganizaçãoAna Paula R. de Simone

SUPLENTES DA EXECUTIVA

Suplente da Executiva - Elisabeth Carlos da MottaSuplente da Executiva - José Carlos B. de PradoSuplente da Executiva - Edson Carneiro da Silva

REVISTA DA CUT / SPPublicação da Central Única dos Trabalhadores – São Paulo

Rua Caetano Pinto, 575 – 2º andar – CEP – 03041-000Brás – São Paulo – SP – Telefone: (0xx11) 2108-9162 e 2108-9163

www.cutsp.org.br

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A Central Única dos Trabalhadores (CUT-SP) preparou esta revista que procurafazer um breve levantamento das lutas dos negros no Brasil em busca de uma sociedade nova,justa e igualitária.

O exemplo dos povos africanos, que deram à nossa terra o sangue, a dor, o suor,o sofrimento, a coragem e a fé na vida, servem a todos nós, que acreditamos e lutamos portempos melhores, por um Brasil melhor.

A união dos oprimidos, negros, índios, brancos, enfim dos marginalizados, irá trans-formar a sociedade e mudar a face injusta de nossso país, o campeão da desigualdade social

Procuramos apresentar também os desafios, os dilemas e as saídas que o movi-mento negro busca.

Trata-se de um pequeno painel de uma luta muito maior: a luta do Brasil verda-deiro, do Brasil exilado da história oficial, mas que corre forte, firme, resoluto, como um riosubterrâneo que, quando vier à tona, ninguém poderá deter.

Uma boa leitura.

– Banzo da Terra que será nossa,banzo de todos na Liberdade,

banzo da vida que vai ser outra,banzo do Reino, maior saudade,

saudade em luta do Amanhã,vontade da Aruanda que um dia virá!

Seremos Zumbis, construtoresdos novos QUILOMBOS queridos.

Trecho do poema Marcha Final(De banzo e esperança) – da Missa dos Quilombos

Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra

Carta ao Leitor

Edílson de Paula OliveiraPresidente da CUT-SP

Arquivo CUT-SP

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Índice

Nossa luta deve fazer parte de uma luta geral

Palmares e a resistência dos oprimidosDoce e Amargo Brasil5

Palmares existe e representa uma ameaçaZumbi, o espártaco negro6

Os selvagens são convocadosO cotidiano de Palmares7

Cenas do século 198Origens do racismo à brasileira

O caminho do branqueamento9

Hegemonia das idéias racistas10

Democracia Racial de Freyre11

Intelectuais negros diante da política de branqueamento12

Frente Negra Brasileira13O racismo vira crimeOs longos anos de chumbo14

A cultura negra: perseguição e resistência15

Três períodos do movimento negro16

A morte tem cor: impacto do racismo na saúde17A visão racista na instituição policialDentista negro é morto pela PM18 - 19Educação, preconceito e exclusãoO drama do racismo entre as criançasAs cotas e o direito à educaçãoCurso superior com opção preferencial por negros20 - 21 - 22

As ações da Pastoral Afro-brasileira23

Vovó Nair e sua casa de benção e de luta24

O primeiro negro a aparecer na TV25É hora de pular e mexer os quadris (Hip-hop)Samba, voz negra do Brasil26 - 27Quilombos nos dias de hojeO feminino coração quilombolaBrotas: Um quilombo se reinventaQuilombolas se organizam e resistem28 - 32

É negro, é Silva, é empresário33Os negros e o mercado de trabalhoUm nobre na luta sindicalA consolidação do 20 de novembroAcordos coletivos e a questão racialA discussão racial na CUTInstituto para combater a discriminação racialHá uma abolição ainda por fazerO importante é não abaixar a cabeça

34 - 39

Estatuto da Igualdade Racial é a carta de alforria40Memória das lutas41

Por um Brasil sem racismo - Entrevista com Matilde Ribeiro42 - 43

II Marcha Zumbi + 1044

Marcha histórica45

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Quando Palmares surgiu,Pernambuco era a principalregião produtora de açúcar. OBrasil tornou-se produtor açu-careiro inicialmente pela ne-cessidade de os portuguesesocuparem o novo território. Àmedida que o açúcar passou aser um importante e valoriza-do produto no mercado inter-nacional, exigiu-se uma produ-ção cada vez maior.

A história da opressão noBrasil foi sempre marcada porrevoltas, por rebeliões e protes-tos. Embora a maioria dessas lu-tas passe longe da história ofi-cial, que sempre procurou igno-rar ou reduzir-lhes a importân-cia, temos sim, aqui no Brasil,uma história de resistência dosoprimidos.

Décio de Freitas, que foi umdos maiores estudiosos sobrePalmares, destaca que “enquan-to houve escravidão, os escravosse revoltaram e marcaram sua re-volta em protestos armados”.

Palmares, por ser a primeirae a de maior envergadura, ocupaum papel principal. Foi quase umséculo de resistência dos escra-vos de uma região de Pernam-buco às investidas das muitas ex-pedições (17 ao todo) e é um dosacontecimentos mais marcantesda história pernambucana.

No ano de 1597, escravos deum engenho de açúcar de PortoCalvo, no extremo sul de Per-

nambuco, armados de foices epaus, tomam conta do engenhoe massacram a população livre.

A fuga precisava ser parabem longe, pois a rebelião e asmortes levariam os senhores e asautoridades a caçá-los sem tré-gua.

Eles embrenham-se mata

Palmares e a resistência dos oprimidos

Vista das poucas palmeiras que restaram na serra da Barriga, localonde se estabeleceu o quilombo dos Palmares, no século XVII

Carol Frederico/Folha Imagem

adentro e, depois de uma longacaminhada, chegam a uma regiãode difícil acesso, mas com terrasférteis e água em abundância.Ali, na serra da Barriga, situou-se Macaco, a capital de Palmares.No local, abriram clareiras naselva, onde construíram as cho-ças de mocambos.

Doce e amargo BrasilOs indígenas, pela condição

histórica, não se submetiam aotrabalho escravo, apesar das inú-meras e sangrentas tentativas dedomá-los. Os camponeses, quevieram de Portugal alimentadospor promessas, não tiveram aquiterra para plantar nem liberda-de pessoal e acabavam preferin-do ver as vastas propriedadesmenos produtivas tornarem-sedesertos, do que trabalhá-las,

tendo depois de ver os resul-tados migrarem para as mãosdos senhores, do clero ou dofisco. A solução foi importarescravos africanos para traba-lhar nos engenhos de açúcar.

A escravidão no Brasilfoi a mais longa das Améri-cas e fomos a última nação aacabar com o tráfico de escra-vos, a declarar livres os ven-tres e a abolir a escravatura.

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Logo nos primeiros anos,houve duas grandes expediçõesarmadas contra Palmares: em1602 e 1608, sem sucesso, se-guidas de um período de relati-va paz. A situação muda com ainvasão holandesa em Pernam-buco, em fevereiro de 1630.

A guerra provoca a desor-ganização do poder colonial, afuga de funcionários e autori-dades, o êxodo dos senhores deengenho e seus familiares. Au-mentam também as fugas dosnegros e a população palmarinacresce, provocando temores. Ogoverno holandês, mesmo es-tando em guerra com os colo-nos portugueses, organiza duasexpedições, cujo objetivo eraaniquilar Palmares, nos anos de1644 e 1645, mas elas tam-bém não obtiveram grandes

resultados.No ano de 1654, os ho-

landeses são derrotados e o ini-migo único agora passa a serPalmares, já com cerca de 20mil habitantes.

GGGGGanga-Zanga-Zanga-Zanga-Zanga-ZumbumbumbumbumbaaaaaO Quilombo de Palmares

contava com nove mocambosou povoados, todos interligadosentre si, embora a distância en-tre alguns deles fosse a de umdia de viagem a pé. Para resistiràs invasões, os quilombolas for-mam um exército único, coman-dados por Ganga-Zumba(Grande Senhor), que chefiouPalmares durante todo o perío-do da invasão holandesa e foi ocriador do exército palmarino.

O quilombo, sob a chefiade Ganga-Zumba, sofre uma

grande derrota em 1677, o queabala o prestígio dele como lí-der e faz com que seus paren-tes e filhos sejam tomados comoprisioneiros.

O governador da capita-nia de Pernambuco propõe aGanga-Zumba uma soluçãopolítica para o conflito, dandoa garantia de liberdade, terrase direitos aos negros que se ren-dessem.

Em 1678, Ganga-Zumbasela o acordo de paz e sai dePalmares, indo para terras ce-didas pelo governo, embora opacto fosse objeto de controvér-sias em Palmares, provocandodesconfianças mesmo entre osseus seguidores e guerras inter-nas entre facções.

Começa a surgir ali umnovo líder: Zumbi.

Zumbi nasceu nos pri-meiros meses de 1655, emPalmares. Naquele ano, logoapós a derrota dos holandeses,uma expedição ataca o quilomboe faz vários prisioneiros, entreestes, um recém-nascido que édado de presente a um padreportuguês, que batiza o meninocom o nome de Francisco e oensina a ler e escrever.

Aos 15 anos, o meninofoge e volta para Palmares,onde troca o nome paraZumbi.

Na ocasião em queGanga-Zumba fecha o pacto deRecife, Zumbi chefia uma po-voação e também as forças ar-

PPPPPalmalmalmalmalmararararares ees ees ees ees existe e rxiste e rxiste e rxiste e rxiste e repreprepreprepresentesentesentesentesenta uma uma uma uma uma ameaçaa ameaçaa ameaçaa ameaçaa ameaça

ZZZZZumbi, o espártumbi, o espártumbi, o espártumbi, o espártumbi, o espártacacacacaco negro negro negro negro negrooooo

madas de Palmares. O pacto foi,aos poucos, sendo desrespeita-do pelos senhores de engenho.Os negros acorrem novamente

para o quilombo e a liderançade Zumbi se fortalece.

Novos ataques são feitoscontra Palmares e Zumbi mos-tra-se um excelente estrategistamilitar. Enquanto isso, partidá-rios de Zumbi conspiravam con-tra a decadente liderança deGanga-Zumba e acabam matan-do-o por envenenamento e di-zimando os seus seguidores.

Zumbi, prevendo os no-vos ataques ao quilombo, des-loca mocambos inteiros paralocais seguros e prepara militar-mente a resistência.

Palmares sofre ataquesem 1682 e 1686, mas a resistên-cia continua.

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Em 1685, os terríveispaulistas, conquistadores dossertões, são convocados paralutar, apesar das muitas resis-tências, pois os paulistas são ti-dos como selvagens. DomingosJorge Velho é o indicado paracomandar a expedição. Porém,antes de ele chegar a Pernam-buco, os senhores de engenhovivem tempos de terror, comvárias ações dos palmarinos,que matam feitores e senhorese destroem plantações.

O primeiro ataque deJorge Velho a Palmares ocorresó em 1691, quando é derrota-do, tendo a maioria de seus ho-mens mortos em combate e ain-da sofre hostilidades dos mora-dores da região, simpáticos aospalmarinos.

No ano de 1693 uma pro-funda crise econômica abate-sesobre Pernambuco, primeirossinais do fim do ciclo da cana-de-açúcar. Os preços do açúcarbrasileiro despencam e ocorreuma das maiores secas da re-gião nordeste. Mesmo com acrise, consegue-se mobilizar 9

mil homens. Eles, sob o coman-do de Jorge Velho, preparamum grande ataque contra oQuilombo de Palmares, no fi-nal do ano.

Na manhã do dia 6 de fe-vereiro de 1694 trava-se umabatalha sangrenta e definitiva.Palmares é invadida e torna-seo palco de uma das maiores cha-cinas de nossa história. Zumbie alguns de seus homens esca-

pam e continuam a realizar ata-ques aos senhores de engenho,enquanto organizava-se contraele uma verdadeira caçada hu-mana.

André Furtado, um doschefes palmarinos, chama Zum-bi. Estamos no dia 20 de novem-bro de 1695.

Ao atender o amigo,Zumbi é vítima de uma punha-lada traiçoeira, enquanto os ho-mens de Jorge Velho, embosca-dos, matam os seguidores do lí-der palmarino. Furtado, quefora capturado e torturado, le-vou Jorge Velho até o esconde-rijo de Zumbi e o apunhalou,com a promessa de liberdade.

A cabeça de Zumbi é le-vada ao governador do Recife.É espetada num pau e exposta“no lugar mais público”, para sa-tisfazer os ofendidos e assustaros negros, que acreditavam serZumbi imortal.

A resistência negra, en-tretanto, continuou, por muitot e m p o , e m v á r i o s o u t r o squilombos, espalhados peloBrasil.

As informações sobrecomo era a vida e a organi-zação do Quilombo dePalmares são contraditóriase imprecisas.

A população, que che-gou a 20 mil habitantes, re-presentava quase um quintoda população de Pernam-buco na época.

Os palmarinos viviamem casas cobertas de madei-ra ou palha. A economia era

Os “selvOs “selvOs “selvOs “selvOs “selvagagagagagens” são cens” são cens” são cens” são cens” são convonvonvonvonvocococococadosadosadosadosados

O cO cO cO cO cotidiotidiotidiotidiotidiano em Pano em Pano em Pano em Pano em Palmalmalmalmalmarararararesesesesesprincipalmente agrícola e a pro-dução comunitária. Havia mui-tos artesãos, que faziam cestos,potes, peças de barro, instru-mentos musicais, etc.

O trabalho com o ferrotinha provavelmente o mesmocaráter honroso, quase sagrado,que na África.

Cada povoação palma-rina tinha um chefe escolhidopor suas qualidades e espírito deluta. Decisões sobre problemas

importantes do quilomboeram feitas em assembléias.

Os palmarinos tinhamigualdade civil e política,embora houvesse pena demorte por roubo, adultério,homicídio e deserção. Fala-va-se uma língua particular,mistura de português comlínguas africanas e secunda-riamente indígenas e pre-dominava o sincretismoreligioso.

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CCCCCenenenenenas do Sécas do Sécas do Sécas do Sécas do Século 19ulo 19ulo 19ulo 19ulo 19

Retrato de Escravos não identificados - 1865 José Christiano de Freitas Henriques Jr.

Negro e Negra na Plantação - Rugendas

Embalagem e Pesagem de Açúcar 1859 - Victor Frond

8 Zumbi 300 anos + 10 2005

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Da segunda metade do século 16 até 1850, datado fim do tráfico negreiro, foram trazidos para nossopaís cerca de 3,6 milhões de africanos. Ao contráriodo que se diz, o processo de miscigenação serviu, na-quele momento, para aumentar o número da popula-ção escrava, pois até a edição da Lei do Ventre Livre,em 1871, os filhos dos escravos também eram escravos,fossem ou não mestiços.

O escravo era propriedade total do senhor, priva-do de direitos, não tinha sequer existência civil, ouseja, não o consideravam uma pessoa, recebia o mes-mo tratamento dado aos animais. Ele podia ser vendi-do, alugado, penhorado e morto. O senhor ainda ti-nha direito sobre os filhos gerados no ventre daescrava.

Essa longa dominação legitimou a nossa fortehierarquia social, tornou o arbítrio nas relações umacoisa normal, impediu o avanço das noções de direitoe cidadania e criou uma cultura de desprezo a todo otrabalho manual, considerado ocupação de escravos.A violência também se acentuou em decorrência dessequadro de desigualdade.

A Abolição da Escravatura ocorreu de forma gra-dual e com caráter conservador, obedecendo uma exi-gência da Inglaterra, país que tinha grandes interessescomerciais em relação ao Brasil. Quando a Lei Áureafoi assinada, a escravidão já dava sinais de esgotamen-to. As fugas em massa de cativos eram freqüentes. Osproprietários de escravos, percebendo a iminência daabolição, negociavam a liberdade dos escravos, paraque continuassem nas fazendas como trabalhadoreslivres.

Ao fim da escravidão, restou uma população imen-sa e despreparada. Embora livres, os negros e seus des-cendentes continuavam a viver à margem da economiabrasileira, entregues à fome, à miséria e aos castigoscorporais. A situação degradante levava muitos ao al-coolismo, ao crime e à loucura.

No final do século 19, havia teorias quedefendiam a necessidade de se renovar a popu-lação brasileira, através do incentivo à imigra-ção branca. Um dos defensores da tese era odeputado e intelectual alagoano Tavares Bas-tos. Para ele, o fim da escravidão era uma dasformas de se acabar com os problemas que onegro trazia para o país, por sua inferioridaderacial.

O Brasil, da época, deixava de ser umamonarquia e tornava-se uma república,

O cO cO cO cO caminho do braminho do braminho do braminho do braminho do branqueamentoanqueamentoanqueamentoanqueamentoanqueamento

Origens do racismo à brasileira

Retrato de escravo não identificado - 1865José Christiano de Freitas Henriques Jr.

Zumbi 300 anos + 10 2005 9

alicerçada supostamente nas idéias de liberda-de, de progresso e igualdade.

As cidades, principalmente Rio de Janei-ro e São Paulo, transformam-se. São construídasavenidas, ferrovias, surge a luz elétrica, vem obonde e as primeiras indústrias. Começamostambém a receber muitos imigrantes que, alémde disputarem espaço no mercado de trabalhocom o negro (e mais preparados e em melhorescondições que este), serviam de sustentação àidéia de “branqueamento” do país.

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Poucas oportunidades para os negros na indústria, no início do século 20

Arquivo Edgar LeuenrothO pensamento dos inte-

lectuais brasileiros no começodo século 20 sofria grande in-fluência da Europa, principal-mente do positivismo, do dar-winismo, do evolucionismo deSpencer, do arianismo de Gobi-neau, da eugenia de Galta e ou-tros (vide box pág.13). São pen-samentos que permitem à eliteeuropéia tomar consciência deseu poderio que se consolidacom a expansão mundial do ca-pitalismo.

Ao aceitarem essa visãoeuropéia, os pensadores brasi-leiros aceitam também que o de-senvolvimento nacional encon-trava-se em estágio inferior aoalcançado pelos países euro-peus. A explicação para issoprecisava ser completada comoutros argumentos que inter-pretassem a situação específicade nosso país. Esse argumentoé encontrado em duas noções:meio e raça.

A exceção é Manuel Bonfim. No livro “América Latina:males de origem”, de 1902, ele alerta que a teoria das raçasinferiores é um mecanismo de dominação ideológica, em-pregado pelo imperialismo europeu e norte-americano.Bonfim responsabiliza também as classes dominantes peloatraso e ignorância dos povos da América Latina.Outro pensador, Alberto Torres, em “O problema nacionalbrasileiro: introdução a um programa de organização na-cional”, de 1914, demonstra que nosso problema não estavana raça, mas nas condições sociais, como a falta de moradia,educação, etc. Torres ataca as teorias européias que defen-dem a desigualdade racial e avisa para o perigo de “impor-tarmos as doutrinas racistas dos europeus sem perceber queelas nos levam a negar qualquer futuro para o Brasil, embo-ra ele próprio deixe-se levar por alguns preconceitos da épo-ca, como condenar o “cruzamento entre raças”, que provo-caria a degeneração orgânica do indivíduo. Defende o con-trole da imigração para que o país possa “manter puros ostipos étnicos aclimatados, para que estes, evoluindo natural-mente, manifestem e desenvolvam caracteres próprios”.

No ano de 1920 é publicado o livro “Po-pulações meridionais do Brasil”, de OliveiraVianna. Uma obra influenciada pelo darwinismosocial e pela ideologia do arianismo. Vianna exal-ta as elites arianas e defende a necessidade debranqueamento da população brasileira. Para ele,só se pensaria em democratização, depois de uma“arianização” completa e propõe a criação de di-ficuldades de participação política da populaçãomulata. Os negros são vistos como “espantososna sua desordem moral e na instabilidade de seusinstintos” e chamados de “empreiteiros de arru-aças e motins de nossa cidade”.

O pensamento de Vianna teve grande in-fluência nas décadas de 20 e 30, sendo quase una-nimidade entre os pensadores brasileiros, entreas raras exceções estava Astrogildo Pereira, inte-lectual e fundador do Partido Comunista Brasi-leiro. Oliveira Vianna teve ainda grande partici-pação política durante o Estado Novo de Getú-lio Vargas. Ele era mulato.

A hegemonia das idéias racistas

CCCCControntrontrontrontra a ca a ca a ca a ca a corrorrorrorrorrenteenteenteenteente ArianizaçãoArianizaçãoArianizaçãoArianizaçãoArianização

As obras de Sílvio Ro-mero; do médico baiano, NinaRodrigues, que foi um dos pri-meiros a estudar a questão donegro no Brasil; de FranciscoVarnhagen; do próprio Euclides

da Cunha e de Oliveira Viannacontêm conceitos de deter-minismo do meio e da raça,embora seja importante ressal-tar que houvesse grandes dife-renças entre eles.

10 Zumbi 300 anos + 10 2005

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Positivismo – Corrente filosó-fica do século 19, tendo Au-gusto Comte como seu princi-pal mentor. A história é vistacomo uma evolução da socie-dade humana dos estágios maisprimitivos para os estágios mo-dernos, dominados pelo co-nhecimento científico.

Darwinismo social - Em 1859surge a teoria de seleção natu-ral de Charles Darwin. Algunspensadores tentaram aplicar ateoria biológica de Darwin à or-dem social e as expressões “lutapela existência” e “sobrevivên-cia do mais capaz” foram to-madas para apoiar a defesa que

faziam do individualismo econô-mico. O darwinismo social forta-lecia o imperialismo, o racismo,o nacionalismo e o militarismo.

Evolucionismo – Essa teoria de-fendia a tese da existência deuma espécie humana única, quese desenvolvia em ritmos desi-guais e em diferentes estágios decivilização ou formas de organi-zação, variando das mais simplesàs mais complexas. O ponto má-ximo de desenvolvimento seria oatingido pela cultura ocidental.Herbert Spencer foi o responsá-vel pela forma mais radical dopensamento do evolucionismo.

O livro “Casa-grande &Senzala”, do pernambucanoGilberto Freyre, é publicado em1933. A mestiçagem deixa deser uma ameaça ou símbolo doatraso e passa a ser uma solu-ção para os problemas do Bra-sil, que estava a caminho deconstituir uma nova raça, atra-vés do processo positivo de mis-cigenação.

“Todo o brasileiro, mes-mo o alvo, de cabelo louro, trazna alma, quando não na alma eno corpo, a sombra, ou pelomenos a pinta, do indígena e oudo negro.”

Freyre sustenta que gra-ças à miscigenação, o mulatopode ter melhores condições devida e ascensão social. Ele man-tinha intocados os conceitos desuperioridade e inferioridade,denunciava a violência existen-te na escravidão, mas, com umenfoque paternalista, fazia aapologia do latifúndio escra-vocrata e do negro sudanês que,

Freyre ressalta a ligação afetiva entrea Casa-grande e a senzala- Ama-de-

Leite - 1864 - Eugênio & Maurício

segundo ele, mais do que osbantos, reuniria as qualidades evirtudes dos brancos.

Gilberto Freyre trabalhacom grande sutileza os concei-tos de eugenia, seleção étnica,branquidão e morenidade, pre-sentes em seu tempo, e foi o res-ponsável pela introdução doconceito polêmico de democra-cia racial.

Casa-grande & Senzalafoi uma obra de muita repercus-são no Brasil e no exterior. Na-quela época, o Brasil buscava adefinição de sua identidade na-cional. O Brasil ideal de Freyre,“mestiço”, não fazia parte doprojeto de Estado Nacional quesurgia com força na década de30, período de ascensão do var-guismo e de predominância deuma visão nazi-fascista.

No cenário político bra-sileiro estão presentes a discri-minação política e o preconcei-to racial.

Vargas chega ao poder

em 1930 e cria o Estado Novoem 1937. São tempos de repres-são política, perseguição às es-querdas, aos judeus, aos japo-neses, ciganos e negros. Enfim,todos os que representassem, deacordo com o entendimento dopoder, um perigo à ordem raci-al, política e cultural do Brasil.

A democA democA democA democA democrrrrracacacacaciiiiia ra ra ra ra racacacacaciiiiial de Fal de Fal de Fal de Fal de Frrrrreeeeeyryryryryreeeee

TTTTTeorieorieorieorieorias ras ras ras ras racacacacacistististististas do inícas do inícas do inícas do inícas do início do sécio do sécio do sécio do sécio do século 20ulo 20ulo 20ulo 20ulo 20

Zumbi 300 anos + 10 2005 11

Arianismo – Doutrina que jus-tifica as desigualdades e é con-trária ao cruzamento das raças.Defende a raça ariana como arepresentante do europeu pu-ro. Seu divulgador foi Arthurde Gobineau.

Eugenia – Baseada nas idéiasde Francis Galton que defen-dia a necessidade de o Estadoter um plano para selecionaros jovens mais aptos a procria-rem seres mais capazes, paraformar uma raça mais pura.Defendia também a esteriliza-ção de doentes, criminosos, etc.

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Os meios de acesso à edu-cação e à cultura geral, numa so-ciedade elitista como a brasilei-ra, sempre foram fechados à mai-oria do povo. Os negros, pela ori-gem histórica de nossa formaçãosocial, foram um dos segmentospostos à margem do desenvolvi-mento econômico. Mesmo comtodos esses revezes, alguns ne-gros destacaram-se no trabalhointelectual e artístico. E estes ti-veram de enfrentar uma dura po-lítica de “embranquecimento” dopaís.

O “embranquecimento”,segundo Florestan Fernandes,obedecia ao padrão de absorçãogradual dos indivíduos negros,através de assimilação daquelesque escolhessem se identificar asi mesmos com os círculos da raçadominante e manifestar completa

lealdade a seus interesses e valo-res sociais.

Isso provocou sempre umenorme conflito nos poucos in-telectuais negros brasileiros dosséculos 18, 19 e início do século20. Esses intelectuais e artistas,entretanto, foram responsáveispela modificação da vida cultu-ral brasileira. Podemos destacaralguns, como Francisco Lisboa(Aleijadinho), Luiz Gama, Josédo Patrocínio, Cruz e Souza, Ma-chado de Assis, Manuel Quirino,Lima Barreto e outros. Nem to-dos se assumiam como negros.

Alguns, como o caso espe-cífico de Lima Barreto, travaramum combate árduo e solitário,marcado pelo silêncio, o precon-ceito forte e o desprezo. Outrossofrem e refletem na obra as con-tradições do momento e acabamcedendo às pressões do meio.

Afonso Henriques deLima Barreto nasceu em 13 demaio de 1881, no Rio de Ja-neiro, e morreu em 1º de No-vembro de 1922. Foiromancista, contistae cronista dos cos-tumes da época. Opai, João Henri-ques, filho de umportuguês e de umaantiga escrava, eratipógrafo e deu aomenino as condi-ções para estudar. Opai, viúvo e comquatro filhos, en-louquece e cabe a LimaBarreto, com 21 anos, a che-fia familiar.

Lima Barreto sobrevi-veu com o pequeno ordena-

do de servidor da Secretaria daGuerra e depois, já ao final davida, com uma exígua pensão. Noseu pouco tempo de vida, 41

anos, a que não faltaráo álcool, a prematuradegradação física einternação no hospício,produziu uma das maisfortes obras ficcionaisda literatura brasileira,com três grandes ro-mances: Recordaçõesdo Escrivão Isaías Ca-minha, Triste Fim dePolicarpo Quaresma eVida e Morte de M. J.

Gonzaga de Sá, além de várioscontos de grande qualidade euma importante produção jor-nalística.

Sobre Lima Barreto, o es-

critor pernambucano OsmanLins presta uma homenagem,classificando-o como um escri-tor que “não silenciou sobre oseu tempo” e que “desmistificaa futilidade mascarada de boasintenções”. Lins destaca queLima Barreto “esteve sempredo mesmo lado e nunca pôssua pena a serviço de nenhu-ma causa iníqua”.

Lima Barreto viveu numperíodo conturbado, onde ainfluência do pensamento ra-cial era muito forte e, apesardos obstáculos, escreveu umaobra marcante que, ainda hoje,não obteve a valorização quemerece, talvez por sua postu-ra ao lado dos oprimidos epela defesa de um Brasil in-dependente.

Os profetas de Aleijadinho são um dospainéis mais destacados e

impressionantes do barroco brasileiro

Arquivo JC

Intelectuais negros diante dapolítica de branqueamento

LimLimLimLimLima Barra Barra Barra Barra Barreto: umeto: umeto: umeto: umeto: uma justa justa justa justa justa homena homena homena homena homenagagagagagememememem

12 Zumbi 300 anos + 10 2005

Reprodução

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Um movimento muitomarcante na década de 30 colo-cou em pauta a discriminação ra-cial no Brasil: a Frente NegraBrasileira (FNB), a maior enti-dade de massas da história domovimento negro.

Karin Sant’Anna Kosslingrealizou pesquisa sobre o tema:“Movimentos negros: identida-de étnica, identidade política(1924-1954)”, tendo como pon-to de partida a documentação dapolícia política do Estado de SãoPaulo que relata a história daFrente Negra.

A Frente Negra Brasileirasurgiu com a Revolução de 1930que levou Getúlio Vargas ao po-der e provocou grande polariza-ção política no Brasil. De umlado a Aliança Nacional Liber-tadora (ANL), de esquerda; deoutro, a Ação Integralista Brasi-leira (AIB), de direita.

Alguns militantes negrosque participaram da Revoluçãosentiam que as organizações po-líticas não incluíam um progra-ma de lutas em favor da popula-ção negra, o que os levou a criarno dia 16 de setembro de 1931 aFrente Negra Brasileira (FNB).A FNB cresce rapidamente,

A Frente Negra foi vigiadaatentamente pelo Departamentode Ordem Política e Social(Deops-SP) desde sua origem.Havia a preocupação de saber oque a FNB fazia e qual era a movi-mentação de seus dirigentes. Essadiscreta vigilância começa a serostensiva quando, em 1936, aFrente Negra Brasileira transfor-ma-se em partido político, com as-pirações de chegar ao poder.

A mobilização em massa dos

chegando a reunir, em seu auge,cerca de 30 mil filiados.

Karin Kossling explica quea “FNB buscava denunciar o ra-cismo; lutar pela igualdade dedireitos ( principalmente no mer-cado de trabalho, onde o negrosofria forte concorrência dos imi-grantes); pelo direito à educa-ção, como meio de ascensão so-cial e pelo direito à terra e à mo-radia”. A Revolução de 30, etodo o clima político que a en-volveu, criou uma grande espe-rança na população negra de ser

inserida na sociedade, o que for-taleceu a FNB e a tornou umareferência na luta dos negros.

No início, a Frente Negracontou com o apoio de GetúlioVargas, que recebeu seus inte-grantes no Palácio Rio Negro,em Petrópolis (RJ). À medidaque as reivindicações da Frentenão são atendidas pelo governoVargas, surgem dissidências in-ternas da FNB, que nunca foi ummovimento homogêneo. Há umadivisão em 1933, com a saída dosmilitantes mais à esquerda, quedivergem da posição centra-lizadora e autoritária da direçãodo movimento e de sua aproxi-mação com os integralistas.

“No jornal ‘A Voz daRaça’, órgão oficial da FrenteNegra, sai um artigo de ArlindoVeiga dos Santos, o primeiro pre-sidente da FNB, em que ele exal-ta a Alemanha hitlerista, colo-cando-a como um exemplo a serseguido pelo Brasil”, destacaKarin Kossling.

Há registros de que aFrente Negra chegou a desenvol-ver relações com a Ação Integra-lista Brasileira, participando depalestras e de comemorações,como a de 13 de maio.

Panfleto do Deops/SP noarquivo dedicado à

Frente Negra Brasileira - FNB

negros traz inquietação à elite bran-ca e a entidade passa a ser acusada deinsuflar o separatismo, o ódio raciale a africanização do Brasil.

A experiência partidária acabano ano seguinte com a instauraçãoda ditadura do Estado Novo e aextinção de todos os partidos políti-cos. A FNB desarticula-se comple-tamente.

Há uma tentativa de retomá-lacom outro nome: União dos Ne-gros Brasileiros, mas sem a mesma

Frente Negra Brasileira:movimento de massas

força que o movimento teve na dé-cada de 30.

“A partir da década de 40, a vi-são de Gilberto Freyre, que definiao Brasil como uma democracia ra-cial, consolida-se, influenciando atémesmo o teor dos documentos dapolícia política, no qual os movi-mentos negros são classificadoscomo racistas e que desejam intro-duzir no país uma questão que nãoé nossa, é externa, que só existe nosEstados Unidos”, explica Karin.

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Zumbi 300 anos + 10 2005 13

Douglas Mansur

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PPPPPesquisesquisesquisesquisesquisa sobra sobra sobra sobra sobre os are os are os are os are os arquivquivquivquivquivosososososddddda políca políca políca políca políciiiiia política política política política políticaaaaa

A articulação do movimen-to negro nunca mais teve a for-ça dos tempos da FNB. A par-tir do golpe militar de 1964,com o fechamento dos espaçospolíticos e de organização, osmovimentos que resistem, vol-tam sua atuação mais para asáreas culturais e esportivas.

Somente na segunda meta-de da década de 70, quando asociedade civil retoma suas lu-tas e organizações é que o mo-vimento negro também volta àcena. Surge o Movimento Ne-gro Unificado contra a Discri-minação Racial, que daria lu-gar, em 1978, ao MovimentoNegro Unificado (MNU). OMNU pretende unir todas asorganizações de negros contraa discriminação racial e contraa violência policial, muito acen-tuada naquele período de des-respeito aos direitos civis.

“A visão que o regime mili-tar tinha do Brasil era alicerçadana concepção de democraciaracial, por isso, quando surgemos primeiros movimentos ne-gros, a vigilância sobre eles é

A Frente Negra Brasileirafica totalmente desarticuladacom o Estado Novo. “Sobrevi-vem os movimentos mais à es-querda na década de 40, quecontam com a participação dohistórico militante negro, JoséCorreia Leite”, explica KarinKossling. Uma outra parte domovimento negro articula-se emtorno do político paulistaAdhemar de Barros. Trata-se daAla Negra Progressista, integran-te do Partido Social Progressista(PSP). Nesse período surge

Abdias do Nascimento. Ele ha-via rompido com a direção daFNB logo após a invasão daAbissínia (atual Etiópia) pela Itá-lia de Mussolini. A partir daí,Abdias irá se distanciar cada vezmais da direita e em 1944 funda,no Rio de Janeiro, o Teatro Ex-perimental do Negro (TEN). Omesmo Abdias do Nascimento éum dos principais organizadores,no ano de 1945, da Convençãodo Negro Brasileiro, que reivin-dica, entre outras coisas, acriminalização do racismo.

A Constituição de 1946proíbe a discriminação. Em 1951,Gilberto Freyre e Afonso Arinos,encaminham ao Congresso Na-cional uma lei, que ficou conhe-cida como Lei Afonso Arinos,que pune os atos de discrimina-ção de cor em lugares públicos.

A lei surgiu depois de umincidente de muita repercussão:um hotel de luxo de São Paulorecusa-se a hospedar uma dan-çarina negra estadunidense,Katherine Dunham.

constante, documentos infor-mam sobre as atividades, deta-lham as reuniões e os passos deseus dirigentes”, explica KarinKossling, com base nas pesqui-sas realizadas nos arquivos doDeops.

A repressão classifica osmovimentos negros como racis-tas e acusa-os de colocar umdebate que nada tem a ver como Brasil e salienta a influênciados grupos de esquerda, de pen-

samento comunista, dentro domovimento negro.

“O Abdias do Nascimen-to é uma das figuras mais vigia-das pelos órgãos de repressão,juntamente com Lélia Gonçal-ves e outros militantes. Essa vi-gilância acentua-se ainda maisno período pós-anistia, épocada distensão lenta, gradual esegura, pois havia uma preocu-pação dos órgãos de repressãode impor limites à abertura.”

A pesquisadora Karin Sant´AnnaKossling realizou iniciação científicasobre o tema “Movimentos Negros:Identidade Étnica, Identidade Política(1924-1954), financiada pela Fapesp,e orientada pela professora de Histó-ria da Usp, Maria Luiza Tucci Carnei-ro. E realiza mestrado sobre o tema “Aslutas anti-racistas de Afrodescendentessob vigilância do Deops/SP (1964-1983), financiado pelo CAPES e orien-tado pela Professora Leila Maria Gon-çalves L. Hernandez.

O racismo vira crime

Os longos anos de chumbo

Douglas Mansur

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“Tivemos três grandesgrupos humanos da África quechegaram às Américas e ao Bra-sil especialmente. Primeiro fo-ram os Bantus, que é uma de-nominação geral para os gruposafricanos localizados ao Sul daÁfrica, como Angola e Mo-çambique.” Esses grupos, expli-ca Juarez, chegaram ao Brasilno início da ocupação européia.“A cultura quilombola é funda-mentalmente Bantu, assimcomo o nome Zumbi e o de ou-tras palavras que se incorpora-ram à língua portuguesa, comomarimbondo e bunda.” Os jejêsvieram da África Ocidental daregião de Daomé, atual Benin,que ficaram especialmente noestado do Maranhão.

Por último, vieram osIorubás. Eles chegam ao Brasilno final do século 18, vindo daNigéria, Togo e Dahumé e se fi-xaram na região do recôncavobaiano e emprestam muito dacultura dos Orixás ao Brasil.São grupos, destaca o profes-sor Juarez, que deixaram um

rastro muito forte de sua pre-sença. “Hoje a matriz das casasde candomblé, a organizaçãolitúrgica, a mitologia são todasbaseadas na estrutura de pen-samento dos Iorubás.”

FFFFFaxinaxinaxinaxinaxina étnica étnica étnica étnica étnicaaaaa“De 1870 a 1930, o Bra-

sil teve uma forte influência dapolítica da eugenia e da antro-pologia criminal, que monta umestereótipo do criminoso, asso-ciado ao negro, com reflexo atéhoje na polícia. Incentiva-se aimigração, com o objetivo de serealizar uma faxina ética, comoa Argentina e outros países fi-zeram com maior sucesso.”

É também nesse períodoque começa a se organizar commaior evidência o universoIorubá. Enfrenta muita resis-tência, pois “impedir a organi-zação desse universo era impe-dir a manifestação dos traçoscivilizatórios dessa população”.Houve muitas perseguições, in-vasões de espaços religiosos eprisões.

“Havia também a perse-guição intelectual, diz o profes-sor Juarez, e quem trabalhoumuito nesse campo foi NinaRodrigues, na Bahia, com suaidéia de evolução das raças. OsIorubás eram vistos como umadegeneração civilizatória e con-tra eles tudo se podia fazer.”

O ano de 1930, com a as-censão de Getúlio Vargas, mar-ca uma mudança na política dogoverno, com a tentativa de semontar uma identidade nacio-nal brasileira, baseada na capo-eira, no samba, no carnaval, etc.

Os grupos religiosos,como Casa Branca, Gantois eoutros passam a ser tolerados,ganham maior visibilidade ecomeça-se a quebrar a visãopreconceituosa de que eram ví-timas, porém essas casas só po-dem exercer as atividades reli-giosas se registradas na Secre-taria de Saúde Pública (deter-minação que vigora até os anos50) ou na Delegacia e na Secre-taria de Segurança Pública eCostumes (até os anos 80).

Juarez Tadeu de Paula Xavier é jornalista, mestre edoutor pelo Prolam-Usp (Programa de Integraçãona América Latina da Usp), com mestrado e dou-torado sobre a cultura negra, em especial, a cultu-ra dos Iorubás no Brasil e em Cuba. Professor uni-versitário, membro da União dos Negros pelaIgualdade (Unegro-SP), ele analisa, nesta entre-vista, a história de racismo no Brasil e as formas deresistência do movimento negro desde as primeiraslutas nos quilombos até os dias de hoje e discute osimpasses e desafios do movimento atual.

A cultura negra:perseguição e resistência

Zumbi 300 anos + 10 2005 15

Douglas Mansur

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O MoO MoO MoO MoO Movimento Negrvimento Negrvimento Negrvimento Negrvimento NegroooooUnificUnificUnificUnificUnificadoadoadoadoado

Com o golpe militar de1964, a ditadura proíbe o deba-te da questão racial e “chega atirar o quesito cor da pesquisado IBGE realizada na décadade 70”, diz o professor Juarez.No entanto, as lutas raciais nosEUA, a partir da década de 60,começam a repercutir no Brasile chega, até nós, o discurso dosPanteras Negras, apesar das res-trições impostas pela ditaduramilitar. Em 1975, alguns paísesafricanos estão de armas namão, na luta contra o colonia-lismo e contra o apartheid.Além disso, novos militantesentram em contato com as idéi-as do movimento negro das dé-cadas de 50 e 60.

“O Movimento Negro Uni-ficado contra a DiscriminaçãoRacial é o fruto de todo esse

caldo de cultura que foi se acu-mulando.” As primeiras mani-festações do movimento englo-bam não somente negros mas osmarginalizados. “Em 1978 hou-ve uma grande manifestação emfrente ao Mappin, com cerca de7 mil pessoas, que reuniu ne-gros, trabalhadores, prostitutas,homossexuais, etc. Um fato ex-traordinário nos tempos da di-tadura militar”, destaca o pro-fessor Juarez.

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Hoje o movimento negroprecisa resolver alguns proble-mas do ponto de vista teórico.“Qual é a saída para o movi-mento negro?”, pergunta oprofessor Juarez. Ele relembraque em 1991, num EncontroNacional de Entidades Negras,apontou-se que não é possívelconstruir a cidadania negra noBrasil nos marcos do capitalis-mo. Outro ponto é em relaçãoà organização. “O que é maisimportante: negros em organi-zações próprias ou atuandoorganizadamente em sindicatos,universidades, igrejas? Já no pla-no político o dilema é outro:monta-se um partido negro ouatua-se nos partidos existen-tes?”. Para quem, como o pro-fessor Juarez, acredita que aconstrução da cidadania negranão se dará no capitalismo, a so-lução é uma articulação amplacom os demais movimentos so-ciais e forças políticas que apon-tem no caminho da superaçãodesse sistema.

O movimento negro precisaresponder algumas perguntas que

definirão seu rumo no futuro.

Douglas Mansur

Três períodos do movimento negro

16 Zumbi 300 anos + 10 2005

O professor e jornalistaJuarez Tadeu de Paula Xavierdefende a tese de que o movi-mento negro viveu três períodosdiferenciados, desde a aboliçãoda escravidão. No primeiro pe-ríodo, ele tenta se amoldar àvida política e social brasileira.A Frente Negra Brasileira ori-enta os filiados a construíremuma identidade aceita pela so-ciedade, sob o argumento deque quanto mais próximo o ne-gro parecer com a sociedade,mais serão aceitos. Essa visãopredomina por toda a déca-da de 30.

Aos poucos começa a sur-gir uma abordagem nova daquestão racial, com a vinda dosociólogo francês Roger Bastidepara o Brasil no final dos anos30. Um grupo de intelectuaisinicia discussões sobre o tema,com enfoque marxista, comoFlorestan Fernandes, OctávioIanni e outros. Vão se criandotambém intelectuais negros, quecomeçam a influenciar o movi-mento.

Surge, na década de 50,Solano Trindade e o Movimen-to Vento Forte Africano, ba-seados na idéia de se juntar a dis-cussão racial com a luta de clas-ses. Abdias Nascimento, porsua vez, defende uma visão maisnegro-africana, trabalhando aidéia do quilombismo, que eraum espaço negro de reinvençãoda própria cultura negra e umdiálogo de negociação e con-fronto com a sociedade. Por úl-timo, Clóvis Moura, que repre-senta uma mudança significati-va na leitura da questão negra.

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Luiz Eduardo Batista rea-liza um trabalho pioneiro queatende a uma antiga reivindica-ção do movimento negro: anali-sar os diferenciais da mortalida-de por raça/cor no Estado de SãoPaulo. Luiz Eduardo é sociólo-go, mestre e doutor em sociolo-gia e pesquisador do Instituto deSaúde da Secretaria de Saúde deSão Paulo.

“O movimento negro rei-vindicava a inclusão do quesitocor nos bancos de dados do sis-tema público de saúde, para quese pudesse saber como adoece emorre a população, segundo acor.” Esse quesito passou a serincluído em 1996 em alguns ban-cos de dados do Ministério daSaúde: “Inicialmente de nascidosvivos e de mortalidade — explicaLuiz Eduardo — e, posterior-mente, de HIV/AIDS”. Esse itemsegue o padrão adotado peloIBGE, que distingue cinco cate-gorias no item cor: branco, pre-to, pardo, amarelo e indígena.

“Eu já trabalhava há mui-to tempo com dados sobreadoecimento e morte, quandome deparei com um estudo daDra. Maria Inês da Silva Barbo-sa, em que ela analisava os dife-renciais de mortalidade por raça/cor no município de São Pauloem um período de seis meses. Apartir daí, eu também comecei arealizar um trabalho sobre o Per-fil da Mortalidade, segundo raça/cor no Estado de São Paulo, ten-do por base as informações doano de 1999, que eram as maisprecisas que nós tínhamos naépoca”.

A cA cA cA cA cor dor dor dor dor da mortea mortea mortea mortea morteLuiz Eduardo descobriu

diferenças interessantes entrepretos e brancos e também entre

A morte tem cor:impacto do racismo na saúde

os pardos (o estudo obedece aopadrão de cor adotado peloIBGE). Observa-se entre os pre-tos alta taxa de morte por doen-ças infecciosas e parasitárias, des-tacando-se a tuberculose e a HIV/AIDS; doenças endócrinas e me-tabólicas, como a diabetes etranstornos mentais, causados,sobretudo, pelo alcoolismo. Já amortalidade das mulheres pretasé 1,07 vezes maior do que a dasmulheres brancas. Porém, o quechama a atenção é a taxa de mor-

talidade materna: 6,4 vezes maior.O grande desafio agora,

para Luiz Eduardo, é entendero significado desses números.“Eles estão relacionados com ascondições sociais da populaçãonegra, mas também estão vincu-lados às condições biológicas egenéticas e há ainda um outrocomponente perverso: o da dis-criminação social”.

O sociólogo afirma que apopulação negra sempre foi co-locada à margem da sociedadebrasileira. Com o fim da escravi-dão, buscou-se importar a mão-de-obra européia, para embran-

quecer o país, obedecendo à vi-são de que nosso desenvolvimen-to ocorreria a partir de parâ-metros vindos da Europa. O ne-gro, marginalizado econômica,social e culturalmente, tornou-semais dependente do sistema pú-blico de saúde. “Na saúde traba-lha-se com a concepção de quetodos são iguais, mas a socieda-de é desigual na cabeça das pes-soas e no acesso aos bens públi-cos. O discurso do igual acaba ig-norando as diferenças biológicas,genéticas sociais e históricas e re-produz assim as desigualdades dopaís.”

Entender as diferEntender as diferEntender as diferEntender as diferEntender as diferençasençasençasençasençasÉ preciso, para Luiz

Eduardo, entender as diferençase preparar os médicos e profis-sionais da saúde. “Há um grandedesconhecimento da anemiafalciforme, por exemplo. Profis-sionais engessam indevidamentebraços de crianças negras ou as-sociam a moleza, causada peladoença, à preguiça.” A anemiafalciforme, assim como a diabe-tes, a hipertensão arterial são en-fermidades prevalecentes napopulação negra, mas não ex-clusivas.

Luiz Eduardo acredita quea sociedade avançou bastante noentendimento da situação donegro e melhorou sua inserçãonos vários espaços, mas a área desaúde ainda apresenta fragilida-des, por falta de quadros do mo-vimento negro para acompanharas políticas públicas. Apesar dis-so, ele destaca, que os profissio-nais atuantes hoje na área já con-seguem influenciar o Estado aexecutar ações afirmativas, volta-das para o atendimento da saú-de do negro.

Douglas Mansur

Para Luiz Eduardo, a sociedadeé desigual no acesso aos

bens públicos

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A Fundação Perseu Abra-mo, em parceria com a Funda-ção alemã Rosa LuxemburgStifung, realizou em 2003 umapesquisa nacional sobre “Discri-minação Racial e Preconceitode cor no Brasil”. Entre os vá-rios aspectos interessantes dapesquisa, um deles chama aatenção. Num universo de cer-ca de 5 mil entrevistados, 13%de negros disseram que já se sen-tiram discriminados de formageral, quando abordados pelapolícia. Para os indígenas, a por-centagem é de 10%. Já entre osmorenos e pardos, ela fica em5% e entre os brancos, 4%. Po-rém, quando a pergunta refere-se diretamente à discriminaçãoracial ou étnica, a porcentagementre os não brancos é de 76%.Entre os que se sentiram discri-minados por raça ou cor, 69%o foram pela Polícia Militar,contra 23% pela Polícia Civil.

O Instituto Universitário

do Rio de Janeiro divulgou umestudo no qual afirma que 100brancos e 170 negros são assas-sinados anualmente por polici-ais militares, num universo decada 100 mil brasileiros.

Para a socióloga e ex-ouvidora do Rio de Janeiro,Paloma Cotes, a violência poli-cial recai sobretudo contra opobre, preto e favelado. Um es-tudo realizado pela Ouvidoriade São Paulo mostrou que, noscivis mortos, o número médiode perfurações a bala era de 3,2.Em 36% dos corpos havia pelomenos um disparo na cabeça.Em outros 51%, havia tiros nascostas, o que, para a ex-ouvidora, evidencia que são exe-cuções, mas “nas regiões declasse média ou mais ricas, apolícia se comporta melhor”.

No ano de 2004, mais de900 pessoas foram mortas pelapolícia no Rio de Janeiro - umdos estados mais violentos do

país. Em 2003, o número demortos foi maior que 1,1 mil.Esses dados são do professorIgnácio Cano, da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro(Uerj), a partir de informaçõesda Secretaria Nacional de Se-gurança Pública. Os númerosnacionais, segundo ele, estão su-bestimados, porque o repassedesses dados pelas secretariasestaduais à secretaria nacionalcomeçou há pouco tempo.

O relatório das NaçõesUnidas para Execuções Sumá-rias e Extra-Judiciais, apresen-tado em 2004, constata que as-sim como as vítimas de homicí-dios no país, as vítimas da vio-lência policial são principal-mente os jovens afro-descen-dentes do sexo masculino comidade entre 15 e 19 anos – emalguns casos, membros degangues criminosas, mas quasesempre habitantes de comuni-dades pobres.

Rodney Suguita/Folha Imagem

A violência policial tem caráter seletivo: ela atinge principalmente pobres e negros

A visão racista na instituição policial

18 Zumbi 300 anos + 10 2005

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REDUÇÃO DA JORNADA“Meu filho foi parado por-

que era negro e guiava um carro.Esse é um procedimento normalna polícia”, afirma o pai do den-tista Flávio Sant’Ana, o senhorJonas Sant’Ana. A PM é umacorporação que ele conhece bem,pois trabalhou nela por trintaanos, até se aposentar.

O dentista Flávio FerreiraSant’Ana, de 28 anos, foi assas-sinado por seis policiais militaresque o confundiram com um as-saltante. Flávio foi morto no dia3 de fevereiro de 2.004, quandoretornava do aeroporto deCumbica, onde levou a namora-da – Anita Joos, 30 anos, estu-dante suíça, que viajou para osEstados Unidos.

Os policiais que o abordaramprocuravam um outro homem –também negro – acusado de rou-bar R$ 42,00 de um comerciante.O dentista – que cinco dias anteshavia se formado com distinção,como bolsista de uma Faculdadeparticular de Guarulhos – é alve-jado por dois tiros à queima rou-pa. Para justificar o crime, os po-liciais botaram na mão de Flávioum revolver 357, com numeração

raspada, e por meio do rádio doCopom passaram a transmitir, aovivo, uma troca de tiros que nuncahouve.

“A gente clama por justiça”,pede Jonas Sant’Ana, de 51 anos.De acordo com o cabo aposenta-do da Polícia Militar, a imprensajá noticiou todos os fatos, mos-trando que o seu filho vem deuma família honesta e trabalha-dora. O pai da vítima disse queconfia na justiça e acredita queela será feita, “porque é um de-sejo da sociedade que esse caso

O caso de Flávio Sant’Ana foi ajulgamento em 17 de outubro e dois dospoliciais envolvidos no crime foramcondenados a dezessete anos e meio deprisão.

“A justiça é demorada, mas temque ter rapidez”, diz Antonio FunariFilho, ouvidor da polícia de São Paulo.Foi a Ouvidoria que ajudou na prisãodos policiais acusados da morte de Flá-vio. Segundo o ouvidor, com relação àburocracia judiciária, ele defende pes-soalmente uma mudança séria, com acriação dos chamados juizados de ins-trução. O ouvidor também quer insti-tuir um Conselho Consultivo daOuvidoria da Polícia, com a participa-ção da Comunidade Negra, de grupos

Antônio Funari Filho, daOuvidoria da Polícia, quer aparticipação da sociedade

civil organizada

Dentista negro morto pela PM

“Que se faça justiça!”, é a esperança do pai de Flávio Sant’Ana

Eisner Soares

A Justiça é lenta no BrasilA Justiça é lenta no BrasilA Justiça é lenta no BrasilA Justiça é lenta no BrasilA Justiça é lenta no Brasilde Defesa da Condição da Mulher,do Núcleo de Estudos de Violênciada USP, etc., com o objetivo de forta-lecer as instituições organizadas e fa-zer com que a Ouvidoria privilegieas denúncias da sociedade civil.

Funari explica que a Ouvido-ria da Polícia é um órgão dirigido porum representante da sociedade civil,com total autonomia e independên-cia, cuja principal função é ser o por-ta-voz da população em atos irregu-lares praticados pelas polícias Civile Militar. A Ouvidoria não tem a atri-buição de apurar, mas através doacompanhamento, contribui paragarantir a agilidade e o rigor nas apu-rações.

Zumbi 300 anos + 10 2005 19

seja resolvido logicamente porparte dos defensores da lei”.

Flávio seria enterrado comoindigente, se seu Jonas não loca-lizasse o corpo, dois dias depoisdo assassinato, no Instituto Mé-dico Legal. Naquela mesma se-mana, o comerciante AntonioAlves dos Santos, a vítima do as-salto, procurou a corregedoria dapolícia e revelou ter sido pres-sionado pelos policiais para iden-tificar o dentista como assaltan-te, porém resistiu à versão men-tirosa.

Eisner Soares

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A professora do Departa-mento de Sociologia da Ponti-fícia Universidade Católica(PUC) de Minas Gerais, Rita deCássia Fazzi, realizou interessan-te estudo: “O drama racial de cri-anças brasileiras – Socializaçãoentre pares e preconceitos”, ondeanalisa o preconceito racial nainfância. A pesquisa foi feita emduas escolas da cidade de BeloHorizonte (MG), em 1997. Umaescola de crianças pobres, próxi-ma à favela e outra escola situa-da num bairro de classe média.

Fazzi observou que “a so-cialização entre pares constituium espaço e tempo privilegiadose que crenças e noções raciais jáaprendidas são experimentadase testadas pelas crianças”. Nesseprocesso de interação escolar ascrianças vão aprendendo o quesignifica ser de uma categoriaracial ou de outra. Ocorre umaespécie de jogo de classificaçãoe auto-classificação raciais, emque se estabelece disputa, nego-ciação e manipulação para nãoser identificado com a categoriapreto/negro.

O grande drama dessejogo, segundo a socióloga, é anegatividade associada à catego-

Dados do Instituto dePesquisa Aplicada (IPEA) re-velam que apenas 2% dos estu-dantes das universidades brasi-leiras são negros. O InstitutoBrasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), em sua Pesqui-sa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD), de 1999,aponta que a taxa de analfabe-tismo é três vezes maior entreos negros.

O mesmo estudo revelaainda que os jovens brancos,

aos 25 anos, têm, em média, 8,4anos de estudos, enquanto osjovens negros da mesma idadetêm, em média, 6,1 anos. Segun-do o IPEA, entre os 25% maispobres do Brasil, 44% dosbrancos entre 11 e 14 anos es-tão entre a quinta e a oitava sé-ries do ensino fundamental. Jáentre a população negra esseíndice é de 27%.

Os dados mostram que háuma defasagem educacionalentre a população negra, o que

é um dos fatores da dificuldadede sua inserção de forma maisigualitária na sociedade bra-sileira.

A defasagem nas escolasestá associada a outros fatores,como o nível de renda e a esco-laridade dos pais. Entretanto, adiferença de índices de escola-ridade entre brancos pobres enegros demonstra a existênciade discriminação racial, que jáse faz notar nos primeiros anosdo estudo fundamental.

ria preto/negro, que expõe as cri-anças, assim classificadas, a umpermanente ritual de infe-riorização, em que são especial-mente atingidas por gozação ouxingamento.

Uma política eficaz contrao preconceito deve ser pensadapara a escola a partir dos trêsanos de idade, período em queo pensamento racial ainda estáem elaboração, explica Rita deCássia. Ela também acredita

Educação, preconceito e exclusão

Criança negra brinca com a boneca branca enquanto a criança brancabrinca com boneco africano. Desde jovens as crianças devem ser

orientadas a não ter atitudes racistas

Fabiano Accorsi/Folha Imagem

O drama do racismo entre as crianças

20 Zumbi 300 anos + 10 2005

na potencialidade do discursorelativizador, encontrado entre ascrianças, como “todo mundo éfilho de Deus”, “somos todos hu-manos”, que, para ela, é uma for-ma de destacar a formação dosenso crítico, que transforma opreconceito racial em prática con-denável. Ela, entretanto, ressal-ta que o “desafio é construir umasociedade igualitária em termosraciais em que o preconceito nãoopere em nenhum nível”.

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O antropólogo eprofessor da USP, Ka-bengele Munanga, ex-plica que o debate so-bre as cotas acontecenum momento em queos movimentos sociaisnegros perceberam queo único meio para ga-rantir o acesso do ne-gro à educação supe-rior de boa qualidadeera através de uma po-lítica pública. Isso jáexiste em outros países,como os Estados Uni-dos, onde os negros re-presentam 12% da po-pulação. Naquele paísas cotas surgiram degrandes lutas pelos direitos ci-vis, na década de 60.

O professor ressalta queo Brasil gosta de copiar muitascoisas dos EUA, como o mo-delo econômico, a ciência, atecnologia e indaga: “Por qualrazão justamente as cotas nãosão copiadas?”. Segundo ele,muitos brasileiros ainda achamque não há racismo no Brasil eque o problema resume-se àquestão econômica, de classesou uma questão social e quepara corrigir as desigualdades

o caminho seria uma soluçãouniversalista.

Kabengele Munanga lem-bra que “quando as escolas pú-blicas no Brasil eram boas, osnegros e pobres não tiveramacesso a elas”.

Ele adverte que o alunoque entra pelo sistema de cotase se forma, irá encontrar as mes-mas barreiras do preconceito nomercado de trabalho, mas teráuma formação sólida, que po-derá abrir-lhe muitas portas,passar em concursos públicos,

O jornalista e professor Juarez Tadeu de Paula Xavier afirma que as cotas não são umproblema final. Para ele a questão central é a eliminação do racismo, por isso, as diversas açõesque vão contra o racismo são importantes, desde que situadas num contexto mais amplo. Juarezdestaca ainda que as cotas não são uma novidade no Brasil, pois de 1870 a 1930, houve no paísuma política de cotas para os imigrantes e que, portanto, “esse não é um assunto estranho àsnossas instituições jurídicas”. Entretanto, ele ressalta que as cotas devem ser adotadas em conjun-to com políticas tanto pontuais quanto universais, mas que “as políticas universais só se darãoplenamente com a mudança da estrutura política, econômica e social do país”

As cotas e o direito à educação

Manifestantes, no Vale do Anhangabaú (SP) reivindicam “Universidade Para Todos” e a criação de cotas

etc. e saberá lutar por seus di-reitos.

Para o professor Kaben-gele Munanga as cotas são umamedida transitória, destinada aaumentar o contingente negrono ensino superior de boa qua-lidade.

“No entanto, julgo quenão somente os negros, mastambém os brancos pobres têmo direito às cotas. Se elas foremadotadas, deverão ser cruzadoscritérios econômicos com cri-térios étnicos.”

Marlene Bergamo/Folha Imagem

Brasil já teve cotas

Zumbi 300 anos + 10 2005 21

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Num prédio, situado na re-gião do centro velho de São Pau-lo, perto da Estação da Luz, fun-ciona a Faculdade de Adminis-tração Zumbi dos Palmares queconta com 650 alunos. Desse to-tal, 87% são negros.

O reitor, José Vicente, ex-plica que a “idéia de se criar umauniversidade, que é o objetivofinal, surgiu da falta de acessodos alunos negros ao ensino su-perior”. Segundo ele, mais de25% da população negra de SãoPaulo não está nem na USP, nemnas demais instituições de ensi-no privadas.

“Hoje, temos aqui a maiorproporção de alunos negros detoda a América Latina.” Atual-mente funciona apenas o cursode administração que, de acordocom José Vicente, “dá aos alu-nos uma maior chance de acessoao mercado de trabalho e ao mer-cado empresarial, para que, emcurto período, tenhamos umaclasse empresarial e média denegros mais consistente, com

O professor de Antropolo-gia da Universidade Federal doRio de Janeiro, Peter Fry, cami-nha um pouco na contramão dodebate. Ele critica o fato de que aose institucionalizar a questão dascotas no Brasil, está se reprodu-zindo, sem qualquer adaptação ànossa realidade, mas por mera có-pia, a situação dos Estados Uni-dos, onde quem tem “uma gota desangue negro, é considerado ne-gro”. Fry entende que as ações afir-mativas realmente permitem amobilidade educacional, mas res-salta “para os poucos negros quetêm condições de concluir o ensi-no médio”. Segundo ele, “para ge-rir a mobilidade social sem

maior capacidade de pressãopolítica e que possa também es-tar inserida no mercado comoconsumidores e produtores”.

A Zumbi dos Palmaresprocura transmitir ao jovem ne-gro o conhecimento de quais sãoas barreiras que ele terá de en-frentar e as formas de superá-las,através de um trabalho contínuode preparação e acompanha-mento. Os cursos não fogem daslimitações legais do Ministérioda Educação, mas são realizadaspalestras, debates e eventos pa-ralelos sobre a cultura e a reali-dade dos negros no Brasil.

Metade dos professoressão negros, assim como a maio-ria dos funcionários. A média deidade dos alunos está na faixaentre 18 e 26 anos. Eles pos-suem, em média, uma renda fa-miliar de até cinco salários míni-mos e os pais normalmente têmpouca instrução. “Dos nossos alu-nos, 85% são oriundos das esco-las públicas”, diz José Vicente.“O aluno é encarado como um

parceiro do projeto”, e paga umamensalidade de R$ 260,00, valorinferior ao cobrado pelas facul-dades privadas.

A Zumbi dos Palmares temparceria com várias empresas einstituições bancárias, “que ga-rantem estágios qualificados parauma parte dos alunos”. A entida-de mantenedora é a OrganizaçãoNão Governamental Afrobrás.

racializar, seria necessário um inves-timento maciço em educação naque-las regiões mais pobres do Brasil,onde moram na maioria a popula-ção negra, e eliminar os preconcei-tos existentes no mercado de traba-lho”.

A discriminação racial emtodas as suas formas, mais ou menossutis, é a responsável pela reprodu-ção das desigualdades raciais e a úni-ca forma eficaz de atacar a raiz dasdesigualdades raciais é “erradicar acrença em raças”, destaca Peter Fry.Para isso, uma das formas que elepropõe é de aumentar a presença denegros e mestiços na mídia, fora doslugares que reforçam os estereótipos,como no esporte e nas áreas de po-

breza.Fry reconhece que as estra-

tégias que apontam para reduzir opreconceito e a discriminação ra-ciais não terão “efeitos palpáveisa curtíssimo prazo”, mas que semessas medidas, não vê solução parao problema a longo prazo.

O antropólogo alerta parao fato de que “a utopia de uma so-ciedade em que as aparências doscidadãos nada significariam noprocesso de distribuição de justi-ça, de educação, de saúde e habi-tação e de afetos estaria sendosacrificada em nome de políticasimediatas e que resultariam napermanência e fortalecimento dacrença em raças”.

Douglas Mansur

José Vicente comanda a Universidadede Cidadania Zumbi dos Palmares

Uma posição diferente sobre cotas

CurCurCurCurCurso superior cso superior cso superior cso superior cso superior com opção prom opção prom opção prom opção prom opção preferefereferefereferencencencencenciiiiial por negral por negral por negral por negral por negrososososos

22 Zumbi 300 anos + 10 2005

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A Pastoral Afro-brasileirafoi criada em 1983 por um gru-po que atuava dentro da igreja,através dos “Agentes de PastoralNegros”. A partir de 1995, elapassou a ter âmbito nacional esurge o seu primeiro Secretari-ado, localizado na sede da Con-federação Nacional dos Bisposdo Brasil (CNBB), em Brasília.

De acordo com o padreJosé Enis, assessor da Pasto-ral, ela promove atividadescom crianças, jovens, famíliae a terceira idade, além de in-corporar na liturgia elementosafro-brasileiros, seja nas ceri-mônias de eucaristia, casa-mento, batizados, etc.

A Pastoral Afro-brasileira pro-moveu no dia 25 de setembro último,o “1º Encontro de Crianças Negrasde São Paulo e Belo Horizonte”, nacasa de Encontros da Sagrada Famí-lia, no bairro do Ipiranga (SP). Parti-ciparam 80 crianças e a iniciativa deuprosseguimento ao trabalho iniciadopelo padre Batista, que foi um dos fun-dadores do Movimento Negro da Igre-ja Católica.

O padre Batista fazia anualmenteum encontro, onde reunia crianças detodo o Brasil, num movimento chama-do: “Jornada do Menor e da Crian-ça”. A atividade foi interrompida apósa morte do padre, em 1991, sendo re-tomada agora, 14 anos depois. A in-tenção, segundo o padre José Enis, éde realizá-la anualmente.

O Encontro de Crianças Negras da Pastoral Afrovolta a se realizar, depois de 14 anos

As ações da Pastoral Afro-brasileiraA Pastoral realiza ações

de combate à discriminação, dediscussão e ori-entação sobre osdireitos da co-munidade negrae incentiva a or-ganização autô-noma dos movi-mentos.

O padreEnis informaainda que a Pas-toral mantémum atendimentono Instituto doNegro Padre Ba-tista, que foi criado em 20 denovembro de 1987 pelo padre

Pastoral Afro-brasileira realiza1º Encontro de Crianças Negras

Zumbi 300 anos + 10 2005 23

Batista de Jesus Laurino. O Ins-tituto fica na rua Venceslau Brás,

78, salas 101/104, naPraça da Sé (SP).Ele presta atendi-mentos à comuni-dades negras, princi-palmente na área ju-rídica, com váriasações perpetradascontra atos de racis-mo “e muitas delasganhas”.

O padre JoséEnis, além de atuarna Pastoral Afro-brasileira, é também

membro da diretoria dos Padrese Bispos Negros do Brasil.

Eisner Soares

Pe. José Enis, secretárioda Pastoral Afro

Eisner Soares

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24 Zumbi 300 anos + 10 2005

Vovó Nair e sua casa de bênção e de luta!

Casa de CandombléEm São Paulo, ela morou

primeiro em Cubatão, depois mu-dou-se para Santo André. “Euqueria um local para plantar eaqui encontrei o lugar.” Ela dei-xou a casa, quando teve umaneurisma cerebral e perdeu afala e os movimentos. Doente,sem esperanças dos médicos, foilevada para Vitória da Conquis-ta, na Bahia, onde permaneceupor dois anos, numa pequenaCasa de Candomblé. Ali, recupe-rou os movimentos e a fala. Ani-mada com a cura, percorreu osvários terreiros do Nordeste, des-de os mais simples aos mais fa-mosos e estudou seus ritos. “Ti-nha que me agarrar a alguma coi-sa e me agarrei a algo que deucerto para mim mais do que a me-

dicina!”Convertida, ela pro-

curou Luiz Carlos Prestes,o lendário secretário Ge-ral do PCB, e firmou comele um pacto: o partidosempre respeitaria a suaconvicção religiosa. E as-sim foi.

Ao retornar a San-to André, abriu uma Casade Umbanda, ajudando aladrões, prostitutas, doen-tes, viciados, gente desgar-rada da vida. Nair benzia,dava uma palavra amiga eprocurava reintegrar aspessoas. “Houve época emque eu cheguei a fazermais de cem atendimentospor mês, mas nunca cobreinada de ninguém.” A casapassou também a ser fre-qüentada por gente famo-sa, como JuscelinoKubitschek, Jânio Qua-dros, Mário Covas, Ores-tes Quércia, empresários,artistas, entre outros. VovóNair atendeu por quasetrinta anos. Porém, sem-pre questionou a falta de

uma ação comunitária mais in-tegrada das Casas de Candom-blé e Umbanda, cuja preocupa-ção nem sempre é a de ajudar,mas “catar dinheiro”.

Essa senhora viu nascer oPT, esteve nas delegacias e pri-sões, quando Lula e outros sin-dicalistas foram detidos pela di-tadura militar, e, ainda hoje,acompanha a política nacional einternacional.

Agora, luta pelo direito àassistência médica decente. Con-seguiu na Justiça uma liminarque obriga o município de San-to André a atendê-la e garantiro seu transporte para consultas,exames, etc.

Vovó Nair é, antes detudo, um exemplo de coragem,de fé e de integridade moral.

Douglas Mansur

Entre plantas brasileiras e africanas, Vovó Nair, vive há 53anos em sua casa em Santo André, onde é uma referência de

religiosidade, fé e de muita luta

Nair de Vasconce-los, a Vovó Nair, é umasenhora de 83 anos, comgestos decididos e portealtivo, apesar de conviverhá muitos anos com a di-abetes, pouco enxergarpor causa de uma cata-rata e ter sérios proble-mas de circulação quepraticamente paralisa-ram sua mão direita edificultam sua movimen-tação.

Apoiada numabengala, ela percorre acasa em que mora há 53anos, em Santo André,na Grande São Paulo.Vovó Nair vive entre flo-res, muitas plantas (dasvárias regiões do Brasil eda África), duas galinhase um galo, cercada pelaslembranças do passado eos desafios do presente.

A Casa de Um-banda de Vovó Nair dei-xou de funcionar há trêsanos. Aos poucos, ela foise desfazendo dos adere-ços, das fotografias que cobriamas paredes e das imagens dos deu-ses afro-brasileiros e de santos ca-tólicos. Hoje, mora sozinha, am-parada por alguns amigos, e so-nha em transformar a casa, como vasto quintal, num local de as-sistência para crianças.

A trajetória dessa senho-ra, com o inseparável turbantebranco na cabeça, é pouco co-mum. Nasceu no bairro doBotafogo, no Rio de Janeiro,entrou muito jovem para o Par-tido Comunista Brasileiro. “Co-nheço vários bolsões de misériado Brasil. Subi todos os morrosdo Rio, como militante do PCB,numa época em que era difícilencontrar uma mulher negra, jo-vem e militante como eu era.”

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Aluízio Ferreira Gomesfoi o primeiro negro a aparecerna televisão brasileira, mas pelonome, ninguém o conhece, poisficou consagrado pelo apelido:“Canarinho”. Canarinho es-treou na TV Paulista em 1956,no elenco de inauguração doprograma “Praça da Alegria”, deautoria de Manoel da Nóbrega.Hoje, quase cinqüenta anos de-pois, ele continua a mostrar seutalento na TV, caso raro numaprofissão marcada por sucessosrápidos e passageiros.

Ainda garoto, em Salvador(BA), falou para um colega quesonhava ser cantor. O amigo dis-se que isso era coisa para loiro,de olhos verdes. Canarinho res-pondeu: “Olha eu vou cantar e,quando eu cantar, quem gostarde loiro vai me ver loiro, quemgostar de negro vai me ver negroe quem gostar de moreno vai mever moreno, porque eu vou can-tar para ganhar quem está meouvindo”.

E ele começou a carreiracomo cantor. Em 1947, apresen-tava-se em clubes e nas rádios,quando, com menos de vinteanos, veio para o Rio de Janei-ro. No Rio, cantou na BoateBolero, a mais elegante da cida-de, naquele começo dos anos 50.Em pouco tempo já atuava commúsicos e maestros renomados,como Cipó, Francelino Araújoe as grandes orquestras. Foiquando passou a ser chamado de“El Canaro”, que logo virou“Canarinho”.

Famoso, convivendo comPixinguinha, Ari Barroso, Césarde Alencar entre outros, Cana-rinho sempre aconselhou aos ga-rotos negros: “Estuda meu filho,se você quiser ser alguém navida”. Até hoje, Canarinho acre-dita que os jovens precisam deapoio e condições para estudar.

“Os governos, ao invés de cons-truir cadeias, deveriam construirmuito mais escolas”.

Não temNão temNão temNão temNão tempapel parpapel parpapel parpapel parpapel para pra pra pra pra pretoetoetoetoeto

Viajando, fazendo showsnos mais diferentes locais, perce-beu também que o Brasil é umpaís racista. Uma vez estava sen-do escolhido o elenco de umanova novela e Canarinho procu-rou o diretor para saber se tinhaalgum papel para trabalhar. O di-retor foi direto: “Não tenho pa-pel para preto!”, afinal papel denegro tinha de ser ou de empre-gado ou escravo. Hoje as coisasmudaram um pouco. As portasestão se abrindo para os negrosna televisão, já se vê negrosfazendo papel de doutor,de advogado, de comerci-ante. “Demorou, mas estáacontecendo.”

Se o negro vem ga-nhando espaço na televi-são, na política, as coisassão diferentes. “Hoje,olhamos o plenário da Câ-mara Federal, do Senado,ou qualquer outra esferada administração pública equase não vemos negros.”No mercado de trabalho, asituação também é compli-cada. “Se você é negro e vaiconcorrer a um empregocontra cinco brancos, você

está perdendo, o negro tem quesaber mais do que vinte brancosjuntos para poder ganhar aque-la vaga, mesmo assim ele dificil-mente vai ganhar.”

Nesses anos de carreira,Canarinho teve muitos sucessos,contracenando na “A Praça éNossa”, na novela “JerônimoHerói do Sertão” e no “Sítio doPica-Pau Amarelo”, que perma-neceu por quatorze anos na te-levisão e rendeu-lhe o Prêmioda Unicef, além de várias ho-menagens.

Outro sucesso foi a nove-la “Meu Pedacinho de Chão”,de Benedito Rui Barbosa, exibi-da na década de 70 pela TV Cul-tura e Globo, na qual recebeu oprêmio de melhor ator por una-nimidade, com o personagem“Rodapé”.

Ao todo, foram 52 prêmi-os em toda a carreira.

Canarinho tem mais de 80anos de idade, mora na ChácaraSão Judas, em Mogi das Cruzes(SP), um local cercado de muitaárea verde. É casado há 21 anoscom Rosa Maria de Mello e temseis filhos.

Eisner Soares

Canarinho aproveita os momentos delazer, ao lado da família, em sua

chácara em Mogi das Cruzes

O primeiro negro a aparecer na TVEisner Soares

São 52 prêmios em maisde 60 anos de carreira

Zumbi 300 anos + 10 2005 25

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Hip Hop literalmente quer dizer pular, mexer ascadeiras. A expressão surgiu no final dos anos 60, du-rante as festas de rua, realizadas no bairro do Bronx,em Nova Iorque, que é predominantemente freqüenta-do por negros. Chegou ao Brasil em 1984, primeira-mente na região central de São Paulo, próxima ao Me-trô São Bento, e logo se adaptou à cultura nacional eganhou novos seguidores, que normalmente são jovensnegros, boa parte moradores da periferia que encontra-ram na música a melhor forma de protestar.

No geral, é um movimento com várias tendênciasinternas, mas marcado pela denúncia da exclusão sociale discussão de questões relativas à história e à identida-de dos negros.

No Hip Hop, tudo se manifesta através de trêselementos: a música, a dança e o desenho, conseqüen-temente o “rap”, “o break” e o “grafite”. Ele começou aser propagado na mídia, com o nome de “Break Dan-ce”, poucos conheciam o movimento com nome de HipHop. Break era a dança do momento naquela época ejamais deixou de ser um elemento importantíssimo parao crescimento do movimento rapper no Brasil.

O jornalista Bruno Zeniescreveu em 2004 um interes-sante estudo sobre o rap: “Onegro drama do rap: entre a leido cão e a lei da selva”, em quemostra como muitas letras des-sas composições fazem uma re-lação entre o universo da po-breza e da prisão. Bruno dizque o disco “Sobrevivendo noInferno”, do grupo RacionaisMC’s chamou sua atenção,como ouvinte. Depois, ele co-nheceu o André do Rap, queficou dez anos preso e estavano Carandiru, quando ocorreuo massacre em 1992. Ele escre-veu com André um livro, con-tando um pouco desses fatos e,a partir daí, passou a acompa-nhar mais o movimento.

“Como estudo literatu-ra, me intrigava como a galera,nos shows, conhecia as letras

longuíssimas dos Racionais MC’se comecei a perceber que, ape-sar do discurso violento, eles nãofaziam apologia ao crime, mas aencenação de um discurso quedá lugar a uma espécie de cho-que social”.

Para o jornalista, eles nãofalam apenas para os seus iguais,mas para uma população maisampla. “O negro drama do rap étambém o drama de saber que osbrancos construíram uma socie-dade tentadora, porém injusta,e há uma recusa de se amoldar aela. “Essa é uma atitude deenfrentamento, de dizer que agente é preto, pobre, da perife-ria, a gente é diferente e não par-ticipa desse esquemão.” Brunoressalta que há outros como oRappin Hood, ou o Sabotagem(que foi assassinado) que reafir-mam a identidade negra, mas

mantêm um diálogo com a so-ciedade e com outros cantores.“Os Racionais MC´s têm maisuma postura de confronto.

Mano Brown, dos Racionais MC’s dá autógrafoa um fã, durante “show”. O grupo é uma

referência aos jovens da periferia

Eisner Soares

Mulher e criança no colo no “show” dosRacionais. Um sucesso intrigante!

Eisner Soares

É hora de pular e demexer os quadris

Lei do cão e a lei da selva

26 Zumbi 300 anos + 10 2005

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Alberto de SouzAlberto de SouzAlberto de SouzAlberto de SouzAlberto de Souza Oliva Oliva Oliva Oliva Oliveireireireireiraaaaa Na periferia eu vou falar

o seguinte: o barato tá cruel, obagulho não tem ajuda nenhu-ma, o bagulho só tá na pior, sótá os coxim no sistema para en-quadrar nóis, os cara vê a gentevestido assim, os cara vai que-rer dar enquadro...

Tiago - Produtor de showsTiago - Produtor de showsTiago - Produtor de showsTiago - Produtor de showsTiago - Produtor de showsEntão a verdade é que o

rap, todo o conteúdo dele é po-lítico, porque o rap é a maiorianesse país. Na verdade o queacontece é que existem dois ca-minhos um caminho do pessoalque vai para a mídia e do pesso-al que não vai pra mídia. A mai-oria do pessoal que vai paramídia fica com uma imagem deque eles estão se vendendo, ago-ra um Racionais ele não apare-ce na mídia, o único programade televisão que ele vai é o daTV Cultura.

Franjinha, 19 anosFranjinha, 19 anosFranjinha, 19 anosFranjinha, 19 anosFranjinha, 19 anos “Os gambés pensam que

todo mundo que curte rap é la-drão é traficante, mas é o con-trário. O que tá rolando é que apolícia pensa que nós somosbandidos, o rap usa roupa de

Samba,voz negra do Brasil

A pesquisadora SílviaCristina Oliveira realizou umestudo na Faculdade de Filoso-fia e Ciências Humanas(FFLCH) da USP, que mostra,sobretudo, que o rap expressa ossentimentos dos jovens negrosda periferia. que usam a arte ea música “como forma de rei-vindicar cidadania”. Para Sílvia,os negros sofrem da sociedadebrasileira um racismo velado erespondem a essa situação de vá-rias maneiras. “Uns partem paraa violência concreta, outros ex-travasam a revolta no discursoviolento proposto pelo rap.”

Ela analisou na pesquisaas letras de dez músicas dos Ra-cionais MC´s que traduzem adura realidade desses jovens que,segundo a pesquisadora, encon-tram através da violência verbale simbólica uma maneira de de-sabafar e registrar as agressõesraciais.

Sílvia ressalta ainda que orap vai além da denúncia purae simples, pois serve como veí-culo de politização dos jovens,que, através da linguagemagressiva, são instigados a sairda passividade e agir para mu-dar a realidade.

bandido, mas é que pra curtirum show, curtir um rap, cada umtem o seu estilo.

CDHU 18 anosCDHU 18 anosCDHU 18 anosCDHU 18 anosCDHU 18 anosNóis mora no CDHU,

nóis gosta do Racionais porqueos cara fala a realidade da peri-feria. Hoje nóis tá curtindo umshow, mas amanhã, seis horas,nóis tá acordando pra trabalhar.A polícia tem preconceito sóporque os caras têm calça lar-ga, os caras cresce o olho e jáchega batendo.

Jefferson Coppola/Folha Imagem

Depoimentos sobre o movimento Hip Hop

Jovens encontram nas letrasviolentas e de contestação, umveículo que os instiga a sair da

passividade e mudar a realidade

Eisner Soares

LinguLinguLinguLinguLinguagagagagagem agrem agrem agrem agrem agressivessivessivessivessivaaaaa

O samba, como canção popular, surge no começo do século 20, mas suaorigem é bem mais antiga. Veio da África, trazido pelos escravos que iam traba-lhar nas plantações de açúcar. Ele tinha inicialmente natureza ritualística, emforma de canto religioso que era acompanhado por instrumentos de percussãodo candomblé. Da Bahia, foi levado ao Rio de Janeiro. De acordo com pesquisa-dores, a palavra samba vem de semba (umbigada). Os primeiros registros dessapalavra aparecem num texto escrito no século 19 por um padre chamado LopesGama.

No Rio de Janeiro, as casas das “tias” baianas (senhoras negras ligadas aocandomblé) faziam encontros religiosos no quintal, que eram verdadeiras festas,com comida, batucada e cachaça. A mais conhecida era a Tia Ciata, cuja casa erafreqüentada por músicos como Pixinguinha, Donga e Sinhô. A partir desse en-contro, o samba vai ganhando forma. O primeiro samba conhecido é “Pelo Tele-fone”, de 1917, composto por Donga e Mauro Almeida.

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Até o final de 2004 forammapeados em todo o Brasil1.800 comunidades quilombo-las. Esse levantamento foi rea-lizado pela Fundação CulturalPalmares, em conjunto com oMinistério da Cultura. Essascomunidades terão prioridadesna adoção de políticas públicasque permitam o desenvolvimen-

A ida dos negros para os“redutos fortificados” ocorreude várias formas: a mais conhe-cida é a da fuga e o estabeleci-mento em locais mais distantes,para escapar dos perseguidores,conforme foi o caso do Qui-lombo de Palmares.

Há também casos de escra-vos que ganharam ou compra-ram a alforria; que compraramou ganharam terra (às vezes porserviços prestados, como a par-ticipação na guerra do Pa-

to sustentável, que respeitem asparticularidades culturais e as-segurem a titulação e perma-nência nas terras.

Há comunidades quilom-bolas em pelo menos dezoitoEstados: Amapá, Bahia, Ceará,Espírito Santo, Goiás, Ma-ranhão, Minas Gerais, Pará,Paraíba, Pernambuco, Paraná,

raguai), etc. Assim acabou se originan-

do o que se chama de terra depretos, comunidades negras,mocambos ou remanescentes dequilombos ou comunidadesquilombolas.

A Constituição Republica-na de 1891 ignorou os quilom-bos, afinal com o recente fimda escravidão, os legisladoresda época não viam mais senti-do em pensar comunidades ne-gras isoladas.

Essa ausência das comuni-dades quilombolas das leis ofi-ciais do Brasil durou quase cemanos. Só com a promulgação daConstituição de 1988, no seuartigo 68, do Ato das Disposi-ções Transitórias, o tema voltaa ser objeto de lei: “Aos rema-nescentes das comunidades dequilombos que estejam ocupan-do suas áreas é reconhecida apropriedade definitiva, deven-do o Estado emitir-lhes os títu-los respectivos”.

Reunião da comunidade quilombola para fundar a Associação Comunitária de S.Pedro. Vale do Ribeira - São Paulo - 1985

Quilombos nos dias de hojeRio de Janeiro, Rio Grande doNorte, Rio Grande do Sul, San-ta Catarina, São Paulo, Sergipee Tocantins. Dados mais recen-tes já apontam a presença dequilombos em todos os estadosbrasileiros. São normalmentecomunidades muito pobres. Amaioria delas tem na agricultu-ra a atividade principal.

A fA fA fA fA formormormormormação dação dação dação dação das cas cas cas cas comunidomunidomunidomunidomunidades quilombolades quilombolades quilombolades quilombolades quilombolasasasasas

Vera Jursys

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O femininocoraçãoquilombola

Dona Cacilda trabalhou na cidadede São Paulo e agora luta por

melhores condições de vida parapreservar a propriedade

quilombola para sua família.Foto de 2003. Em Pedro Cubas/

Vale do Ribeira/SP

Vera Jursys

A casa de pau-a-pique é uma tradição dacomunidade que atualmente quase não sevê mais. Essa foto é de 1985. Umamoradora da comunidade de São Pedro.A comunidade foi visitada com a ajuda daFrente Nacional do Trabalho para apoiarjuridicamente a fundação de umaAssociação, pois estava sendo ameaçadade perder as terras por ação de grileiros, amando de fazendeiros da região.

Vera Jursys

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A poucos minutosdo centro de Itatiba,interior de São Paulo,entre grandes constru-ções e novíssimos con-domínios fechados, umportão de madeira azulanuncia a entrada emuma outra realidade.Ali, o asfalto e as resi-dências cercadas poraltas grades dão lugar aruas de terra e casassimples, onde criançasbrincam entre árvorese sagüis.

Em três hectares de terra,38 famílias constituem a pri-meira comunidade quilombolaem perímetro urbano a ser re-conhecida oficialmente no Es-tado de São Paulo.

“Foi a cidade que se apro-ximou do quilombo”, explica a

antropóloga Patrícia Scalli dosSantos, do Itesp (Instituto deTerras do Estado de São Pau-lo). O convívio com o ambien-te urbano trouxe mudanças –água, luz elétrica e diferentesformas de trabalho e de expres-são cultural.

Incentivados peloreconhecimento ofi-cial do quilombo, quegarante o direito con-junto à terra, os mo-radores querem tam-bém retomar as músi-cas e as comemora-ções tradicionais, quepermanecem vivas nalembrança dos maisvelhos, sempre dis-postos a rememorar opassado.

As festasAs festasAs festasAs festasAs festasA música afro-brasileira

ainda ecoa nesse pedaço de chãoem que os antepassados toca-vam sambas de roda. Mas não éa música tradicional a ouvidapelos jovens de Brotas. “Eu gos-to das músicas que tocam norádio: samba, pagode, axé”, afir-

Flávia SouzaMarina Almeida Nascimento

Flávia Souza

Na entrada está escrito “Sítio de Brotas”. As residências deluxo e o asfalto cedem lugar a ruas de terras e casas

simples: estamos numa comunidade quilombola

Ao varrer o quintal de sua casa em Itatiba (SP), Rosemeire Barbosa encontrou um objetometálico que não pertencia a ela, nem a qualquer uma das famílias do sítio em que vive. Opequeno rosto de uma mulher com delicados traços africanos e várias argolas no pescoço perten-ceu, provavelmente, aos primeiros habitantes daquele lugar: ex-escravos das redondezas. Atéhoje, as famílias que vivem nesse sítio são descendentes daqueles que formaram o Quilombo dasBrotas. A cultura desses antepassados africanos mostra-se assim, sutilmente. Sua presença éconstante, mas pode passar despercebida a olhos mais desatentos.

“Íamos par“Íamos par“Íamos par“Íamos par“Íamos para a rua a rua a rua a rua a rua pora pora pora pora porque gque gque gque gque gostávostávostávostávostávamos de samos de samos de samos de samos de sambambambambamba”a”a”a”a”.....É assim que dona Ana explica como surgiu a primeira escola de samba de Itatiba, a Unidos

de Campos Salles.

A moradora relembra o primeiro desfile: “Simplesmente saímos para a rua, e o povo sejuntou e veio atrás”.

A Unidos de Campos Salles incentivou o surgimento de outras escolas de samba na cidade e,com elas, o espírito de competição. “Mas não queríamos competir”, relata dona Ana.

Alguns anos após sua estréia, a Unidos deixou as ruas de Itatiba por falta de dinheiro, e oCarnaval foi tomado por escolas para as quais o limite de verbas não era um problema – as“escolas de branco”.

Brotas: Um quilombo se reinventa

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ma Daniela Cristina Marcelinode Lima, de 19 anos.

A última roda de samba dosítio ainda é lembrada por Ma-ria Barbosa como a que levou“tio Pedro” às lágrimas. “TioPedro já estava velhinho, masveio para a festa de São João.Quando viu aquela roda desamba... Coitado do tio Pedro,ele chorava. Tocava o bumbo echorava de emoção, de lem-brar”. Dona Ana Lima contasobre uma outradança tradicionalque também foiesquecida: “Eraparecida com aumbigada, e asmulheres tinhamque segurar aque-le saião para po-der dançar”. Es-sas festas, quechegavam a duraruma semana, de-sapareceram, se-gundo a morado-ra, “porque hojeem dia não hámais recursospara isso”. A festa de São João,por exemplo, deixou de ser re-alizada por falta dos tradicio-nais rezadores, que não existemmais.

DivDivDivDivDivererererersidsidsidsidsidade e rade e rade e rade e rade e recececececriririririaçãoaçãoaçãoaçãoaçãoAs comunidades quilom-

bolas não são redutos da Áfri-ca no Brasil, como muitos acre-ditam. Os escravos e ex-escra-vos que formaram esses agru-pamentos tinham assimiladoelementos católicos e portugue-ses às suas tradições originais.A Umbanda, por exemplo, nas-ceu da mistura entre elementosafricanos, espíritas e católicos.“É um ambiente de grande di-versidade, ao contrário do quecomumente se pensa”, explica

a antropóloga Patrícia.O considerável número de

moradores brancos, que chega-ram à comunidade por meio decasamentos e parentescos dis-tantes, demonstra essa diversi-dade. A moradora Maria Bar-bosa destaca, com orgulho, que“no quilombo há espaço paratodos”. Segundo ela, a conver-são de muitos dos habitantes àIgreja Evangélica, por exemplo,não foi prejudicial às tradições

da Umbanda.No entanto, dos altares que

antes formavam o “caminho daUmbanda”, espalhados pelo sí-tio, restam apenas marcas nosolo e lembranças. E dona Lula,uma das mães-de-santo maisconhecidas da região, não man-tém suas atividades devido auma doença.

AAAAAuto-ruto-ruto-ruto-ruto-recececececonheconheconheconheconhecimentoimentoimentoimentoimentoA Associação Cultural

Quilombo das Brotas, criadapelos moradores do sítio emmarço de 2003, tem como ob-jetivo valorizar sua identidadehistórica. “Estamos numa fasede conscientização, de valoriza-ção das nossas raízes”, afirmaCristiane Barbosa, diretora decultura da Associação. “Com o

O rosto da negra insiste em aparecer do pó da terra. Mas é umrosto diferente, reinventado. Antes de tudo, um rosto brasileiro.

Marina Almeida

reconhecimento e a regulamen-tação do quilombo passaremosa um segundo estágio, de resga-te das tradições festivas, do ar-tesanato”. Entre os planos daAssociação está a construção deum museu no local, com móveisantigos e uma réplica da casa depau-a-pique da Vó Amélia, umadas matriarcas do quilombo,nascida sob a lei do Ventre Li-vre.

É essa capacidade de recri-ar práticas cultu-rais afro-brasilei-ras, além do usocoletivo da terra,que distingue aexistência de umquilombo. Os mo-radores de Brotas,por exemplo, nãosão descendentesde escravos fugi-dos, mas de al-forriados que com-praram sua liber-dade.

A ineficiênciadas políticas públi-cas de incentivo à

cultura quilombola dificulta essavalorização, que precisa, antesde tudo, da aceitação do negropor ele próprio. E para isso énecessário superar o preconcei-to de grande parte da socieda-de. Andréia Luiza de Lima, 22anos, conta que era discrimina-da na escola. “Minha mãe bri-gava muito por causa disso. Mashoje está melhor”, acredita. “So-cialmente, trata-se não apenasde um preconceito em relaçãoà cor, mas também em relaçãoà organização social, ao uso co-letivo do espaço e à novidade dareivindicação étnica por parte deum grupo estigmatizado”, afir-ma a professora Maria HelenaMachado, do Departamento deHistória da Universidade deSão Paulo.

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QuilombolQuilombolQuilombolQuilombolQuilombolas se oras se oras se oras se oras se organizganizganizganizganizam e ram e ram e ram e ram e resistemesistemesistemesistemesistem

Vera Jursys

Comunidade Quilombola de São Pedro (1985) - A Frente Nacional do Trabalho (FNT) enviou advogadopara defender a comunidade dos ataques de grileiros que já haviam assassinado uma liderança da comunidade.

A reunião tinha por objetivo encaminhar o estatuto de fundação da Associação Comunitária deSão Pedro - Vale do Ribeira - São Paulo.

Trata-se de uma reunião na Comunidade São Pedro em 1985.A lei que garante as terras para a comunidade é recente, mas eles já são reconhecidos e titulados.

Vera Jursys

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Jurandir Silva Patrocínio vemde uma família pobre. O pai erapintor de casas e a mãe, tecelã.Ele é o terceiro filho do casal.Desde cedo, trabalhou e estudou.O primeiro emprego foi comoentregador de jornais. Como ti-nha a tarde livre, logo passou atrabalhar também numa vidraça-ria. À noite fazia o curso técni-co. “Eu sempre priorizei os estu-dos, assim tudo que ganhava, aca-bava investindo em boas escolas,bons cursos.”

Com 18 anos, Jurandir foitrabalhar numa metalúrgica cha-mada Ulliana, localizada na ci-dade de Suzano, como técnico deSegurança no Trabalho, passan-do depois para a supervisão daárea de treinamento. Ficou al-guns anos nessa empresa, quan-do saiu para ter o próprio negó-cio: montou uma cozinha indus-trial. Por falta de experiência epela conturbada situação econô-mica do Brasil (era época do Pla-no Collor), ele acumulou dívidase, em menos de um ano, fechoua empresa.

Voltou a trabalhar na indús-tria. Primeiro na ECC do Brasil(English Chaine Clayfe), umaempresa de extração de caulim,produto usado para o branquea-

mento do papel. Dali, foi traba-lhar com tratamento químico namultinacional Alcan do Brasil,no departamento conhecido pelasigla UHS, que fazia acompanha-mento da saúde dos funcionári-os. Ficou na Alcan por dez anos,mas nos últimos três anos, foitransferido para o setor que ana-lisava a compra e vendas de fá-bricas na América Latina, com afunção de promover auditoriaspara verificar as condições desaúde dos funcionários das uni-dades adquiridas pela Alcan.

Jurandir teve muitas opor-tunidades de viajar na novafunção.

NegrNegrNegrNegrNegro não temo não temo não temo não temo não temcccccrrrrredibilidedibilidedibilidedibilidedibilidadeadeadeadeade

Numa dessas ocasiões, em1992, Jurandir fazia parte de umaequipe de 16 engenheiros, con-vocados para ir à Argentina. AAlcan havia comprado 100% doalumínio que o país produzia,adquirindo a segunda maior ja-zida da América Latina. Quan-do estava prestes a embarcar,com o passaporte tirado, a suaviagem foi cancelada, porque adireção da empresa achou que aauditoria, feita por um negro,não teria credibilidade entre osargentinos.

Jurandir permaneceu noBrasil, amargando, segundo ele,uma das piores situação de racis-mo que enfrentou navida. “Nessas ocasiõestemos que ser maisprofissionais do que osnossos chefes e preci-samos entender atéonde podemos ir e,naquele momento, euachei que era melhorpermanecer na empre-sa e que a auditorianão iria me dar maisnem menos dinheiro,era somente uma ex-

periência profissional a mais. ”No mesmo ano, foi fechada

uma “joint-venture” entre aAlcan e a Siemens do Brasil, paraa extração de cobre. Ele acom-panhou de perto o processo eteve de se transferir para o Riode Janeiro, onde ficou por doisanos, até que a empresa resol-veu terceirizar o departamento.Foi quando ele saiu “e muitobem” e voltou para São Paulo.Aqui, abriu uma empresa em so-ciedade com a esposa, FrancesliAparecida Araújo. Em apenasseis meses já prestavam serviçopara dez empresas.

Hoje Jurandir dirige a pró-pria consultoria, a FAA, quepresta serviços para 19 centros denegócios no país, desde estabe-lecimentos comerciais até gran-des indústrias. Em setembro úl-timo, ele fechou uma nova con-ta com a Veracel, empresa de fa-bricação de celulose, sediada nosul da Bahia.

Pai de três filhos, um meni-no e duas meninas, Jurandirmora em Mogi das Cruzes. Fatu-ra, segundo diz, cerca de R$ 40mil por mês. Está com 42 anosde idade e quer parar com 55, emontar uma academia de tênis,esporte que é sua paixão.

Jurandir: negro e empresárioconta que já enfrentou situações

de racismo

Eisner Soares

É negrÉ negrÉ negrÉ negrÉ negro, é Silvo, é Silvo, é Silvo, é Silvo, é Silva, é empra, é empra, é empra, é empra, é empresárioesárioesárioesárioesário

Zumbi 300 anos + 10 2005 33

Jogar tênis é uma das paixões do empresário Jurandir

Eisner Soares

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O trabalho no mundo pas-sou nos últimos anos por mu-danças profundas. No Brasil,elas chegaram no final dos anos80 e início da década de 90, coma introdução de novas políticasde gestão, reestruturação pro-dutiva, busca maior de produti-vidade e de mais lucros. Essastransformações exigiram daclasse trabalhadora uma maiorqualificação profissional, umavisão geral do processo produ-tivo e a execução de dupla fun-ção. Isso veio ainda acompanha-do da precarização das condi-ções de trabalho, com retiradade direitos sociais históricos,aumento da jornada e do traba-lho, com redução do número defuncionários, desregulamen-tação social e elevação dos aci-dentes. O processo gerou tam-bém desemprego, avanço daterceirização, do trabalho infor-mal, do subemprego e do fecha-mento de oportunidades para aentrada de jovens no mercadode trabalho.

Portanto, num cenário co-mo o atual, a situação torna-seainda mais perversa para a po-pulação negra que, historica-mente, sempre foi discriminadano mercado de trabalho, desdea época da abolição.

VVVVVejejejejeja o que aa o que aa o que aa o que aa o que apesquispesquispesquispesquispesquisa ra ra ra ra reeeeevvvvvelelelelelaaaaa

Pesquisa realizada em 2003pela Fundação Perseu Abramo(FPA) em parceria com a fun-dação alemã Rosa LuxemburgStiftung revela dados importan-tes. Analisando a PopulaçãoEconomicamente Ativa (PEA)do Brasil nota-se que:

• 30% dos brancos ocupamo mercado formal. O índice en-

tre pretos e pardos cai para 27%e 23%.

• O mercado informal éocupado por 26% dos pretos,29% dos pardos e 24% dosbrancos.

• O desemprego entre ospretos está em 15%; pardos,12% e brancos, 10%. O PEAdos brancos e mulatos é de 64%e para os pretos 68%.

• A idade média de entra-da no mercado de trabalho é de15 anos e 7 meses, para os bran-cos; pardos, 15 anos e 6 mesese a população preta, 14 anos e10 meses.

A pesquisa da FPA revelaainda que a jornada dos pretosé, em média, de 44 horas e 49minutos; dos brancos, 44 horase 33 minutos; dos pardos, 41horas e 26 minutos e dos indí-genas, 40 horas e 22 minutos.

Os pretos, embora traba-lhem mais dos que os brancos,ganham menos. A média de sa-lário dos brancos é de R$ 644,46e a dos negros, R$ 506,48 (27%de diferença); dos pardos ,R$ 537,82 e na ponta os indí-genas, R$ 370,29.

Segundo a pesquisa, 43%dos pretos e 19% dos pardosdisseram ter sofrido alguma dis-

criminação institucional (seja notrabalho, na Justiça, na Saúde,no Lazer e Educação). No tra-balho, as chefias foram aponta-das como as principais respon-sáveis pela discriminação(36%), contra 32% dos colegase 12% de clientes ou fregueses.

Em relação às mulheres ne-gras, a pesquisa FPA revela quea mulher negra perde para os ho-mens negros no quesito renda,quando a faixa salarial ultrapas-sa o limite de seis salários míni-mos. Homens brancos, 35%;homens negros, 34%; mulheresbrancas, 36% e mulheres ne-gras, 30%. Acima de cinco sa-lários mínimos, o índice fica as-sim: homens brancos, 24%; ho-mens negros, 14%; mulheresbrancas, 18% e mulheres ne-gras, 9%. Um homem brancotem o rendimento, em média,igual ao de três mulheres negras.As mulheres brancas têm ren-dimentos que perfazem quase odobro das negras.

Esses dados comprovam oque a experiência de destacadoslíderes sindicais negros apontaem entrevistas nas páginas se-guintes, onde se relata, na prá-tica, a dura realidade do traba-lhador (a) negro no Brasil.

Hoje, a realidade do mercado de trabalho é dura pra todos: paraos negros e a mulher negra, em especial, é mais dificil ainda.

Os negros e o mercado de trabalhoJuca Varella/Folha Imagem

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Wilson Roberto Ribeiro é des-cendente de uma família imperialde Guiné-Bissau, trazida para oBrasil, na época da escravidão. Orei se suicida no navio. Os outrosdesembarcam no Maranhão e sãovendidos para fazendeiros de Mi-nas Gerais. Algumas ge-rações depois, o pai deWilson fica órfão e vaimorar com um tio emBebedouro (SP). Na-quela cidade, em 1950,nasce Wilson. Com 21anos, ele se muda paraJundiaí onde se casa eum ano depois, em 1973,vai para São Bernardodo Campo e começa atrabalhar na ForjariaSão Bernardo.

Ali, ele entra emcontato com o movi-mento sindical e conhe-ce Lula.“Acompanheitodos aqueles anos difí-ceis”, relata. Eram tem-pos de ditadura militar, aassociação sindical eraquase clandestina. “Se aempresa descobria queo trabalhador era sóciodo Sindicato, ele era de-mitido e não arrumavaemprego fácil.”

Wilson viveu osmomentos de retomadadas lutas dos trabalhado-res. Acompanhou a gre-ve localizada em algumas empre-sas de 1978 e a grande greve de16 dias em 1979, quando todos osmetalúrgicos pararam. Ele parti-cipou também da primeira comis-são de fábrica da Forjaria SãoBernardo, empresa em que traba-lhou até 1986.

No ano seguinte, ele entroupara a Mercedes Benz, de ondesó saiu em 1996, para se aposen-tar.

Pouco depois de se aposen-tar, acabou, instigado por colegas,participando da disputa pelo con-

trole da Associação dos Meta-lúrgicos Aposentados (AMA) doABC, assumindo a presidência daentidade. Acompanhou tambémtodo o processo de criação do Sin-dicato Nacional dos Aposenta-dos da CUT, em 2000, do qualé o presidente.

Um nobre na luta sindical

“O movimento sindical conta sua história, a partir de 1905, ese esquece da luta dos trabalhadores negros por trabalhodigno, direito à terra e reforma agrária”, diz Wilson Ribeiro

Douglas Mansur

DívidDívidDívidDívidDívida sindica sindica sindica sindica sindicalalalalalNesses longos anos de traba-

lho e de militância, Wilson Ribeiroé taxativo: “Há racismo no mer-cado de trabalho! Você não vê umnegro na diretoria da empresa, oucomo chefe, gerente ou super-

visor”. Os negros, se-gundo ele, ganham me-nos que os brancos,mas as empresas, paramascarar essa diferen-ciação, acabam fazen-do com que o brancofaça um cursinho qual-quer, para ter um moti-vo para justificar a di-ferenciação salarial eevitar que as empresassofram processo. “Osalário não é igual e amulher negra, destaca,ganha menos aindaque a mulher branca,que já ganha menosque os homens.”

Wilson tambémnão poupa o movimen-to sindical de uma crí-tica: “Para o movimen-to sindical, as lutas dostrabalhadores começa-ram em 1905, com osimigrantes italianos ese descarta a luta e aorganização dos ne-gros contra a escravi-dão e, logo após a es-cravidão, as lutas pelo

direito à terra, pela reforma agrá-ria, pela participação igualitária nomercado de trabalho”.

Essas e outras importanteslutas do movimento negro são ig-noradas tanto pela história oficial,quanto pela história que se contado movimento sindical no Brasil.

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AAAAAcccccororororordos cdos cdos cdos cdos coletivoletivoletivoletivoletivos e a questão ros e a questão ros e a questão ros e a questão ros e a questão racacacacaciiiiialalalalal

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A Comissão Nacional Con-tra a Discriminação Racial(CNCDR) da Central Única dosTrabalhadores é um coletivo quediscute a questão racial dentrodo movimento sindical e no mun-do do trabalho. Para isso, foramestabelecidas algumas comissõesencarregadas de pôr o tema empauta em acordos coletivos, emquestões de saúde, etc.

O professor e sindicalista,Maurício Pereira, ligado à Cor-rente Sindical Classista, é um doscoordenadores do coletivo den-tro da CUT São Paulo e tambémmembro da ONG União de Ne-gros pela Igualdade. “A CNCDRestá organizando um grande en-contro para novembro, quandohaverá um debate com sindicalis-tas de todo o país, sobre a ques-tão racial nos acordos coletivos etirar deliberações para serem

apl i cadas no d ia -a -d ia dasre lações do t raba lho . ”

Segundo o sindicalista,os negros são a maioria nomercado de tra-balho informal eentre os desem-pregados, o queé uma forma deracismo.

M a u r í c i oressalta que amaioria dos sin-dical istas nãotem consciênciado que é o racis-mo. “Acham queé aquilo quandoo cara xinga o jo-gador de futebolou um ou outro caso de dis-cussão, não o colocam no seucotidiano, não estão vendo ofato de seu companheiro ser de-

Hildo Soaresde Souza é, atualmen-te, secretário de For-mação da CUT-SP ediretor do Sindicatodos Metalúrgicos doABC, desde 1984.Hildo explica que adiscussão racial só ga-nhou espaço nosindicalismo no inícioda década de 90, prin-cipalmente após a cri-ação da Comissão Na-cional Contra a Dis-criminação Racial daCUT. “A partir daí, co-meçamos a levar a luta contra a dis-criminação racial para dentro do sin-dicato e a recomendar a criação decomissões por ca tegor ia pro-f i s s ional .”

A consolidação do 20 de Novembro Ele também

relembra as váriasatividades, levadaspela CUT para ga-rantir a consolida-ção do 20 de No-vembro, como o DiaNacional da Consci-ência Negra, tendocomo marco, a Mar-cha de 300 anos deZumbi dos Palma-res, em 1995. Essamarcha foi precedi-da por várias mani-festações regionais:“Aqui em São Pau-

lo realizamos uma caminhada dedez dias. Saímos da capital e fomosaté Aparecida do Norte”. Participa-ram cerca de 50 pessoas e foram rea-lizados atos públicos em várias cida-

des, como Guarulhos, Arujá, SãoJosé dos Campos, Caçapava eTaubaté. A caminhada conquistoutodo o Vale do Paraíba. Ao chegarem Aparecida do Norte, o movimen-to tinha quase 10 mil participantese em seu encerramento houve umamissa, com a presença do cantor Mil-ton Nascimento, que foi acompanha-da por cerca de 30 mil pessoas.

“A Jornada de Zumbi PelaVida foi um preparativo para a gran-de Marcha de 1995, quando realiza-mos um ato na Capital Federal, com40 mil participantes.”

Hildo destaca que agora, dezanos depois, está sendo preparadauma nova manifestação, a ser reali-zada no dia 22 de novembro. De SãoPaulo, já existem ônibus reservadospara repetir o sucesso da marcha dos300 anos de Zumbi.

mitido, por ser negro.” Apesar daexistência desse coletivo dentroda CUT, de se ter uma estruturanacional e estadual que discutem

a questão racial, odebate sobre o temaainda é precário epoucos sindicatosanalisam seriamen-te o problema.

Para o sindi-calista, a CUT deveinstigar as CUTs re-gionais a criar cole-tivos negros, que,por sua vez, terãotambém de instigaros sindicatos a orga-nizarem grupos deatuação. É preciso

ter, segundo Maurício, dentro dopróprio sindicato, pessoas paradebater o tema e trazer mais ne-gros para a prática sindical.

Douglas Mansur

Para o professor Maurício, amaioria dos sindicalistas nãotem consciência do racismo.

Eisner Soares

Hildo rememora a JornadaZumbi pela Vida, que pre-parou a grande Marcha até

Brasília em 1995

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A CUT incorpora as rei-vindicações dos militantes quelutam contra a discriminaçãoracial e cria espaços para queeles se organizem, com o obje-tivo de fortalecer essa luta,como uma luta da classe traba-lhadora. A central entende quea desigualdade entre negros ebrancos é resultado de umaconstrução social que busca eli-minar a presença dos negros noprocesso de formação da socie-dade brasileira.

A mobilização sobre atemática racial se intensificouna década de 90. Em 1992, aCUT denuncia à OrganizaçãoInternacional do Trabalho(OIT) o descumprimento daConvenção 111 (que trata dadiscriminação) e também pro-põe a criação de um mecanis-mo de governo que permitisse

a formulação de políticas públi-cas de combate à discriminaçãoracial.

Em 1994 e 1995 são reali-zadas duas conferências sindicaisinteramericanas pela igualdaderacial, na Bahia e nos EstadosUnidos, que deram origem aoInstituto Sindical Interamericanopela Igualdade Racial (Inspir).Em 1995 foi realizada a Jornadade Zumbi Pela Vida, uma cami-nhada de São Paulo até Apa-recida do Norte e, no mesmoano, a Marcha Zumbi dosPalmares, com a mobilização detodas as CUTs estaduais.

No 5º Congresso Nacionalda CUT, em 1994, foi oficialmen-te reconhecida a Comissão Na-cional Contra a DiscriminaçãoRacial – CNCDR, cuja tarefatem sido a busca da igualdade,respeitando sempre a diversida-

de. Essa Comissão, vinculada àSecretaria Nacional de PolíticasSociais, organiza informaçõesrelacionadas ao mundo do tra-balho e promove debates eações sindicais que revelam asdiferentes faces do preconceitoe da discriminação racial.

Faz-se necessário aindaque o movimento sindicalcutista amplie o conhecimentosobre as relações raciais, espe-cialmente a discriminação nomercado de trabalho, suas cau-sas e implicações, para intensi-ficar as lutas pela superaçãodessas desigualdades e pela bus-ca da cidadania para os traba-lhadores (as) negros (as).

O InstitutoSindical Interame-ricano Pela Igualda-de Racial (Inspir) é oresultado de uma ar-ticulação entre as trêscentrais sindicais bra-sileiras CUT, CGT eForça Sindical, jun-tamente com a AFL-CIO (Central Sindi-cal dos Estados Uni-dos) e a ORIT (Or-ganização RegionalInteramericana dosTrabalhadores).

“Essas entida-des realizaram em agosto de1994, a Primeira ConferênciaInteramericana Pela IgualdadeRacial, em Salvador (BA), quan-do fizeram um diagnóstico da si-tuação dos negros nos EUA, Bra-sil, América Latina e Caribe e naÁfrica do Sul”, diz NeideAparecida Fonseca, atual presi-

Instituto parInstituto parInstituto parInstituto parInstituto para ca ca ca ca combombombombombater a discater a discater a discater a discater a discriminriminriminriminriminação ração ração ração ração racacacacaciiiiialalalalal(as)”, informa Neide.

São promovidos cursos,palestras, oficinas de gênero e deraça, sobre direitos humanos fun-damentais, negociação coletiva,auto-estima, discussões sobrenegritude, etc. Nos dez anos deexistência, já passaram por seuscursos cerca de 11 mil sindicalis-tas, dos mais diversos estados bra-sileiros.

A direção do instituto écomposta por representantes dascentrais e por um conselho sin-dical. A sede fica na avenidaRangel Pestana, 243, conjunto72, Centro de São Paulo, telefo-ne (0xx11) 3105-0466.

Neide explica que o Inspirestá aberto à participação das en-tidades sindicais que “busquemorientação e formação de diri-gentes e dos depar tamentosjurídicos na área da igualdaderacial”.

dente do Inspir esecretária de Polí-ticas Sociais daCNB (Confedera-ção Nacional dosBancários). Emagosto de 1995,foi realizada a Se-gunda Conferên-cia, em Washing-ton (EUA), quan-do foi aprovada acriação de um me-canismo internaci-onal que desse en-caminhamento aessas discussões.

“O Inspir nasceu no dia 20de novembro de 1995, com o ob-jetivo de formar e capacitar diri-gentes sindicais na temática dadiscriminação racial e prepará-lospara negociar cláusulas referen-tes à promoção da igualdade ra-cial e incentivar a organizaçãodos trabalhadores (as) negros

Neide explica: 11 mil jápassaram pelos nossos cursos

Douglas Mansur

A discussão racial na CUT

Maria Izabel da Silva (Bel)Coordenadora da Comissão Nacional

Contra a Discriminação Racial –CNCDR/CUT

Zumbi 300 anos + 10 2005 37

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Adi dos Santos Lima entrouno movimento sindical em 1987,quando foi eleito para a comissãode fábrica dos trabalhadores daMercedes Benz de São Bernardo,empresa em que ele trabalha des-de 1978. Ali, começou como auxi-liar de Almoxarifado, foi digitadore depois programador de produ-ção. No ano de 1996, ele assumiua direção do Sindicato dos Meta-lúrgicos do ABC e em 2001, foipara a presidência da Federaçãodos Metalúrgicos da CUT do Es-tado de São Paulo, entidade querepresenta mais de 250 milmeta lúrg icos .

“Nós, do movimento sindi-cal, sempre nos preocupamos

Para o presidente da FEM, a abolição da escravidãoé uma história que ainda não acabou.

Douglas Mansur

Há uma abolição ainda por fazerHá uma abolição ainda por fazerHá uma abolição ainda por fazerHá uma abolição ainda por fazerHá uma abolição ainda por fazermais com a questão econômica.Essa cultura começou a ser mu-dada ao longo do tempo e, na dé-cada de 90, foi introduzido um novoperfil para os sindicatos, mais pre-ocupados com as questões sociais,o chamado sindicato cidadão.”

CCCCCotototototas por divas por divas por divas por divas por divererererersidsidsidsidsidadeadeadeadeade

Essa mudança propiciouum debate maior sobre a partici-pação das mulheres, dos negros edos jovens. “Temos debatido, ex-plica Adi, a questão do negro, prin-cipalmente em relação ao merca-do de trabalho.”Na última campa-nha salarial dos metalúrgicos, en-tre as reivindicações, está a cria-

ção de cotas de contratação pordiversidade para negros, mulheres,jovens e pessoas com mais de 40anos de idade.Essa reivindicação,entretanto, foi rejeitada.“As em-presas alegam que não fazem qual-quer discriminação e que contra-tam de acordo com as necessida-des, mas nós vamos continuar rei-vindicando e lutando por isso”, eleressalta.Há uma discriminaçãomuito grande na sociedade brasi-leira, não apenas no setor meta-lúrgico. As oportunidades para osnegros e negras são menores e seacentuam pela baixa escolaridadede muitos, pois são alijados doacesso à educação, num círculovicioso.Ele lembra também queexiste diferença salarial entre ne-gros e brancos, só não ocorre nascategorias mais organizadas, poisos próprios trabalhadores impedemque isso aconteça.

Adi adverte que “muitos sin-dicatos não levam em considera-ção, na hora de compor as direto-rias, a questão racial, a participa-ção da mulher e do jovem”.Paraele a discriminação que há na so-ciedade reflete-se, muitas vezes,no próprio movimento sindical.“Todos os que lutamos por uma so-ciedade mais justa, temos que teressa preocupação, sempre.”Aoanalisar a situação do Brasil e dosnegros no Brasil, ele observa que“a abolição da escravidão é umahistória que ainda não acabou”. Háainda muita exploração no Brasil,muitos redutos de trabalho escra-vo, de exploração de trabalho in-fantil, de desrespeito aos direitosbásicos, de inferiorização da mu-lher e de preconceito contra o ne-gro e a negra.

“Há, portanto, uma aboliçãoainda por fazer!”

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Paulo Lage é o presidente doSindicato dos Químicos do ABC,entidade que representa mais de 38mil trabalhadores na base, de cercade 900 empresas, dos segmentos quí-mico, plástico, borracha e petroquí-mico. Ele atua no sindicato desde1991.

Em relação à questão do negro,o seu sindicato está atento e colocasempre como assunto de pauta dasdiscussões. Paulo afirma que o ra-cismo e a discriminação são realida-des no Brasil. Ele relembra um epi-sódio ocorrido no último dia 3 de ou-tubro, quando teve de prestar escla-recimento numa delegacia de polí-cia da região do ABC, por causa deum movimento dos trabalhadores naportaria de uma das empresas. O es-crivão, na hora de preencher a ficha,colocou Paulo como de cor parda.Ele disse quer era negro e o funcio-nário argumentou que ele não era

preto. “Sou negro!”, Paulo respon-deu, mas não houve acordo. Aliás,esse problema sobre a definição dacor foi detectado numa pesquisa fei-

O importO importO importO importO importante é não abante é não abante é não abante é não abante é não abaixaixaixaixaixar a car a car a car a car a cabeçaabeçaabeçaabeçaabeça

José Isaac Gomes, ou Isaaccomo é mais conhecido, participada coordenação do Sindicato dosQuímicos e Plásticos de São Pau-lo, entidade que representa cercade 50 mil trabalhadores, em quase3 mil empresas, espalhadas pelacapital paulista. Isaac é funcioná-rio da Globalpack, empresa queatua no setor plástico e tornou-sedirigente sindical em 1994.

“Entre as muitas atividadesque nosso Sindicato realiza, umadas mais importantes, é voltadapara a valorização do negro, sua in-serção na sociedade e o resgate e apreservação de sua cultura.”

O Sindicato, informa Isaac,conta com uma comissão, compos-ta por sete pessoas para aprofundara discussão sobre a questão do ne-gro. Ela realiza palestras, debates,apresentação de filmes e ações di-versas. “Agora, no mês de novem-bro, estão programadas várias ati-vidades culturais, artísticas e deconscientização do negro, além de

NossNossNossNossNossa luta luta luta luta luta dea dea dea dea devvvvve fe fe fe fe fazer parte de umazer parte de umazer parte de umazer parte de umazer parte de uma luta luta luta luta luta ga ga ga ga gerererereralalalalal

ta pelo sindicato no último congres-so da categoria. “As pessoas nem sem-pre se assumem como negras, até poruma questão cultural”.

Na campanha salarial deste ano,um dos itens da pauta estabelece aigualdade de oportunidades entrebrancos, negros, mulheres brancas enegras, embora o preconceito nuncaseja reconhecido pelas empresas.“Antes, o preconceito era escancara-do, hoje as empresas adotam políti-cas sociais e vivem em busca decertificações, portanto, procurammaquiar a realidade, dando umapromoçãozinha aqui e outra lá.”

Paulo Lage afirma que “o maiorproblema da discriminação é sofrê-la e permanecer calado”. Quem é dis-criminado e se cala, será discrimina-do em outras ocasiões, seja por cor,condição social, etc. E conclui: “ Oimportante é não abaixar a cabeça eaceitar a discriminação”.

um grande baile de samba-rock queencerrará a programação.” Isaac res-salta a importância de os negros te-rem consciência do que representamna sociedade, de se garantir a elesacesso à informação específica e dese criar “uma massa crítica” , capazde lutar no dia-a-dia pelos seus direi-tos, de combater as formas variadas

de racismo e de discriminação ede conquistar o respeito da so-ciedade.

O líder sindical relembratambém a sua participação nasgrandes manifestações, por ocasiãodo 20 de Novembro de 1995, edestaca a importância de se conso-lidar a data como um dia de refle-xão, de valorização das raízes e dereforço da auto-estima do homeme da mulher negra.

Isaac, entretanto, mantém apreocupação constante de que essaluta precisa envolver toda a socie-dade, não ficando restrita apenas àpopulação negra.” A luta dos ne-gros e negras deve fazer parte deuma luta mais geral, em busca deuma sociedade realmente justa,igualitária e sem discriminação,por isso, precisamos ter a sensibi-lidade de buscar a unidade com osdemais segmentos excluídos da so-ciedade e vítimas da exploração,para que possamos realmentetransformar nossa realidade.”

Para Isaac, os negros precisam terconsciência do que representam

Douglas Mansur

“O problema da discriminação ésofrê-la e permanecer calado!”

Dino P.dos Santos/Arq.QuimABC

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“O Estatuto da Igualdade Ra-cial representa a verdadeira cartade alforria da nação negra, pois eleirá garantir aos negros o acesso àeducação, à saúde, à terra, titula-ridades para as comunidadesquilombolas, além de endurecer ocombate ao racismo”,informa, em entrevistaexclusiva à Revista daCUT-SP Especial, o se-nador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto.

O senador explicaque a situação do negrono Brasil é praticamen-te a mesma de há dez,vinte ou trinta anos. Oquadro geral é preo-cupante e os avançosforam poucos e nãomuito significativos. “Osdados do IBGE, anali-sando a População Eco-nomicamente Ativa,mostram que o país fi-cou mais rico, mas osnegros continuam po-bres e excluídos social-mente.” Paulo Paim res-salta que a presença denegros em instituiçõescomo o Poder Executi-vo, o Congresso Nacio-nal e universidades nãopassa de 5%: “Isso numpaís em que os negrosrepresentam 50% da população!”.

Segundo Paulo Paim esse é oresultado perverso de nossa longahistória de discriminação. “O Bra-sil foi o último país a acabar com aescravidão, mas o negro não ga-nhou com a abolição o direito àposse da terra, a estudar, enfim a

se integrar na sociedade, foi sem-pre posto à margem.”

O senador do PT explica queo projeto do estatuto é o resultadode uma reação do movimento ne-gro contra a discriminação. Elesurgiu de um longo processo de

debates entre o Movimento Negro,pesquisadores e políticos.

“Houve audiências públicas evisitas a estados que tinham políti-cas de sucesso no combate à dis-criminação e de promoção daigualdade racial, numa luta que étravada há sete anos”, explica.

EstEstEstEstEstatuto datuto datuto datuto datuto da Igua Igua Igua Igua Igualdaldaldaldaldade Rade Rade Rade Rade Racacacacaciiiiial é a cal é a cal é a cal é a cal é a cartartartartarta de alfa de alfa de alfa de alfa de alforriorriorriorriorriaaaaa

O Estatuto da Igualdade Racial será a carta de alforria danação negra, afirma o senador Paulo Paim (PT-RS)

Antonio Cruz/ ABr

CCCCCotototototas e Fas e Fas e Fas e Fas e Fundoundoundoundoundode igualdadede igualdadede igualdadede igualdadede igualdade

Fica previsto pelo projeto, acriação de um Fundo Nacional dePromoção de Igualdade Racial,para realização de ações de políti-cas públicas em defesa da comu-

nidade negra, com recur-sos provenientes da LeiOrçamentária da União,de transferências de re-ceitas de estados, muni-cípios e do Distrito Fede-ral e de doações voluntá-rias e de empresas, comdedução do Imposto deRenda.

Em relação às cotas,o estatuto prevê a reser-va de 20% para a popu-lação negra nas universi-dades, nos meios de co-municação, nos concur-sos públicos e nas empre-sas com mais de 20 fun-cionários. A cota nos par-tidos políticos sobe para30%. Na questão de saú-de, define a adoção doquesito cor em toda a do-cumentação do SistemaÚnico de Saúde, incenti-vo à pesquisa e tratamen-to de doenças mais co-muns na população ne-gra, tais como anemiafalciforme, hipertensão

arterial, diabetes, etc.Paim diz que a aprovação do

estatuto será o começo da reali-zação de um sonho: “O sonho dever um país de cidadania plena,com brancos e negros, andando demãos dadas, para eliminar todasas formas de preconceito”.

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Zumbi 300 anos + 10 2005 41

Memória das lutasÉ importante lembrar sempre das lutas, ter memória, para que a

história dos negros brasileiros não se perca, jamais!

Zumbi 300 Anos: Membros do Movimento Negro na marcha em comemoração aos300 anos de morte de Zumbi dos Palmares, em Brasília

Jefferson Rudy/Folha Imagem

300 Anos Zumbi: passeata "JornadaZumbi pela Vida" em Roseira (SP).

A passeata foi até Aparecida do Norte

Marina Azevedo/Folha Imagem

Líderes do MST, de estudantes, de movimentos negros e representan-tes dos índios decidem, após reunião em Coroa Vermelha (BA), sair

em passeata até Porto Seguro (BA) para um protesto durante acomemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem

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CUT-SP - Como está hojea situação dos negros noBrasil?

Ministra – A situação mu-dou muito nos últimos anos.Hoje, já se observa, depois deduas décadas de lutas, umavanço na consciência dapopulação negra, que pres-siona os governos estaduais,os municipais e o próprio go-verno federal a dar respostasàs demandas históricas nãosó do movimento negro, mastambém dos indígenas e dosciganos. Desses grupos, da-mos especial atenção à popu-lação negra, pois ela repre-senta 50% da populaçãobrasileira.

CUT-SP – A senhora diz queos negros representam pratica-mente a metade da populaçãobrasileira, mas a maioria viveexcluída e reclama da discrimi-nação. Há mesmo racismo noBrasil?

Ministra – Des-de as atividadesdo movimentonegro em 1978,considero queuma grande con-quista foi a dedesmascararmosa idéia da “democracia racial”.Essa visão prestou umdesserviço à nação brasileira,marcada por tanta exclusão edesigualdade social. O desmas-caramento provocou uma dinâ-

mica de avanço das lutas con-tra a discriminação.

CUT-SP – E a situação da mu-lher negra?

Ministra – Amulher negra éa mais prejudi-cada em nossasociedade, víti-ma da hostilida-de do racismo edo machismo.Ela está no se-

tor mais empobrecido do Bra-sil, mas também é ela a que maisreage a essa situação. Hojevocê vê que a mulher negra su-pera as dificuldades e ganha es-paços nas universidades, no am-

biente de trabalho, no ter-ceiro setor. As mulheres,e as mulheres negras emparticular, são as grandesprotagonistas dos movi-mentos sociais.

CUT-SP - O que é o Pro-grama Brasil sem Ra-cismo?

Ministra – O “Brasil semracismo” é na verdade onosso programa de gover-no. Ele surgiu ainda nacampanha presidencial,quando se consultou osmovimentos sociais e des-sa consulta surgiu umaproposta de governo.

CUT-SP– Quais são ospontos centrais desse

programa?

Ministra – Nossa prioridadecentra-se no desenvolvimentoeconômico e na inclusão da po-pulação negra, sob os seguinteseixos de atuação: política espe-cial, voltada para os remanes-centes de quilombos; desenvol-vimento de trabalho e geraçãode renda; educação e cidadania;diversidade cultural e combateà intolerância religiosa; saúde equalidade de vida; capacitaçãode gestores públicos e agentessociais e relações internaci-onais.

CUT-SP – Que políticas sãovoltadas para as comunidadesquilombolas?

“ A mulher negra é a maisprejudicada em nossasociedade, vítima da

hostilidade do racismoe do machismo.”

Por um Brasil sem racismoA ministra-Chefe da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir),Matilde Ribeiro, em entrevista exclusiva à Revista CUT-SP Especial, analisa a situação dos negros

no Brasil, fala sobre as atividades de sua pasta, principalmente aquelas voltadas para ascomunidades quilombolas, conta experiências de ação afirmativa e aposta no diálogo, como

caminho para atender demandas históricas.

Divulgação

Para a ministra Matilde Ribeiro, a Seppir estárealizando importantes programas de desenvolvimen-

to econômico e de inclusão da população negra

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Ministra – As comunidadesquilombolas são nossa principalprioridade. Temos hoje duasmil comunidades mapeadas, emtodos os estados brasileiros,mas concentradas principal-mente no norte e nordeste. Esteainda não é o universo total,pois há muitas comunidadesquilombolas nas áreas ruraisque ainda não foram reconhe-cidas como tal. Cabe a nossa Se-cretaria a coordenação do Pro-grama Brasil Quilombola, queenvolve outros ministérios e ór-gãos de governo, como o Mi-nistério do DesenvolvimentoAgrário, o Incra, o Ministérioda Cultura e a Fundação Cul-tural Palmares, o Ministério doDesenvolvimento Social e Com-bate à Fome, etc., que atuamconjuntamente. A prioridade égarantir a regularização fun-diária dessas comunidades eatender as demandas históri-cas de educação, habitação,saúde, etc.

CUT-SP – O que vem sendo fei-to em relação às políticas afir-mativas?

Ministra – Fizemos várias açõespara promover políticas públi-cas de igualdade de oportuni-dades, de combate à discrimi-nação. É claro que num curtoespaço de tempo, não temoscondições de atender demandasacumuladas em muitos anos,mas ampliamos as ações, atu-ando em conjunto com outrosministérios. Em relação à edu-cação, uma experiência interes-sante é a do projeto tocado como MEC no Programa Universi-dade para Todos (Pró-UNI)que assegura ações afirmativaspara alunos do ensino público(em especial os negros e indí-genas) no ensino superior pri-vado. Isso irá beneficiar neste

ano 112 mil alunos, sendo 48%negros, que jamais poderiam in-gressar numa universidade semessa medida. Estamos dialogan-do também com o CongressoNacional para que aprove o Pro-jeto de Lei nº 3.227 para im-

plantação do Sistema de Reser-va de Vagas para Negros e In-dígenas no Ensino SuperiorPúblico Federal, além deacompanhar onde já existemcotas e estimular novas açõesafirmativas.

CUT-SP – Há quem argumenteque as cotas estimulam adivisão racial e irão acentuarainda mais a discriminação noBrasil. O que acha ?

Ministra – Trata-se de uma opi-nião retrógrada. Ela parte domesmo ideário que sustentoupor muitos anos a existência deuma democracia racial no Bra-sil. Quem combate as cotas,quer simplesmente a manuten-ção do “status quo”, dos privi-légios, sobretudo, dos brancosricos.

CUT-SP – Qual a expectativapara o dia 20 de Novembro?

Ministra – Há duas marchas,com formatos diferentes, orga-nizadas pelos movimentos so-ciais. Seria mais saudável que amarcha fosse unificada, masiremos dialogar com as duas. Éimportante a autonomia dosmovimentos e é fundamental o

“Quem combate as cotas,quer simplesmente a

manutenção do‘status quo’...”

governo manter diálogo com asociedade civil.

CUT-SP – Poderia dar umamensagem à população negra?

Ministra – É importante a or-ganização e a pressão para quese possa avançar nas políticaspúblicas. Por isso, um movi-mento organizado e crítico, masdisposto ao diálogo, é funda-mental. O Governo tem nosmovimentos a sua maior basede sustentação e aposta sempreno diálogo.

Matilde Ribeiro,ministra Chefe da Secreta-ria Especial para Políticasde Promoção da IgualdadeRacial, nasceu na cidade deFlórida Paulista (SP).“Tornei-me ministra porconta das organizações dosmovimentos sociais”. Ela éformada em Serviço Socialpela PUC-SP e tem mes-trado em Psicologia Social.Preparava sua tese de dou-torado em Serviço Social,quando foi convidada a as-sumir a Seppir. Isso se deupor conta da sua atuaçãonos movimentos feministase no movimento negro. Fezparte do grupo fundador daSOWETO Organização Ne-gra, em São Paulo, atuou noFórum de Mulheres Paulis-tas e Brasileiras; no Movi-mento Nacional de Mulhe-res Negras e no MovimentoNegro. Ela se define como oproduto de uma sociedadeque reagiu ao racismo.

Zumbi 300 anos + 10 2005 43

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Em 20 de novembro de1995, nas comemorações dostrezentos anos de Zumbi dosPalmares, o movimento negrobrasileiro realizou a MarchaZumbi dos Palmares - Contrao Racismo, pela Igualdade e aVida. Uma manifestaçãoque reuniu cerca de 30 milpessoas, em Brasília.

A marcha influen-ciou os rumos da luta con-tra o racismo em nossopaís e a questão racial ne-gra passou a ser vistacomo um dos impassesnacionais a serem soluci-onados para a construçãode um Brasil sem racismo,justo e igualitário.

Apesar do avançoda luta, os negros continu-am na base da pirâmidesocial, com os piores em-pregos e salários; menoríndice de escolaridade;menor acesso à saúde; sãoas vítimas preferenciais daviolência do Estado; so-frem com a pobreza e vivemnum país com profunda desi-gualdade econômica e socialracializada. O processo degenocídio da população negrano Brasil atingiu níveis alar-mantes com a proliferação donarcotráfico e através da vio-lência policial e da ação dos gru-pos de extermínio.

Veja abaixo os pontos principais do Manifesto daII Marcha Zumbi + 10: Contra o Racismo, Pela Igualdade e a

Vida, que será realizada dia 22 de novembro, Brasília, comconcentração a partir das 8 horas em frente à Catedral, na

Esplanada dos Ministérios.A superação dessa situa-

ção exige mudança na políticaeconômica do governo, com oobjetivo de distribuir renda eenfrentar a pobreza, estancan-do o vertiginoso enriquecimen-to do setor financeiro. O

neoliberalismo implantado noBrasil tem significado para po-pulação negra, atraso político esocial.

Diante dessa realidade, énecessária a presença do movi-mento negro nas ruas, lutandocontra o racismo, por mudan-ças reais no nosso país. Por isso,convocamos todos e todas para

o DIA 22 DE NOVEMBRO DE2005, data em que celebramosos noventa e cinco anos da Re-volta da Chibata, comandadapor João Cândido, o Almiran-te negro, a II Marcha Zumbi+ 10: Contra o Racismo, Pela

Igualdade e a Vida.Uma marcha que,

além de fazer um balançodas conquistas e avançosobtidos, irá exigir do Es-tado Brasileiro o reco-nhecimento do conceitode reparação como eixoprincipal para implemen-tação de políticas de com-bate ao racismo e de pro-moção da igualdade raci-al, a aprovação do Esta-tuto da Igualdade Raciale do Projeto de Cotas nasUniversidades, agilizaçãoda titulação e regulari-zação das terras qui-lombolas.

A II Marcha contrao Racismo, pela Igualda-de e a Vida será integrada

por todos os setores da socie-dade dispostos a fortalecer umamplo movimento por mudan-ça que consiga concretizar osonho de um novo Brasil semracismo, justo e igualitário.

Comitê Impulsor Zumbi + 10 II Marcha contra o Racismo,

pela Igualdade e a Vida

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Marcha histórica

O Movimento Negro realizou grandes manifestações por ocasião dos 300 Anos de Zumbi:marcha contra a discriminação na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 20/11/95. Agora, dez

anos depois, vamos repetir o sucesso do movimento.

Juca Varella/Folha Imagem

Zumbi 300 anos + 10 2005 45

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• BENTO, Cláudio Moreira - Zumbi dos Palmares e sua projeção histórica - http://www.resenet.com.br.

• CARNEIRO, Maria Luiza Tucci - O Racismo na História do Brasil – Mito e realidade – Editora Ática

• FAZZI, Rita de Cássia - O drama racial de crianças brasileiras – Socialização entre pares e preconceito – Autêntica Editora

• FREITAS, Décio - Palmares – A Guerrra dos Escravos – Edições Graal Ltda.

• FRY, Peter - A Persistência da raça - Ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral – Editora Civilização Brasileira

• FUNARI, Pedro Paulo A. - Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo de Palmares

• KOSSOY, Boris e CARNEIRO, Maria Luiza Tucci - O Olhar europeu – O negro na iconografia brasileira do século XIX. EDUSP (Reprodução de fotos do período foram feitas a partir dessa publicação).

• LINS, Osman - Do ideal e da glória: Problemas inculturais brasileiros. São Paulo. Summus, 1977.

• MUNANGA, Kabengele - Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil – Identidade Nacional versus identidade negra - Autêntica Editora

• NOGUEIRA, Oracy - Preconceito em Marca – As relações raciais em Itapetininga

• ORTIZ, Renato - O que é Cultura Brasileira? – Editora Brasiliense

• REIS, Cláudio - Movimento negro e a relação classe/raça – Espaço Acadêmico – http://www.espaçoacademico.com.br.

• SCHWARCZ , Lilia Morits - O Espetáculo das Raças – Cientistas, instituições e questão racial no Brasil – Companhia das Letras

• SCHWARCZ , Lilia Morits - Racismo no Brasil – Folha Explica – Publifolha

• SILVA, Maria Palmira e SANTOS, Genilda (Organizadoras) - Racismo no Brasil – percepções da discriminação e do preconceitoracial no século XXI – Editora Fundação Perseu Abramo

• Revista Estudo Avançados - Instituto de Estudos Avançados da USP – Edição de Nº 50 – Janeiro/Abril 2004.

• Revista Histórica - Arquivo do Estado de São Paulo e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Nº 14 Abril/Julho 2004 e Nº 15Julho/Setembro 2004.

• BIS – Boletim do Instituto de Saúde - Nº 31 – Dezembro 2003

• Coleções Caros Amigos - Rebeldes Brasileiros Nº 1 – Zumbi e Chiquinha Gonzaga

• Folha de S.Paulo - 19/06/2005 – A feijoada Mudou – Marcos Strecker

• Folha de S.Paulo - Especial sobre os 500 anos de descobrimento – Abril/2000

• O Globo - 14/04/2004 - A lógica das cotas raciais -

• O Globo - 20/06/05 - “A democracia racial infelizmente virou vilã – Luciano Trigo

• USPONLINE - Novas Leis e Cotas – Ascensão e Inclusão dos Negros – Marara Borges – Usponline.

• AGÊNCIA USP - Linguagem agressiva do rap mostra a realidade de jovens negros da periferia

FONTES DE PESQUISA E OBRAS CONSULTADAS

Revista CUT/SP é uma publicação da CUT/SP. Endereço para correspondência: R.CaetanoPinto, 575 – 2º andar, CEP 03041-000, Brás -SãoPaulo (SP). E-mail: [email protected]: 2108-9162 / 2108-9163.Distribuição Gratuita. Data da Edição:NOV.2005. Receba a Revista CUT/SP em suacasa. Envie seu nome e endereço por e-mailpara: [email protected].

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ESSE MUNDO É MEUSérgio Ricardo

Esse mundo é meuFui escravo no reino e souEscravo no mundo em que estouMas acorrentado ninguém pode amarSaravá, OgumMandinga da gente continuaCadê o despacho pra acabar?Santo guerreiro da florestaSe você não vemEu mesmo vou brigar